A LITERATURA INFANTIL NOS PRIMEIROS ANOS
ESCOLARES E A PEDAGOGIA DE PROJETOS
Cíntia Maria Basso
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ouvir e ler histórias é entrar em um mundo encantador, cheio ou não de
mistérios e surpresas, mas sempre muito interessante, curioso, que diverte e
ensina. É na relação lúdica e prazerosa da criança com a obra literária que
temos uma das possibilidades de formarmos o leitor. É na exploração da
fantasia e da imaginação que instiga-se a criatividade e se fortalece a interação
entre texto e leitor. Quem de nós não lembra com saudades das histórias lidas
e ouvidas quando crianças? Daquela historinha contada por nossos pais ao pé
da cama antes de dormir? Ou daquela contada e interpretada pela professora
nas primeiras séries do ensino fundamental?
Na interação da criança com a obra literária está a riqueza dos aspectos
formativos nela apresentados de maneira fantástica, lúdica e simbólica. A
intensificação dessa interação, através de procedimentos pedagógicos
adequados, leva a criança a uma maior compreensão do texto e a uma
compreensão mais abrangente do contexto. Uma obra literária é aquela que
mostra a realidade de forma nova e criativa, deixando espaços para que o leitor
descubra o que está nas entrelinhas do texto.
A literatura infantil, portanto, não pode ser utilizada apenas como um "pretexto"
para o ensino da leitura e para o incentivo à formação do hábito de ler. Para
que a obra literária seja utilizada como um objeto mediador de conhecimento,
ela necessita estabelecer relações entre teoria e prática, possibilitando ao
professor atingir determinadas finalidades educativas. Para tanto, uma
metodologia baseada em um ensino por projetos é uma das possibilidades que
tem evidenciado bons resultados no ensino de língua materna.
2. UM POUCO DA HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL
A literatura infantil divide-se em dois momentos: a escrita e a lendária. A
lendária nasceu da necessidade que tinham as mães de se comunicar com
seus filhos, de contar coisas que os rodeavam, sendo estas apenas contadas,
não sendo registradas por escrito. Os primeiros livros infantis surgiram no
século XVII, quando da escrita das histórias contadas oralmente. Foram obras
de fundo satírico, concebidas por intelectuais que lutavam contra a opressão
para estigmatizar e condenar usos, costumes e personagens que oprimiam o
povo. Os autores, para não serem atingidos pela força do despotismo, foram
obrigados a esconder suas intenções sob um manto fantasioso (Cademartori,
1994).
O início da literatura infantil pode ser marcado com Perrault, entre os anos de
1628 e 1703, com os livros "Mãe Gansa", "O Barba Azul", "Cinderela", "A Gata
Borralheira", "O Gato de Botas" e outros. Depois disso, apareceram os
seguintes escritores: Andersen, Collodi, Irmãos Grimm, Lewis Carrol, Bush. No
Brasil, a literatura infantil pode ser marcada com o livro de Andersen "O Patinho
Feio", no século XX. Após surgiu Monteiro Lobato, com seu primeiro livro
"Narizinho Arrebitado" e, mais adiante, muitos outros que até hoje cativam
milhares de crianças, despertando o gosto e o prazer de ler (Cademartori,
1994).
3. LITERATURA INFANTIL: UM MUNDO DE IMAGINAÇÃO, SONHOS E
FANTASIAS
A criança que desde muito cedo entra em contato com a obra literária escrita
para ela terá uma compreensão maior de si e do outro. Terá a oportunidade de
desenvolver seu potencial criativo e ampliar os horizontes da cultura e do
conhecimento, percebendo o mundo e a realidade que a cerca. Para
Bettelheim (1996),
enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece
sobre si mesma, e favorece o desenvolvimento de sua
personalidade. Oferece significado em tantos níveis
diferentes, e enriquece a existência da criança de tantos
modos que nenhum livro pode fazer justiça à multidão e
diversidade de contribuições que esses contos dão à vida
da criança (p.20).
Na concepção de Aguiar & Bordini (1993),
a obra literária pode ser entendida como uma tomada de
consciência do mundo concreto que se caracteriza pelo
sentido humano dado a esse mundo pelo autor. Assim,
não é um mero reflexo na mente, que se traduz em
palavras, mas o resultado de uma interação ao mesmo
tempo receptiva e criadora. Essa interação se processa
através da mediação da linguagem verbal, escrita ou
falada ... (p.14).
Concordando com essas autoras, Cademartori (1994, p.23), afirma que
... a literatura infantil se configura não só como
instrumento de formação conceitual, mas também de
emancipação da manipulação da sociedade. Se a
dependência infantil e a ausência de um padrão inato de
comportamento são questões que se interpenetram,
configurando a posição da criança na relação com o
adulto, a literatura surge como um meio de superação da
dependência e da carência por possibilitar a reformulação
de conceitos e a autonomia do pensamento.
Poucas crianças têm o hábito de ler em nosso país. A maioria tem o primeiro
contato com a literatura apenas quando chega à escola. E a partir daí, vira
obrigação, pois infelizmente muitos de nossos professores não gostam de
trabalhar com a literatura infantil e talvez desconheçam técnicas que ajudem a
"dar vida às histórias" e que, conseqüentemente, produzam conhecimentos.
Muitos não levam em conta o gosto e a faixa etária em que a criança se
encontra, sendo que muitas vezes o livro indicado ou lido pelo professor está
além das possibilidades de compreensão dela em termos de linguagem.
Uma história traz consigo inúmeras possibilidades de aprendizagem. Entre elas
estão os valores apontados no texto, os quais poderão ser objeto de diálogo
com as crianças, possibilitando a troca de opiniões e o desenvolvimento de sua
capacidade de expressão. O estabelecimento de relações entre os
comportamentos dos personagens da história e os comportamentos das
próprias crianças em nossa sociedade possibilita ao professor desenvolver os
múltiplos aspectos educativos da literatura infantil.
Experiências felizes com a literatura infantil em sala de aula são aquelas em
que a criança interage com os diversos textos trabalhados de tal forma que
possibilite o entendimento do mundo em que vivem e que construam, aos
poucos, seu próprio conhecimento. Para alcançarmos um ensino de qualidade,
se faz necessário que o professor descubra critérios e que saiba selecionar as
obras literárias a serem trabalhadas com as crianças. Ele precisa desenvolver
recursos pedagógicos capazes de intensificar a relação da criança com o livro
e com seus próprios colegas. Segundo Bettelheim (1996),
para que uma estória realmente prenda a atenção da
criança, deve entretê-la e despertar sua curiosidade. Mas
para enriquecer sua vida, deve estimular-lhe a
imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar
claras suas emoções; estar harmonizada com suas
ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas
dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os
problemas que a perturbam ... (p.13).
Ao trazer a literatura infantil para a sala de aula, o professor estabelece uma
relação dialógica com o aluno, o livro, sua cultura e a própria realidade. Além
de contar ou ler a história, ele cria condições em que a criança trabalhe com a
história a partir de seu ponto de vista, trocando opiniões sobre ela, assumindo
posições frente aos fatos narrados, defendendo atitudes e personagens,
criando novas situações através das quais as próprias crianças vão construindo
uma nova história. Uma história que retratará alguma vivência da criança, ou
seja, sua própria história. De acordo com Abramovich (1995, p.17),
ler histórias para crianças, sempre, sempre ... É poder
sorrir, rir, gargalhar com as situações vividas pelas
personagens, com a idéia do conto ou com o jeito de
escrever dum autor e, então, poder ser um pouco cúmplice
desse momento de humor, de brincadeira, de divertimento
... É também suscitar o imaginário, é ter a curiosidade
respondida em relação a tantas perguntas, é encontrar
outras idéias para solucionar questões (como as
personagens fizeram ...). É uma possibilidade de descobrir
o mundo imenso dos conflitos, dos impasses, das
soluções que todos vivemos e atravessamos - dum jeito
ou de outro - através dos problemas que vão sendo
defrontados, enfrentados (ou não), resolvidos (ou não)
pelas personagens de cada história (cada uma a seu
modo) ... É a cada vez ir se identificando com outra
personagem (cada qual no momento que corresponde
àquele que está sendo vivido pela criança) ... e, assim,
esclarecer melhor as próprias dificuldades ou encontrar
um caminho para a resolução delas ...
Portanto, a conquista do pequeno leitor se dá através da relação prazerosa
com o livro infantil, onde sonho, fantasia e imaginação se misturam numa
realidade única, e o levam a vivenciar as emoções em parceria com os
personagens da história, introduzindo assim situações da realidade.
é ouvindo histórias que se pode sentir (também) emoções
importantes, como a tristeza, a raiva, a irritação, o bem-
estar, o medo, a alegria, o pavor, a insegurança, a
tranqüilidade, e tantas outras mais, e viver profundamente
tudo o que as narrativas provocam em quem as ouve -
com toda a amplitude, significância e verdade que cada
uma delas fez (ou não) brotar ... Pois é ouvir, sentir e
enxergar com os olhos do imaginário! (Abramovich, 1995,
p. 17).
4. UM ENSINO POR PROJETOS
A Pedagogia de Projetos é um tipo especial de pesquisa-ação que também
está preocupada com a melhora e transformação da prática social, sendo
centrada em uma sucessão organizada de tarefas. Segundo Richter 1997, a
Pedagogia de Projetos
... consiste em uma Investigação-Ação cuja ação social
transformadora a realizar é (essencialmente) uma ação
comunicativa. Esta pode se corporificar em diferentes
linguagens e veículos; mas pretende operar alguma
modificação no ambiente social abrangido pelo veículo da
comunicação ... é um ensino-baseado-em-tarefa ... é um
ensino centrado no aluno, processual em termos de todos
os parâmetros de curso ... a aquisição da linguagem se dá
em bases interacionistas ... (p. 55, "não paginado").
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) da Língua Portuguesa também
mencionam o ensino por meio de projetos. Segundo os autores,
os projetos são excelentes situações para que os alunos
produzam textos de forma contextualizada - além do que,
dependendo de como se organizam, exigem leitura,
escuta de leituras, produção de textos orais, estudo,
pesquisa e outras atividades. ... Os projetos, além de
oferecerem reais condições de produção de textos
escritos, carregam exigências de grande valor pedagógico:
podem apontar a necessidade de ler e analisar
uma grande variedade de textos e portadores do
tipo que se vai produzir: como se organizam, que
características possuem ou quais têm mais
qualidade ...;
o exercício de o escritor ajustar o texto à
imagem que faz do leitor fisicamente ausente
permite que o aluno aprenda a produzir textos
escritos mais completos, com características de
textos escritos mesmo ...;
... a necessidade de revisão e de cuidado com o
trabalho se impõe, pois a legibilidade passa a ser
um objetivo deles ...;
... é possível uma intersecção entre conteúdos
de diferentes áreas ...;
... favorecem o necessário compromisso do
aluno com sua própria aprendizagem ... (1997,
p.70-73).
O trabalho com a literatura infantil desenvolvido via projetos proporciona uma
"vida cooperativa" no ambiente de sala de aula. A criança passa a viver com
mais responsabilidades e autonomia, fazendo parte de um grupo que incentiva
e provoca conflitos. Um ensino por projetos, portanto,
é permitir a crianças que construam o sentido de sua
atividade de aluno. É aceitar que um grupo viva com suas
alegrias, entusiasmos, conflitos, choques, com sua
experiência própria e todos os lentos caminhos que levam
às realizações complexas. Vida cooperativa da aula e
projetos ... Projetos referentes à vida cotidiana, projetos-
empreendimentos, projetos de aprendizado,
cooperativamente definidos, cooperativamente
construídos, cooperativamente avaliados ... (Jolibert,
1994a, p.21).
Através da Pedagogia de Projetos, a criança antecipa e organiza o texto
adequadamente, exigindo de sim mesma que leve a sua tarefa até o fim.
Entretanto, por mais autônoma que seja, a criança não deixa de aceitar a ajuda
que seus parceiros podem oferecer-lhe e vice-versa, adquirindo, desta forma,
auto-estima e senso crítico. No ensino por projetos, a criança não age
passivamente, ela
... conhece seus objetivos; aprende a planejar seu
trabalho, que irá se estender por várias sessões; irá
produzir um tipo de texto identificado desde o começo;
engaja-se pessoalmente na escrita; tem necessidade de
uma turma para confrontar e melhorar sua produção ..."
(Jolibert, 1999b, p.34).
Em um ensino por projetos destaca-se a produção coletiva e colaborativa do
conhecimento, implicando em: a) organização, por parte do grupo, do que se
quer escrever; b) o controle entre o que já está escrito e o que falta escrever; c)
o acordo entre as crianças que fazem parte do grupo; d) a distribuição de
tarefas e responsabilidades.
Portanto, em um ensino através de projetos, segundo Jolibert (1994a),
A vida cooperativa da sala de aula, e da escola, e a
prioridade conferida à prática da elaboração e conduta de
projetos explicitadamente definidos juntos permitem, de
uma maneira exemplar, que a criança viva seus processos
autônomos de aprendizado e se insira num grupo e num
meio considerados como estrutura que estimula, que
exige, que valoriza, que provoca contradições e conflitos e
que cria responsabilidades. Fazer viver uma aula
cooperativa é efetuar uma escolha de educador. Significa
acabar com o monopólio do adulto que decide, recorta,
define ele mesmo as tarefas e torna asséptico o meio. É
fazer a escolha de um processo que leva a turma a se
organizar, a dar-se as regras de vida e de funcionamento,
gerir seu espaço, seu tempo e seu orçamento. Para
conseguir tal empreendimento tem de: escolher, engajar-
se, implementar, responsabilizar-se, regular, realizar,
discutir, comentar, criticar, avaliar, viver (p.20-21).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acredito que a educação seja um espaço para descobertas obtidas através da
participação e colaboração ativa de cada criança com seus parceiros em todos
os momentos, possibilitando, assim, a construção de sujeitos autônomos e
cooperativos.
É, portanto, através de um ensino por projetos, que a literatura infantil ganhará
um sentido maior na vida das crianças. O confronto de opiniões, a motivação,
as interações sociais e o trabalho cooperativo possibilitarão à criança
condições que asseguram o caráter formativo das atividades, através de uma
boa orientação do professor, tendo a finalidade de esclarecer aos alunos o que
devem fazer, como devem fazer, por que e para que fazer tal atividade ou ler
este ou aquele livro. Na literatura infantil, portanto, a criança aprende brincando
em um mundo de imaginação, sonhos e fantasias.
BIBLIOGRAFIA
ABRAMOVICH, F. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 5.ed. São
Paulo : Scipione, 1995.
AGUIAR, V.T. & BORDINI, M.G. Literatura: a formação do leitor:
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BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. 11.ed. Rio de Janeiro
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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília : MEC/SEF,
1997.
CADEMARTORI, L. O que é literatura infantil? 6.ed. São Paulo :
Brasiliense, 1994.
JOLIBERT, J. Formando crianças leitoras. Porto Alegre : Artes Médicas,
1994. v.1
_____ Formando crianças produtoras de textos. Porto Alegre : Artes
Médicas, 1994. v.2
RICHTER, M.G.. Pedagogia de projeto no ensino do português. Santa
Maria : UFSM , 1997. "Não paginado. Digitado".
http://www.ufsm.br/lec/02_01/CintiaLC6.htm