Infâncias Conectadas Ii
Infâncias Conectadas Ii
educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/revista-magisterio NO 13 – 2021
PUBLICAÇÃO DA COORDENADORIA PEDAGÓGICA DA SME PARA OS EDUCADORES DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO
Infâncias
conectadas II
Carta aos leitores
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO SUMÁRIO
BRUNO COVAS
EDITORIAL........................................................................................ 5
SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO
FERNANDO PADULA 20 DE MARÇO DE 2020: DO CONFINAMENTO................................ 6 Gostaríamos de expressar, mais uma vez, a nossa admiração e respeito pelos servidores da Rede
SECRETÁRIA ADJUNTA DE EDUCAÇÃO
A ESCUTA DA CRIANÇA: A IMPORTÂNCIA DA Municipal de Ensino de São Paulo, pela qualidade nos serviços prestados aos nossos bebês, nossas
MINÉA PASCHOALETO FRATELLI
AFETIVIDADE COM BEBÊS E CRIANÇAS PEQUENAS....................... 10 crianças, seus familiares e responsáveis.
SECRETÁRIA EXECUTIVA MUNICIPAL
MALDE MARIA VILAS BÔAS ESCOLA 0 - 3. UMA MUDANÇA (IM) POSSÍVEL.............................. 16 A exemplo disto está a alegria de apresentarmos a Revista Magistério Infâncias Conectadas II,
na versão digital, que traz artigos, relatos e entrevista que dialogam com os princípios e diretrizes
CHEFE DE GABINETE ESCOLA 0 - 3. UM NOVO OLHAR
OMAR CASSIM NETO PARA A OFICINA DE ARGILA........................................................... 22 que compõem a história da Educação Infantil, presentes em diferentes documentos municipais,
COORDENADORA PEDAGÓGICA CEMEI IRAPARÁ: UM CAMINHO PARA A federais e internacionais.
DANIELA HARUMI HIKAWA INTEGRALIDADE DO CURRÍCULO E DAS RELAÇÕES Acreditamos que uma educação de qualidade se faz em colaboração com partilhas, trocas de
NA EDUCAÇÃO INFANTIL............................................................... 28
DIRETOR DA DIVISÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL saberes e experiências e, portanto, desejamos que os relatos trazidos nas páginas seguintes susci-
CRISTIANO ROGÉRIO ALCÂNTARA ENTREVISTA: INFÂNCIAS CONECTADAS
CIDADES EDUCADORAS................................................................. 37 tem e fomentem contínuas reflexões que provoquem a busca de transformações para a garantia do
EQUIPE TÉCNICA
DAISY VIEIRA DE MORAES
direito à Educação Infantil Pública a todos os bebês e todas as crianças que vivem suas infâncias
O PEA COMO ALIADO DA CONSTRUÇÃO COLETIVA
FÁTIMA BONIFÁCIO E AUTORAL DO CURRÍCULO VIVO: RELATO DE nos cotidianos das Unidades Educacionais.
KÁTIA REGINA CAVALCANTI PRÁTICA DA RESSIGNIFICAÇÃO DO PEA DA EMEI
LUCIA HELENA VENDRAMIM CLYCIE MENDES CARNEIRO (DRE BT)............................................. 46 Agradecemos a colaboração de todos que enviaram seus registros, às Unidades Educacionais
MARCIA LANDI BASSO
MATILDE APARECIDA DA SILVA FRANCO CAMPANHA que nos remeteram as belíssimas imagens que compõem esta revista e a todos os sujeitos que, direta
CRIANÇAS PROTAGONISTAS DO PRÓPRIO TRABALHO
PAULA MARIA GONÇALVES FORMATIVO: CONSTRUIR UMA ESCOLA FEITA DE ou indiretamente, colaboraram para a elaboração deste rico material.
PRISCILA DOS SANTOS TEIXEIRA NATUREZA E APRENDER POR DENTRO E POR FORA...................... 56
WANESSA APARECIDA PÉRICO ALEXANDRE Por fim, agradecemos mais uma vez à Associação Rosa Sensat, na figura da professora Tona
O PAPEL DA SUPERVISÃO ESCOLAR NA PANDEMIA....................... 62 Castell, por ter compartilhado gentilmente conosco um pouco das infâncias e dos fazeres pedagó-
EXPLORAR, BRINCAR, IMAGINAR E INTERAGIR: gicos vivenciados pelos bebês, pelas crianças, por seus professores e responsáveis e nas Unidades
O TRABALHO COM OS MATERIAIS DE LARGO ALCANCE................ 68 Educacionais Catalãs.
3
Editorial
Com grande alegria e satisfação, apresentamos a 2ª edição da Revista Magistério “Infâncias
Conectadas”, versão digital.
Na 1ª edição, impressa e entregue nas Unidades Educacionais em dezembro de 2020, apre-
sentamos artigos que retrataram experiências bastante significativas dos cotidianos de diferentes
Unidades Educacionais, tanto na Cidade de São Paulo quanto em Barcelona (Espanha), com o ob-
jetivo de continuar a oferecer recursos para importantes reflexões e encaminhamentos das práticas
educativas que são realizadas e construídas com e para os bebês e crianças da Cidade de São Paulo.
Decidimos, então, fazer uma 2ª edição da Revista Magistério, nesta versão digital, com o desejo
de continuarmos trazendo experiências dos diversos contextos de aprendizagens que traduzem as
potências das experiências infantis, nas quais a criança é o sujeito, no centro do Currículo.
Reiteramos que a revista Magistério “Infâncias Conectadas” é fruto de um diálogo entre o
diretor da Divisão de Educação Infantil, Cristiano Rogério Alcântara, e a professora da Universi-
dade autônoma de Barcelona, Tona Castell – também diretora da revista “Infâncias - Rosa Sensat”
(Espanha) – que, em janeiro de 2020, conversaram sobre comporem uma revista cujos artigos so-
bre práticas inspiradoras da rede paulistana e também da catalã haviam sido publicados na revista
“Infâncias-Rosa Sensat.
Esperamos que os textos e as imagens que compõem a revista possam ser objetos de estudo e
reflexão nos momentos formativos nos coletivos das Unidades Escolares.
Certamente, não poderíamos deixar de agradecer imensamente às pessoas que escreveram seus
artigos, enviaram imagens e também àquelas que direta ou indiretamente apoiaram e contribuíram
para a elaboração desta revista.
Por fim, nosso grande e especial agradecimento às irmãs e professoras de Educação Infantil
Ángeles e Isabel Abelleira Bardanca, que desde 2010 se dedicam ao trabalho realizado na escola
pública galega e que, gentilmente, aceitaram o nosso convite para serem entrevistadas para a edição
desta revista.
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20 de março de 2020: do confinamento
6 7
Talvez eles voltem em relação àquele (maldi-
to) currículo ou àquele (maldito) calendário esco-
lar anual?
Quero pensar que, em nossa vida cotidiana
compartilhada, estamos todos aprendendo muito
juntos. Eu, mais do que nunca, com certeza!
E
E quando voltarmos ao normal (que vai es-
u estava ouvindo Jaume Funes on- tar lá! Não sabemos quando, mas vai estar e va-
tem em um discurso muito necessário mos sentir saudades destes dias); precisamos nos
e ele estava nos dizendo que agora a acompanhar emocionalmente.
escola terá que mudar. Teremos que encontrar tempo para ouvir. Por
Precisaremos de tempo e criatividade. empatia. Para nos ajudar a administrar tantas emo-
E como professores, às vezes não sabemos o ções que invadiram sem avisar.
suficiente. Voltaremos todos ao cotidiano da escola com
E não sabemos como dar ao tempo o valor ne- uma mochila cheia de novas histórias, e volta-
cessário que ele deve ter e não sabemos como ser mos, sobretudo, com vontade de compartilhar.
criativos. Como faremos isso?
Ou talvez sim, muito criativos! Porque as re- Não poderemos fragmentá-lo em cores, nem
des nos inundam com ideias excessivamente cria- em uma programação pré-estabelecida e meditada.
tivas. Tanto que estão fora de contexto e fora da Teremos que ir dia a dia. Ouvir a partir da vi-
realidade mais palpável para as crianças. vência diária de cada um.
Hoje senti a necessidade de reler Gino Ferri Voltaremos todos ao cotidiano da escola com
“As emoções são ensinadas ou vividas?” Porque uma mochila cheia de novas histórias, e volta-
me sinto emocionalmente sobrecarregado. mos, sobretudo, com vontade de compartilhar.
Não sei como me identificar. Não tenho cor, Porque aquele cotidiano escolar que agora de-
formato, rótulo. Eu estou perdida? sapareceu de forma tão abrupta para nós, permi-
Olho em volta e me sinto privilegiada por mo- tiu-nos transitar em um contexto de socialização.
rar onde moro, rodeada de natureza, prados, ve- E agora não temos. Tentamos nos aproximar
getação, animais e ar saudável para respirar. mais das redes (e temos sorte!). Mas não é o su-
Lendo as notícias, tudo desvanece... e eu que- ficiente. Precisamos nos olhar nos olhos, nos ver,
ro evitar isso. um abraço, uma discussão cara a cara para con-
Eu fecho meus olhos novamente e entro no frontar pontos de vista.
mundo familiar de que tanto gostamos hoje em Teremos de implementar novas formas de
dia: brincar, brincar e brincar. Queremos escapar abordar a infância.
do excesso de atividades, trabalhos ou trabalhos E assim continuaremos aprendendo a ser
de casa criptografados. professores. Para ser mestres.
Foto: Revista Infâncias/ Rosa Sensat
E quando voltarmos ao normal (que vai es- Porque os professores não sabem tudo.
tar lá! Não sabemos quando, mas vai estar aí e
vamos sentir saudades destes dias); teremos nos Texto gentilmente cedido pela Instituição Rosa Sensat/
acompanhado emocionalmente. Barcelona, Revista Infância. Acesso em 01/10.
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A Escuta da Criança:
A Importância da Afetividade
Foto: Esdras de Faria
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O
Centro de Educação Infantil Hori- jetos, bichinhos da natureza, com os detalhes do fiança e segurança, garantindo a atenção e compre-
zonte Azul está localizado no extre- cotidiano e também com os adultos. No CEI Ho- ensão necessárias aos bebês e às crianças.
mo sul do Município de São Paulo, rizonte Azul, o Projeto Político Pedagógico prevê Nas salas são acomodadas as mesas para a
no bairro Jardim Horizonte Azul, distrito do Jar- a importância da relação com um ambiente har- alimentação, as refeições são servidas em um es-
dim Ângela, pertencente à Diretoria Regional de monioso, onde bebês e crianças participam, esco- paço acolhedor, afetivo, onde os bebês e crianças
Campo Limpo. O bairro Horizonte Azul é cons- lhem, propõem, são ouvidos e aprendem a ouvir: realizam as suas refeições com tranquilidade, cal-
tituído por grandes comunidades, assentamentos a natureza, a água, as folhas, flores, o ar, a terra, ma e sossego.
de terra, pequenos comércios como: bares, mer- e toda miudeza que investigamos, com a ajuda O planejamento intencional é parte importan-
cadinhos e grandes hortas. Estamos próximos ao dos(as) nossos(as) professores(as). A escuta aco- te deste processo, para garantir o tempo adequado
Rodoanel e à represa Guarapiranga, que nos pre- lhedora é pensada nos ambientes para e com be- à alimentação com calma, respeitando o tempo
senteia com uma belíssima paisagem. bês e crianças, compondo os detalhes: nos vasos de cada um. As(Os) professoras(es) se alimentam
Atendemos 118 bebês e crianças pequenas de de flores sobre as mesas, nas canecas de material juntas(os), estabelecendo vínculo, incentivando e
1 a 3 anos, mantidos pela Associação Comuni- adequado, no acesso à água, à terra, ao espaço apresentando o alimento de forma afetiva. Enten- Foto: Esdras de Faria
tária Monte Azul, que conta com uma trajetória livre e a disposição infinita de alimentar a criati- demos que essa relação durante os momentos de
de 40 anos de trabalho social na comunidade Ho- vidade e exploração. refeição facilita a experimentação de verduras, le- pedrinhas, sementes, madeiras ou com as bonecas
rizonte Azul, Monte Azul e Peinha. A Proposta Contamos com cinco salas de referência, nas gumes, frutas e alimentos diferentes por parte dos de pano. Nas mesas, ficam à disposição propostas
Pedagógica é desenvolvida à luz da abordagem quais atendemos Berçário II, Minigrupo I e duas pequenos e pequenas. Um contexto rico de ex- com papéis, diversos pincéis, tintas, aquarela, cos-
salas de Minigrupo II. A sala de referência é um periências amplia o repertório dos bebês e crian- tura e culinária. Assim, o bebê e a criança têm a
potente recurso pedagógico, pois são espaçosas, ças, seja pelas interações com os pares, com o oportunidade escolher o que quer fazer, possibili-
arejadas, com brinquedos organizados em estan- ambiente ou com os objetos. Utilizamos canecas tando a autonomia e identidade. O(A) professor(a)
tes na altura dos bebês e crianças. As casinhas e pratos de vidro (no segundo semestre do MGII deixa de ser um orientador(a), para ser um guia,
estão sempre postas com bercinhos, bonecas de já oferecemos garfo e faca – sem ponta – e autos- observando, mediando e propondo desafios para as
pano, cestos de bolas, livros, materiais da natu- serviço, o que proporciona autonomia, tanto na crianças. "Permitir o acesso autônomo de bebês e
reza (toquinhos, sementes, tábuas de madeiras, escolha quanto na exploração dos alimentos). To- crianças aos materiais é a primeira condição que
pedras), tecidos, entre outros, disponíveis para as das as mesas são organizadas com toalha, pratos, os espaços na Educação Infantil devem garantir."
crianças de maneira aconchegante e sempre ar- colheres e garfo pelas crianças com ajuda das(os) (Currículo da Cidade - Educação Infantil, p. 110).
rumadas para recebê-las, pensando em garantir professoras(es), valorizamos a harmonia, a co- O espaço externo, chamamos de 'quintal'. No
confiança e segurança para as meninas e meninos operação e a beleza, elementos importantes que CEI Horizonte Azul temos um quintal onde tudo
pequenos. Todas as salas de referência contam também alimentam (LAVIANO, STIRBULOV, acontece! Coisas mágicas. É grandioso ver os be-
com um banheiro, facilitando o acesso e autono- 2015 p. 92). Contamos ainda com o momento em bês observarem as crianças de idades diferentes
mia das crianças. que agradecemos pelo alimento e por quem o pre- no quintal. Com muitas possibilidades de escolha,
Estamos (professoras(es) e gestão) inteiros, parou, a gratidão são hábitos que valorizamos no brincando na natureza e com a natureza. Sabore-
escutando com todo o corpo, com os gestos, falas, nosso dia a dia. ando a infância!!
preferências, com as brincadeiras e as linguagens da Todos os dias as crianças brincam nas suas "Brincar é, acima de tudo, aprender a viver"
Foto: Esdras de Faria
infância existente em cada criança que compartilha salas de referência, tendo liberdade de escolher (LAVIANO, STIRBULOV, 2015, p. 126). As
Pikleriana de Emmi Pikler (1927) e a Pedagogia sua rotina conosco. Aprendemos também a escuta o que mais lhes interessa – “Brincar é coisa sé- crianças brincam na e com as árvores, flores, terra,
Waldorf, com base na Antroposofia, fundada pelo dos bebês e das crianças através da observação do ria para criança pequena” (KELLER, 2014, p. 40). água, materiais de largo alcance (toquinhos, caixas
Austríaco Rudolf Steiner (1894). choro, da expressão facial, do andar, o falar – verbal As crianças escolhem o brinquedo, livro e aonde de plásticos que viram carros, escorrega, regam
Os espaços são pensados para interação dos e não-verbal –, do toque, do brincar, do movimento, querem se acomodar: nas almofadas, nas cadeiri- as plantas, carregam folhas e sementes de abaca-
bebês e das crianças, entre si, com o meio, ob- criando, portanto, um vínculo permeado pela con- nhas, no chão, se vão brincar na casinha, com as tes, copinhos de bambu com tamanhos diferentes,
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Segundo Schiller (1994, p. 50), "o homem só Enquanto bebês e crianças brincam os(as) importante: a perseverança". (CRAEMER, 2008,
é inteiro quando brinca" e são nessas interações, professores(as) cantam e convidam os bebês e as p. 31). Portanto, o Centro de Educação Infantil
no convívio da rotina e nas trocas de experiências crianças para explorar os ambientes. As mediações Horizonte Azul busca construir e oferecer para
que acontece a infância no quintal. Uma troca são realizadas com canções, gestos e movimen- bebês, crianças e adultos uma atmosfera saudá-
rica entre educadores(as), bebês e crianças, umas tos que possibilitam a interação de maneira afeti- vel, uma espécie de ninho ou algo quentinho. Um
com as outras unidas pelo vínculo. Folhas caindo, va e acolhedora. Quando bebês e crianças ouvem lugar onde as infâncias são acolhidas dentro e
vento passando e sol raiando! O suor no rosto, ca- as músicas e canções elas se sentem seguras, as fora de todos nós.
sacos pendurados e bochechas vermelhas! Assim canções são realizadas durante toda a rotina, nos
são nossas manhãs. momentos de contação de histórias, culinária, or- Referências
"Quando observamos as crianças brincando livre-
ganização dos espaços, brinquedos, hora da entra-
mente com material disponível e, muitas vezes, da e saída, nas propostas as canções sinalizam o CRAEMER, Ute e IGNÁCIO, Renate Keller. Transformar é
mesmo sem material, percebemos que as crianças começo, meio e fim, o ritmo do dia, da semana, Possível. São Paulo, Editora Peirópolis e Associação Monte
pequenas são atores sociais capazes de agir,partici- do mês e até do ano, trazendo vínculo, confiança Azul, 2008.
par, argumentar, criar, significar, escolher e apren-
der a partir das interações com as pessoas e com
e segurança. Aos poucos, os pequenos e pequenas FRAGO, Antônio Viñao; ESCOLANO, Agustín. Currículo,
mundos sociais, produzindo cultura infantil." (Cur- reconhecem as vozes que cantam, as melodias, e espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. 2. ed.
rículo da Cidade - Educação Infantil, p. 91). começam a reproduzir, além de compartilharem Rio de Janeiro: DP&A, 1998. 152 p.
As crianças são incentivadas por toda comu- um ambiente harmonioso, calmo e afetivo, com os IGNACIO, Renate Keller. Criança Querida: O dia-a-dia da
nidade educativa a correr, subir nas árvores, rolar, adultos e seus colegas. Desta forma, as meninas e Educação Infantil. São Paulo: Antroposófica, 2014.
se molhar (temos torneiras na altura das crianças meninos se sentem acolhidos, pertencentes e criam SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria
no quintal), e essas são nossas atividades princi- um laço de confiança no espaço educacional. Pedagógica. Currículo da Cidade: Educação Infantil. São
pais, potentes para o seu desenvolvimento sau- Nos momentos de reunião pedagógica, os(as) Paulo: SME/COPED, 2019.
dável. Percebemos que quando damos tempo de professores(as) são convidados(as) escutar os be- SCHILLER, F. Sobre a Educação Estética da Humanidade numa
qualidade para a criança brincar, sem intervalos bês e as crianças, refletindo e revisitando a crian- Série de Cartas. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda,
bruscos, sem cortes, mais a criança explora as ça que foram: “Como cuidaram de mim? Como 1994. Tradução do alemão por Teresa Rodrigues Cadete.
possibilidades de interação. No berçário, deixa- fui alimentada? Como fui amada? Como brinca- STIRBULOV, S.; LAVIANO, R. A arte de educar em família: os
Foto: Esdras de Faria
mos as crianças conquistarem seus movimentos va e com o quê?” – são algumas das perguntas desafios de ser pai e mãe nos dias de hoje. São Paulo: All Print
textura, cheiros, panelas, colheres, tábuas e outros desde o rolar, rastejar, engatinhar, andar, explorar que norteiam essas reflexões. Dessa forma, os(as) Editora, 2015.
materiais), proporcionando experiências e desa- brinquedos de lã, madeira, tecidos, alumínio, pa- educadores(as) são preparados(as) para receber as Foto: Esdras de Faria
fios, construindo cultura infantil. lha (cestos) e outros naturais, além de observar e crianças deixando a sala acolhedora, organizando
Quando vamos para o quintal percebemos que interagir com os outros colegas maiores, quando brinquedos e materiais ao alcance dos pequenos e
as crianças estão felizes, aproveitando o dia, mo- estão explorando e realizando aventuras nas ár- pequenas. Segundo Frago (1998, p. 69), o espaço
vimentando, brincando, criando: subindo nas ár- vores e nos morrinhos. Para nós, todas as fases físico não apenas contribui para a realização da
vores, conversando com os coleguinhas, cuidan- de desenvolvimento da criança são importantes educação, mas é em si uma forma silenciosa de
do da criança menor, chamando de “filhinho”... possibilidades de vínculo, segurança e confiança. educar. Entendemos que essa é uma forma pode-
Crianças escorregam, cantam, criam, fazem bolos As crianças são chamadas com canções na en- rosa de desenvolver hábitos saudáveis de cuidado
de areia que são espalhadas pelo quintal; panelas trada e saída, as organizações nos espaços – co- de si e do outro.
se enchem de areia, meninas e meninos brincam meço e término – e as propostas são realizadas "E quando tem um trabalho que precisa ser
nas casinhas, contam histórias, fazem a roda do por meio de músicas e ritmos. A rotina, o afeto, as realizado, tudo o que for necessário vai chegar
dia com os amigos. Tantas histórias lindas acon- músicas e os ritmos compoẽm o Projeto Pedagó- com o tempo. O importante é que você aceite este
tecem todos os dias. gico e todas as ações pedagógicas. trabalho com amor e tente fazê-lo. Isto é o mais
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Escola 0 - 3.
Uma mudança
(im) possível
16 17
A
y Por que trabalhamos assim?
inquietação, o questionamento do y Todos nós vimos a necessidade dessa mudança?
que fazemos, a vontade de saber, as y Estávamos dispostos a mudar?
dúvidas e questionamentos constan-
tes, são alguns dos traços que nos caracte- Desde então, muitas das reuniões do claustro
rizam, as professoras da Escola Infantil dos tinham como objetivo trabalhar em equipe para
Cabrils. São eles que possibilitaram que nos investigar e refletir sobre as questões que havía-
tornássemos a escola que somos agora e vi- mos decidido fazer a mudança.
vêssemos a educação como a concebemos Foram muitas horas de debate, de trabalho, de
atualmente. colocar sobre a mesa o que queríamos apresentar
de novo e o que não era, de refutar nossas visões
e opiniões uns dos outros. Constantemente nos
Como surgiu a ideia de perguntávamos por que fazíamos dessa maneira e
fazer essa mudança? não de outra, que objetivo estava por trás disso, o
que estávamos buscando por meio do que estáva-
Tudo começou com a visita que fizemos à esco- mos propondo. Todos queríamos estar confiantes
la Carme Cols, em Torrelles de Llobregat, durante o e convencidos do que estávamos fazendo, como e
ano letivo de 2005-2006, onde vimos uma forma de por que fazíamos... Era uma tarefa conjunta, uma
fazer as coisas diferente da nossa. Contribuiu tam- tarefa de equipe.
Foto: Rosa Sensat
bém a frequência de alguns professores da Summer
School, num curso com a Montserrat Fabrés. E isso não foi nada fácil! Tínhamos perguntas e mais perguntas sobre de fraldas, participar na retirada e colocação de rou-
Isso mexeu com o pensamento de alguns pro- como falamos com as crianças, como as aborda- pas etc. tornam-se momentos de excelência na esco-
fessores e passamos a questionar o nosso dia a dia, Eram quinze professores na equipe, alguns de mos, como as tocamos. Questões que mexeram com la. Tínhamos que ser muito atenciosos e organiza-
perguntando se deveríamos continuar trabalhando nós tínhamos certas reflexões; outros, ideias di- as consciências e observaram as próprias ações. dos para poder maximizar a autonomia e o respeito
em centros de interesse e em unidades de progra- ferentes... Mas, depois de muito diálogo e mui- Dentro da escola e no pátio paramos de falar pelo ritmo individual de cada criança, oferecendo
mação, se as atividades que fazíamos tinham que tas horas de dedicação, iniciamos duas formações com eles à distância e, em tom de voz suave e pró- possibilidades, materiais e contextos para que tudo
ser direcionadas para todo o grupo, se o jogo heu- (com toda a equipe) com a Montse Fabrés, duran- ximo, nos aproximamos deles, agachados em sua fosse possível.
rístico como tal tivesse que ser modificado, se os te os anos letivos de 2005-2006 e 2007-2008. altura e, olhando-os nos olhos, dissemos o que que- Trocar fraldas foi um grande desafio. Considera-
horários oferecidos pela escola tivessem que ser Foram as formações que nos ofereceram um ríamos transmitir a eles. Dissemos também o que mos este um momento de relação íntima e individua-
rígidos ou flexíveis, se as famílias pudessem ou novo olhar infantil, muito diferente do que tí- queríamos fazer, pedindo-lhes permissão antes de lizada com cada criança: antecipamos o que faremos,
não entrar nos espaços. nhamos, e nos aprofundamos na metodologia de fazê-lo: "Você tem as mãos sujas, o que acha, se a deixamos que ela participe da ação, com uma atitude
Todas essas questões nos levaram ter um Emmi Pikler, que reconhece o bebê como uma gente lavasse?" – ao mesmo tempo, acompanhando muito cuidadosa, em que o diálogo é o centro das
olhar mais autocrítico, buscar novas informa- pessoa competente e capaz desde o nascimento, a palavra com a ação. atenções. Tomamos consciência e deixamos de ser
ções, pesquisar e descobrir novas perspectivas com algumas necessidades e interesses únicos. O respeito pela criança passou a ser um dos um momento irrelevante para um valor educativo e
que nos ajudassem a dar uma resposta a todas as Depois de um tempo de meditação e internali- nossos pilares. Levamos em consideração suas pre- de relacionamento de grande importância.
dúvidas que surgissem. zação dessa abordagem, gradualmente a tornamos ocupações, seus interesses, suas necessidades e os Após um período de intensa reflexão e im-
A partir daqui passamos a nos colocar ques- nossa até nos sentirmos identificados com ela. Co- acompanhamos para fortalecê-los o máximo possí- portantes internalizações, a equipe de professores
tões importantes que nos fizeram refletir sobre a meçamos a introduzir mudanças importantes que vel dentro da comunidade. considerou que a própria escola também precisava
forma como havíamos agido até então. nos fizeram refletir profundamente sobre como li- Atividades diárias, como lavar as mãos e o ros- fazer uma mudança. Demos uma nova olhada nos
dar com as crianças. to, servir e beber água no copo, colaborar na troca espaços da escola.
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Uma nova preocupação surgiu com relação desafios motores que favoreciam ao mesmo tempo um gesto, uma situação habitual ou um olhar que meiro ciclo da educação infantil a cargo de Gino
aos espaços e à estética e nos questionamos como a liberdade de movimento. dá informações sobre algum momento específico. Ferri – de 2017 a 2020 –, que coloca o novo de-
poderíamos melhorá-los para que fossem mais Isso significa que decidimos parar de jogar o Por outro lado, procuramos criar propostas de safio de documentar a nossa visão de criança e a
um elemento de acompanhamento da criança em jogo heurístico em uma sala independente da usual aprendizagem nas quais as crianças possam de- nossa identidade como escola através de grandes
suas descobertas e desenvolvimento. e introduzir todo esse material em sua sala usual. senvolver a sua própria investigação, fazendo-a, painéis que são colocados nas paredes para que
Entramos em contato com Paola Soggia, du- Colocar os materiais de uma forma mais atrativa juntamente com a exploração e a descoberta na falem de quem nós somos.
rante o ano letivo 2013-2014, para fazer a segunda facilita a manipulação e acessibilidade das crian- continuidade temporal. Ao mesmo tempo, docu- Nada termina aqui! Continuamos no caminho
formação da equipe: “A dimensão estética e peda- ças para descobrirem por si mesmas o máximo de mentamos todas as observações, questionamen- da mudança, refletindo, dialogando, debatendo e
gógica do espaço”. Foi a partir desse momento que coisas e poderem escolher livremente o que mais tos e hipóteses que as crianças vêm levantando e compartilhando a diversidade de opiniões para
valorizamos a necessidade de sempre fazer todo o as atraiu para potencializar seu brincar e apren- acabamos registrando-as em publicações que dão chegar a acordos que nos façam ter mais iden-
treinamento em equipe e enriquecer juntos. der. Introduzimos novos elementos não didáticos, visibilidade às próprias habilidades das crianças. tidade, crescer como equipe a cada dia e a partir
Esta formação, depois de nos deixar sonhar indefinidos, reciclados, cuja combinação tinha Da equipe de professores sentimos o desejo das mudanças possíveis.
na escola ideal, permitiu-nos modificar os espa- múltiplas funções para potenciar a imaginação e a e a necessidade de entrar numa nova formação a
ços dando-lhes uma identidade própria e consi- criatividade, como rolos, rolhas, colheres e utensí- longo prazo, que nos ensine a criar e documentar Texto gentilmente cedido pela Instituição Rosa Sensat/
derando o ambiente como parte tão importante lios de cozinha em madeira, metal, conchas, tam- contextos de aprendizagem significativos no pri- Barcelona, Revista Infância. Acesso em 01/10.
como os materiais e os professores. pas grandes de garrafas, roupas, pedras e seixos Foto: Revista Infâncias / Rosa Sensat
Novas cortinas, tapetes, pisos e móveis favo- (de diferentes tamanhos) e recipientes.
receram uma distribuição das salas de aula que Tudo isso nos permitiu descobrir um tipo de
ajudaram a organizar os espaços para as ativida- brincadeira muito diferente nas crianças e, conse-
des diárias. Os cantos do soft space e da narrati- quentemente, nos incentivou a buscar a funciona-
va, do jogo simbólico, da construção, do criativo, lidade pedagógica de todo o material que estáva-
da arte ou minioficinas e da higiene pessoal assu- mos apresentando, buscando sentido e potencial
miram um novo papel. a partir de sua manipulação.
O ambiente, agora mais acolhedor, faz da es- Essa mudança de perspectiva que se refletiu
cola um espaço de sossego onde se respira sere- no dia a dia nos levou a documentar e comparti-
nidade e bem-estar. lhar com as famílias as preocupações e motivos
Gradualmente, ampliamos ainda mais nossos que nos trouxeram até aqui.
horizontes e consideramos uma nova mudança, des- A partir desse momento, percebemos que
ta vez em relação aos materiais. Demos um passo à também precisamos de uma mudança na comu-
frente e ousamos romper com o convencionalismo nicação, na forma como transmitimos e expressa-
do material plástico; livramo-nos dos brinquedos mos às famílias o que queremos que elas saibam.
comercializados, de plástico de cores vivas com Acreditamos que a escola é um ambiente pri-
música e sons, muitas vezes para um único propó- vilegiado, um local de encontro e interação entre
sito, sem possibilidade de nenhum tipo de interven- crianças, famílias e educadores. Por isso, a es-
ção da criança (nem aquela para a qual foi criada), cola está aberta às famílias e estabelecemos um
ou seja, deixando em segundo plano sua imagina- quadro de relações baseado na confiança e na co-
ção e iniciativa. Procuramos materiais mais neutros, municação. Fazemos entrevistas individuais para
com cores pastéis, com qualidades sensoriais de trocar opiniões e ter feedback sobre a criança.
todos os tipos, do ambiente natural, e compramos No dia a dia fazemos diários de sala de aula
alguns móveis Pikler para oferecer à criança novos enfatizando uma anedota, uma situação especial,
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Escola 0 - 3.
Um novo olhar
para a oficina
de argila
Por Montserrat Nicolás
Professora de creche
Foto: Ana Bárbara
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É preciso dizer também que, embora o que – era dar a possibilidade de desfrutar do conta-
estou explicando aqui seja fruto das experiências to com esse material para explorar as qualidades
vividas durante o conjunto de anos que trabalhei sensoriais que ele promove.
na creche, é também o fato de que quero com-
partilhar essa proposta em espaços de formação e Algumas formas de
oficinas, para escolas amigas.
(...)
apresentar a argila
À
y Que outros materiais poderíamos oferecer
s vezes acontece com você que en- tura e como uma sala de estar onde pudessem para enriquecer a expressão composicional
quanto caminha ou assiste a uma viajar. Esses meninos e meninas compartilharam das crianças, em diálogo com a argila; Observa-se que a argila nas mãos das crian-
exposição ou show você pensa: entre si suas provas, suas perguntas, suas ideias, y Se fosse necessário fazer alguma adaptação ças – a partir dessa nova forma de apresentá-la
"Como seria isso na escola? Como seria para as suas propostas e hipóteses e, sobretudo, expressa- do espaço onde seriam realizadas as oficinas; – convida a novas ações, relações e descobertas:
crianças?" Um dia isso aconteceu comigo de uma ram o entusiasmo do processo. Enquanto isso, o y Como e qual deve ser o papel do adulto du- a capacidade perceptiva e persistente das crian-
maneira especial. adulto que cuidava deles estava disponível, pró- rante as sessões. Nesse sentido, logo fiquei ças envolvendo atenção, concentração e observa-
Foi há muitos anos, durante umas férias em ximo, ouvindo, dando algumas sugestões, mas claro: estar disponível, próximo e a partir de ção atenta, bem como a adequação do corpo em
Paris, quando visitei o Centro George Pompidou. quase sem falar. Gostei disso e me fez pensar no uma atitude de escuta, o que deve ser sempre termos de postura, tônus muscular, gesto e olhar
Como é sabido, este centro cultural – entre outras papel do adulto durante o workshop. possível a qualquer momento na escola. para testar, combinar, repetir, corrigir…
propostas – promove iniciativas de arte contem- Cercada por esse ambiente tão especial, me y Como realizar um processo de acompanha- Observa-se também que a argila permite per-
porânea destinadas ao público infantil através da perguntei: Como seria para as crianças, como mento; ceber diferentes sensações em termos de textura e
criação e da experimentação. Bem, naquele dia essa proposta poderia ser repensada para oferecê- y Que ações, relações e descobertas as crianças qualidades tácteis: plasticidade, maciez (pegajosa,
eu tive a sorte de conhecer um, participando de -la às crianças da creche? fazem preferencialmente com a argila; mole, dura), assim como sensações térmicas (frio,
um workshop que meninos e meninas estavam fa- Este artigo é, portanto, um conto que pretende y Que linguagem as crianças envolvem e que calor, umidade, secura) e também o peso, de acor-
zendo, por volta dos 6-8 anos de idade, em um tentar mostrar algumas das respostas com que me respostas emocionais as crianças expressam do com a medida dos volumes que oferecemos.
espaço muito grande. deparei, mas também às novas e velhas questões durante as oficinas. Em relação às ações que as crianças fazem
Nesta oficina, as crianças experimentaram que descobri a partir da inspiração e do belo contá- O objetivo inicial de todas as crianças ao fa- mais preferencialmente, embora a argila assuma
blocos de argila e combinaram, empilharam, en- gio que me fez poder viver e dirigir aquela oficina zerem esta proposta de oficina – adequando-a formas diferentes quando a apresentamos, elas
caixaram e arranjaram os diferentes blocos como de argila no Centro George Pompidou, para tentar a cada faixa etária em termos de apresentação, criam mudanças dependendo do que as crianças
uma construção arquitetônica, como uma escul- fazer o projeto que chamei de Oficina de Argila. agrupamento de crianças e em relação ao espaço fazem com suas mãos ou dedos, e elas descobrem
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e experimentam ações como tocar, apertar, sen- E além disso, o que não é
tir, rolar, furar, esticar, empilhar, esmagar, apara-
pouca coisa...
fusar, apertar, cortar, alisar, furar, achatar, colar,
fazer pequenos pedaços, séries e repetições, rele-
vos, incisões e construir volumes como escultu- Para que as crianças descubram outras opor-
ras, tudo combinado as diferentes formas. tunidades composicionais, vários materiais e ele-
Outras ações interessantes que as crianças cos- mentos naturais também podem ser oferecidos,
tumam fazer são traçar com a ponta dos dedos, ou como seixos de riacho, pedras, conchas, galhos,
apenas com um dedo, o contorno das formas dos pedaços de cana de bambu, folhas secas… e as-
volumes, deixar rastros – expressamente – nas su- sim favorecer a combinação e o diálogo entre es-
perfícies onde é explorado com a argila, vivenciar tes materiais e a argila.
a posição dos volumes vertical e horizontalmente, Sobre valorizar o cuidado e a reciclagem com
fazer gestos delicados e suaves ou mais abruptos ou as crianças, e em relação à durabilidade e plastici-
impulsivos, dependendo do que eles querem fazer. dade deste material – para poder utilizar a argila da
Ao mesmo tempo, vão descobrindo e testando os melhor forma nas sucessivas oficinas –, convém
arranjos e coordenações com o corpo, ao compor arrumá-la fazendo pequenos pedaços que ficam
volumes criativos, intencionalmente ou por acaso. dentro de algumas bandejas e as crianças adoram
Para além da “linguagem silenciosa” com que fazer. Conforme a base da bandeja se enche, al-
algumas crianças tornam visível – através da ex- gumas gotas de água são jogadas nela com um
pressão facial e dos gestos corporais – a emoção borrifador. Depois de ter toda a argila rasgada em
das suas descobertas, a comunicação e a linguagem pedaços na bandeja, cobrimos com alguns panos e
verbal e a comunicação entre as pessoas envolvidas colocamos as bandejas em sacos plásticos. É acon-
nas oficinas também são importantes, por um lado selhável verificar a cada dois ou três dias, dando
para expressar e conhecer as descobertas, surpresas, alguns toques de água e amassando um pouco.
dificuldades e também para imitar, cooperar, com- Depois de arrumar a argila, partimos para lim-
partilhar, participar ou dar categoria simbólica às par as mesas com panos, convidando as crianças
Fotos: Ana Bárbara produções criativas que as crianças fazem, muitas a participarem.
vezes das palavras, mas também dos silêncios. Encorajo a todos a experimentarem esta pro-
Assim, podemos dizer que a linguagem ver- posta e verão – como sempre acontece comigo – a
bal nesta proposta de oficina é importante no sen- espontaneidade, a liberdade, as ações cheias de
tido de enriquecer o vocabulário relacionado às frescor e curiosidade que as crianças demonstram
percepções sensoriais, materiais e as formas que diante desse material (a argila), porque, além do
ocorrem. Igualmente importante tem sido a lin- resultado final, há o processo na liberdade de fa-
guagem simbólica, como afirmado acima, em ter- zer, em uma proposta que se move entre o brincar,
mos de categorizar os volumes criativos por meio a imaginação e o aprender.
dos sons e onomatopeias que as crianças expres-
sam. Também vale a pena notar as respostas emo- Texto gentilmente cedido pela Instituição Rosa Sensat/ Barcelona,
cionais das crianças ao expressar curiosidade, Revista Infância. Acesso em 30/09.
alegria, prazer, diversão, entusiasmo e também,
em alguns casos, decepção e decepção.
26 27
CEMEI Irapará
Um caminho para
a integralidade
do Currículo
e das relações
na Educação Infantil
28 29
S
omos um Centro Municipal de Educa- entre eles. Segundo o documento Currículo da Os benefícios sociais e de aprendizagens, tintivamente ou por experiência, algumas crianças
ção Infantil – CEMEI, da Rede Muni- Cidade - Educação Infantil (SME, 2019), “quan- quando trabalhamos com grupos heterogêneos, sabiam o que fazer, acolhiam, davam colo, abaixa-
cipal de Ensino - RME de São Paulo e do interagem com crianças mais velhas, bebês e vão muito além daquilo que podemos mensurar. vam o tom de voz para conversar com eles. Mes-
atendemos crianças de 0 a 5 anos de idade. Esse crianças ampliam o seu vocabulário, vivenciam Nessas relações, apesar de sabermos que todos mo assim, alguns bebês se assustavam buscando a
modelo é recente na Prefeitura, pois até 2012 brincadeiras novas, observam e aprendem coisas aprendem, não há expectativas por “resultados”, segurança das professoras ou suas mães, porém, a
todas as Unidades de Educação Infantil eram que ainda não conseguem fazer sozinhas, mas po- isso porque a interação em si ensina aos bebês e às maioria, aceitava o carinho e testava novos colos.
Centros de Educação Infantil – CEIs (atendendo dem fazer com ajuda dos mais velhos”. Da mes- crianças maiorzinhas sobre si mesmas, sobre o ou- A reação de uma bebê em especial nos chamou
bebês e crianças de 0 a 3 anos), ou Escolas Muni- ma forma, as crianças maiores também se benefi- tro e sobre o mundo; isso não significa, porém, que muita atenção. Ela tinha 8 meses, muito arredia,
cipais de Educação Infantil - EMEIs que atendem ciam dessas relações, elas se sentem importantes, nós, adultas e adultos, não precisamos estar atentos não aceitava aproximação de nenhuma das profes-
crianças com 4 e 5 anos, estas, mencionadas ao gostam de cuidar e ajudar os menores em seus a essas relações; pelo contrário, elas exigem de nós soras, chorando muito! Tinha um histórico de claví-
longo do texto, como as crianças do infantil. desafios e aprendizagens. Além disso, aprendem sensibilidade e olhar atento para percebermos o cula quebrada no parto e ainda não se sentava sem
Por conta disso, o entendimento do que é e sobre empatia e limites. Temos vários registros de que surge espontaneamente entre as crianças nes- apoio. Sentíamo-nos penalizadas ao ter que pegá-
como funciona um CEMEI ainda gera confusão momentos especiais de carinho, cuidado e brin- sas integrações, para então, sentindo cada vez mais -la para a troca de fraldas ou banho, pois chorava
e controvérsias. As pessoas costumam pergun- cadeiras que dão conta por si só, demonstrando confiança no potencial dos pequenos, oferecermos desesperada, temíamos que sentisse dor física. Ao
tar: “O CEMEI é um CEI e uma EMEI?” ou “São como essa integração é importante para todos, ge- oportunidades para que as interações aconteçam contrário do que acontecia sempre com as professo-
duas instituições dividindo o mesmo espaço as- rando aprendizagens importantes até mesmo para com o mínimo de intervenção possível. ras, a bebê aceitou, para nossa surpresa, o colo de
sim como funcionam os Centros Educacionais os adultos. Compartilho como exemplo o relato da profes- uma criança, parando de chorar instantaneamente.
Unificados - CEUs?”, pois, no CEU, cada Unida- sora Carol, que explorava a área externa do CEMEI Aqueles pequenos colos eram mágicos, víamos uma
Vivência de confecção de massinha
de Educacional - UE possui sua gestão distinta. na área externa do CEMEI. com bebês do berçário I, enquanto as crianças maio- nova bebê, segura, tranquila, sem medo, como só a
A resposta é simples e ao mesmo tempo com- Fonte: Acervo das professoras.
res do Infantil brincavam por ali. Esse é o relato das víamos, quando ela estava com os pais. Ao relatar-
plexa: O CEMEI é uma única UE que atende oportunidades de integração que foram surgindo es- mos o acontecido aos pais, eles nos contaram que
aos bebês e às crianças "do CEI e da EMEI", ou pontaneamente, após as primeiras atividades plane- ela estava acostumada a ficar com as irmãs mais
melhor, atendemos bebês a partir de 6 meses até jadas com a finalidade da interação. velhas, e entendemos que aquela situação familiar
“
crianças com 5 anos e 11 meses. A gestão para os lhe trazia conforto. Foi através desse vínculo com as
dois segmentos é única, a direção, as assistentes Enquanto os bebês vivenciavam seus pri- crianças do infantil que conseguimos construir uma
de direção e a coordenação dividem-se para con- meiros dias no CEMEI, enfrentavam tantas relação de confiança com aquela bebê.
templar o horário de 12 horas em que o CEMEI novidades e choravam as despedidas; as A experiência dessa integração fazia muito sen-
fica aberto. Apesar disso, “CEI” e “EMEI” fun- crianças estavam ali, do lado de fora da janela da tido para os bebês, que além de observarem, apren-
cionam com horários de entrada e saída e núme- sala de convivência. Seus risos, seus barulhos, suas diam novas brincadeiras, possibilidades de movi-
ro de refeições distintos, por exemplo. O mesmo brincadeiras e alegrias invadiam de vida a nossa mentos, deslocamentos e novas formas de interagir.
ocorre com a estrutura básica: a cozinha trabalha sala e deixavam claro para os pais e seus bebês em As crianças logo sabiam os nomes dos bebês, suas
com diferentes cardápios para atender às necessi- adaptação que este era um lugar para ser feliz. músicas preferidas. Inventavam brincadeiras que os
dades nutricionais das faixas etárias. A despeito Durante nossos passeios de reconhecimento bebês gostassem, e aprenderam bastante sobre limi-
dessas peculiaridades, há – mas não deveria haver pelo CEMEI, os bebês paravam para observar as tes. No início, tínhamos que interferir para ajudar
– divisão, sendo esta proposta a que defendemos crianças com grande interesse. Mesmo os que cho- os bebês, ainda não verbais, a terem suas vontades
no CEMEI Irapará. ravam a maior parte do tempo, sem que nada os escutadas. Sinalizávamos: “ele não está gostando”,
Acreditamos que, se há algum potencial nesse consolasse, tiravam uns minutinhos para observar “pergunta se ela quer”, “ele ainda não sabe falar,
modelo de atendimento, é o de integração entre toda aquela movimentação! mas entende tudo que você disser”. E logo essa co-
os bebês e as crianças maiores, pois essa possi- Não demorou para que as crianças notassem municação foi se aprimorando com um olhar cuida-
bilidade enriquece as relações e as aprendizagens os bebês, e sem cerimônias, se aproximassem. Ins- doso das crianças maiorzinhas, que aprenderam a
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Pudemos perceber que todos aprendem com Sabemos e vemos em nossa prática como gos- assim nos ensinar tanto sobre a vida e os relaciona-
a integração, bebês observam e aprendem pelo tam de cuidar, ser cuidadas; dar e receber sorrisos mentos de afeto que são tão simples e tão potentes”.
exemplo, crianças se sentem mais confiantes, e abraços; como é importante e satisfatório esta-
aprendem sobre limites e respeito aos corpos – de- belecer amizades para além da turma em que es- Acreditamos que a vida vivida por bebês e
les próprios e dos outros –, e as professoras apren- tão, porque todos fazemos parte da escola, todos crianças na escola de Educação Infantil deve se
dem muito sobre vínculo e respeito, ao observarem estamos compartilhando a experiência educativa, assemelhar, na medida do possível, a um fluxo
as relações desses seres pequenos no tamanho, todos aprendemos uns com os outros e as crianças natural e espontâneo da vida cotidiana. Não de-
mas grandiosos em sabedoria. sabem disso, sem que ninguém lhes precise dizer; fendemos rotinas com linha do tempo fixas, por
basta que ofertemos tempos e espaços para que as acreditarmos que o ser humano, desde o seu nas-
Alguns aspectos contribuíram para que essa relações se estabeleçam, para que encontros lin- cimento, é um ser cultural; portanto, as vontades
integração que observamos no relato acontecesse dos aconteçam. e necessidades dos bebês e das crianças devem
espontaneamente. Dentre eles, podemos citar as E eles acontecem, acontecem no parque, no pá- prevalecer, diminuindo a visão e a ação adulto-
experiências prévias de vivências multietárias en- tio, no morro, no refeitório, nas salas dos bebês na cêntricas. E se o fluxo de vida é natural, as rela-
tre as crianças, que foram constituindo a cultura brinquedoteca e principalmente nos corações dos ções também acontecem assim: surgem de forma
de que nesta Unidade Educacional as interações pequenos e das pequenas que se sentem integrados, espontânea, porém com espaços e tempos inten-
podem acontecer, sem que para isso, seja preciso parte do todo, livres para experimentar e experien- cionais para que essa cultura se estabeleça, sem
o consentimento dos adultos. ciar novas amizades. precisar de adultos cerceando os corpos, os tem-
Prado (1998) afirma que a sociabilidade re- Meninas e meninos escolhem e são escolhidos pos e as interações das crianças, mas se mantendo
laciona-se diretamente com a capacidade das por bebês e se fazem amigos, andam de mãos dadas, por perto, escutando-as, observando-as e apoian-
crianças de estabelecerem múltiplas relações com brincam de casinha, ajudam a dar comida, cantam do suas manifestações.
crianças de idades iguais, diferentes, com adul- músicas, fazem massinha juntos, brincam no par- Sarmento (2008) defende que o conhecimento
tos – transformando estas mesmas relações, na que. E assim, encontros preciosos marcam a infân- que a criança possui deve ter voz e deve influen-
realidade de vida através de formas lúdicas (com cia desses pequenos, como as duas Emily e Rayssa, ciar o seu modo de vida. Ou seja, a criança tem
fim em si mesmo, sem outros intentos) – numa como Emanuela e Samuel, Lorena e Carolina, Stella autonomia para opinar sobre as escolhas que a
forma sofisticada que não é dada pela natureza, e e Dandara, Taniely e Sophie, crianças do Infantil e afetarão diretamente.
sim, pela elaboração coletiva, produto da cultura seus respectivos amigos do berçário. E tantos outros Essa compreensão da criança como sujeito
que também a transforma e a constitui (TEDRUS amigos que se fazem quando estão juntos, tantos histórico e de direitos, competente, portadora de
1987, CORDEIRO 1996, MAGNANI 1993 apud chamados, quando estamos no pátio: “olha ‘pro', uma voz e capaz de produzir significados em re-
Foto: Acervo das professoras. PRADO, 1998, p. 16). a gente está cuidando dele...” Arthur, José e tantos lação aos contextos nos quais é inserida, é rati-
respeitar desde o espaço dos menores no parque e, A professora Bruna, que trabalha com as crian- que andam de mãos dadas com os bebês, que empur- ficada em uma série de documentos nacionais e
Ana Carolina até, que “quando o bebê diz não, é não.” ças maiorzinhas, também traz um relato de sua ram devagarzinho a motoca com todo cuidado do internacionais, como a Convenção Internacional
acolhendo Carolina,
em adaptação. Algumas crianças gostavam de participar da prática em que defende a integração com os bebês: mundo, que ali, presentes, integrados, juntos cons- sobre os Direitos das Crianças (ONU, 1989), o
“
hora das refeições dos bebês e adoravam dar comi- troem pontes indestrutíveis para si pois, cuidar do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Di-
da da boca deles. Alguns bebês aceitavam e, mes- Em nossa escola, desde o princípio, procu- outro, é cuidar de si, é cuidar do mundo. retrizes Curriculares Nacionais de Educação In-
mo já tendo autonomia, gostavam de participar da ramos ofertar às crianças pequenas, peque- São inúmeros os momentos em que esses encon- fantil (DCNEI, 2009), entre outros.
“brincadeira”. Conforme os bebês foram crescen- nininhas e aos bebês oportunidades de inte- tros aconteceram e podem acontecer, cabe a nós “Escutar as crianças implica o sentido de reconside-
do, já não tinha mais graça essa "brincadeira", e gração, de criação de vínculos de afeto, de amizade, oferecer esse tempo, esse espaço, cabe a nós profes- ração de seu espaço social, ou seja, ouvi-las interessa
tivemos que explicar às crianças que os bebês não porque sabemos quão potentes são as crianças e soras e adultas em formação ouvir as crianças e os ao educador como forma de conhecer e ampliar sua
bebês, enxergar neles toda a potência que têm, dei- compreensão sobre as culturas infantis – não só como
queriam mais ajuda para comer; então, tínhamos como aprendem com seus pares, com os maiorzi-
fonte de orientação para a ação, mas, sobretudo, como
que respeitar a vontade deles. nhos e menorzinhos. xar que sejam os protagonistas de suas histórias e
32 33
forma de estabelecer uma permanente relação comu- informações sobre do que elas não gostavam na Infância Paulistana (SME, 2015) que compreende Na reunião de autoavaliação realizada em maio
nicativa – de diálogo intercultural – no sentido de uma escola. Foi quando Michel, de 5 anos, nos dis- a educação como de 2017, com uso dos Indicadores de Qualidade
relação que se dá entre sujeitos que ocupam diferentes
se que não gostava da “hora dos bebês”. Pergun- "espaço que integra vida, cultura, cidade e escola,
da Educação Infantil Paulistana (SME, 2016), as
lugares sociais” (ROCHA, 2008, p. 47).
tado sobre que hora seria essa, eis a explicação: experiência e aprendizagem, mundos distintos e professoras apontaram a cor "amarela" no indica-
Escutar bebês e crianças se faz necessário “É a hora que minha turma vai no parque e não complementares como a razão e a fantasia, a arte e dor 4.2.1 que fazia relação às interações nas brin- Olhar do pequeno
a ciência, o corpo em movimento e o pensamento,
quando entendemos que as infâncias são múltiplas, pode correr, porque senão, tromba nos bebês”. E cadeiras, e argumentaram que a integração entre Pedro, sendo
adultos e crianças em uma experiência inteira e so- acariciado
não há um modelo, pois lidamos diariamente com Pedro, de 5 anos, complementou: “Não pode ba- cialmente relevante para a educação das infâncias"
as crianças "de CEI e EMEI" ocorria apenas nos
por Bruno.
diversas infâncias. Essa compreensão nos provoca lançar que bate nos bebês. Mas mesmo assim eu (SME,2015). momentos citados acima: festas, eventos e parque.
o movimento de olhar para o todo e para o indi- gosto dos bebês”. Foto: Acervo das professoras.
víduo a todo o momento; nesse sentido, a escuta Essas falas nos provocaram outras discus- E no Currículo da Cidade, elaborado poste-
parte do pressuposto de que cada criança é única, sões e percepções sobre essa integração que foi riormente, defendendo a mesma concepção de
não havendo um padrão a ser seguido: a regra é se naturalizando e acontecendo a todo momento que “viver coletivamente na UE propicia para as
escutá-la e deixar-se guiar por sua voz. As crianças na área externa. Com a contribuição das crianças infâncias a expansão de seus territórios, possi-
quando escutadas em suas múltiplas formas de ex- reconhecemos que elas precisavam também de bilitando a percepção de outros modos de viver,
pressão também nos auxiliam a olhar para além da momentos de exploração no quintal, com maior agir, relacionar-se, isto é, ensina a ver do ponto
aparente obviedade das coisas, ambientes, lugares, liberdade para correr e se movimentar sem a pre- de vista do outro" (SME, 2019 p. 13). Nesse sen-
relações (informação verbal)1. Ao observar e escu- ocupação com os menores. Portanto, além do tido, acreditamos que esses documentos curricu-
tar os bebês e as crianças, em suas mais diversas brincar no parque integrando os bebês, os maiores lares são nossos alicerces para a construção do
formas de expressão, pretende-se dar sentido ao foram contemplados nessa necessidade, brincan- exercício pleno da cidadania, que se dá a partir
fazer pedagógico no CEMEI Irapará, ressignifi- do e explorando a área externa da escola, sempre de experiências e relações que vão ajudando a
cando fazeres a partir do olhar atento e observador que possível, e esse foi mais um argumento para constituir o sujeito.
para os nossos bebês e crianças. que as crianças pudessem viver com fluidez seu
Sabemos que essa escuta se dá a todo momen- tempo, sem horários marcados para entrar e sair E como foi o início da
to no fazer pedagógico, desde os momentos de do parque, do quintal, da área externa, uma vez
cuidado, brincadeiras até nas populares rodas de que todos os espaços do CEMEI são dos bebês e
integração entre os bebês
conversa; no entanto, realizamos no ano de 2018 das crianças e devem ser ocupados por eles. e as crianças?
uma atividade de escuta com crianças maiores, Algumas questões ainda desafiam essa pro-
com objetivo de coletar dados e informações posta de integração ou de atendimento aos bebês e A princípio, a integração entre os bebês e as
acerca do que elas pensam sobre o CEMEI Irapa- crianças com grupos heterogêneos, como o quadro crianças maiores acontecia apenas no parque ou em
rá. Este trabalho nos serviu como avaliação para insuficiente de funcionários, o cardápio diferencia- eventos como festas de aniversariantes do mês. Já
ressignificar fazeres como a integração multietá- do de CEI/EMEI, os cargos e as cargas horárias de era um anseio nosso que essa integração aconteces-
ria, e também para reforçar a concepção pedagó- trabalho diferenciados das professoras (Professo- se de forma mais intencional e em momentos diver-
gica da escola. ra de Educação Infantil - PEI/CEI e Professora de sos dentro da rotina normal de bebês e crianças.
Durante essa atividade de escuta, disponibili- Educação Infantil e Ensino Fundamental - PEIF/ A primeira tentativa foi na elaboração dos
zamos celulares para que as crianças nos mostras- EMEI) que dificultam a integração do grupo; no horários de refeições, prevendo que crianças pe-
sem com seus próprios registros aquilo que elas entanto, decidimos não nos intimidarmos diante quenas e maiores pudessem compartilhar juntas
mais gostavam no CEMEI Irapará e, no decor- das questões desafiadoras, e isso não significa ig- desse momento; no entanto, o cardápio diferen-
rer dessas conversas, buscamos também coletar norar que elas existam e mereçam discussão. ciado (CEI/EMEI) dificultou esse plano. Sendo
Optamos por apostar na proposta pedagógica assim, mantivemos os agrupamentos por seg-
1 Fala da Profª Mestra Bruna Ribeiro, em palestra realizada em 2018.
integradora, com base no Currículo Integrador da mento nos momentos de refeição.
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Levada a discussão para elaboração do Plano de ço destinado ao registro de relatos e observações própria integração: cuidado, carinho, responsa- uma turma do Infantil II estava sempre brincando
Ação, ficou a cargo da coordenação e equipe do- das professoras após a realização da integração. bilidade, diversão, aprendizagem mútua. Todos no quintal (não raras vezes, notamos nessa oca-
cente a inclusão desse item para discussão em reu- A escolha da utilização da ficha se deu para fa- esses itens aparecem nos relatos elaborados pelas sião um grupo de crianças do Infantil II, desvian-
nião pedagógica. O tema foi discutido e tivemos cilitar a elaboração do planejamento e para chamar docentes após as primeiras experiências, confor- do de suas brincadeiras e vindo ajudar a alimentar
como resultado a elaboração de um planejamento a atenção para alguns cuidados que são necessá- me relato da roda de música do Berçário II com os bebês). Nesses momentos, as professoras do
conjunto no qual as professoras (PEI e PEIF) se rios, como pensar no local mais apropriado para Infantil I, escrito coletivamente pelas professoras berçário pediam somente que as crianças maiores
agruparam de acordo com afinidades, projetos e que os bebês se sentissem confortáveis e no tempo Silvana, Taís, Viviane, Carolina, Mari e Elza: avisassem suas professoras de que estariam ali, e
ideias afins, para elaboração de um planejamento de duração das atividades; tais cuidados se tornam "A proposta de integração entre os bebês e as crian-
ensinavam a elas como cooperar com os bebês,
conjunto a fim de integrar bebês e crianças. ainda mais indispensáveis quando se planeja uma ças maiores lançou mão do repertório de músicas de de forma respeitosa e fazendo a leitura de suas
Foi elaborada uma ficha para apontamento dos vivência que inclua bebês e crianças maiores. que ambos os agrupamentos têm domínio. Organiza- necessidades. As crianças maiores foram apren-
Pensar no objetivo da vivência para além da mos os encontros na sala de convivência dos bebês, dendo a esperar que os bebês abrissem a boca pe-
grupos envolvidos na proposta, bem como a data, o
às terças-feiras antes do café dos pequeninos. Re-
horário, o espaço e o objetivo da vivência para além integração possibilitou apurar o olhar das pro- cebemos as crianças maiores numa roda. Os bebês
dindo por uma colherada, a deixar que os bebês
da integração. Nessa ficha, havia também um espa- fessoras para as possibilidades que surgem na estavam bem tímidos e mais observavam a cantoria segurassem a colher sempre que eles quisessem e
nos primeiros encontros. A cada encontro retomáva- a respeitar os sinais de quando os bebês estives-
Foto: Acervo das professoras. mos as músicas que cada grupo trouxe e com isso sem satisfeitos, em verdadeiro gesto de escuta,
nosso repertório foi ampliado. Atualmente, algumas
crianças do Infantil demonstram muito interesse em
educação e cuidado.
trazer novas músicas e os bebês já cantam junto e “Cuidar e educar significa, portanto, compreender
participam dançando. Notamos, a partir do relato, que o direito à educação parte do princípio da for-
que essa atividade de integração voltou a se repetir mação da pessoa em sua essência humana e integra-
diversas vezes, passando a fazer parte da vida dos lidade (...). Educar significa enfrentar o desafio hu-
bebês e crianças ao menos uma vez por semana.” mano de estar ao lado e interagir com gente, isto é,
com criaturas tão imprevisíveis e diferentes quanto
Cabe ressaltar que após o planejamento dessas semelhantes, ao longo de uma existência inscrita na
primeiras experiências integradoras, os encontros teia das relações humanas, neste mundo complexo.
Educar com cuidado significa desenvolver e con-
entre bebês e crianças passaram a acontecer natu-
siderar a sensibilidade humana na relação de cada
ralmente, com mais frequência e em diversos mo- um consigo, com o outro e com tudo o que existe;
mentos na rotina em situações planejadas para este com zelo, ante uma situação que requer cautela em
fim ou não. Notamos também que essas vivências busca da formação humana plena (SME, 2015 apud
BRASIL, 2013, p. 25)”.
estão proporcionando a criação de vínculos afeti-
vos, conforme demonstra a continuação do rela- Nsse contexto, podemos compreender que os
to: “Outro dia, por exemplo, uma criança de cinco gestos de educar e cuidar podem ser considerados
anos procurava pela professora do berçário no par- como atitudes tipicamente humanas, pois nascem
que para perguntar por um bebê, chamando-o pelo das relações entre os indivíduos e são aprendidos
seu nome, pois queria brincar junto com ele.” culturalmente.
Esses laços de afeto entre bebês e crianças
Emilly, Viviane e
Evellyn rodeando
foram se intensificando, de modo que essas in- Desafios, considerações e
terações passaram acontecer para além das brin-
a pequena Rayssa.
cadeiras no parque ou de vivências previamente
contribuições futuras
planejadas pelas professoras. Uma amostra disso
é o que passou a ocorrer no horário de refeição A vivência da integração entre bebês e crian-
dos bebês, que coincide com o momento em que ças pode ser entendida como algo natural dentro
36 37
Entrevista
das instituições educacionais, já que espelha o tegralidade dos sujeitos, valorizando tudo o que
panorama observado nas residências, ruas, co- ele traz e carrega consigo desde seu nascimento,
munidade, território e vizinhança das famílias de nos parece ser o caminho mais humano e viável
todas, senão, da maioria das crianças que pos- para a construção de uma sociedade mais ética,
suem irmãos mais velhos e mais novos, vizinhos, equânime e solidária.
outros parentes com quem convivem cotidiana e
normalmente. Porque a escola não pode refletir Referências
Infâncias
isso ao invés de segregar essas relações? Será
que as crianças podem conviver harmoniosamen- BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
te com os bebês na escola desenvolvendo outro Básica. Brasília, DF: MEC/SEB/DICEI, 2013.
olhar para seus irmãos e pares para além dela? BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional da
Conectadas
Como Escola, inserida na Sociedade e atenta às Educação. Diretrizes curriculares nacionais para educação
questões peculiares nas relações sociais, particular- infantil. Brasilia, DF, 1999.
mente na infância, acreditamos, entre outras coisas, FEDERAL, Governo. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei
estamos caminhando na direção do desenvolvimen- PRADO, Patrícia Dias. Educação e cultura infantil em creche:
Cidades
to de uma das propostas de currículo integrador, um estudo sobre as brincadeiras de crianças pequenininhas em
contribuindo para o exercício pleno da cidadania e um CEMEI de Campinas - SP/ Patrícia Dias Prado. Campinas,
A educação integral como princípio compreen- ROCHA, Eloisa A. C. Por que ouvir as crianças? Algumas questões
Educadoras
de o compromisso com as práticas integradas de para um debate cientifico multidisciplinar. In: CRUZ, Silvia
formação e o desenvolvimento humano global, em Helena Vieira (org). A criança fala: a escuta de crianças em
suas dimensões intelectual, física, afetiva, social, pesquisas. São Paulo: Cortez, 2008. p. 43-51.
ética, moral e simbólica (SME, 2019 p. 34), colo- SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria
cando os bebês e as crianças no centro dos proces- de Orientação Técnica. Currículo integrador da infância
sos educativos – o Currículo da Cidade defende a paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2015 - 72p.: il.
problematização de todo o processo de educação, SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação.
tempos, espaços, interações, intencionalidade do- Infantil. – São Paulo: SME / COPED, 2019. 224p. il.
cente e materialidades” (SME, 2019 p. 34). SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de
ças ou bebês, por compreendermos que não há Cadernos de Educação, v. 21, p. 51-69, 2003.
fragmentação entre corpo, mente e sentimentos. SARMENTO, Manuel Jacinto. Sociologia da infância: correntes e
Essa percepção parece complexa, quando na ver- confluências. Estudos da Infância: Educação e Práticas Sociais,
dade, muito mais complexo seria tentar organizar Petrópolis, Editora Vozes, p. 17-39, 2008. Entrevista feita por
saberes, sentires, corporeidades e aprendizagens, UNICEF et al. Convenção sobre os Direitos da Criança. Wanessa A. Périco Alexandre (Assistente Técnico Educacional I - DIEI)
dividindo-os e compartimentando-os. Deixar que Adaptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em,
38 39
Q
ueremos agradecer à Revista Magis- de o primeiro momento de escolarização, esforços Defendemos uma didática que busca a auto- 2. As senhoras argumentam que é preciso
tério e ao Cristiano Alcântara, Di- especiais são feitos para que as crianças apren- nomia, autogestão e autodeterminação das crian- aceitar o que cada momento do cotidiano das
retor da Educação Infantil da Rede dam a funcionar naquele ambiente desconhecido ças, assim como a socialização. A combinação Unidades Educacionais com bebês e crianças
Municipal de Educação de São Paulo pela oportu- e com pouca semelhança com o seu cotidiano; as- magistral entre o individual e o coletivo, o pes- apresentam, ao invés de horários pré-defi-
nidade de compartilhar nossas visões sobre a esco- sim, nascem normas, lemas e regras que não serão soal e o social, o íntimo e o comunitário. Todos nidos, trabalhos com datas comemorativas
la, infância, educação e o papel do adulto que in- transferidas para o lar, bairro ou espaços sociais os professores dizem a mesma coisa, mas então que não trazem pesquisas, que prevaleçam
tervém na educação com as crianças, pois estas são àqueles que vêm acompanhados de seus familia- impondo regras que não vão além da submissão controláveis, o previsível e o avaliável. Como
as premissas iniciais às quais vamos nos referir ao res. A rapidez de execução, a ordem, a limpeza e a e da obediência sem questionar. Situações são selecionar de tudo o que se observa, o que
longo desta participação. O que defendemos não é organização são geralmente as características das evitadas, proibidas, impostas, o cumprimento é entra e o que será vivido no cotidiano com
um método didático, mas algo que se refere mais ações individuais e coletivas realizadas por meni- exigido. E na verdade não é a melhor forma de e por bebês e crianças, para que não pareça
à substância do que à forma. Enquanto não formos nos e meninas que já passaram por um período de educar cidadãos livres que melhorem suas condi- uma improvisação didática?
capazes de responder a essas perguntas honesta- treinamento: andar na fila, colocar objetos pessoais ções e as dos outros.
mente, nunca saberemos o que estamos fazendo ou em cubículos, não consumir certos alimentos ou Qual seria então o ambiente propício para re- Um dos tópicos mais difundidos sobre os ga-
por que o fazemos. Quando enterdemos o pano de bebidas, usar algum tipo de roupa ou calçado, não alizar experiências de sucesso? legos é que respondemos a uma pergunta com
fundo de cada uma das nossas ações, suas conse- falar ou brincar enquanto está sendo dirigido, ou Pense em "ser bem-sucedido" e traga todas outra pergunta. Mostrando nossa idiossincrasia
quências e os resultados na conformação humana não ir ao banheiro fora dos horários indicados no essas qualidades para um ambiente versátil, de- e identidade, em resposta faremos uma pergun-
das criaturas; quando entendermos que mesmo o horário. Alguns são tão bizarros ou sujeitos à sub- mocrático, cooperativo, engenhoso, simples, cria- ta (ou várias): O que você pode trabalhar com
menor gesto transmite mensagens educativas (ou jetividade adulta que sempre nos perguntamos se tivo, ordeiro, esclarecido, empático, curioso, esti- crianças pequenas que não surja de seu cotidia-
não); quando formos capazes de analisar nossa nasceram para promover a autonomia infantil ou mulante, seguro e acessível. Alcançar isso é uma no? Faz sentido que sejam feitas propostas di-
práxis com objetividade e rigor, poderemos orien- para conveniência do professor. tentativa e erro contínuos, testando e ajustando dáticas que não nasçam do que os pequenos ob-
tar a intervenção docente e argumentar sobre Ao longo dos anos, consolidaram-se alguns cada grupo. Um inconformismo, uma indagação servam, sentem e vivem? É possível que questões
as razões das nossas decisões. modelos de escola que se distanciam cada vez constante para o professor e a colocar os direitos absolutamente tangenciais às suas percepções
Por isso, encontramos magníficas questões mais da realidade em que vivem meninos e me- das crianças antes dos interesses dos adultos. sejam abordadas? Conhecendo as características
que nos permitem ir mais a fundo, além do quão ninas. Decorações delirantes, repletas de figu-
Foto: Ana Bárbara
afortunadas podem parecer as atividades que ras planas, em cores primárias; outros tão mi-
reunimos em nossos dois livros já publicados no nimalistas, orgânicos, austeros, mais típicos de
Brasil: “Os fios da infância” e “O pulsar do coti- um manual de feng shui do que de um espaço
diano de uma escola da infância”. acolhedor. No meio, estão autênticos pontos de
reciclagem, centros de artesanato, salas de de-
1. Sabemos que devemos educar para a vida sign de vanguarda. Em suma, bolhas fictícias,
e não para a bolha escolar. Como é o dia a que não ajudam os mais pequenos a se sentirem
dia de uma Unidade Educacional que edu- acolhidos e seguros, mas imbuídos de ordem,
ca para a vida real? Como preparar um am- equilíbrio, beleza, higiene e valores.
biente propício para experiências de sucesso Postulamos uma escola habitável que reúna as
aos bebês e às crianças? condições de segurança, luz e ordem. Um lugar
estimulante, mas não empolgante, sugestivo mas
Sempre dizemos que existem escolas que pre- não intrusivo, amigável e objetivo. É verdade que
param as crianças para se defenderem no ambiente nem todas atendem a essas condições, mas seria
escolar e não para se integrarem plenamente à vida o denominador comum que faria com que nós,
da comunidade. Acontece na grande maioria. Des- crianças e adultos, nos sentíssemos bem.
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psicoevolutivas da infância, é possível introduzir sol, dos girassóis de Van Gogh, das garotas e da Não! Em nossos livros chamamos de “experi- tão expostos a uma oferta ampla e exagerada
projetos que envolvam saltos no tempo histórico, música Yellow Submarine dos Beatles. A globali- ências de vida” as atividades educativas que rea- de conteúdos escolares, quais são as caracte-
que falem de abstrações, diferentes culturas, mi- zação visa oferecer a cada criança os materiais de lizamos com nossas crianças. Não nos atrevemos rísticas que uma educadora deve ter para ga-
tos ou fantasias adultas? aprendizagem da forma mais próxima possível de a considerá-las projetos, ou sequências didáticas, rantir uma educação humanizadora? Quais
A cada vez, observamos mais extravagân- como eles percebem as informações em seu coti- ou centros de interesse. São experiências diárias são suas ações?
cias nas sequências didáticas que são realizadas diano, evitando assim a divisão do conhecimento, enriquecidas com o conhecimento especializado
nas salas de aula das crianças. O mais remoto, o permitindo a organização coerente dos conteúdos de um profissional da educação. Seus eixos prin- Acima das modas, metodologias, decorações
mais exótico, o mais microespecializado invadiu de aprendizagem e sua integração. cipais são apontados em dez blocos, dez questões e normas, está o papel do professor. Um bom
o cotidiano de alguns seres caracterizados por seu É tão fácil pensar sobre como nós, adultos, que devem reunir tudo o que pode ser do interesse professor fará um bom trabalho mesmo em um
egocentrismo, sua inteligência prática, seu pensa- aprendemos que não podemos entender por que e o que as crianças de 3 a 6 anos devem saber. ambiente ruim; um medíocre fará um péssimo
mento intuitivo, sua extrema dificuldade de pensar fazemos isso de maneira tão complicada com as I. Quem sou e como sou? trabalho mesmo no melhor ambiente. E quais
na ausência de objetos, sua percepção sincrética e crianças. Imagine o que descobrimos com elas num II. O que eu faço (como uma família)? qualidades devem ter? Cortesia, carisma, comu-
global, seu pensamento animista, seu artificialis- passeio pelo jardim: cores, cheiros, sensações tér- III. Do que eu cuido? nicação, gentileza, respeito, integridade, com-
mo, justaposição, negação e oposição. Você real- micas, medidas, orientação espacial, flora, fauna, IV. O que me acontece? promisso, entusiasmo, paixão, experiência, es-
mente acredita que pode assimilar a vida dos po- pequenas histórias… Esta é uma experiência coti- V. O que eu como? tratégia, resolução, ética e compromisso social;
vos pré-históricos, os egípcios, os dinossauros, o diana com uma abordagem didática globalizante. VI. Quem eu amo? transparência, paciência, mente aberta, estoicis-
sistema solar ou o molecular? Talvez sorriam ou Agora pense também nas oportunidades de apren- VII. O que está acontecendo ao meu mo, positividade, generosidade, persistência, res-
se surpreendam enquanto elencamos estes temas... dizagem que podem ser extraídas de um jogo, uma redor? O que eu comemoro? ponsabilidade, liderança, comunicação e ser uma
não se surpreendam porque aqui na Espanha já se história, uma anedota, um episódio familiar. É tão VIII. O que me move? fonte de inspiração.
enquadram no que poderíamos chamar de "clássi- simples se nos colocarmos no lugar dos peque- IX. O que eu contribuo? Quem atende a essas condições é capaz de
cos projetos infantis", que não são projetos, nem se nos. É viver, integrar-se à realidade. Tornamos isso X. Para onde vou? preparar o melhor ambiente educacional mesmo
adequam às características infantis, nem tampouco complicado e absurdo porque queremos seguir um Às vezes surgem espontaneamente, outras ve- sem qualquer tipo de decoração ou dotação. Ou,
são contemplados no currículo do estágio. roteiro e não nos deixar levar pelos nossos senti- zes “forçamos” seu surgimento. Acreditamos que dito de outra forma, eles saberão como selecionar
O que fazer então? dos e sentimentos. Quem se atreveria a dizer que desde o momento em que entram na escola, de- adequadamente recursos úteis para seu objetivo
Como bem apontam na entrevista, não somos viver não é improvisar? É ruim aproveitar o que vem receber as chaves que lhes permitirão com- final: a humanização das crianças.
a favor da rigidez de horários, temas ou progra- surge a cada momento? Parece pouco profissional? preender o mundo em que vivem, no qual vive- Em “Os fios da infância”, abordamos os ei-
mação. Encontramos tratamentos absurdos como: Você considera mais rigoroso para uma professora rão no futuro e também ajudá-los a construir sua xos ou constantes que devem estar presentes em
no primeiro trimestre a cor amarela, dizendo acompanhar sua exposição às descobertas e con- história, sabendo quem são, por que são e como todo desempenho educacional com crianças, que
"obrigado / por favor"; tamanhos grande / peque- tribuições dos mais pequenos? Talvez a chave seja são. Partir do que está perto, do que toca o nosso facilitam:
no; frio / quente; áspero / macio; o número 1 e diferenciar o que chamamos de improvisação e o coração é sempre o ponto de partida de experi- 1. Esteja ciente de suas realizações e crescimento;
a letra / a /. Sabemos que temos que lidar com que é velocidade de resposta, bagagem e riqueza de ências de vida inesquecíveis que se expandirão 2. Salvar belas memórias;
esse conteúdo, mas também sabemos que ele não recursos, versatilidade, adaptação curricular, flexi- tanto quanto quisermos. 3. Coloque os pés no chão;
pode ser imposto, regulamentado e forçado. Essa bilidade organizacional, conhecimento pedagógico A condição fundamental para trabalhar assim 4. Admire (a si mesmo) com a beleza cotidiana;
artificialidade didática afasta exponencialmente o e conhecimento contextualizado. Aí está a resposta. é um exercício contínuo de escuta ativa dos pe- 5. Diálogo com a arte;
conteúdo acadêmico da vida real. quenos, das suas famílias, do grupo e do contex- 6. Projete-se na comunidade;
Desde que começamos nossos estudos de en- 3. Vocês defendem que é preciso aproveitar as to. Não seguir scripts pré-estabelecidos. Dê a voz 7. Abra a boca e saboreie a vida;
sino, eles nos fizeram repetir a necessidade de ocasiões que surgem na vida cotidiana para a quem desejamos dar: aos meninos e meninas. 8. Descobrir o nariz;
uma abordagem educacional global para as crian- construir uma autoimagem (positiva) de cada 9. Pense com a pele;
ças. Mas globalizar não significa dedicar quinze menino e menina. Esta abordagem é a mesma 4. Num mundo hiperconectado e globaliza- 10. Ouça com o coração;
dias à cor amarela e assim falar da banana, do do trabalho com Projetos Pedagógicos? do, onde cada vez mais bebês e crianças es- 11. Tome o pulso do tempo;
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12. Contar a história de vida; Derivado de tantas provas e reflexões, chega- Esta extensa lista de pontos de observação de forma explícita, argumentando as razões pelas
13. Jogar para ser (outros); mos a várias conclusões: agrupados por áreas, por blocos de conteúdos, re- quais pensamos assim e baseando-nos no legado
14. Libere a língua; y o registro é válido quando você sabe o que lacionados com as competências básicas e com pedagógico de ilustres pedagogos que orientam
15. Ouvir a experiência; registrar; abordagem global, dão orientações a serem tidas nosso pensamento; e também, implicitamente, em
16. Desvendar mistérios; y você não pode fingir registrar tudo de todos em consideração por cada profissional da educa- cada uma das experiências de vida que promove-
17. Entrar na vida real; ao mesmo tempo; ção que tutela um grupo de crianças e por todo o mos com nossos bebês e crianças. Enfatizamos
18. Ser "gente pequena"; y é mais útil focar cada vez em um aspecto ob- pessoal especializado ou de apoio que intervém essa ideia para que entendam que, independente
19. Expressar apreciação; servável; com eles. Lembrando sempre que o importante da “engenhosidade” das atividades que relata-
20. Deixe uma marca. y não podemos aplicar os mesmos parâmetros é mostrar suas conquistas, não seus fracassos. mos, o que buscamos é a reflexão contínua sobre
Observar, ouvir e registrar as trajetórias de a todos os filhos; então, nem a todos os bebês Não é o modelo perfeito, mas foi o mais equita- a própria prática.
bebês e crianças são necessários para entender e crianças; tivo, o mais transferível para todas as unidades Para encerrar, oferecemos, como sempre, nos-
como bebês e crianças estão aprendendo, para y não se trata de qualificar se uma criança é de educação infantil, da comunidade autônoma e sa atenção em tudo que queiram e precisem nos
organizar espaços propositivos às experiências adequada ou não, se cumpre ou não cumpre; o o mais operacional, pois está disponível em um consultar.
e ajustar, mediar e orientar intervenções pedagó- que é realmente rico são as nuances; aplicativo de computador que armazena o históri- Obrigada.
gicas. Porém, muitas vezes, esses registros não y o aspecto comportamental não pode ocultar as co escolar de cada criança, independentemente de
proporcionam o encontro do educador com eles, outras facetas (cognitiva, motora, afetiva); quem era seu professor, em que escola ele estu-
pois acabam sendo descritivos, burocráticos e li- y o registo está sempre sujeito à subjetividade dou ou para que trabalhava, fornece informações
mitados em detrimento da riqueza do cotidiano docente que por sua vez depende das suas às famílias sobre as aquisições de seus filhos, aos
nas Unidades Educacionais. concepções pedagógicas; professores sobre o andamento do grupo e aos fu-
y um registro deve permitir a inclusão de epi- turos professores sobre sua história acadêmica.
5. O que as senhoras consideram essencial sódios críticos, anedotas e até comentários de Com tudo isso, afirmamos que nada é com-
para nos ajudar a refletir sobre a importân- crianças; parável à avaliação feita no grupo sobre sua
cia do exercício diário para fazer registros y requer flexibilidade por parte do observador evolução e seus processos; com cada criança so-
significativos e de qualidade? para entender que o que uma criança não do- bre suas conquistas, com cada família, sobre di-
mina em um contexto ou momento, ela pode ficuldades ou melhorias, com colegas professores
Ao longo de mais de trinta anos de ensino, realizar em outros. sobre desafios futuros. Se não olhamos para as Ángeles e Isabel Abelleira Bardanca são irmãs, professoras de Educação
podemos dizer que o principal motivo de nossos Durante os anos em que nos dedicamos a atu- crianças, voltamos para os conteúdos e a avalia- Infantil desde 2010. Mostram o seu trabalho na escola pública galega no blog
esforços tem sido refletir fielmente o progresso ar na gestão educacional, tivemos a oportunidade ção passa a ser qualitativa e métrica. InnovArte Educação Infantil e têm vários prêmios por inovação educacional
de cada criança. Testamos todos os tipos de re- de participar da elaboração do currículo da edu- em nível regional (2001-03): Prêmio Mestre Mateo (2011), por suas colabora-
gistros, desde os mais abertos e descritivos até cação infantil de 0 a 6 anos, juntamente com to- Wanessa, esperamos que nossas reflexões aju- ções educacionais na área audiovisual; Prêmio Francisco Giner de Los Ríos,
os mais fechados, escalas de estimativa ou listas das as disposições legais para sua implantação, dem a Rede Municipal de Educação, inclusive pela melhoria da qualidade educacional (2012), os quais foram selecionados
de verificação. Nenhum nos satisfez completa- gestão e avaliação. avisamos que nunca ficamos totalmente satisfei- para representar a Espanha para o ciclo 3-6 da I Rede Ibero-americana de
mente. O que eles acabam coletando pode ser tão Como não poderia ser de outra forma, passa- tas. Não existe um registro perfeito, pois o olhar Inovação Educacional na Educação Infantil (2014). Em 2016, foram agracia-
detalhado ou tão insignificante que não fornecem mos muito tempo nos dedicando. Na Galiza, face de um professor para uma criança deve ser polié- das com o Prêmio Marta Mata de Pedagogia, com o livro “Fios da Infância”.
informações verdadeiras e objetivas sobre o pro- às objeções levantadas por todos os membros da drico. Requer que o observador se mova de suas Desempenharam funções na gestão educacional relacionadas à formação per-
cesso educacional. equipe de redação para trabalhar com fichas ou não, posições para apreciar o que está escondido. manente, ao planejamento educacional e à inovação, bem como na gestão de
Por outro lado, embora ainda cientes da im- foi adaptado um modelo intermédio: uma bateria de Como dissemos no início desta entrevista, centros educacionais. Colaboram regularmente nas atividades de formação
portância do registro, não acreditamos que possa 500 itens de observação, dos quais cada professor, nas nossas publicações procuramos transmitir um de professores, na publicação de projetos e impressões especializadas em edu-
ser feito simultaneamente ao desenvolvimento em cada trimestre, selecionaria os que melhor se discurso sobre a escola que queremos, os profes- cação infantil. Publicaram no Brasil “Os fios da infância” e “O pulsar do
das atividades, pois focar nelas nos faria perder o adequariam aos conteúdos trabalhados naquele pe- sores que tentamos ser e os cidadãos que quere- cotidiano duma escola da infância”, ambos pela editora Phorte.
44 olhar sobre o objeto de observação. ríodo e ao nível de domínio do seu grupo. mos ajudar a formar. Fazemos essas mensagens 45
O PEA como aliado
da construção
coletiva e autoral
do currículo vivo
Relato de prática da ressignificação
do PEA da EMEI Clycie Mendes
46 47
A
o passar a compor o quadro de ser- sar do cuidado com a fragilidade da questão, vivi Pedagógico da Unidade Educacional, bem como
vidores da EMEI Professora Clycie incontáveis momentos de descrédito por parte do do território. Isto porque, apesar da possibilida-
Mendes Carneiro, em 2013, adotei meu grupo de trabalho, pois ali se configurava um de do desenvolvimento profissional, pessoal e do
uma postura franca e aberta frente ao currículo importante exemplo de necessidade de abertura território educativo numa perspectiva universal,
em ação, com o intuito de, coletivamente, ampliar nos planos pessoal e profissional para paradigmas com vistas ao enriquecimento cultural e a melho-
e aprofundar conhecimentos sobre a Educação In- diferentes daqueles sedimentados há décadas. Ca- ria das condições de vida das pessoas, o PEA tam-
fantil e, no processo, contribuir com o aperfeiçoa- minhei a passos curtos nos dois primeiros anos, bém permite, por meio da sua gestão, reprodução
mento do currículo e do Projeto Político Pedagó- mostrando alguns limites e possibilidades do mo- de consensos com potência para a manutenção do
gico da Unidade Educacional. O texto do Projeto delo de formação ali presente para a interferência professor e do seu trabalho numa posição mais
Especial de Ação - PEA, desenvolvido em quatro no Projeto Político Pedagógico da Unidade Edu- voltada à reprodução das desigualdades e pou-
das onze horas-aula da Jornada Especial Integral cacional e, consequentemente, no serviço entre- co ou nada comprometida com a libertação das
de Formação - JEIF, tinha um claro objetivo de gue às pessoas do território. Ou seja, o PEA pode amarras sociais que aprofundam o caos social. Foto: Ana Bárbara
formação das professoras da escola definido e as se configurar como mais um instrumento de par- Com seus textos, falas, gestos, vivências e de formação não se efetiva, pois os profissionais
referências nele contidas eram lidas na sequên- ticipação e autoria na concepção e no desenvol- outras manifestações, muitas pessoas colabora- abrem mão das suas necessidades formativas. Isto
cia ali presente. Leituras de publicações recentes, vimento do PPP ou um aliado na manutenção das ram com a tecitura dos pensamentos e questio- devido à limitação da conexão com os estudan-
preparação de material para eventos comemorati- relações de poder em todas as instâncias sociais. namentos objetivados na formação em serviço tes e o consequente desfavorecimento da possível
vos e para o trabalho no dia-a-dia com as crianças Nesta lógica, a formação dos professores ten- que desenvolvemos na Unidade. No percurso, o contribuição das pessoas da Unidade Educacional
também faziam parte das atividades realizadas de à “perpetuação, consciente ou não, da ordem misto de sentimentos foi gerado pelas incontáveis e o o território onde atuam, por meio de um currí-
nos horários destinados ao PEA. Ao olhar o am- social alienante e definitivamente incontrolável contradições encontradas entre as teorias em si, culo ali gerado, desenvolvido e avaliado.
biente num repente, a cena era capaz de provocar do capital” (MÉZÁROS, 2005, p.47). Todavia, os entre estas e a prática, entre minhas hipóteses e Então, nos vimos optantes pela construção
a sensação de um trabalho harmônico e contex- elementos capazes de proporcionar este fenôme- a prática verificada e, principalmente, entre meus deste currículo vivo. Isto aconteceu no desenvol-
tualizado, pois as professoras agiam em grupo, no reservam igual vigor para a crítica com vistas à desejos e os desejos apresentados pelas profes- vimento do PEA Ressignificação dos tempos e es-
colaborativamente e suas produções estavam de alteração da ordem social posta. Contudo, por se- soras, crianças, familiares e demais funcionários. paços da escola (2013) quando, à luz do Referen-
acordo com o que se esperava para conduzirem rem parte da maioria de indivíduos que sofrem as Outra vertente eleita para análise do novo mé- cial da Educação Infantil da Secretaria Municipal
sua prática pedagógica. No entanto, uma observa- consequências do controle mundial pelas potên- todo experimentado no PEA foi a dúvida sobre de Educação, revisitamos, fotografamos e avalia-
ção mais atenta e técnica, por mim realizada, de cias imperialistas, os professores reservam, em si, a escolha do recorte para estudo, mais especifi- mos cada ambiente da Unidade, o que lá estava
acordo com os deveres do cargo de Coordenador a possibilidade de contribuir para a formação de camente, se deveríamos nos voltar mais à teoria disposto, como e sua utilização. Nas discussões,
Pedagógico, desvelou que ali havia um consenso concepções de mundo, quer a predominante ou as ou à prática. Vimos que, apesar da formação em falávamos dos objetivos pedagógicos de cada um
estabelecido sobre currículo em ação, ou seja, os alternativas a esta. (FORNAZARI, 2009, p. 206) serviço ter a potência de proporcionar a gestão desses elementos, se precisavam de aperfeiçoa-
profissionais se esforçavam em produzir resumos Iniciamos conversando sobre a importância das professoras e dos professores por meio da mento e como faríamos isto coletivamente. Tam-
e objetos para reforçar um currículo comprome- da carga horária destinada ao estudo e aperfei- elaboração, do desenvolvimento e da avaliação bém sentimos necessidade de alterar a forma de
tido com a preparação para a alfabetização e com çoamento da prática docente por meio do PEA, do seu estudo, é possível que, nos momentos de registro do PEA, pois o modelo utilizado pouco
a manutenção da posição dos adultos da escola como parte do total de horas da Jornada Especial estudo, a prática se constitua na execução de ta- contribuía com o desencadeamento dos estudos,
como idealizadores, planejadores e avaliadores Integral de Formação (JEIF) da Rede Municipal refas propostas pelo coordenador do grupo de es- planejamento, ações e avaliações coletivos.
das tarefas pedagógicas que passavam para as de São Paulo. Ao longo dos últimos 8 anos, esta- tudo, por órgãos externos à escola ou a simples Tradicionalmente, as anotações do que era re-
crianças por meio de comandas bem preparadas. mos nos convencendo de que, na prática, o gru- realização de tarefas, sem o comprometimento alizado nos encontros de cada um dos três grupos
Dada a complexidade da questão, optei por po de professoras e professores pode gestar seu com o aperfeiçoamento do Projeto Pedagógico da de PEA eram feitas num único livro-ata. Os textos
apresentar paulatinamente às professoras algu- estudo ou perder esta rica oportunidade, o que Unidade Educacional. Com isto, a expectativa da eram escritos ao final de cada reunião e compostos
mas evidências do caráter contraditório da forma- implica em realizar o que é decidido por outros participação ampla das professoras e dos profes- por resumos do que havia sido falado e, principal-
ção de professores e professoras em serviço. Ape- e, muitas vezes, desvinculado do Projeto Político sores na concepção do PEA e em todo o processo mente, dos trechos de escritos que haviam sido li-
48 49
as ações legitimadas no horário coletivo do PEA empréstimo semanal de livros para leitura em fa-
passaram a ser apresentadas e votadas, modifi- mília, a rega da horta e o trabalho por projetos
cando o currículo da escola. vejamos: o envolvi- autorais das crianças em todas as turmas.
mento do grupo com a alimentação escolar gerou Isto é significativo porque, antes da deci-
uma nova organização do mobiliário, a compra de são pela ressignificação dos espaços e tempos da
utensílios adequados à utilização do balcão de au- EMEI em prol das Culturas da Infância, cada pro-
tosserviço pelas crianças, a ampliação da prática fessora realizava seu planejamento de acordo com
do desenvolvimento de receitas culinárias com as suas escolhas individuais. Ainda falando do grupo
crianças, o incremento da variedade de vegetais de PEA citado acima, é importante ressaltar que,
cultivados na horta e preparados nas refeições, o final da reunião com a Nutricionista Eleusa da
bem como a inserção de novos modos de preparo Diretoria Regional de Educação do Butantã (DRE
dos alimentos pelas cozinheiras, de acordo com BT), a equipe de educadores estava convencida da
as indicações das crianças e suas famílias. (Su- necessidade de aperfeiçoar a prática com as crian-
giro substituir por “se não” – separado e seguido ças no tocante à alimentação, bem como de reali-
Foto: Wanessa Alexandre
de vírgula –, pois, no contexto, parece adequar-se zar parcerias com as cozinheiras e de considerar os
dos. Um sob o outro, estes registros eram bem se- filmaram, sugeriram vivências, leram textos le- melhor ao sentido de “se ainda não está de acor- alimentos recebidos pela escola para o preparo da
melhantes, visto que as leituras e atividades eram, gais, o Referencial e a parte específica do PPP do, vejamos outros exemplos.). comida como recursos pedagógicos no dia-a-dia.
em geral, as mesmas para todos os agrupamentos. da Unidade, entre outros, e também receberam a A delícia estava em participar da reinvenção Era necessário trabalhar com os alimentos in natu-
Com a adoção do método de trabalho com base visita da Nutricionista Eleusa Germano Martins, do trabalho docente na Unidade, com a ressig- ra e incentivar novas combinações entre os ingre-
na materialidade, esta modalidade de registro foi, do Departamento de Merenda Escolar (DEME). nificação do ambiente cooperativo e participati- dientes da merenda e os eventualmente produzidos
gradativamente, sendo substituída por coleções de Concomitantemente, os outros dois grupos de vo, incluindo as crianças e, em alguma medida, na horta, de acordo com os projetos das turmas.
fotos, falas, informações, textos específicos, sem- PEA da EMEI escolheram outros caminhos para as famílias. Permeados por insistentes tensões, Também pensaram em incentivar as crianças e os
pre relacionados às vivências das professoras com exercitar a escuta e aperfeiçoarem seus conheci- principalmente no início das novas configurações adultos da escola a observarem o ato de comer, a
as crianças, os adultos e o ambiente. Cada agrupa- mentos sobre projetos de autoria com as crianças, dos grupos no início de cada ano, os períodos de comensalidade, o tempo, o foco, o espaço, as com-
mento passou a produzir os seus registros, de acor- não sem estranhamento, pois estava estabelecido formação foram proporcionando às docentes da panhias (BRASIL, 2014). Como consequência,
do com as questões estabelecidas e a trajetória de o consenso da homogeneidade de procedimentos EMEI Clycie o aperfeiçoamento da definição, do nos dias vindouros, com as observações iniciais,
busca de entendimentos e respostas. e leituras para a validação do PEA desenvolvido. desenvolvimento, do registro e da avaliação do uma turma da escola se interessou pelo trabalho
Em todos os encontros surgiram novas dúvi- Ao passo do surgimento dos desequilíbrios da seu percurso formativo. com a terra. As crianças decidiram plantar as se-
das em relação à pertinência do novo modo ado- Equipe Escolar, fui alinhavando os conceitos le- Vimos, então, o Projeto Político Pedagógico mentes das maçãs da sobremesa da merenda. Es-
tado, especialmente à diversidade de recursos vantados pelos grupos, como Cultura da Infância, da escola se configurar no dia-a-dia a partir das colheram um local para o plantio, colecionaram
utilizada nos grupos. Por exemplo, no desenvol- Autoria, Escuta de Bebês e Crianças, Segurança experiências dialógicas das crianças, dos adultos as sementes e realizaram o plantio, com uma de
vimento do PEA Trabalho por projetos rumo à Alimentar e Nutricional, Letramento, Diversida- e dos familiares no ambiente escolar e no territó- suas professoras. Diariamente, no começo da ma-
coautoria (2015), um grupo elegeu a temática ali- de, Brincar, para citar alguns. Em cada encon- rio e, com ele, a definição ou redefinição de ações nhã, toda a turma dirigia-se ao local da plantação
mentação escolar a partir da escuta das crianças tro do coletivo da escola, convidava os grupos a coletivas para garantir sua aplicabilidade. Isto é, para realizar a rega. Queriam descobrir como nas-
quanto ao ambiente das refeições. Estas mostra- apresentarem seu caminhar, suas descobertas e os a escola decidiu utilizar com consciência os tem- ce uma macieira e, para isso, além de plantarem as
vam-se insatisfeitas com a disposição do mobili- seus encaminhamentos pedagógicos no período e, pos e os espaços com as crianças, garantindo sua sementes, também realizaram pesquisa na internet
ário e confusas quanto à separação dos resíduos gradativamente, as professoras foram adquirindo vez e sua voz e, para isso, algumas ações pedagó- pelo celular da professora, pintaram macieiras no
e consumo dos vegetais produzidos na horta da confiança na sua capacidade de fazer a diferen- gicas foram padronizadas, como a utilização da muro da escola, buscaram livros na sala de leitura,
escola. As professoras fizeram entrevistas com ça no currículo da escola. Ao final do ano letivo, área externa da escola, a separação de resíduos, desenharam suas atividades e descobertas, con-
crianças, funcionários e familiares, fotografaram, no período de avaliação do PPP em dezembro, a alimentação da composteira, a leitura diária, o versaram muito a respeito, escreveram algumas
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palavras que consideraram importantes, fizeram de vídeo informativo pelas crianças; a ampliação
painel para exposição das produções e aprendi- do material pedagógico para os parques, ou seja,
zados, criaram texto coletivo tendo a professora a disponibilização de fitas, barbantes, tecidos e
como escriba. As sementes estavam plantadas sob outros materiais não estruturados, trazidos de
bananeiras, num local úmido, sem sol e com o solo casa pelas crianças; o plantio, manejo, colheita
empobrecido. Não vingaram, mas isso também fez e preparo de vegetais pelas crianças, utilizando
parte dos registros do projeto e trouxe informações o adubo da composteira; o levantamento de ani-
sobre o correto plantio de sementes de macieira. mais aquáticos com especial atenção ao cágado e
As crianças ficaram muito satisfeitas e felizes por sua dificuldade de sobrevivência na água poluída
terem aprendido como nasce uma macieira e expli- e/ou contaminada; a reprodução fiel do cotidia-
caram na Mostra Cultural o que é necessário co- no do trânsito de veículos automotores e pessoas
nhecer e seguir para o sucesso do plantio. (salientando os primeiros socorros), com produ-
Essas e outras vivências foram compartilha- ção e publicação de vídeo informativo e placas Foto: Daniel Carvalho - FOVE / CM / COPED / SME
das com o grupo de professoras nos encontros de trânsito. Aos poucos, alguns membros da Uni- senvolvimento do projeto da turma também am- crianças para colaborarem com o planejamento
pedagógicos. Os conteúdos dos relatos de práti- dade Básica de Saúde, familiares e moradores pliou a sua noção sobre tempo e espaço. Isso por- da rotina da semana, as professoras permitiram
cas incentivaram a busca de novos conhecimen- do bairro e do entorno passaram a participar de que os semanários deixaram de ser um balizador a manifestação das culturas da infância e suas in-
tos sobre o trabalho como professora da infância, algumas atividades, como o manejo do solo dos e assumiram a função de facilitadores da busca findáveis riquezas. Além disso, incentivaram as
dado seu potencial para a participação efetiva de canteiros e da composteira, o plantio, a rega e o das crianças às respostas das questões dos seus crianças a lerem, lerem sem saber ler, conversa-
crianças pequenas no estabelecimento de ques- acompanhamento das crianças à horta, utilização projetos de autoria. As rotinas de cada turma fo- rem, dançarem, comerem, brincarem, separarem
tões, busca de soluções e divulgação do processo dos taludes e outros locais para escalada nos Dias ram coladas em forma de desenho na parede das resíduos, evitarem desperdício, compartilharem
desenvolvido com a natureza, a horta, a compos- da Família, a criação de vasos com PET e outros salas e passaram a ser consultadas pelas crianças ideias, plantarem, cuidarem, colherem, amarem,
teira, a alimentação e o descarte de resíduos. materiais recicláveis, a pintura de vasos, pneus e que pretendiam saber quando seria o momento respeitarem, criarem. Vemos então que, ao pensa-
Ao valorizarem as motivações, os embates, os pallets para instalação de hortinhas e canteiros de escolhido para exporem suas descobertas, mos- rem e desenvolverem projetos as crianças e seus
problemas, as soluções e as variadas manifesta- flores. A parceria com familiares e outras pessoas trarem suas produções, colocarem suas perguntas educadores extrapolam os limites do plantio e da
ções relacionadas ao universo onde está circuns- do território acentuou o interesse pelas questões para o grupo, buscarem conhecimentos no celular colheita de vegetais, pois “o trabalho de projetos
crita a questão principal do PEA, as professoras diretamente relacionadas à segurança alimentar e da professora, elaborarem um texto coletivo com reage contra o verbalismo, os exercícios de me-
têm criado um ambiente de formação em servi- nutricional. As crianças, sentindo-se bem à von- as descobertas, brincarem no quintal, plantarem, mória, os conhecimentos acabados, colocando os
ço, amoroso e franco, com um percurso coletivo, tade para circular nos ambientes naturais (ou não) regarem, colherem, cozinharem, desenharem, ve- alunos em condições de adquirir, investigar, re-
mais suave e interessante para todos, por começa- da escola, propor ações e fazer questionamen- rem filmes, visitarem locais externos à escola, fletir, estabelecer um propósito ou um objetivo”.
rem a sentir as delícias geradas pela consideração tos, passaram a escolher as hortaliças que seriam tomarem lanche, almoçarem e jantarem, alimen- (BARBOSA, 2008, p. 54).
dos seus questionamentos profissionais a partir plantadas, solicitar a compra à sua professora e tarem a composteira, interessarem-se por Plantas O desenvolvimento do PEA as experiências de
das infâncias reais. à gestão da escola, colaborar no cuidado com a Alimentícias Não Convencionais - PANCs, apre- formação em serviço por meio do PEA na EMEI
Vários foram os produtos dos inúmeros pro- horta e espaços, entender o sentido do descarte sentarem-se para os outros da escola e para seus Clycie nos trouxeram apenas a ponta do iceberg da
cessos que aconteceram simultaneamente, nos dos resíduos orgânicos na composteira e no mi- familiares e viverem tantas outras delícias da Es- tamanha responsabilidade profissional assumida.
grupos de PEA, como: duas exposições de brin- nhocário, compreender a necessidade da separa- cola de Educação Infantil. O estabelecimento das Desenvolvemos projetos com as crianças no quin-
quedos feitos com sucata e vídeo explicativo cria- ção de resíduos, interessar-se pela degustação de ações do semanário da turma com as crianças foi tal, na horta, na cidade e dentro do prédio e todos
do, dirigido e filmado pelas crianças; a troca e alimentos, desenvolver formas de cuidado com as fundamental para o fortalecimento do grupo-es- gostamos dos resultados. Tivemos muitas dificul-
preparação das lixeiras para a coleta seletiva dos plantas, os animais e os espaços e perceber a li- cola neste período de gênese de uma prática peda- dades e inúmeras dúvidas, especialmente na pers-
resíduos produzidos no refeitório da escola (par- nha de tempo escolar. Importante ressaltar que a gógica com potência para a participação de todos pectiva dos adultos e das crianças como atores so-
ticipação também das famílias), com produção participação das crianças na elaboração e no de- como coautores do currículo. Ao convidarem as ciais ativos, com direito à voz, produtos de cultura
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e sujeito de direitos. Sabemos da necessidade de - ABRELPE). As famílias valorizam ainda mais o ser adquirido. Brinquedos estruturados e outros ressados; é fonte de informações para a avaliação
ampliar e aprofundar os conhecimentos com vis- trabalho na EMEI por verem seus filhos felizes, objetos industrializados são bem vindos, desde do PPP, com inclusões, (re)ratificações e exclusões
tas à efetivação da autonomia real das crianças, à interessados e questionadores. Vários depoimen- que estejam de acordo com os objetivos propos- de ações coletivas da Unidade.
apropriação de todos dos espaços e materiais pelo tos de familiares foram registrados em vídeo, no tos para cada criança e para o território onde está
poder de criação, à reinvenção coletiva da rotina, papel ou em nossos corações. Num deles, a mãe localizada a nossa escola. Referências
ao desenvolvimento do autocontrole de todos no de um aluno nos escreveu solicitando orientações Para as professoras, a participação e a autoria
tocante ao respeito ao outro, à ampliação do uni- para a instalação de um minhocário porque seu são elementos fundamentais para sua formação Arruda, Luis Gustavo L. Sustentabilidades, Gestão Pública e Hortas
verso de conhecimento, cultura e comunicação das filho passou a não mais admitir que os resíduos em serviço e, consequentemente, para a qualidade Escolares: perspectivas diante da crise socioambiental / Luis
crianças e adultos, à interação das crianças entre orgânicos não passassem pela compostagem. Vá- social do trabalho da escola. Gustavo L. Arruda, Beatriz S. Laham, Francisco M. Aires e Gabriel
elas e com os adultos e à participação ativa e cons- rias famílias nos perguntaram o que estávamos Em síntese, nós, educadores da EMEI Clycie A. T. Soto - São Paulo (SP), 2020. 473 p.: il. color. Disponível
ciente de todos os educadores e das famílias no fazendo para seus filhos comerem frutas, legu- estamos, gradativamente, migrando de uma ação em http://www.organicsnet.com.br/wp-content/uploads/2020/06/
processo educativo das crianças. mes, verduras, carnes, peixe, feijão, pois gosta- individualista e centrada no adulto para uma po- Sustentabilidades-Gest%C3%A3o-P%C3%BAblica-e-Hortas-
O PPP da escola ganhou imagens, relatos e a riam de fazer em casa também. Publicamos nosso sição colaborativa e questionadora, sempre escu- Escolares.pdf. Acesso em 31/08/20220
indicação da sua flexibilidade contínua, em fun- trabalho sobre a elaboração e o desenvolvimento tando as crianças. O PEA tem contribuído signifi- ABRELPE (WWW.abrelpe.org.br) – Manual para a gestão de
ção dos projetos em andamento e daqueles que do nosso PPP na revista Sustentabilidades, hortas cativamente com o desenvolvimento do currículo resíduos sólidos nas escolas. (http://www.ccacoalition.org/sites/
virão. A formação das professoras tem gerado li- escolares e gestão escolar2, por um grupo de pes- vivo: é escrito pelas professoras com a Coordena- default/files/2016_A-Handbook-for-schools-on-organic-waste-
vros maravilhosos, recheados de questionamen- quisadores da USP. Em 2018, fomos finalistas do dora a partir dos resultados das avaliações coleti- management_ISWA_CCAC_Portuguese.pdf Acesso em 31/08/2020
tos, teorias, descri- Premia Sampa da Prefeitura de São Paulo, com o vas e contínuas e da avaliação final do PEA e do AZEVEDO, A.; OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. A documentação
ções, depoimentos, Projeto Professor Autor de sua Formação em Ser- PPP da Unidade; é desenvolvido a partir de uma da aprendizagem: a voz das crianças. In: OLIVEIRA-
“Anteriormente o PEA era elaborado pelas pro-
imagens reais, pes- viço3. Mais recentemente, abrimos nossas portas questão geral de toda a escola e das variadas ques- FORMOSINHO, J. (Org.). A escola vista pelas crianças. Porto:
fessoras a partir de uma análise da realidade local
visando a uma prática harmônica com o que era quisas, tabulações para a Visita Pedagógica Remota preparada pela tões derivadas das discussões das professoras com Porto Editora, 2008. p. 117-143
vivenciado no dia-a-dia da escola. A partir do ano de pesquisas, den- Secretaria Municipal de Educação, ocasião em as crianças; é alimentado com textos acadêmicos, AZEVEDO, A.; OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. Pedagogia-em-
de 2013, incluímos a visão e opinião das crianças tre outros, aperfei- que apresentamos nosso método de trabalho para relatos de práticas, testemunhos de experiências participação: a documentação pedagógica no âmago da instituição
ao revisitarmos, adultos e crianças, ambientes e
çoados constante- a elaboração do nosso currículo vivo, registrado culturais, visitas, palestras, cursos, conferências, dos direitos da criança no cotidiano. Em Aberto, Brasília, v. 30, n.
rotinas. Com essa contribuição foram feitas al-
terações necessárias para o aperfeiçoamento das mente. O encanto no PPP e revisitado incansavelmente nas reuniões audiovisuais etc.; é registrado de variadas formas, 100, p. 115-130, set./dez. 2017.
práticas pedagógicas e ao final de cada ano en- tomou conta das de PEA e em outros momentos. As empresas ter- respeitando o percurso de cada grupo de profes- BARBOSA, Maria Carmem Silveira. Projetos Pedagógicos na
tendemos que para os próximos anos se delinea- relações profissio- ceirizadas de merenda e limpeza estão totalmente soras; é apresentado aos demais educadores e às Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008.
va um caminho mais seguro, prazeroso e eficaz,
nais, dada a cons- envolvidas com a possibilidade de novas receitas, famílias para análise e aperfeiçoamento, a cada 3 FORNAZARI, Glaucia. Formação de professores em serviço ou
sempre pensando numa escola cada vez mais de
acordo com a cultura das famílias, dos educadores ciência de coleti- a separação e a destinação do lixo. As empresas meses, aproximadamente; é aberto a todos os inte- controle? Problematização a partir da bibliografia dos Projetos
da escola e de cada criança” (Professora Mirian vidade gerada pelo de manejo e poda têm respeitado os ambientes do Especiais de Ação (PEA) desenvolvidos entre 1993 e 2007 numa
Andriani dos Santos, ago/2020). cuidado com as quintal da escola e buscado informações sobre o “O projeto de autoria me fez reconhecer o po- escola de Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino
tencial que tenho em criar possibilidades para
pessoas e do terri- que e como fazer em cada local, como a varrição da Cidade de São Paulo / Glaucia Fornazari. -- São Carlos:
atender às demandas das crianças. Como mãe,
tório. Ações do projeto Educação para o Trânsito das folhas para a formação de leiras e o reapro- vejo a oportunidade do meu filho ser autêntico UFSCar, 2010. 252 f.
foram exibidas nos ônibus da SPTrans. Nosso tra- veitamento de galhos de árvores para a fabricação dentro de um grupo e participar de descobertas a SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de
balho pedagógico com a composteira foi publica- de bancos de madeira para as crianças. No campo partir de suas curiosidades e se interessar por ali- Orientação Técnica. Currículo integrador da infância paulistana.
mentos saudáveis. Quando estava no mercado e
do no Manual para a Gestão de Resíduos Sólidos da destinação das verbas, há discussões de todo São Paulo: SME/DOT, 2015 72p.: il.
o João pediu para olhar o carrinho da pessoa que
nas Escolas1 (pela Associação Brasileira de Em- o coletivo da escola para a decisão do material a estava na nossa frente, ele encostou bem perto SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de
presas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais e disse: — Nossa, aquele homem não está com- Orientação Técnica. Orientação normativa nº 01: avaliação na
2 http://www.organicsnet.com.br/wp-content/uploads/2020/06/
Sustentabilidades-Gest%C3%A3o-P%C3%BAblica-e-Hortas-Escolares.pdf.
prando nada saudável! Quando olhei, só tinha educação infantil: aprimorando os olhares – Secretaria Municipal
1 http://www.ccacoalition.org/sites/default/files/2016_A-Handbook- 3 h t t p s : / / p r e m i a s a m p a . p r e f e i t u r a . s p . g o v. b r / e d i c o e s _ enlatados e salgadinhos.”
for-schools-on-organic-waste-management_ISWA_CCAC_Portuguese.pdf anteriores/2018/#finalistas de Educação. – São Paulo: SME / DOT, 2014.
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Crianças
Foto: Ana Bárbara
protagonistas do
próprio trabalho
formativo
construir uma escola
feita de natureza
e aprender
por dentro
e por fora
Por Laura Malavasi
Laura Malavasi, pedagoga e formadora, colabora com várias organizações na Itália e no exterior para promover
ideias e práticas educacionais inovadoras e experimentais. Trabalha na observação, projeção, documentação,
educação e ensino da natureza e no currículo para serviços e escolas na faixa dos 0 aos 12 anos. Escreve em
revistas do setor e é autora de várias publicações pedagógicas especializadas.
56 57
N
ão se pode pensar em construir uma desde os primeiros anos, numa ideia de educa- fazer catálogos, séries, classificações, aprofundar. lhar experiências e viagens. Trata-se de construir
escola de futuro que se desenvolva ção em que as crianças tenham oportunidade de As crianças, por outro lado, saem para se relacio- fielmente o prazer de compreender e a alegria de
apenas nos espaços interiores, dei- aprender de uma forma autêntica, profunda e real, nar, descobrir, fazer descobertas, conhecer tudo crescer juntos. O espaço exterior, o natural, mas
xando de fora um dos contextos mais ricos e com- usando todos os sentidos e exercitando a capa- que não conhecem ao seu redor, e que pode nu- ainda mais o não geométrico, ordenado, cuidado,
plexos que pode haver: a natureza. O que podemos cidade de fazer perguntas, encontrar respostas trir sua curiosidade. Relacionar os conhecimentos polido, oferece-se como um lugar onde se pode
chamar de “pedagogia da maestria” parte da ideia e refinar o pensamento de pesquisa. São muitas adquiridos na maior parte do tempo em espaços experimentar, dar vida a situações em que se pode
de que as crianças podem ser as protagonistas de as resistências que adultos, educadores e profes- interiores e que podem ser colocados em jogo no pôr à prova o seu próprio conhecimento e desco-
sua própria aprendizagem, que acontece em todos sores enfrentam nesta opção, e costumam dizer exterior para verificar, enriquecer, mover e ima- bri-lo de nós. Situações não menos importantes,
os lugares e em todos os momentos, entre dentro e coisas como: “não temos tempo; temos que se- ginar. Viver a dimensão em que, antes de tudo, nem menos "nobres" do que as que se encontram
fora, nos livros e na sala de aula (ar livre). guir o programa; as famílias têm medo de que as habita a complexidade na qual tudo está ligado a
Essa reflexão é de suma importância na hora crianças adoeçam se estiverem fora; isso não é tudo. Assim, os adultos precisam de um propósito
de pensar sobre que ideia de educação e conheci- nada novo; sempre fizemos assim, ou seja, sem- para dar sentido às suas atividades e, principal-
mento queremos para o futuro. Para a construção pre saíamos só para que as crianças corressem um mente, às saídas; as crianças encontram o mundo,
de competências sólidas e arraigadas, inúmeras pouco e se acalmassem”. Mas todas essas postu- descobrem e se abrem com a generosidade típica
pesquisas defendem a importância de experiên- ras expressam claramente os medos do adulto, o da infância. Esta forma diferenciada de viver e
cias reais e verdadeiras em que se coloca à prova medo de poder olhar a escola de uma perspecti- encarar os espaços exteriores e o ambiente natu-
o “fazer real”, o poder usar as mãos para fazer va diferente, o cansaço de querer e poder mudar. ral reflete-se fortemente na didática e na forma
e, neste fazer, interpretar, dar significado. Muitas Eles só dão voz aos adultos e não têm em mente de conceber a relação entre o que acontece fora
vezes descobrimos que nos nossos projetos pe- o mundo das crianças que se movem, pensam e e o que retorna dentro; não há hierarquia entre
dagógicos se escreve e se afirma a importância constroem relações com uma perspectiva e pers- um lugar e outro, mas há uma questão de densi-
de promover experiências úteis junto da vida das pectivas diferentes. Crianças que pensam de uma dade de significado e oportunidade de encontro.
crianças e dos jovens, mas com a mesma frequ- forma mais simples e poderosa, que desejam co- Cada lugar é um mundo a descobrir. As crian-
ência estas palavras não encontram uma tradução nhecer o mundo. E o mundo exterior, fora da nos- ças nos confirmam diariamente que cada lugar é
concreta. A lacuna, a diferença entre o que é dito sa escola e dos nossos espaços escolares, é muito um bom lugar para aprender, como sempre. Os
e o que é feito ainda é muito profunda. Quanto mais real, é a parte da escola mais próxima do professores devem ser capazes de transmitir ver-
mais velhas as crianças ficam, quanto mais a edu- mundo real que podemos oferecer às crianças. É dadeiramente o prazer de aprender e, para isso,
cação é dirigida às pessoas que passam de uma verdade que se trata de mudar perspectiva e co- como lembra Philippe Meirieu no texto O prazer
escola a outra, mais corre-se o risco de perder o meçar a olhar com atenção e profundidade como de aprender, “enevoar e libertá-lo da facilidade Foto: Revista Infâncias / Rosa Sensat
corpo, a fisicalidade, a relação com as mãos e a as próprias crianças se movem na relação entre dos estereótipos… Criar o enigma, aumentar a
corporeidade em prol de uma relação privilegiada os espaços internos e externos, e aprendem com espera, vislumbrar a riqueza infinita das obras da nas páginas dos livros e nas salas de aula da es-
à cabeça, ao pensamento, à mente. Até chegar à eles. Em primeiro lugar, precisamos deixar muito engenhosidade humana para envolver a criança cola "séria", pois muitas vezes estamos convenci-
faculdade, ele infelizmente parece estar mais in- claro que crianças e adultos têm maneiras muito numa aventura sem precedentes”. É fundamen- dos de que a escola “séria”, a do conhecimento, a
teressado na cabeça do que no resto do corpo. A diferentes de sair de casa. Os adultos saem com tal, portanto, resgatar a pedagogia do domínio, dos conceitos e das competências, é aquela que se
natureza, os espaços naturais exteriores continu- uma meta e um propósito (saem da aula para...), aquele fazer que permite à criança construir sua realiza e se transmite nos espaços interiores, nas
am a ser a “arena” onde experimentar, exercitar, ou seja, saem com um propósito preciso, vincu- própria aprendizagem e vivenciar a sensação de salas de aula, nos laboratórios, enquanto o que
manter o corpo e a mente ligados, onde poder lado a um objetivo: pegar, fazer uma viagem de ter criado algo novo, importante, para o qual con- se passa no exterior, nos espaços exteriores, nos
manter o diálogo de toda a pessoa, na sua integra- ensino, procurar um inseto, uma flor, uma fruta... tribuiu substancialmente. É muito importante po- jardins, nas matas, nos pátios, nos pomares, na
lidade e globalidade. Para romper este círculo que A busca tem um fim específico, e depois volta à der oferecer às crianças a possibilidade real de se observação de uma flor ou de um inseto, não é tão
corre o risco de tornar o homem cada vez mais escola, aos espaços interiores, para retrabalhar o colocarem à prova e construírem condições nas sério e profundo. Vivemos – e ainda hoje corre-
alheio à dimensão natural, é necessário investir, que foi vivido fora, colar os materiais recolhidos, quais possam encontrar adultos com quem parti- mos o risco de sustentar –, um pensamento de que
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viver ao ar livre é algo menos profundo e curricu- contexto mais complexo, mais mutável e transfor- espaços e lugares. Sabemos muito bem que cada cem e impõem. Assim, a relação entre educação
lar do que o que acontece dentro de casa. E é por mador disponível atualmente e, portanto, um la- local remete a um tipo de atitude, a uma procu- e natureza torna-se realmente potente na medida
isso que penso que, à medida que envelhecemos, o boratório de grande precisão e dotação composto ração e, na maioria dos casos, também a regras e em que se compensam: o que é difícil dentro é
coração se afasta cada vez mais do cérebro, como pelo contexto natural, os vários habitats, os muitos códigos de conduta. O que muitas vezes acontece possível fora e vice-versa. Uma das característi-
na imagem proposta, e o cérebro adquire cada vez materiais que requerem observação, concentração, é que as crianças têm a oportunidade de viver e cas pedagógicas e humanas que a natureza possui
mais importância e valor ao que se realiza e se capacidade de fazer. Você se pergunta sobre a pos- se explicar em linguagens, gestos e estilos mui- é o fato de ser fortemente democrática e inclusiva.
transmite nos espaços interiores, nas aulas, nas sibilidade de ir ao fundo das questões, ou seja, de to diferentes. Assim, nos espaços exteriores, as Democrática porque é oferecida para a descoberta
salas de aula, nos laboratórios, enquanto o que se se aprofundar. Para fazer o quê? Alimente-se com crianças têm a oportunidade de ter novas opor- e a exploração, independentemente das caracte-
desenvolve no exterior, nos espaços externos, nos os detalhes, fique rico com as descobertas, cons- tunidades e explicar, falar sobre si, fazer compo- rísticas e possibilidades de cada um. A natureza
jardins, nas florestas, nos pátios, nos pomares, na trua conhecimentos que relacionem as experiên- sições, pesquisas, jogos e falar sobre eles. Estou não faz diferença e, acima de tudo, é constante:
observação de uma flor ou de um inseto, não é tão cias e didáticas que são promovidas nos espaços pensando, por exemplo, naquelas crianças muito está fora e espera, sempre, todos os dias. Você
sério e profundo. interiores com o currículo da natureza. A relação ativas, vivas e que precisam canalizar energia; tem que ir lá para explorar e conhecer, estudar,
entre espaços internos e externos, in & out, ofere- muito corporais, aquelas crianças que ainda não coletar, descobrir, investigar, mas está sempre lá.
ce-nos, como adultos, a oportunidade de nos afas- refinaram com certeza todas as ferramentas rela- Quem lida com educação sabe que, muitas vezes,
tarmos da repetição constante de exercícios e pro- cionais e que se esforçam para se adaptar a uma despendemos muito tempo e recursos preparando
postas preconcebidas que limitam a criatividade e dimensão na qual devem ter consciência do pró- espaços interiores, projetos e ambientes. Bem, a
o espaço para gestos e pensamentos divergentes. prio espaço, respeito pelos outros, saber convidar natureza está fora e está sempre presente; é uma
Oferece-nos tempo e espaço para compreender os os amigos para brincar, esperar a sua vez etc. Pois constante e espera. Um encontro, um momento,
fenômenos e o mundo e para criar novas possibili- bem, na maioria dos casos, nos espaços exterio- uma possibilidade. Inclusive na medida em que
dades, oportunidades e novas pesquisas. res, estas crianças contam-nos e mostram-nos respeite os tempos e os costumes de cada um de
Sabemos muito bem que tudo o que pode ser aspectos inesperados e surpreendentes das suas nós, principalmente das crianças. O espaço natu-
feito internamente também pode ser feito exter- vidas. Com novos looks, novas possibilidades em ral acolhe tanto um gesto rápido e fugaz como
namente e vice-versa. Por que, então, em alguns que seus gestos se tornam muito suaves, como uma relação profunda, longa e exigente. Cada um
países, inclusive no meu (Itália), ainda existe uma quando apanham pequenos insetos com grande tem a sua maneira de estar na natureza, o respeito
espécie de resistência e dificuldade em aceitar o delicadeza ou fazem construções com elementos mútuo é a chave. E mais ainda, o espaço exterior
fato de que o binômio educação e natureza é a vegetais e materiais em que a medida do equilí- representa um lugar onde todas as culturas podem
dimensão mais espontânea e próxima do ser. hu- brio e do gesto é fundamental. São contextos de se encontrar com o objetivo de compartilhar a ter-
mano? Por que parece tão difícil e, em alguns grande aprendizagem em que as crianças podem ra; em todos os lugares do mundo, cada um de
aspectos, “revolucionário” pensar que estar fora se redimir aos olhos dos adultos e amigos. Porque nós caminha, pisa, encontra a terra e todas as suas
e viver em espaços naturais representa uma didá- ser uma criança “chata”, ou seja, muito visível e manifestações. Pode haver diversidade de cores,
tica séria, que contribui para o currículo do co- presente nas palavras e nos olhares dos outros, é texturas, diferentes perfumes... misturas podem
Foto: Revista Infâncias / Rosa Sensat nhecimento, e não apenas uma prática para algo pesado. Ter a capacidade de se mostrar como está ser feitas, mas a terra como tal é um elemento
estranho, um tanto radical e chique? em relação aos contextos graças às “qualidades universal que nos une, nos torna acessíveis e nos
A pedagogia da maestria pode assim salvar a Precisamos da natureza, não podemos viver suaves” que esses contextos oferecem (luz, cor, põe em movimento.
escola do hábito, do costume, precisamente por- sem ela. O ambiente natural oferece às crianças som, tamanho dos espaços, cheiros…) pode real-
que faz da criança protagonista e arquiteta de sua a oportunidade de descobrir aspectos de sua per- mente mudar a perspectiva e as percepções. Mui- Boa marcha, então.
própria aprendizagem. A inovação e a pesquisa sonalidade que, de outra forma, seriam difíceis tas vezes, em minha experiência pessoal, ocorreu-
estão mais presentes na escola na medida em que de manifestar. Na verdade, cada um de nós ativa -me que são os contextos que "não funcionam", Texto cedido pela Instituição Rosa Sensat, Revista Infâncias.
as crianças são “autorizadas” a ser portadoras de diferentes comportamentos, atitudes, relaciona- não os filhos. O sujeito é como é em relação às Acesso em 22/08/2020.
novidades e experiências. O espaço natural é o mentos e formas de se expressar dependendo dos oportunidades e os limites que os espaços ofere-
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Foto: Marly Casati
O papel da
supervisão escolar
na pandemia
Por Amanda Martins Amaro
62 63
P
Os supervisores estão tendo
or muitas razões, tenho de- de todas as dimensões dos estudantes na perspec-
um papel fundamental de
fendido que o tempo dos tiva da educação integral ao longo da vida, mas
“acolhimento” e, em uma situação
intelectuais de vanguarda promovendo atividades que colaborem na cons-
nova e angustiante (como é o
acabou. Os intelectuais devem aceitar- tituição de pessoas capazes de analisar de forma
atual cenário da pandemia do
-se como intelectuais de retaguarda, crítica as situações ao seu redor, cooperando para
coronavírus), sua função é ainda
devem estar atentos às necessidades e a formação de uma sociedade mais dialética e mais
mais relevante. De modo geral, a
às aspirações dos cidadãos comuns e “humana”, tal como defende Ferreira (2007, p.
equipe tende a precisar de uma
saber partir delas para teorizar. Dou- 327), quando afirma que o significado essencial do
postura mais ativa e acolhedora.
tro modo, os cidadãos estarão indefe- supervisor escolar está na “formação humana” do
Circunstâncias assim geram esta
sos perante os únicos que sabem falar processo educacional.
demanda, pois as pessoas tendem
a sua linguagem e entender as suas in-
a se sentirem perdidas.
quietações. (SANTOS, 2020). Temos vivido um contexto bastante
distinto, a pandemia com o novo
coronavírus que nos atingiu Libâneo (2002, p. 35) descreve o supervisor
como um tsunami. Um vírus escolar como “um agente de mudanças, facilita-
microscópico que tem provocado, dor, mediador e interlocutor”. Desta forma, é o
ironicamente, danos na proporção profissional competente para realizar a interlocu-
de uma onda gigantesca em nossas ção entre gestão escolar, estudantes, professores,
vidas, projetos, percursos escolares Foto: Marly Casati
redes de proteção e todos os demais indivíduos
e profissionais, exigindo grandes que, de alguma forma, fazem parte da comunida-
mudanças e adaptações em um Para além dessas questões, a pandemia desve- de escolar.
curto espaço de tempo. lou os males da desigualdade social, as mazelas Neste contexto foram desvelados problemas
camufladas, a fragilidade do sistema de saúde, ha- de desigualdade, que são destacados na escola,
bitação, segurança, entre outros. como falta de internet ou transporte para buscar
Na educação foi necessária a reinvenção dos as tarefas, questões com alimentação e condições
ia Almeida
Foto: Fláv
meios de acesso e acompanhamento do processo de renda das famílias, bem como as queixas com
Ao supervisor escolar cabe a promoção de de ensino-aprendizagem que por meio do Decreto excesso de trabalho e informações geradas pelo
ações que colaborem para uma constante reflexão nº 59.283 de 16/03/20 declarou situação de emer-
da função social da escola e à formação de seres gência no Município de São Paulo e estabeleceu
humanos, atuando não apenas no desenvolvimento medidas para as Secretarias, entre elas a de Educa-
ção, a saber: a adoção do ensino híbrido à distân-
cia, orientações às famílias, alternativas de oferta
de alimentação aos estudantes e determinação de
procedimentos para a rede particular de ensino.
Também instituiu o papel e competência da
supervisão escolar neste contexto tão singular:
orientar e acompanhar a execução do Plano para
a Continuidade das Atividades Escolares, assegu-
rando o fiel cumprimento dos dispositivos esta-
belecidos nas legislações vigentes neste período. Foto: Marly Casati
Esta série de fatores está sendo analisada dia- ná-los. Para além disso, é de suma importância o 59.283, de 16 de março de 2020. Declara situação de emergência uma escola de qualidade. São Paulo: Cortez, 2007.
riamente, sob a liderança de supervisores. Uma acompanhamento constante que tem sido realiza- no Município de São Paulo e define outras medidas para o https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2020/04/a-tragica-
verdadeira “enxurrada” de “problemas” que ten- do no processo e na realização de devolutivas dos enfrentamento da pandemia decorrente do coronavírus. transparencia-do-virus-por-boaventura-de-sousa-santos/ Acesso
tam solucionar ao lado de toda equipe escolar, em registros, postagens e dos planos de continuidade Secretaria Municipal de Educação de São Paulo-SME/SP. Instrução em: 27 ago.2020.
rede colaborativa. desenvolvidos nas unidades escolares com/para Normativa Secretaria Municipal de Educação - SME Nº 15
Partindo de tais conceitos, é possível perce- os estudantes. de 8 de Abril de 2020. Estabelece critérios para a organização
ber que o supervisor escolar deve desenvolver e O supervisor entende a escola como um am- das estratégias disponibilizadas pela Secretaria Municipal de
prescindir de uma ação crítica, construtiva e par- biente plural, um lócus privilegiado no qual irá Educação para assegurar a aprendizagem dos estudantes da rede
ticipativa acerca do seu saber-fazer pedagógico, articular a prática pedagógica e todas as deman- direta e parceira durante o período de suspensão do atendimento
da natureza e da função social, sempre trabalhan- das, sempre em consonância com o Projeto Po- presencial e dá outras providências.
do de forma articulada e coerente com todos os lítico Pedagógico e o plano de continuidade das BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. 7 ed. São Paulo: Editora 34,
sujeitos que interagem no espaço escolar. Todas ações no período da pandemia, contribuindo à au- 2012.
as suas ações devem visar à qualidade do ensino, toria e o protagonismo das equipes e instituições LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos para quê? 6. ed.
bem como à qualidade das aprendizagens. de ensino. São Paulo: Cortez, 2002.
Nesse viés, essa identificação exige do super- MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Petrópolis: Vozes, 1998.
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Q
“Trabalhar com crianças quer dizer uando se conhece e domina as te- A partir da escuta, será possível planejar, re-
ter que estar em contato com poucas cer- orias do desenvolvimento infantil, planejar e projetar as ações seguintes no trabalho
tezas e com muitas incertezas. O que nos a(o) educadora(or) assume o seu pedagógico para que as crianças possam de fato
salva é o buscar e não perder as lingua- papel de protagonista pedagógica(o), que estuda, ser ouvidas e ter suas vozes respeitadas.
gens do estar maravilhado que perdura planeja, seleciona os materiais, organiza os espa- A(o) educadora(or) tem o papel essencial
nos olhos e nas mentes das crianças. ços, observa e constantemente realiza seus regis- nesta ação e assume o papel de observadora, re-
É necessário ter coragem de produzir tros e, a partir deles, replaneja suas ações. Há a gistrando com anotações, fotografias e filmagens,
obstinadamente projetos e escolhas.” garantia da atividade autônoma com diferentes permitindo que as crianças realizem suas explora-
(MALAGUZZI in SME/COPED, 2019). materialidades, que potencializa diversas explo- ções e construções, interferindo o menos possível
Foto: Ana Carlucci
rações pelos pequenos e permite que o protago- neste processo, elas são as protagonistas e autoras
nismo infantil seja garantido, pois bebês e crian- de seus próprios projetos.
ças realizam explorações, criam seus brinquedos,
jogos e interagem com seus parceiros. Ou seja, O trabalho com os
nesta ação, há um coprotagonismo dos pequenos
e das(os) educadoras(es).
materiais de largo alcance
Para a pedagoga Goldschimied, “é fundamen-
tal que o trabalho pedagógico se constitua a partir A diversidade de materialidades proporciona
da perspectiva de escuta e respeito para com as uma infinidade de possibilidades e as crianças
crianças, compreendendo seu direito e competên- que estão, muitas vezes, acostumadas com brin-
cia em participar e expressar-se enquanto indiví- quedos estruturados e com jogos tecnológicos
duo.” (FOCHI, 2018, p.46) (que as prendem às telas) podem demonstrar cer-
É por meio da escuta que se inicia todo e qual- ta insegurança para a livre exploração e criação.
quer trabalho pedagógico e esta deve ser atenta: Assim, a(o) educadora(or) necessita mediar estas
as crianças nos comunicam o tempo todo seus ações, fazendo com que elas interajam e deem no-
anseios, medos; suas inseguranças, necessida- vos significados aos objetos.
des, preferências; seus gostos, desgostos... e a(o) A oferta de materialidades deve ser feita con-
educadora(or) deve respeitar a criança em sua in- siderando quais experiências podem ser possibili-
Foto: Ana Carlucci
teireza e integralidade, para que possa, de fato, tadas, bem como a diversidade e a quantidade de
ofertar possibilidades que respeitem a autoria e o materiais, garantindo as escolhas individuais de a oportunidade de conversar sobre a preservação
protagonismo infantis. forma que cada criança possa realizar suas pró- do meio ambiente.
Para que isto ocorra, faz-se necessária a Pe- prias explorações em suas brincadeiras. Neste tipo de trabalho, as crianças precisam
dagogia Participativa, em que a escuta é o eixo Para tanto, pode-se oferecer caixas de pape- negociar, levantar hipóteses, confrontar pontos de
central e a premissa do trabalho pedagógico e lão, copos plásticos, tampas de diversos tama- vista, estabelecer e fortalecer afinidades e os vín-
crianças são vistas como seres potentes, ativos e nhos, CDs velhos, fitas de cetim com diferentes culos afetivos entre seus pares. Além disso, estes
participativos de todo o processo educacional. espessuras, tecidos com diferentes texturas, cai- materiais proporcionam pesquisas, investigações
A escuta se inicia no coletivo (no todo, no xas para ovos entre outros. e participação coletiva.
grupo inteiro de crianças) e parte para o individu- As crianças também aprendem a importância Trabalhar com o material de largo alcance é um
al (ou para pequenos grupos). da reutilização destes materiais que na maioria grande desafio, mas é possível quando a proposta
das vezes são vistos como sucata, além de terem se concretiza em pequenos grupos e, desta forma,
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y encontrar soluções para problemas que apa- Nas EMEIs, as mesas e cadeiras ocupam boa criança escolherá o material (ou materiais) para suas
recem durante a brincadeira, formando uma parte do espaço; mas se as mesas e cadeiras ainda construções ou investigações.
imagem positiva de si e do outro. são de desejo da equipe, por que não organizá-las de Num outro dia, os materiais podem ser apre-
O trabalho com os materiais de largo alcance forma que sobrem áreas livres na sala de referência? sentados de outra forma, como dentro de caixas,
promove a multissensorialidade: “A riqueza das Assim, as crianças terão liberdade para realizar as cestos, sacos (por exemplo), podendo conter no-
experiências sensoriais, investigação e desco- suas investigações e explorações, sentadas no chão vos elementos para as explorações ou suprimindo
berta usando seu corpo inteiro.” (CEPPI; ZINI, ou caminhando por outros ambientes. O importante alguns que foram apresentados na vez anterior.
2013, p. 25) é que haja um espaço (nem que para o início dessa “Considerar que a aprendizagem está voltada
Este trabalho que respeita o protagonismo in- organização seja o centro da sala) para que as crian- às investigações sensoriais, às ações corporais, a
fantil por meio de suas vozes e ações pode culmi- ças possam se movimentar com liberdade, o que as construção das interações e ao desenvolvimento
nar num Projeto Pedagógico pautado nos interes- cadeiras e mesas não possibilitam. das linguagens” (SME/COPED, 2019).
ses das crianças. Nestes locais, a(o) educadora(or) pode disponi- É importante que, ao organizar o espaço, os
O protagonismo infantil também se revela bilizar os materiais em tapetes (que podem ser de te- materiais sejam dispostos de tal forma que per-
quando a criança consegue registrar as suas experi- cido ou TNT), de acordo com a sua categoria (caixa mitam que as crianças vejam umas às outras e, se
ências e observações (com desenhos, modelagens, de papelão, tampas diversas, copos plásticos…) e a estiverem em pequenos grupos, que todos possam
pinturas, construções...). Foto: Ana Carlucci
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visualizar as explorações dos colegas pois, desta
forma, poderão ter ideias a partir dos trabalhos
uns dos outros. Além disso, os materiais de largo
com que elas se sintam participativas em todas
as ações educativas.
Aconteceu na Rede
alcance devem ser diversificados e dispostos de Considerações finais NOTÍCIAS
maneira harmoniosa e estética, com intenciona-
lidade para provocar nas crianças a vontade de Muitas vezes, ao planejar as ações, criamos ex-
explorar e criar. pectativas que não se concretizam, assim como é
Pensar num ambiente que possa ser preparado possível observar ações das crianças que até então
para as atividades autônomas é possível e necessá- não imaginávamos. Para que o trabalho ganhe po-
rio, e podemos optar por espaços coletivos (como tência, é necessário que o planejamento da(o) Edu-
os refeitórios por exemplo). Estes, pouco utiliza- cadora(or) seja flexível e, a partir das observações
dos em outros momentos, podem ser usados para e escuta, ocorra o replanejamento para possibilitar
que estas explorações e interações aconteçam. novos desafios, múltiplas experiência, habilidades
Pode-se, por exemplo, afastar as mesas e ca- e novas sensações aos pequenos.
deiras do refeitório, colocar um varal com tecidos
e fitas e convidar as crianças para este ambiente.
Pode-se, ainda, colocar (ou não) uma música de Referências
fundo. As crianças explorarão o refeitório de uma
forma que jamais foi imaginada por elas. O local BARBOSA, Maria Carmen Silveira; HORN, Maria da Graça
é o mesmo de todos os dias, mas foi preparado e Souza. Projetos pedagógicos na educação infantil. Porto
O parque também pode ser preparado com CEPPI, Giulio; ZINI, Michele. Crianças, espaços, relações: como
tecidos presos aos brinquedos, às árvores aos projetar ambientes para a educação infantil. Porto Alegre.
para formar labirintos (como “camas de gato”) FOCHI, Paulo (org) O Brincar Heurístico na Creche - Percursos
Desta forma, a escola torna-se cenário de inves- Porto Alegre. Paulo Fochi Estudos Pedagógicos, 2018.
tigação que garante o direito de explorar e brincar OLIVEIRA, Zilma Ramos de; MARANHÃO, Damaris; ABBUD,
de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, Ieda; ZURAWSRI, Maria Paula; FERREIRA, Marisa
com diversos parceiros: “a escola como uma oficina Vasconcelos; AUGUSTO, Silvana. O Trabalho do Professor
de pesquisa e experimentação, um laboratório para na Educação Infantil. São Paulo. Editora Biruta, 2014.
o aprendizado individual e em grupo, um local de ORTIZ, Cisele; CARVALHO, Maria Teresa Venceslau de.
construtivismo (processo do desenvolvimento cog- Interações: ser professor de bebês - cuidar, educar e brincar,
nitivo e cultural)”. (CEPPI; ZINI, 2013) uma única ação. São Paulo. Blucher, 2012.
Ao final da atividade, a professora comuni- SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação.
ca o término do tempo para aquela brincadeira Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educação
e solicita o auxílio das crianças para guardar os Infantil. – São Paulo: SME/ COPED, 2019.
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LIVES
CC S
BY NC SA
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Fotos: Ana Bárba
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