PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
ESCOLA DE DIREITO, NEGÓCIOS E COMUNICAÇÃO
Bacharelado em Direito
Psicologia Jurídica
Professor Joseleno Vieira dos Santos
TRANSTORNO DISSOCIATIVO
GABRIELLA NUNES PEREIRA
JESSYCA ALVES DE SOUZA CUNHA
LORRANY PIRES LIMA
LUCAS MARQUES
MARIAH LABRUNA ZONI
THIAGO MARDEN GADELHA DE ALMEIDA
C03
GOIÂNIA
2022
INTRODUÇÃO
A consciência normalmente é uma, mas pode, patologicamente, perder
sua unicidade e desdobrar-se em duas ou mais manifestações. Nisso consistem os
chamados transtornos dissociativos. Eles são transtornos mentais que envolvem
experimentar uma desconexão e falta de continuidade entre pensamentos,
memórias, ações e identidade. Funcionam como um mecanismo de defesa que
permite às pessoas escaparem de uma realidade desagradável de forma
involuntária e doentia.
Alguns distúrbios dissociativos, que ocorrem após um evento traumático,
podem ser muito rápidos, e outros muito duradouros (semanas ou meses), e
geralmente se resolvem por si mesmos. No passado, estes transtornos eram
classificados entre diversos tipos de histeria.
O diagnóstico de transtorno dissociativo depende sobretudo dos relatos
fornecidos pelo paciente e por seus familiares e de serem avaliados por um
especialista que tenha um bom entendimento sobre eles. Não existe exame
laboratorial que possa diagnosticar o transtorno dissociativo de maneira inequívoca.
1. O QUE É TRANSTORNO DISSOCIATIVO?
Há três tipos principais de distúrbios dissociativos: Transtorno Dissociativo
de Identidade (da personalidade), Transtorno de Despersonalização / Desrealização
e Amnésia Dissociativa.
Os transtornos dissociativos são de causas psicogênicas, visto que
ocorrem em estreita relação temporal com eventos traumáticos, problemas
insolúveis e insuportáveis ou relações interpessoais difíceis. Os sintomas físicos, se
existem, frequentemente reproduzem a ideia que o sujeito faz de uma doença física
determinada.
Desligar-se momentaneamente da realidade é um mecanismo de defesa
normal que ajuda a pessoa a lidar com um momento traumático difícil. É uma forma
de negação, como se "isso não estivesse acontecendo comigo". Isso se torna
patológico quando é muito intenso e/ou duradouro e interfere desfavoravelmente no
cotidiano da pessoa.
Durante anos, a nomenclatura usada como referência desse transtorno
era a personalidade múltipla. Mesmo que esse nome não seja mais oficial, já ajuda a
criar uma familiarização com a condição médica em questão, distanciando-a de
outros distúrbios, como o transtorno de personalidade borderline.
No transtorno dissociativo de identidade, a pessoa atingida é submetida a
um processo de fragmentação. Isso acontece em um grau acentuado, ao ponto de o
indivíduo manifestar vários outros “eus”. Detalhe: quem sofre essa disfunção tende a
esquecer o que cada uma de suas variantes fez.
Em um paralelo distante, poderíamos imaginar os famosos heterônimos
criados por Fernando Pessoa. Afinal, todas essas personalidades têm uma história
de vida particular, ao mesmo tempo em que guardam lembranças e preferências
específicas.
Na prática, devemos observar que, diferentemente do caso do poeta
português, as identidades do transtorno dissociativo não são meros recursos
estilísticos ou artificiais. Em outras palavras, a pessoa afetada não interpreta papéis,
como se estivesse em uma peça de teatro.
Na verdade, ela assume, de maneira inconsciente, a personalidade real
de outro alguém que, em sua cabeça, é único. Importante destacar também que as
demais identidades não se restringem à determinada faixa etária ou mesmo gênero.
Para se ter uma dimensão melhor, em certos quadros o indivíduo passa a necessitar
de óculos de grau, por exemplo.
2. CARACTERÍSTICAS DOS TIPOS DE TRANSTORNO DISSOCIATIVO
Transtorno Dissociativo de Identidade (da personalidade)
Anteriormente denominado transtorno de personalidade múltipla, é o
transtorno em que duas ou mais identidades se alternam no controle da mesma
pessoa. Além disso, a pessoa alega não conseguir se lembrar de eventos rotineiros,
informações pessoais importantes e/ou eventos traumáticos ou estressantes.
O distúrbio dissociativo de identidade é uma forma grave de dissociação, um
processo mental que produz uma falta de conexão nos pensamentos, memórias,
sentimentos, ações ou senso de identidade de uma pessoa.
Transtorno de Despersonalização / Desrealização
O distúrbio de despersonalização é marcado por períodos de sentimento de
estar desconectado ou desapegado de seu corpo e de seus pensamentos. Essa
sensação costuma ser acompanhada da sensação de estar desconectado do
ambiente, dita desrealização, pelo que se costuma referir ao transtorno como
despersonalização desrealização. Geralmente, ele produz a sensação de ser um
observador externo da própria vida, vendo-a de fora.
Perto da metade das pessoas já tiveram pelo menos uma experiência
transitória de despersonalização ou desrealização, mas somente cerca de 2% delas
preenchem os critérios para serem diagnosticadas como tendo transtorno de
despersonalização desrealização. O transtorno só deve ser considerado presente se
a despersonalização ou desrealização ocorrerem independentemente de outros
transtornos mentais ou físicos, forem persistentes ou recorrentes e prejudicarem o
funcionamento pessoal. Os sentimentos de despersonalização e desrealização
podem ser muito perturbadores e podem parecer à pessoa que ela está vivendo um
sonho.
As pessoas com o distúrbio de despersonalização / desrealização não
perdem contato com a realidade. Eles percebem que suas percepções estranhas
não são reais. Isso os diferencia dos psicóticos.
Amnésia Dissociativa
A amnésia é a falta de capacidade total ou parcial de lembrar-se de
experiências. Se a amnésia for causada por transtornos psicológicos em vez de uma
doença física, ela é dita amnésia dissociativa (anteriormente chamada de amnésia
psicogênica). Em casos graves, a pessoa não consegue se lembrar de seu nome,
família, amigos e histórico pessoal. Os períodos cobertos pela dissociação podem
ser de dias, meses, vários anos ou mesmo serem definitivos.
A amnésia dissociativa é provocada por um trauma psicológico de grande
intensidade. Ela é mais frequente em mulheres que em homens, normalmente por
terem passado ou testemunhado eventos muito traumáticos, como abusos, estupro,
guerras, genocídio, acidentes, desastres naturais ou morte de um ente querido. Ela
também pode surgir de preocupações com problemas financeiros graves ou um
sério conflito interno, como, por exemplo, sentimento de culpa, dificuldades
insolúveis ou crimes cometidos. Também parece haver um fator genético envolvido
na amnésia dissociativa, já que parentes próximos têm a tendência de desenvolver
amnésia.
Os sintomas dos transtornos dissociativos dependem em parte do tipo de
distúrbio dissociativo que o paciente tem. De um modo geral, pode ocorrer perda de
memória (amnésia) de determinados períodos, eventos, pessoas e informações
pessoais; uma sensação de estar desapegado de si mesmo e de suas emoções;
uma percepção das pessoas e das coisas ao seu redor como distorcidas e irreais;
um senso borrado de identidade; estresse ou problemas significativos em seus
relacionamentos, trabalho ou outras áreas importantes de sua vida; incapacidade de
lidar bem com o estresse emocional ou profissional; problemas de saúde mental,
como depressão, ansiedade e pensamentos e comportamentos suicidas.
3. FORMAS DE TRATAMENTO
Basicamente, o tratamento se baseia em sessões de psicoterapia
associadas à prescrição de remédios que amenizem os efeitos decorrentes de
sentimentos depressivos e ansiosos. Dessa forma, é possível proporcionar ao
paciente uma maneira de conviver em equilíbrio com suas diferentes
personalidades.
Para tanto, coloca-se em prática uma análise minuciosa e isolada de
cada identidade. O intuito é verificar as motivações particulares que levaram ao
desenvolvimento delas e, assim, partir para uma abordagem mais customizada.
Caso haja conclusão de que a vítima do transtorno possa causar risco à
sua integridade física e a de outras pessoas, a internação passa a ser uma
necessidade.
A abordagem utilizada com mais frequência para tratar os transtornos
dissociativos é a terapia cognitivo-comportamental (TCC). Em alguns casos, utiliza-
se a terapia dialética comportamental, uma adaptação da TCC para pacientes de
alto risco, como pacientes com ideação suicida frequente.
Não existem medicamentos específicos para o tratamento dos transtornos
dissociativos, mas pode ser indicado o uso de antidepressivos ou ansiolíticos para
lidar com possíveis comorbidades que podem piorar os sintomas desses
transtornos.
Embora seja preocupante, como qualquer outro distúrbio mental, é
importante salientar que o transtorno dissociativo de personalidade pode ser tratado.
Você só precisa garantir a eficácia do diagnóstico, algo determinante para a
aplicação de um tratamento apropriado e, de fato, efetivo.
4. A RESPONSABILIDADE PENAL EM CRIMES
A falta do requisito da culpabilidade do indivíduo diagnosticado com o
transtorno ora estudado, a lei penal deve ser mitigada, de modo que, quando
possível, seja aplicado o disposto no artigo 26 do código penal de 1940, que traz em
seu título III o instituto da inimputabilidade penal, que preconiza:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao
tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo
com esse entendimento. (Brasil, 2018b)
Portanto, o indivíduo diagnosticado com o transtorno dissociativo de
identidade, quando configurar o polo passivo de ação penal, deve ter atenção
especial com relação à sua integridade mental, devendo ser penalizado quando for
constatado que este, possui capacidade de compreender o caráter ilícito do ato
praticado, porém, da forma mais adequada possível. Conforme preconizado, o
Estado ao punir determinada conduta que seja adversa à lei e aos bons costumes
põe em prática o Jus Puniendi, que pode ser traduzido como a intenção direta de
assegurar a ordem social através da criação e regulamentação do ordenamento
jurídico que seja um eficaz controle social Antônio Carlos Wolkmer (1996, p.17).
Durante o processo penal, quando surgir dúvida quanto à integridade
mental do acusado, deve ser requerido pelo Ministério Público, defensor público,
curador, ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado ou ordenado de
decretado de ofício pelo magistrado o exame médico-legal, conforme positiva o
artigo 149 e 153 do Código de Processo Penal:
Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do
acusado, o juiz ordenará de ofício ou a requerimento do
Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente,
descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este
submetido a exame médico-legal.
§ 1 o O exame poderá ser ordenado ainda na fase do
inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz
competente.
§ 2 o O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o
exame, ficando suspenso o processo, se já iniciada a ação
penal, salvo quanto às diligências que possam ser
prejudicadas pelo adiamento.
Art. 153. O incidente da insanidade mental processar-se-á em
autos apartados, que só depois da apresentação do laudo,
será apenso ao processo principal. (BRASIL, 2018b).
Porém, conforme leciona Mougenot (2017, 367 a 379) é importante
destacar algumas observações acerca do incidente de insanidade mental. A primeira
é que a doutrina tem entendido que o rol do artigo 149 não é taxativo, portanto,
comporta a possibilidade de que outras pessoas legitimamente interessadas possam
solicitar a instauração do incidente de insanidade mental.
E ainda que, o requerimento da realização do exame não vincula a
autoridade judicial, que pode denegá-lo se entender desnecessário por protelatório
ou tumultuária. E segundo jurisprudência, não configura cerceamento de defesa o
indeferimento do pedido de instauração de incidente de insanidade mental destituído
de elementos mínimos que indiquem o desequilíbrio mental do réu. (TJSP: RT
821/561; TJMG RT 767/649; TJSC 768/686).
Destarte, a decisão que determina ou não a instauração do incidente de
insanidade mental não comporta recurso, podendo ser atacada somente via habeas
corpus ou correição parcial, existindo também decisões que admitem apelação.
Outra observação pertinente ao caso apresentado, é que, a gravidade do delito por
si só, não autoriza a instauração do incidente de insanidade mental, devendo
sempre haver suspeitas acerca da integridade mental do acusado. (Brasil, STF: RT
630/370).
Outrossim, importante mencionar por fim, que a lei não estabelece o
momento processual oportuno para a realização do exame médico legal, portanto,
este pode ser solicitado pelas partes interessadas ou requerido pela autoridade
competente a qualquer momento, desde que esteja presente o elemento
fundamental que é a dúvida acerca da integridade mental do acusado. Conforme
precedente do STF: (STF: HC 75.238/SP, 2ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, DJU
7.11.97, p. 57.234).
5. EXEMPLOS E CASOS DE TRANSTORNO DISSOCIATIVO
O caso mais famoso de um crime cometido por um indivíduo com tal
transtorno, é o de Billy Milligan, que foi preso em 1971 por sequestrar e abusar de
três mulheres no campo de uma universidade em Ohio. Durante sua prisão e
julgamento, o indivíduo apresentou um padrão bem diferente ao de um criminoso
comum.
O primeiro relato contraditório foi feito por uma de suas vítimas relatou
que Milligan agia como uma criança, enquanto outra afirmou que o acusado tinha
um sotaque alemão e agia como se fosse um nativo deste país. De igual forma, as
autoridades responsáveis pela apuração e julgamento do crime tiveram a mesma
sensação.
Foi então constatado por diagnóstico psiquiátrico que Milligan demonstrou
que possuía 24 personalidades distintas, tendo dentre 6 estas, algumas
personalidades agressivas, outras calmas e sobretudo, todas tinham idades e
gênero diferentes. 3 Uma das 24 personalidades, chamada de Adalana4 , assumiu a
autoria dos crimes cometidos, enquanto as outras alegavam total desconhecimento
sobre os fatos, inclusive o próprio Billy Milligan.
Portanto, como desfecho do presente caso, foi constatado que o
indivíduo não poderia ser responsabilizado pelos crimes, e em seguida foi internado
em hospitais psiquiátricos e não pôde sofrer sanções penais comumente aplicadas.
O caso e seu respectivo deslinde servem como parâmetro para a exemplificação
acerca do devido tratamento de indivíduos que sofrem do Transtorno Dissociativo de
Identidade e que venham a cometer algum crime da mesma natureza.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
ABCMED, 2019. Transtornos dissociativos. Disponível em:
<https://www.abc.med.br/p/psicologia-e-psiquiatria/1353623/transtornos+dissociativos.htm>.
Acesso em: 23 mar. 2022.
Conheça o transtorno dissociativo de identidade e suas causas, 2021. Disponível em:
<https://hospitalsantamonica.com.br/conheca-o-transtorno-dissociativo-de-identidade-e-
suas-causas/> Acesso em: 23 mar. 2022.
American Psychiatric Association (2014). DSM-5 – Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed. Acesso em: 23 mar. 2022.
SILVA, João Vitor Bento da. GOUVEIA, Rildésia Silva Veloso. O TRATAMENTO JURIDICO
DE CRIMES COMETIDOS POR INDIVIDUOS DIAGNOSTICADOS COM TDI. Disponível
em: https://bdtcc.unipe.edu.br/wp-content/uploads/2019/04/ARTIGO-CIENT%C3%8DFICO-
PRONTO.pdf