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Necropolítica e Poder do Estado

O documento discute o conceito de "necropolítica", proposto pelo filósofo Achille Mbembe. Mbembe se inspirou nos conceitos de "biopolítica" e "biopoder" de Michel Foucault para descrever como alguns estados modernos ditam quem pode viver e quem deve morrer, criando "zonas de morte" onde grupos são submetidos à morte com base no racismo. O documento explica a origem dos termos de Foucault e como Mbembe os expandiu para criticar estruturas contemporâneas que prom
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Necropolítica e Poder do Estado

O documento discute o conceito de "necropolítica", proposto pelo filósofo Achille Mbembe. Mbembe se inspirou nos conceitos de "biopolítica" e "biopoder" de Michel Foucault para descrever como alguns estados modernos ditam quem pode viver e quem deve morrer, criando "zonas de morte" onde grupos são submetidos à morte com base no racismo. O documento explica a origem dos termos de Foucault e como Mbembe os expandiu para criticar estruturas contemporâneas que prom
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Necropolítica: o que esse termo significa?

Disponível em: https://www.politize.com.br/necropolitica-o-que-e/


Os Estados modernos adotam em suas estruturas internas o uso da força, em dadas ocasiões, como
uma política de segurança para suas populações. Ocorre que, por vezes, os discursos utilizados para
validar essas políticas de segurança podem acabar reforçando alguns estereótipos, segregações,
inimizades e até mesmo extermínio de determinados grupos.

Dessa ideia surge o termo “necropolítica”, questionamento se o Estado possui ou não “licença pra
matar” em prol de um discurso de ordem. Neste texto, te explicamos como esse termo surgiu e
como ganhou destaque recentemente.

Onde surgiu o termo necropolítica?

A origem da termo parte da obra do filósofo, teórico político, historiador e intelectual camaronês
Achille Mbembe. Mbembe nasceu na República dos Camarões, país da região ocidental da África
Central, no ano de 1957 (63 anos). Atualmente é professor de História e de Ciências Políticas do
Instituto Witwatersrand, em Joanesburgo, África do Sul e na Duke University, nos Estados Unidos.

Ele é reconhecido como estudioso da escravidão, da descolonização, da negritude e, também, como


um grande leitor do também filósofo Michael Foucault, em quem se baseou para propor o livro
“Necropolítica”, de 2011. Dessa forma, para entendermos melhor a obra de Mbembe, vale também
conhecermos um pouco de Foucault.

Quem foi Foucault?

Michael Foucault foi um filósofo, historiador, teórico social, psicólogo, crítico literário e professor
francês que pensou de forma crítica à história da modernidade. O trabalho de Foucault se tornou
conhecido por suas reflexões sobre poder e sobre as estruturas políticas das sociedades ocidentais,
desde a antiguidade até a contemporaneidade.

Para o filósofo, o poder está sempre associado a alguma forma de saber que emana de diferentes
direções, pessoas e instituições pois:

“o poder opera de modo difuso, capilar, espalhando-se por uma rede social
que inclui instituições diversas como a família, a escola, o hospital, a
clínica. Ele é, por assim dizer, um conjunto de relações de força
multilaterais” (Foucault, 1999).

Foucault defende que, para embasar e fortalecer decisões, ações ou escolhas que influenciam várias
pessoas, é preciso dominar técnicas e instrumentos que justifiquem e afirmem esses decisões. Por
meio desses, podem ser viabilizadas diversas práticas de organização social como, por exemplo, os
direitos e deveres em uma sociedade.

No entanto, para ele essas técnicas e instrumentos serviram também para práticas autoritárias de
segregação, monitoramento, controle dos corpos e até mesmo dos nossos desejos. Por isso, no
pensamento de Foucault o discurso juntamente ao poder e ao saber, constituem um objeto de estudo
constante.
O autor tinha a preocupação em conhecer por que determinados discursos são aceitos como
verdadeiros e não outros. Como eles são criados? Quais os seus impactos? Foi aí que elaborou dois
termos que serão de igual importância para a obra de Mbembe: a biopolítica e o biopoder.

Para Foucault, biopolítica é a força que regula grandes populações ou conjunto dos indivíduos,
diferentemente das praticas disciplinares utilizadas durante a antiguidade e a idade média que
visavam governar apenas o indivíduo.

Já biopoder se refere aos “dispositivos” e tecnologias de poder que administram e controlam as


populaçõespor meio de técnicas, conhecimentos e instituições. Os biopoderes se ocupam da gestão
da saúde, da higiene, da alimentação, da sexualidade, da natalidade, dos costumes, etc., a medida
em que essas se tornaram preocupações políticas.

Por isso, os instrumentos do biopoder (Biologia, a Matemática, a Economia, entre outros campos do
saber), se tornaram, ao longo dos anos, fundamentais para fornecer dados, informações e políticas
sobre endemias, natalidade, seguridade social, poupanças, etc.

Foucault desejava demonstrar com esses termos a ideia de como o poder mudou durante os séculos
e como foi influenciando as relações sociais nas cidades modernas e, principalmente, nos discursos.
Para ele, a civilização moderna assistiu várias transformações de suas estruturas de poder e saber
durante a história, pois os conhecimentos, leis e as políticas mudaram muito desde os primórdios da
humanidade, e de maneira ainda mais acelerada após a revolução industrial nos séculos XVIII e
XIX.

A partir desse marco, todo o saber produzido visava controlar fenômenos, como aglomeração
urbana, transformação dos espaços públicos, epidemias, organização da economia, manutenção da
paz, organização das cidades e de suas estruturas. As sociedades modernas tornaram-se politica,
econômica e socialmente organizadas de formas semelhantes. No entanto, essas estruturas
semelhantes não colocaram fim aos conflitos.

Para atender aos interesses e vontades das mais variadas sociedades modernas, ideias de ameaça,
medo e ódio ao inimigo foram mantidas como na antiguidade e idade média. Mas há um diferencial:
se antes as guerras eram iniciadas a fim de proteger o soberano, com objetivos delimitados, e a
morte de uns asseguraria a existência de todos ao final, os conflitos travados ao longo dos dois
últimos séculos mostraram uma crueldade humana sem precedentes. Ou seja, para Foucault os
massacres, extermínios e regimes totalitários modernos, como o stalinismo e o nazi-fascismo,
radicalizaram os mecanismos políticos de morte já existentes.

Ideias de controle dos corpos, purificação da população, supremacia de um determinado grupo sob
outro não surgiram no século XX, mas nesse momento foram amplamente aceitas com base no
poder exercido por governos e estruturas administrativas. Por meio do discurso do Estado tais
práticas tornaram-se aceitáveis, mesmo visando a rejeição, expulsão e aniquilação de determinados
grupos.

Assim, para Foucault, o discurso é o instrumento de poder que determina condutas e valida
políticas. No entanto, como analisado pelo mesmo, é preciso cautela ao lidar com tal instrumento já
que este acabou possibilitando práticas cruéis e políticas que reforçam estereótipos, segregações,
inimizades e extermínios.
A teoria de Mbembe

Como vimos, em certos episódios da história da humanidade, alguns discursos políticos validaram
massacres, extermínios e regimes totalitários modernos.

Foi a partir da ideia de que discurso é um instrumento de poder que Mbembe se inspirou em
Foucault e foi além. Em seu livro “Necropolítica” apontou que esses dois conceitos são
insuficientes para compreender relações de inimizade e perseguições contemporâneas. Como
estudioso da escravidão, da descolonização e da negritude, relacionou o discurso e o poder de
Foucault a um racismo de Estado presente nas sociedades contemporâneas, que fortaleceu políticas
de morte (necropolítica).

E o que é a necropolítica?

Para ele, necropolítica é o poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Com base no
biopoder e em suas tecnologias de controlar populações, o “deixar morrer” se torna aceitável. Mas
não aceitável a todos os corpos. O corpo ”matável” é aquele que está em risco de morte a todo
instante devido ao parâmetro definidor primordial da raça.

Mbembe explica que, com esse termo, sua proposta era demonstrar as várias formas pelos quais, no
mundo contemporâneo, existem estruturas com o objetivo de provocar a destruição de alguns
grupos. Essas estruturas são formas contemporâneas de vidas sujeitas ao poder da morte e seus
respectivos “mundos de morte” – formas de existência social nas quais vastas populações são
submetidas às condições de vida que os conferem um status de “mortos-vivos”.

Sabemos que em cada sociedade existem normas gerais para o povo – homens e mulheres livres e
iguais. A política é o nosso projeto de autonomia por meio de um acordo coletivo nos diferenciando
de um estado de conflito. Nesse sentido, Mbembe afirma que cabe ao Estado estabelecer o limite
entre os direitos, a violência e a morte. Mas, ao invés disso, os Estados utilizam seu poder e
discurso para criar zonas de morte. O filósofo levanta exemplos modernos: a Palestina, alguns
locais da África e o Kosovo. Nessas zonas, a morte se torna o último exercício de dominação.

O autor afirma que quem morre em zonas como estas são grupos biológicos geralmente
selecionados com base no racismo. Funciona assim: é apresentado o discurso de que determinados
grupos encarnam um inimigo (por vezes fictício). A resposta é que, com suas mortes, não haverá
mais violência. Assim, matar as pessoas desse grupo pode ser aceito como um mecanismo de
segurança.

Outros pontos da obra de Mbembe

Mbembe também utiliza os conceitos de estado de exceção para mostrar como a relação de
inimizade torna-se a base de uma licença para matar e como o poder apela a uma exceção
(emergência fictícia da existência inimigo) para justificar um extermínio.

Outro ponto relevante das críticas do camaronês é que as análises de Foucault permaneciam em
uma esfera eurocêntrica (focada na sociedade europeia) que ignora fenômenos ocorridos fora dessa
visão desde o imperialismo colonial. Segundo o autor, a ideia de “eliminação de inimigos do
Estado” sempre esteve ligada ao período escravocrata.

Por isso, Mbembe é considerado um dos poucos teóricos contemporâneos que pensa o contexto
mundial atual utilizando ideias foucaultianas para analisar problemáticas de regiões periféricas e dar
foco em genocídios não europeus a fim de demonstrar que estes seguem ainda hoje os padrões
chamados por ele de tardo coloniais.

Como a obra se relaciona com a realidade?

Como observado por Foucault e Mbembe, alguns discursos podem promover inimizades entre
grupos, ao instaurar regimes de medo insegurança, e precariedade. Geralmente, esses movimentos
descrevem situações como “desordens”, “situações de emergência”, “conflitos armados” ou “crises
humanitárias”.

A utilização de tais nomenclaturas não está incorreta em muitos casos. Diariamente percebemos
diversas situações caóticas em nossa sociedade. No entanto, a preocupação acerca de tais discursos
está relacionada ao limite qual pode-se chegar para “resolver” tais situações. Pois, como vimos, os
discursos podem ter o poder de estabelecer parâmetros de aceitabilidade para tirar vidas.

Como Mbembe defende, a escravidão foi uma expressão necropolítica fundamentada pelo
pensamento hegemônico eurocêntrico que negou por muitos anos aos negros o status de seres
humanos. Esse pensamento resultou em milhares de mortes e, mesmo que aparentemente
“superado” pela humanidade devido à abolição da escravidão, ainda tem reflexos enormes.
Encontramos, na atualidade, estratégias de captura, aprisionamento, exploração, dominação e
extermínio do corpo negro que segue ainda a cartilha do colonialismo.

Mas não só os negros. Quanto mais frágil for determinado grupo (em classe, raça, gênero, etc.) –
sejam mulheres, indígenas ou outras minorias – maior o desequilíbrio entre o poder da vida e da
morte sobre esse grupo. Por isso existem inúmeras discussões sobre estruturas racistas e patriarcais
na sociedade que, direta ou indiretamente, produziram práticas e relações sociais desiguais, cujos
efeitos ainda são sentidos.

As noções de “necropolítica” desenvolvidas pelo autor ajudam a compreender as formas pelos


quais, no mundo contemporâneo, os Estados, por vezes, adotam em suas estruturas a política da
morte – o uso ilegítimo da força por meio de seu aparato policial ou a política de inimizade em
relação aos determinados grupos – como um discurso necessário para a política de segurança da
maioria.

O que a necropolítica tem a ver com o Brasil?

No Brasil, ao longo de nossa história, alguns discursos tiveram o poder de retirar a humanidade de
certos grupos através da desclassificação da pessoa, ou seja, da ideia de que ela merecia ser punida
ou que as políticas são para a maioria e não para minorias.

A ditadura no Brasil foi um destes momentos. Os 21 anos do regime autoritário resultaram em


mortes e corpos desaparecidos. À época, quando um opositor ao regime era preso, torturado ou
assassinado, este corpo era considerado um inimigo visível e determinado que merecia um fim. O
discurso promovido tinha o poder de estabelecer parâmetros aceitáveis para tirar vidas e controlar as
pessoas.

A escravidão também foi um destes momentos. Os 300 anos da precarização de inúmeras vidas
foram a base da construção e formação da sociedade brasileira. Mesmo assegurados a todos os
direitos que nos igualam de forma jurídica, os dados mostram que nem todos tem as mesmas
oportunidades.
Nesse mesmo sentido de marginalização de pessoas, existem discursos que fortalecem a ideia de
que existem lugares subalternizados com alta criminalidade em que vidas podem ser tiradas em prol
do bem comum. A guerra ao tráfico e à criminalidade no Brasil é um exemplo.

Mas também há necropolítica nas prisões. O tratamento da população carcerária, com punições com
foco na privação da liberdade, a superlotação das cadeias e baixas condições sanitárias são reflexos
disso. Conforme apontado pelo Conjur, só em 2018 foram mais de 1.400 mortes em presídios no
Brasil.

A necropolítica e o COVID-19

É fato que o coronavírus não faz distinção em seu contágio. A contaminação independe de raça,
classe, gênero ou orientação sexual. No entanto, o comportamento adotado pelos Estados e suas
sociedades pode ser capaz de produzir dinâmicas de diferenciação. A necropolítica pode ajuda a
entender porque determinadas pessoas são mais vulneráveis ao covid-19

Desde o início da pandemia, as expectativas eram de que as favelas seriam grandes vítimas do
coronavírus no Brasil. Como as principais medidas de combate à disseminação do vírus são o
isolamento social e a higiene das mãos, não reunir condições de cumprir tais requisitos pode
rapidamente tornar pessoas uma vítima da doença. Pessoas que não possuem acesso às instalações
de saneamento básico adequadas, fornecimento de água tratada e recolhimento de esgoto tornam-se
alvos fáceis.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apenas 41,5% dos
municípios brasileiros dispunham de um Plano Nacional de Saneamento Básico em 2017. O
resultado dessa falta de planejamento se reflete na saúde: um em cada três municípios relata a
ocorrência de epidemias ou endemias provocadas pela falta de saneamento básico.

Da mesma forma, o isolamento requer a possibilidade de trabalhar em casa ou ter condições de


locomover para o seu trabalho evitando aglomerações, o que não é possível para partes mais
vulneráveis economicamente já que ocupam atividades que geralmente não poderiam ser
executadas a distância.

Ocorre que, já em meio à pandemia, as comunidades veem o coronavírus se espalhar, mas as


vítimas da doença permanecem quase invisíveis ao sistema epidemiológico. A alta letalidade e
números de casos inexplicavelmente baixos põem em dúvida dados de Covid-19 nas favelas do Rio
e desperta questionamentos acerca de sub-notificações, que podem ocasionar em uma falsa
sensação de segurança e, assim, agravar a situação do contágio em determinados locais.

O COVID-19 tem gerado, portanto, um agravamento de uma crise já existente. Suas consequências
escancaram a desigualdade social vivenciada diariamente por indivíduos em locais onde o
isolamento é praticamente impossível. A situação é um anúncio de dados possivelmente
preocupantes que podem evidenciar a necropolítica em locais de vulnerabilidade.

Neste cenário já caótico, há também o debate sobre qual deveria ser a política prioridade neste
momento: salvar vidas ou salvar a economia. Há estimativas de que a economia brasileira pode
sofrer efeitos por mais de dez anos devido ao coronavírus, e esta é uma questão que deve ser levada
em consideração pois reflete diretamente nas áreas sociais e políticas do nosso país.

Contudo, houveram críticas aos posicionamentos de diversos governantes no mundo ao


relativizarem a gravidade da situação ou afirmarem que “muitos iriam morrer”, desconsiderando
muitas vezes, o valor de algumas vidas. De forma geral a pandemia tem demonstrado, em alguns de
seus impactos, que algumas vidas valem mais que outras e “quem tem pouco valor” pode ser
facilmente desconsiderado ou descartado, afetando sempre as mesmas raças, classes sociais e os
mesmos gêneros.

REFERÊNCIAS

Achille Mbembe: Necropolítica

Rafael Nogueira Furtado; Juliana Aparecida de Oliveira Camilo: o conceito de biopoder no


pensamento de Michel Foucault

Ponte: o que é necropolítica e como se aplicar à segurança pública no Brasil

El País: uma necropolítica como regime de governo

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