AULA 3
FUNDAMENTOS DA
NEUROPSICOPEDAGOGIA
Prof. Fábio Eduardo da Silva
CONVERSA INICIAL
Olá! Chegamos à terceira aula da disciplina de Fundamentos de
Neuropsicopedagogia e esta vai ser emocionante!
Vamos refletir sobre um tema polêmico e fantástico: o papel da emoção
na aprendizagem!
Veremos o que são as emoções, seus principais mecanismos
neurobiológicos e como afetam nossa atenção, memória, motivação, ação,
tomada de decisão, autoestima e relacionamentos interpessoais, elementos
cruciais no processo de ensino-aprendizagem.
Vamos explorar a importância de professores e professoras conhecerem e
lidarem com suas próprias emoções, para melhor cuidar das emoções de seus
educandos. Também vamos explorar a aplicação da inteligência emocional e
autoconhecimento na educação, o que é surpreendente, bem como o é a
cominação emocional ou não verbal, que inclui expressões faciais, gestos, tom
de voz, movimento dos olhos e do corpo, postura, estilo de caminhar e o grau de
proximidade entre as pessoas. Nesse nível sempre falamos a verdade! Foi a
primeira forma de comunicação humana e continua sendo uma das mais fortes!
Mas o quanto a percebemos? É possível treiná-la e otimizar nossa comunicação?
E como maximizar o uso consciente da emoção na educação? Você gosta
de games digitais? Já ouviu falar de gamificação?
Iniciemos mais uma empolgante aventura!
CONTEXTUALIZANDO
Sem exceção, homens e mulheres de todas as idades, culturas, níveis
de instrução e econômicos têm emoções, atentam para as emoções dos
outros, cultivam passatempos que manipulam suas emoções e em
grande medida governam suas vidas buscando uma emoção, a
felicidade, e procurando evitar emoções desagradáveis2, p.55
Atenção
Esse texto utiliza a indicação das referências bibliográficas através do sistema
numérico: pequenos números sobrescritos indicam a referência que pode ser
consultada ao final do documento. Quando mais de um número for indicado, cada
um deles remeterá a uma obra diferente. No caso de citações, o número indica a
obra e é seguido da indicação da(s) página(s). No exemplo acima, (2, p.55), temos
a indicação do livro 2 nas referências, com a página 55, de onde foi extraída a
citação.
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No final do século XIX, Charles Darwin, William James e Sigmung Freud
apresentaram estudos sobre a emoção, mas as pesquisas da neurociência a
negligenciaram até a última década do século XX. Era muito subjetiva e
contrapunha-se a razão – a mais refinada capacidade – a qual, imaginava-se ser
independente da emoção. Os estudos do século XX localizaram a emoção no
cérebro, porém relegaram-na ao seu nível mais primitivos. Afinal, tanto a emoção
como seu estudo eram um tanto irracionais2,3,4!
Mas o quadro mudou! Num curto período, as pesquisas identificaram os
estágios críticos da emoção e localizaram os seus principais centros, por exemplo
a amígdala, relacionada ao medo, e as emoções sociais, associadas no córtex
frontal ventromedial. Foi também possível identificar a diferença entre emoção e
sentimento e descobriu-se que a emoção integra processos de raciocínio e de
tomada de decisão. Indivíduos muito racionais que tiveram lesões em áreas
específicas do cérebro, perdendo certas classes de emoção, perderam também a
capacidade de tomar decisões racionais. Não perderam a lógica para lidar com
problemas, mas muitas de suas decisões são irracionais e, com frequência,
desvantajosas para si e para outras pessoas. O raciocínio destes pacientes deixou
de ser influenciado, consciente ou inconscientemente, pelos sinais da emoção.
Hoje, sabe-se que, no que se refere à racionalidade, a redução da emoção é tão
prejudicial quanto seu excesso2,3,4.
Pouco a pouco, vai diminuindo a dicotomia entre emoção e razão, ou
funções afetivas e funções cognitivas. Sabe-se hoje que razão e emoção são
interdependentes e que a interação entre elas está relacionada com a
aprendizagem. Crianças inquietas, que não prestam atenção, podem ter as áreas
cerebrais ligadas ao processamento cognitivo, ou funções executivas ainda pouco
desenvolvidas ou treinadas. Em complemento, talvez os estímulos educacionais
não lhe sejam tão interessantes, na avaliação emocional, e é a emoção que avalia!
Para que a aprendizagem ocorra, é importante que as crianças prestem atenção
aos conteúdos e registrem-nos na memória de longo prazo. Contudo, usualmente
aprendizados não são rápidos. A criança precisa, na motivação para retornar aos
conteúdos, repeti-los, praticá-los ou treinar certas habilidades, como a leitura, por
exemplo. Como não farão isso sozinhas, seus relacionamentos interpessoais
serão muito importantes (colegas, amigos, professores, familiares), para dar-lhes
apoio, estimulação, para que se sintam valorizadas. Todos esses fatores vão
auxiliá-las a construir uma autoestima elevada, capaz de lhes dar autoconfiança
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para enfrentar problemas e tomar decisões. Em todos esses processos, a
emoção tem papel fundamental2,4,6. Passemos, então, a estudá-la.
TEMA 1 – NEUROBIOLOGIA DAS EMOÇÕES
1.1 O que é emoção
Emoção é uma reação aguda que envolve pronunciadas alterações
somáticas, experimentada como uma situação mais ou menos agitada.
A sensação e o comportamento que expressam, bem como a resposta
fisiológica interna à situação-estímulo, constituem um todo intimamente
relacionado, que é a emoção propriamente dita. Assim a emoção tem ao
mesmo tempo componentes fisiológicos, psicológicos e sociais – posto
que as outras pessoas constituem geralmente os maiores estímulos
emotivos em nosso meio civilizado.1, p.44
Como visto no conceito proposto por Marinho1, a emoção tem um aspecto
fisiológico e outro psicológico. Damasio2,3,4, neurocientista português a quem é
atribuído o grande impulso na pesquisa moderna da emoção e da consciência,
considera que a emoção e o sentimento formam um contínuo, do fisiológico ao
psicológico.
Emoções são programas de ações complexos e em grande medida
automatizados, engendradas pela evolução. As ações são completadas
por um programa cognitivo que inclui certas ideias e modos de cognição,
mas o mundo das emoções é sobretudo feito de ações executadas no
nosso corpo, desde expressões faciais e posturas até mudanças nas
vísceras e meio interno. Os sentimentos emocionais, por outro lado, são
as percepções compostas daquilo que ocorre no nosso corpo e na nossa
mente quando uma emoção está em curso. No que diz respeito ao corpo,
os sentimentos são imagens de ações e não ações propriamente ditas;
o mundo dos sentimentos é feito de percepções executadas em mapas
cerebrais. [...] Enquanto que as emoções constituem ações
acompanhadas por ideias e certos modos de pensar, os sentimentos
emocionais são principalmente percepções daquilo que o nosso corpo
faz durante a emoção, com percepções do nosso estado de espírito
durante esse mesmo lapso de tempo.4, p.142
Em síntese a emoção é um conjunto de reações orgânicas que podem
ser percebidas por um observador externo, e seus mecanismos básicos não
requererem consciência daquele que as vivenciam. A emoção é pública e
usualmente não consciente. Em complemento, o sentimento, que é percepção
mais consciente do efeito emocional, tende a ser privado, ou seja, observadores
externos não conseguem perceber os sentimentos vividos pela pessoa que está
emocionada. Mas sentimentos podem também ocorrer sem a percepção
consciente do sujeito2,3,4.
É possível controlar, em parte, a expressão de algumas emoções, apesar
de a maioria das pessoas não ser bem-sucedida nisso. No entanto, não
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conseguimos controlar o fluxo emocional e nem as reações automáticas nas
vísceras e no meio interno. Quando uma representação sensorial é formada,
consciente ou inconscientemente, não temos muita influência no mecanismo que
induz a emoção. Não temos como exercer controle voluntário sobre os processos
neurais das regiões profundas do tronco cerebral envolvidas na emoção2.
Não precisamos ter consciência do indutor de uma emoção, com
frequência não temos e somos incapazes de controlar intencionalmente
as emoções. Você pode perceber-se num estado de tristeza ou de
felicidade e ainda assim não ter nenhuma ideia dos motivos
responsáveis por este estado específico.2, p.70
[...] não necessariamente prestamos atenção às representações que
induzem emoções e que depois conduzem a sentimentos,
independentemente de elas significarem ou não algo externo ao
organismo ou algo lembrado internamente. Representações do exterior
ou do interior podem ocorrer independentemente de um exame
consciente e ainda assim induzir reações emocionais. Emoções podem
ser induzidas de maneira inconsciente [...].2, p.71
Conforme indicado acima, as emoções têm valor evolutivo, ou seja, elas
são adaptativas, trabalham a favor da nossa sobrevivência. E como fazem isso?
Basicamente, elas têm a crucial função de julgar, avaliar o que é relevante e
importante para o organismo e se o que é avaliado é positivo ou negativo! Ou seja,
se traz benefícios ou riscos/prejuízos. Se for positivo, precisamos aproveitar e ter
ações adequadas, se for negativo precisamos nos preocupar e decidir se nos
afastamos, quem sabe fugimos, ou ainda lutamos. Sendo ela responsável pela
atribuição de valor aos estímulos que chegam, é inevitável que afete
sobremaneira nossos processos de atenção, motivação e a ação que se
seguem. Como registra a valência de cada experiência para podermos compará-
las com as que virão, ela também está associada à memória. Por fim, estando
relacionada a atenção, memória, julgamento, motivação e ação, modula nosso
raciocínio e participa de forma crucial na tomada de decisão. Além disso e não
menos importante, como as emoções são expressas no rosto e por meio de outros
comportamentos não verbais, elas são essenciais a interação social, visto que o
seu reconhecimento, mesmo que num nível não consciente, é parte essencial da
comunicação humana2,3,4,5,6,7.
Como pode ser visto, a emoção é crucial para tudo o que fazemos, o que
é muito bem evidenciado por casos clínicos, nos quais as estruturas cerebrais
ligadas às emoções foram lesionadas. Damásio estudou um paciente – Elliot
– que teve um tumor entre os olhos retirado cirurgicamente. Infelizmente, a
cirurgia acabou retirando também partes do tecido do lobo frontal, relacionado às
emoções. Após essa cirurgia, Elliot não sentia mais emoções e sua vida tornou-
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se um caos. Perdeu seu emprego, entrou em uma experiência comercial voltada
ao fracasso, divorciou-se, casou e voltou a se divorciar. Enfim, não conseguia
mais tomar decisões simples, não aprendia com seus erros, era indiferente a seus
problemas e não reagia às emoções de outras pessoas, o que é essencial a
interação social5,6,7.
As emoções podem ser classificadas em primárias e secundárias. As
primárias são as mais básicas na evolução, caracterizadas por estados
específicos e presentes em todas as culturas, ou seja, são independentes de
fatores culturais. São elas: raiva, medo, tristeza, nojo e felicidade/alegria, surpresa
e desprezo. As emoções secundárias se formam com base nas primárias
envolvem a mediação cultural. Incluem remorso, culpa e submissão5.
Para podermos compreendê-las melhor, vamos considerar alguns de seus
mecanismos neurobiológicos.
1.2 Quais são seus mecanismos neurobiológicos
As pesquisas sobre a emoção sugerem que várias regiões cerebrais estão
envolvidas em diferentes atividades emocionais (ex. giro cingulado anterior,
hipotálamo, núcleos da base, ínsula, entre outras). No entanto, vamos considerar
inicialmente três delas: o estriado, a amígdala e córtex pré-frontal, sendo esta
ligada aos processos emocionais como racionais, cognitivos ou executivos 8,9.
Estriado – multifuncional e com várias confecções, esta estrutura influencia
o comportamento motivado ou dirigido a metas. Recebe convergentes projeções
do córtex pré-frontal e de várias estruturas importantes no processamento
emocional (amídala e centros dopaminérgicos), retornando seus sinais através do
tálamo. De grande importância é a sua função no processamento relacionado à
recompensa. Ele codifica o valor de algo marcado por uma recompensa e aprende
sobre o estímulo e ações que reconduzem a recompensa. Estudos mostraram sua
função na expectativa ou antecipação de recompensas primárias (ex. suco,
dinheiro) e na ânsia pelo uso de drogas ilícitas. Também foram encontrados
correlatos do funcionamento desta estrutura com a predição de erros e, ainda,
com o aprendizado de confiar nas pessoas, aspecto importante no convívio social,
em especial na predição de interações sociais futuras9.
“Assim informações sociais podem modular a função do estriado envolvida
no processamento de recompensas, particularmente quando as expectativas
sociais são violadas.” 9, p.1095.
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Amígdala – pequena estrutura do lobo temporal medial, adjacente à parte
anterior do hipocampo, tem sido relacionada ao aprendizado e à memória
emocional. Seu dano não necessariamente inibe respostas a estímulos inatos,
sejam eles aversivos ou recompensadores, porém produz disfunções nas
respostas emocionais aprendidas8.
Figura 1 – Amígdala e hipocampo
Um exemplo disto é o clássico condicionamento aversivo, em que um
estímulo neutro se torna aversivo por estar associado a um evento primário. Num
contexto de laboratório, um rato é alocado numa gaiola, em que, de vez em
quando, uma luz é acesa por 4 segundos (estímulo condicionante). Quando o rato
está habituado com esse estímulo, um choque elétrico (estímulo incondicionado
que produz uma resposta incondicionada) passa a ser aplicado ao animal logo
antes de a luz apagar, associando-a ao choque. Após algumas, o animal aprende
que a luz precede o choque, e mesmo quando o choque não é mais apresentado
em seguida da luz, o rato a teme (resposta condicionada). No entanto, se
repetidas exposições da luz sem o choque são apresentadas, extingue-se a
resposta condicionada8.
Como já foi pontuado, o dano na amígdala não impede respostas
incondicionadas a eventos aversivos, ou seja, ela não é necessária para respostas
incondicionadas ao medo, mas dificulta ou mesmo impede o aprendizado da
resposta condicionada (implícita, fisiológica) a estímulos neutros associados a
outros aversivos. Isto também é válido para humanos, como sugerem os testes
de condicionamento aversivo que monitoram a resposta da condutância da pele 8.
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Além do aprendizado implícito (quando o condicionamento é feito pela
experiência direta com o estímulo aversivo, como foi mostrado) a amígdala
participa também do aprendizado explícito, quando propriedades explícitas
aversivas são aprendidas, por exemplo, pela comunicação oral (chamado de
paradigma do medo instruído). Nesse caso, aprender e lembrar das informações
depende do hipocampo, relacionado a fixação da memória. Pacientes com danos
na amígdala não foram capazes de reagir (verificado pela condutância da pele)
ao condicionamento pelo medo instruído, o que foi observado nos pacientes
controle8.
Outro aspecto importante relacionado às amígdalas é que exercem função
no reconhecimento de emoções nas expressões faciais, em particular, no
reconhecimento das expressões faciais do medo. Pacientes com danos nessa
estrutura têm dificuldades em perceber essas expressões8.
Apesar da ênfase no papel da amígdala na resposta para estímulos
aversivos ou ameaçadores, ela também exerce função importante na resposta de
estímulos positivos8.
Em síntese, a amígdala se relaciona com o armazenamento/aprendizado
do valor emocional (positivo ou negativo) dos estímulos e com expressão
fisiológica do medo. Dessa forma, pode modular a cognição na presença de
eventos emocionais, assegurando de que receberão prioridade, por exemplo, na
interação com o hipocampo, garante que serão armazenados e consolidados,
persistindo na memória. Pela sua conexão com o córtex sensorial, facilita a
atenção para estímulos emocionais, aumentando as respostas sensoriais
corticais. Além de reconhecer emoções faciais, está também envolvida na
avaliação das faces (por exemplo, se são mais ou menos confiáveis) e
qualidades de um membro de um grupo social, bem como de intenções sociais. A
função de modular a cognição e representar aspectos de valor social pode afetar
de muitas formas a tomada de decisão, as quais precisam ainda ser exploradas9,
p.1095.
Tanto o estriado quanto a amígdala têm função de representar valores dos
fatos. O estriado está ligado ao valor dos sinais de recompensas, desde as mais
básicas, como um suco ou dinheiro, até as mais complexas, como a cooperação
social. A amígdala, mais relacionada à representação do significado emocional
que pode levar a evitar uma situação. Essa aparente ambiguidade não representa
toda a história, havendo evidências de que ambas as estruturas têm funções que
mediam aprendizados apetitivos e aversivos9, p.1095.
08
Mesmo que muitos estudos não focalizem no estriado, vários deles relatam
a ativação dessa estrutura quando ocorre a ativação da amígdala, sugerindo
assim que ambos interagem em suas tarefas. Por exemplo, a interação amígdala
estriado pode ter uma função mediando ações que diminuam exposição a eventos
temerosos. De fato, estudos sugerem que ambas trabalham em conjunto para
representar valores aprendidos tanto para reforçadores apetitivos como aversivos
9, p.1095.
Córtex pré-frontal e córtex pré-frontal orbitofrontal – é a região mais
importante para os processos racionais e mantém vínculos anatomofuncionais
com várias regiões ligadas ao processamento emocional. O córtex pré-frontal
parece representar um campo de múltiplas influências, em especial dos processos
de raciocínio, que esporadicamente podem se tornar conscientes, e dos
processos emocionais, que embora geralmente não sejam conscientes, podem se
manifestar na forma de sentimentos vindo a ser percebidos11.
Pacientes que tiveram lesões em partes do córtex pré-frontal medial e
orbital ou com lesões ou doenças na amígdala apresentaram prejuízos em seus
processamentos emocionais, ligados a processos pessoais ou sociais. Esses
pacientes também apresentaram uma incapacidade de tomar decisões vantajosas
para si mesmos. Por exemplo, um paciente que demonstrou incapacidade para
reconhecer e experimentar o medo apresentou, também, prejuízo na tomada
racional de decisões10.
Evidências semelhantes de influências emocionais sobre o processo de
tomada de decisão também nos são fornecidas a partir de estudos de
pacientes com lesões nos córtices pré-frontais orbital e medial. Essas
observações clínicas sugerem que a amígdala e o córtex pré-frontal,
assim como suas conexões estriatais e talâmicas, não estão envolvidos
apenas no processamento das emoções, mas participam também do
complexo processamento neuronal responsável por aquilo que
consideramos pensamento racional 10, p.643-644.
O córtex orbitofrontal (vide Figura 2) constitui-se na base do lobo frontal,
parte do córtex pré-frontal, dividindo-se em córtex pré-frontal ventromedial (área
central) e córtex orbitofrontal lateral ou córtex pré-frontal látero-orbital (áreas
laterais)8, p.564.
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Figura 2 – Córtex orbitofrontal
Sua função é difícil de definir, mas relaciona-se a uma série de
comportamentos que parecem estar interconectados, tais como “regular nossas
capacidades de inibir, avaliar e agir com a informação emocional e social” 8, p.565.
Esses comportamentos relacionam-se diretamente com a tomada de
decisão, quando a situação social e emocional, nossos objetivos atuais para
aquela situação e nossos valores, além dos estímulos ali apresentados, precisam
ser integrados numa escolha8.
Existem ações habituais derivadas da informação perceptiva, novas
informações que requerem flexibilidade no planejamento, metas
internas, informações emocionais e do ambiente, dicas emocionais
internas e dicas sociais. Esses fatores são todos combinados quando
decisões são tomadas. Dependendo da tarefa a ser decidida, alguns
destes fatores podem ser mais importantes que outros. Se nossa
habilidade de processar qualquer tipo de informação está prejudicada, a
tomada de decisão ficará alterada. O córtex orbitofrontal parece ser
especialmente importante para processar, avaliar e filtrar
informações sociais e emocionais. O resultado é que um dano nesta
região prejudicará a habilidade de tomar decisões que requerem
realimentação de sinais sociais e emocionais8, p.565.
Danos nessas regiões levam pacientes ao comportamento imitativo, no
qual pacientes imitam ações inócuas ou socialmente inapropriadas. Outras
dificuldades sociais incluem mudanças de personalidade, irresponsabilidade,
despreocupação com presente e futuro, diminuição da consciência e empatia
social, além de desconsideração das regras sociais e das próprias condições
problemáticas que se envolvem, relatando seus problemas como se fossem
observadores não envolvidos nas situações8.
010
Das estruturas apresentadas anteriormente, seguimos para uma subárea,
o córtex pré-frontal ventromedial – de especial interesse para a tomada de
decisão, porque foi por meio do estudo desta área que Antonio Damásio
desenvolveu a sua hipótese dos marcadores somáticos (MS). Para Damásio3, o
processamento racional precisa da memória para funcionar a qual se relaciona
com os marcadores somáticos, que representam os padrões mentais e de
comportamento e as correspondentes características fisiológicas geradas no
momento em que foram registradas. Esses marcadores somáticos seriam
especialmente importantes quando existissem emoções negativas relacionadas a
uma determinada informação; eles ainda seriam cruciais no processo de tomada
de decisão.
Córtex pré-frontal ventromedial (CPFVM) – um marco no início dos
estudos neurológicos da TD humana foi o caso de Phineas Gage, um operário da
construção de estradas de ferro nos EUA. Gage, considerado o mais capaz e
eficiente entre os empregados, chefiava uma grande quantidade de homens, na
missão de assentar os trilhos da ferrovia através de Vermont. No verão de 1948,
quando preparava explosivos para abrir caminho para a rodovia, ao calcar a
pólvora com uma barra de ferro, provoca uma explosão, que, além de lhe jogar 30
metros de distância, lhe rendeu uma perfuração na região do CPFVM do cérebro,
produzida pela barra de metal que atravessou seu crânio. Surpreendentemente,
não morreu e, ainda, se recuperou rapidamente. Apesar de aparentar não ter
sofrido alguma sequela, seu comportamento social e personalidade modificaram-
se radicalmente, levando-o a perder seu emprego. Gage não conseguia mais
fazer escolhas acertadas, ao contrário, eram desvantajosas. Seu caráter
degenerou-se, emergindo uma personalidade nefanda. Apesar disso, manteve
integridade de várias funções mentais, tais como atenção, percepção, memória,
linguagem e inteligência3.
011
Figura 3 – Ilustração do local, no cérebro de Gage, perfurado pela barra de metal
A partir desse caso, aumentaram-se as reflexões sobre o papel dos lobos
frontais na tomada de decisão, comportamento social e certos aspectos da
personalidade. Casos semelhantes aos de Gage (danos no CPFVM) foram
também registrados na literatura, indicando que esses danos se relacionam com
déficits na tomada de decisão, especialmente no comportamento social, com
destaque para os relacionamentos interpessoais e as decisões econômicas. Os
pacientes, no entanto, preservam seu intelecto, segundo avaliações de
instrumentos neuropsicológicos convencionais. Não perdem a lógica, a
capacidade de aprender e lembrar, não apresentam defeitos na linguagem e na
percepção. Quando apontadas suas falhas nas decisões, reconhecem tal fato,
mas, ao se depararem com situações semelhantes futuras, voltam a falhar nas
decisões. Não conseguem mais decidir em seu favor e daqueles próximos de si,
agem contra seus melhores interesses2,3,4,12.
Esse contraste entre o intelecto preservado (funções cognitivas) e uma
emoção defeituosa levou Damásio2,3,4,12 a refletir que, de alguma forma, um sinal
emocional poderia explicar as falhas na tomada de decisão; essa ideia é a base
para sua hipótese dos marcadores somáticos (MS), um ponto de partida para
explorar a função da emoção na tomada de decisão.
Em síntese, os marcadores somáticos antecipam as possíveis
consequências de uma decisão, atualizando a emoção relacionada aos efeitos
de decisões anteriores semelhantes. Assim, teriam a função de orientar para
melhores decisões2,3,4,12. Isso não significa dizer que as emoções saudáveis não
possam ser também prejudiciais ao processo de tomada de decisão, ou seja,
012
conduzir para escolhas ruins. Contudo, somente o conhecimento consciente, sem
a base emocional, não é suficiente para fazer decisões vantajosas. Em síntese, a
tomada de decisão é tanto racional quanto emocional, sendo influenciada ou
mesmo conduzida tanto por processos conscientes quanto inconscientes12.
TEMA 2 – A INFLUÊNCIA DAS EMOÇÕES NO ENSINO-APRENDIZAGEM
Os estímulos educacionais que os educandos recebem têm valor ou
significado suficiente (por exemplo, geram prazer) para que prestem atenção a
eles e ainda os guardem na memória? Motivam para o exercício, para a prática
que consolida a aprendizagem? E a qualidade das relações interpessoais, o
clima afetivo de nosso ambiente escolar é bom para que aprendam da melhor
forma, por exemplo, com confiança e sem medo? Os professores são otimistas,
cativam para o melhor? Estimulam a autoestima? Favorecem a tomada de boas
decisões?
Essas questões são diretamente relacionadas ao processo de ensino-
aprendizagem e a resposta para cada uma delas passa pela emoção!
E o que ativa a atenção e estimula a memória?
Num nível básico (subcortical) temos a atenção reflexa, ligada ao
alerta/vigília, que é não consciente e involuntária/automática, ativada por
processos metabólicos, fatores instintivos como a busca de alimento, proteção e
sexo, e pela recepção de estímulos novos que precisam ser avaliados. No nível
mais elevado (cortical), temos a atenção executiva, voluntária e consciente, de
difícil uso das crianças, uma vez que depende da maturação neurológica, sendo
também afetada por interesses ou motivações prévias. Em ambos os tipos de
atenção, a emoção modula a cognição, dando destaque a conteúdos,
aumentando o funcionamento cortical e garantindo que eles sejam armazenados
e consolidados na memória no longo prazo6,9.
E o que nos motiva? Comportamentos que nos (re)conduzem a
recompensar (prazer) ou nos esquivem de riscos/desprazeres, sejam tais
comportamentos relacionados a sobrevivência ou a satisfações mais subjetivas
(interesses pessoais), de retorno mais imediato ou de longo prazo (metas
pessoas), no qual adiamos recompensas ou mesmo aceitamos situações
adversas no presente por esperar resultados bons no futuro. A maior parte de
nossos comportamentos motivados são aprendidos! Aprendemos a nos motivar
013
para estudar? Estudar nos dá prazer imediato, ou nos faz sonhar com realizações
futuras3,5,6?
E o que nos põem em ação e nos faz repetir, treinar, aprimorar ou mesmo
inovar? A motivação, o sistema emocional do cérebro tem conexões diretas com
os sistemas de ação! Ações (e não pensamentos) são fundamentais para
estimular a motivação e o comportamento dirigido a uma meta, por exemplo o
aprendizado e, este, precisa de treinamento para se consolidar6,13.
Sentimos confiança em nossas relações interpessoais na escola, ou
ameaças, desconfiança, medo? A confiança é essencial para o aprendizado e
inversamente proporcional ao medo, que ativa a insula e a amígdala! Um ambiente
escolar confiável e um espaço motivacional livre do medo libera o pensamento
para focar nos temas relevantes, desativando a amígdala e ativando o sistema de
recompensa (que gera prazer) em vez de usá-lo para resolver os conflitos13!
E o que nos põem para cima? Otimismo de nossos mediadores reduz o
funcionamento da amígdala, aumenta nossa atenção e reduz alguma sensação
interna de dor. É uma imagem que guia, acalma emoções negativas e estimula as
positivas. Espelhamos essa esperança e otimismo, sentimo-nos valorizados, com
elevada autoestima13.
Pelo que refletimos até o momento, um ambiente que leve em conta o papel
da emoção no aprendizado vai maximizá-lo, bem como auxiliará a melhor tomada
de decisão tanto dos educandos quanto dos educadores, visto que e a emoção é
parte crucial também da tomada de decisão, como indicado acima3,13.
Em contrapartida, em ambientes ameaçadores, que geram estresse,
afetam a atenção, o córtex cingulado (detector de conflitos no cérebro) é ativado.
Também afetam nossa memória de trabalho e de longo prazo e, por conseguinte,
a aprendizagem. Desmotivam, reduzem a autoestima e dificultam as
decisões3,6,13!
Por tudo isso, é importante que o ambiente escolar seja planejado de
forma a mobilizar as emoções positivas (entusiasmo, curiosidade,
envolvimento, desafio), enquanto que as negativas (ansiedade, apatia,
medo, frustração) devem ser evitadas para que não perturbe a
aprendizagem. [...] O ambiente escolar deve ser estimulante, de forma
que as pessoas se sintam reconhecidas, ao mesmo tempo em que as
ameaças precisam ser identificadas e reduzidas ao mínimo. Usando o
andamento dos tempos musicais como metáfora, podemos dizer que o
ideal é que o ambiente na escola seja alegre moderato, ou seja,
estimulante e alegre, mas que permita o relaxamento e minimize a
ansiedade. Considerando a tendência gregária dos adolescentes, é bom
estimular a confiança no grupo e estimular os trabalhos em colaboração.
Na sala de aula, são importantes os momentos de descontração, e para
014
isso pode-se fazer uso do humor, das artes e da música nos momentos
adequados6, p.84.
As situações estressantes devem ser identificadas e corrigidas, por
exemplo o excesso na disciplina e nas formas de avaliação, brincadeiras
maldosas dos colegas ou mesmo do professor, ou ainda dificuldades escolares
não resolvidas6.
Nesse contexto, é importante considerar também as emoções dos próprios
professores. Por exemplo, por meio da linguagem emocional que é
corporal, mensagens contrárias aos objetivos educativos podem ser enviadas
sem que percebamos, visto que a linguagem corporal é usualmente não
consciente. Aliás, nossa vida emocional é em grande parte autônoma e não
percebida por nós6. “[...] emoções, como vimos, podem ter origem inconsciente e
serem atribuídas outras fontes ou outro contexto. Assim, a origem das reações
emocionais na escola pode estar relacionada com problemas externos,
originados, por exemplo, no contexto familiar ou social”6, p.84.
Daí a importância de aprendermos a perceber e lidar com nossas emoções
que, se por um lado, são inevitáveis, por outro podem ter sua forma de expressão
e reação melhor administrada por nós. Estamos no domínio do autoconhecimento,
que, nesse caso, convencionou-se chamar de inteligência emocional,
relacionada às funções executivas, como veremos no próximo item 6. “Adequada
a expressão das emoções deve ser respeitada e desenvolvida, o que contribui,
certamente, para aprendizagem, a diminuição dos problemas de disciplina e a
preparação de indivíduos mais capazes de viver a vida em sociedade e de atingir
a plenitude de realização pessoal.”6, p.85
TEMA 3 – INTELIGÊNCIA EMOCIONAL (IE), AUTOCONHECIMENTO E ENSINO-
APRENDIZAGEM
O conceito de inteligência emocional surge do estudo das relações entre
emoção e inteligência e foi elaborado por Peter Salovey e John Mayer em 1990,
mas tornou-se popular a partir de 1995 com o lançamento do livro com esse nome,
por Daniel Goleman14,15,16. O conceito original considerava IE como “a habilidade
para controlar os sentimentos e emoções em si mesmo e nos demais, discriminar
entre elas e usar essa informação para guiar as ações e os pensamentos” 16, p.12.
O trabalho de Goleman foi criticado por expandir o conceito, incluindo
fatores que não pertenciam a inteligência emocional. Um conceito revisado de
015
Mayer e Salovey, publicado em 2007, mostra a inteligência emocional como
quatro conjuntos de habilidades mentais, relacionadas16:
A inteligência emocional implica a habilidade para perceber e valorar
com exatidão a emoção; a habilidade para acessar e ou gerar
sentimentos quando esses facilitam o pensamento; a habilidade para
compreender a emoção e o conhecimento emocional, e a habilidade
para regular as emoções que promovem o crescimento emocional e
intelectual. A percepção e identificação emocional se referem à
habilidade para perceber e identificar as emoções próprias e alheias,
incluindo na voz das pessoas, nas obras de arte, na música, nas
histórias. O segundo componente, a facilitação emocional, envolve a
habilidade para usar as emoções para facilitar os processos cognitivos
(na solução de problemas, tomada de decisões, relações interpessoais).
Compreender a emoção implica conhecer os termos relacionados com
as emoções e as formas como estas se combinam, progridem e mudam.
O último nível, o de regulação emocional, trata da habilidade de saber
usar estratégias para mudar os próprios sentimentos e saber avaliar se
elas são eficazes ou não16, p. 13.
Para Goleman, inteligência emocional inclui autopercepção e autogestão
das suas emoções, permitindo perceber e influenciar mais as emoções das outras
pessoas, com vistas a obter resultados interpessoais e profissionais melhores14.
Quanto aos tipos de emoção há divergência entre as pesquisas. Adotamos
oito emoções e suas famílias sugeridas por Goleman14, p.303-304:
1. Alegria, prazer – felicidade, alívio, contentamento, deleite, diversão,
orgulho, prazer sensual, arrebatamento, gratificação, satisfação, bom
humor, euforia, êxtase, mania.
2. Tristeza – sofrimento mágoa, desânimo, desalento melancolia,
autopiedade, solidão, desamparo, desespero, depressão.
3. Medo, ansiedade, apreensão, nervosismo, preocupação,
consternação, cautela, escrúpulo, inquietação, pavor, susto, terror,
fobia e Pânico.
4. Raiva/ira – fúria, revolta, ressentimento, exasperação, indignação,
vexame, acrimônia, animosidade, aborrecimento, irritabilidade,
hostilidade, ódio.
5. Amor – aceitação, amizade, confiança, afinidade, dedicação,
adoração, paixão, ágape.
6. Surpresa – choque, espanto, pasmo, maravilha.
7. Desprezo, nojo – desdém, antipatia, aversão, repugnância, repulsa.
8. Vergonha – culpa, vexame, mágoa, remorso, humilhação,
arrependimento, mortificação, contrição.
3.1 Cinco habilidades da inteligência emocional de Goleman14
1. Autoconsciência – base da IE, reconhecer os próprios sentimentos e
emoções, quando ocorrem é a chave para o autocontrole e as demais
características da IE. É crucial também para distinguir entre os seus
processos emocionais e dos demais. Frequentemente misturamos ambas
as categorias, percebendo fora o que está dentro de nós. Ter
autoconsciência das emoções permite que possamos ter mais autonomia
016
em relação aos fatos e as pessoas e, consequentemente, menos
reatividade (submersos/prisioneiros da emoção, que guia o
comportamento) e mais proatividade. Conhecer suas forças e fraquezas e
ter autoconfianças baseada nesse autoconhecimento.
2. Autocontrole – lidar com as próprias emoções e sentimentos (ex. raiva,
tristeza, medo) para que sejam apropriados aos diferentes contextos e
necessidades, por exemplo o foco, concentração e raciocínio numa
atividade. Consequência direta da autoconsciência, trata-se do exercício de
autogestão, do uso de recursos para modificar processos reativos,
transformando-os em proativos. Algumas dicas de como lidar com as
emoções negativas incluem: percebê-las logo que iniciam e buscar novas
perspectivas cognitivas; esquivar-se do estímulo emocional, afastar-se por
algum tempo (ex. raiva); respirar fundo e relaxar os músculos; imaginar
situações ou imagens diferentes, coloridas, cores, etc.; fazer exercício
físico; buscar distrações/diversão; romper o ciclo de pensamentos ligados
a emoção, buscando alternativas; usar de criatividade cognitiva (inventar
histórias para si mesmo/a fim de mudar o padrão de emoção); buscar
exemplos de pessoas que diante de situações emocionais tiveram
comportamentos diferentes. A catarse, porém, faz inflar mais certas
emoções (de raiva para ira).
3. Motivação – modular as emoções na direção de metas, por exemplo, adiar
a satisfação, conter a impulsividade e reverter a frustração, bem como
ativar o entusiasmo imaginando recompensas/aspectos positivos do
processo e produto (força de vontade consciente), podem ser chaves para
manter a motivação no nível ótimo na direção das metas. Experiência de
fluxo pode também ser alcançada pela modulação das emoções,
permitindo desempenhos excepcionais.
4. Empatia – perceber conscientemente espelhamento neuronal (que captura
automaticamente as intenções, emoções e ações) e usá-lo para perceber
os sinais que as pessoas enviam, os quais indicam suas necessidades e
intenções. Ser ouvinte atento e compreender o ponto de vista do outro, pelo
outro. Essencial nas áreas assistenciais, de ensino, vendas e
administração/gestão.
5. Lidar com relacionamentos ou com a emoção das outras pessoas –
inteligência interpessoal, boa capacidade de negociação, persuasão.
017
Flexibilidade cognitiva e emocional, abertura para mudança, para conectar
e aprender sistematicamente com as pessoas.
3.2 Inteligência emocional e aprendizagem
Apesar da controvérsia científica14,15,16, natural ao desenvolvimento de
qualquer modelo novo sobre inteligência humana, ressaltamos a importância de
considerar seriamente o valor do trabalho com as emoções para o processo de
ensino-aprendizagem. Para tanto, relatamos uma pequena experiência de uma
professora no ensino fundamental17:
[...] Ela iniciou a atividade solicitando que seus alunos e alunas
relatassem situações por eles experienciadas, que lhes tivessem
causado intensa tristeza e/ou insatisfação. Depois de alguns voluntários
apresentarem seus relatos, foi solicitado a todos os alunos e alunas,
individualmente, que registrassem a situação recordada por meio de
desenhos e/ou escrita, contemplando os sentimentos, pensamentos e
desejos vividos naquela situação. [...] Após o registro individual a
professora solicitou que aqueles que quisessem mostrassem o desenho
feito, o texto escrito e comentassem sobre a situação. Na sequência,
solicitou aos alunos e alunas que buscassem formas de solucionar o
conflito apresentado, com o objetivo de levá-los a refletir sobre a forma
como haviam atuado no passado e como atuariam hoje, caso
revivessem o mesmo conflito. As crianças elaboraram soluções de
diferentes naturezas: organizar uma festa, dar-se um presente, rezar,
ressuscitar a pessoa falecida, conversar com amigos, chorar, dentre
outras. Após escreverem e desenharem as estratégias de atuação ante
o conflito vivido, abriu-se novamente o espaço para reflexão em grupo,
quando a professora e alunos(as) tiveram oportunidade de
apresentarem questionamentos quanto à eficácia ou não das soluções
elaboradas, bem como dos sentimentos, valores e pensamentos
subjacentes a cada uma delas. Após este trabalho inicial, quando os
alunos e alunas tiveram a oportunidade de se expressarem e discutirem
com o grupo suas ideias acerca dos conflitos vividos, desenvolvendo não
só a percepção e tomada de consciência dos sentimentos e emoções,
como também sua capacidade dialógica e cognitiva, várias atividades
foram elaboradas e realizadas, utilizando-se das diferentes áreas do
conhecimento "científico" como instrumentos para a formação desses
alunos e alunas. Assim, foram desenvolvidas atividades como:
expressão oral e corporal dos sentimentos; produção de textos,
classificação e seriação das causas dos sentimentos negativos do
grupo; a "localização" corporal dos sentimentos; história de vida; e a
questão do consumismo compensando carências afetivas17.
TEMA 4 – EMOÇÃO, ADAPTAÇÃO SOCIAL E COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL
Seres humanos são sociais e as emoções são parte importante desse
processo, com destaque à comunicação não verbal. Expressamos nossas
emoções por meio do rosto e outras posturas corporais, e também podemos
reconhecer as emoções das outras pessoas, recebendo retroalimentação sobre o
018
nosso comportamento. Dessa forma a interação social pode ser mais adequada a
necessidade do outro ou dos grupos com os quais interagimos7.
A leitura corporal ocorre principalmente de forma não consciente, via
neurônios-espelho, grupos de células cerebrais que ativam em regiões
específicas de nosso cérebro quando vemos alguém agir, expressar intenção e/ou
emoção através do corpo (em especial a face) e/ou comportamento. Quando um
corpo ou parte dele se move, isso é representado em nosso cérebro, via neurônios
espelho. Se não gostamos da pessoa, é porque não gostamos do que acabou de
ser registrado automaticamente no nosso próprio cérebro13,18.
Por esse mesmo mecanismo, nossa linguagem corporal afeta
automaticamente os outros, e é possível se beneficiar de uma maior consciência
disso. Uma vez que esta ação é registrada em nosso cérebro, ele provavelmente
vai estimular áreas afins da emoção também13,18.
A maior parte de nossa comunicação é não verbal, implícita, não
consciente e determinada pela emoção. Ela define a qualidade da comunicação e
é mais poderosa que a comunicação verba! Não percebemos nossas verdadeiras
intenções de comunicar, nem os mecanismos que usamos para enviar e
receber/interpretar/enviesar e filtrar as informações que nos chegam. Grande
parte da informação é excluída antes de se tornar consciente (percebemos o que
nos interessa), ou percebida, mas não processada, e/ou enviesada ou ainda
esquecida13,18.
A emoção é nosso principal comunicador. Nosso estado emocional em
relação ao tema ou ao comunicador define a qualidade da comunicação. Por fim,
temos muita dificuldade de perceber quando nossa comunicação é falha13,18.
A comunicação é não verbal inclui expressões faciais, gestos, tom de voz,
movimento dos olhos (dilatação da pupila) e do corpo, postura, estilo de caminhar
e a proximidade entre as pessoas, ou a proxêmica. É crucial para compreender e
predizer o comportamento alheio – julgamentos rápidos, perigo ou amizade? O
sentimento em relação aos outros é muitas vezes baseado nas impressões
definidas pela comunicação não verbal. Confiar em alguém depende mais da
forma com qual a pessoa fala algo coisa do que o conteúdo de sua fala13,18.
A expressão facial é nossa mais profunda verdade! O rosto comunica nosso
estado emocional, interesse, desconfiança, etc. Todos os mamíferos demonstram
suas emoções por meio de expressões faciais e posturas corporais. Foi a primeira
forma de comunicação humana e continua sendo uma das mais fortes 13,18.
019
Para professores, perceber mais conscientemente a comunicação não
verbal (tanto sua como de seus alunos e alunas) pode ser potente instrumento de
percepção e intervenção educacional. Mas, para isso, é necessário conhecimento
e treinamento, ou seja, inteligência emocional aplicada a educação, ou ainda,
desenvolvimento interpessoal educacional.
Mas seria possível treinar habilidades de comunicação? Moscovici19
propõe algumas técnicas básicas:
Paráfrase cognitiva (de conteúdo) –consiste em repetir com as próprias
palavras, o que o outro disse, verificando se ocorreu a compreensão,
aumentando a precisão na comunicação e a compreensão mútua. É escuta
ativa e empática (perceber pelo prisma do outro). É também um tipo direto
de feedback para o emissor, especialmente bom para situações de conflito.
Quando alguém estiver irritado conosco ou criticando nossas ideias,
podemos usar paráfrase até conseguir mostrar-lhe que entendemos o que
ele/ela está querendo transmitir. Que efeito resultaria disso?
Descrição do comportamento – consiste em relatar as ações específicas
dos outros (observáveis), sem fazer julgamentos valorativos. Mas para
poder observar o comportamento dos outros, é preciso simultaneamente
aprender a observar o próprio comportamento, principalmente as emoções,
reagindo ao comportamento dos outros.
Paráfrase emocional ou verificação da percepção de sentimentos –
consiste em relatar a percepção sobre o que o outro está sentindo, para
verificar se compreendemos seus sentimentos; isso é possível pela
atenção dirigida ao comportamento não verbal do emissor.
Em síntese, se conseguirmos realizar a paráfrase cognitiva e paráfrase
emocional, teremos uma comunicação empatia. Profunda porque incluirá
elementos emocionais que raramente percebemos em nós e nos outros, e que
os outros dificilmente percebem em si mesmos.
TEMA 5 – GAMIFICAÇÃO: EMOÇÃO MAXIMIZADA E EDUCAÇÃO
Os games digitais parecem explorar ao máximo o potencial da emoção para
mobilizar comportamentos, inclusive educativos, por isso incluímos esse tópico.
Gamification (gamificação) é um conceito em desenvolvimento no Brasil.
Seus primórdios estão no século passado, mas foi no início desse século que
toma dimensões mundiais. Em 2003, o termo foi criado por Nick Pelling, em sua
020
empresa Comunda, voltada a ofertar a gamification de produtos e serviços. Em
2007, uma moderna plataforma de gamification foi criada por Bunchball, visando
ludificar engajamento por meio do uso de placar, pontos e distintivos, mas foi em
2010 que a ludificação conquistou o mercado de massas. Atualmente, existem
várias empresas nessa área e sua eficácia é inegável em vários tipos de negócios
e na aprendizagem20.
A gamificação usa elementos dos jogos (lógica, dinâmica, estética,
cooperação e competição, narrativa, entre outros) em contextos diversificados
para tornar atividades divertidas, engajar pessoas, promover aprendizagem e
resolver problemas20. O uso desses elementos pode ocorrer por meios
virtuais/digitais ou analógicos.
Jogos são divertidos, prazerosos e podemos jogar por horas sem perceber
o tempo passar. Eles engajam e isso pode ser transferido para qualquer ambiente
de aprendizagem. Têm origem biológica (são anteriores a cultura), podendo ser
vistos em várias espécies animais, com finalidade adaptativa de aprendizagem,
de treino para a vida futura. Geralmente é espontâneo, motivado pela necessidade
de sobrevivência e prazer. É uma evasão da realidade comum, um faz de conta,
uma realidade paralela, modificada, com regras próprias, mas que prepara para a
vida concreta. Simula a perfeição num mundo fascinante, mágico, frequentemente
harmônico, prazeroso, mesmo que incerto. Também é tenso, visto estar voltado
ao alcance de objetivos de acordo com regras20.
Elementos como metas, regras, retroalimentação, motivação, alinhamento,
lidar com estresse e tensão são essenciais para qualquer organização, no entanto
usualmente estão relacionados somente com emoções negativas. O jogo, se bem
elaborado e conduzido, permite que tudo isso seja conquistado com prazer,
alegria, fantasia e qualidade nas relações. O resultado é visível nos níveis de
rendimento da equipe em relação às metas definidas20.
A aplicabilidade da gamificação é vasta, mas na área da aprendizagem
inclui: a) aprimorar habilidades; b) superar desafios; c) aumentar e manter o
engajamento/atenção; d) maximização dos resultados do processo de
aprendizagem; e) mudança de comportamento e f) socialização 21. Exemplos bem-
sucedidos de gamificação na aprendizagem podem ser vistos em Fardo23.
021
FINALIZANDO
Parabéns! Vamos chegando ao final de mais um ciclo, de mais uma aula
sobre a importância da emoção no ensino e na aprendizagem.
Podemos dizer que estamos sempre mais ou menos emocionados e
nossos alunos também. A emoção é nosso guia evolutivo. Não se trata de funções
primitivas, mas sim de complexas estruturas voltadas a dar vantagem adaptativa
a tudo que fazemos. Sem elas, não decidimos bem. Não sabemos o que é bom
ou ruim para o nosso organismo; sequer sabemos o que devemos ou não prestar
atenção. Por séculos e séculos elas têm sido por consideradas inferiores, devendo
permanecer controladas para que nossas funções racionais, as mais nobres,
possam funcionar livremente. Graças à moderna pesquisa neuropsicológica esse
equívoco foi corrigido, mas apesar dos evidentes avanços científicos, a emoção
ainda não tem seu valor devidamente considerado dentro da sala de aula.
Professoras e professores ainda desconhecem as importantes funções da
emoção na vida como um todo e em particular no complexo processo do ensino-
aprendizagem. Desconhecem que sua própria avaliação em relação aos
estudantes é mediada por emoções, que a qualidade de seus relacionamentos
interpessoais e em particular, da comunicação, é em grande parte definida por
elas. Que são elas que vão facilitar, dificultar ou mesmo impedir o processo de
ensino-aprendizagem. Devemos estudar sobre as emoções e, mais do que isso,
devemos treinar percebê-las em nós e em nossos educandos e educandas e, por
fim, podemos treinar técnicas e desenvolver atividades para utilizar o máximo
potencial dessas emoções em favor do ensino e da aprendizagem!
022
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