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M-H Brousse - Mulheres e Discursos

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1 4 eget ON yputroo clit MARIE-HELENE BROUS AVC tau cursos ol ero a oO SE UNEN O OBJETO ESCONDIDO DAS MULHERES A MULHER, OBJETO ESCONDIDO Isto salta 20s olhos! © objeto escondido so as mulheres. Gineceu, harém, casa, cozinha, muros altos, terragos, balcOes, janelas, persianas: tantos terri- t6rios de onde ver sem ser vista. A rua, os terragos, 0s cafés, os mercados, os transportes coletivos, tantos territ6rios conquistados ha apenas dois séculos. “De mi reputagio”, “de vida ruim’, mulheres faceis, mulheres arrogantes, mu- Iheres perdidas ~ diz-se isso publicamente. Frigeis conquistas territoriais, frequentemente ameacadas por dificuldades ou proibigdes mundo afora. Os debates sobre o biquini/burquini, o véu islamico, a burca se tornaram uma extensao do “traje correto” exigido nas igrejas. Nada de shorts, nada de decotes, mesmo nas costas, nada de pernas cruzadas. A nudez feminina se espalha nos muros ¢ antincios publicitérios, tal como antigamente era permi- tida e admirada na estatuaria: mulheres de papel ou de marmore, sublimadas, clevadas a0 ideal. Mas mulher de carne ¢ 0550, com pelos no pubis ou sob as axilas, mulheres comuns, nao ideais, nao “Barbies' muito dificil. Basta lembrar o escindalo produzido pela tela de Modigliani, Para as mulheres, éclaro, também ¢ dificil. Nao ¢ facil para os seres falantes em geral, portanto, lidar como corpo feminino. Escondé-lo € uma solusao, porém ainda mais incontornével, pois escon- der um objeto the dé a consisténcia simbélica que nenhuma evidéncia ma- terial pode conferir: a consisténcia do enigma, do lado do sentido, ¢ a da proibicZo. do lado da lei, de tal sorte que, nos dois casos, 0 sujeito falante, até ‘mesmo gritante, é transformado em objeto causa do desejo: desejo de saber ou desejo de possuir. A mulher existe, entao, a condigdo de ser escondida. Amuther, nao as mulheres. A “mulherescondida” a solugao que o lago social encontrou para transformar em objeto alguns dos sujeitos falantes. “Procure a mulher’. Ela, portanto, encontra-se escondida; €“A” causa, 0 objeto a. Oaxioma lacaniano A mulher nao existe despedagou essa solucao milenar ~ para os happy few que o sacaram, bem entendido. Hi tantos meios de saber-fazer com o imperativo “mulher, esconda-se” quanto hd sujeitos falantes. A ligao clinica do véu ‘Tomemos a atualidade: véu islimico, um tema que mobiliza, de maneira extremamente confusa, a direita,a esquerda, a extrema-esquerda e a extrema- -direita, os laicos e 0s religiosos, os extremistas e os centristas, os homens e as mulheres, até mesmo os idosos e as criangas, sem falar nos adolescentes, 6s imigrantes ¢ os “de origem’, os intelectuais e o Café do Comércio; numa Palavra, uma Babel em alvoroso. A principio, atribuiu-se a justficagdo dessa Prética a ameaga fisica ou psiquica pesando sobre aquelas ou aqueles que, sem tal ameaca, a teriam recusado, Sem diivida, esse foi e, as vezes, ainda é © caso, Mas rapidamente se tornou claro que mulheres, frequentemente jo- vens, ¢ nao necessariamente de tradicao mugulmana, belas ou nao tao belas assim, adotaram o véu ou o lenco de maneira legitima, Notem que nao digo livremente, pois o termo liberdade nao é pertinente ao campo do sujeito, que sempre € um efeito de discurso. Qual o beneficio de adotar o lengo? Qual 0 beneficio de cobrir-se com um véu em territério francés? A primeira vista, nenhum; em vez disso, aborrecimentos, olhares mal-intencionados e proble- mas administrativos num pais bastante administrativo. Pensando melhor, no entanto, o beneficio é duplo. De um lado, tornar-se © estandarte de uma comunidade que transforma a portadora do véu, a0 fazé-la sair da sombra por meio um ato, em herofna. De outro, fazer exis- tir A mulher por um jogo de véus tao inteligente que os olhares, tanto dos homens quanto das mulheres, tingem-se de inveja, citime ou rejeicio. Nos dois casos, o objeto se torna novamente sujeito ao subir no palco do mundo no papel d’A mulher, a verdadeira, a tnica, a virtuosa que captura olhares. Esse duplo ganho identitério, na época dos significantes mestres “minorias” e “diversidade’, assim como da autossegregacdo, bem que vale alguns inconvenientes... A forca desse exemplo se sustenta em seu efeito de interpretacdo. Ele esclarece o lugar do objeto a, sempre escondido entre 08 objetos comuns (Lacan, 1962-3: 103), € mostra que A mulher que ndo ~ existe funciona como um objeto a na “légica coletiva’, segundo um termo de Lacan.’ : : ‘Mas existe um objeto escondido das mulheres? Um objeto escondido esses falaiseres que sao 0 humanos, quando esto em posigao de objeto? © OBJETO ESCONDIDO DE UMA MULHER assemos logo a férmula para 0 singular ¢ utilizemos o artigo indefinido, pois cada um deve ser tomado em seu sintoma, que 0 constitui como Um- -sozinho; no caso em questao, Uma-sozinha. simbolo da margem que me separa de meu desejo Freud, que era bastante menos mis6gino do que muitos homens € mu~ Iheres de seu tempo, insistiu bastante na importéncia para as mulheres do Penisneid, dos filhos e das “coisas materiais” da vida doméstica. Ele constatou a dificuldade de pensar 0 complexo de Edipo no feminino. Em Lacan, que no apenas desconstruiu a equivaléncia entre pénis e alo, mas também con- siderou a sexuagao, valendo-se da légica da inconsisténcia, eno da diferenca biol6gica ou social, a questao do objeto na sexualidade feminina se modifica por completo. Com efeito, a relagao com os objetos deve ser abordada com base em dois regimes de gozo, um falico e 0 outro nao todo filo. Deve-se, portanto, diferenciar os objetos cuja captura na fantasia os ins- creve tamém na realidade cotidiana, ou seja, na corrente das trocas, ¢ os ob- jetos que deixam de concernir unicamente a uma légica do universal, vale di- zer, dos restos, dos fragmentos de objetos que escapam a toda universalizacio. Do lado filico, Lacan mostra, em O Seminério, livro 5: as formagdes do inconscierte, que os sujeitos ditos “mulher” no discurso do mestre, assim como os homens, se relacionam com o falo definido como 0 “simbolo geral desta margem que sempre me separa de meu desejo” (Lacan, 1957-8: 284). ‘Mas esses sujeitos ditos “mulher” sabem, a primeira vista, a diferenca entre «0 drgio-rénis ¢ o significante que entra em circulagao no comércio humano, desde o Edipo, como “significante do poder” (: 286). Nao tendo uma mulher 1 Jacques-Alan Miler cita ese termo e as claboragbes fits por Eric Laurent a tal rexpeito ‘emce texto“ teora de Tarim” (Miller, 2000), de confrontar-se com 0 érgiio, nem de desembaragar-se dele, o falo possui 0 estatuto nao de uma propriedade a ser preservada, e sim de “objetos a adqui- rir’, passiveis de serem situados nessa fungio de “significante da falta” (: 297): © 6rgio de outro ou seu proprietério (Penisneid, em Freud), o filho, e ela ‘mesma, assim que se exibe e se propde “como objeto do desejo” (: 363). Quer no registro do fer (um homem que seja um homem; um filho que seja dela; uma fungio que ela exerga), quer no registro do ser (ela propria, ou a Outra mulher, ou Deus). Esses objetos s2o singularizados pelas marcas das primei- ras inscrigdes significantes no corpo e capturados no cenério da fantasia. Numa anilise, eles se conjugam segundo as cadeias significantes ¢ é assim que perdem o valor que obtinham do brilho filico e do universal. Aparece seu lago a um gozo tdo singular quanto contingente, sem outro valor que ele pré- prio (Lacan, 1972-3: 105). Continuam a ser objetos, porém desconectados de ‘um todo qualquer. A tabua da sexuacio, proposta por Lacan no inicio do séti- mo capitulo de O Seminario, livro 20: mais, ainda, é muito clara quanto a isso. O flo perdidamente Entdo, qual o objeto escondido de “uma mulher”? O falo, antes de tudo! Alis, ele pr6prio esté oculto desde a Antiguidade, e permanece misterioso. (Ou, como disse Lacan em sua conferéncia em Baltimore: “Onde esti o sujeito? E necessario situé-lo como um objeto perdido. Mais precisamente, esse ob- jeto perdido ¢ o suporte do sujeito” (Lacan, 1966: 13). O falo como objeto perdido € 0 suporte do sujeito falante quando este é“uma mulher”. As vezes, até a loucura.. Quando, em O Semindrio, livro 10: a angiistia, Lacan considera 0 objeto luz dos estédios, ele situa o estédio falico numa posicao central em rela~ ‘s80 aos demais: oral, anal, esc6pico e voz. A fungao do objeto a se encontra ai “representada por uma falta, ou seja, a falta do falo como constitutiva da disjungao que une o desejo ao go70" (Lacan, 1962-3: 321). Se esse estédio tem uma posigéo extrema, € porque a falta ai toca a sexualidade e se torna, por isso mesmo, central. Contrariamente ao que ocorre nos estédio oral ou anal, nao hé nele um instrumento tinico do gozo, nem um objeto que correspon- da ao gozo. Resta a falta passivel de ser designada por um significante (-). Na sexualidade humana, nao ha relacdo entre o desejo e o gozo; este nao esta no Outro, o objeto deve ser localizado ai, pois o goz0 € do corpo e no corpo. Mas o significante félico permite crer nisso e objetivar o gozo sexual como algo localizavel no Outro. Frequentemente, a queixa das mulheres em anélise oo as diz respeito& falta das falas de amor com seus objetos eleitos, falas necessarias para que 0 gozo, ou uma parte dele, “condescenda” ao desejo. De certa ma- neira, pode-se ver nesse estadio do objeto félico, tal como definido por Lacan, ‘uma antecipagao do axioma ndo hé relagdo sexual... que se possa escrever. ‘Sim, mas hd 0 falo, sob todas as suas formas, que permite escrever a falta «seu contcério, Operador da dependencia e da perda, ele faz lago social. Ble é ‘0 objeto ao qual as mulheres sao fiéis, o objeto de que elas se fazem. Enfim, nem sempre, nao todo o tempo e nio toda... eink a“

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