Cap.
I – Educação e Formação de Adultos
Ninguém aprende fora da história (…) Ninguém aprende
individualmente apenas (…) nós somos seres sócio-históricos e
culturais e que, por isso mesmo, o nosso aprendizado se dá na prática
geral da qual fazemos parte, na prática social…
(Freire, 2002a, p. Contra-capa)
1. Conceptualização
Nestas últimas décadas, o fenómeno da Educação de Adultos tornou-se mais
divulgado, o que parece ser algo recente. No entanto, a Educação de Adultos tem raízes
muito remotas, o que nos faz pensar que tenha surgido desde que o homem se percebeu
capaz de gerir a sua vida e dominar a natureza. Sendo um ser colectivo, a sua sociabilidade
dá-se através da troca de informações, da troca de experiência num eterno exercício de
ensinar e aprender.
A história da humanidade está ilustrada de eventos que demonstram essa natureza
aprendiz do homem: no período pré-histórico propriamente dito, os primeiros
instrumentos, feitos em pedra, eram, comummente, replicados e adaptados por outros e
por outras tribos; quando o homem descobre o fogo, ensina a sua tribo a usá-lo e a
preservá-lo; a própria Bíblia (um dos mais antigos livros da humanidade) é cheia de
regras, preceitos e condutas morais, apresentadas através de metáforas, parábolas,
narrativas épicas numa escrita direccionada aos adultos, para que estes repassem aos seus
filhos e descendentes o caminho da fé e da doutrina. Se recuássemos no tempo, seja para
que lado fosse, viríamos que a Educação de Adultos sempre existiu. E, tomando proveito
deste contexto religioso, profetizamos que nunca deixará de existir.
Estamos pois, a falar de Educação de Adultos, extrapolando o limite da
escolarização e invadindo a vida. Assim, procuramos deixar claro que este ramo da
educação abarca diversos processos formativos, sendo extremamente complexo e difícil
conceituá-lo. Optamos, então, por tentar conceituar Educação, Formação e Adultos para,
por fim, delimitar um conceito e um campo de trabalho.
1.1.Conceito de educação
Etimologicamente a palavra educação tem origem nos verbos latinos edu-care e
ex-ducere ou educere. Educare significa criar, alimentar, nutrir. Neste sentido, segundo
Gervilla (1995), é acentuado o aspecto orientativo e directivo, numa perspectiva de levar
o ser humano a outro estado ou situação a partir de uma acção que parte de fora e que tem
uma função nutritiva e orgânica. É, portanto, uma acção deliberada pelo educador,
cabendo ao educando recebê-la e absorvê-la passivamente.
Por outro lado, o verbo “Educere” é sinónimo de guiar, conduzir, orientar, levar
(D’ Ambrósio, 1998). É um processo que nasce de dentro para fora, da estimulação das
potencialidades do educando, como algo inerente à sua natureza. Nesta óptica, cabe ao
educador proporcionar a descoberta, o desenvolvimento ou a actualização destas
potencialidades. É pois, uma maneira de conceber a educação “baseada na originalidade,
liberdade, autonomia, criatividade, etc., própria de uma educação mais progressista
(Gevilla, 1995).
Para Gevilla (Ibidem) os dois termos, embora façam referência a dois modelos
diferentes. O primeiro à hetero-educação, cuja a crença é que o indivíduo é formado a
partir da autoridade, da disciplina e da receptividade e o segundo à auto-educação que
possui uma visão teleológica (o homem/mulher forma-se a parti de si mesmo). Estes dois
modelos não são necessariamente antagónicos ao contrário, complementam-se porque se
a educação é um processo complexo, galgado em metas, onde incidem múltiplos
elementos. As acentuações num ou noutro modelo devem dizer respeito às circunstâncias
evolutivas dos sujeitos, sendo mais comum a hetero-educação nas primeiras idades e a
auto-educação mais aplicada aos adultos.
Nesta mesma obra (Gevilla, Idem, p.96), faz referência à concepção popular de
educação e revela que popularmente a educação é entendida como um reforço externo
que se manifesta nas relações sociais (hetero-educação) revelando quase que a
inexistência de uma educação voltada para o criar, alimentar… (a auto-educação).
Embora esta seja a visão popular, e a ela se deve respeito, basta um pouco de
discernimento para percebermos que este foi e é o tipo de educação que durante séculos
vem sendo legitimada pelos sistemas de ensino e, por isso mesmo, está interiorizada nas
massas.
Fernandes (1980, p.17) refere o acto de educar, como sendo o “ajudar o homem
criança a atingir a uma plena formação de homem, ajudá-lo atingir o seu crescimento, o
seu desenvolvimento, a sua maturidade e melhor funcionamento e maior capacidade de
enfrentar a vida”, o que implica uma “orientação na melhor direcção, fazendo despontar
a responsabilidade, levando-o a assumir a sua vida e a dispor dela em plenitude”.
Durkheim (1895, cit. por Fernandes,1990, p.160), acentua que a educação será a
acção exercida pelas gerações adultas sobre os que ainda não estão maduros para a vida
social, tendo como objectivo suscitar na criança um determinado número de estados
físicos, intelectuais e morais reclamados pela sociedade e particularmente pelo meio
social em que está inserida.
Muito embora estes dois conceitos sejam aplicados à educação de infância, em
certa medida pode ser aplicado aos adultos. Contudo a Educação de Adultos não deve ser
a acção de adultos sobre seres imaturos, mas a acção de adultos, que em conjunto com
outros adultos constroem e reconstroem atitudes e saberes, realizam e repensam a maneira
de ser e de estar no mundo.
É através da educação que se aspira ao pleno desenvolvimento da personalidade
humana e ao fortalecimento do respeito pelos Direitos Humanos, tal como estão
preconizados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de Dezembro de
1948, que no artigo 26º refere que “toda a pessoa tem direito à educação”. A educação
deve ser gratuita, pelo menos no que diz respeito ao ensino elementar e fundamental
(…)”. Assim a educação, além de ser um direito, é acima de tudo, um processo que
envolve a sociedade e o homem/mulher. Processo este, que se organiza à volta de quatro
aprendizagens ao longo da vida, as quais são, de algum modo, para cada indivíduo os
pilares do conhecimento: Aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver
juntos e aprender a ser, tal como é mencionado no relatório da UNESCO da “Comissão
Internacional sobre Educação para o Século XXI”, de 1996 e cujo director foi Jacques
Delors.
Estes pilares do conhecimento concretizam-se com o desenvolvimento da
personalidade, a aquisição da autonomia e do sentido de responsabilidade, na preparação
de todos para se assumirem como elementos activos da comunidade que, com a sua
diversidade de experiências, enriquecer-se-ão.
Então, a educação poderá e deverá assumir o papel preponderante e indispensável
na construção de uma nova mentalidade e na preparação dos sujeitos, ou seja, na
preparação do futuro, que começa pela atenção prestada à realidade circundante e próxima
e à abertura a outras culturas e diversidades.
Segundo Medina (1997, p.61), existe toda uma polissemia em torno do conceito
de educação que se constata ao longo da história da pedagogia. A palavra «Educação»
aparece, muitas vezes, como relação ou como sinónimo de termos como: formação,
aprendizagem, instrução, adestramento, doutrinamento, condicionamento (…). Para o
autor, não se pode considerar estes termos separadamente, mas sim, através de critérios,
nos quais se possam diferenciar processos educativos de processo de ensino e
aprendizagem.
Assim quando se fala em educação, fala-se em valores, tem-se como referência
um estado utópico que vai além do entendimento e da prática, implicando na
reformulação do modo de actuar.
Valendo-se de autores, tais como Esteves (1983) e Sanvisens (1987), Medina
(Idem, p.60), tenta definir educação de forma ampla e mais complexa, sem limitações
epistemológicas, refere que a educação não pode contradizer a liberdade intelectual e a
dignidade das pessoas, ela advêm de uma actividade inseparável tanto das formas de
aprender como da necessária abertura intelectual do sujeito que aprende. E acrescenta que
a educação é:
Acção na realidade (feito humano e social que se manifesta como
transmissão de umas pessoas às outras);
Influência (processo que perfecciona e forma intrinsecamente a
pessoa);
Resultado (processo que se aponta para o fim da acção e o
diálogo);
Relação (processo comunicativo tendo em vista os agentes:
emissor, receptor, canal e meio);
Tecnologia (processo que congrega um conjunto de meios e
técnicas que intervêm no processo educativo e instrutivo).
Para Paulo Freire (1996) a educação deve ser considerada como um processo de
desenvolvimento integral do homem/mulher e baseia-se numa relação “dialógica” e
transparente, num tempo e num espaço específico, capaz de formar homens e mulheres
conscientes, críticos e socialmente envolvidos. O autor vê a educação como “um acto de
amor, por isso, um acto de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade.
Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa.” (Freire, 1996, p.104 cit.
por Lima, p.191).
Noutra obra Freire (1993 cit. por Streck 2001, p.45) vai delineando o seu conceito
de educação vendo-a
(…) Como processo de conhecimento, formação política,
manifestação ética, procura da boniteza … é prática
indispensável dos seres humanos (dos homens e das mulheres) e
deles específica na História como movimento, como luta. A
História [que] como possibilidade não prescinde da
controvérsia, dos conflitos que, em si mesmo, já engendraria a
necessidade da educação.
Esta é a chave da questão: “docência e boniteza juntas. Educar é substancialmente
formar” (Lima, 2001, p.84). A educação tem de levar em consideração a realização
pessoal e histórica do homem/mulher. E como o ser humano é sempre um sujeito em
transformação, inacabado e flexível, a educação deve respeitar estas características do
fazer humano, que independente da idade, do sexo e da personalidade, busca um
permanente perfeccionismo (caminho para a perfeição).
1.1. Conceito de formação
Para Gervilla (1995, p.101) o perfeccionismo é sinónimo de formação, verbo de
origem latina “Formatio”, acção ou acto de formar. “A educação é formação, porque esta,
em último caso, oferece ao ser humano a possibilidade de dar forma ao não-formado ou
de dar uma nova forma ao que já está formado”.
Para Medina (1997, p.60) o conceito de formação está intimamente ligado ao
conceito de educação, na medida em que os processos educativos buscam o
desenvolvimento do conhecimento, da inteligência e da personalidade em todas as suas
facetas.
Por sua vez António Nóvoa (1998), um dos principais pensadores da Educação e
Formação de Adultos em Portugal, diz existir hoje uma interrogação epistemológica da
concepção de formação, resultado de uma crítica à visão desenvolvimentista da educação
em detrimento a um “pensar-se na acção”.
Para o autor, a formação está muito ligada ao conceito de progresso e
desenvolvimento e não numa «perspectiva retrospectiva», que dá ao adulto a capacidade
de através de um balanço de vida, construir a sua própria formação. Esta “reflexibilidade
crítica” é que deve estar em primeiro plano (Idem, p.66). Para justificar o seu ponto de
vista faz referência a conceitos de Alain Bercovitz (1981 cit. por Nóvoa 1998, p.67), o
qual diz que:
A nossa formação realiza-se no momento em que agindo,
imaginamos o modo de descrever o que estamos a fazer, ela
realiza-se, também, no momento em que, comunicando aos
outros o que vivemos e o que fizemos, de repente sentimo-nos
capazes de compreender o sentido (um dos sentidos possíveis,
ao qual teremos de regressar) construindo o saber […]
Remy Hess (1985cit. por Nóvoa 1998, p.66) amplia o conceito de formar e dá-lhe
um carácter mais íntimo:
Formar não é instruir-se; é antes de mais reflectir, pensar
numa experiência vivida (…) Formar-se é aprender a construir
uma distância face à sua própria experiência de vida, é aprender
a contá-la através das palavras, é ser capaz de a conceptualizar.
Formar é aprender a destrinçar, dentro de nós o que diz
respeito ao imaginário e o que diz respeito ao real, o que é da
ordem do vivido e o que é da ordem do concebido (ou a
conceber), o que é do domínio do pretendido, isto é, do projecto,
etc.
Particularmente, comungamos com esta visão por consideramos que a formação
está para além do saber adquirido por um sistema de educação formal ou profissional; a
formação é o eterno exercício de compreensão de si mesmo e do mundo, alicerçada no
próprio percurso de vida:
Numa sociedade em que a esperança de vida, os avanços do conhecimento
técnico-científico, as diferentes transformações no mundo do trabalho, o aumento dos
tempos livres obriga a uma redefinição e uma nova perspectiva no campo da formação
humana é fundamental que a formação se realize para além da educação formal
(aprendizagem estruturada), ela deve contemplar e integrar uma ampla rede de
actividades formativas sociais (não formais ou informais) que tem lugar em diferentes
contextos (Osório, 2005).
Cada vez mais se torna premente a educação ao longo da vida, a educação e
formação permanente. Brandão (1999) afirma que a formação é tão ampla e tão longa que
tem início no processo gradual de socialização do indivíduo e só termina com o seu
desaparecimento. Esta tónica está a caminhar para a reestruturação do sistema educativo.
Segundo Amiguinho (1992, p.40) formar é conduzir quem se forma para este ciclo
de ensino, onde o conhecimento da acção é o ponto de partida para novas aquisições.
Formar é então, um meio, entre outros, para atingir um objectivo, para realizar um
projecto, para operar uma transformação esperada e desejada.
O conceito de formação é susceptível de múltiplas perspectivas. Por vezes numa
tónica mais ampla e social, noutras com uma visão mais escolarizada. Noutras ainda,
numa visão económica, mais ligada ao mercado de trabalho e refere à valorização
profissional e à manutenção pacífica do “exercito de reserva” e/ou à legitimação do poder
individual.
Deste modo, diz-nos Dubar (1997) que a formação contribui para a valorização
do indivíduo a nível pessoal e profissional, permitindo a construção de trajectórias
profissionais e de um percurso formativo e torna-se essencial na construção das realidades
profissionais, porque facilita a incorporação de saberes que estruturam, simultaneamente,
a relação com o trabalho e a carreira profissional.
Licínio Lima (2006, p.4) refere que é patente um discurso que nos diz para
apostarmos na formação profissional, na formação contínua, na formação para a
empregabilidade, nas competências para competir, nas qualificações certas” porque só
desta forma temos hipótese de resolver tudo o que se relaciona com o mundo do trabalho
e da economia. A este discurso chama “pedagogismo, “uma crença ingénua, de que pela
educação, pela escola, pelo pensamento vamos revolucionar as coisas e mudar a
sociedade e a economia”.
Estamos de pleno acordo, ainda mais quando a própria educação se está a tornar
refém do sistema político/económico, mesmo quando este diz revelar uma neutralidade.
Mas, sabemos que não há neutralidade política na educação. A educação é essencialmente
política e neste momento a política, de mãos dadas com o mercado, considera que a
formação profissional é a solução para todos os problemas.
Aos poucos o fazer educativo é missão de gestores económicos, a própria
linguagem utilizada na formação é económica (competências, creditada, unidades
capitalizáveis…) e o Estado vai esquivando-se do seu papel. Rothes (2005) diz que
estamos a viver a crise do Estado Providência, o Estado vem-se demitindo de cumprir
com sua missão que consiste em garantir os serviços sociais básicos, entre eles, a
educação.
Porém, valendo-nos de Durkheim (1922, pp.48-47 cit. por CulturaBrasil, 2006,
p.22) podemos afirmar que
Admitindo que a educação seja função essencialmente
social, não pode o Estado desinteressar-se dela. Ao contrário,
tudo o que seja educação deve estar até certo ponto submetido à
sua influência”, “Isto não quer dizer que o Estado deva,
necessariamente, monopolizar o ensino.
No sentido mais restrito, o termo formação é muitas vezes usado como sinónimo
de educação. Mas educar está para além de dotar o indivíduo de graus académicos ou de
uma profissão, assim como a verdadeira formação deve ser entendida para além de uma
função social de transmissão de saberes (“saber-fazer” ou do “saber-ser”) ou como um
processo de desenvolvimento e estruturação da pessoa em busca de uma identidade, como
nos diz Garcia (1999).
A formação deve ser concebida como acção e reflexão, pura praxis, onde o
homem/mulher vai desvelando o seu mundo e comprometendo-se com a transformação
da realidade. Formar-se é adquirir consciência crítica, é envolver-se.
1.2. Conceito de adulto
A etimologia, curiosamente, revela que os termos «adultos» e «adolescentes» têm
origem no mesmo vocábulo latino «adolescere», e que «adulto» deriva da forma de
particípio passado «adultum» referindo «adolescente» como aquele que se encontra em
processo de maturação e o «adulto» como aquele que chegou ao término deste processo
(Simões, 1994; Capdevila, 2002a).
Esta visão é, no dizer de José Warleta (1995) uma visão redutiva. Para o autor a
noção de adulto refere-se, tanto a uma idade ou a um estágio de desenvolvimento etário
(sentido genérico), bem como, pode significar um estatuto com variáveis socio-
económicas, profissionais e culturais. Em sua opinião o adulto é uma pessoa que tem
autonomia e responsabilidade, que é capaz de gerir e assumir consequências, é capaz
igualmente de prever os efeitos secundários das decisões que toma, é capaz de recorrer à
sua história, à sua experiência adquirida e possui a capacidade de utilizar esta experiência
como base para novos descobrimentos, novas aquisições, novas concepções. E acrescenta
que o adulto tem sentido do real e aplica experiências anteriores para compreender a
realidade e resolver problemas, são destas experiências anteriores que provêm a sua
motivação.
Capdevila (2002a) acredita que o conceito de adulto pode sofrer várias
interpretações, em detrimento de diferentes povos e culturas, por se tratar de um conceito
bastante complexo que engloba a psicologia, a fisiologia, a sociologia, a antropologia e
tantas outras ciências.
Para a psicologia – segundo Allport, 1998 (cit. por Capdevila 2002a, p.98)
«adulto» é sinónimo de maturidade (um estado ideal da personalidade, onde se possui a
responsabilidade sobre a própria conduta, onde se faz uso pleno do juízo, onde se possui
serenidade, autonomia e se age de forma realista).
Capdevila (Ibidem) exibe um perfil do que pode vir a ser considerado
maturidade:
Extensão do sentido de si mesmo, que demanda autonomia e quebra
do egocentrismo;
Capacidade de estabelecer relações com outras pessoas também
maduras, assumindo os pontos de vista, os desejos e as necessidades
dos outros;
Aceitação de si mesmo(uma estabilidade emocional que permite uma
distinção entre os objectivos a conseguir e a realização real);
Realismo e capacidade de perceber e actuar na realidade (faz a
distinção entre desejos e juízos subjectivos);
Objectividade no próprio conhecimento, capaz de ter consciência das
limitações, das motivações e intencionalidade dos próprios actos;
Existência de uma hierarquia de valores, que orienta e decide com
base num projecto de vida.
Um «adulto» é um indivíduo com equilíbrio, autonomia e alto nível de
responsabilidade, com capacidade de auto direcção, com uma ética própria, com diversos
papéis sociais, com uma projecção-incidência social elevada;
No campo da pedagogia, adulto define-se pela idade e por sua função social em
relação à escola;
Já no campo biológico e fisiológico o conceito de adulto restringe-se à evolução
natural e orgânica, não sendo possível precisar o momento em que ocorre a idade adulta;
Antropologicamente, as referências culturais do meio são determinantes para se
definir a idade adulta, sendo portanto um conceito relativo;
Socialmente, considera-se adulto a pessoa que está integrada e assume um posto
ou função na sociedade com direitos e obrigações;
Juridicamente, a idade adulta está relacionada com a maioridade legal (esta, por
sua vez, é determinada de acordo com a sociedade onde ocorre, baseada na época, local,
meio e critérios sociais).
Segundo Medina (1987), o conceito que temos de adultos está intimamente ligado
com as antigas crenças que associavam o conceito de desenvolvimento com o
pensamento, onde não se consideravam os períodos críticos e a influência da infância.
Estas crenças acreditavam que as mudanças são universais e são determinadas por
padrões. Hoje sabe-se, graças às teorias psicológicas e de aprendizagem, que a conduta
humana não se restringe a factores genéticos, sofre influência da linguagem, da cultura,
das relações sociais…
E por assim ser, a literatura não apresenta (nem o poderia fazer) definitivamente
o momento exacto, onde começa e onde termina a idade adulta, até porque a idade
cronológica não é directamente proporcional ao tempo de desenvolvimento dos sujeitos.
Entretanto, existem algumas semelhanças e proximidades que permitem sintetizar, no
quadro que se segue, a idade adulta em três fases:
Quadro 1 – Etapas da Idade Adulta
Período
Etapas Características
Cronológico
Acesso à idade legal.
Primeiro contacto com o mundo do Inicia entre os 18 e
trabalho. os 25 anos.
Jovem adulto Forma família (elege um cônjuge) Termina entre os 20
Cumpre com os direitos cívicos de e os 35 anos.
carácter moral.
Maior produtividade, especialmente
intelectual e artística.
Consolidação dos “roles”
profissionais e sociais. Inicia entre os 35 e
Alcança alto grau de auto- os 40 anos.
Médio adulto realização. Termina aos 60
Maior contribuição socio-económica anos
e política. aproximadamente.
Ligeira declinação fisiológica.
Risco de abandono forçoso do
mundo laboral.
Diminuição das actividades sociais
Diminui a intensidade dos seus
interesses.
Inicia aos 60 anos
Adulto tardio Aparecem doenças e problemas
aproximadamente.
crónicos.
Decréscimo da capacidade para o
trabalho físico e intelectual.
Fonte: baseado em Capdevila, 2002
Muito embora, seja possível apresentar um quadro teórico baseado nas
características similares dos adultos em diferentes realidades, o conceito de adulto não é
uniforme nas diferentes nações. Por isso mesmo, a UNESCO optou por um conceito de
matriz legislativa, que, de certo modo, vem sendo assumido no campo das políticas em
Educação de Adultos em todo o mundo.
O conceito de Adulto aplicado pela UNESCO (ANEFA, 2002a, p.17) é o de
“pessoas [assim] consideradas […] pela sociedade a que pertence” de acordo com a ordem
jurídica que estabelece os direitos de participação política”.
No caso de Portugal, de acordo com o Relatório Nacional (Ibidem), o «adulto» é
todo o indivíduo com mais de 18 anos, que, conforme a Constituição da República, acede
ao direito de voto.
Entretanto, este conceito de adulto é ambíguo até mesmo dentro de uma mesma
cultura. Isso verifica-se, sobremaneira, no campo da formação em Portugal: o Ministério
da Educação já permite que jovens entre os 15 anos e os 25 anos, tenham acesso às
oportunidades de formação escolar e profissional, oferecidas por outras modalidades de
formação, nomeadamente o “Ensino Recorrente”, um ensino de segunda oportunidade
com uma estrutura fixa baseado em unidades capitalizáveis sem nenhuma formação
profissional, realizado em horário pós-laboral e o Ministério do Trabalho e da
Solidariedade que promove ofertas formativas no campo profissional, tais como
“Educação e Aprendizagem” e “Educação e Formação” que preparam jovens sem a
escolaridade obrigatória, candidatos ao 1º emprego, para o desempenho de profissões
qualificadas, por forma a facilitar a entrada no mercado de trabalho e “Aprendizagem em
Alternância” que promove o emprego qualificado de jovens combinando as componentes
teórica, técnica e prática, sendo um dos objectivos principais o confronto dos formandos
com a realidade do posto de trabalho e os “Cursos Profissionais” ao nível do ensino
secundário.
Em síntese, o conceito de adulto revela-se complexo e sujeito a várias
interpretações, dependente do contexto onde se insere. O que é certo é que é uma fase,
uma etapa da vida humana, que ao contrário do que muitos pensam, ainda está em
desenvolvimento, está em construção, o que será evidenciado no segundo ponto deste
capítulo, quando abordarmos a aprendizagem.
1.3. Concepção actual de educação e formação de adultos
Recentemente a educação tornou-se preocupação fundamental da humanidade em
relação ao seu próprio futuro. A formação de adultos surge em momentos de grandes
transformações e de mudanças. O discurso económico revela que, actualmente, a eficácia
das organizações depende cada vez mais da qualidade dos seus recursos humanos e que
a sociedade do futuro terá como recursos fundamentais o conhecimento e a inovação,
estimulando a formação profissional contínua, inserindo os trabalhadores num quadro de
educação permanente.
Nesta perspectiva, a formação surge como resposta aos novos desafios de um
mundo em mudança. A reflexão em torno desta problemática é um facto relativamente
recente. Ela emerge com a crise dos sistemas de ensino, particularmente visível a partir
da década de 60, e articula-se com a construção de uma escola democrática e de qualidade,
ganhando impulso (e porque não outra estratégia) com o desenvolvimento avassalador
das tecnologias e o crescimento do desemprego em escala global.
A UNESCO, na Declaração de Hamburgo, define Educação de Adultos como “um
conjunto de processos, de actividades, formais ou não formais, através dos quais os
adultos desenvolvem as suas capacidades, enriquecem os seus conhecimentos,
aperfeiçoam qualificações técnicas e profissionais e se orientam para satisfazer
simultaneamente as suas necessidades e as das suas sociedades” (Decreto Lei nº 387/99
de 28 de Setembro).
Na actualidade, a Educação de Adultos diz respeito à qualificação profissional, ao
desenvolvimento comunitário, à formação política e a outras acções de natureza cultural,
que ocorrem fora do espaço escolar e à própria formação escolar. Ao mesmo tempo que
este campo é amplo, pode ser considerado um campo fronteiriço, onde os diversos
processos formativos se integram e se completam, podendo realizar-se numa praxis
concreta, como diz Di Pierro (2001), a “Educação de Adultos é um campo fronteiriço,
que bem poderia ser aproveitado para a inovação prática e teórica da educação de maneira
geral”.
Não poderíamos deixar de referir qual deve ser a terminologia usada como certa
neste campo da educação. Embora parecendo ambígua, os termos: Educação de Adultos
e Formação de Adultos aparecem, em muitos textos científicos de autores consagrados,
desprovida de prudência metodológica e de certa forma até como sinónimo, Entretanto,
segundo Canário (1999), a denominação educação ou formação de adultos está ligada a
duas grandes tradições: a da «Alfabetização» e a da «Formação Profissional».
A primeira pode ter a óptica do ensino de segunda oportunidade, ensino recorrente
ou da educação permanente (educação ao longo da vida), a segunda pode designar apenas
um processo redutivo de adaptação e instrumentalização em relação ao mercado de
trabalho, mas também pode ser considerada como um processo de autoconstrução, um
processo de abertura existencial (Canário, 1999, p.32).
Licínio Lima (2006, p.4) diz que a educação e formação de adultos não pode ficar
refém do mercado de trabalho e da economia porque estes são fluidos “mudam com uma
enorme rapidez e a educação não consegue acompanhar nem é bom que as acompanhe,
porque na educação é importante se dialogar criticamente com estes sectores e com os
nossos problemas. A educação não pode estar de costas voltadas para o problema do
trabalho, da economia, da cidadania. Mas também não pode, por outro lado, dialogar com
estes problemas numa posição absolutamente subordinada, de ajustamento”
Após uma breve exposição do ponto de vista de vários autores, tais como:
Bertrand Schwartz (1988), Pierre Dominicé (1988), Clode Dubbar (1988), António
Nóvoa (1991), Guy Avanzini (1996) e Honoré (1992), na tentativa de esclarecer a
oposição entre os dois termos, Canário (1999, p.34), centra-se na visão de Bernard Honoré
(1977), que refere ser a formação “ um processo de diferenciação e de activação
energética, exercendo-se em todos os níveis da vida e do pensamento “cuja experiência
não consiste em suportá-la “mas em ter nela uma participação activa”.
Canário (1999, p.34), tendo como base as reflexões de Honoré (1977) refere que
o termo Educação de Adultos serviu durante muito tempo para designar a acção dos
adultos sobre as crianças, a este respeito diz que
(…) Quando se fala hoje em educação permanente,
aparece com facilidade a imagem de alguns adultos agindo sobre
outros adultos que substituem as crianças. A educação
representou na vida social, durante demasiado tempo, o seu
aspecto de reprodução e de transmissão para que possa, sem
dificuldade, alargar o seu sentido ao fenómeno vital, nos seus
aspectos evolutivos, tanto individuais como colectivos”
Canário (Ibidem) considera ser ainda muito pertinente a definição feita por Licínio
de Lima, em 1988 para a Comissão de Reforma do Sistema Educativo, baseada na
definição adoptada pela UNESCO, em Nairobi, em 1976, que diz ser a Educação de
Adultos:
O conjunto de processos organizados de educação, qualquer
que seja o conteúdo, o nível, o método, quer sejam formais ou
não-formais, quer prolonguem ou substituam a educação inicial
dispensada nos estabelecimentos escolares e universitários e sob
forma de aprendizagem profissional, graças aos quais pessoas
consideradas adultas pela sociedade de que fazem parte
desenvolvem as suas aptidões, enriquecem os seus
conhecimentos, melhoram as suas qualificações técnicas ou
profissionais ou lhes dão uma nova orientação, e fazem evoluir
as suas atitudes ou o seu comportamento na dupla perspectiva
de um desenvolvimento integral do homem e de uma
participação no desenvolvimento sócio-económico e cultural
equilibrado e independente.
A este respeito, Ana Benavente (2003, p.11) refere que o Ministério da Educação,
em 1997, através de um relatório definiu que em Portugal, a Educação de Adultos:
É o conjunto das acções que, através do reforço e da
domínio da educação e da formação ao longo da vida, visam
elevar os níveis educativos e de qualificação complementaridade
das instituições e das iniciativas das pessoas adultas,
promovendo nelas o desenvolvimento pessoal, a cidadania
activa e a capacidade de trabalhar (ou, na expressão inventada
pela Comissão Europeia, a “empregabilidade”.
Com base no exposto, tendo Portugal como nosso campo de estudo, numa
perspectiva metodológica, optamos por aplicar o termo Educação e Formação de Adultos
num sentido de complementaridade não só de oferta formativa, mas de modelo e de
metodologia formativa.