0% acharam este documento útil (0 voto)
167 visualizações20 páginas

Boletim 33

Este boletim da Comissão Maranhense de Folclore discute diversos aspectos da cultura popular do Maranhão, incluindo: 1) Uma reflexão sobre a importância da continuidade das tradições culturais e o trabalho das comissões de folclore. 2) Artigos sobre religião afro-brasileira no Maranhão, como o tambor de mina e a umbanda, e como são vistos por outras religiões. 3) Informações sobre festas natalinas e do Divino Espírito Santo no estado.

Enviado por

Paulo Pilar
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
167 visualizações20 páginas

Boletim 33

Este boletim da Comissão Maranhense de Folclore discute diversos aspectos da cultura popular do Maranhão, incluindo: 1) Uma reflexão sobre a importância da continuidade das tradições culturais e o trabalho das comissões de folclore. 2) Artigos sobre religião afro-brasileira no Maranhão, como o tambor de mina e a umbanda, e como são vistos por outras religiões. 3) Informações sobre festas natalinas e do Divino Espírito Santo no estado.

Enviado por

Paulo Pilar
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 20

BOLETIM DA CMF Nº 33 DEZEMBRO 2005 ISSN: 1516-1781

SUMÁRIO

Editorial .................................................................................................................................... 02
Até para o ano, se nós vivo for!
Mundicarmo M.R. Ferretti ........................................................................................................... 02
Orixás e voduns nagô no Maranhão
Sergio F. Ferretti ........................................................................................................................ 03
Respeito, mas não gosto: prestígio ou preconceito para com os cultos afro-brasileiros?
Paulo Jéferson P. Araújo e Lisbet Verbeselt ............................................................................... 07
Sessão de cura ou pajelança em terreiros de mina
Maria Ivana César de Oliveira .................................................................................................... 09
Tambor de crioula nas festas de tambor de mina e de umbanda de São Luís
Ottávio Nava Galvão .................................................................................................................. 11
O entrudo no carnaval de São Luís
Ronald Clay dos S. Ericeira ....................................................................................................... 13
Janela do Tempo – Festa de São João que eu vi
Lopes Bogéa ............................................................................................................................. 15
Resumos e resenhas: - Teses, dissertações e monografias sobre cultura popular
do Maranhão ............................................................................................................................ 16
Notícias .................................................................................................................................... 17
Agenda de Cultura Popular – Ritos Natalinos: queimação de palhinhas dos presépios ....... 19
Perfil Popular - Seu Cadó
Deborah Baesse........................................................................................................................ 20

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF


CONSELHO EDITORIAL: EDIÇÃO:
DIRETORIA Maria Michol P. de Carvalho
Carlos Orlando de Lima Mundicarmo M. R. Ferretti
Presidente: Maria Michol P. de Carvalho Izaurina Maria de Azevedo Nunes Roza Maria Santos
Vice-presidente: Mundicarmo M. R. Ferretti Maria Michol Pinho de Carvalho
Mundicarmo Maria Rocha Ferretti REVISÃO DE TEXTO:
Secretária: Roza Maria Santos
Roza Santos Izaurina Maria de A. Nunes
Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira
Sérgio Figueiredo Ferretti VERSÃO PARA A INTERNET:
Zelinda de Castro de Lima www.cmfolclore.ufma.br

CORRESPONDÊNCIA
COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE As opiniões publicadas em artigos
Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho assinados são de inteira
Rua do Giz (28 de Julho), 205/221 – Praia Grande CEP 65.075–680 – São Luís – Maranhão responsabilidade de seus autores,
não comprometendo a CMF.
Fone: : (0xx98) 3218-9924
2 Boletim 33 / dezembro 2005

12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901
12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901
12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901
12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901
Editorial
12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901
Até para o ano, se nós vivo for!
12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901
12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901
12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901
12345678901234567890123456789012123456789012345678901234567890121234567890123456789012345678901212345678901

Ano vai, ano vem e a Comissã


Maranhense de Folclore sempre traba- Mundicarmo Ferretti*
lhando pela maior valorização da cultura
popular em nosso Estado. O número 33 O refrão do hino cantado em São Luís, no ritual de “Queimação de
do Boletim da Comissão Maranhense de Palhinhas”, realizado no mês de janeiro diante de presépios armados em
Folclore reproduz, em mancha d´água, residências, terreiros de religião afro-brasileira e no Centro de Cultura po-
uma foto do presépio do CCPDVF, pro- pular Domingos Vieira Filho, expressa um desejo de continuidade e uma
duzida por Paulo Caruá, para marcar as preocupação com o futuro. Viver aparece nele envolto à grande incerteza e
atividades natalinas de 2005 dos órgãos à garantia da vida é colocada nas mãos de Deus.
de cultura popular do Estado.
Os artigos incluidos nesse número “Adeus meu Menino, adeus meu amor,
são geralmente maiores do que os que até para o ano, se nós vivo for”.
vêm sendo publicados. Isso se deve ao
interesse crescente de universitários, vin- “Adeus meu menino, Maria e José,
culados a cursos de graduação e pós- até para o ano, se Deus quiser”1 .
graduação da UFMA e da UEMA, sobre
folclore. A continuidade das tradições culturais é, também, um desejo, uma
O texto de Lopes Bogéa sobre Fes- preocupação e uma “bandeira de luta” das Comissões de Folclore. E há
ta de São João liga o número 33 ao ante- quem considere os folcloristas como inimigos do progresso, defensores
rior e o de Ronald Clay, sobre Carnaval, da manutenção do “status quo” e os acuse de tentar manter os produto-
direciona a nossa atenção para o próxi- res de cultura popular na difícil condição de vida em que geralmente se
mo ciclo de manifestações folclóricas
encontram.
que deverá carrear maior atenção em
O que pode mudar e o que deve ser conservado nas tradições cultu-
próximo número do Boletim.
rais de um povo é uma grande questão. Mas uma coisa é certa, a decisão
A tônica do número 33 é a religião:
em relação à mudança e à manutenção não pode ser tomada de fora por
catolicismo popular, tambor de mina,
umbanda, cura ou pajelança... Paulo quem tem apenas boa idéias e não está comprometido, na prática, com
Jéferson e Lisbet, em “Respeito, mas não nenhuma manifestação folclórica.
gosto”, analisam como os maranhenses Há mudanças que descaracterizam e matam as tradições populares,
encaram a diversidade religiosa e como como as que são fruto da imitação pura e simplesmente do que é feito em
as religiões afro-brasileiras são vistas por outros locais e apresentado pela mídia como melhor. Essas mudanças
adeptos de outras religiões. A agenda podem trazer, de imediato, algum resultado positivo, como o aplauso de
cultural mostra a força da devoção ao turistas e o maior interesse dos jovens, mas podem provocar a morte ou a
Espírito Santo no Maranhão e fornece transformação de tradições culturais vivas em agonizantes. Por isso a
uma relação de Festas do Divino cadas- mudança tem que ser feita de modo consciente e responsável e deve ser
tradas no CCPDVF para os próximos amplamente discutida antes de se consolidar ou se tornar irreversível (se
meses. é que alguma coisa pode ser irreversível).
As notícias e os resumos de obras Talvez o futuro das tradições culturais esteja mais em nossas mãos do
divulgadas sobre cultura popular que o da vida, que médicos e curandeiros se esforçam para preservá-la e
maranhense, apesar de também refleti- todos nós temos uma parcela de responsabilidade sobre ela. Mas os re-
rem a importância da religião em nosso sultados dessas ações são, às vezes, tão imprevisíveis ou nos parecem
Estado, dão destaque para danças, tão absurdos que é difícil deixar de acreditar no fator sorte ou na atuação
como o cacuriá, para as escolas de sam- de seres espirituais ou sobrenaturais.
ba, para o Português falado em terras No mês de dezembro, os cristãos comemoram o nascimento de Je-
de negro e para os elementos formado-
sus e, em meio a essas comemorações, a indústria, o comércio e outros
res da identidade maranhense.
setores da atividade econômica tentam compensar suas perdas e obter
E ainda, como nem tudo no
maior compensação com o esperado aumentando das vendas e do turis-
Maranhão é religião, em “Perfil Popular”,
mo. O mês de dezembro é, também, marcado por confraternizações,
Deborah Baesse fala de falecido Seu
Cadó, de sua habilidade em trabalhos de reafirmação de amizades e reabastecimento de alegria e esperança no futu-
sola e de como ele passou de seleiro do ro, o que explica o investimento em trabalho e dinheiro havido no período.
Rio Grande do Norte a artesão em San- Confinado na continuidade da vida e das tradições culturais que nos
ta Rita, no Maranhão. unem, e parafraseando o hino cantado na Queimação de Palhinhas, en-
Esperando continuar merecendo o cerramos 2005 dizendo: “Até para o ano, se nós vivo for”.
apoio dos nossos leitores e colaborado-
res, apresentamos nossas desculpas pelo * Doutora em Antropologia; pesquisadora de religião afro-brasileira; membro da Comissão Mara-
atraso no lançamento desse número. nhense de Folclore.
1 Folheto distribuído pelo CCPDVF, na Queimação de Palhinhas de 2004.
Boletim 33 / dezembro 2005 3

ORIXÁS E VODUNS NAGÔ NO MARANHÃO*


Sergio F. Ferretti*

No tambor de mina do Maranhão com datas do calendário católico e


pouco se fala em Oxum, Oiá e Obá, com festas da cultura popular. Dizem
conhecidas nos terreiros influenciados que voduns e caboclos são devotos
pelo candomblé. Os orixás e voduns dos santos. Alguns são especialmente
se agrupam em famílias ou panteões. importantes como Santa Bárbara,
Vamos comentar aqui aspectos do São Sebastião, São Benedito, São
panteão de voduns e orixás Nagô João e o Divino Espírito Santo. O
cultuados no Maranhão e que se rela- sincretismo está muito presente no
cionam a essas divindades. tambor de mina, mas não
O negro trazido como escravo descaracteriza seus elementos tradi-
para Maranhão veio de procedências cionais (FERRETTI, S., 1995).
diversas, destacando-se os Jeje ou Para muitos, os termos vodum e
Fons, de Abomei; e os Nagô, de orixá são sinônimos, tendo o primeiro
Abeukutá, da nação Egbá (CASTRO, prevalecido entre os Fon e o segundo
2001). Vieram povos de outras pro- entre os Yorubá. O termo vodum é di-
cedências como Tapa ou Nupé, fundido no Benin, Togo, Haiti e no
Cachéu, Balanta, Bijagó, Manjaro, Maranhão, onde é mais usado nos ter-
Nalu, Felupe, Mandinga, Cambinda, reiros menos influenciados pelo can-
domblé. Na mina, usa-se o termo
Congo e Angola de várias nações
orixá e fala-se mais em voduns, en-
(MEIRELES, 1994). A presença des-
cantados ou invisíveis. O reino do
ses povos pode ser verificada na pes-
Na maioria dos terreiros de mina, Daomé, atual República do Benin,
quisa em arquivos, sendo mais com-
mesmo em casas antigas, fundadas que se expandiu entre 1600 e 18941 ,
plexa sua identificação nos costumes
no século XIX, cantam-se em línguas com capital em Abomei, possuía or-
e ritos, face ao sincretismo religioso
africanas para voduns e orixás e, de- ganização religiosa e política comple-
e cultural entre os componentes afri- xa e dominou reinos vizinhos como
canos originais. pois, em português para entidades ca-
boclas, que, na mina, não são de ori- Alladá, Savalou, Porto Novo e Quetu,
A religião africana, que se estabe- incorporando muitas de suas divinda-
leceu no Maranhão desde a segunda gem ameríndia, havendo muitas por-
tuguesas, turcas, ciganas e de outras des ou voduns (GLELÉ, 1974). Segun-
metade do século XIX, conhecida do Mercier (1975), as entradas de deu-
como tambor de mina, teve, assim, procedências. No interior, em Codó,
destaca-se a religião denominada ses no reino decorriam de casamen-
origens diversas. A mais estudada é tos dos reis com mulheres de outras
a Mina Jeje, dos Fons de Abomei, que terecô, de origem ainda não bem de-
finida, provavelmente marcada por in- regiões, que traziam o culto de suas
implantaram a Casa das Minas, que divindades, muitas originadas de cul-
fluências Jeje, Cambinda, Congo e
não tem casas filiadas e, até hoje, tos familiares. Os voduns represen-
outras (FERRETTI, M., 2001; CAS-
exerce influências no modelo do Tam- tam ancestrais divinizados ou forças
TRO, 2002). Em Cururupu, ao norte
bor de Mina. Outra origem é a da Casa da natureza. São intermediários en-
do Estado, o tambor de mina costu-
de Nagô, provavelmente de nação tre os homens e o ser superior. Mui-
ma ser “cruzado” com a cura ou pa-
Egbá, de Abeukutá, com influências jelança e possui, também, caracterís- tos foram sincretizados com os san-
Tapa, Cambinda e outras, como se ticas específicas. tos, num processo iniciado na África
verifica pela ocorrência do culto às Se quisermos destacar aspectos que continuou nas Américas a partir
entidades chamadas gentis. Outras do tambor de mina do Maranhão, de semelhanças na representação
nações africanas deixaram marcas deve-se enfatizar a beleza e diversi- simbólica.
menos visíveis e de identificação difí- dade das danças. Nas festas de tam- A classificação dos voduns é com-
cil no tambor de mina. A umbanda, que bor, as filhas-de-santo, ou vodunsis, plexa em virtude de seu elevado nú-
se difundiu no Maranhão, provavel- utilizam roupas semelhantes e as di- mero, (entre 200 e 600 para
mente, a partir de década de 1950, se vindades não são paramentadas com MAUPOIL, 1961, p. 55). Como mos-
apresenta bastante mesclada, ou “cru- vestes próprias, como no candomblé. tra Herskovits (1967, II, p. 101), Nana
zada”, com o tambor de mina. O can- Outro elemento é a presença de fes- Buluku gerou o primeiro casal de gê-
domblé Jeje-Nagô foi introduzido a tas da cultura popular, como tambor meos, Mawú-Liçá, que comandou a
partir da década de 1980, em poucas de crioula, bumba-meu-boi e a festa criação do mundo e rege o panteão
casas, mas exerce influência em al- do Divino. O sincretismo com o cato- do céu. Mawú seria a mulher, a noite,
guns terreiros que incluíram cânticos, licismo está presente, mas divinda- a lua. Liça é o princípio masculino, o
entidades e a paramentação, dos des africanas e caboclas não são con- dia, o sol. Tiveram vários filhos. Os
orixás inspirados do candomblé Nagô fundidas com santos a eles associa- três primeiros fundaram vários
Queto. dos. Quase todos são comemorados panteons. Dã, ou Sagbatá, chefia o
4 Boletim 33 / dezembro 2005

Foto: Sergio Ferretti

panteão da terra; Sô, ou Casa das Minas, mas é


Sogbô, chefia o panteão do “adorada”. Quando se en-
trovão, dos astros e dos ares; chem as jarras, a primeira
e Agbê-Naetê chefia o água é para ela, pois é mãe
panteão do mar e das águas. velha e tem que ser reve-
Tiveram mais filhos como Gú, renciada com nochê Sobô.
deus do ferro; Age, da caça; Seu assentamento fica do
Loco, da vegetação; e outros, lado de Naité, Anaité ou
entre os quais Legba, o mais Deguesina, representada
novo. pela Lua, outra divindade
A história das divindades velha Nagô, menos comen-
é dos assuntos menos co- tada e que é irmã de Sobô.
mentados no tambor de mina. Santa Bárbara é a san-
Embora os rituais sejam nu- ta mais cultuada nos terrei-
merosos e longos, pouco se ros. Segundo se comenta
fala dos mitos que os funda- no Maranhão, é considera-
mentam, o que também ocor- da a chefe da mina (COS-
re em outras regiões, como TA EDUARDO, 1948, p.
comenta Metraux (1968, p. 94). Sua festa, em 4 de de-
80) em relação ao Haiti. No zembro, é a data de aber-
Maranhão, evita-se pronunci- tura do ano litúrgico no tam-
ar o nome da entidade prote- bor de mina e, quando um
tora de uma pessoa, cha- terreiro vai realizar toques
mando-o de senhor, e muitos e sacrifícios no próximo
são conhecidos por apelidos. ano, tem que começar com
Os vuduns são chamados de a festa de Santa Bárbara4 .
“os brancos”, no sentido de Em Codó, como em alguns
“senhores”. Costuma-se terreiros de São Luís, Santa Bárbara
guardar segredo e fazer mistério a Daomé, os voduns do trovão são
é associada a Barba Soeira e contam-
seu respeito. Seus nomes devem ser acompanhados pelas divindades das
se estórias sobre ela, inspiradas na
preservados e não são pronunciados águas e do mar (VERGER, 1954, p.
lenda de Santa Bárbara, difundida pela
diante de todos. A curiosidade não é 174). Na Casa das Minas, a maioria
Igreja Católica, acrescida de outros
bem vista. Dizem que os africanos não dos voduns dessa família, exceto os
elementos (FERRETTI, M., 2001).
revelaram tudo o que sabiam, que dois mais novos, não falam, sendo
Na Casa das Minas, a festa de
saber é poder, que conhecimento se chamados de “mindubis”3 ou mudos,
Santa Bárbara é realizada em home-
adquire com a convivência e que sua para não revelar os segredos dos
nagem a Sobô, considerada irmã ou
perda talvez se deva a esses fatores. Nagô aos Jeje. Comunicam-se por
mãe de Badé, chefe da família e mãe
Pouco se fala sobre as divindades. sinais, que os mais jovens interpre-
dos voduns de Quevioçô5 . Represen-
Conhecem-se seus nomes, cânticos tam. Suas cantigas são diferentes das
ta o raio e a faísca elétrica e vem na
e alimentos dedicados aos voduns de demais e em língua Nagô. São anima-
frente nas grandes tempestades,
cada família, os grupos de famílias a das e cantadas com os voduns dan-
anunciando o estrondo do trovão e se
que pertencem, relações de sexo, ida- çando em roda no sentido oposto ao
diz que adora Santa Bárbara. Na Casa
de e parentesco. Quando os cânticos dos ponteiros do relógio. Nas festas
das Minas, conserva-se sempre um
são entoados, em português, pode-se do povo de Quevioçô, suas vodunsis
quadro dessa santa em cima da por-
reconstituir elementos de suas estó- são as últimas a receberem voduns e ta do quarto do come ou pejí. Alguns a
rias, através da análise das letras. a se retirarem da varanda. Em suas consideram idêntica a Iansã, mas os
Quando em línguas africanas, espe- festas se oferecem aves e peixes de da Casa dizem que são diferentes,
cula-se sobre entidades a que são re- couro, sem escamas, como bagre pois, como diz Dona Celeste, Sobô é
lacionados. As explicações sobre os branço, cangatá e jurupiranga. Nagô assentada no Jeje e Iansã é
cânticos não são comentadas e dife- Um dos voduns nagôs mais ve- Nagô. Sobô é uma velha virgem que
rem de uma casa para outra. lhos conhecidos na Casa das Minas criou o irmão Badé como sua mãe de
Na Casa das Minas, os voduns é Nanã ou Vó Missã. É uma velha criação. A cor de Sobô é azul e uma
Nagô pertencem à família de mãe, que trouxe os Nagôs e protege de suas invocações é “Babá Sobô
Quevioçô2 e, como os de Aladanu, são as lavadeiras. Segundo alguns, Nanã Babá Didi” (PEREIRA, 1979). Depois
hóspedes de toi Zomadonu, o dono da corresponde ao vodum nochê Naé, ou da missa de Santa Bárbara, oferece-
Casa. Eles vieram desde o tempo da Sinhá Velha, considerada na Casa se a ela uma ave e acarajé é uma das
fundação, relacionam-se aos astros, das Minas a mãe ancestral dos comidas de sua obrigação. Iansã e
ao ar e às águas, controlam os raios voduns, reverenciada em todos os Oiá são mais conhecidas no
e trovões, combatem ventanias e tem- toques e comemorada em 26 de ju- Maranhão nos terreiros influenciados
pestades e curam com passes. No lho, dia de Sant´Ana,. Ela não vem na pelo candomblé. Na mina, canta-se
Boletim 33 / dezembro 2005 5
para Sobô, para Santa Bárbara, para na frente chamando os irmãos, é con- Abe faz papel de toqüém, que vem
Bárbara Soeira e, algumas vezes, siderado toqüém9 . Em alguns terrei- na frente, entre os voduns de
para Iansã. ros, como na Casa de Nagô é um Quevioçô. É vodum dos astros, a es-
Badé Quevioçô, ou Neném velho. Herskovits (1967, II, p. 155- trela guia caída no mar e se encantou
Quevioçô6 , representa o trovão e é 158) diz que, no Daomé, é mulher, numa pescada. Nas festas de paga-
encantado numa pedra de raio. É guia filha mais nova de Abgbê e Naeté, a mento na Casa das Minas, Abe segu-
dos astros, das águas e protege con- filha querida, que desempenha o ra um estandarte azul bordado com
tra os raios. É zangado e briguento, papel de “trickster” (trapalhão), com- ondas do mar e peixinhos brancos. É
mas obedece à Sobô. Badé é um parada com Legba por alguns sacer- festejada no dia de São Marçal, em
vodum velho e equivale a Xangô. Na dotes. É a deusa mais poderosa da 30 de junho. Sua comida é preparada
Casa há uma dança que, segundo família, pois conhece os segredos em separado, sem sal e oferecida em
uns, representa uma peleja de Badé, de seus pais. pequenos pratos. Uns dizem que ela
o trovão, contra Liçá, o sol. Eles dan- No Maranhão, Averequete adora equivale a Iemanjá dos Nagôs; outros,
çam pulando numa perna só, levan- São Benedito e gosta de festas com que Iemanjá é diferente e seria a deu-
tando os braços, simulando uma luta tambor de crioula (FERRETTI, F., sa de um rio. Nos terreiros de mina,
de espadas. Sobô vem apartar a bri- 2002, p 155-130). Foi apontado por se canta para nochê Abe e para
ga entre um irmão manso e outro tei- Santa Bárbara para agir como seu Iemanjá e em muitos desses cânticos
moso. Eles não se unem, mas são delegado ou guia nas cerimônias dos aparecem, entre outras, as palavras
amigos e se abraçam. Canta-se, en- terreiros de mina (COSTA EDUAR- “Cecila Olodô”.
tão, um cântico pedindo per- Ajautó de Aladanu e Avrejó,
dão pela briga dos dois ir- seu filho, são voduns amigos, que
mãos, que diz: “Abiéé, abiéé moram com os de Quevioçô e to-
para vodun serini sua dua”7 . mam conta dos filhos da família
Badé usa na cintura uma fai- de Dambirá. Ajautó é velho, usa
xa branca com guizos e um bengala e ajuda Acossi, que é do-
lenço vermelho, que são suas ente. É protetor dos advogados.
insígnias. Dizem que Badé é É um rei Nagô que foi morar com
vadio, vai em todos os terrei- os Jeje para ajudar Acossi, pois
ros, onde oferecem muitos os voduns da família Real, ou fa-
cânticos a ele e a outros mília de Davice, não podem ajudá-
voduns Nagô. Em vários ter- los. Ajautó é um ancestral
reiros canta-se para Badé divinizado dos antigos reinos de
Sorogama ou Zorogama, Alada, Porto Novo e Abomei. Seu
para Badé Obacossô e ou- filho Avrejó é toqüém.
tros. No tambor de mina há Oxumaré (Aido-Hwedo), que
muitos cânticos oferecidos a corresponde ao arco-íris e à ser-
Badé e a Xangô. DO, 1948, p. 94). Dona Celeste disse pente, não é conhecido na Casa das
Toi Liçá é vodum dos astros, re- que Averequete estava incorporado Minas com esse nome. Existe, na fa-
presenta o sol e dizem que é como em uma pessoa que entrou em tran- mília de Acossi, culto ao casal de vo-
um índio. Anda muito e carrega os ir- duns gêmeos Boça e Boçucó. Este
se, se transformou numa pomba e
mãos. Na Casa das Minas ele dança- se transforma numa serpente que se
sumiu. Aí cantaram “Averequete é
va com uma espada de metal e com esconde num termiteiro. Oxum, deu-
pombo do ar” para ver se voltava. sa das águas doces é também pou-
lenço na cabeça. Seria equivalente a Essa é uma das cantigas comuns co conhecida e cultuada10 . Em alguns
Oxaguiã dos nagôs. Há um cântico para Averequete nos “terreiros da terreiros cultua-se Navezuarina, que
para ele que contém as palavras: mata”. Outros cânticos dizem: corresponderia a Oxum11 . Pessoas
“Liçá d’agama, Pelé Bojou8 ”. A pala- “Verequete é Zuné, Averequete é antigas confundem o nome de Oxum
vra agama em Fon significa com Exu, e por temor a esta divinda-
Zunelô”, ou “Verequete no Maizá”. Em
camaleão, um dos símbolos de Liça, de, considerado equivalente ao demô-
alguns terreiros relacionados à
no Benin. Loco representa a tempes- nio, evitam pronunciar. Ogum é cultu-
umbanda, diz-se que Averequete per-
tade batendo nas árvores. Vem para ado em terreiros de mina como na
tence à família dos Pretos Velhos, ou
acalmar os ventos fortes e as tem- Casa de Nagô, mas seu culto não é
à linha de Xangô. Também se diz que
pestades. Corresponderia a Iroco dos comentado. Uma entidade que rece-
ele foi encantado, recebe oferendas
Nagôs. Ajanutoe é vodum surdo-mudo be muitos cânticos é Ewá, que seria
e pouco se comenta sobre ele. ou é rei do mar (FERRETTI, S., 2002,
filha de Azonce, da família de Sakpa-
Averequete, ou Verequete, p. 126), ou que se encantou numa es- tá, e que foi assentada na Casa de
Frequetê, Anafrequete, cujos nomes trela do mar. Sabemos da popularida- Nagô. Na mina, não são comuns cân-
privados mais conhecidos na Casa de do culto de Averequete em Ouidá ticos para Odé, Ossanhe e Oxossi.
das Minas são Vonucon e Adunoble, é (no Benim), em Cuba e em Porto Ale- Este corresponderia ao vodum Zacá,
um dos voduns mais populares. Ele é gre, sendo cultuado como homem ou da família de Savalunu, que é caça-
um rapaz, como um pajem, que vem como mulher, conforme o lugar. dor. Não se costuma falar em Omolu.
6 Boletim 33 / dezembro 2005

Obaluaê recebe alguns cânticos e seu


REFERÊNCIAS VERGER, Pierre. Dieux d’Afrique. Culte
culto está integrado na família de Acos- des Orishás et Voduns à l’ancienne Côte
si Sakpatá entre os Jeje, ou de Xapa- des Esclaves em Afrique et à Bahia, la
CASTRO, Yeda Pessoa de. Falares afri-
nã, entre os Nagô, em diversos terrei- Baie de Tous les Saints au Brésil. Pa-
canos na Bahia. Um vocabulário afro-
ros. brasileiro. Rio de Janeiro: ABL/Topbooks, ris: Paul Hartmann, 1954.
Há diferenças e semelhanças en- 2001. ________. Orixás. Deuses Iorubas na
tre voduns do tambor de mina e os ________ . A língua MINA-JEJE no Bra- África e no Novo Mundo. São Paulo:
orixás mais conhecidos no candom- sil. Um falar africano em Ouro Preto do Currupio/Círculo do Livro, 1981.
blé. Muitos voduns não têm corres- Século XVIII. Belo Horizonte: Fundação
pondência com orixás Nagô e não são João Pinheiro, Coleção Mineiriana,
* Originalmente apresentado em mesa redonda
identificados com santos católicos. 2002. no V Alaiandê Xirê, Salvador, 27-31/08/2003 -
Alguns são considerados devotos de COSTA EDUARDO, Octávio. The negro Ilê Axé Opô Afonjá.
santos e reconhecidos como tendo in northearstern Brazil. A study in ** Dr. em Antropologia, professor da UFMA e mem-
acculturation. New York: JJ Augustin bro da CMF.
correspondência com os orixás. Ve- 1 O último rei do Dahomé Agoli-Agbo (1894 e
mos que os nomes pelos quais são Publisher, 1948. 1900) reinou quando foi consolidada a con-
conhecidos também variam e diferem HERSKOVITS, Melville J. Dahomey. An quista francesa.
ancient Western African Kingdom. 2 Segundo Herskovits (1967, II, p 151), as divin-
em cada região. Essas diferenças se dades de Quevioçô foram trazidas para o Da-
Evanston: Northwestern University
devem, provavelmente, às origens dos omé, de Xeviê, pequena aldeia a meio caminho
Press, 1967.
escravos trazidos e ao isolamento FERRETTI, Mundicarmo M. R. Desceu
entre Alada e Uidá.
3 Conforme Yeda Castro (2001) mundubi é lín-
entre os grupos de culto até boa parte na Guma. O caboclo do Tambor de Mina gua do grupo Ewe-Fon, do território do Benin,
do século XX. Se na própria África, em um terreiro de São Luís – a Casa conhecida pelo tráfico de escravos, trazida
como mostra Verger, não existe um Fanti-Ashanti. São Luís: EDUFMA, 2000 desde o século XVII para várias regiões do
panteão único e idêntico numa mes- Brasil e que inclui outras próximas como jeje,
(Orig. 1991).
mina, alada, uidá, mahi, savalu, anexo, pedá.
ma área cultural, no Brasil essas di- ________. Encantaria de “Barba Soeira”. 4 O dia em que cai esta festa é sempre o dia da
ferenças são grandes entre as regi- Codó, capital da magia negra? São Pau- semana do Natal e do Ano Novo, como lembra
ões e entre as casas numa região. lo: Siciliano, 2001. Dona Celeste.
FERRETTI, Sergio F. (Org.) Tambor de 5 Conforme Herskovits (1967, II, p. 151), de acor-
Existem, também, entidades africanas do com informações de um sacerdote, Mawu,
cultuadas no Maranhão cujas origens Crioula. Ritual e Espetáculo. 3ª Ed. São o criador do mundo, é chamado por outros no-
são pouco conhecidas como Légua Luís: CMF, 2002, (Orig. 1979). mes e, entre os seguidores de Quevioçô, é
________. Repensando o Sincretismo. conhecido como Sogbô, por isso Sogbô é a
Buji Buá, Xadatã e Boçu Van Dereji
São Paulo: EDUSP; São Luís: maior de todas as deusas, mas seu filho Agbé
(Ver FERRETTI, M., 2000). Constata- (que no Maranhão é vodum feminino) exerce o
FAPEMA, 1995.
mos, ainda, que há divergências en- ________. Querebentã de Zomadonu.
controle direto sobre tudo que ocorre no uni-
tre as casas na identificação de al- verso. Entre outros filhos de Sogbô, o mais
Etnografia da Casa das Minas. São Luís: novo é Gbadé, equivalente, no Maranhão, a
guns cânticos e com relação às enti- EDUFMA, 1996. (Orig. 1985). Badé. Segundo Dona Deni, Badé é conhecido
dades a que se destinam. ________. Andresa e Dudu – Os Jeje e como o mais velho da família e Sobô é a chefe,
O Tambor de mina possui mas respeita Badé.
os Nagô: apogeu e declínio de duas ca-
6 Segundo Dona Deni, a palavra Quevioçô ou
especificidades e rituais extremamen- sas fundadoras do tambor de mina Cavioçô significa que ele está em toda parte e
te elaborados. A mitologia, embora maranhense. In: SILVA, Vagner G. Ca- dá a volta no mundo.
fragmentada, mantêm a força da reli- minhos da Alma. Memória Afro-Brasilei- 7 Dona Deni diz que esse cântico não é um pedi-
ra. São Paulo: Summus, 2002, p. 15- do de perdão, mas um cântico de apresenta-
gião e dos rituais, como forma de dar ção de nochê Abe. Em muitos terreiros do Ma-
sentido ao mundo e à vida. Vemos que 47.
ranhão o cântico “Abieé” é entendido como um
a influência Jeje é grande no tambor GLÉLÉ, Maurice A. Le Danxomé. Du pedido de perdão e muitas vezes cantado com
de mina, onde são cultuados muitos pouvoir Aja à la Nacion Fon. Paris: Núbia um médium em transe batendo com as mãos
Ed. 1974. numa pedra.
voduns. Fizemos referências aqui 8 Em alguns terreiros este cântico é interpretado
MAUPOIL, Bernard. La Geomancie à
principalmente aos voduns do panteão l’Ancienne Côte des Esclaves. Paris:
como sendo para voduns da família de Obalu-
Nagô. Existem numerosos voduns aé.
Inst. d’Etnhnologie/Musée de l’Homme, 9 Toqüem, voduns mais novos que vêm na fren-
Jejes pertencentes a outras famílias, 1961 (Orig. 1936). te dos outros.
como a de Davice, ou família Real, na MEIRELES, Mário M. Os negros no 10 Segundo Verger (1981, p. 17): “Ainda não há
qual são cultuadas quase trinta divin- Maranhão. In: Dez estudos históricos. em todos os pontos do chamado território Ioru-
ba um panteão dos orixás bem hierarquizado,
dades, a maioria pouco conhecida São Luís: ALUMAR, 1994, p. 125-160, único e idêntico. As variações locais demons-
fora da Casa das Minas. Lá são tam- MERCIER, P. Los Fons Del Dahomey. tram que certos orixás, que ocupam uma posi-
bém cultuados voduns da família de In: FORD, Darryll (Org.) Mundos Africa- ção dominante em alguns lugares, estão total-
nos. Estúdios sobre las ideas mente ausentes em outros. O culto de Xangô,
Savalunu e de Dambirá, o panteão da
que ocupa o primeiro lugar em Oyó, é oficial-
terra. Pena que essa riqueza religio- cosmológicas y los valores sociales de
mente inexistente em Ifé, onde um deus local,
sa e cultural hoje quase não tenha algunos Pueblos de África. México: Oramfé, está em seu lugar com o poder do
perspectivas de continuidade, pois a Fondo de Cultura Econômica, 1975, (Ori- trovão. Oxum, cujo culto é muito marcante na
ginal, 1954). região de Ijexá, é totalmente ausente na região
Casa das Minas atualmente possui de Egbá. Iemanjá, que é soberana na região de
METRAUX, Alfred. Le vaudou Haitien.
número muito reduzido de participan- Egbá, não é sequer conhecida na região de
Paris: Gallimard, 1968. Ijexá. A posição de todos os orixás é profunda-
tes, encontrando-se ao que parece, PEREIRA, Nunes. A Casa das Minas: mente dependente da história da cidade onde
em fase de desaparecimento, embo- culto dos voduns jeje no Maranhão. figuram como protetores.”
ra haja expansão de outros tipos de Petrópolis: Vozes, 1979 (Original, 1947). 11 O terreiro de Pai Joãozinho da Vila Nova cha-
terreiros em São Luís. ma-se Terreiro de Mamãe Oxum e Pai Oxalá.
Boletim 33 / dezembro 2005 7

“RESPEITO, MAS NÃO GOSTO”


GOSTO”:
prestígio ou preconceito para com os cultos afro-brasileiros?
Paulo Jeferson Pilar Araújo*
Lisbet Verbesselt**

As manifestações culturais afro- mesmo tempo em que essas mani- A cidade construiu fama de “meca
brasileiras, em sua grande diversida- festações culturais estão presentes da magia negra” ou títulos como “capi-
de, têm recebido um certo prestígio no Brasil da cozinha ao léxico, devido tal da magia negra”, “terra da macum-
nos últimos anos. Tal prestígio é en- às mais diversas influências trazidas ba” etc. (FERRETTI, M. 2001; BAR-
tendido como uma valorização das da África, juntamente com os escra- ROS, 2000), devido a figuras do pas-
mesmas como bem cultural, ou he- vos, essas mesmas manifestações sado e do presente que carregam o
rança africana, evidenciado na Litera- carregam estigmas sociais, sendo nome de feiticeiros, dentre eles houve
tura Brasileira com a obra do baiano depreciadas simplesmente por terem o velho Deus Quiser, Tobias, Maria
Jorge Amado, em gêneros musicais, um passado comum: a escravidão, Piauí e, atualmente, Bita do Barão. É
em telenovelas e mini-séries transmi- ou seja, serem coisas de negro. sobre este último que nos ocuparemos
tidas pela TV, assim como pelo tom- O que chamamos aqui de prestí- e traçaremos algumas considerações.
bamento por órgãos governamentais gio das religiões afro-brasileiras é um No ano de 2004, no período da fes-
de antigos terreiros, a exemplo a Casa prestígio que acoberta preconceitos, ta grande do pai-de-santo Bita do Ba-
das Minas em São Luís, tombada pelo deixando uma impressão meio para- rão, estávamos na cidade e acompa-
Instituto do Patrimônio Histórico e Ar- doxal de que as religiões afro-brasi- nhamos durante toda a semana a pro-
tístico Nacional (IPHAN). leiras recebem algum prestígio hoje gramação dos toques e obrigações
Com o movimento negro nas dé- por serem heranças deixadas pelos realizadas na Tenda Espírita de Um-
cadas de 1970 e 1980, as questões africanos escravizados trazidos para banda Rainha Iemanjá, a qual com-
relacionadas à população afrodescen- o Brasil, mas ao mesmo tempo estig- pletava seus cinqüenta anos de fun-
dente entraram em pauta como as das matizadas por serem heranças da es- cionamento. Dentre os toques em
chamadas comunidades quilombolas cravidão (FONSECA, 2001). A dicoto- homenagem a determinadas entida-
em todo o Brasil; e outras ficaram mia prestígio-preconceito torna-se in- des cultuadas na Mina, no Terecô e a
mais em evidência como as relacio- dissociável ao se falar em religiões
santos católicos, a programação se
nadas à perseguição exercida tanto afro-brasileiras. O que vem a ser esse
constituía de passeatas e procissões
pela polícia como pela Igreja Católica prestígio, se para falar dele é impos-
pela cidade, um espetáculo piracotéc-
a essas manifestações religiosas em sível não se deparar com o inverso: o
nico, rezas, ladainhas e outros. Hou-
décadas passadas. Outro fator impor- preconceito?
ve também o batizado da filha de Ja-
tante para a evidência das manifesta- Para uma breve discussão, reme-
naína, filha adotiva de Bita do Barão e
ções afro-brasileiras também na mí- moramos alguns fatos acontecidos
preparada por ele para substituí-lo. A
dia tem a ver com o crescimento do recentemente: um em São Luís (agos-
turismo em todo o Brasil, o qual tem expectativa era grande na noite do
to de 2005) e outro, no mesmo perío-
feito do calendário de vários terreiros do, no ano anterior, mais precisamen- batizado da menina devido à presen-
de cultos afro-brasileiros a programa- te na cidade de Codó, leste mara- ça da futura madrinha da criança, a
ção de meses e meses de festa. nhense, focando uma importante fes- ex-governadora do Maranhão, Rose-
Entretanto, com um olhar de den- ta de culto afro-brasileiro. ana Sarney. O alvoroço foi enorme,
tro, de quem vivencia o universo das A cidade de Codó fica a cerca de muitas câmeras fotográficas, equipe
religiões afro-brasileiras, é fácil depa- 300km da capital maranhense, tendo de reportagem do Sistema Mirante de
rar-se com um fato inegável: o do pre- uma população de aproximadamente Televisão e a presença de alguns po-
conceito contra as religiões afro-bra- 112 mil habitantes. Mais de 50% dela líticos locais, empresários e vários cli-
sileiras, generalizado quase sempre na zona rural. Possui um quadro reli- entes do pai-de-santo, a maioria des-
no termo “macumba” ou “espiritismo”, gioso diversificado, sendo forte o ca- tes últimos proveniente do sul e su-
estendendo-se daí para outras mani- tolicismo popular e, ultimamente, tem deste do País.
festações, mesmo com as atuais con- havido um crescimento do número de Era uma festa de glamour para a
quistas referentes ao reconhecimen- evangélicos, como observado em maioria da população que ali estava
to delas enquanto bem cultural, dan- todo o Brasil (ALMEIDA, R. & MON- presente. Circulavam pelas tendas e
do a impressão de que esse certo TERO, p., 2004). Além do catolicismo altares da casa centenas de pessoas
prestígio restringe-se a determinados popular da maioria da população, exis- das quais a maioria crianças, jovens
setores da sociedade. Tal preconcei- te também uma manifestação religio- e mulheres. Os toques sempre acon-
to tem raízes históricas que não é sa de origem negro-africana denomi- teciam por volta da meia-noite, no Pa-
nossa intenção pormenorizar aqui, nada ali de Terecô ou Tambor da Mata lácio de Yemanjá, o maior salão dos
mas é bastante interessante que ao (FERRETTI, M., 2001). dois existentes na casa.
8 Boletim 33 / dezembro 2005

Pelo que constatamos, havia pes- municação do Estado, as declarações olhando”, “acho bonito, mas não sou
soas de diversas partes do país: um proferidas por José Tavares não são muito fã, não” ou “tenho medo, é coi-
jornalista de Teresina que disse estar em nada diferentes das que se ouve sa de feitiço”.
escrevendo notas biográficas do pai-de- da maioria dos maranhenses quando Ainda é ingênuo o bastante falar-
santo; uma equipe de estudantes de se fala de religiões afro-brasileiras, ou mos em prestígio das religiões afro-
jornalismo da UFPE que estava cobrin- como muitos dizem: “macumba”. brasileiras. Em que estaria esse pres-
do a festa para um documentário sobre Não que estejamos propondo de- tígio, em considerá-las simples mani-
manifestações culturais; pais e mães- fesa para o governador, por conside- festações culturais? Como aconteceu
de-santo do Pará, Teresina, Amapá, São rarmos que ele deveria conhecer a eti- uma vez numa feira de ciências pro-
Paulo, Bahia, e outros estados. queta de uma figura pública, e estar movida por uma escola particular li-
Com essa breve panorâmica da ciente de suas palavras. Pretendemos gada à Igreja Católica da mesma
festa do pai-de-santo Bita do Barão, sim, mostrar quais verdadeiras inten- Codó. Nela, um grupo de estudantes
demostramos um aspecto do que se- ções estariam por trás de críticas tão apresentava um stand sobre religiões
ria o prestígio recebido pelos cultos veementes contra o governador. Seria afro-brasileiras, mas, ao falarem de
afro-brasileiros observado na figura do devido ao prestígio que as religiões
seu objeto de estudo, repetiram por
Bita do Barão e sua grande festa ao afro-brasileiras conquistaram a ponto
diversas vezes que aquilo era só fol-
mobilizar durante uma semana prati- de tal postura do governador chocar a
clore, brincadeiras de negro etc...
camente a cidade toda atingindo to- população? Ou simplesmente a utili-
Acreditamos que o verdadeiro prestí-
das as camadas sociais. zação da outra face da moeda desse
gio que essas religiões poderiam re-
Já em 2005, no mesmo período provável prestígio: o preconceito, como
ceber seria a aceitação de seu status
em que ocorria a anual festa do pai- arma política? Uma frase pode muito
de-santo, algo nos chamou novamen- bem exemplificar isso. Pergunte para de verdadeiras religiões, como qual-
te a atenção: de como esse provável alguém que se diz católico, de prefe- quer outra. Serão necessários muitos
prestígio foi utilizado como assunto rência “não-praticante”, sobre o que anos para que os adeptos dessas re-
para diversas reportagens no jornal O acha das religiões afro-brasileiras e ligiões não tenham que recorrer à du-
Estado do Maranhão contra algumas veja se uma parte significativa não irá pla pertença: geralmente ao catolicis-
declarações do governador do Esta- responder algo parecido com: “respei- mo e à umbanda, e serem considera-
do, José Reinaldo Tavares. to, mas não gosto”. Como se no “res- das como tais: religiões, e verdadei-
Ao ser indagado numa convenção peito” estivesse um prestígio benevo- ras a seu modo.
política o motivo de sua ausência no lente e no “não gosto” o preconceito,
governo, um dos presentes gritou: “Foi ou seja, um preconceito com roupa- REFERÊNCIAS
macumba, governador!”, o governa- gem de prestígio, pois muita gente im-
ALMEIDA, Ronaldo de & MONTERO, Pau-
dor brincou então dizendo que a pro- portante tem ou já teve alguma ligação la. Trânsito Religioso no Brasil. Disponível
vável causa para a hepatite que o aca- com pais ou mães-de-santo. em <http://www.centrodametropole.org.br/
mou teria sido os tambores de Codó, O que falar então dos maiores ini- pdf/ronaldo_almeida2.pdf.> Acesso em 12
ou seja, fruto de macumba, ou como migos dessas religiões: os pentecos- de agosto de 2004.
ele mesmo disse: “Me disseram que tais, que, depois da Igreja Católica, to-
veio lá de Codó, muita gente me dis- maram para si a missão de extinguir BARROS, Sulivan Charles. Encantaria
se que bateram muito (tambor para essas “manifestações do diabo”, fe- de Bárbara Soeira: a construção do
eu ficar doente) lá, bateram muito.” 1. chando o maior número possível de imaginário do medo em Codó/MA. 2000.
163p. Dissertação (Mestrado em
Levando toda a platéia ao riso. terreiros e convertendo o maior núme-
Sociologia) – Universidade de Brasília.
Devido a isso, o governador foi ro de pais-de-santo à sua fé exclusi-
Brasília.
duramente criticado por alguns mei- vista, sem a qual não há salvação.
os de comunicação, tanto que duran- Quanto a estes, é difícil imaginar uma FERRETTI, Mundicarmo. Encantaria de
te todo o mês de agosto, houve vári- postura futura de tolerância, ao menos Barba Soeira: Codó, Capital da magia
as matérias e entrevistas de autori- parcial, como agora observada na Igre- negra? São Paulo: Siciliano, 2001.
dades, da cidade de Codó e de movi- ja Católica. De acordo com Mariano FONSECA, Eduardo P. de A. Faces da
mentos ligados aos cultos afro-brasi- (1999), as religiões afro-brasileiras têm identidade afro-brasileira: um estudo do
lerios da Capital contra as declara- poucos a quem recorrer contra as in- estigma e preconceito religiosos.
ções do governador. vestidas dos pentecostais ou evangé- Cadernos de Estudos Sociais. Recife,
Até aí tudo bem, houve declara- licos de modo geral, a não ser à justi- v. 17, n. 1, p. 87-108, jan./jun., 2001.
ções de um figura pública, com tom ça, que, diga-se de passagem, no Bra-
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais:
jocoso, para com a religiosidade afro- sil não funciona como o esperado.
sociologia do novo pentecostalismo no
brasileira de uma parcela significativa Retornando para a grande festa do
Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 1999.
da população, mesmo que não decla- Bita, embora tenhamos observado
rada oficialmente (ALMEIDA, R. & muitas pessoas participando das pro-
* Curso de Ciências Sociais (UFMA); Graduado
MONTERO, p., 2004). Deixando de cissões ou assistindo aos toques em Letras (UEMA).
lado o pormenor de ser o governador para os encantados, quando pergun- ** Antropóloga graduada pela Universidade de
Louvain (Bélgica).
um dirigente político e que o mesmo tadas sobre o que achavam da festa, 1
As reportagens do jornal O Estado do Mara-
tem fortes opositores políticos deten- grande parte respondia o “respeito, nhão são todas do mês de agosto, edições
tores de boa parte dos meios de co- mas não gosto” ou similares: “Tô só dos seguintes dias: 17, 23, 25, 27, 30, 31.
Boletim 33 / dezembro 2005 9

SESSÃO DE CURA OU PAJELANÇA


EM TERREIROS DE MINA*
Maria Ivana César de Oliveira**
O presente trabalho é uma tentativa de de ligação com a cura de maracá, apesar bor, batiam palmas ou, então, pandeiros.
entender as práticas de cura de males físi- de ter sido feito na mina e de dançar mina. Hoje, ainda temos pessoas que fazem a
cos e espirituais existentes nos terreiros A minha mãe-de-santo era chamada na sessão de cura seguindo o antigo ritual.
de mina maranhenses, tomando por base Casa de “Maria mãe-d’água”, porque ela No Terreiro de Mamãe Oxum e Pai Oxa-
uma entrevista realizada no Terreiro de “carregava” Mãe d’Água Grande, que era de lá existem muitas pessoas que têm linha
Mamãe Oxum e Pai Oxalá, com o pai-de- cura”. Segundo ele, a linha de cura de sua de cura. Na pajelança da Casa, o pai-de-
santo conhecido por Joãozinho da Vila Casa é das “águas”, das “mães d’água”, do santo inicia o ritual com o maracá, acom-
Nova, e observações realizadas naquela “povo da mata” e de “índio”, mas é, tam- panhado por vários médiuns, que, depois
casa de culto. bém, trazida por uma linhagem de espíritos de algum tempo na Casa, foram manifes-
O Terreiro de Mamãe Oxum e Pai Oxalá evoluídos dos índios e de pretos-velhos. “A tando essa linha de cura, mas neles essa
tem uma grande clientela na ilha de São linha de preto-velho desce muito na Casa, linha não é tão desenvolvida como no pai-
Luís, no interior do Estado e, também, em somente para os trabalhos de pajelança”. de-santo e nos antigos curadores citados.
outros estados brasileiros. Os clientes que Apesar da existência de pajelança em São, no entanto, pessoas da Casa que
procuram o Terreiro passam, inicialmente, terreiros de mina, os cultos são diferen- pertencem ao “povo da água doce” ou seja,
por um atendimento “ambulatorial” com o tes. “Na mina, a entidade, ao incorporar, que trabalham com o “povo das águas”. A
pai-de-santo para, em seguida, serem en- pode ficar e trabalhar ou então dançar e pajelança, na Casa, é realizada com to-
caminhados para tratamento realizado na cantar a noite toda, ou seja, somente um dos os filhos-de-santo juntos, formando um
Casa como: sessão de caboclo, sessão guia pode ficar a noite inteira. Na pajelan- grande corredor, todos batendo palmas,
astral, sessão de cura ou pajelança. Se- ça, vão sendo dadas aos diversos guias. enquanto o pai-de-santo dança com um
gundo Pai Joãozinho, devido à grande re- Um guia vem, dança e vai embora, outro maracá nas mãos. Não é como na mina
pressão policial de que foram alvo, os pa- vem, canta, dança e vai embora - são as que, ao tocar os tambores, todos os mé-
jés ou curadores foram obrigados a abrir passagens dos guias - até ficar o guia da diuns dançam e incorporam.
terreiros e a pajelança ou sessão de cura “cabeça”, que assume a Casa. Geralmen- Segundo o Pai Joãozinho, a sessão
é hoje um ritual pouco realizado nos terrei- te a cura não firma o guia, somente na mina de cura no Terreiro Mamãe Oxum e Pai
ros de mina do Maranhão. é possível vermos um guia firmado durante Oxalá deveria ser realizada com mais fre-
Segundo o mesmo pai-de-santo, o ritual todo o ritual”. A dança, na pajelança, é uma qüência, assim como as sessões de ca-
de cura, em sua casa, é uma herança do dança diferente, devido aos cânticos que boclo e astral, mas, devido aos inúmeros
passado. Antigamente, nos terreiros, as pes- são muito diferentes das doutrinas da Mina. compromissos dos filhos-de-santo, que
soas trabalhavam somente com ritual de cura Antigamente existiam pajés que cura- são muitos e que têm muitas coisas para
com maracá, mas isso foi abandonado por vam dentro de uma rede. Como disse o fazer, além das obrigações religiosas, as
muitos. Devido à grande perseguição da po- pai-de-santo: “eu conheci um curador que sessões de pajelança são realizadas só
lícia aos curadores, eles foram, aos poucos, curava de maracá em pé, dentro de uma uma ou duas vezes por ano e, em alguns
desaparecendo, enquanto surgiam os pais rede. Até hoje fico pensando e acho que casos, como uma festa, a exemplo da re-
e mães-de-santo, pois quem era curador a essa pessoa não podia estar normal, pois, alizada para São Expedito. Outras vezes,
polícia ia atrás e prendia. Os curadores inici- uma pessoa dançar cura dentro de uma o pai-de-santo dá passagem para a linha
almente não tinham terreiros. Eram pesso- rede, deveria estar realmente incorporada”. de cura sentado em uma cadeira, com a
as que trabalhavam com maracá de cura e, Segundo Pai Joãozinho, alguns dos colaboração de duas ou três pessoas, e
por isso, eram tidas como feiticeiras que tra- grandes curadores do Maranhão viveram realiza a sessão de cura para atender a
balhavam somente para matar as pessoas. em Alcântara, São Bento e Cururupu, en- necessidade de algum cliente que precisa
No entanto, há um ditado conhecido nos ter- tre outras localidades. Eram pessoas ido- de atendimento nessa linha, como expli-
reiros que diz que “feitiço na mina, quanto sas. Aqui, em São Luís, tinha o falecido cou o pai-de-santo. Esse tipo de cura é
mais se tira mais mina, morre e não termina”. senhor Demétrio, no Cruzeiro do Anil, que feito para um cliente que chega na Casa e
A pajelança era a tradição dos antigos, era curador. Todas essas pessoas eram que, após a avaliação do pai-de-santo, é
de curadores que viviam em sítios, no mato. denominadas “curador de maracá”. Os recomendada a realização de uma sessão
Segundo depoimento de alguns que viveram curadores não possuíam barracão, traba- de cura. Decidida a realização da cura, o
essa época, o isolamento era o seu único lhavam em casa. A sala grande era o local pai-de-santo convoca algumas pessoas
meio de continuar curando sem serem “en- ideal para a realização do ritual de paje- para tocar e para fazer a pajelança.
contrados” pela polícia. As pessoas que tra- lança. “Hoje, as pessoas estão mais so- No terreiro de Pai Joãozinho, as práti-
balhavam com pajelança tiravam feitiços, fisticadas, têm até um barracão de cura”. cas de cura percorrem vários caminhos,
curavam à base de ervas e trabalhavam com Antigamente não, o que havia era numa como já citado anteriormente. Algumas
muitas orações. Essas pessoas eram fei- casa uma sala grande, onde se fazia a fes- vezes, um caso é resolvido somente na
tas no santo “de natureza”1, pois os curan- ta. No ritual de mina todos os filhos-de- linha dos caboclos ou guias; outras, na li-
deiros de origem africana ou indígena não santo que estão no barracão dançam. Na nha astral ou dos astros; e outras, ainda,
recebiam ensinamento de ninguém. pajelança, durante a sessão de cura, não através das sessões de cura ou pajelan-
O pai-de-santo Joãozinho da Vila Nova há necessidade de se ter 10 pessoas dan- ça. Como explica aquele pai-de-santo, às
explica que a “herança” da pajelança na çando, por exemplo. Não é preciso ter 10 vezes as pessoas estão com “porcarias”,
Casa vem de suas avós materna e paterna ou 20 pessoas para curar. Na cura, somen- com feitiço, doença de chagas abertas ou
e, também, da Casa de sua mãe-de-santo te uma pessoa pode dançar e trabalhar a feridas e o curador tem necessidade de
Maria Lopes, do terreiro Vivenda da Trinda- noite toda. Antigamente, durante a sessão chamar “o povo de cura”, pois trabalham
de. E justifica: “é daí que vem a minha gran- de pajelança, não era permitido bater tam- com ervas, rezas e orações. E são os ca-
10 Boletim 33 / dezembro 2005

boclos, os índios, os pretos-velhos e as hora exata, era tomado o banho. Dentro da dão o ponto (cantam) e não demoram, vão
mães d’água que vêm tratar as pessoas linha de cura, segundo o pai-de-santo João- embora. E, às vezes, é um ponto que nin-
que estão com “porcarias”, trabalhos fei- zinho, muitas coisas que aprendeu ajudam guém conhece. Outras vezes vêm, cantam
tos. Mas, atualmente, muitos pais ou as pessoas: benzer quem estava com pro- um ponto conhecido e vão embora.
mães-de-santo, quando chega uma pes- blemas de “olho”, erisipela, cobreiro etc. A mesa de cura na pajelança é diferen-
soa na Casa deles com problemas que de- Hoje, existe necessidade do ritual de te de um altar. Na cura, geralmente, não
vem ser tratados na linha de cura, prefe- pajelança dentro das Casas, mas é muito existe altar, é uma mesa de santo “encru-
rem usar o lado mais fácil para eles, ou seja, difícil resolver esse problema, até porque, zada”, preparada para evitar entrar uma per-
pedem uma galinha, um bode e outras coi- no passado, a pajelança foi proibida. Pou- turbação, uma demanda. Serve para des-
sas, para desmanchar o feitiço. Antigamen- cos terreiros fazem pajelança e, quase sem- manchar um feitiço, para fazer um trabalho
te não era assim, você não olhava esse tipo pre, só uma vez ao ano. Com o tempo, de firmeza. A mesa, de fato, é um altar, só
de pedido. O curandeiro, antigamente, man- corre-se o risco dessa tradição cultural que é preparada, cruzada. Cada pessoa
dava que a pessoa trouxesse, para a cura, acabar, pois os médiuns mais jovens pre- prepara de uma forma: uns colocam galhos
velas, incenso, os matos tais e tais e dizia: ferem aprender o que é mais fácil, menos de ervas, de arruda, de manjericão, vassou-
“vem que vou fazer uma cura, uma mesa para complicado e, também, porque tem um rinha, palha de tucum, fitas coloridas e pu-
você”. Quando o cliente chegava na casa, já dizer dos mais velhos que “na mina o mé- nhal em cruz. Tudo isso varia conforme as
na parte da noite, encontrava duas ou três dium pode dançar, mas na pajelança é di- orientações dos guias de cura. Infelizmen-
pessoas, médiuns que trabalhavam na linha ferente, pois é um ritual muito perigoso, te, diz ainda o mesmo pai-de-santo, tudo
de cura. O curador fazia uma oração, abria a uma vez que a própria entidade invocada isso são coisas que estão se acabando.
mesa de cura e a pessoa sentada passava para curar pode fazer mal ao médium, pode No Terreiro de Mamãe Oxum e Pai Oxa-
por um ritual para a retirada do feitiço que “flechar” o médium”. O curador é obrigado lá, a casa de taipa, atualmente usada como
estava no corpo ou então para a cura de uma a trabalhar corretamente na linha de cura moradia por algumas filhas-de-santo, foi
ferida aberta. Em seguida, era ensinado, ao ou então, de repente, pode aparecer doen- construída para a realização da pajelança.
paciente, os matos, as ervas e os chás que te, por uma “flechada” de mãe d’água, de Segundo o pai-de-santo, por exigência dos
deveriam ser utilizados durante todo o trata- curupira, ou pode ficar “assombrado”. guias, além de ter o piso de “chão batido”,
mento, até ficar curado do mal acometido. Os curadores antigos mandavam quei- deveria ter o teto coberto com palha do
Os curandeiros aguardavam sempre as ori- mar uma grande quantidade de lenha e, buriti, palmeira comum dos alagados. Na
entações do guia, que diziam qual o lugar quando tudo virava carvão, as brasas eram Casa, como foi crescendo o número de
onde deveria ser realizado o ritual. À noite, espalhadas no chão e eles dançavam em médiuns curadores, os rituais de cura são
eram reunidas as pessoas que saíam para cima. É, por isso, também, que o povo di- hoje realizados nos barracões de Seu
a pajelança de maracá. Hoje, na maioria dos zia, antigamente, que os curandeiros eram Manezinho (encantado), no da “Ilhinha” (es-
terreiros, em vez desses procedimentos de feiticeiros, que matavam. O “povo de cura paços destinados à mina) e, às vezes, a
cura, vemos despacho na praia, na encruzi- (os encantados?) não tem pena de fazer cura é feita “no tempo”, na mata.
lhada etc. Antigamente havia curandeiros que as coisas, eles fazem mesmo”. Quando se faz uma cura, a porta está
curavam “no tempo” (fora de casa), mas por Na casa de um curador, uma pessoa aberta para todos os guias. Passa a linha
não ter um lugar certo para a realização do podia chegar aos gritos, desesperada, por da mata, a linha da água, do mar, da água
ritual de pajelança. causa de uma doença e uns tiravam o fei- doce, que é uma linhagem de cura. Na pa-
Retomando a questão da repressão tiço com a boca; outros cortavam, bota- jelança da mata, os índios incorporavam
policial aos curandeiros, quando a polícia vam um copo sobre o corte, rezavam e di- muito os espíritos dos bichos. Na cura de
ficava sabendo que estava sendo realizado ziam “pode tirar, porque o que estava den- terreiro de mina, também são incorporados
um ritual de cura, os antigos curadores não tro está aqui”. De repente, a pessoa ficava os espíritos dos animais, mas, quando eles
precisavam ser avisados, pois os guias con- curada e pronto. Hoje não vemos mais descem e cantam, não se manifestam como
fundiam os guardas, que ficavam rodando a curadores como aqueles. Antigamente animais e sim como um caboclo, como uma
noite toda e não conseguiam chegar ao lo- existiam as pedras de “mira” que, quando entidade que canta o ponto.
cal da sessão. Os curandeiros trabalhavam a pessoa chegava na casa dos curandei- Sobre os guias que descem na linha
até o dia amanhecer, sem sofrer nenhum ros, eram usadas por eles na palma da de cura, perguntamos ao pai-de-santo qual
tipo de repressão policial, daí porque eram mão e eles diziam tudo da vida da pessoa, a linha mais forte, a linha indígena ou a
tão temidos. Hoje, quase não encontramos mostravam a cara de quem estava fazen- africana? Ele explicou que depende do grau
pajelança nos terreiros de mina devido à do mal a elas ou então diziam: “quem lhe de desenvolvimento do médium. A linha de
grande repressão da polícia às Casas de roubou foi este, você conhece?” E outro índio é muito forte. Outros trabalham com
curadores e existem médiuns que nunca método usado pelos curandeiros para ver a linha de “mãe d’água”, que é também
viram uma cura, que nunca dançaram cura. o rosto de pessoas que estavam causan-
muito forte, e outros na linha de preto-ve-
Para Pai Joãozinho, é preocupante ver do mal a seus clientes era o do copo
lho. Todas são muitos fortes e a força de
que muitas casas de culto afro-brasileiro d’água. Hoje não temos mais essas for-
cada uma varia de médium para médium.
deixaram de lado a pajelança, ritual tão ne- mas de trabalho. Hoje, segundo o pai-de-
cessário aos terreiros. O mais grave é que santo Joãozinho, se entregar um maracá REFERÊNCIAS
“muitos não conhecem as ervas, as plan- aos jovens pais ou mães-de-santo eles não
FERRETTI, Mundicarmo. Desceu na
tas, para ensinar alguém a fazer um chá, sabem como iniciar uma pajelança. guma. 2. ed. rev. e atual. São Luís: EDUF-
pois não aprenderam com sua mãe ou pai- Na pajelança não tem aquela coisa, MA, 2000.
de-santo e nem com os caboclos, os índi- como na Mina, de abrir o tambor e fechar OLIVEIRA, Maria Ivana. Práticas de cura
os e os pretos-velhos. Segundo o pai-de- no mesmo ritual e ser obrigado a cantar os em um terreiro de mina. Monografia de
santo, o que ele sabe aprendeu um pouco mesmos pontos. Na cura existe um ponto Ciências Sociais. UFMA, 2002
com a mãe-de-santo, Maria Lopes, e, prin- para abrir os trabalhos do dono da Casa e o
cipalmente, com seus guias de cura, que o dono da mesa de cura, o restante pertence * Retoma texto apresentado no 10º Congresso Bra-
orientaram em tudo: purgantes feitos de aos guias que, na hora, dão o ponto para sileiro de Folclore – São Luís, 18 a 22/07/2002.
ervas, chás e uso de matos, que ele nem cantar. Às vezes, um pai-de-santo canta ** Licenciada em Ciências Sociais; pesquisadora
de Religião Afro-brasileira.
conhecia e que seus guias mandavam bus- aquelas que ele já tem, que são dos guias 1
Para os adeptos da Cura, as pessoas “feitas de
car, dizendo onde deveriam ser pegos e, na dele, mas os guias, na pajelança, chegam, natureza” já nascem com o dom de curar.
Boletim 33 / dezembro 2005 11

TAMBOR DE CRIOULA NAS FESTAS DE TTAMBOR


FESTAS AMBOR
DE MINA E DE UMBANDA EM SÃO LLUÍS
UÍS
Ottavio Nava Galvão*

Em visita a casas de tambor de mina1 No dia 13 de maio de 2005, estive na alguns são mansos e pacientes, como
e umbanda2 na cidade de São Luís, foi pos- casa YLÊ AJE YEMOVA, do falecido Jor- o Preto Velho de Mariinha, outros são
sível observar a presença de manifestações ge Itaci de Oliveira, por volta das 21:30 ho- rabugentos e, às vezes, até agressivos,
de tambor de crioula3 . Nas casas de culto ras, para observar a festa que aconteceria como vários dos que ‘baixam’ naquele
dia no terreiro de Jorge Itaci.” (FERRET-
afro é grande o número de festas em home- em comemoração ao dia da Abolição da
TI, M. 2001)
nagem às entidades espirituais durante todo Escravatura, tendo também a presença de
o ano e, em algumas delas, o tambor de um grupo de tambor de crioula4 . O local era Vemos assim que os Pretos Velhos
crioula se faz presente. Em determinados bem rico e ornamentado com muitos qua- não são somente um, mas vários, e cada
rituais ele se mostra como sendo a princi- dros, como os terreiros tradicionais de tam- terreiro teria o seu ou os seus. O impor-
pal atração, enquanto que em outros atua bor de mina. No início da festa havia so- tante é enxergar que o tambor de crioula
apenas como coadjuvante, como é o caso mente mulheres dançando e o tambor de se encaixa tanto na comemoração da abo-
do dia 13 de maio, em que alguns terreiros crioula5 parecia ser o único meio de cele- lição, quanto na celebração às entidades.
tocam em referência a Preto Velho. brar as entidades. Nessa celebração as Em relação à entidade Jariodama, ele é
Pesquisando, o assunto, nota-se que coreiras dançavam junto com vários filhos- homenageado com uma festa no terreiro Fé
foram publicados poucos trabalhos sobre o de-santos que demonstravam serem Pre- em Deus, no bairro Sacavém, mais conhe-
tema. Dentre eles o que melhor trata do as- tos Velhos devidos seus aspectos rabugen- cido como “Terreiro de Mãe Elzita”. A pes-
sunto é o livro “Tambor de Crioula – ritual e tos, como descrito por Mundicarmo Ferret- soa que recebe o guia8 chama-se Dona Di-
espetáculo”, organizado por Sérgio Ferretti. ti6 . A apresentação do grupo se deu por quinha, que é a segunda pessoa no coman-
No capítulo cinco, que tem como título “A pouco tempo. Terminou às 23:30h. Em se- do da casa. Segundo a própria entidade (Ja-
presença do tambor de crioula nos terreiros guida um toque de mina foi iniciado. riodama), ele seria um caboclo9 turco, filho
de mina”, Ferretti faz uma comparação en- No dia seguinte, 14 de maio, em visita do rei da Turquia. A festa é realizada no dia
tre tambor de crioula e tambor de mina: ao terreiro de umbanda da mãe-de-santo D. 27 de agosto, dia de São Raimundo Nonato.
“O tambor de crioula é uma dança de Mariinha, assisti a outra apresentação de Sobre como começou a festa de Jari-
diversão e um meio de pagamento de tambor de crioula7 . Na festa estavam pre- odama a São Raimundo, Mãe Elzita rela-
promessa a S. Benedito, que se carac- sentes duas entidades Pretos Velhos, uma tou que foi a pedido da entidade. Segundo
terizaria pela presença da punga ou delas recebida pela chefa da casa e outra ela, Jariodama, através de sua médium,
umbigada como uma forma expansiva por outro médium que estava presente. disse que queria fazer uma festa no dia de
de interação, um convite à dança ou Conhecidos nesse ambiente como São Raimundo Nonato, tocando um tam-
uma demonstração de contacto entre curadores e aconselhadores, os Pretos bor de crioula, pois a primeira vez que ele
sexos, num grupo de companheiros. Velhos, - que de acordo com a crença do tinha incorporado havia sido no dia do san-
Enquanto que o tambor de mina é uma local incorporam seus médiuns - nesse dia, to. Assim, Mãe Elzita aceitou que se to-
forma de culto dirigido a entidades so-
ficaram sentados, fumando charuto e dan- casse um tambor de crioula no dia de São
brenaturais, caracterizado pela posses-
são dos encantados pelas dançantes,
do conselhos às pessoas que lhes iam pe- Raimundo Nonato.
como forma de interação entre pesso- dir. Algumas vezes, um dos Pretos Velhos Visitando a casa no segundo dia da
as e divindades num grupo de culto” se punha a dançar junto às mulheres do festa, pude perceber que os cânticos do
(FERRETTI, 1979, p. 126). tambor de crioula, como ocorreu no dia tambor de crioula não se mostravam exci-
anterior, no terreiro de Pai Jorge. Porém, tados, como é de costume nas rodas con-
Como meu objetivo aqui não é tratar do
diferentemente do outro tambor de crioula, vencionais, talvez isso se explique pelo fato
tambor de crioula, especificamente, mas de
esse teve longa duração. Começou no pe- de terem sido tocados desde a noite ante-
sua presença nos terreiros, destacarei duas
ríodo da tarde e adentrou a noite. rior, fazendo-se apenas pequenas pausas
entidades espirituais e suas respectivas Como se pode perceber, o tambor de para que as pessoas se alimentassem.
festas: Preto Velho, Jariodama e farei uma crioula mostrou-se presente em dois terrei- Depois de um breve momento, Jario-
breve referência a Pedrinho. ros em homenagem a Pretos Velhos. No dama apareceu. Ele estava com uma blu-
Os Pretos Velhos seriam, segundo entanto, a forma como se procedeu à cele- sa branca, saia amarela e uma faixa ver-
Vagner Gonçalves da Silva: bração revela a distinção entre ambos. As- melha. Dirigiu-se para o meio do salão onde
“... o espírito de um negro escravo sim, cada Preto Velho é uma entidade dife- o tambor de crioula era tocado e colocou
muito idoso que, por isso, anda todo rente da outra e o próprio termo “Preto Ve- um grande chapéu branco, que tinha bor-
curvado, com muita dificuldade, que lho” seria apenas um estereótipo de uma das vermelhas. Enquanto segurava um len-
o faz permanecer a maior parte do entidade que desempenha determinada fun- ço azul na mão, ficava arrumando a roda do
tempo sentado num banquinho fu- ção. Mundicarmo Ferretti explica bem a di- tambor, para que as pessoas fizessem o
mando pacientemente seu cachimbo. ferença que há entre Pretos Velhos: círculo corretamente. Nesse momento, pe-
Esse estereotipo representa a ideali- “Embora se costume classificar como gou um cigarro e ficou tragando. Instantes
zação do escravo brasileiro que, mes- ‘preto-velho’ toda entidade espiritual depois ele também entrou na roda e come-
mo tendo sido submetido aos maus que foi escrava, algumas entidades ho- çou a dançar, ainda que lentamente. Uma
tratos da escravidão, foi capaz de vol- menageadas em São Luís no dia 13 de mulher acompanhou e pungou com ele,
maio fogem a essa categoria, como é o
tar à terra para ajudar a todos, inclu- enquanto outra batia as baquetas no tam-
caso de Chica Baiana. Os pretos-velhos
sive aos brancos, dando exemplo de homenageados em terreiros da capital bor. Nesse momento a relação da entidade
humildade e resignação ao destino maranhense no dia da libertação dos Jariodama com as dançantes tornou-se
que lhe foi imposto em vida.” (SILVA, escravos nem sempre se aproximam mais perceptível. O tambor continuava en-
1994, p..121). do ‘modelo do Pai Tomás’. Enquanto quanto o salão era defumado.
12 Boletim 33 / dezembro 2005

Quando Surrupirinha10 entrou na roda menagem a São Raimundo e Jariodama. A Como foi mostrado, o tambor de crioula
de tambor, trazendo na mão uma bandeira participação do tambor de crioula se deu está presente em algumas festas de terreiros
vermelha, não demorou muito para as ou- somente nos dois primeiros dias. em homenagem a entidades, como no caso
tras mulheres do terreiro também se dirigi- Um outro exemplo sobre a presença dos Pretos Velhos, Jariodama e Pedrinho.
rem ao mesmo local. Cada uma pegava a do tambor de crioula em terreiros de mina Dessa forma, o tambor de crioula mostra seu
bandeira, dançava um pouco e passava é a festa para a entidade Pedrinho, que teor sagrado, embora possa, às vezes, ser
para a outra, que repetia o mesmo proces- também aparece na casa de Dona Elzita. considerada uma mera brincadeira de entre-
so. Enquanto a bandeira era passada, a De acordo com ela, Pedrinho pediu, atra- tenimento. Pode-se pensar que ele é apenas
maioria das mulheres recebia entidades. vés de sua médium, que fizessem uma divertimento, entretanto também pode ser vis-
Outras recebiam enquanto estavam espe- festa para São Benedito com tambor de to, pelos seus participantes, como uma brin-
rando a vez de pegar a bandeira. crioula. Essa festa é realizada no dia 06 cadeira sagrada, ainda mais em se tratando
Depois de um momento Surrupirinha de novembro. Um dia antes acontece um de promessas pagas com a realização desta
pegou um pequeno chapéu de palha e dan- ritual de cura13 . A médium dessa entidade festa. Existe, também, o fato de que, quando
çou com ele na cabeça. O mesmo proces- é conhecida como Roxa e, na casa, é tida o tambor de crioula está sendo realizado, pode
so feito com a bandeira também foi feito com como curadora. Sobre a cura, Rosário acontecer que os participantes tenham um
o chapéu, sendo que, agora, quem pegava a Carvalho diz que: “... embora o preceito desprendimento do mundo real, chegando a
bandeira também pegava o chapéu. As mu- não seja especificamente para curar pes- um estado de êxtase que se mostra presen-
lheres do grupo do tambor de crioula não soas, pajés e entidades quando consulta- te nas coreiras e nos tocadores através de
deixavam a música cessar, pois não para- das ensinam e fazem remédios da diversi- seus sons e gestos frenéticos. Nos rituais
vam de dançar. Enquanto umas praticavam ficada medicina popular”.14 O grupo de afro-brasileiros esse estado de êxtase é co-
obrigações à sua entidade, outras brincavam tambor de crioula que se apresenta nessa mum quando os médiuns recebem suas en-
no seu grupo e tudo isso acontecia dentro festa é o mesmo da festa de Jariodama. tidades. Sendo assim, quando o tambor de
de uma roda de tambor de crioula. Assim, Essa comemoração começa com uma crioula é realizado dentro de um terreiro e en-
pude perceber o momento exato do encon- procissão para São Benedito. Na procis- tidades dançam nele, há uma aproximação
tro entre o sagrado e o profano na relação da são a imagem do santo é levada para a de pessoas com seres considerados sobre-
sensualidade das coreiras11 junto às entida- casa de alguma pessoa da comunidade. naturais. Isso se mostra bem presente no ato
des. Dessa forma é possível perceber que Um cortejo vai atrás dessa imagem que é da punga, em que a coreira encosta o seu
nas manifestações afro sempre há a presen- trazida de volta ao terreiro, enquanto o tam- ventre no ventre do médium que está repre-
ça do pungado, do ritmo, da música. A pro- bor de crioula fica sendo tocado na frente sentando a entidade. Assim, há toda uma li-
messa não seria um sacrifício a ser feito, mas da casa, esperando para entrar junto com gação entre o tambor de crioula e as festas
uma comemoração, um festejo que traz ale- o santo. Depois disso uma ladainha é can- ocorridas nas casas de culto afro. Em algumas
gria a quem está dentro. Assim, ao ter visto tada e o tambor de crioula começa a ser ele é apenas mais um meio de homenagem a
todo aquele jogo de sensualidade e cânticos tocado até o final da tarde. algum santo e em outros uma obrigação.
cheguei a pensar que o local estava sendo
profanado, porém, com um pouco de refle- REFERÊNCIAS
xão, pude notar que isso é uma característi- CARVALHO, Rosário. Ritual de Cura no Terreiro de Mãe Elzita. Boletim on-line n°10
ca de quem está inserido naquele mundo. Junho de 1998. Disponível em: <http//www.cmfolclore.ufma.br>.. Acesso em: 18/12/2005.
No momento em que as mulheres da FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Século XXI. Rio de Janeiro:
casa12 chegaram ao salão, imediatamen- Nova Fronteira. 2004.
te o local se encheu de pessoas. Às ve- FERRETTI, Mundicarmo M. R. Preto Velho na Umbanda e no Tambor de Mina no Mara-
nhão. Boletim on-line. n°19, junho de 2001. Disponível em: <http//
zes Jariodama e Surrupirinha pegavam a
www.cmfolclore.ufma.br> Acesso em: 26/12/2005.
bandeira juntos e ficavam girando. No fi- _____. A presença de entidades espirituais não africanas na religião afro-brasileira:
nal, todas seguraram as mãos umas das sincretismo afro-ameríndio? Boletim on line CMF nº 19 Disponível em: <http://
outras e fizeram um círculo, Jariodama e www.ufma.br/canais/gpmina/Textos/13.htm>. Acesso: 26/12/2005. Ver também :<http://
Surrupirinha ergueram a bandeira no meio www.cmfolclore.ufma.br>.
e dançaram. A partir desse momento as FERRETTI, Sergio. O Tambor de crioula nos terreiros. São Luís. SECMA. 1979.
dançantes se uniram, fechando o círculo. FERRETTI, Sergio e SANDLER, Patrícia. Tambor de Crioula. Boletim on line nº 3, CMF
Momentos depois Jariodama começou 1995; Disponível em <http://cmfolclore.vilabol.uol.com.br/Bol03.htm#tambor1>. Aces-
a cantar: so: 18/12/2005.
OLIVEIRA, Jorge Itaci de. Orixás e Voduns nos terreiros de mina. São Luís. Secretaria da
“Nasci em mouro, Cultura do Estado do Maranhão. 1989.
nasci naquela cidade, SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e Umbanda – caminhos da devoção brasilei-
onde mora meu rei, ra. São Paulo. Ática. 1994.
meu pai, meu senhor,
meu pai, minha majestade”
* Curso de Ciências Sociais – UFMA; bolsista de Iniciação Científica da FAPEMA.
“Caboclo que passa na areia, 1 Tambor de Mina pode ser designado como um culto de origem africana.(FERRETTI 1979, p. 111).
que pisa na areia, 2 Sincretismo nascido no Rio de Janeiro na virada do século XX e talvez derivado da cabula (q. v.), que já
que dança na areia, no fim do século XIX registra elementos bantos, espíritas e palavras do jargão umbandista atual.
que rola na areia.” (FERREIRA, 2004).
3 O tambor de crioula é uma dança afro-brasileira encontrada no Estado do Maranhão e praticada,
O grupo que se apresentava nessa fes- sobretudo, por descendentes de africanos. A principal característica coreográfica da dança é a formação
de um círculo com solistas dançando alternadamente no centro. Um de seus traços distintivos é a Punga
ta chama-se “Tambor de Crioulos de Raimun- ou Pungada, (a umbigada). FERRETTI, S. e SANDLER, P., 1995.
do Silva da Alemanha”. Esse grupo teria um 4 Jorge Itaci fala sobre essa festa no trabalho “Orixás e Voduns nos terreiros de mina”. 1989, p.43.
compromisso com a entidade Jariodama. 5 Esse grupo de tambor de crioula parecia ser contratado. Isso impossibilitou saber o nome do mesmo.
6 FERRETTI, M. 2001.
Todo ano o grupo tem que tocar dois dias no 7 Segundo os participantes da festa esse grupo é ligado ao NEAB (Núcleo de Estudos Afro–Brasileiros).
terreiro de Mãe Elzita em reverência a São 8 Nos terreiros de São Luís é comum as pessoas dos terreiros chamarem as entidades de guias.
9 “O caboclo, no tambor de mina, embora tenha, geralmente, alguma ligação com o índio, pode ter uma
Raimundo Nonato e Jariodama. A festa, cuja origem não indígena (pode ser turco, francês ou ter outra nacionalidade)”. (FERRETTI, M. 1995 p. 03).
duração é de três dias, começou no sába- 10 Surrupirinha é uma entidade cabocla. Nessa casa ele é o guia de Mãe Elzita.
do, dia 27 de agosto, e se estendeu até o 11 Mulheres dançantes do tambor de crioula.
12 No momento as dançantes estavam em transe com suas entidades.
domingo, para reiniciar na terça, dia 30. Nesse 13 Cura ou pajelança, ritual com elementos ameríndios e negros, comum em terreiros de São Luís.
último dia só aconteceu um almoço em ho- 14 Boletim on-line n°10 Junho de 1998, p.03 acesso em: 26/12/2005.
Boletim 33 / dezembro 2005 13

O ENTRUDO NO CARNAVAL DE SÃO LUÍS


Ronald Clay dos Santos Ericeira*

“Brincadeira de mau gosto é o que se os transeuntes desavisados. Todavia, havia corrente do nome de uma fábrica chamada
vem registrando nos últimos carnavais aqueles que o classificavam como ‘jogo bru- Rhodia, que se instalou na cidade paulista
de São Luís... No ano passado, regis- tal’, quando festejado pelos segmentos po- de Santo André em 1918 e, desde então,
traram-se dois casos de cegueira irre- pulares como escravos, caixeiros e ciganos, passou a comercializar lança-perfumes com
cuperável em pessoas atingidas pela posto brincarem o Entrudo sujando uns aos o nome de “Rodó” (UM HÁBITO secu-
brincadeira dos ‘gracistas’ que, ultra- outros de farinha, lama e até mesmo urina. lar...,1981, p.3). Foi através desse termo
passando todos os limites do desregra- Esse ‘mau Entrudo’ teria sido condenado ‘Rodó’ que Zelinda Lima lembrou-se das
mento, atirando-lhes sobre os olhos pelos literatos porque não se adequava às batalhas de Entrudo que presenciou na sua
substâncias corrosivas... A água, os cor- normas cultas de civilidade que idealizavam. infância durante os dias da folia de Momo:
rosivos, a lama retirada da sarjeta ati- Embora não oferecendo pormenores “Era uma coisa que a gente ia pra festa,
rada sobre quantos estejam o alcance, sobre as batalhas do Entrudo em São Luís, e todo mundo fazia guerra de lança per-
em nada recomenda os nossos foros Ananias Martins (2001) destaca que o Car- fume... Meu pai mesmo comprava cai-
de cidade civilizada... Fica o apelo... à naval de Entrudo é comemorado na cidade xas e caixas, tinha de vidro que, quan-
erradicação dos nossos carnavais de desde meados do século XIX, atingindo seu do estilhaçavam, feria muito. Então ele
tão condenável ‘brincadeira’”. (QUERE- apogeu nas primeiras décadas do século comprava aquelas bombas douradas...
MOS carnaval e, não entrudo. O Estado XX e envolvendo os diversos sociais citadi- prateadas e chamava todo mundo. Isso
do Maranhão, 02/02/1974, p.7). nos. Na obra deste historiador é possível se chamava Rodó. Ninguém chamava
Essa reportagem do jornal O Estado do resgatar, ainda, algumas informações sobre lança-perfume, todo mundo chamava
Maranhão incentiva explicitamente as autori- o Entrudo (1819-1924) na capital maranhen- Rodó que era a marca do lança-perfu-
dades locais a combaterem a brincadeira do se a partir das memórias de Maria José Ri- me”. (informação verbal)2
Entrudo no carnaval de São Luís. O objetivo beiro, destacadas por ele: Cabe ressaltar que o Entrudo ‘batalha
de iniciar este artigo com a transcrição dessa “Não havia ‘cordões’ nem ‘sambas’, em de Rodó’, nas décadas de 1940-1950, além
reportagem acima ensejou levantar alguns compensação havia as ‘cabaçinhas’, de possuir um caráter familiar, como revela-
questionamentos para reflexão: que brinca- pequenas bolas de borracha fina cheia ram as lembranças de Zelinda Lima, tam-
deira é esta denominada de Entrudo que de- de água colorida; outras com formato bém adquiria uma feição romântica ao ser
veria ser erradicada do folguedo de Momo lo- de frutas, cheia de perfume. Usava-se mediadora entre os casais apaixonados,
cal? Quando se iniciou sua prática no carna- também uns terríveis com alvaiade, fa- conforme nos revela as memórias de um
val citadino? Em que formas o Entrudo se ex- rinha de trigo, e até fuligens de chami-
outro entrevistado:
pressou na cidade e que sentidos lhe foram nés... Este carnaval primitivo, tão ale-
atribuídos ao longo dos tempos? gre, tão simples, foi mais tarde substi- “O nosso carnaval antigamente tinha
Rastreando fontes bibliográficas para tuído pelos esplêndidos lança perfu- muita coisa bonita... desde dezembro
refletir sobre essas questões, é pertinente mes, ou rodó, como era chamados...” já começava a folia... Naquela época o
frisar que na visão de Pereira de Queiroz (Ribeiro Maria apud Ananias Martins, Rodó era uma maneira de você se iden-
2001, p.32). tificar com uma pessoa, quando você
(1999, p.30) o termo Entrudo surgiu em Por-
era rapaz e queria conhecer, se dar
tugal, antes do cristianismo, e significava ‘en- Tomei de empréstimo essa citação para
bem com uma menina, jogava no pes-
trada’, sendo festejado para comemorar a demarcar as transformações que acontece-
coço... Aquele Rodó ficava meio frio, ela
entrada da primavera. Após a implantação ram no Entrudo em São Luís no recorte de
já sabia que tinha que ‘tava’ paqueran-
do cristianismo na Europa, teria havido uma tempo supracitado (1819-1920). Primeira-
do com ela. Esse era um tipo de pa-
convergência de datas entre a celebração do mente, operando com os termos emprega-
quera carnavalesca. Isso até em blo-
Entrudo e o período momesco. A autora ain- dos por Maria Ribeiro para se referir ao En-
co, em festa, em baile de máscaras”.
da enfatiza que o Entrudo era, até século XVII, trudo, acredito que o termo carnaval primiti-
(Informação verbal)3
comemorado em aldeias e cidades, porém, vo, devido ao tom nostálgico empregado, foi
gradualmente, ficou restrito àquelas. Sua utilizado como sinônimo de ‘primeiras ma- Malgrado houvesse, por vezes, sentidos
base festiva apoiava-se nos laços familiares nifestações momescas’ da cidade e não positivados ao Entrudo até a década de 1950,
e relações de vizinhança e consistia em es- como antônimo de civilizado como se verá a cumpre enfatizar que, sobremaneira, a partir
pécie de batalhas entre os foliões que se su- seguir. Nesse sentido, o Entrudo seria uma da década de 1960-1970, essa expressão
javam mutuamente, utilizando materiais ao al- das primeiras manifestações carnavalescas carnavalesca passou a receber severas crí-
cance da mão: limões de cheiro, água, fari- de São Luís. É possível identificar, ainda, atra- ticas negativas de cronistas, editando em
nha, cinzas, lama e, por vezes, excrementos. vés dessas lembranças, um carnaval sendo jornais que essa brincadeira, além de ser
No tocante à manifestação do Entrudo representado como ‘simples’, ou seja, as de ‘mau gosto’ por sujar as pessoas, torna-
no Brasil, Pereira de Queiroz (1999) sinaliza brincadeiras de Entrudo eram realizadas va-se também um elemento nocivo aos pró-
que teria reinado sozinho no período coloni- sem significativos custos, já que se usaria prios foliões que utilizavam as substâncias
al, atingindo sua maior popularização no ‘cabacinhas’ contendo perfume, trigo ou fuli- dos limões de cheiro (lança-perfume) não
século XIX, quando começou a ser preterido gens de chaminés. Arriscaria apontar que mais para molhar/sujar os incautos, mas as
em nomes dos bailes de mascarados pro- talvez essas ‘batalhas com fuligens de cha- consumiam como tóxicos a fim de se obter
movidos pelos clubes carnavalescos cario- miné’ foram praticadas por funcionários das efeitos alucinógenos. Embora houvesse o
cas conhecidos como Grandes Sociedades. antigas fábricas de algodão de São Luís1 , combate intensivo a qualquer forma de ex-
Por sua vez, Leonardo Pereira (2004), ao que, criativamente, estariam atribuindo novos pressão do Entrudo, as reportagens de jor-
analisar as representações de literatos so- sentidos aos restos de tecidos dos seus tra- nais narravam as dificuldades encontradas
bre o Entrudo no século XIX no Rio de Janei- balhos. Ademais, os registros de memória pelas autoridades instituídas em se punir
ro, afirma que essas se diferenciavam con- apontam ainda a passagem/substituição das quem ainda insistisse em brincá-lo:
forme a classe social dos foliões. Havia es- ‘batalhas de cabaçinhas’ pelo uso do ‘Rodó “O lança perfume é tolerado pela polí-
critores que consideram o Entrudo uma ‘brin- e essa transição implicou em outras signifi- cia, apesar da proibição da lei e tam-
cadeira nobre’ quando praticada entre as fa- cações para o Entrudo na cidade. bém pelas pessoas que não aderem
mílias abastadas da cidade que usavam ja- No que tange à designação “Rodó”, uma ao hábito, mas não vêem nada de mais
tos ou bisnagas de cera contendo líquidos crônica de O Estado do Maranhão, de março em cheira um lenço e embriagar-se,
aromáticos (limões de cheiro) para molhar de 1981, reporta que esse termo seria de- apesar disto, quem comprar ou vender
14 Boletim 33 / dezembro 2005

lança-perfume está sujeita a pena de cultura popular. Em São Luís, foi possível feições, ao ser celebrado através dos diver-
um a quatro ano de prisão, além de mul- identificar incentivos institucionais direciona- sos ‘blocos de sujo’ que se multiplicaram
ta... Porém segundo a polícia é impos- dos para os grupos carnavalescos classifi- durante a década de 1990 nos diversos bair-
sível dar o flagrante do uso do lança- cados como organizados: escolas de sam- ros periféricos de São Luís. Nos dias de car-
perfume, porque como as ampolas são
ba, blocos tradicionais e grupos de tambor naval, o circuito de Rua São Pantaleão/Ma-
de vidro, se o consumidor jogar no
chão, a contravenção evapora-se”. (UM de crioula, entre outros. Assim, como o En- dre Deus tornava-se “a Pátria da maizena,
HÁBITO secular..,1981, p.3). trudo era considerado desregrado, não re- onde foliões sujam-se dos pés à cabeça em
cebia subvenções estatais, logo era percep- nome de Momo”. (A PÀTRIA...,1995, p.1). As-
No entanto, ainda que cientes dos pro-
tível o seu declínio no carnaval de São Luís, sim, próximo à virada do milênio, o Entrudo
blemas enfrentados pela polícia para punir
o que talvez tenha levado Araújo (2001) a afir- voltou a adquirir um local de destaque entre
os que ousavam infringir a lei ao “brincar de
sujar os outros foliões’, foram inúmeras re- mar seu banimento da folia de Momo na dé- as expressões carnavalescas locais: “Este
portagens e crônicas, no período da década cada de 1970. Nessa perspectiva, muitos cro- ano tudo está nos trinques. Vai ter carnaval
de 1970, classificando o Entrudo como ‘car- nistas também já consideravam as ‘batalhas para todos os gostos e faixa de foliões... Os
naval sujo’ e convocando insistentemente a de Rodó” como extintas: “É com saudades blocos de sujo já refinam suas latas de leite
polícia a proibir as “batalhas do Entrudo”. A que todos falam naquele terceiro lugar, com Ninho e estocam seus pacotes de Maizena
título de exemplo, eis um trecho de crônica um carnaval de rua forte... o Rodó também para o grande desfile dos bairros. (FARIA,
transcrito: que fez a alegria e a desgraça de muitos foi 1998, p.7).
outro componente que se transformou peça Acredito que um estudo mais sistemáti-
“Que não mais se venha a brincar ‘carna-
val sujo’ na Capital da Terra da Cultura, na de museu. (JORGE, 1981). Todavia estavam co do Entrudo em São Luís ainda precisa
Atenas Brasileira... E que nossas autori- enganados os que consideravam o Entrudo ser realizado, sobretudo, em seus aspectos
dades coíbam, de uma vez por todas, a como morto, pois, em 1982, o Imparcial anun- ritualísticos e de rivalidade. Espero que as
falta de educação e de princípios dos que ciava seu retorno à folia de Momo citadina: indicações bibliográficas e reflexões aqui al-
costumam emporcalhar os nossos foros “...jatos de água de esgoto, lama e até çadas permitam novos debates sobre as
de gente civilizada que sabe brincar sem variações dessa expressão carnavalesca
ovo de galinha, talco e maisena, eis al-
molestar aos que estão fora da multifacetada. Acrescentaria, ainda, que esta
guns ingredientes que se juntaram ao já
brincadeira”.(O RETORNO..., 1977, p,7). perspectiva diacrônica do Entrudo em São
tradicional Entrudo do carnaval de rua
É mister frisar que esse trecho de reporta- Luís possibilitou suscitar análises iniciais de
de São Luís. E isso gerou alguns desen-
gem possui um marco temporal próximo do como essa manifestação momesca foi so-
tendimentos em muitos pontos da cida-
que começou este artigo. Em ambas, há uma cialmente representada ao longo do tempo
de, porém sem conseqüências drásti-
acentuação e valorização do que eles nomei- na cidade: ora considerada primitiva por bur-
cas. É o retorno a um período vivido na
am de foros de cidade civilizada, que deveriam lar preceitos valorizados socialmente pelos
década passada, onde no período do
ser defendidos das práticas condenáveis do segmentos sociais abastados, ora essa
carnaval, as pessoas se preocupavam
Entrudo pelos poderes públicos. Em outras mesma parcela social o classificava como
palavras, São Luís, a Atenas Brasileira, não muito mais em molhar e sujar os outros tradicional. Ademais, “batalhas de cabaçi-
deveria ter seu carnaval maculado com a pre- que brincar de forma mais sadia....- es- nhas”, “de Rodó”, “de Maizena” significavam
sença de brincadeiras apontadas como vio- quecido durante alguns anos, mas re- e significam brincadeira entre vizinhos, entre
lentas e desregradas. Valeria sinalizar, respal- cordado, com entusiasmo em 82”.(O familiares, entre namorados, entre amigos
dado em trabalhos de Rossini (1993) e La- RESSURGIMENTO...,1982, p.5). ou rivais. Fica o registro de que o Entrudo
croix (2002), que as representações coletivas Diria que paulatinamente o Entrudo foi permaneça vivo entre nós, pois, embora o
que forjaram o mito da Atenas Brasileira, bem retornando ao carnaval de São Luís ao longo ato de brincar de sujar o outro por vezes seja
como o da fundação francesa da cidade, fo- dos anos de 1980, sendo novamente perce- visto apenas pelo viés negativo, tal ação tem
ram forjadas pela elite social e intelectual lu- bido e representado de forma positiva por distintos sentidos subjacentes, quais sejam:
dovicense e enfatizam a singularidade e a su- amplos segmentos sociais e pela própria ‘brincar o carnaval com o outro...‘estar soci-
perioridade cultural da capital maranhense. mídia. Além disso, o Entrudo assumiu novas almente com o outro’...
Nessa direção, as críticas e reprovações à
manifestação do Entrudo na década de 1970
REFERÊNCIAS
advinham, sobretudo, de representantes dos
segmentos sociais mais cultos que procura- A PÁTRIA da maizena. Jornal Pequeno.fevereiro.1995.
vam e incentivavam divertimentos carnavales- ARAUJO, Eugênio. Não deixa o samba morrer: um estudo histórico e etnográfico sobre o carnaval de
cos considerados civilizados. São Luís e a escola Favela do Samba. São Luís: EDUFMA, 2001.
CORREA, Rossini. Formação Social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luis: Plano
“Coisa de admirar em nossos tempos, Editorial/SECMA, 1993.
surgiu, em São Luís, um grupo de jo- ERICEIRA, Ronald Clay dos Santos Ericeira. Haja Deus! A Flor do Samba na festa de Momo da Atenas
vens universitários, cônscios de seu pa- Brasileira. (Dissertação de Mestrado). São Luís: UFMA, 2005.
pel de futuros líderes da geração nova, FARIA, Antônio Nelson. O Bloco da vitória volta para rua. O Imparcial. Janeiro. 2004.
de moços amantes da Cultura e da Tra- JORGE, Sebastião. Terceiro do Mundo. O Imparcial. Janeiro.1981
dição - o Grupo Punga, que vem arre- LACROIX, Maria de Lurdes Lauande. A fundação francesa de São Luís e seus mitos. 2.ed. São Luís:
metendo contra a desmoralização de Lithograf, 2002.
nosso carnaval, contra a suja e mal-edu- MARTINS, Ananias. Carnaval de São Luis: diversidade e tradição. São Luís: Lithograf, 2001.
cada maneira que se procurava implan- PEREIRA DE QUEIRÓZ, Maria Isaura.Carnaval brasileiro: o vivido e o mito. São Paulo: Brasiliense, 1999.
tar, de brincar o carnaval à base de ba- PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Carnaval das Letras: Literatura e folia no Rio de Janeiro do
nhos de lama, de água suja, de alvaia- século XIX. 2.ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004.
de e outras substâncias poluidoras à O RESSURGIMENTO do entrudo no carnaval. O Imparcial. Fevereiro, 1982.
saúde”. (O RETORNO..., 1977, p.5). O RETORNO do Antigo Carnaval. O Imparcial. Fevereiro. 1977.
Em relação aos incentivos institucionais ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 2003.
para as práticas culturais na década de 1970, QUEREMOS carnaval e, não entrudo. O Estado do Maranhão. Fevereiro. 1974.
UM HÁBITO quase secular: o lança-perfume. O Estado do Maranhão. Março. 1981.
não se pode esquecer que o País vivia uma
ditadura militar. Na visão de Ortiz (2003), · Mestre em Ciências Sociais - UFMA
embora tenha havido dispositivos visando o 1 Rossini Correa (1993) aponta o fim do século XIX e começo do século XX como o período da indústria
têxtil em São Luís, fazendo a receber nesse transcurso o título informal de Manchester Brasileira.
controle das expressões culturais, as medi-
2 Entrevista concedida por Zelinda Lima, membro da Comissão Maranhense de Folclore, em junho de
das estatais não se voltavam unicamente para 2004, quando realizei pesquisa de campo para o trabalho dissertativo. (ERICEIRA, 2005)
a repressão, possuindo um lado de fomento à 3 Entrevista concedida por Seu Portela, morador do Desterro, em outubro de 2004.
Boletim 33 / dezembro 2005 15

JANELA DO TEMPO

Festa de São João que eu vi*


Lopes Bogéa*
A festa de São João e o Bumba-meu- tamente com os moradores do bairro. Quin- tas da arena popular. Devemos salientar
boi que eu vi. ze dias de festa e irmandade de gente, como com destaque o grande compositor de
Na década de trinta eu era um garoto, queria o Criador! fama, Messias com seu cavaquinho infer-
e estava em companhia de meu velho João Há certa coisa na vida que se transfor- nal, tirando sambas de improviso por um
Leles dos Santos, inventor do gás em ba- ma em culto e tradição. Eis que no largo trago de cachaça, que os presentes paga-
lão de borracha suspenso no ar. Por não existia uma mangueira secular, bastante vam com satisfação.
registrar seu invento perdeu a paternidade. copada, que se erguia como um monumen- Os “Bumbas” que desfilavam, frutos da
Lá estávamos no largo do João Paulo, com to com suas frondes, querendo proteger e Ilha: “Madre Deus”, na chefia de Zé Igarapé,
as bombas, garrafas de ferro, sacos com abrigar a todos os presentes. Os Bumba- Vila Passo, do famoso músico Misico, “Fé
alumínio cortado, latas de soda cáustica meu-bois vinham fazer suas apresentações em Deus”, do grande Laurentino (Seu Lola),
com balões de borracha e tubos de linha. no largo, faziam suas “obrigações” na por- “Rio São João”, “Mata”, “São José de
O povo que nunca havia visto tal coisa, se ta da casa de São Roque, depois iam brin- Ribamar”, as duas “Maiobas”: Jenipapeiro
acercava de gente, para assistir serem chei- car debaixo da tradicional mangueira, isto e Grande, estas no comando dos poetas
as as bolas e se erguerem no ar presas por fazia parte da festança. Diziam mesmo os populares Eloi, Luís Costa e Dá na Vó,
mais velhos, que quando uma brincadeira “Guaiba” (Iguaiba) e outros de menor proje-
linha zero. Era mesmo lindo, ver cambadas
não representasse para a mangueira, esta ção. Minha gente, nesta época a brincadei-
de balões coloridos presos nos dedos dos
teria má sorte. Não víamos na época a epi- ra era duríssima. Quando duas delas se en-
vendedores. Eu era um deles. Saia com os
demia de quadrilhas por lá não víamos tal contravam, botavam para quebrar. O bumba-
balões para as barracas que estendiam
meu-boi do “Iguaiba” era o mais “remoso”.
suas mesas entre ariris, cordões com ban- brincadeira, era somente o Bumba-meu-
Os “caboclos de pena” com suas
deirinhas de papel de seda em cores diver- boi que é, e será, a tradição do Maranhão.
“trupiadas”, socando o solo com os pés nus
sas. Homens, mulheres e bebidas se mis- A festança não parava, era contínua, os
e esturrando como feras bravas, conduzi-
turavam nos quadrados de madeira a se di- “bumbas” brincavam até o dia raiar, quan- am nas cintas ou nos penachos torêtes de
vertirem... Chegava eu com as bolas as do se recolhiam deixando debaixo da man- madeira para os encontros. Quando acon-
mulheres desejavam e os cavalheiros com- gueira o chão socado pelos pés dos tecia o pau comia. A pancadaria era gros-
pravam, enchendo as mãos das damas que brincantes, ao sapatearem. Vamos falar sa, às vezes até mortes surgiam, era um
os acompanhavam. Oh! Que saudades da- dos bailes populares que se defrontavam inferno. Sempre um querendo ser melhor
queles bons tempos. em disputas de orquestras, todos cheios, do que o outro. Vi e ouvi certa vez no largo
Vamos a festa: Na noite de vinte e três apinhados, de onde saía um cheirinho de do João Paulo dois rapazes assistindo uma
para vinte e quatro de Junho, dia este con- suor, misturado com poeira do piso soca- brincadeira, quando um deles falou: “Vamos
sagrado a São João Batista, meu padroei- do, formando um gás horroroso!... Lembro- embora rapaz, não vou perder meu tempo
ro. O povo da cidade afluía em massa para me muito bem de um que tinha o nome de espiando um boi de “Fuça”. O outro pediu
o bairro do João Paulo para assistir as brin- “Rosa Amarela” de propriedade do Tenente espera mais um pouco, nós já vamos. Foi
cadeiras do Bumba-meu-boi. O transporte Trinta e Rosilin na rua da Cerâmica. Depois quando um dos brincantes apitou e agitan-
mais usado era o bonde elétrico de prefe- das funções dos bailes os músicos se diri- do o maracá no ar cantou assim:
rência o “Caradura”. Estes veículos, na épo- giam para o largo, onde ficavam tocando e “Quem chamou meu boi de fuça é me-
ca da festa rodavam até o outro dia apare- bebendo na maior alegria nas barracas. En- lhor arrespeitá
cer, carregando o povo. Os bondes que até tre eles devemos salientar a figura impo- quem quiser espequetá
há bem poucos anos prestavam serviços à nente do músico “Paulo Moraes” que em que se espequete
coletividade, era o transporte mais barato, companhia do seu trombone-vara, trepado se não quer vá se deitá!”
deixaram de ser úteis por terem sido retira- em uma mesa executava lindas partes mu- - Também o nosso amigo Laurentino,
dos de circulação pelo ex-Prefeito “Cafetei- sicais, arrancando dos presentes aplausos considerado um dos mais festejados
ra”. Os moradores do bairro eram chama- e ovações... Durante o dia os boêmios com cantador da Ilha, estava certa vez assistin-
dos de “Gente do Barro Vermelho”, porque violões, cavaquinhos, pandeiros, tocavam do uma brincadeira, todo metido num terno
na época a via era de barro bruto, não havia chorinhos e carimbol para a popularíssima branco, de tubarão, fazenda coqueluche da
calçamento nem asfaltamento. O largo, “Nega Fulo” (Flor). Filomena era o verdadei- época, quando o amo cantou saudando o
como a via chamada “Caminho Grande”, ro nome da popular “Nega Fulo”. Esta colo- nosso amigo:
também era de barro bruto, socado com os cava um copo cheio de cachaça na cabe- “É Laurentino,
pés da nossa gente humilde que ali habita- ça, requebrava até ao chão, sem o líquido Tu é bom na bandaleira,
va. Na praça existia uma igrejinha que tinha derramar uma só gota. Também colocava o Tu fez casa de tijolo
como patrono São Roque, onde hoje funci- copo cheio no chão, e, ao compasso da E dei bolo no dono da caieira!”
ona o mercado municipal do bairro. A música se rebolava até ao solo e apanhava - Por isto os dois poetas foram as vias
zeladora da capelinha está hoje com seus a vasilha com os dentes, virando de um só dos fatos, indo parar a confusão na Cen-
noventa e cinco anos, chama-se dona trago para a garganta, sem derramar um
tral de Polícia. Fatos como estes foram
Florípedes, reside à rua Agostinho Tôrres. pingo, sem se utilizar das mãos. A turma
inúmeros. Eu falo como falou o velho Guer-
Em frente à sua casa, ainda está de pé, assistente batia palmas e enchia o copo
reiro: “MENINOS EU VI”.
uma das tantas mangueiras que davam de “branquinha” para a “Fulo” sorver de um
sombras para os moradores do pequeno fôlego. “Nega Fulô fazia parte das festivida-
lugar, que só na festa de São João sentiam des de São João do João Paulo. As suas * Jornal Pequeno. São Luís, Ano XVII, Nº 6.121.
grande alegria pela visita das classes alta e parceiras eram Maria Bernarda, Maria Terça-feira 30 de Junho de 1970, p.4.
Casadinha, Antônia Praga e outras artis- ** Jornalista e folclorista maranhense, já falecido.
média, que se misturavam em uma só, jun-
16 Boletim 33 / dezembro 2005

RESUMOS E RESENHAS
TESES, DISSERTAÇÕES E MONOGRAFIAS
SOBRE CULTURA POPULAR DO MARANHÃO
LINDOSO, Gerson Carlos Pereira – pectivamente. Trata-se de uma contri- PACHECO, Gustavo de Brito Freire
ILÊ ASHÉ IEMOWÁ: um estudo et- buição ao estudo da cosmologia e do – BRINQUEDO DE CURA: Um estu-
nográfico-midiático sobre um terrei- ritual entre os Jêje, denominação atri- do sobre a pajelança maranhense.
ro de tambor de mina em São Luís. buída à “nação” de origem daomeana, Tese de Doutorado apresentada ao
Monografia de conclusão do curso uma das vítimas da escravidão no Bra- Programa de Pós-Graduação em An-
de Comunicação Social. UFMA. São sil. Esse estudo não é uma etnografia tropologia Social do Museu Nacional,
Luís: 2004, 78 p. Orientação: Ser- das casas, mas um estudo comparati- UFRJ. Rio de Janeiro, 2004, 284 p.
gio F. Ferretti. vo, onde coloca-se, mais uma vez, o Orientação: Otávio Velho.
problema do desafio existente entre os RESUMO: Essa tese tem como
RESUMO: O presente trabalho métodos a serem adotados numa pes- tema a pajelança ou cura, manifestação
monográfico é um estudo etnográfico- quisa baseada na observação partici- da religiosidade popular maranhense
midiático sobre um terreiro de tambor pante. O aspecto mais original da pes- que apresenta uma forte dimensão lú-
de mina em São Luís do Maranhão: o quisa foi gravar, num primeiro momen- dica combinada à ênfase no tratamen-
Terreiro de Iemanjá, no bairro popular to, um repertório de cânticos e rezas to de doenças e perturbações. A partir
da Fé em Deus. Esse terreiro de mina e, aproveitando-se a condição de fa- de trabalho de campo realizado nas ci-
foi chefiado por mais de 40 anos pelo lante nativo da língua fon, língua con- dades de Cururupu e São Luís, a tese
falecido babalorixá-vodunon Jorge Ita- ventual dos candomblés Jêje, mergu- procura tratar das práticas dos pajés ou
ci de Oliveira. Ao longo do trabalho, lhar, num segundo momento, nas uni- curadores maranhenses, abordando-os
aborda-se questões importantes como dades de observação de Cachoeira e simultaneamente como mediadores com
as relações entre a Antropologia e a São Luís, com a finalidade de fazer um o sagrado, como agentes terapêuticos
Comunicação; elenca-se alguns jorna- essai de reconnaissance do seu lega- e como fontes de entretenimento e pra-
listas com algum tipo de trabalho vol- do lingüístico cultural. Neste sentido, a zer estético, mostrando como esses
tado para as religiões afro-brasileiras; contribuição dos informantes foi funda- aspectos estão estreitamente entrela-
e discute-se a representação das reli- çados. Ao mesmo tempo, cada uma
mental, e proporcionou um intercâm-
giões afro-brasileiras pelos meios de dessas dimensões é tratada como uma
bio frutífero de experiências. A estraté-
comunicação de massa, além de se porta de entrada para discutir questões
gia de entrevistá-los sozinhos em casa
apresentar aspectos antropológicos mais gerais no âmbito da antropologia
funcionou; de outra maneira, teria sido da religião, da antropologia médica e da
referentes ao terreiro de Iemanjá. O impossível, visto as burocracias e os
fulcro ou ponto essencial da pesquisa antropologia da performance.
jogos de poderes inerentes aos terrei-
foi a vivência no terreiro de Iemanjá, ros em tempo de atividades. No novo
ponto de partida para se contextuali- DELGADO, Ana Luiza de Medeiros –
habitat, o parentesco e a organização “SÓ PRECISA REBOLAR?”. Uma in-
zar as religiões afro-brasileiras e as social, o gênero, o transe e a posses- vestigação sobre performance e dinâ-
culturas negras no universo dos meios são, o mito, o rito, a cosmologia e o mica cultural na tradição do cacuriá.
de comunicação. simbolismo foram reinterpretados pe- Dissertação de Mestrado apresenta-
los africanos e seus descendentes no da ao Programa de Pós-graduação
SOGBOSSI, Hippolyte Brice – CON- Brasil, ao ponto de conferir às práticas em Antropologia, UFPE, Recife, 2005.
TRIBUIÇÃO AO ESTUDO A COS- religiosas no País uma autonomia e 169 p. Orientação: Carlos Sandroni.
MOLOGIA E DO RITUAL ENTRE OS uma identidade particulares. As incur-
JÊJE NO BRASIL: Bahia e Mara- RESUMO: O cacuriá é uma dança
sões em outros países das Américas, conhecida em vários estados do Brasil
nhão. Tese de doutorado apresen- como Cuba e Haiti, alimentam a discus- como manifestação tradicional maranhen-
tada ao Programa de Pós-Gradua- são com o objetivo de afirmar que as se. Em São Luís, os grupos são numero-
ção em Antropologia Social do Mu- formas comportamentais comuns a es- sos e a dança está difundida em pratica-
seu Nacional, UFRJ. Rio de Janeiro, ses países lhes conferem unidade den- mente todos os bairros populares. Esse
2004, 284 p. Orientação: Giralda
tro da diversidade que é o mundo reli- trabalho investiga a invenção e difusão
Seyferth.
gioso afro, que é, ao mesmo tempo, da dança do cacuriá, assim como as trans-
RESUMO: O objetivo principal des- uma continuação, dentro do conjunto formações simbólicas sofridas pela mani-
se trabalho é proporcionar um quadro das religiões chamadas de transe e festação enquanto contexto cultural.
de discussão de alguns assuntos de- possessão. As entrevistas concedidas
correntes de pesquisas de campo em no atual Benin são a prova concreta ERICEIRA, Ronald Clay dos Santos –
três unidades de observação no Bra- dessa afirmação. As fontes bibliográfi- HAJA DEUS! É a Flor do Samba na fes-
sil: Salvador e Cachoeira (no Estado cas da antropologia clássica e, sobre- ta de momo da Atenas Brasileira. Dis-
da Bahia) e São Luís, no Estado do tudo, a produção brasileira e interna- sertação de Mestrado apresentada ao
Maranhão, onde são praticadas religi- cional sobre o tema são os instrumen- Programa de Pós-graduação em Ci-
ões de origem africana denominadas tos imprescindíveis para conduzir um ências Sociais, UFMA. São Luís, 2005,
“candomblé” e “tambor de mina”, res- trabalho tão substancial. 240 p. Orientação: Sergio F. Ferretti.
Boletim 33 / dezembro 2005 17
RESUMO: Essa dissertação reali- sendo perseguidas, pintadas como si- ARAUJO, Paulo Jéferson Pilar - ES-
za um estudo histórico e etnográfico nais de decadência da região e de sua TUDO ETNOLINGÜÍSTICO DA VARI-
sobre a escola de samba Flor do Sam- gente e não estariam de acordo com EDADE POPULAR DO PORTUGUÊS
ba. As rememorações dos seus foliões as ditas verdadeiras tradições da terra FALADO NAS TERRAS DE PRETO
e a pesquisa de campo e documental timbira. Ocorre que esse, também, é NO MARANHÃO. Monografia de con-
foram os instrumentos utilizados para um momento em que elementos da- clusão do Curso de Letras. UEMA.
analisar a trajetória dessa escola de quelas manifestações, especialmente São Luís, 2005, 50 p. Orientação:
samba no carnaval da cidade. São pri- Fabíola de Jesus Soares Santana
o tambor de mina e o bumba-meu-boi,
vilegiadas suas redes de relações so- começam, de modo acentuado, a fa- RESUMO: Parte-se de pressupos-
ciais e o papel que desempenhou para zer parte de textos e falas que identifi- tos da Etnolingüística para uma des-
a consolidação do ritual das escolas de cam e significam o ser maranhense. crição da variedade popular do Portu-
samba em São Luís. A sociabilidade que guês falado nas chamadas comunida-
Nessa operação, participam intelectu-
permeia a Flor do Samba permite que des negras rurais ou terras de preto
ais diversos, a imprensa, policiais, po-
ela articule mediações entre diversos no Maranhão. Analisa-se a realidade
líticos, clérigos e os próprios popula- sócio-cultural, principalmente no âmbito
segmentos sociais populares, intelec- res; uma (re)negociação em torno da religioso e lingüístico de tais comuni-
tuais e políticos. O universo social da maranhensidade, envolvendo, dentre dades. Levantam-se alguns questiona-
Flor do Samba condensa a complexi- outros, movimentos de apropriação, cir- mentos concernentes à participação de
dade urbana de São Luís em seus as- cularidade, dominação e resistência línguas negro-africanas na co-forma-
pectos morais, míticos, festivos, mági- cultural. O Maranhão e o maranhense ção histórica do Português do Brasil,
co-religiosos, identitários, políticos e não são categorias que se referem a levando-se em conta as particularida-
econômicos, que fazem o carnaval da realidades prontas e acabadas, trata- des históricas desses grupos sociais
cidade ser um fenômeno social total. denominados quilombos. Detendo-se
se, ao contrário, de uma região e de
Seus conflitos, suas tensões e suas ne- no léxico via religião afro-brasileira, o
um tipo regional que vêm sendo cons- Terecô, são analisados alguns termos
gociações internas apontam para a di-
tantemente escritos e reescritos e tais existentes na comunidade Santo Anto-
versidade e alteridade das experiênci-
processos de significação e ressignifi- nio dos Pretos, no município de Codó,
as humanas, as quais são elementos
cação, invenção e reinvenção têm um considerados africanismos, a partir de
vitais e complementares que possibili-
momento exemplar em meados do sé- trabalhos etnográficos e lingüísticos
tam a recriação constante da escola. A
culo XX. nessa comunidade.
paixão dos foliões pela Flor do Samba
é um dos mediadores que os fazem tra-

NOTICIAS
balhar coletivamente para a continui-
dade dessa agremiação carnavalesca.

BARROS, Antônio Evaldo Almeida –


RENEGOCIANDO IDENTIDADES E
TRADIÇÕES: Cultura e religiosida-
MORRE DONA CONCEIÇÃO MOURA
de popular ressignificadas na mara- Morre aos 84 anos, por falência múl- ligião afro-maranhense. Começou a tra-
nhensidade ateniense (1940-1960). tipla dos órgãos, dia 29 de dezembro, às balhar no astral com seu Marcelino e na
Monografia de conclusão do curso 22 horas, após quinze dias internada no umbanda com seu Rompe Mato, quan-
de História, UFMA. São Luís, 2005, CTI do Centro Médico Maranhense, Ma- do a Tenda São Jorge situava-se na Rua
155 p. Orientação: Wagner Cabral ria da Conceição Moura Macêdo – Dona do Outeiro. Afilhada de batismo de Dom
da Costa. Conceição Moura - Mãe de Santo da Luís na crôa de Mãe Alta, nochê da Casa
RESUMO: Analisa-se processos de Tenda São Jorge, à Rua Catulo da Pai- de Nagô, somente a partir de 1957, pas-
invenção e reinvenção do Maranhão e xão Cearense, casa 235, na Vila Pas- sou a trabalhar com Dom Luís por consi-
do maranhense a partir do estudo de sos. Nascida em 08 de dezembro de derá-lo “muito cheio de responsabilida-
práticas, experiências e discursos acer- 1921, bem jovem foi “feita” na mina na des”. Dizia que a Tenda São Jorge tinha
Casa de Mãe Alta, na Rua do Outeiro. como chefe, na umbanda, Seu Rompe
ca de festas e manifestações da cultu-
Foram mais de 65 anos dedicados à re- Mato e na mina, Dom Luís.
ra popular, bem como de mitos e ideo-
logias que embebem aquela socieda-
de em meados do século XX (1940- I CONFERÊNCIA ESTADU
ESTADU AL DE CUL
ADUAL TURA
CULTURA
1960). No período em foco, a identida-
Realizou-se a I Conferência Esta- gresso Nacional; contribuir para a for-
de maranhense continua sendo escul-
dual de Cultura do Maranhão, nos dias mação do Sistema Nacional de Infor-
pida a partir de um velho mito, que se 1, 2 e 3 de dezembro de 2005, convo- mações Culturais; promover amplo de-
reatualiza e redefine o torrão local cada pelo Decreto nº 21.494, de 23 de bate sobre os signos e processos cons-
como Atenas Brasileira, uma singulari- setembro de 2005. Entre os objetivos titutivos da identidade e da diversida-
dade (ou pretensa superioridade) que estavam o de subsidiar o Conselho de cultural maranhense; e eleger de-
distingue a região e seu tipo de outras Federal de Políticas Públicas Culturais legados que representarão o Estado
zonas do território nacional. Também, na definição das diretrizes do Plano do Maranhão na I Conferência Nacio-
nesse período, manifestações de cul- Nacional de Cultura, a ser encaminha- nal de Cultura, para citar alguns do
tura e religiosidade popular continuam do pelo Ministro da Cultura ao Con- doze objetivos.
18 Boletim 33 / dezembro 2005

UM NATAL DE BOAS FESTAS


NOTICIAS O Centro de Cultura Popular
Domingos Vieira Filho e a Comis-
I ENCONTRO NORTE-NORDESTE são Maranhense de Folclore leva-

DE COMUNICAÇÃO E CULTURA
ram às ruas Um Natal de Boas Fes-
tas com uma programação não só
A Universidade Federal do Maranhão, o Instituto de Comunicação e Cultura
festiva, mas também bastante ins-
Chamamaré e o Núcleo de Estudos em Estratégias de Comunicação realizaram
no período de 8 a 10 de dezembro, no Centro de Ciências Sociais da UFMA, o I trutiva. Começou dia 9 de dezem-
Encontro Norte-Nordeste de Comunicação e Cultura. Temas como nacionaliza- bro com o III Concerto para o Meni-
ção da cultura, mídia e cultura regional, política e cultura, economia e cultura no, com 400 vozes de corais infan-
foram atualizados pelos conferencistas: Bete Almeida, do MINC; Profa. Dra. Ân- to-juvenis; Bazar de Natal; Concur-
gela Prysthon, da UFPE; Leonardo Brant, consultor e pesquisador em política
so de Exposição Arvoredo VIII; La-
cultural; Prof. Dr. Sérgio Gadini, da UEPG; Glauber Filho, jornalista e produtor
da TV Ceará; Renato L, do Conselho Municipal de Cultura/Recife; Juiz Federal pinha III (mostra de diferentes con-
Carlos Madeira; e o Professor Doutor Francisco Gonçalves, da UFMA, que en- cepções de presépios); e VII Can-
cerrou o I Encontro Norte-Nordeste de Comunicação e Cultura com a conferên- tata Natalina (no dia 17, um cortejo
cia Mídia e Poder. Durante o Encontro aconteceram, ainda, mini-cursos, grupos com personagens da cena natalina
de trabalhos, lançamentos de livros, apresentações do Quarteto da Escola de
e Banda do Bom Menino do Con-
Música Lilah Lisboa, Bumba-meu-boi de Maracanã, Cacuriá de Dona Teté, Tam-
bor de Crioula e festa de reggae com a Radiola Vibration Sound. vento das Mercês, concertos de
canto coral nas Igrejas da Sé, Re-
LIBERDADE RELIGIOSA EM DEBATE NA REDE T V médios, São Pantaleão, Rosário,
Santo Antonio, São João Santana,
Pai Francelino de Xapanã, chefe da umbandista para o Censo (do IBGE) do Carmo, Desterro, na Rua Gran-
Casa das Minas de Toy Jarina (Diade- significa que ela é rejeitada, não é acei-
de – em frente à Ponte Magazine,
ma-SP) e a antropóloga e professora ta.. A política e a religião têm relação
de Pós-Graduação da PUC, Terezinha intrínseca: “O que se vê é que um po- encerrando na Escadaria ao lado do
Bernardo, foram os entrevistados so- lítico que é umbandista, quando che- Teatro João do Vale, na Praia Gran-
bre o tema Liberdade Religiosa, do dia ga ao poder, tem que optar por outra de, com um concerto conjunto de
23 de dezembro, no Programa Direitos religião... Sabendo que determinada 500 vozes). E o Natal de Boas Fes-
de Resposta, que a Rede TV está exi- religião dá mais votos, o político não tas continuou com o III Serenatal
bindo de segunda a sexta, das 16:00 à vai defender uma religião minoritária”....
(concerto de músicas natalinas
17:00 horas. Em pauta o preconceito, O Programa Direitos de Resposta
disse Pai Francelino: “A presença de - uma arma contra os abusos da TV - é com professores e alunos da Es-
brancos, amarelos não muda a visão produzido e editado por representan- cola de Música Lilah Lisboa); corte-
de que ela (a religião) é uma religião tes do Ministério Público e das organi- jo e apresentação de grupos natali-
do negro, o que se quer mostrar é que zações autoras de Ação Civil movida nos de São Luís; show de Fernan-
a religião dos negros não tem valor”... contra a Rede TV. Mais informações: do de Carvalho, Coral São João e
Dizer que é católico ou espírita e não www.direitosderesposta.com.br
os convidados Tadeu Carvalho e

29º FEMACO – FESTIVAL MARANHENSE DE COROS Cecília Leite; e cortejo e apresenta-


ção de grupos natalinos do interior
A Universidade Federal do Maranhão, através do Departamento de Assun- do Estado. Como toda boa festa na-
tos Culturais da Pro-Reitoria de Extensão, realizou a 29ª versão do FEMACO, talina, o encerramento do Natal de
de 23 a 29 de outubro, apresentando mostra itinerante com corais infantis e Boas Festas aconteceu com a
infanto-juvenis no Núcleo de Extensão da UFMA, na Vila Embratel; na Igreja Nos-
sa Senhora de Fátima, no Bairro de Fátima; e na Basílica Nossa Senhora de Queimação de Palhinhas do Presé-
Nazaré, no bairro Cohatrac. Participaram do Festival 52 grupos de canto coral pio do Museu Histórico e Artístico do
infantil, infanto-juvenil e adulto. Maranhão, dia 06 de janeiro; e a
Queimação da Palhinhas dos pre-
BRAVO! BRAVO! sépios dos Paços da Quaresma do
07 a 18 de novembro. Teatro Arthur Aze-
O Teatro Arthur Azevedo reabriu com vedo. Que bom que você voltou!!! Beco da Pacotilha e da Rua Afonso
pauta de apresentações no período de Pena, com mini-procissão do Me-
nino Jesus pelas ruas João Vital,
PREMIAÇÃO CIDADE DE SÃO LUIS DA FUNC Palma, 14 de Julho, Direita e Giz,
Ronald Clay dos Santos Ericeira, balho “Haja Deus”, sobre a Flor do Sam- seguida de ladainha cantada por
mestre em Ciências Sociais, ganhou o ba, no XXIX Concurso Literário e Artísti- Dona Teté e Rosa Reis.
1º lugar na Categoria Ensaio, com o tra- co “Cidade de São Luís”. Parabéns!
Boletim 33 / dezembro 2005 19

AGENDA DE CULTURA POPULAR


RITOS NATALINOS: QUEIMAÇÃO DE PALHINHAS DOS PRESÉPIOS
SÃO LUÍS - ÁREA URBANA
DATA RESPONSÁVEL// LOCAL ENDEREÇO// TELEFONE HORÁRIO

JANEIRO
06/01 Flávio Veiga Avenida São Sebastião, nº 04 – Anil 18:00 horas
06/01 Museu Histórico e Artístico do Maranhão – MHAM Rua do Sol, nº 305 – Centro 18:00 horas
06/01 Maria dos Reis Ferreira Costa Rua 49, Quadra 37, Casa 19 – Conjunto Vinhais 19:30 horas
07/01 Benedita Águida Ribeiro Moreira Rua Rachid Abdalla, nº 09 – Fé em Deus 19:00 horas
10/01 Nizeth Aranha Rua do Coqueiro, nº 29 – Centro 18:00 horas
13/01 Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho Rua do Giz, 205/221 – Praia Grande 18:00 horas
16/01 Elzita Vieira Martins Coelho Rua Nossa Senhora da Conceição, 180 - Sacavém 18:00 horas
19/01 Casa das Minas Rua de São Pantaleão, 857 – Centro 18:00 horas
20/01 Euzamar Soares Costa Rua das Barraquinhas, 253 - Centro 19:00 horas
28/01 Tereza Cristina Pereira Brenha Rua 02, Quadra I1, Casa 06 – Alto do Calhau 19:30 horas
22/01 Antônio Raquel Rua 19 de março, nº 280 – Monte Castelo 20:00 horas
20/01 Therezinha de Jesus Jansen Pereira Rua Grande, nº 533 - Centro 20:30 horas
FEVEREIRO
02/02 Casa de Nagô Rua Candido Ribeiro, nº 799 - Centro 18:00 horas
02/02 Terreiro de Iemanjá Travessa Fé em Deus, nº 45 – Fé em Deus 20:00 horas
02/02 Ayrton de Ogum Rua Nossa
DATA Senhora das Graças, nºRESPONSÁVEL//
62 – Liberdade LOCAL 20:00 horas
04/02 Maria de Jesus Rua 20, Quadra 39, Casa 07 - Bequimão
JANEIRO 20:00 horas
06/01 Igreja Nossa Senhora da Conceição 3241-7844
SÃO LUÍS - ÁREA RURAL E OUTROS MUNICIPIOS 06/01 Igreja Santa Rosa de Lima
06/01 Igreja Nossa Senhora Aparecida 3265-9505
06/01 Igreja Nossa Senhora dos Homens 3224-8038/80
06/01 Tenda da Felicidade do Filho de Deus da Umbanda
06/01 Igreja Nossa Senhora da Conceição
06/01 Igreja de São João 3237-2355

06/01 Igreja Santana 3248-2942


06/01 Igreja Nossa Senhora da Conceição 3226-3106
06/01 Igreja São Benedito 3264-7678/76

06/01 Aldenora Cantanhede Gomes 3241-3876


06/01 Terezinha de Jesus Moraes 3241-3683
06/01 Carmem dos Santos Correa 3241-7218
06/01 Pedro Jesus Ferreira Moraes Av. Principal
06/01 Igreja de São Pedro Av. Principal
08/01 Parque da Juçara 3241-6005
FEVEREIRO
02/02 Tenda 7 Estrelas 3241-7650
MARÇO
08/03 Maria da Conceição Santos Ferreira Rua Nossa Sr
20 Boletim 33 / dezembro 2005

Perfil Popular
SEU CADÓ Deborah Baesse*
Fotos: Acervo da família

João Evangelista de Oliveira chamava-


se o artesão conhecido por Seu Cadó,
nascido em 28 de dezembro de 1928, em
Apodi, no Rio Grande do Norte, e radicado
em Santa Rita, no Maranhão.
O pai, Raimundo Hermógenes Olivei-
ra, vítima do alcoolismo, abandonou a fa-
mília por volta de 1950, sem deixar conhe-
cido o seu paradeiro. Seu Cadó teve, pois,
uma infância de dificuldades e trabalho,
desde a lavoura de milho e feijão até o fa-
brico de selas e artigos de montaria, aju-
dando o pai quando este conseguia traba-
lhar. Passou fome e necessidades mes- sou a utilizar a “ciência” de fazer selas para
mo trabalhando exaustivamente. produzir bolsas, carteiras, cintos, sandálias
Em busca de uma vida melhor, a mãe, e bauzinhos, repetindo neles os desenhos –
Maria Vicência de Freitas Oliveira, e os oito pontos, pespontos, arabescos e relevos com
filhos emigraram para o Maranhão, fixan- que decorava as montarias, tratando o cou-
do-se definitivamente em Santa Rita, onde ro com carinho e inventividade e criando ver-
dadeiras obras de arte, as quais hoje figu- Em 1978, a convite, deu um curso de
reencontraram o pai em estado adiantado artesanato em Bacabal e realizou algumas
da doença. O ainda menino Janjoca (como ram em coleções e museus da Europa, Es-
exposições de seus trabalhos em São Luís,
carinhosamente era tratado) assumiu os tados Unidos, Argentina e Japão.
com pleno êxito de público e de venda,
encargos do sustento da mãe e dos sete Além dessas habilidades com o cou-
sendo a última delas promovida por seu
irmãos. ro, Seu Cadó ainda participava ativamente
filho Aldo Marvão, em 1993, no Centro de
Dotado de extraordinária inteligência, da vida cultural de Santa Rita, criando pe- Criatividade Odylo Costa Filho.
apesar de ter estudado apenas até a 4ª série quenos carros alegóricos carnavalescos, Faleceu, vítima de infarto, em 28 de
do primário, era um leitor inveterado e tinha inspirados em acontecimentos históricos maio de 2001, deixando importante lega-
a vocação do artista nato. Desde muito cedo como o descobrimento do Brasil e a via- do cultural e artístico, destacando-se como
seus trabalhos passaram a se destacar pela gem do homem à lua; aparecendo nos Au- um dos mais importantes artesãos do Es-
criatividade, beleza e perfeição. tos de Natal, representando um pastor de tado do Maranhão.
Seguindo orientações do Fundo de In- ovelhas; ou desfilando em festas cívicas,
* Deborah Baesse é mestre em educação, pesqui-
centivo e Desenvolvimento do Turismo e apenas para citar algumas de suas reali- sadora de cultura popular e folclore maranhense
Artesanato - FURINTUR, Seu Cadó pas- zações na área. e membro da Comissão Maranhense de Folclore.

Você também pode gostar