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Poemas de Drummond e Meireles

Este conjunto de poemas de Carlos Drummond de Andrade explora temas como a passagem do tempo, a solidão, o amor e a necessidade. Um dos poemas celebra a capacidade dos ombros de suportar os problemas do mundo. Outro reflete sobre como a ausência pode ser interiorizada e assimilada.

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João Pedro Rosa
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Poemas de Drummond e Meireles

Este conjunto de poemas de Carlos Drummond de Andrade explora temas como a passagem do tempo, a solidão, o amor e a necessidade. Um dos poemas celebra a capacidade dos ombros de suportar os problemas do mundo. Outro reflete sobre como a ausência pode ser interiorizada e assimilada.

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No Meio do Caminho

(Carlos Drummond de Andrade)

No meio do caminho tinha uma pedra


tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse


acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do
caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Quadrilha
(Carlos Drummond de Andrade)

João amava Teresa que amava


Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim
que amava Lili,
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa
para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria
ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J.
Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
José sua gula e jejum,
sua biblioteca,
(Carlos Drummond de sua lavra de ouro,
Andrade) seu terno de vidro,
sua incoerência,
E agora, José? seu ódio — e agora?
A festa acabou,
a luz apagou, Com a chave na mão
o povo sumiu, quer abrir a porta,
a noite esfriou, não existe porta;
e agora, José? quer morrer no mar,
e agora, você? mas o mar secou;
você que é sem nome, quer ir para Minas,
que zomba dos outros, Minas não há mais.
você que faz versos, José, e agora?
que ama, protesta?
e agora, José? Se você gritasse,
se você gemesse,
Está sem mulher, se você tocasse
está sem discurso, a valsa vienense,
está sem carinho, se você dormisse,
já não pode beber, se você cansasse,
já não pode fumar, se você morresse...
cuspir já não pode, Mas você não morre,
a noite esfriou, você é duro, José!
o dia não veio,
o bonde não veio, Sozinho no escuro
o riso não veio, qual bicho-do-mato,
não veio a utopia sem teogonia,
e tudo acabou sem parede nua
e tudo fugiu para se encostar,
e tudo mofou, sem cavalo preto
e agora, José? que fuja a galope,
você marcha, José!
E agora, José? José, para onde?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
Teus ombros suportam
o mundo
Os Ombros Suportam e ele não pesa mais que
o Mundo a mão de uma criança.
(Carlos Drummond de As guerras, as fomes, as
Andrade) discussões dentro dos
edifícios
Chega um tempo em provam apenas que a
que não se diz mais: vida prossegue
meu Deus. e nem todos se
Tempo de absoluta libertaram ainda.
depuração. Alguns, achando
Tempo em que não se bárbaro o espetáculo
diz mais: meu amor. prefeririam (os
Porque o amor resultou delicados) morrer.
inútil. Chegou um tempo em
E os olhos não choram. que não adianta morrer.
E as mãos tecem apenas Chegou um tempo em
o rude trabalho. que a vida é uma ordem.
E o coração está seco. A vida apenas, sem
mistificação.
Em vão mulheres batem
à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz
apagou-se,
mas na sombra teus
olhos resplandecem
enormes.
És todo certeza, já não
sabes sofrer.
E nada esperas de teus
amigos.
Pouco importa venha a
velhice, que é a velhice?
Congresso da morte e o medo de
Internacional do depois da morte.
Medo Depois morreremos
de medo
(Carlos Drummond de
Andrade) e sobre nossos
túmulos nascerão
Provisoriamente não flores amarelas e
cantaremos o amor, medrosas.
que se refugiou mais
abaixo dos
subterrâneos.
Cantaremos o medo,
que esteriliza os
abraços,
não cantaremos o
ódio, porque este não
existe,
existe apenas o medo,
nosso pai e nosso
companheiro,
o medo grande dos
sertões, dos mares,
dos desertos,
o medo dos soldados,
o medo das mães, o
medo das igrejas,
cantaremos o medo
dos ditadores, o medo
dos democratas,
cantaremos o medo
Mãos Dadas
(Carlos Drummond de Andrade)

Não serei o poeta de um mundo caduco.


Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos, mas nutrem grandes
esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos
dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma
história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem
vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de
suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por
serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente,
os homens presentes,
a vida presente.
Ausência
(Carlos Drummond de Andrade)

Por muito tempo achei que a


ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada,
aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento
exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência
assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Poema da necessidade
(Carlos Drummond de Andrade)

É preciso casar João,


é preciso suportar Antônio,
é preciso odiar Melquíades
é preciso substituir nós todos.
É preciso salvar o país,
é preciso crer em Deus,
é preciso pagar as dívidas,
é preciso comprar um rádio,
é preciso esquecer fulana.
É preciso estudar volapuque,
é preciso estar sempre bêbado,
é preciso ler Baudelaire,
é preciso colher as flores
de que rezam velhos autores.
É preciso viver com os homens
é preciso não assassiná-los,
é preciso ter mãos pálidas
e anunciar O FIM DO MUNDO.
Ainda que mal
(Carlos Drummond de Andrade)

Ainda que mal pergunte,


ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor.
Soneto de Fidelidade
(Carlos Drummond de Andrade)
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento


E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure


Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):


Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Motivo
 Cecília Meireles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Retrato
 Cecília Meireles
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim
magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Lua adversa
 Cecília Meireles
Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua…)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…
Ou isto ou aquilo
(Cecília Meireles)
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,


ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,


quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa


estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,


ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo…


e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,


se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda


qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Meia lágrima
Conceição Evaristo

Não,
a água não me escorre
entre os dedos,
tenho as mãos em concha
e no côncavo de minhas palmas
meia gota me basta.
Das lágrimas em meus olhos secos,
basta o meio tom do soluço
para dizer o pranto inteiro.
Sei ainda ver com um só olho,
enquanto o outro,
o cisco cerceia
e da visão que me resta
vazo o invisível
e vejo as inesquecíveis sombras
dos que já se foram.
Da língua cortada,
digo tudo,
amasso o silencio
e no farfalhar do meio som
solto o grito do grito do grito
e encontro a fala anterior,
aquela que emudecida,
conservou a voz e os sentidos
nos labirintos da lembrança.
Vozes-mulheres recolhe todas as nossas
Conceição Evaristo vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
A voz de minha bisavó engasgadas nas
ecoou criança gargantas.
nos porões do navio. A voz de minha filha
ecoou lamentos recolhe em si
de uma infância a fala e o ato.
perdida. O ontem – o hoje – o
A voz de minha avó agora.
ecoou obediência Na voz de minha filha
aos brancos-donos de se fará ouvir a
tudo. ressonância
A voz de minha mãe o eco da vida-liberdade.
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas
alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos
brancos
pelo caminho
empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
Da calma e do
silêncio

Conceição Evaristo

Quando eu morder
a palavra,
por favor,
não me apressem,
quero mascar,
rasgar entre os
dentes,
a pele, os ossos, o
tutano
do verbo,
para assim versejar
o âmago das coisas.
Quando meu olhar
se perder no nada,
por favor,
não me despertem,
quero reter,
no adentro da íris,
a menor sombra,
do ínfimo
movimento.
Quando meus pés
abrandarem na
marcha,
por favor,
não me forcem.
Caminhar para quê?
Deixem-me quedar,
deixem-me quieta,
na aparente inércia.
Nem todo viandante
anda estradas,
há mundos
submersos,
que só o silêncio
da poesia penetra.
INTERTEXTO

Bertolt Brecht

Primeiro levaram os negros


Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários


Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis


Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados


Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando


Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.
O Vosso tanque General, é um carro forte
Bertolt Brecht

Derruba uma floresta esmaga cem


Homens,
Mas tem um defeito
- Precisa de um motorista

O vosso bombardeiro, general


É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
- Precisa de um piloto.

O homem, meu general, é muito útil:


Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar
Bertolt Brecht

Eu vivo em tempos sombrios.


Uma linguagem sem malícia é sinal de
estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não
recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses, quando


falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
já está então inacessível aos amigos
que se encontram necessitados?

É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.


Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)

Dizem-me: come e bebe!


Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a
quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo
Ocê

João Rosa

Ah eu fico imaginando
Eu e ocê
Vontadocê
Saudadocê
De Viajacocê
Ficaquicocê
Proseácocê
Enriquecê mais ocê
Pra quê?
Gasta tudim mais ocê

Empobrecê mais ocê


Fugicocê
Namoracocê
Casacocê
Ter filhim com quem?
Ocê

Rezácocê
Invelhecêcocê
Morre mais ôce
E subi pro céu mais ocê
Encontrar com Papai do céu mais ocê
Pedi ele pra voltar pra terra cocê
Pra que?
Pra fazêtudim de novo,
Mais quem?
Mais ocê.
Constelação
JOÃO ROSA

A lua um dia poderia

Tropeçar num cometa

E ir de caso no sol

Só ficam de namorico os dois

É um fugindo do outro

Uma coisa mais desatinada

E nem um nem outro, ninguém assume nada

Saturno poderia deixar uma brecha

E perder um de seus anéis

Plutão criança e sapeca poderia causar

O encontro Feliz da vida netuno um dia contaria o conto

Para mercúrio que está longe ficar ouvindo...

A Terra ficaria só Vênus com Júpiter

Marte contar Uranos que estavam passando

Num metrônomo em data supernova

Sendo medido pela poeira cósmica


Deserrado – Desenhado
João Rosa
As palavras são meio que coincidentemente prontas!

Entretanto as letras são

Escorregadias que só

Ah... que fico pensando

No namorico das pessoas com elas,

O chá seria muito mais bonito

Se fosse escrito com “Xis” do que com “Ch”

Por que tantos por quês?

Se todos eles se resumem Ao mesmo modo de se pronunciar?

São tantos As, Bs, Cs e Chs por aí

Mas se parar para pensar em como

As palavras são eloquentemente construídas

Ficamos dignamente maravilhados!

Por obséquio, por favor e obrigado!

Temos aqui uma redundância

Redundantemente agradável,

A dialética abre-se formidavelmente

Assim como uma flor se abre

Para um beija flor

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