0 notas 0% acharam este documento útil (0 voto) 68 visualizações 25 páginas Teoria Do Risco Do Amor
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Salvar Teoria do risco do amor para ler mais tarde DODNDOOSPNOSS HOSS SGHSGO HHH GOGO HNSNSdIOIOSNSOHOPIE
Cadernos da Escola de Direito e Relagdes Internacionais da UniBrasil
Jan/Dez 2007
A POS-MODERNIDADE JURIDICA E A TEORIA DO RISCO DE
AMOR - NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO APLICADOS AOS
RELACIONAMENTOS AFETIVOS
THE JURIDICAL POST-MODERNITY AND THE THEORY OF THE RISK OF LOVE
—NEW PARADIGMS OF THE RIGHT APPLIED TO THEAFFECTIVE
RELATIONSHIPS
Ana Cecilia Parodi'
Resumo: Teoria do Risco. Ficgfo jurfdica que visa a equilibrar a hipossuficiéncia da vitima,
dilatando a obrigagdo de indenizar, aos agentes que provocam 0 desequilfbrio, pela pratica de
atividades que, por si sés, aumentam sua vantagem ¢, em contrapartida, expdem a sociedade
& maior petigo de lesio. Contudo, tutelas jurisdicionais desvirtuaram a interpretago do
principio, revertendo-o contra as vitimas de lesties oriundas dos relacionamentos afetivos ~
on “danos de amor”. Afastando-se do escopo protetivo, sob o véu da ‘Teoria do Risco, por
anes se computou prejuizo integral aos vitimados, expondo toda a comunidade a grave risco
social, pelo estimulo da cultura da irresponsabilidade ¢ abandono da fungdo profilitica das
Teparagées. A “Teoria do Risco de Amor” emerge da nova paradigmética juridica e confere
eficdcia as garantias constitucionais fundamentais.
Abstract: Theory of the Risk. Juridical fiction that seeks to balance the victim's
hyposuficiency, dilating the obligation of compensating to the agents that provoke the
unbalanee, for the practice of activities that, by themselves, increase their advantage and
expose the society to largest lesion danger. However, the jurisdictional protection depreciated
the interpretation of the principle, reverting it against the victims of lesions, Under the veil
of the Theory of the Risk, for years integral damage wes computed to those slain, exposing
the whole community to a serious social risk, because of the incentive of the abandonment
of the preventive function of the repairs. The Theory of the “Risk of Love” emerges of a
new juridical paradigm and it provides effectiveness to the fundamental constitutional
warranties.
Palavras-chave: Novos Paradigmas do Direito — Garantias Constitucionais Fundamentais ~
Responsabilidade Civil - Teoria do Risco - Dano Moral e Material — Relacionamentos
Afetivos — Novas RelagGes Familiares — Reparago ~ Danos de Amor — Teoria do Risco de
Amor,
Word-keys: New Paradigms of the Right. Fundamental Constitutional Warranties. Civil
Responsibility. Theory of the Risk. Moral and Material Harm. Affective Relationships. New
Family Relationships. Repair. Damages of Love. Theory of the Risk of Love.
' Mestranda om Sociedades e Direito/PUCPR, Especialista em Direito Aplicado/EMAP-PR. Especialista
‘em Direito Civil e Empresarial a Luz do Novo Cédigo/PUCPR. Advogada, Professora da P6s-Graducio da
Escola Nacional de Advocacia, Palestrante e Conferencista. Autora de diversas obras juridicas. Colaboradora
da Revista Veja Online, titular da p4gina www.veja.comvdireitos.
237APOS-MODERNIDADE JURIDICA EA TEORIA DO RISCO DEAMOR-NOVOS
PARADIGMAS DO DIRETTO APLICADOS AOS RELACIONAMENTOS AFETIVOS
SUMARIO
1. Notas introdutrias
2A Concepgio juridica constitucionalizada
2.1 Conseqiiéncias da nova paradigmiética do direito nas searas de familia
2.2 Conseqiiéncias da nova paradigmatica do direito nas indenizagdes
2.2.1 A wadicional teoria do risco—atividade ¢ culpa
3 Relacionamentos afetivos pés-modemnos.
3.1 Classificagiio e espécies de vinculos.
3.2 Natureza juridica dos relacionamentos afetivos horizontais.
3.2.1 Aconjugalidade
3.2.2 Afetividade em sentido estrito
3.3 Direito de amare dircito de romper
3.4 Conclusées parciais
4 Responsabilidade civil aplicada
4.1 Danos de amor
4.1.1 Danos de amor indenizaveis
4.2 Teoria do risco de amor
4.2.1 Noticia jurisprudencial
4.2.2 Doutrina da teoria do risco de amor
5 Conelusiio
6 Refer€ncias bibliograficas
1 Notas introdutérias
A reparagao do dano sofrido é um anscio do Homem, desde os primérdios, cuja
concretizagao atravessou longa linha evolutiva, indo desde a auto-satisfagio até a tutela
jutidica da Teoria da Responsabilidade Civil aplicada. O campo das relagdes amorosas niio
diferente, tendo farta noticia histérica? de autotutelas cometidas para se “lavar a honra”,
dentre outros.
Apés incansaveis lutas em prol dos Direitos Humanos e a devida consolidagio
da Carta Magna de 1988, 6 correto afirmar que reparagdo é garantia fundamental,
constitucionalmente assegurada. Contudo, sua efetividade sempre encontrou ébices,
quando se pretendia imputar a obrigagao indenizatéria em lesdes provenientes de relagdes
que no possufam explicito tratamento legal’.
Mas a Modernidade e a a Pés-Modernidade trataram de impor a necessidade
Juridica de se enfrentar aos mais diversos tipos de danos, reputando como profiléticas as
sentengas reparatérias.
* Inclusive biblica e mitolégica.
3 Caso dos danos ambientais, trabalhistas em matéria de abrangéncia e mesmo conswmeristas, antes da
edigiio do Cédige de Defesa do Consumidor.
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ANA CECILIA PARODI
‘Os novos paradigmas do Direito influenciam ao ordenamento juridico como um
todo, exigindo um novo foco interpretativo para as normas positivadas, sempre as colocando
sob a luz da Constituigdo Federal.
Coma devida iluminagao, pontos de escuridio jurisprudencial acabam se revelando.
Dentre elas, 0 desvirtuamento da aplicabilidade da Teoria do Risco (da Atividade, ou
Negocial), que passou a ser um chavo dos érgios jurisdicionais para afastar, de plano, a
apreciabilidade das lesées oriundas da operacdo irregular dos relacionamentos afetivos.
As vitimas se viam praticamente punidas por sentengas que Ihes improperavam o exerefcio
do regular direito de amar, imputando integralmente 4 sua esfera obrigacional, todo e
qualquer prejuizo suportado.
Via de conseqiiéncia légica, 0 risco social se vé enormemente agravado, pela
cultura da irresponsabilidade. Os particulares realmente poderiam entender que,
independente do mal ocasionado, sairiam ilesos, dada a natureza romantica da relagio
debatida,
Mas os tempos stio de privilégio 20 preambulo constitucional. Busca-se a
construgio de uma sociedade livre, justa e solidaria, através do estimulo a responsabilidade
social — ndo apenas corporativa, ou governamental, mas propria dos cidadios,
individualmente considerados,
Novas figuras surgem na seara indenizatéria, enquanto as tradicionais sdo relidas.
E a Familia, base da sociedade, recebe maior protegdio do Estado, tanto em sua eficécia,
quanto em suas relagGes antecedentes e no eventual rompimento,
Firmado 0 compromisso* de se combater a violéncia' nas relag6es familiares®, é
preciso ento, “passar a limpo o passado jurisprudencial”, definindo com seguranga 0
que seja orisco das relagdes rominticas, ou seja, a “Teoria do Risco de Amor”, combatendo
a inconstitucional afastabilidade de plano da apreciagiio das demandas, que gerava a
2
ilegal indenizabilidade em tese dos “danos de amor”.
2 ACONCEPCAO JURIDICA CONSTITUCIONALIZADA.
Novos paradigmas do Direito caminham lado a lado com um fenémeno conhecido
por “constitucionalizagao do Direito Civil” ou “publicizagao do Direito Privado”.
Na atualidade juridica, a situago normativa excede as dicotomias extremas,
afrouxando-se os liames entre os Direitos Piblico e Privado. Conjuntos ordenativos tipicos
* Consignado no § 8°, do art. 226, CF.
5 Termo a ser lido em seu sentido mais amplo.
§ Demonstrado, inclusive, em todo teor da Lei 11.340/2006, que recém completou um ano de
enfrentamento oficial da violéncia doméstica ¢ familiar contra a mulher.
7 Teoria do Risco de Amor e Danos de Amor sio neologismos jurfdicos descritos por esta autora na obra
Responsabilidade Civil nos Relacionamentos Afetivos Pés-Modernos, Russell Editores, Campinas-2006,
600 p. Valendo, esta mengdo, como nota de referéncia apropriada para todas as demais vezes em que os
termos forem citados adiante.
239APOS-MODERNIDADE JURIDICA EA TEORIA DO RISCO DEAMOR-NOVOS
PARADIGMAS DO DIREITO APLICADOS AOS RELACIONAMENTOS AFETIVOS,
de uma esfera, restam eivados de regramentos préprios da outra. E nesse cendrio que se
fala em um Direito Privado publicizado, visto que é crescente a insergo de normas de
cardter cogente nos ordenamentos civis.
Contuds, nao se trata de um retrocesso aos tempos da imposigao da vontade do
Estado sobre.a:Vontade do Homem. Os Direitos Humanos de I* ¢ 2* geragées estfio
garantidos; mas para que possam alcar eficdcia, dependem da consolidagiio da 3* geractio
de tutelas —a Solidariedade Social, objetivada desde o predémbulo da Constituigao Federal,
que fulera toda a aplicag&o juridica na busca de uma sociedade livre, justa e solidéria.
Para tanto, todo e qualquer instituto normativo deve ser lido e aplicado conforme
aluz constitucional solidéria, impondo restrigao 4s condutas humanas, nao por ingeréncia,
mas por uma bem-vinda intervencio estatal reguladora dos limites das atitudes, para que
se conduzam pela esteira da responsabilidade social individual, bem descrita no artigo
187, do Novo Cédigo Civil, que reputa como ato ilicito o exercicio regular de um direito de
uma forma que extrapole os limites impostos pela boa-fé ou pelos bons costumes, ou pelo
fim econémico ou social daquele direito em tela. Esses elementos delimitadores constituem
a func&o social da figura juridica e a sua violacdo se constitui em abuso de direito, Resta
reconhecido que todo instituto legal ou doutrinétio possui um objetivo ajustado a finalidade
constitucional®.
Carlyle Popp’ ensina com maestria que a dignidade da pessoa humana é um
prinefpio fonte, que influencia, de modo irrevogavel, a todas as relagdes particulares. Essa
intervenco estatal na amplitude da vontade das partes decorre do interesse maior da
sociedade de que sejam regulados os limites basicos das relagées, para que 0 equilibrio —
material:e moral — entre as pessoas seja preservado, visando ao atingimento do idedrio
humanista: a construgo de uma sociedade livre, justa e solidaria e a promogao do bem de
todos, independentemente de preconceitos.
# em favor da meta do personalismo ético que se prospecta, no caso concreto,
interpretagio e aplicactio da norma de acordo com a fungi social das figuras juridicas
envolvidas, Dele (do personalismo ético) emanam prinefpios orientadores das relagdes
privadas, tais como a Boa-Fé (objetiva) Negocial, a condenagio da Reserva Mental, 0
Equilibrio das Prestagées, a Transparéncia, entre outros. Tudo se resumindo na
Solidariedade, fruto do espirito ético, apregoado nesta era. Reflexos das diretrizes
constitucionais da Carta Magna — norma piiblica, no cerne da codificagdo civilista ~
origem privada. Precipuamente sendo exaltados os art. 5° ¢ 170 da Constituigéio Federal de
1988.
Esse norteamento moral se opera em todas as relagdes dos particulares; nao
apenas no contratualismo, mas igualmente em relagdes interpessoais, como as tipicas da
| Assim, um contrato deixa de ser 0 arcaico mecanismo de troca entre as partes, para significar um
instrumento de consolidagio socialmente responsivel de direitos materiais, 0 que equivale a dizer que a
transagio é eferuada sem lesio financeira ou moral para ambas as partes, desequilibrio que refletiria,
inevitavelmente, em toda a commnidade.
* POPP, Carlyle. O Direito em Movimento, Curitit
: Jurué, 2007. p. 62.
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ANA CECILIA PARODI
familiaridade, notadamente caracterizando, a sua fungdo social, a felicidade dos entes,
com a conseqiiente imputagao da responsabilidade social pessoal, como ainda se veré
melhor,
2.1 Conseqiiéncias da Nova Paradigmética do Direito nas Searas de Familia
Em linhas gerais, ¢ licito afirmar que os novos paradigmas do Direito depuseram
‘antigo modelo familiar patriarcal, para consagrar 0 modelo eudemonista. Digressfio que
bem se confirma pela andlise das normas tipicas da familiaridade, situadas no bojo
constiticional ¢ do Novo Cédigo Civil, além de legislagGes esparsas, como a Lei “Maria da
Penha” e a alteragaio ao Codex, para fazer inserir 0 instituto da guarda compartilhada.
Antigos diplomas so agora interpretados e aplicados sob a nova ética preconizada.
O antigo modelo patriarcal, também denominado oitocentista, era baseado no
exercicio desmedido do patrio poder, a quem, no passado, j4 se conferiu poderes de vida
e morte sobre filhos ¢ servos. Até hd pouco tempo, reputava-se a Familia como sendo uma
“instituigdio” a ser preservada a qualquer prego, razo pela qual a lei impunha Obices duros
& sua dissolucdo. Casamento era sinénimo para negécio entre casas, firmado segundo
trato entre os pais, em desprest{gio do sentimento dos filhos. A mesma premissa era valida
para a escolha de carreira profissional, dentre outras questdes da vida adulta.
Eudemonismo, por sua vez, é uma figura juridica baseada na felicidade e que
remete a Declaragio Francesa de Direitos do Homem e do Cidadfio. Napoletio Bonaparte jé
propagava que a felicidade humana deveria ser o fim de todo ato governamental”®,
Na sede das Familias, o modelo eudemonista prima pela felicidade individual de
cada membro de uma relagiio familiar, para que se atinja a felicidade coletiva. As células
extravasam 0 tradicional modelo formado por ascendentes até 2° grau e descendentes.
Nuicleos formados apenas pelo pai e pelo filho, por uma madrasta e enteado, ou pela
madrinha e afilhada, passam a merecer a mesma protegdo de um miicleo dito convencional’',
Como se verd melhor adiante, todas as relagdes amorosas séo visitadas pela
virtude da Pés-Modernidade, merecendo adequada protegdo juridica.
2.2 Conseqiiéncias da Nova Paradigmitica do Direito nas Indenizagies
A Teoria da Responsabilidade Civil & composta, fundamentalmente, pela Teoria
do Ato Ilicito — onde se descrevem as condutas ~c pela Teoria da Obrigagdio Indenizatéria
—onde se especializam as condutas ¢ se determinam as formas de se reparar aos prejutzos.
Para que se estabelega a obrigagao de indenizar, & preciso que se verifiquem
alguns elementos, que siio os formadores dos atos ilfcitos. A saber: a identificagéo do
1 Tanto que exigia que as repartigGes piblicas declarassem, obrigatoriamente, esse ideal, por meio de
placas dependuradas nas paredes dos érgios governamentais,
1 Mesmo porque, as farnilias “mosaico” e “monoparental” ganham cada vez mais espago nas estatisticas,
241APOS-MODERNIDADE JUR{DICA EA TEORIADO RISCO DEAMOR-NOVOS
PARADIGMAS DO DIREITO APLICADOS AOS RELACIONAMENTOS AFETIVOS
agemte (pessoa :que causa o dano) e da vitima (pessoa que sofre o dano), da conduta
antijurfdica (comportamento do agente, eivado de dolo ou de culpa em sentido amplo ou
estrito), do dano (prejuizo, de ordem material ou moral) de um nexo de causalidade (entre
a conduta do agente e o dano).
Ato ilfcito € a violago de um dever pactuado ou de natureza legal, o que infere,
conseqiiente e respectivamente, na responsabilidade contratual e extracontratual,
Em casos pontuais, a obrigaco de indenizar pode ser imputada independente de
culpa, caso da responsabilidade objetiva, que decorrer do risco da atividade praticada.
Este tema serd explorado no item seguinte.
Importa destacar que os novos paradigmas juridicos conferem maior amplitude a
esses elementos.
Atualmente, toda pessoa é passivel de ser responsabilizada, incluindo as piblicas
¢ privadas, corporativas ou individuais, com extensio, inclusive, do dever assumido por
atos de terceiros. Da mesma sorte, até entes desprovidos de alma podem ser reputados
como vitimas, como o meio ambiente e 0 patriménio cultural; personificagdes coletivas
também sfio protegidas, na seara dos direitos difusos e coletivos,
Surgem novos danos, como o ambiental.
Especialmente, o Novo Cédigo Civil é responsével pela contemplagao do abuso
de direito como ato ilicito, definindo que nao basta ao sujeito que s6 ande dentro de sua
esfera legitima — é preciso que pratique seus atos com responsabilidade social, caminhando
pelo estabelecimento do idedrio preambular constitucional. Diz 0 artigo 187, do Codex
privado que “também comete ato ilfcito o titular de um direito que, ao exercé-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econémico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes”,
+ Sobre a’Teoria do Risco, afirma o pardgrafo tinico, do artigo 927, do Novo Cédigo
Civil, pondo em plano estritamente enumerativo, a responsabilidade objetiva, que “haveré
obrigacio de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em
lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem”.
Basicamente, a responsabilizacio subjetiva se distingue da objetiva pela
averiguag&o ov nao, respectivamente, da presenga de culpa do agente. Estabelecido o
nexo de causalidade entre conduta ¢ dano, em regra, a lei brasileira comina a culpabilidade,
Jato sensu, como elemento vital da imputacao obrigacional, critério pessoal que determina
a responsabilidade subjetiva. Neste caso, 0 agente comete um ato ilicito.
' Com aevolugio da Teoria Geral no mundo ocidental, foram determinadas hip6teses
exaustivas, cm que a tutela estatal se mostra mais efetiva, em face do interesse ptiblico,
levando, 0 legislador, a consignar a responsabilidade civil objetiva. Desprezando ao
© Tanto que exigia que as cepartigdes péblicas declarassem, obrigatoriamente, esse ideal, por meio de
placas dependuradas nas paredes dos érgiios governamentais.
" Mesmo porque, 2s familias “mosaico” e “monoparental” ganham cada vez mais espago nas estatisticas.
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ANA CECILIA PARODI
elemento pessoal, analisa a tese pela Teoria do Risco da Atividade, bastando, para tornar
ao ente imputdvel, a verificago inconteste do nexo causal.
Orisco advém do mero exercicio da atividade enumerada, a qual, via de regra, traz
em seu bojo, periculosidade prépria. O risco é equilibrado, na esfera obrigacional, lato
sensu, do provavel agente, pelo Iuero aproveitado na exploraciio negocial. Exemplos
virtuosos se extracm nas searas do fornecimento ao consumidor e na jutisprudéncia, da
qual se retira, a titulo ilustrativo:
Ago civil pablica — Extrag&o de cascatho ~ Dano ambiental — Reparacdo — Responsabilidade
objetiva — 1 - Nos termos do § 2.° do art, 225 da CF/88, aquele que explorar recursos minerais
fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado [...] 2 - Em se tratando de dano
ambiental, excepcionalmente, 6 admitida a responsabilidade objetiva, a qual independe da
existéncia de culpa e se baseia na idéia de que a pessoa que cria © risco deve reparar os danos
advindos de seu empreendimento. (...] (img — apev 000.281.132-1/00 — 2.* e.civ, ~ rel. des.
Nilson Reis ~ j. 15.4.2003) jof.225 jef.225.2
Meras condutas, como ade ser 0 dono, ou.o detentor, de um animal, jé itnpendem
em responsabilidade civil objetiva, conquanto mitigada. Diz-se impura, por comportar a
inversdo do énus da prova"?, oportunizando, 4 defesa do agente, comprovar que o seu
animal no é 0 verdadeiro causador do dano, fato que Ihe exime' da responsabilizagao.
Neste sentido, o art. 2,050, do Cédigo Civil Italiano, que dita in vernaculum: “Aquilo que
ocasiona dano aos outros, no desenvolvimento de sua atividade, por sua natureza, ou
pela natureza dos meios de operacionalizagio, é chamado para o ressarcimento [adapt.] se
no prova ter adotado todas as formalidades idéneas a evitar o dano!*.
Naesfera da legitima defesa, se o agente atingir a0 patrimOnio de um terceiro, por
erro de pontaria ou necessidade inerente A aciio, hd que indenizar. A excludente somente
se aplica contra os danos sobre patrimOnio, lato sensu, de quem deu causa ao ataque. Bem
anotado por Gongalves, a legitima defesa putativa nao inibe o dever de indenizar, porque
exclui a culpabilidade, mas nfo a antijuridicidade'’, Dita a jurisprudéncia:
Civil e Processual Civil — Reparagio de danos ~ Responsabilidade civil do estado ~ Policia
‘Militar ~ Vitima que saca arma branea c tenta atingir policial - Disparo de arma de fogo
contra a perna — Atitude moderada e necessdria para reprimir injusta agressdo — Amputagio
da perna— Culpa exclusiva da vitima — Excludente de responsabilidade — Relagao de causalidade
® Objetiva até esta etapa — € dispensado, ao vitimado pelo animal, o onus probandi,
+ Torna-se impura por comportar a excludente de culpa — a qual sequer deveria ser discutida, em seara
propriamente objetiva.
4 Chiungue cagiona danno ad altri nello svolgimento di un’attivittd pericolosa, per sua natura o per la
natura dei mezzi adoperati, & tenuto al risarcimento se non prova di avere adottato tutte le misure idonee.
a evitare il danno.
38 Gongalves, Carlos Alberto, 9* ed. Responsabilidade Civil de Acordo com 0 Novo Cédigo Civil. Sio
Paulo: Saraiva, 2005. p. 737.
243‘APOS-MODERNIDADE JUR{DICA EA TEORIADO RISCO DEAMOR-NOVOS
PARADIGMAS DO DIREITO APLICADOS AOS RELACIONAMENTOS AFETIVOS
inexistente - Recurso a que se nega provimento - 1) A responsabilidade civil do Estado,
consagrada na Constituicdo Federal Brasileira, apesar de objetiva, comporta abrandamentos
€, até mesmo, a sua excluséo, em face da adogio da teoria do “Risco Administrative”, quando
presenites as hipéteses excepcionais de caso fortuito ov forga maior, bem como, pela
comprovada culpa exclusiva da vitima, 2) A conduta da vitima [...] exelui a obrigacio de
indenizar do Estado, porquanto configurada a excludente da culpa exclusiva da vitima, traduzida
na legitinia defesa de terceiro e no estrito cumprimento do dever legal. [...] (Kiap ~ ac 77600
= (5745) — cat rel. des, Honildo Amaral de Mello Castro - doeap 5.8.2003 ~ p. 15).
No caso concreto, pode-se verificar que a vitima da relagdio também contribuiu
para 9 evento danoso, por actio ou omissio culposa, fato que, via de regra, leva a duas
consegiiéncias diversas, tendo como foco o agente primo.
Se a vitima se houve com culpa exclusiva, desaparecerd o dever de indenizar, em
face da no coneretizagiio do nexo de causalidade. Afinal, no foi a conduta do agente que
lesionou a vitimia, descabendo a andlise meritéria dessa ago, se eivada de culpa ou
inocente.
Diz-se que h4 culpa concorrente da vitima, quando a sua atitude culposa
contribuiu para o atingimento do fim prejudicial ao seu préprio patriménio, Neste caso,
permanecerd o dever de indenizar, mitigado, 0 montante, pela justa proporcdo da
culpabilidade do agente primo. Aplica-se a teoria da compensacao das culpas, doutrina
inaplicdvel em searas criminais.
A legislagao especial pode dispor de normas espectficas para a relagiio juridica em
tela, impondo maior carga, no dever do prestador de servigos, por exemplo, em indenizar
ao usuario ou consumidor; atinge a esse fim pela limitagao da compensagdo, aumentando
orisco negocial. Nesse sentido, brilhante julgado que ilustra a celeuma da culpa da vitima
em contraposic&o a teoria do risco administrativo:
2) Consoante a teoria do riseo administrativo, as pessoas juridicas de direito piiblico respondem
objetivamente pelos danos causados por scus agentes, nessa qualidade, obrigaglo indenizatéria
essa da qual se eximem somente quando logram demonstrat que 0 evento danoso resultou de
fato da natureza, da ago de terceiro ou que ocorreu por culpa exclusiva ou parcial da vitima,
nessa dltima hipécese, proporcionalmente [...] (jap ~ ac-reo 108702 ~ (5269) ~- c.tnica —
rel. des. Méirio Gurtyey - doeap 21.3.2003 — p. 33) jepc.SII jepe.514 jepe.180 jepe.20
Jepc.20.4 jeoab.22 jeoab.23.
3 Relacionamentos Afetivos Pés-Modernos
A P6s-Modernidade exerce influéncia sobre as relagdes fulcradas no afeto. Seja
com a intengdo de formar familia, seja com a intengio de mero divertimento, quando os
seres humanos interagem, o fazem de maneira muito diversa da observada no século
passado.
"Para citar apenas alguns exemplos, cresce a validago social para o exercicio da
liberdade da pratica e orientagao sexual. Caem velhos tabus. Surgem novos tipos de
relagdo, como as praticadas pela internet.
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ANA CECILIA PARODI
Dilatada a liberdade moral e social, via de conseqiéncia se dilatou a liberdade
jurfdica.
3.1 Classificaciio e Espécies de Vinculos
Os relacionamentos afetivos podem ser classificados!® conforme os sujeitos que
os operam ~ verticais, entre ascendentes ¢ descendentes”; e horizontais, englobando as
relagdes dos casais de qualquer orientacio.
O foco da presente investigagiio reside nos relacionamentos horizontais. Relevada
a P6s-Modernidade sociolégica, nao € possfvel, notadamente em um estudo do presente
porte, relacionar todas as espécies de relacionamentos atualmente praticados. Os principais
vinculos afetivos, que se constituem em fonte obrigacional mais vigorosa, do menor para
o maior nivel de comprometimento, sao, a saber — estdgio 1: Ficar (relacionamentos
eventuais) ¢ cyber-relagdes (relacionamentos virtuais); estégio 2: Namoro; estdgio 3:
Noivado; estagio 4: Unido Estavel e Homoafetividade; est4gio 5: Casamento"*.
Ainda, conforme conforme a natureza do vinculo entre o casal, pode-se dizer que
0s relacionamentos amorosos horizontais sao de cardter conjugal/familiar (estdgios 4 ¢ 5)
e afetivos em sentido estrito (do estagio 1 a0 3).
3.2. Natureza Juridica dos Relacionamentos Afetivos Horizontais.
3.2.1 A conjugalidade
Por muito tempo se debateu a natureza juridica dos lagos que unem aos casais,
especialmente em sede matrimonial. As principais teorias contemplam as oponentes
institucional e contratualista, além de uma escola moderada, que tratava do casamento
como um contrato especial, relagao de vinculos mistos.
Roma repudiava a natureza publicista, defensora que era da autonomia da vontade
em niveis absolutos, cujo ideal era resumido no affectio maritalis. O Direito Canénico
yeio lhe fazer frente, aludindo ao elo espiritual. Napoledo, em 1804, firma a idéia da mera
contratualidade, reduzindo o casamento ao negécio convencional, dependente da vontade
das partes"’, motivado que estava por enfrentar o poder religioso e sua tese sacramental”.
Arnaldo Rizzardo”, institucionalista por exceléncia, dentre outros ilustres”,
‘© Parodi, Ana Cecilia. Responsabilidade Civil nos Relacionamentos Afetivos Pés-Modemos. Campinas :
Russell, 2007, p 323.
” Incluindo avés ¢ nctos, madrinhas ¢ afilhados, dentre outros. Para se caractetizar a relacio afetiva
vertical, € preciso que estejam presentes os elementos “autoridade” e “sujeigio”, sendo desnecesséria a
consanglinidede.
% Teoria da Escalnda do Afeto, propugnada pelo ilustre Professor Buclides de Oliveira, Palestra proferida
por Euclides de Oliveira, disponivel em breve em Anais
= V do Congreso Nacional de Direito de Famflia, promovido anualmente pelo IBDFAM
~ Instituto Brasileiro de Direito de Familia.
245APOS-MODERNIDADE JURIDICA EA TEORIA DO RISCO DEAMOR-NOVOS
PARADIGMAS DO DIREITO APLICADOS AOS RELACIONAMENTOSAFETIVOS
explica: “B instituigdo porque elevado & categoria de um valor, ou de uma ordem constituida
pelo Estado. 6 um ente que engloba uma organizagio e uma série de elementos que
transcendem a singeleza de um simples contrato”. Resume 0 pensamento presente a fuga
do materialismo, através do privilégio das normas de cardter cogente, emanadas do Direito
Pablico.
© Cédigo Civil Portugués abragou ao contratualismo: “art, 1.577. Casamento éo
contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir Familia
mediante uma plena comunhio de vida, nos termos das disposigdes deste Cédigo”. A
doutrina contratualista pura, nos moldes como surgia no século XVII, impendia em
importante reflexo —a dissolugio vinculada ao distrato, operado por mtituo consentimento
entre ‘as partes, Iembrando que, aos tempos, ainda reinava o posicionamento pela
indissolubilidade matrimonial
Mas o autor portugués, Braga da Cruz”, jé afirmava nio existir dificuldade para a
coexisténcia de'ambas as escolas. Surge a teoria eclética, ou mista, distinguindo o
casamento-fonte (ato-gerador contratual) e 0 casamento-estado (complexo de normas
ptiblicas que obrigam aos cdnjuges). Na Franga, salientam-se os irméos Mazeaud. No
Brasil; dentre outros, Silvio Venosa e Giselda Hironaka’, que é professora na Universidade
de Sao Paulo e traga boas linhas resumidas sobre o tema:
A teoria eclética, que congraga as duas idéias anteriormente vistas, considerando
0 Casamento como contrato em sua formagiio, por se originar do acordo de vontades
instituig&io em sua duragdo, pela interferéncia do Poder Pablico e pelo carter inalteravel
de seus efeitos.’Essa teoria, pois, distingue 0 casamento-fonte do casamento-estado. O
primeiro tem natureza contratual e o segundo, natureza institucional, vez que a regras que
governam os esposos durante a unio conjugal sao fixadas imperativamente pelo Poder
Pablico, nao podendo o casal modificd-las.
Apesar do aparente equilforio de confluéncia, pode-se dizer que, mesmo a teoria
eclética peca por polarizar a origem de cada natureza, desconhecendo a interagiio, do
puiblico e privadd, no cerne das obrigagies.
Em prol de uma conclusio cientffico-juridica, somem-se a constitucionalizagio do
direito civil e o espitito da nova contratualidade, mesclando-os pela busca da fungio
» Rodrigues, Silvio. Direito Civil - Familia, vol. VI, atual. 27. ed., Sao Paulo: Saraiva, 2002, p. 19.
2 Sem acentrar ao mérito, vale lembrar que posicionamentos candnicos hd de setem atribudos, notadamente,
a religido Catélico-Romana. Os protestantes jé iniciavam a contestacao da natureza sacramental do
‘matriménio.
» Rizzardo, Amaldo. Direito de Familia. vol. I. 1 ed., Rio de Janeiro : Aide, 1994, p. 31.
2 Entre cles, Mariléne Diniz e Washington de Barros,
® Rodrigues, op. cit., p. 20.
% Carvalho Neto, Inécio de. Responsabilidade Civil no Diteito de Familia. Curitiba: Surué, 2005, p. 91
% A este respeito, Rizzardo, op. cit, p. 34.
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ANA CECILIA PARODI
social das figuras jurfdicas e uma boa anilise da técnica legislativa.
Como ja aludido inicialmente, 0 Novo Cédigo Civil — tutela eminentemente
privatista —, da teoria das obrigagdes até o Direito de Familia, possui intimeras normas de
cardter cogente, sem que haja uma campanha do Estado para restringir a autonomia da
vontade privada. Tudo gira em toro da efetividade do prinefpio da dignidade da pessoa
humana, privilegiando-se a sua protegdo. Hi o reconhecimento da finalidade maior, nas
relagdes inter partes, de interesse pUblico. As livres disposigdes si delimitadas pela
coibigGo dos efeitos negativos, que tal negécio possa vir a acarretar a sociedade em geral,
sem qualquer desprezo aos vinculos afetivos.
Nesse sentido, 0 entendimento do Novo Cédigo Civil, ao contemplar a nova
rubrica do Capitulo X, Livro TV, denominado “Da Dissolugio da Sociedade ¢ do Vinculo
Conjugal”, expressamente reconhecendo a natureza mista dos liames familiares e les
conferindo diferida tutela. Assim, o codificador relacionou o vinculo com as finalidades
imateriais da relacio — interesse ptiblico, protegdo conferida pelas normas cogentes. E
tigando a sociedade aos reflexos materiais do contrato tipico, permitindo 0 cabimento,
ainda que n3o em sua plenitude, das disposigdes da autonomia da vontade conjugal,
autotutela da vontade privada. Analogicamente, toda essa digressio é valida para a
determinagao da natureza juridica dos lagos componentes da Unido Estavel, ressalvado 0
seu cardter eminentemente informal.
3.2.2 Afetividade em sentido estrito
Se a natureza juridica da conjugalidade impende em tantos debates, quando a
investigagdo poe sev foco sobre as relagdes amorosas no definidas em lei, a polémica é
ainda maior. Nem tanto pela prospecgdo de uma conclusio cientifica, mas especialmente
pelos efeitos decorrentes do rompimento e/ou da operagio irregular do direito de amar/
romper.
Encarando a temética de frente, nao € dificil definir que a prética do romance nfio
definido em lei é um ato jurfdico stricto sensu. Em que pese © casal se relacionar visando
a satisfagdes de ordem variada — inclusive financeira, tantas vezes — raramente pretende,
deliberadamente, produzir algum efeito juridico direto,
‘Mas a auséncia de intengio imediata nfo pode ser alegada como cléusula de
irresponsabilidade por aquele que operou com irregularidade ou abuso 0 seu romance.
Neste ponto, especialmente, peca a Teoria do Risco como preconizada e aplicada pela
antiga escola jurisdicional, haja vista que deixa ileso 0 agente, como que punindo as
vitimas por terem praticado seu direito de amar, O tema seré melhor explorado adiante.
3.3 Direito de Amar e Direito de Romper
Juridicamente, as relacbes de conjugalidade possuem expresso no ordenamento
247APOS-MODERNIDADE JURIDICA EA TEORIA DO RISCO DEAMOR-NOVOS,
PARADIGMAS DO DIREITO APLICADOS AOS RELACIONAMENTOSAFETIVOS
positivado, em contraponto aos relacionamentos afetivos em sentido estrito.
Contudo, todo e qualquer romance se baseia no exercicio de dois direitos — 0
direito de amar ¢ o dircito de romper. Ainda que nao se encontrem tais nomenclaturas
definidas em lei; pode-se dizer que ambas as garantias so espécies derivadas do género
liberdade,
Todo cidadao € livre para “ficar”, namorar, casar’* — 0 sujeito de direitos pode
exercer, se quiser, 0 seu direito de amar, de se envolver romanticamente com o seu
semelhante, independente de sua orientagio sexual. E livre, inclusive, para nunca
compartilhar afeto e/ou praticar a sua sexualidade””.
O mesmo cidadio é livre para acreditar que “casamento é para sempre”. Mas, em
contraposigao a arcaica imposigio estatal de perenidade do vinculo, atualmente é
assegutado o direito de romper todo e qualquer tipo de relagdio, a qualquer tempo ¢ em
qualquer circunstancia. Sentengas que denegam a separagio, por exemplo, deixaram de
ser uma hipétese aplicaivel, tendo em vista a melhor interpretago constitucional do Direito
de Familia. Que se dird, entiio, das demais espécies de romance, em que 0 vinculo é
consideravelmente mais afrouxado"*?
O que se exige, legitimamente, dos parceiros amorosos, 6 que exergam ambos os
direitos — de aniar e de romper — com responsabilidade social, conduta esta que se acha
delimitada, em linhas gerais, pelo inovador artigo 187, do Novo Cédigo Civil, que afirma, in
verbis: “Também comete ato ilicito o titular de um direito que, ao exercé-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econémico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes”.
Na seara do ato ilfcito, em moldes tradicionais®, estdo as violéncias de toda sone
~ fisica, emocional e juridica — condutas tendentes a, diretamente, violar direito ¢ causar
Gano ao outro parceiro. Fundamento legal mfnimo™ se acha na prépria Constituigaio Federal
que, apés afirmar, no caput de seu artigo 226, que a familia, base da sociedade, tem especial
protecio do Estado, logo em seu parégrafo 8° imputa ao Estado 0 dever de assegurar “a
assist@ncia & familia, na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para
™ Respeitadas as limitegbes ¢ trdmites impostos por lei, tfpicas da menoridade, do pudor social ¢ das
restrig6es conjugais.
» Nessu esteira, 0 direito ao recato © & preservagio de intimidade merecem 2 mesma protecio jurisdicional
conferida & liberagio sexual. Presume-se que a sociedade livre, justa, solidéria e plural ~ idealizada pelo
belo preambulo da Carta Magna - tenba espago para todas as ctengas coexistirem. A dolorosa luta pelo
reconhecimento dos Direitos Humanos no pode se transformar em uma “ditadura da liberdade”, exigindo
de todos os cididies nio uma igualdade, mas um injusto nivelamento ideol6gico.
* Com excesio mitigada da Unido Estével — em que pese 0 vinculo de conjugalidade, sua natureza
essencialmente informal torna relativamente mais flex{vel 0 rompimento, pela auséneia de procedimentos
dissolutGrios, Mesmo as unides ostiveis registradas em cartdrio nfo carecem de mais do que um ato
notarial. As ages judiciais sio reservadas para os rompimentos no consensuais, mas no tocante a0
desvinculo, so agdes meramente declaratériss, reservando-se 0 mérito para as questes de alimentos ¢
guarda de filhos.”
® Desorito no att. 186, do Novo Cédigo Civil.
% Adjetivo sem escopo pejorativo; empregado com sentido de essencialidade.
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ANA CECILIA PARODI
coibir a violéncia no Ambito de suas relagdes”. Essa norma seré novamente analisada, na
segiiéncia,
3.4 Conclusdes Parciais
As ilagdes deste item sao de extrema importincia para o presente estudo, visto
que se investiga a fungo social da Teoria do Risco, frente as indenizagdes provenientes
da operagio irregular dos relacionamentos.
E vital compreender que o Estado valoriza o aspecto imaterial dos relacionamentos,
na condig&io no apenas de escopo, mas de verdadeiro vinculo juridico, seguindo a
tendéncia de reconhecer 0 afeto como valot juridico a ser preservado.
Preservado em sentindo global, decorrendo dat a validagtio da indenizabilidade
dos danos de amor materiais e morais, suportados no curso € no rompimento de uma
relaciio amotosa. Efetividade constitucional garantida,
4 Responsabilidade Civil Aplicada
‘A Teoria Geral da Responsabilidade Civil pode ser aplicada a toda relagdio que
produza efeitos juridicos, ainda que originariamente possua natureza de ato juridico em
sentido estrito.
Odireito a reparagao é garantia constitucional de sentido amplo, que nao comporta
restrigdes de qualquer ordem, notadamente as preconceituosas, posto que impende em
ferimento do princfpio da isonomia, dentre outras tutelas inerentes aos Direitos Humanos.
Com os relacionamentos afetivos (conjugais ou em sentido estrito) nfo é diferente.
Toda pessoa tem a liberdade de se relacionar com o seu semelhante, desde que 0 faga
respeitando as regras sécio-juridicas de pudor e dos deveres conjugais™'. A tinica
moderagao legitima é aplicada caso a caso, na investigagio dos fatos ¢ provas. Mas
nunca no afastamento de plano da indenizabilidade dos “danos de amor”.
J4 visto que, em 1988, a Constituigéo Federal contemplou o modelo eudemonista
familiar. Uma vez aumentada a capacidade de ago juridica e social, nada mais I6gico do
que estabelecer 2 correspondéncia coercitiva, impondo o binémio liberdade x
responsabilidade. Escreveu-se, entio, o pardgrafo 8°, trazendo sobre 0 Estado a obtigagao
de coibir a violéncia nas relagdes familiares, nisto consideradas as unides estdveis &
nucleos monoparentais, entre outros.
Sob o prisma da interpretagio ideol6gico-constitucional, o termo “violencia” se
presta a designar todo e qualquer abuso cometido na operagiio de uma relagfio de cunho
familiar, desvirtuamentos da fungi social da figura da Familia, sejam de natureza cfvel ou
criminal”,
31 Em casos que envolvam ao menos um parceiro casado ou comprometido com esta
1.566 ¢ 1.724, NCC.
249APOS-MODERNIDADE JURIDICA EA TEORIA DO RISCO DEAMOR-NOVOS
PARADIGMAS DO DIREITO APLICADOS AOS RELACIONAMENTOS AFETIVOS
Nessa esteira, a Lei 11.340/2006, que cria mecanismos para coibir a violéncia
doméstica e familiar contra a mulher, Vigoroso instrumento regulamentador do mencionado
pardgrafo 8°, do artigo 226, da Carta Magna, buscando conferir real efetividade para as
importantes tutelas protetivas nele cominadas, ni restringiu o conceito de lagos afetivos;
pelo contrério — buscou a funeao social do afeto como valor juridico, alargando a protego
sobre mulheres de todas as idades, orientagio sexual ¢ inseridas em todo ¢ qualquer
contexto de relacionamento". Continuando na linba da especialidade das normas, a Lei
Maria da Penha tratou de definir os ilicitos que visa a reprimir, nfo se apegando apenas &
descrigio de tipos penais ~ os abusos civis, de ordem moral e material também foram
contemplados, com previsto especifica do direito d reparagao. Vale a leitura do Capitulo T,
do Titulo II—Da Viol&ncia Doméstica e Familiar contra a Mulher,
Art. $° Para os efeitos desta Lei, configura violéncia doméstica e familiar contra a mulher
qualquer aco ou omisséo baseaca no género que Ihe cause morte, lesio, sofrimento fisico,
sexual ov psicolégico ¢ dan moral ou patrimonial:
I no Ambito da unidade doméstica, compreendida como o espago de convivio permanente de
essoas, com ou sem vinculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas:
TL = no ambito da familia, compreendida como a comunidade formada por individuos que so
‘ou se consideram aparentados, unidos por lagos naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
TIT - em qualquer relagéo intima de afeto, na qual 0 agressor conviva ou tenha convivido com
a ofendida, independentemente de coabitagio.
Pargrafo tnico. As rclagdes pessoais enunciadas neste artigo independem de orientagio
sexual
Art. 6° A violéneia doméstica ¢ familiar contra a mulher constitu uma das formas de violagio
dos direitos humanos.
Ademais, vale frisar que esta t{pica responsabilidade civil seré sempre do tipo
extracontratual e subjetiva.
Esca leitura da letra da lei" evidencia o dever de reparar a violéncia em sentido
amplo, cometida em sede familiar, a validade da reparago nos demais tipos de
relacionamento pode carecer de alguma explicagdo adicional. Ora, se a Familia, base da
sociedade, recebe maior protegiio do Estado, tanto em sua eficdcia, quanto em sua eventual
dissolugao, é mais do que légica a preservagdo de suas relagdes antecedentes (do “ficar”
* Tmpotta ressaltar ~ a natureza dos atos de violéncia-abuso no se restringe & dualidade civil e criminal.
Apenas a titulo exemplificativo, cita-se a inclusio imegular de dependentes, abuso de origem previdencidria.
Fungio social da Famflia é um conceito amplo, que deve reger a toda e qualquer relago em que uma ¢élula
esteja envolvida,
* Destaque-se, por exemplo, os abusos cometidos contra menores afilhados, por seus padtinhos ~ repressio
dantes operada pot leis genéricas, hoje se dispde de medidas sociais adequadas, nfo apenas para punir ao
culpado, mas para promover o bem, desenvolvimento recuperagao da vitima. Daf a importincia de se
enfrentar as questées com foco em sua verdadeira natureza,
™ Primeira grande vit6ria da homoafetividade rumo ao reconhecimento da natureza familiar
~ mais uma vez, iimpende A extensio aos homens.
% Bspecialmente a Constituigo Federal e a Lei 11.340/2006.
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ANA CECILIA PARODI
a0 noivar), podendo se comparar, analogicamente, ao garantismo da pré-contratualidade.
E fato sociolégico que os casais passaram a optar, cada vez mais, pela Unido Estavel, por
excesso de crises decorrentes das antigas amarras do casamento, que hoje se vé em fase
de plena reformulagao social. Da mesma maneira, revela-se atentat6rio contra o surgimento
de novas familias a propagagio desenfreada — e judicialmente ndo coibida/retribufda—de
“danos de amor” nas relagdes nao conjugais™.
4.1 Danos de Amor
Por “danos de amor” se entende todo prejutzo derivado da operagio irregular dos
relacionamentos baseados no afeto,
A tendéncia jurfdica pés-modema para o elemento “dano” € ser especializado
conforme a relago donde provém o prejufzo, notadamente para que, através da tipicidade
juridica atribufda A lesdo, o respectivo tratamento jurisdicional seja igualmente aprimorado,
aplicando ao caso concreto principios apropriadamente norteadores. E na mesma esteira
caminha a especializacdo da Justica, instalando varas ¢ juizados focadamente prepatados
para conhecerem das demandas tipicas.
Assim ocorre com os danos morais provenientes das relagdes laborais, que
passaram a ser analisados pelos tribunais trabalhistas, desde a Emenda Constitucional
n°.45, Na mesma esteira, o dano moral de consumo e os danos ambientais.
© abuso ou violéncia nas relagdes amorosas produz as leses denominadas de
danos de amor. Tal especializagio guarda rafzes com o Direito de Familia, demonstrando
que as garantias especiais que s4o imputadas para o campo tipico também sao importadas
para a indenizabilidade. Por acessio, os relacionamentos estritamente amorosos acabam
sendo abragados por esta teoria juridica, recebendo atengéio especial em razdio do caldo de
onde emergem —a saber, uma relacio de afeto, habil a propagar prejuizos em funcao do
abuso de confianga, da boa-fé subjetiva, dentre outros.
Seria um engano tentar equiparar as lesdes morais e materiais oriundas das relagdes
de afeto com danos emanadbs, por exemplo, de um acidente de transito, haja vista que o
elo que une aos entes é deveras mais forte e com intengao prépria dos atos juridicos
stricta sensu.
E 0 que a experiéncia juridica tem demonstrado, relativamente aos danos de
consumo. Em que pese a expressao niio estar consignada em lei, so as tipicas lesdes
derivadas da violagio dos direitos consumeristas. Ora, na prética, o dano moral sofrido
por um consumidor nao se assemelha, nem de longe, com o dano moral suportado por uma
personalidade de vulto, aviltada injusta e publicamente™.
BW Sendo vélido destacar que também é fendmeno sociol6gico a opeio dos casais pelas relagSes amorosas
‘que supostamente nao possuam entitulamento, porque, na visio dos Ieigos, estariam se afastando de
possiveis efeitos juridicos.
251APOS-MODERNIDADE JURIDICA EA TEORIA DO RISCO DEAMOR-NOVOS
PARADIGMAS DO DIREITO APLICADOSAOS RELACIONAMENTOS AFETIVOS
4.1.1 Danos de amor indenizdveis
A indenizabilidade ¢ questo que interessa diretamente ao estudo da “Teoria do
Risco.de Amor”, notadamente porque a questionada aplicagio ultrapassada da “Teoria do
Risco” servia de fundamento para se afastar a apreciabilidade dos “danos de amor” jé em
tese, no havendo uma verdadeira andlise dos casos concretos.
‘Como em qualquer outra espécie de relagio, nem todo “dano de amor” serd
indenizavel. Especialmente, nunca serd punido o direito de romper, como visto
anteriormente.
Prima facie, hé de se voltar ao debate da possibilidade juridica do pedido.
Por amor a dialética, registre-se, ilustrativamente, o posicionamento de Guilherme
da Borda, autor argentino, que entende que a hipétese seria contréria & moral e aos bons
costumes®. § acompanhado por outros juristas, a exemplo de José Carlos Bigi®, dentre
outros.
Ha um pudor justificdvel de se estender 0 dever da reparabilidade aos membros
que descumprem deveres familiares, como se o Estado oferecesse ingeréncia demasiada
na instituigio. Porém, maior risco social existe no abandono dos individuos &
autocomposicao, notadamente porque seus conflitos podem até versar sobre questées
financeiras, mas sfio eivados de passionalidade como nenhum outro vinculo é capaz de
promover.
Nao bastassem todas as tutelas fundamentais de Direitos Humanos, bem
contempladas pela Constituigao Federal, somam-se os dispositivos da Lei 11.340/2006,
dentre outras normas que deixam explicitada a autorizagao legal para a aplicagio da teoria
da Responsabilidade Civil aos relacionamentos afetivos®.
‘Via de regra, qualquer prejutzo, para ser indenizdvel, precisa se constituir em uma
lesdo ou diminuiggo a um bem juridico que, pelos novos paradigmas do Direito, so
analisados de maneira constitucionalizada e em prol. da promog&o humana. Em linhas
gerais, 6 pacifico, portanto, que todo prejufzo imposto a pratica regular do direito de amar
e de romper possui possibilidade jurfdica de ser indenizAvel.
« Entéo, se passa & apreciagio do dano no caso concreto ~ material ou moral, é
economicamente aprecidvel”? B atual?
Dai, tantas vezes, 0 equivoco jurisprudencial, denegando 0 dano moral nas relagées de consumo, sob
pretexto de se coibir uma suposta “indistria do dano”. Ha que se relevar que se trata de campos diferentes
da esfera moral do sujeito, da mesma maneira que o dano estético nfio se confunde com a perturbagao do
sentimento religioso, conguanto ambos sejam constitutos dos direitos elementares da personalidade,
» Carvalho Neto, op. cit., p. 257.
» Carvalho Neto, op. cit., p. 257..
“EB ainda que nao houvesse expressa disposigfo legal, tratando-se de Ambito privado, seria ilegal a
exelusfo da apreciabilidade judicial dos “danos de amor”. Ora, as partes em litigio devem buscar composigiio
perante,o Estado-Juiz; a omissio do Estado-Lei nao € causa legitima para 2 omisstio consegiiente do
julgador.
* Relevado que este & um t6pico periférico do tema principal.
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O “dano de amor” pode ser imediato", quando decorre do préprio rompimento ¢
mediato, quando do rompimento se originam danos secundarios, independente, entio, de
sua natureza.
Dito que o direito de romper nunca ser4 punide, frisa-se que a forma como esse
direito € exercido € passivel, sim, de retribuigdo judicial. Apenas a titulo ilustrativo, €
admissivel que alguém desista do casamento no dia da ceriménia; contudo, nao é preciso
que manifeste sua alteragiio de vontade em pleno altar, expondo 0 outro nubente perante
todos os convidados®. Ou seja, nunca se punird o direito de romper, nem mesmo se
praticado na forma do abandono no altar. Mas o parceiro desistente deverd arcar com as
consegiiéncias de sua conduta, por ter exposto seu parceiro ao vexame piblico, quando
bem poderia ter evitado a chegada do momento da ceriménia'®,
Outros prejuizos essencialmente de ordem romantica serdo excluidos de posstvel
sentenga condenatéria. Valem os danos morais — assim considerados aqueles em sentido
estrito, os corpéreos € os estéticos — e os danos materiais — danos emergentes e Iucros
cessantes.
Por fim, € fundamental relembrar que a responsabilidade social € mecanismo
vigoroso de paz social, haja vista que impée freios inibitérios as condutas humanas,
coibindo aos excessivos ferimentos A moral, cujos reflexos materiais costumam ser
inevitéveis.
4.2 Teoria do Risco de Amor
4.2.1 Noticia jurisprudenciat
Por questo de limitago espacial, colaciona-se abaixo apenas um julgado, mas
que, ao se valer do “risco” para afastar 0 dano moral, bem ilustra o conservadorismo
inocultavel, tornando inindenizdvel um ilicito clissico — como a quebra de confianga —
meramente por estar inserido na relacdo familiar. Leia-se as decisio.
Responsabilidade civil. Danos pattimoniais ¢ morais. Apropriagio de valores de conta conjunta
no curso de convivéncia marital. Feita a prova da utilizagao dos valores em pro! do réu ¢ de
sua empresa, impde-se a devolugdo dos mesmos, nos limites demonstrados. A quebra de
confianga ¢ 0 abalo descritos pela antora estilo Higados ao fato da convivéncia, ao qual é fnsito
© risco. Dano moral denegado. Exelusiio da lide da proprictéria da empresa ré. Apelagao
parcialmente provida. (7 fls.) (Apelagao Civel n° 70001150895, 9° Camara Civel, Tribunal
de Justiga do RS, Julgado em 28.6.2000)
* Se nao pela Tiquidago em dano emergente ¢ lucro cessante, por arbitramento.
Posto que nio pode se referir a questoes prescritas ou a provaveis Jesdes futuras, sem base fitica ~
diferente do lucro cessante, que s¢ basein em um ganho garantido.
Nesse sentido, Regina Beatriz. dos Santos e Maria Helena Diniz.
“5 Aliés, destaque-se que, lista de convidados 6 uma amostragem da realidade social da pessoa; daf 0
abandono no altar impor danos potencialmente irrepardveis.
“© No caso conereto, set avaliada a eventual conduta concorrente da vitima,
253APOS-MODERNIDADE JURIDICA EA TEORIA DO RISCO DEAMOR-NOVOS
PARADIGMAS DO DIREITO APLICADOS AOS RELACIONAMENTOSAFETIVOS.
4.2.2 Doutrina da teoria do risco de amor
A verdadeira celeuma indenizével se inicia com a responsabilizagdo dos sujeitos
pela forma como conduzem o rompimento ¢ respectivos danos causados ao seu parceiro”,
relatiyizados processualmente pela interpretagiio magistral da aplicabilidade da Teoria do
Risco. A maior dificuldade expetimentada pelos operadores do Direito, de todos os ramos,
€0 patente desvirtuamento jurisprudencial da figura juridica do risco. Tais decisées revelam
uma verdadeira confuso entre a figura do risco “juridico”, por vezes com o risco
“empresarial”, outras vezes com uma importago bélica norte-americana, 0 collateral
damage — ou danos (efeitos) colaterais**.
Para uma efetiva distincdo, & preciso relembrar a origem e contetido da figura
jutidica do risco.e da Teoria do Risco, intrinsecamente vinculados & culpa”.
: Classicamente, a responsabilidade civil sempre foi subjetiva, associando a
indenizagio & caracterizagao de culpa do agente - um Onus probatério préprio da vitima.
Direito acompanhou a evolugdo social, a qual pés sua luz sobre o conceito de culpa,
Sem prejutzo da validade das reparagSes com fulero em outros danos de amor, mesmo os originados
nessa mesma relagio.
8 Justificativa adotada pelo partido republicano, para explicar & populagdo os freqentes prejuizos causados
em guctra, aos seus préprios militares ou aos civis do pais atacado, validando a sua necessidade para a
consecugio do objetivo final
® Nos relacionamentos afetivos também € vital a auferi¢go de culpa, com reptidio absolnto & tese de
responsabilizagao objetiva dos parceiros.
O instituto da culpa especial ¢ encarnado a0 caso concrete, sem qualquer necessidade vital de que as
condutas culposas éstejam previamente esposadas no ordenamento legal. B Ifcito afirmar que também
estd revigorado 0 foco do sistema — da imputagio de culpa para a responsabilizago dos sujeitos. Nao
havendo impedimentos legais, os sujeitos podem operar livr
emente as relagdes afetivas, desde que 0 fagam enquadrados nos limites sociais aceitivels. O desvirtuamento
da responsabilidade, questionada em juizo, impenderd para a punicdo do agente, face dos danos perpetrados,
inclusive presumiveis. Responsabiliza-se 20s individuos por sua interagdo irregular com 0 mundo afetivo,
relativamente, a0s efeitos juridicos provocados, mesmo que sem a intengio direta. Ao contrério do que
possa parecer, em seile das operagSes familiares, nfo se trata de culpar ao cOnjuge pelo fim do relacionamento
propriamente dito — lanto que jé no se dispde de um elenco de causas exaustivas — mas de se responsabilizar
a0 cOnjuge desatento pela sua atuagio ilicita, que certamente impende em reflexos danosos para o
parceiro vigilante. Também no se pretende culpar aos noivos ¢ namorados pela quebra do compromisso,
via de regra, sob pena de transformarmos 0 Tribunal de Justiga em um verdadeiro “Procon do Amor”. Em
qualquer situagio resta assegurado aos particulares 0 direito de romper, como exercicio da autonomia da
vontade livre, resultado da redugiio da patticivagao intervencionista estatal, em evolugdo do direito
can6nico até o estado neoliberal, O dieito de romper prevalece, inclusive, em face de discutiveis contratos
€ manutengio temporal minima da relacdo, estando, por certo, 0 violador, sujeito as perdas © danos
contratiais, Nenhum individuo pode ser obrigado a permanccer em uma relagdo, inda que sua decisio de
rompimento esteja baseada em motivo torpe e egofsta. O direito de romper € absoluto, fator que enseja
seguranga até mesmo para a outra onia desse relacionamento, pois a manutengio forgada do vinculo atrai
prejuizes e estado de pericliténcia para todos os reflexos da personalidade humana.
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ANA CECILIA PARODI
mostrando-o inadequado a variadas situagées lesivas. Passa-se, entio, a mitigar a sua
auferigéio absoluta, em favor da efetividade da preservacio do direito de reparabilidade
das vitimas, através de processos tecnolégicos (jurfdicos), identificados por De Page
como trés: multiplicagao das presungdes de culpa (juris et de jure e juris tantum); hip6teses
de conversio da culpa aquiliana para contratual; maior sigor na apuragio da culpa propria
subjetiva, por maior freqliéncia da aplicagio da regra in lege Aquilia et levissima culpa
venit. Josserand anota quatro processos técnicos — restrigio maior da responsabilidade
aquiliana por via da responsabilidade contratual®; aumento das presungdes de culpa;
teoria do abuso do direito, j4 destacada ¢ admissio de uma responsabilidade isenta de
culpa, em hipdteses determinadas.*"
Gongalves relaciona as fases evolutivas da responsabilidade civil, anotando que
‘as mesmas abrandaram, pouco a pouco, o rigor de se exigir a prova de culpa do agente,
culminando na Teoria do Risco como tiltima etapa dessa evolugdo®. Destaca-se das idéias
do autor, que instrui*:
b) admissao da teoria do abuso do direito como ato ilfcito. A jurisprudéncia,
interpretando a contrario sensu 0 art. 160, I, do Cédigo Civil de 1916, passou a
responsabilizar pessoas que abusavam de seu direito, desatendendo a finalidade social
para a qual foi criado, lesando terceiros; [...] e) adogio da teoria do risco, pela qual nao ha
falar-se em culpa. Basta a prova da relagao de causalidade entre a conduta ¢ o dano.
Quando a Teoria do Risco ingressou no sistema normative brasileiro, ha cerca de
um século, adveio para coibir abusos decorrentes da revolugao industrial, notadamente
no que concernia a acidentes de trabalho, ligando-se ao liame material.
Dado que o Brasil adotou, acerca da Teoria do Risco, a concepgao de que se
imputa a obrigago de indenizar a todo que, agindo em seu préprio interesse, criar um risco
de provocar dano a outrem, entéio é que se vé mais ainda descabida a sua aplicaco pura
a0s relacionamentos afetivos, pois é de se rechacat, veemente, a responsabilizaco objetiva
nesses casos.
‘A Teoria do Risco € instituto vinculado aos negécios, ou seja, ao potencial de
perigo impingido por determinada atividade. Nesse sentido, o risco de amor é figura
totalmente diversa, haja vista que néo se fala do risco imposto por um parceiro sobre 0
59 Q que ndo se defende para os relacionamentos afetivos.
5 Vide Wilson Melo da Silva, Responsabilidade sem culpa e socializagio do risco, p. 155-156. Belo
Horizonte, Editora Bernardo Alvares, 1962. Apud Gongalves, op. cit. 492 ¢ 493.
3 Destaca-se que o argumento de mera Tigagdo, na construgo de Gongalves, na visto desta autora se toma
instrumento de realce do verdadeiro objetivo da evolucio da teoria da responsabilidade civil subjetiva e de
como 0 risco esti associado a se i
mputar, com mais fucilidade, a obrigagio de indenizar, mitigando a demonstragdo de culpa, 20 inverso de
se mostrar uma exclidente de responsabilidade,
® Goncalves, op. cit, p. 493.
255APOS-MODERNIDADE JURIDICA EA TEORIADO RISCO DEAMOR -NOVOS
PARADIGMAS DODIREITO APLICADOS AOS RELACIONAMENTOS AFETIVOS
outro pelo fato de amé-lo, raciocfnio que se mostra esdriixulo até mesmo em um mero
esforgo teérico. Enquanto o risco negocial se funda na busca por equilibrar a exposigio
operada pelo perigo imposto pela atividade do agente, o risco de amor busca repartir, entre
ambos 0s parceiros, de maneira equénime, as chances de sucesso e de fracasso, de acerto
e de erro, da relag&io amorosa. Se amar é compartilhar, a premissa no se restringe aos
prazeres ou pequenos dissabores da vida a dois. Também congrega os efeitos juridicos de
um relacionamento,
O que se desume da interpretagiio jurisprudencial construtiva civilista é um grave
desvirtuamento'da natureza juridica da figura do risco, havendo dissonancia entre o seu
contetido constitutive ca forma como vem sendo aplicada, Na pratica processual, a Teoria
do Risco é imputada, via de regra, com caracteristicas das ciéncias administrativas, como
© risco de fracasso computado pelo empreendedor ao iniciar um novo negécio, quem
arcard com todo 6 prejufzo; ou como o risco negocial emprestado pelo Direito do Trabatho,
em que se imputa somente ao empregador o Onus de arcar com a chance de fracasso, sem.
poder repassar seu prejuizo aos funcionérios, especialmente em atrasos salariais. Toda
essa ideologia aplicada aos relacionamentos afetivos reverte absoluta e exclusivamente
contra os requerentes, transformando a Teoria do Risco em instrumento de excludente da
responsabilidade e matéria de defesa a favor dos requeridos.
Os julgados que caminham dessa maneira ndo andam bem, ferindo de morte,
principalmente, 4 garantia de isonomia. E ainda que a jurisprudéncia esteja querendo se
referir a uma “Teoria do Risco de Amor”, quase que exclusivamente vinculada as chances
de fracasso do vinculo ¢ de suportamento de dor pessoal, mesmo assim os acérdios
permanecem contra legem vigente.
O contetido juridico da “Teoria de Risco do Amor” dever ser definido como a
probabilidade de faléncia da relagio amorosa ¢ atraco de dor pessoal decorrente, em
proporgdes previamente presumiveis pelos parceiros que iniciam um relacionamento
romintico, e também computado, no risco, as chances de se lesionar ao outro, por priticas
ilfcitas.
Ora, por inteligéncia gramatical das linhas decisdrias, tem-se que os “danos de
amor”, em geral nfo seriam indenizdveis porque supostamente estariam inseridos no
conjunto de lesdes integrantes do patriménio de risco dos parceiros romanticos. Entio,
em respeito ao prinefpio da legalidade e da isonomia, é de se admitir, via de conseqtiéncia,
que a “Teoria do Risco do Amor” precisa ser aplicada de forma equdnime ¢ compartilhada,
para ambas as partes, impendendo em direitos ¢ deveres — ou melhor, em responsabilidade
~ para os dois parceiros.
Nao é proprio da figura juridica do risco indenizatério que este se converta,
literalmente, em desculpa do agente, independente da natureza da lesfio em debate. Pelo
contrétio, o risco faz aumentar o grau de alerta dos ativos, em favor dos passives.
Porém, a eficdcia dessas sentengas tem feito com que a Teoria do Risco em face
dos “danos de.amor”, se volte exclusivamente contra o lesionado, sem maiores
averiguagdes. Essa interpretagdo jurisprudencial se constitui em um afentado as garantias
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ANA CECILIA PARODI
constitucionais fundamentais, tanto as de direito material quanto processual, destacando-
se aigualdade, a legalidade ¢ a isonomia dentre outros, desvirtuando ao contetido juridico
minimo do risco ¢ impedindo que a referida figura alcance sua respectiva funcao social,
impendendo em urgente necessidade de revisio pelos julgadores. A Teoria do Risco, ou a
“Teoria do Risco do Amor” nao podem ser adotadas como mecanismo de desculpa para o
exercicio abusivo de direito.
Trabalhando por uma adequagio da figura aos contornos afetivos, primeiramente,
jd que é da esséncia da Teoria do Risco nao falar em culpa c punir diretamente aos agentes,
ento que no se pode desvirtué-la a ponto de passar a punir as vitimas lesionadas™.
Em uma relagio amorosa, pressupée-se que haja um equilfbrio inicial entre as
partes em sentido amplo; assim como 0 risco de faléncia e dor também é distribufdo por
igual entre eles — como em um jogo, em que os participantes comegam com o mesmo
néimero de fichas, Em que pese ser integralmente conferida uma parcela dessa probabilidade
acada parceiro, o risco é compartilhado, relevada a sua caracteristica de reciprocidade —
ambos os parceiros tém chances potenciais de ferirem ou de serem feridos.
Risco compartilhado significa a possibilidade concomitante de ambos os parceiros
roménticos virem a ter de arcar como prejuizo indenizAvel, que causarem respectivamente
contra seu consorte afetivo, relevado que atuam cada um em seu préprio interesse.
Ab initio, o risco permanece assumido individualmente em sua totalidade,
resistindo inclusive ao livre exercfcio do dircito de romper, se também persistir 0 equilfbrio
na relagao, caracterizado pelo nado causamento de dano ao outro®.
Contudo, o risco pessoal atinge-a esfera compartilhada indenizavel, quando no
curso do relacionamento sobrevier um fator de desequilibrio, consubstanciado na operacao
irregular da relagdo por um dos parceiros — ato ilicito classico ou abuso de direito —
acarretando lesies indenizAveis ao par vitimado. A partir desse momento, visto que o
agente atrai para si a obrigagdio de responsabilidade, entio respectivamente a vitima, pela
efetividade da lesio suportada, se torna titular do direito de exigir a reparabilidade, contra
a porgio de risco de causar dano de titularidade do parceiro. Resta claro como 0 risco se
torna comungado, pois 0 parceiro lesionado permanece assumindo sua chance de
“autoprejutzo”, mas até os limites da operagiio irregular pelo seu correlato afeto.
Ou seja, a pessoalidade exclusiva do arcar-se com as chances, ¢ com a efetiva
faléncia relacional®, termina quando o parceiro extrapola a finalidade social do
relacionamento afetivo, ou age em ato ilicito classico. Afinal, esta nao é uma espécie de
risco que se resuma & probabilidade de erro e acerto para uma futura conjugalidade, ou em
prol da duragéo matrimonial. Outrossim, estende-se possibilidade de causar danos
S* Ainda que pela anséncia de reconhecimento de direito.
55 sempre bom relembrar que a base da Teoria da Indenizagio comeca na trilogia de Ulpiano, na qual esté
consagrado o dever de nao causar dano a ninguém,
58 Hisclarega-se que, ao se tratar da Teoria do Risco do Amor, pretende-se abranger a todas as hipsteses de
“danos de amor", causados em face do préprio rompimento ov da operagio irregular.
257APOS-MODERNIDADE JURIDICA EA TEORIA DO RISCO DEAMOR-NOVOS
PARADIGMAS DO DIREITO APLICADOS AOS RELACIONAMENTOS AFETIVOS:
patrithoniais Jato sensu ao outro pélo, momento em que é gerado o dever de indenizar.
Cada parceiro é titular de seu proprio risco e como age em seu interesse vem a responder
pela lesdo causada no outro par de afeto,
Enfim, pode-se resumir a relagao do “risco de amor” na chance de vir, 0 individuo,
a.arcar tinica ¢ pessoalmente, com a faléncia do relacionamento afetivo, prejuizo este que
passa a ser compartilhado quando o parceiro cruza a linha da regularidade do exercicio
dos direitos, ou pratica uma conduta culposa, com negligéncia ou imprudéncia.
Estabelecido que o cerne da Teoria da Culpabilidade atual tende, com virtude,
cada vez mais para a responsabilizagao dos individuos pelos seus atos, destoando das
linhas classicas meramente punitivas; e que o foco de qualquer Teoria do Risco deve
impender para a orientagao das condutas humanas bem direcionadas para a
responsabilidade social, ento € Ifcito dizer que é de se admitir a Teoria do Risco nos
Relacionamentos Afetivos, cuja interpretag&o hd de ser mitigada e contextualizada, de
acordo com a fungi social do risco e & melhor responsabilizagao dos agentes.
Nio pode, 0 magistrado, negar-se ao conhecimento efetivo e eficaz da causa,
caminhado para um “deslinde de praxe” apenas por se tratar de “danos de amor”, sob
pena de um descontrole social da operagao das relagées tipicas.
Nao é preciso um ordenamento juridico que informe as hipéteses exaustivas de
culpa, caracterizando formas ilfcitas de dissolugao dos vinculos, ou de verificagio dos
abusos no relacionamento, Mas de um efetivo sistema de responsabilizacao social aplicada,
em respeito ao proprio espirito da Constituigao Federal.
Relacionar-se é compartilhar e, desta forma, também a Teoria do Risco deve ser
dividida, Nao seria moral, ético ou correto deixar impune aquele que, por seu comportamento
itregular, provoea lesfo, ainda que apenas de ordem moral, em outrem, meramente por que
se trata de uma relagiio de amor, cujo inicio, via de regra, j4 caminha para um fim indesejado.
. B recomhecido o direito de romper, desde que exercido com responsabilidade
pelos contratantes. Afinal, se 0 direito brasileiro nao excluiu 0 dever indenizatério dos
laboratérios, as idiossincrasias de um consumidor de remédio aprovado, face da reagao
Dioguimica em seu organismo, por que ofereceria contrétio tratamento aos que de boa-fé
abrem o coragio para o sentimento mais profundo ¢ saem da relag&o com danos pessoais?
Se de fato se preza pela boa-fé objetiva, ndo se pode exclui-la das relagdes afetivas. O
direito de romper ha que ser exercido com respeito compartilhando os riscos.
A fungao social da responsabilidade civil caracterizada como instrumento de
apaziguamento social nfo é novo, pelo contrario. O cardter de pedagogia da indenizagio
tem sido amplamente reconhecido pelos Tribunais Superiores, atuando tanto na coibigiio
dos danos atuais pela apreciagdo do caso concreto, quanto na prevengao de danos futuros,
através do exemplo noticiado a sociedade, haja vista que o cidadiio, antes de cometer 0
abuso, resta bem alertado das impendentes conseqtiéncias juridicas de seus atos”. Bis 0
exemplo.
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ANA CECILIA PARODI
Ademais, a reparagio deve ter fim também pedagdgico, de modo a desestimular a prética de
outros ilicitos similares, sem que sirva, entretanto, a condenacio de contributo a
entiquecimentos injustificdveis. (Processo n.° 295502000 ~ Acérdao n.° 2076 — 11." Camara
Civel ~ 6.3.2006 - Des. Relator José Mauricio Pinto de Almeida).
Pense-se na pessoa lesada, no sujeito de direito que é 0 cerne obrigatério da
Justiga, em sua dor ¢ prejuizo— como negar a estes o pleno acesso a Justica efetiva e aum
julgamento justo, em pleno Terceiro Milénio, apenas com base no melindre de certa parcela
da sociedade acerca de vencidas questées morais? Os relacionamentos afetivos sao uma
das principais fontes de interface social e precisa de atengdo especial do Estado-Juiz, para
uma regulago apropriada, estabelecendo-se os limites para a atuago dos parceiros.
A violéncia, que constitucionalmente se deve coibir, nao depende da “via de
fato”, A questo nao ¢ intengao, mas a condugaio dos atos dos parceiros. Para se converter
uma pessoa de conhecido a parceiro, é precio investimento ¢ construgao de confianga.
Simile forma deve ser respeitada, quando da ocasido de um rompimento. Dizia Braz Cubas**
“nao te irrites se te pagarem mal um beneficio; antes cair das nuvens que de um terceiro
andar”. Mas na prética, a dor pode se equivaler, levando inclusive & cessagdo da vida
humana da vitima, por ato reflexo.
Conclui-se, reafirmando que o direito de romper é assegurado de forma absoluta
¢ em qualquer situagdo, mas nao pode prevalecer como excludente de responsabilidade
sobre a obrigagao indenizatoria, como pretexto para o cometimento de abusos, ainda que
se trate a relagiio de um ato juridico strictu sensu e, conseqientemente, os efeitos juridicos
nao sejam o fim imediato. Ainda de Machado de Assis, a atribufda citagao de que “cada
qual sabe amar a seu modo; 0 modo pouco importa; o essencial é que saiba amar”. Sao
belas linhas poéticas ¢ certamente que o maior autor brasileiro nado invocou beleza na
violéncia e na irresponsabilidade.
5 Conclusio
A Pés-Modernidade revisitou 0 direito e constitucionalizou os institutos privados,
conferindo-Ihes tipica fungo social, a ser investigada no momento da subsung&io dos
fatos 4s normas — gerais ou especificas. Assim, impende aos operadores do direito a
quebra dos preconceitos sécio-jurfdicos, visando garantir a eficdcia das tutelas
constitucionais, a todas as relagées judicialmente questionadas, independente de sua
natureza. € mesmo no antecedente do contencioso, é vital o estimulo 4 conduta socialmente.
responsdvel, promovido pela construgio da cultura cidadii, cujas ligdes provém de diversas
fontes, especialmente dos tribunais, que ao punirem o ato ilfcito, nao apenas reequilibram
® Colacionamos apenas dois acérdaos exemplificativos, mas os leitores encontrardo com facilidade vasta
orientagdo jurisprudencial, porque essa natureza pedagégica, longe de ser novidade, tem sido o estribo dos
julgados indenizatérios.
® Machado de Assis, Memrias péstumas de Braz Cubas ~ dominio ptiblico.
259APOS-MODERNIDADE JURIDICA EA TEORIA DO RISCO DEAMOR-NOVOS
PARADIGMAS DO DIREITO APLICADOS AOS RELACIONAMENTOS AFETIVOS
arelagtio in casii, como também enviam potente notfcia a toda a comunidade, informando
que 0 poder judiciério estd atento as condutas irregulares dos particulares, as quais nio
passarao impunes perante a justiga - é o fendmeno da pedagogia das indenizacoes,
emergindo da funciio profilitica das sentengas.
No campo dos relacionamentos afetivos nao é diferente. Independente de se ter
sob exame uma relacao de natureza familiar ou afetiva em sentido estrito, a aplicabilidade
da responsabilidade civil 6 uma realidade constitucionalmente garantida. Esfera jurfdica
altamente peculiar — de onde emergem figuras tipicas, como os “danos de amor” ¢ a “teoria
do risco de amor? ~ suas lesbes, por décadas, foram reputadas como “ndo indenizaveis de
plano”, ferindo ao direito fundamental a reparagiio.
Grande carga de preconceitos orientava esse pensamento, bem demonstrado
pelo fundamento juridico que se popularizou entre os 6rgios judiciais — a teoria do risco
—imputando as vitimas todo o suportamento das lesdes decorrentes da operagao irregular
do relacionamento roméntico, quase como uma puni¢ao, enviando sinais contraditérios
para a sociedade — que lia tais decisées como um estimulo & violéncia e abuso de direito.
Ora, nao, se questiona — o sistema legal assegura tanto o direito de amar, quanto
© direito de romper, desde que praticados com a responsabilidade vital ¢ inerente a0 ato.
Nessa esteira, a teoria do risco de amor esté distante de imputar a obrigagéo indenizatéria
objetivamente aos agentes, como também de “punir as vitimas”. Prospectando equilibrio
na reparti¢o do risco, fundamentalmente, se fulcra na averiguagdo e coibigio do abuso
dedireito. |
© que antes poderia parecer um grande esforco de pensamento cientifico e de
interpretacdo légico-extensiva, hoje é amplamente corroborado por tutelas positivadas, a
exemplo da lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que expressamente
reconheceu a peculiaridade da natureza das lesdes oriundas do abuso nas relagées
amorosas - familiares ou nao - além de impor um fim cabal ao questionamento da
indenizabilidade dos danos. A releitura interpretativa jé chegou aos tribunais, readequando
a teoria do risco & sua apropriada e constitucional fungo social.
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