Estrutura e dinâmica Social
Resenha: Da Divisão do Trabalho Social.
Autor: Émile Durkheim.
Lucas Florindo Souza
RA: 112021313388
Podemos perceber que esse estudo de Durkheim situa-se em torno da
relação entre o homem enquanto indivíduo, a sua relação com o meio que o
mesmo está inserido, e o problema da ordem social. Outro aspecto importante
da obra são como os economistas apreciam os resultados dessa divisão, sempre
enxergando os resultados dessa divisão, proclamando-a como condição de
progresso das sociedades humanas. Assim surge uma das principais
preocupações da obra, que é a de compreender os aspectos sociais da divisão do
trabalho, e como essa divisão vai interferir na sociedade.
Primeiramente Durkheim define a função da divisão do trabalho no que
tange o debate econômico como de menor importância em relação ao efeito
moral que produz, ou seja, ele não há define nem sob a perspectiva econômica,
utilitarista das especializações das funções das profissões, pois, para ele, sua
verdadeira função é criar entre as pessoas um sentimento de solidariedade.
Objetivando entender a organização social, Durkheim trás para a sua obra o
conceito de solidariedade social, a responsável pela coesão entre as relações dos
indivíduos, que se modifica de acordo com o modelo de sociedade
presente.
O autor afirma a divisão do trabalho como “condição necessária do
desenvolvimento material e intelectual das sociedades. “(..) é a fonte da
civilização.” Além dessa afirmação ele nos remete a ideia de que devem existir
outros, assim como outras funções, no caso afirmando a existência de uma
função moral. As organizações corporativas para ele são importantes nas
sociedades modernas, pois são elas que podem influenciar moralmente,
contendo o egoísmo que surge com essa divisão, essas organizações para o autor
tem o poder de construir laços de solidariedade entre os trabalhadores.
Durkheim se propõe a mostrar que nas relações de amizade as faltas de
semelhança tornam-se complementares. Que as carências ou necessidades
individuais podem ser suprimidas pelo convívio. Assim, visa demonstrar a
diferenciação, nessas condições, como o surgimento da solidariedade. Desse
modo introduz a sugestão de que a divisão do trabalho social teria função
importante no seio da sociedade.
Para o autor a divisão do trabalho seja ela social, sexual ou doméstica, não
age na troca cotidiana, mas sim na ideia de sentimentos mais profundos, de
compromisso, reciprocidade. E como regra entre indivíduos na sociedade o
autor apresenta a moralidade.
Reforça a tese de que a divisão do trabalho, ou dos papeis sexuais seriam
os responsáveis pela solidariedade conjugal. Traça uma espécie de linha
evolutiva entre a diferenciação sexual e a solidariedade conjugal na qual para o
autor, à medida que se diferencia o trabalho sexual há um incremento da
solidariedade conjugal, que no ritmo que se complicam aproxima os cônjuges,
diminui sua autonomia, torna a união mais estável.
Para Durkheim existem dois tipos de solidariedade, a solidariedade
mecânica e orgânica, para dois tipos de formas sociais distintas, que são
enfraquecimento da consciência coletiva e fortalecimento da consciência
individual nas sociedades modernas individualistas.
A solidariedade mecânica ocorre nas sociedades mais primitivas, nas
quais os indivíduos pouco se diferenciam entre si e partilham dos mesmos
valores e sentimentos. O meio natural e necessário a essa sociedade é o meio
natal, onde o lugar de cada um é estabelecido pela consanguinidade e a
estrutura dessa sociedade é simples. O indivíduo, nessa sociedade, é socializado
porque, não tendo individualidade própria, se confunde com seus semelhantes
no seio de um mesmo tipo coletivo.
Com a modernização da sociedade, os ambientes civilizatórios mais
organizados são onde se tem mais roubo, assaltos, um índice de solidariedade
mais baixo. Não se tem mais um convívio social mais íntimo. Não significa que
as fragmentações nessas grandes cidades deixem de existir, mas com certeza
mudam de forma. Ele admite o fato de que o Direito nada mais é que um
acúmulo de regras morais, ideias morais, e a estabilização de como essas ideias
podem estar gravadas na mente das pessoas.
Nas sociedades em que a consciência coletiva mais se destaca, os
indivíduos estão em consonância entre si, sentindo-se atraídos pelas
semelhanças com os outros. Nesse tipo de sociedade, a divisão do trabalho
quase que não existe. Aqui o que une os indivíduos são crenças comuns, a
consciência coletiva é mais forte que a individual. Assim, o tipo de solidariedade
social que aparece aqui é a solidariedade mecânica, ou por semelhança, nela os
homens compartilham pensamentos e ordenam a sua vida através da dos
outros, assim cada individuo é o que os outros são.
Onde percebemos um predomínio da solidariedade mecânica, podemos
encontrar o direito repressivo, ou seja, a preponderância da punição. De acordo
com Durkheim, isso mostra que a consciência coletiva é mais forte do que a
individual.
A solidariedade orgânica predomina nas sociedades modernas, ou seja,
onde há maior diferenciação individual e social. Nessas sociedades permiti-se o
surgimento da personalidade, entretanto a consciência coletiva não deixa de
existir, ela é apenas reduzida. Não compartilham os mesmos valores, costumes e
crenças, os interesses individuais são distintos e a consciência de cada individuo
é mais acentuada. Os laços de solidariedade estão fundamentados na divisão do
trabalho.
Em sua obra o autor mostra como a o tipo de sociedade modela o
comportamento social do homem. E esse processo de separação do trabalho
torna os indivíduos cada vez mais dependentes uns dos outros, e eles percebem
essa relação de dependência, pois tem consciência de que não possuem mais a
capacidade de realizar todas as tarefas, e esse trabalho mais especializado
constrói uma interdependência entre os homens.
Durkheim chama a atenção para o fato de que o conteúdo das regras
morais varia historicamente e aborda como os tipos jurídicos se relacionam com
cada tipo de solidariedade social.
Na sociedade onde a solidariedade é orgânica, o autor afirma que
podemos encontrar o direito restitutívo. Nas sociedades onde as semelhanças
entre seus indivíduos são os principais traços, um comportamento desviante é
punido por meio de ações que têm profundas raízes nos costumes. Todos os
membros dessas coletividades participam da vingança contra aqueles que
violaram algum sentimento fortemente compartido. A idéia é de que, sendo a
consciência coletiva tão significativa e disseminada, feri-la representa uma
violência que atinge a todos aqueles que se sentem parte dessa totalidade, o que
podemos definir como direito punitivo ou repressivo.
Uma das críticas ao autor é que nas sociedades modernas as relações são
baseadas por meio de contratos e esta não é a idéia de Durkheim. Para ele, em
uma sociedade que predomine a solidariedade orgânica não há substituição da
comunidade pelo contrato. Além disso, o autor não vê conflito na divisão do
trabalho, para ele essa divisão não gera caos, e sim ordem, acreditando assim
que a divisão do trabalho só produz solidariedade. Uma visão equivocada das
consequências, pois os resultados que a sociedade moderna nos mostra são
desigualdades, diferença de classes e segregação, o que se traduz em conflitos
constantes.
No Prefácio da 2ª Edição, é analisada a função que os agrupamentos
profissionais adquirem no modo de organização das sociedades
contemporâneas, destacando o papel das corporações e a necessidade de
renovação das mesmas. Ao apontar a importância histórica das corporações
pode-se fazer um paralelo com o papel da família, ela se constituiu de forma a
construir a conduta moral existente e os laços entre os membros, ficando
evidente que a família detinha um laço domestico e as corporações laços
profissionais. Essa intensificação da atividade comercial demonstra a
sobreposição da família pelas corporações assim como ocorreu com o campo
pela cidade. A união de ofícios foi preponderante para a organização da
moderna burguesia. Segundo o prefácio, observa-se que estas corporações
deveriam retomar ao funcionamento são mais representativas para população
onde mantém o mesmo interesse do Estado, porém este se distancia dos
indivíduos.
Para Durkheim, o ímpeto de estudar a sociologia social o levou a concluir
que existem laços sociais, de maior ou menor ligação, que une os indivíduos nas
mais diferentes sociedades. “Os indivíduos são ligados uns aos outros, de tal
forma que, sem isso, seriam independentes; em vez de se desenvolverem
separadamente, eles ajustam seus esforços; eles são solidários, por meio de uma
solidariedade que não age somente nos curtos períodos em que se trocam
serviços, mas que se entende muito além”. (Sociologia de Emile Durkheim –
organizador José Albertino Rodrigues. Página 64).
Portanto, o relacionamento dos indivíduos é de tal dependência que eles
exteriorizam esta dependência mutua. Para compreender a metodologia
durkheimeana, antes, porém, é necessário compreender a consciência coletiva e
a consciência individual. Cada indivíduo possui sua consciência individual, a
qual possui características particulares e está intimamente ligada a
personalidade. Entretanto a consciência coletiva é o conjunto de todas as
consciências individuais juntas, esta fornece os valores morais e sensos comuns,
exercendo uma pressão externa aos homens. A soma da consciência individual
mais a coletiva formariam o ser social. Contudo, a solidariedade social se dá
pela consciência coletiva, pois está é responsável pela coesão. A consciência
coletiva não é padronizada para todas as sociedades, segundo Durkheim, o que
demonstra esta diferença é a ligação entre os indivíduos que variam de
sociedade para sociedade. Um exemplo disso, sociedades primitivas, que
Durkheim cita em seu livro, o sentimento de semelhança e pertencimento entre
índios é muito maior do que o sentimento entre sociedades industrializadas.
Logo, conclui-se que existem diferenças entre as solidariedades e Durkheim
apresenta como mecânica e a orgânica. Solidariedade mecânica: “O conjunto de
crenças e de sentimentos comuns a média dos membros de uma sociedade
forma um sistema determinado que tenha sua vida própria; pode-se chama-lo
de consciência coletiva ou comum”. (Sociologia de Emile Durkheim –
organizador José Albertino Rodrigues. Página 74). O individuo da sociedade
com solidariedade mecânica está ligada a consciência coletiva, seu pensamento
é embasado nos sentimentos comuns a todos que participam dela e não
necessariamente seu desejo enquanto individuo, a maior parte da existência do
indivíduo é orientada pelos imperativos e proibições sociais que
vêm da consciência coletiva. Para este individuo quanto mais forte a consciência
coletiva, maior será a solidariedade mecânica. Seus desejos e vontades estarão
dispostos entorno do coletivo, o que proporciona maior coesão e harmonia.
Sociedade orgânica: “Sem dúvida, dado que as funções tem uma certa
generalidade, todos podem ter qualquer sentimento: quanto mais elas se
especializam, menor é o número daqueles que tem consciência de cada uma
delas; consequentemente, elas sobrepujam a consciência comum”.(Sociologia de
Emile Durkheim – organizador José Albertino Rodrigues. Página 80).
O indivíduo da sociedade com solidariedade orgânica está ligado à
consciência individual, ocorre um enfraquecimento das reações coletivas contra
as violações e proibições e aparece uma ampliação no pensamento individual,
ocorrendo um processo de individualização dos membros destas sociedades.
Durkheim explicita que o caráter individual foi aumentado de proporção na
sociedade orgânica, porém ainda mantém o caráter de interdependência entre
os membros da sociedade, sendo assim a solidariedade não deixa de existir.
Portanto é fundamental estabelecer que tanto a solidariedade orgânica
quanto à mecânica tem a função de propiciar uma coesão social. Durkheim
entende a divisão do trabalho social em um contexto que supera a expansão do
capitalismo, o consequente aumento dos produtos em larga escala e a formação
de mão de obra cada vez mais especializada, como é o caso das sociedades com
solidariedade orgânicas; ou seja, sua analise da divisão do trabalho social
ultrapassa os serviços econômicos. Suscita que a divisão do trabalho social
acentua sua característica como base a solidariedade, que garante a coesão
social.
Comte discorria acerca da divisão do trabalho sobre ser maior que o
campo econômico, mas a condição essencial da vida social. “Somos assim
levados a considerar a divisão do trabalho sob um novo aspecto. Neste caso, com
efeito, os serviços econômicos que ela proporciona são de menor monta ao lado
do efeito moral que produz, e sua verdadeira função é criar entre duas ou mais
pessoas um sentimento de solidariedade”. (Sociologia de Emile Durkheim –
organizador José Albertino Rodrigues. Página 63). Após esta nova visão
metodológica é possível averiguar como a divisão do trabalho pode ser uma
fonte de solidariedade. Em seu livro, ele expande os conceitos com várias
analogias e exemplos para esclarecer como a solidariedade se estabelece na
divisão do trabalho.
Elucidando através da harmonização do casamento que seria equivalente
a solidariedade, porém o que justifica esta harmonização não é a divisão
igualitária ou melhorar da sociedade, mas a interdependência das relações
sociais que são coesas devido à solidariedade. “Dentre todos esses exemplos, o
efeito mais notável da divisão do trabalho não é que ela aumente o rendimento
das funções divididas, mas as torna solidarias. Seu papel, em todos esses casos,
não é simplesmente ornamentar ou melhorar as sociedades existentes, mas
tornar possível as sociedades que, sem ela, não existiriam”. (Sociologia de Emile
Durkheim – organizador José Albertino Rodrigues. Página 64)
Outra analise de Durkheim é a presença da organização social. Com
efeito, a vida social sempre que exista de maneira durável, tende
inevitavelmente a assumir uma forma definida e a se organizar, isso ocorre em
todas as sociedades e o direito instituído tende a auxiliar nesta organização e no
estudo cientifico da divisão do trabalho, apontando a solidariedade orgânica
com predomínio do direito restitutivo com a reparação e a solidariedade
mecânica terá o direito repressivo com a prevenção, carregando o caráter do
método como um fator objetivo e desta forma a organização se fundamenta para
a continuação da coesão, assim como a solidariedade.
Entretanto, quando não está em conformidade à sociedade adoece,
criando assim um estado de anomia social. A sociedade moderna para atingir
seus objetivos e sua sobrevivência, precisa organizar-se. Organização é o que
permitirá à divisão do trabalho se desenvolver, gerando mão de obra
especializada, logo a individualização provocará um enfraquecimento na
consciência coletiva e o espírito de solidariedade acarreta uma influência
dissolvente e, por via de consequência, o comportamento de desvio. Portanto,
quando a divisão de trabalho supera um ponto o individuo debruça sobre suas
tarefas e responsabilidades, perdendo a ideia da obra comum.
A minha opinião a respeito do conceito durkheimeano de anomia é
compatível com Durkheim, principalmente no que tange as sociedades
superorganizadas, ao passo que a industrialização galgou com amplo sucesso em
vários ramos, observa-se a desintegração do coletivo e as especializações dos
indivíduos. Nos tempos da contemporaneidade ocidental o individuo não
abrange mais conhecimentos amplos, a especialização restringiu campos do
saber, sendo dividido em cada área e dentro destas áreas existem novas divisões,
sendo necessário cada vez mais o estudo especifico de algo e menos
conhecimentos nos demais assuntos.
Capítulo 1:
A divisão do trabalho existe em vários âmbitos da sociedade
industrializada e, nos dias atuais, torna-se praticamente impossível alguém ser
tão “multidisciplinar”, isto é, ser especialista em diversas áreas, visto que o
cientista agora se restringe a uma única área e as profissões buscam
aperfeiçoamento somente em suas respectivas áreas de atuação. O autor coloca
no livro que o imperativo categórico da consciência moral impele as pessoas a
cumprir de modo satisfatório (proveitoso) uma função determinada, o que
fundamenta também a divisão do trabalho.
Essa divisão tem por objetivo, portanto, aumentar a força produtiva e a
habilidade do trabalhador. Por outro lado, contudo, embora apresente
vantagens econômicas, essa divisão pode causar sérios inconvenientes morais,
o que leva a uma busca por outra função para a divisão do trabalho. Sendo
assim, um novo aspecto é o de criar entre as pessoas um sentimento
de solidariedade, ou seja, a divisão do trabalho tem também o papel de tornar
as funções (divididas) solidárias, de modo a construir uma sociedade que não
seria possível sem tal divisão. Portanto, o objetivo da divisão do trabalho não é
tornar as funções mais produtivas isoladamente, mas sim, solidárias entre si.
Capítulo 2:
No âmbito do direito, Durkheim observa que todo direito escrito tem um
duplo objeto: impor certas obrigações e definir as sanções ligadas a estas.
Sendo assim, enquanto o código civil dita o dever, o penal dita a pena. Observa
também que o crime, enquanto ato que ofende a consciência coletiva, é
conhecido por todos e, por isso, não se faz necessário um enunciado no código
penal que o explique, mas somente a prescrição da respectiva pena, pois “o que
caracteriza o crime é o fato de ele determinar a pena”. O autor distingue
também a repressão legal da repressão difusa, mostrando que o julgamento
colegiado (feito por um órgão específico e pré-existente) faz com que a
repressão torne-se organizada.
Assim, a pena consiste em uma reação passional (enquanto que há um
sentido de vingança nela contido) e graduada (visto que a pena é proporcional
ao crime realizado), em que a sociedade exerce - por meio dos tribunais - uma
resistência coletiva ao crime, pois este feriu a consciência também coletiva. Por
conseguinte, a pena tem a função de manter a coesão social, uma vez que
protege a consciência comum a todos.
Há então uma solidariedade social que provém dessa consciência comum
a toda sociedade, e a importância desta solidariedade pode ser medida,
segundo Durkheim, determinando-se a fração do ordenamento jurídico que é
representada pelo direito penal.
Capítulo 3:
Nesse capítulo o autor trata de como o direito restitutivo (civil) cria órgãos
cada vez mais específicos, enquanto o direito repressivo (penal) tende a
permanecer difuso na sociedade. Isso ocorre porque as regras de sanção
restitutivas não estão presentes na consciência comum, uma vez que atendem
a solicitações de interesses de partes da sociedade somente. Dessas regras
restitutivas podem surgir duas espécies distintas de solidariedade: uma que
provém das regras negativas (geram abstenção) e outra das regras positivas
(geram cooperação).
Nascido em uma região de conflito (Alsácia-Lorena) e após acompanhar
de perto a vitória da Prússia sobre a França na batalha de Sedan, além da
insurreição operária de 1871 denominada por Comuna de Paris seguida de sua
consequente derrubada pelo governo francês dois meses após sua instituição,
era normal que um intelectual diante do exposto se sensibilizaria mais
facilmente à ideia de um caos social, tal como Hobbes no século XVII, ou como
ele mesmo chama: o fim de uma estrutura de coesão social.
Também diante disso, o mundo passava pelo processo de formação das
sociedades de massa, gerando nitidamente um enfraquecimento dos laços
tradicionais da igreja ou da família, por exemplo, divergindo do período feudal
onde estas duas coisas eram a força motriz para o estabelecimento de padrões
e normais sociais as quais regeriam comportamentos de todos os seus
membros, em consonância com sua hierarquia.
Por estes fatores, a preocupação de Émile Durkheim era determinar as
condições para a manutenção da sociedade, de modo que um estado de
revolução social não tomasse conta da mentalidade de um povo que, deste
modo, segundo o autor, poderia promover a desconfiguração da estrutura
básica e hierárquica social. Para explicar isso, ele se propõe a criar, como
contraposição à ideologia marxista, uma ciência social “positiva” capaz de criar
soluções sem que haja o corrompimento da mesma, chamada: Sociologia.
Diferente de Marx que se preocupa com o ponto em que a sociedade
poderia ser transformada, Durkheim se preocupa com a conservação da
sociedade, o que elucida a divergência sequencial de pensamento lógico em
suas respectivas obras. Aqui, é importante notar o pensamento conservador de
Durkheim.
No intuito de elucidar quais são as forças coercitivas que mantém a
estrutura de uma sociedade, ele escreve o livro: “Da divisão do trabalho social”,
sobre o qual tratarei durante esta resenha. Ele é dividido em dois prefácios, o
da segunda e primeira edição, respectivamente, uma introdução, três livros
para os quais darei maior ênfase uma conclusão.
É importante iniciar esta resenha, dando a devida importância ao
prefácio à segunda edição, que, pelo fato de ter sido escrito após uma análise
da obra pelo próprio autor e por outros críticos, introduz com maior precisão
algumas das problemáticas a serem discutidas com maior ênfase ao longo do
livro. Seu foco durante esta sessão é em fornecer uma melhor explicação da
sociedade com base em sua estrutura econômica, expressa pelos conflitos em
fábricas, greves e falta de moralidade na sociedade, fato este, que não fora tão
enfatizado, segundo o autor, na primeira edição de sua obra. Afinal, alguns
intérpretes culparam a divisão do trabalho social como fonte da falta de
moralidade na sociedade, o que soa de forma divergente a seu pensamento, já
que para ele, a sociedade é composta por ramos profissionais e não uma
disputa de por entre classes sociais com interesses antagônicos.
Aqui, Durkheim ainda discute muito acerca do que será dito por ele na
terceira parte do livro como, por exemplo, as anomias jurídicas como produto
das relações econômicas, o maior papel do direito jurídico em concomitância
com a complexidade da sociedade. Sua intenção neste primeiro momento é
apenas elucidar aquilo que não ficara claro em um primeiro momento de sua
obra, justificando sua reedição.
Nascido no ano de 1858 em Épinal na França, David Émile Durkheim foi um
sociólogo, psicólogo social e filósofo francês. Com Karl Marx e Max Weber, Durkheim é
citado como o principal arquiteto da ciência social moderna e pai da sociologia, onde sua
primeira obra sociológica de suma importância foi “Da divisão do trabalho social” sendo
publicada a primeira edição em 1893. Na obra, ele analisa as funções sociais do trabalho e
procura mostrar como, na modernidade, tal divisão é a principal fonte de coesão social.
No final do século XIX, a sociedade de forma geral estava passando por um
processo onde já não se contava mais a influência da igreja ou da família no
estabelecimento de éticas e padrões sociais, onde por eles eram extraído o comportamento
de todos os indivíduos da sociedade. Com isso, Durkheim mantinha-se preocupado em
determinar condições para que a estrutura básica da sociedade não entrasse em colapso
com a revolução social existente. Então, Émile Durkheim propõe criar uma ciência social
chamada Sociologia, onde com ela trará soluções para esses e outros problemas sem que
sofra com eventos advindos do próprio meio.
Após essa introdução, podemos iniciar a resenha comentando sobre o prefácio da
segunda edição, que teve como objetivo alocar algumas problemáticas de forma mais
incisiva no livro, fornecendo mais informações do corpo social da época e elucidando ideias
que não ficaram tão claras, como algumas características da divisão do trabalho social,
fundamentando então a sua reedição.
No primeiro livro, ele afirma procurar saber qual a função da divisão do
trabalho, isto é, a que necessidade social ela corresponde. Em seguida, serão
postas em questão suas causas e condições de que depende. E por fim, serão
estudadas as formais anormais da divisão do trabalho, também denominadas
como “patologias sociais”, o que vai elucidar, por exemplo, a divergência
conceitual do que Marx e Durkheim entendem por “luta de classes”.
Após isto, já tendo introduzido anteriormente o contexto de publicação da obra
em questão e sua estrutura, gostaria, pois, de iniciar o estudo mais
aprofundado da sessão expressa no primeiro livro e intitulada “A função da
divisão do trabalho” e cujo assunto a ser abordado já é passível de dedução a
partir de seu próprio título.
Ele inicia esta sessão, sendo otimista com relação ao papel do trabalho
na sociedade, colocando-o como uma condição necessária do desenvolvimento
intelectual e material das sociedades, e capaz de aumentar a força produtiva e a
habilidade do trabalhador. Vemos de cara, como seu pensamento distancia-se
da visão marxista no que tange o papel do trabalhador, afinal, este seria dotado
de “habilidades”. Ademais, a divisão do trabalho não deveria somente visar ao
rendimento das funções divididas, de modo a aumentar a produção, gerado
conflito entre operários e patrões, mas pelo contrário, ela tornaria as relações
sociais solidárias, sustentando a sociedade, isto é, dando coesão social. Uma
vez estabelecida, sua manutenção somente poderia se dar através de um
sistema de regras jurídicas, cujo rompimento geraria sanções.
Em suma, para Durkheim, o vínculo da solidariedade social do direito
repressivo é aquele cuja ruptura constitui o crime. Aqui, é importante notar a
sobreposição da função moral que a divisão do trabalho social exerce, de modo
a evitar o caos social. Diferentemente de muitos teóricos de sua época que
atribuíam esta função coesiva ao Estado ou a um líder, Durkheim se diferencia,
afirmando que o trabalho seria dotado deste poder de padronizar
comportamentos, os quais, muitas vezes são expressos de forma inconsciente,
isto é, automatizado pelos cidadãos.
Todavia, nem sempre as sociedades foram modernas, e tão dotadas de
uma pluralidade de ideias. Em sociedades primitivas, por exemplo, o senso
comum perdura sobre os padrões de comportamento, dado que as interações
interpessoais se davam a partir de valores e crenças padronizados e
incontestados pela população, o que fazia destes valores e crenças uma
estrutura rígida que permitia a coesão social. Como eles eram padronizados,
toda ruptura de regras geraria um sentimento de ofensa, de forma mecânica,
isto é, automática, gerando uma reação passional, ou sanção restitutiva. O que
faz Durkheim afirmar que o tipo de solidariedade responsável pela coesão
social nestas sociedades era a mecânica.
Assim sendo, a natureza da sanção restitutiva implicaria em duas coisas:
em primeiro lugar, as regras exprimiriam estados excêntricos da consciência
comum, ou seja, as punições seriam consensuais, e em segundo lugar, as
relações negativas e positivas que as sanções determinam vinculariam o
indivíduo à sociedade, isto é, fariam se sentir membro da mesma a partir do
momento em que ele se dá conta de que a ruptura de uma regra terá como
consequência uma sanção aplicada. Para o autor, as relações negativas não
correspondem à expressão de uma solidariedade autêntica, isto é, com
existência própria, pois as pessoas apenas mantém a solidariedade social como
prevenção de uma punição advinda do direito repressivo.
Em contrapartida, as relações positivas seriam aquelas que derivam da
cooperação da divisão do trabalho, regidas por um sistema de regras jurídicas,
ou seja, códigos e regras de conduta. Para Durkheim, a divisão do trabalho de
tal forma que cada um tome partido de uma parte da produção, tal como cada
órgão do corpo exerce uma função para o bom funcionamento do mesmo gera
uma solidariedade social positiva, denominada por ele orgânica. O ponto é que
como a divisão do trabalho é um pressuposto de sua existência, ela só pode ser
à base de coesão social em sociedades modernas, onde há maior diferenciação
individual e social. Aqui, é possível notar novamente o otimismo por parte do
autor quando as sociedades alcançam o estágio da plena divisão do trabalho.
Agora, é preciso entender o que permite que o trabalho adquira esse
poderoso papel na estrutura social, isto é, suas causas. Visto o otimismo de
Durkheim nos parágrafos anteriores acerca da divisão do trabalho, ele mesmo
afirma que muitos supõem que sua causa seria a felicidade dos indivíduos.
Porém o próprio Durkheim discorda disso, dado que a, segundo ele, a
felicidade é limitada, ao passo que a divisão do trabalho social não o é, ou seja,
perdurará para sempre, na visão do autor, como meio coesivo social. Ele
ressalta também que alguém pode ser feliz trabalhando, porém esta não é a
real intenção, dado que a felicidade seria um estado de saúde e a saúde não
cresce à medida que as espécies se elevam.
Neste ponto, Durkheim questiona se o “progresso”, sinônimo que ele dá
para a divisão do trabalho, não viria do tédio que causa dos prazeres que
tornam habituais. Mas depois, nega esta como sua causa e afirma que a divisão
do trabalho social teria por causas o aumento da densidade moral da
sociedade, simbolizado pelo aumento da densidade material, além do aumento
da densidade da própria população. Em outras palavras, é possível inferir que
a necessidade de uma moralidade social e a busca por um espaço de prestígio
com o aumento das individualidades e a especialização do trabalho tornou
obrigatória uma divisão de aparatos sociais cada qual com sua função. Em
suma, a reprodução da divisão do trabalho social só pode se dar em sociedades
constituídas, sendo sua progressão diretamente proporcional ao aumento da
variabilidade individual a qual só aumentará se a consciência comum regredir,
isto é, se a racionalidade for dominante e o pensamento tradicional perder
relevância.
Até o momento, Durkheim se mostra otimista e dá a melhor conotação
possível à divisão do trabalho social, associando-a com a ideia do progresso.
Porém e as crises industriais? E a revolução operária na França expressa pela
Comuna de Paris, por exemplo? E a luta de classes? Como explicar isto? Para
tanto, ele dedica seu terceiro livro para explicar os estágios de anomia da
divisão do trabalho social. Entende-se aqui por anomia a ausência de regras,
isto é, a ausência de uma força que permita a coesão social. Para ele, quando a
divisão do trabalho não produz solidariedade, temos as crises e o antagonismo
entre o trabalho e o capital.
Deste modo, quando as funções de cada aparato social não convergem,
isto significa que as relações não estão regulamentadas, afinal, uma divisão do
trabalho social normal jamais faria com que o indivíduo seja impedido de não
participar de todas as fases do processo produtivo. É importante notar que o
autor atribui a todas as crises como uma falha de cada aparato social e não de
uma superestrutura capitalista que estimula a máxima exploração do
trabalhador. Para ele, a responsabilidade das crises é da própria fábrica que
não foi capaz de regulamentar um padrão a ser seguido, gerando um
desentrosamento ou um mal entendido entre operários e patrões que deve ser
resolvido a partir de regras consensuais.
Além disso, quando questionado sobre a luta ou guerra de classes,
Durkheim alega que nestes casos, o indivíduo não está em harmonia com a sua
função, pois esta lhe foi imposta por coerção, ou seja, por uma espécie de
desigualdade nas condições exteriores de luta. Isto explica por que ele
classifica a luta de classes como uma patologia social, afinal, a estrutura social
e o sistema são perfeitos, o problema está nos indivíduos que não se adaptam a
ele e nos aparatos sociais que falham em regulamentações. Por isso, segundo
sua visão, a solidariedade contratual se torna um fator cada vez mais
importante na formação de um consenso social e a esta seriam responsáveis os
próprios aparatos sociais e instituições.
Por fim, ele conclui sua obra sintetizando a relevância das regras para a
realização de todas as atividades coletivas, afinal o simples fato de acordar,
escovar os dentes ou de escrever esta resenha são obrigações às quais me
foram impostas por um sistema de regras incontestáveis e já fixadas na
consciência coletiva, não permitindo questionamentos ou seu descumprimento
cujas consequências dar-se-iam a partir de sanções sociais.
Assim, para Durkheim, a divisão do trabalho social não diminui a
personalidade individual, aumentando a solidariedade social legitimada como
tal a partir da produção simultânea do direito jurídico e da moral na sociedade,
o que a meu ver é um argumento incoerente, dada nossa incapacidade de
escolha frente às nossas aspirações através da aceitação automática de um
sistema sem que tenhamos a mínima chance de contestá-lo.
Questiono-me, pois, se realmente é possível sermos dotados de uma
verdadeira identidade a partir do poder coercitivo que a sociedade exerce sobre
nós. Além disso, a meu ver a divisão do trabalho não necessariamente gera
solidariedade social, mas pelo contrário, ela gera revolta por parte daqueles
que tentam se desprender do sistema social coercitivo e aceito por uma
maioria. Em outras palavras, para aqueles que tentam “sair da caverna de
Platão” aceitar o sistema tal como é, ou seja, na visão de Durkheim, é um
grande desafio e acirra fortes debates na contemporaneidade acerca de nossas
liberdades individuais. Por fim, arrisco dizer que o autor atribui forte papel à
divisão do trabalho como responsável pela geração de valores morais na
sociedade e a coesão social, esquecendo-se um pouco do papel do Estado
diante destas mesmas situações.