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A Escrita Como Cuidado de Si Na Obra Tardia de Michel Foucault - Revista Sísifo

O documento discute como Michel Foucault analisou a escrita como uma forma de cuidado de si na antiguidade clássica. Foucault argumentou que a escrita poderia servir como uma tecnologia do eu, permitindo que indivíduos se autoconhecessem e controlassem seus pensamentos. Ele apontou duas formas principais de escrita de si: os hypomnemata, que eram anotações sobre experiências espirituais, e a correspondência epistolar, onde indivíduos descreviam suas ações cotidianas.
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A Escrita Como Cuidado de Si Na Obra Tardia de Michel Foucault - Revista Sísifo

O documento discute como Michel Foucault analisou a escrita como uma forma de cuidado de si na antiguidade clássica. Foucault argumentou que a escrita poderia servir como uma tecnologia do eu, permitindo que indivíduos se autoconhecessem e controlassem seus pensamentos. Ele apontou duas formas principais de escrita de si: os hypomnemata, que eram anotações sobre experiências espirituais, e a correspondência epistolar, onde indivíduos descreviam suas ações cotidianas.
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28/11/2022 00:10 A escrita como cuidado de si na obra tardia de Michel Foucault | Revista Sísifo

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ISSN: 2359-3121

INÍCIO ARTIGO DOSSIÊ ENSAIO TRADUÇÃO ENTREVISTA CRÍTICA

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A escrita como cuidado de si na obra tardia


de Michel Foucault
Roberto Kennedy de Lemos Bastos*

RESUMO:  Michel Foucault realizou um deslocamento teórico até a antiguidade clássica com o
intuito de abordar textos prescritivos da conduta do homem grego, nessa pesquisa atenta para o
preceito do cuidado de si como princípio regulador de uma espécie de razão prática do homem
grego. A escrita se exerceria aí como importante alternativa instrumental para o autoconhecimento
tão necessário ao efetivo uso coerente da razão no tocante ao uso dos prazeres, portanto, de um
ethos anterior ao modo do dispositivo moderno da sexualidade. Evocamos o texto L’écriture de
soi (A escrita de si) como um “mapa” para a localização do problema da escrita como cuidado de
si na obra tardia de Michel Foucault, enquanto uma tecnologia de si que dispõe o ser para uma
condição de ascese no pensamento e, por conseguinte, em uma excelência de vida no sentido do
conceito de estética da existência, isto é, a vida como uma obra de arte. 

Palavras-chave: escrita de si, cuidado de si, hypomnemata, estética da existência.

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é comentar as reflexões contidas na obra tardia de Michel Foucault
acerca de temas como subjetividade e modo de subjetivação, servindo-se para tal de um texto
menor, qual seja, A escrita de si, como um “mapa” onde o leitor toma conhecimento dos novos
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contornos tomados pela pesquisa do autor e do rumo que essa inflexão dos temas da modernidade
(saber/poder) para a antiguidade greco-romana.  Esse é um texto menor. Figura entre outros textos
produzidos por Foucault nos anos oitenta na esteira das suas pesquisas acerca da história da
sexualidade por intermédio dos ditos jogos de verdade através dos quais o ser humano se
reconheceu como “homem de desejo”, conforme Jean-François Pradeau, “as regras de conduta às
quais os antigos buscavam submeter suas práticas sexuais e os discursos com os quais eles
demandavam uma compreensão, um entendimento dessas práticas[2]”. A escrita de si segundo o
método arqueológico-genealógico é um modo de subjetivação que, enquanto uma forma de
tecnologia de si, interessa Foucault nesse momento[3]. Acreditamos que as grandes escolhas se
iniciam por pequenas e esclarecidas fontes escolhidas, aqui e ali, e pensamos demonstrar a
importância deste texto – publicado pela primeira vez na revista Corps Écrit[4]  – cujas páginas
saem desta pesquisa cujo lema “é preciso dizer a verdade sobre si mesmo”[5], concede mais
fomento para o curso que aborda temas relacionados com a cultura do cuidado de si[6]  na
antiguidade e no início da nossa era em função da noção (nomeada pelo autor francês) de estética da
existência[7]. Dito ainda de outro jeito, mas sem sair da cartografia proposta por ele, de como as
práticas de si – do jogo entre o conhecer e o cuidar – expressam na forma da escrita de si uma
resolução estética e ética enquanto um poder “subjetivador” que a escrita representa.

A escrita de si foi publicada em fevereiro de 1983 (portanto um ano e cinco meses antes de
sua morte) junto com outros cinco artigos que compõem a produção do autor no hiato que sucedeu
ao lançamento de A vontade de saber (1976), e que, segundo o autor, faz “parte de uma série de
estudos sobre as ‘artes de si mesmo’, isto é, sobre a estética da existência e o governo de si e dos
outros na cultura greco-romana, nos dois primeiros séculos do Império” [8]. É sabido que a obra que
aqui tratamos é o resultado de um arriscado [9]  deslocamento teórico feito rumo à antiguidade, e
cuja alusão aqui tem um significado igualmente arriscado[10]. Aliás, com efeito, o risco é a
condição de todo empreendimento filosófico, diria Foucault no prefácio de O uso dos prazeres, obra
que, junto com O cuidado de si, representam a materialização do esforço do autor em conceber uma
ontologia do presente partindo de experimentos no campo da ética greco-romana. Mais
especificamente romano uma vez que a utilização da escrita como gênese ethopoiética [11] só fora
posta em prática, segundo o pensador francês, no período imperial. Conforme Foucault:

Parece não haver dúvida que, entre todas as formas que tomou este
adestramento (o que comportava abstinência, memorizações, exames de
consciência, meditações, silencio e escuta do outro), a escrita – o fato de se
escrever para si e para outrem – só tardiamente tenha começado a desempenhar
um papel considerável. Em todo o caso, os textos da época imperial que se
referem às práticas de si concedem uma grande parte à escrita. É preciso ler,
dizia Sêneca, mas escrever também. É Epicteto, que, todavia não ministrou
senão um ensino oral insiste repetidas vezes no papel da escrita como exercício
pessoal: deve-se “meditar” (meletan), escrever (graphein), treinar; “possa a
morte arrebatar-me enquanto penso, escrevo, leio” (FOUCAULT: 2009, pg.
133).

A escrita tem uma função transformadora do indivíduo e, na tradição cristã – que no texto de
Foucault é expresso pela transcrição de um trecho da vitae antonii de Atanásio[12]  –, possui seu
sentido principal numa relação de complementaridade com a anachoresis  [13], i.e, atenuar os
perigos da solidão e realizar um “trabalho não apenas sobre os atos, mas, mais precisamente, sobre o
pensamento”. Portanto, “aquilo que os outros são para o asceta numa comunidade, Sê-lo-á o
caderno de notas para o solitário”. Trata-se de um debate sobre a forma como a askésis [14] grega
ganha importância junto à tradição cristã ainda procurando por uma identidade.

Há uma análise da oposição entre o ascetismo cristão e a ascética pagã, ambas possuindo
estreita relação com o cuidado de si, instituindo um campo prescritivo moral com o qual o indivíduo
irá constituir uma espécie de “armadura da conduta cotidiana”[15]. Onde está, com efeito, a
diferença uma vez que o sentido do ascetismo é sempre um domínio sobre o desejo e o controle
sobre o uso dos prazeres no sentido de um cuidado de si? Em que sentido se pode dizer que a prática
da escrita serviria, enquanto princípio racional, para o controle do pensamento, isto é, dos
movimentos da alma? A seguir, portanto, apresentaremos estas questões dimensionando como
Michel Foucault vira no uso que os pensadores da antiguidade faziam da escrita uma forma de
cuidado de si, i. e, conforme A escrita de si:

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Constituir a si próprio como sujeito de ação racional pela apropriação, a


unificação e a subjetivação de um “já dito” fragmentário e escolhido; no caso
das notações monásticas das experiências espirituais, tratar-se-á de
desentranhar do interior da alma os movimentos mais ocultos, de maneira a
poder libertar-se deles. No caso da narrativa epistolar de si próprio, trata-se de
fazer coincidir o olhar do outro e aquele que se volve para si próprio quando se
aferem ações quotidianas às regras de uma técnica de vida.

A apropriação do sujeito do “já dito” e sua consequente utilização em uma prática de si, i. e;
um exercício (que é um modo de subjetivação) concebido conforme o entendimento que os antigos
(seja grego, seja romano) tinham do papel da escrita como exercício de si no pensamento, tinha duas
formas, segundo Foucault, quais sejam, o hypomnemata e a correspondência. A função que vão
cumprir é da ordem de uma tekne tou biou, uma arte de viver, “que é preciso entender como um
adestramento de si por si mesmo” (FOUCAULT, 2009, p. 132).

2. A ESCRITA DE SI: HYPOMNEMATA

A leitura produz no leitor um movimento, em sua alma, que pode ser utilizado tal qual uma
“ferramenta” para auxilio na sua disposição de vida. Fazer coleta de fragmentos dos textos lidos
sugere algo de peculiar, i. e; com a coleta de citações, “reflexões ou debates que se tinha ouvido ou
que tivessem vindo à memória” se forma um conjunto de elementos componentes de uma “memória
material das coisas ouvidas ou pensadas” que um “público cultivado” chamará “livro de vida” ou
“guia de conduta”: o hypomnemata.

Assim, conforme o Vocabulário de Foucault[16]  define o caderno de notas grego,


hypomnemata, tem por característica estar á mão, tal qual uma ferramenta, conforme já dito acima,
para qualquer das vicissitudes da vida que se apresente tais como “um luto, um exílio, uma ruína, a
desgraça” de um lado; e de outro, combater “este ou aquele defeito como cólera, a inveja, a
tagarelice, a bajulação” dentre outras formas de vícios constantes na condição humana. Foucault
afirma,

Não haverá que considerar esses hypomnémata como um simples suporte de


memória, que poderia consultar a cada tanto, caso se apresentasse a ocasião.
Eles estão destinados a substituir a recordação eventualmente débil. Eles
constituem, antes, um material e um quadro para os exercícios a realizar
frequentemente: ler, reler, meditar, conversar consigo mesmo e com os outros
etc. Trata-se de constituir um logos boéthikos; um equipamento de discursos
que servem de ajuda, suscetíveis, como diz Plutarco, de levantar eles mesmos a
voz e de fazer calar as paixões, como um amo que com uma palavra aplaca o
latido dos cães (FOUCAULT, 2009, p. 221).

O hypomnemata serve de “base” para a escrita das correspondências que serão enviadas em
auxilio dos amigos-discípulos, nesse sentido, podemos dizer que não apenas o ler é fundamental
para a constituição de um hábito a tornar-se um ethos, mas uma associação deste com o ato de
escrever-para, que, se por um lado favorece, em complementaridade com a anachorese (aqui
tratando da tradição asceta cristã supracitada), uma forma de disciplina e ascese; por outro lado,
suscita a meditação que, conforme Foucault, citando Epicteto, diz, “esse exercício do pensamento
sobre si mesmo que reativa o que ele sabe, se faz presente como um princípio, uma regra ou um
exemplo, reflete sobre eles, os assimila, e se prepara assim para enfrentar o real” (FOUCAULT,
2009, p.133). Portanto, há um sentido “prático” da leitura que não apenas o aumento da cultura – ou
como dissera Heráclito da polimathia.  

Convém pensar no hypomnemata como uma ferramenta para as circunstancias mais variadas
(sobretudo as adversas) como dito acima, mas, vislumbrar que o fim é um só, qual seja, a produção
de um corpo estético-ético possível segundo a prática de exercícios ascéticos. Sêneca, por exemplo,
é um dos autores mais apropriados por Foucault, e, este estoico romano, verteu, por exemplo, da
tradição grega para a latina, a chamada paraskeué[17]  (em latim instructio) que era a preparação
para um acontecimento[18]  vindouro possível. No curso de 1982, A Hermenêutica do sujeito, na
aula de 17 de março (primeira hora), Foucault trata das técnicas utilizadas pelos filósofos que
prescrevem que a vida tal qual uma regula (uma regra), deve ser dotada de uma estilística. Vejamos
como ele expõe a questão.

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A obra bela é a que obedece à ideia de uma forma (um certo estilo, uma certa
forma de vida). Esta sem dúvida é a razão pela qual jamais encontramos na
ascética dos filósofos aquele mesmo catálogo tão precioso de todos os
exercícios a serem realizados, em cada momento da vida, que encontramos
entre os cristãos. Portanto, estamos diante de um conjunto bem mais confuso,
cuja elucidação podemos tentar iniciar da seguinte maneira: detenhamo-nos em
duas palavras, dois termos que se referem ambos a este domínio dos exercícios,
da ascética, mas que designam, creio eu, dois aspectos, ou se quisermos duas
famílias. De um lado, temos o termo meletân e, de outro, gymnázein
(FOUCAULT: 2004, 514).

A reflexão de Foucault demonstra como a práxis dos filósofos não era regida por qualquer
forma de breviário[19]  (catálogo dos exercícios a serem realizados em cada momento da vida), e
sim, por técnicas (tékhne) cujo sentido era expressar uma vida bela, exemplar. Há, contudo a
distinção entre dois termos, quais sejam, melete e gymnázein que em alguns filósofos estão
separados e noutros seguem quase como sinônimos. Na palavra grega que tem a correspondência
com cuidado, epimélia, há uma junção entre uma preposição epi que diz através de, acerca de, e,
mélia que tem relação com meléte, isto é, exercício que implica uma energia intensa, atenção
constante. Jean-Pierre Vernant, no seu livro Mito e pensamento entre os gregos, esclarece que:
O que caracteriza, no entanto, a meléte filosófica é que à observância ritual e ao
exercício militar ela substitui um treinamento propriamente intelectual, uma
adestragem mental que acentua antes de tudo, como no caso da mélete poética,
uma disciplina de memória. Virtude viril, a mélete filosófica, como a mélete
guerreira, implica uma energia intensa, atenção constante, epiméleia, duro
esforço. (VERNANT, 2002, p. 169/70)

Podemos concluir, portanto, que o exercício da escrita coletora, na forma do hypomnemata, era uma
prática ascética, portanto, uma meléte?

Temos duas tradições, a grega e a latina, que Foucault usou como fontes para suas
investigações sobre a forma como se instituir a si mesmo como um experimento ético-moral
(cuidado de si). A tradução que os latinos vão fazer, segundo Foucault nos diz em A hermenêutica
do sujeito, do termo meletân é meditari, e do termo meléte é meditatitio. O que de significativo essa
tradução nos indica? Foucault nos chama a atenção para não perdermos de vista que:

Tanto meletân-meléte (em grego) quanto meditari-meditatio (em latim)


designam uma atividade, uma atividade real. Não se trata simplesmente de uma
espécie de enclausuramento do pensamento lidando livremente consigo
mesmo. Trata-se de um exercício real. Em certos textos, a palavra meletân
pode perfeitamente designar, por exemplo, a atividade agrícola. A meléte,
situação de meletân é um verdadeiro trabalho. Meletân é também um termo
empregado na técnica dos professores de retórica para designar aquela espécie
de trabalho de preparação ao qual o indivíduo deve submeter-se quando precisa
falar livremente, improvisando, isto é, quando não tem diante dos olhos um
texto que leria ou que declamaria depois de tê-lo decorado. É uma espécie de
preparação, preparação muito restritiva, concentrada em si mesma, mas que ao
mesmo tempo prepara o individuo para falar livremente. É a meléte dos
retóricos. Creio que, quando os filósofos falam de exercícios de si sobre si, a
expressão meletân designa algo como a meléte dos retóricos: um trabalho que e
pensamento exerce sobre si mesmo, um trabalho de pensamento, mas que tem
essencialmente por função preparar o indivíduo para aquilo que ele em breve
deverá realizar. (FOUCAULT, 2004, 515)

O termo Meléte citado acima compõe o que chamaremos aqui, para favorecer didaticamente
o entendimento, um binômio, qual seja meléte/gymnázein. Sendo que o outro termo, gymnázein,
evoca a relação existente entre o exercício na forma intelectual, exercício de adestramento do
pensamento como prática de si, e o exercício ginástico determinado (leitura, escrita) que é, também,
da ordem de um adestramento do corpo. O hypomnemata é um exercício de adestramento na forma
da compilação. Vejamos o que Foucault nos diz acerca do segundo termo do binômio.  

Gymnázein (...) indica o fato de se fazer ginástica para si mesmo, significa propriamente
“exercitar-se”, “treinar-se” e que, parece-me, reportar-se mais a uma prática em situação
real. Gymnázein é estar efetivamente em presença de uma situação, situação que é real,
quer se tenha artificialmente provocado e organizado, quer se a depare na vida, e na qual
se põe à prova aquilo que se faz. Esta distinção entre meletán e gymnázein é ao mesmo
tempo clara e bastante incerta. Incerta porque há vários textos nos quais manifestamente
não existe diferença entre os dois termos, como em Plutarco, por exemplo, que emprega
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meletân/gymnázein quase que um pelo outro, sem diferença. Em outros textos ao
contrário, é muito claro que a diferença existe. Em Epicteto temos pelo menos duas vezes
a série meletân/gráphein/gymnázein. Assim, meletân é meditar, é, se quisermos,
exercitar-se em pensamento. Pensamos em coisas, pensamos em princípios, refletimos
sobre eles, preparamo-nos pelo pensamento. Gráphein é escrevê-los (portanto, pensamos
em algo e o escrevemos). (ibid, ibidem. P. 515/6)

Existe uma sutil distinção dos termos do binômio, mas nada que não corroborasse a ideia de
que o exercício do pensamento para o filósofo está numa ordem de relação e equivalência ao do
trabalho sobre o corpo na prática do exercício ginástico e que a grafia é a terceira via, terceira forma
de trabalho sobre si que caracteriza a askesis[20] filosófica.

A redação dos hypomnemata, segundo Foucault segue um ordenamento de acordo com três
princípios fundamentais, quais sejam:
1.       “A pratica de si implica leitura, pois não é possível tudo tirar do fundo de si próprio nem
armar-se por si só com os princípios da razão indispensáveis à conduta: guia ou exemplo, o
auxílio dos outros é necessário”.
2.            “Embora permita contrariar a dispersão da stultitia[21], a escrita dos hypomnemata é
também (e assim deve permanecer) uma prática regrada e voluntária da disparidade”.
3.           “O contraste desejado não exclui a unificação. Esta, porem, não se realiza na arte de
compor um conjunto; deve estabelecer-se no próprio escritor, como resultado dos
hypomnemata, da sua constituição (e portanto no próprio gesto de escrever), da sua consulta (e
portanto nas respectivas leituras e releituras)”.

Esse exercício, essa ginástica do pensamento, por fim, culmina num formato de escrita, o
caderno de notas, regido por dois princípios: “a verdade local da máxima” e “o seu valor
circunstancial de uso”. Os três princípios acima aliados a essas duas regras vão originar um corpo
correspondente, conforme diz Foucault,

“o papel da escrita é constituir, com tudo o que a leitura constituiu, um “corpo”


(quicquid lectione collectum est, stills redigat in corpus). E, este corpo, há que
entendê-lo não como um corpo de doutrina, mas sim – de acordo com a
metáfora tantas vezes evocada da digestão – como o próprio corpo daquele
que, ao transcrever as usas leituras, se apossou delas e fez sua a respectiva
verdade: a escrita transforma a coisa vista ou ouvida “em forças de sangue” (in
vires, in sanguinem). Ela transforma-se, no próprio escritor, num princípio de
ação racional” (FOUCAULT, 2009, p.143)

Escrever tem um caráter de subjetivação conquanto seja esta escrita algo que se insurja
enquanto um “protocolo de experimentação”. Como diz Deleuze, em crítica e clinica, “são
acontecimentos na fronteira da linguagem. Porém, quando o delírio recai no estado clínico, as
palavras em nada mais desembocam, já não se ouve nem se vê coisa alguma através dela, exceto
uma noite que perdeu sua história, suas cores e seus cantos. A literatura é uma saúde” (DELEUZE,
2011, p. 143).

3. A ESCRITA DE SI: A CORRESPONDÊNCIA ESCRITA/CUIDADO

A correspondência é uma via de “mão dupla”, vai para o destinatário carregando “em forças
e em sangue” palavras de zelo e de estímulo ao cuidado de si, mas, não sem antes voltar-se para o
remetente fazendo-o, no gesto da escrita, escutar-se a si mesmo. Como diz Foucault, “a carta que se
envia age, por meio do próprio gesto da escrita, sobre aquele que a envia, assim como, pela leitura e
releitura, age sobre aquele que a recebe. Nessa dupla função a correspondência está bem próxima
dos hypomnemata, e sua forma muitas vezes se assemelha a eles” (FOUCAULT, 2004, p. 153).

As cartas que Sêneca envia para seus correspondentes funcionam, por um lado como
exercício de uma escrita de si, portanto como cuidado de si, e, por outro, como uma direção – que
no caso de um Sêneca já idoso e retirado de suas funções públicas – é exercida enquanto auxílio ao
discípulo que, esse sim, exercendo função pública, é requerente de uma demanda do velho mestre.
É, portanto, pra falar nos termos de Plutarco, a função ethopoiética (no dito de Sêneca, “ofícios
recíprocos. Quem ensina se instrui”) da escrita, na forma de lembrar-se de praticar os preceitos

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enquanto os invoca para outrem.

Existe, com efeito, algo em comum com o hypomnemata, mas, segundo Foucault, não deve
ser considerada como “simples prolongamento” da prática dos mesmos. Ele diz,

Contudo, e apesar de todos os pontos comuns, a correspondência não deve ser


considerada um simples prolongamento da prática dos hypomnemata. Ela é
alguma coisa mais que um adestramento de si mesmo pela escrita, através dos
conselhos e advertências dados ao outro: constitui também uma certa maneira
de se manifestar para si mesmo e para os outros. A carta torna o escritor
“presente” para aquele a quem a envia. E presente não simplesmente pelas
informações que ele lhe dá sobre sua vida, suas atividades, seus sucessos e
fracassos, suas venturas e desventuras; presente com uma espécie de presença
imediata e quase física “Tu me escreves com frequência e te sou grato, pois
assim te mostras a mim [te mihi ostendis] pelo único meio de que dispões.
Cada vez que me chega tua carta, eis-nos imediatamente juntos. Se ficamos
contentes por termos os retratos de nossos amigos antigos ausentes [...] como
uma carta nos regozija muito mais, uma vez que traz os sinais vivos do ausente,
a marca autentica de sua pessoa. O traço de uma mão antiga, impresso sobre
páginas, assegura o que há de mais doce na presença: reencontrar”
(FOUCAULT, 2004, 155/6)

Escrever, com efeito, é “fazer aparecer seu próprio rosto perto do outro”, e, nesse sentido, de
novo se apresenta a “mão dupla” na via expressa do “dito” que oferece ao destinatário um “olhar
omnipresente” sobre ele que é, igualmente, “uma maneira de se oferecer”, a si mesmo que escreveu,
“ao seu olhar através do que é dito sobre si mesmo” um autorretrato. Se instala uma ação de
reciprocidade naquele que escreve, bem como naquele que lê, que é da ordem de um exercício (eis
aí, de novo, o supracitado binômio melete/gymnázein agora transformado no trinômio com a junção
do graphein) que “trabalha para a subjetivação do discurso verdadeiro, para sua assimilação e
elaboração como “bem próprio”, constitui assim, ao mesmo tempo, uma objetivação da alma”. O
preceito estoico suscitado por Sêneca nas epistolas a Lucilius sempre é uma constante, ele diz que
“devemos pautar nossa vida como se todo mundo a olhasse”. Poderíamos ilustrar esta passagem
com uma aproximação ao imperativo categórico kantiano. Diz Foucault:

O trabalho que a carta opera no destinatário, mas que também é efetuado


naquele que escreve pela própria carta que ele envia, implica portanto uma
“introspecção”; mas é preciso compreendê-la menos como um deciframento de
si por si mesmo do que como uma abertura que se dá ao outro sobre si mesmo.
Não resta a menor dúvida de que estamos diante de um fenômeno que pode
parecer pouco surpreendente, mas que é carregado de sentido para aquele que
quisesse escrever a história da cultura de si: os primeiros desenvolvimento
históricos do relato de si não devem ser buscados do lado das “cadernetas
pessoais”, dos hypomnematas, cujo papel é o de permitir a constituição de si a
partir da coleta do discurso de outros; podem-se em contrapartida encontra-los
do lado da correspondência com outrem e da troca da assistência espiritual”
(FOUCAULT, 2004, P.157).

Finalmente, a relação entre os meios, quais sejam, o hypomnemata e as correspondências,


são de complementaridade; uma conduz à outra, no sentido da constituição a si de um experimento
ético-estético, da construção de um corpo não apenas teórico, mas, sobretudo, prático, de uma
subjetivação dos discursos não, como diria Foucault (no prefácio de O uso dos prazeres), como
“uma apropriação dos outros para fim de uma comunicação”, mas, sobretudo, para constituir um
indivíduo portador de uma estilística que lhe atravessasse a vida exprimindo-a como uma obra de
arte; enfim, como numa estética da existência.      

4 CONCLUSÃO

Michel Foucault percebeu na forma como o público cultivado da antiguidade se relacionava


com a escrita enquanto sendo uma forma de subjetivação deveras diferente da modernidade; havia
uma intenção de dispor desta escrita como uma ferramenta para agir sobre si mesmo de forma ética.
Já havia visto nos exemplos de figuras da literatura – nomes como Raymond Roussel, Blanchot,
Kafka, Bataille, para citar apenas alguns – como a escrita estabelece uma relação de subjetivação
absoluta, isto é, como, para usar uma formula de Nietzsche, se tornar o que se é. Esse é o sentido da
escrita como cuidado de si, tornar-se o que se é na medida em que se escreve com sangue, palavras
essenciais para conferir ao existir uma forma apropriadamente estética, ou, dito de outra forma,

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como uma estética da existência. O próprio Foucault, diz Ortega, se utilizou dessa forma de escrita,
quando:

a situação existencial, que foi sempre para Foucault origem e causa de cada um
de seus livros, volta-se agora contra ele, pois observa-se, precisamente em seus
últimos livros, uma espécie de Philosophiae consolatio, uma tentativa de fazer
uma bela obra de uma vida ameaçada pela presença constante da morte pela
AIDS – em concordância com a filosofia antiga, o que representa uma
atualização do estoicismo. (ORTEGA, 1999, p.23).

Por fim, a coerência desse autor com a sua escrita sempre foi a marca presente na forma
como atuou enquanto intelectual engajado nas causas em que acreditou, independente da história
demonstrar que ele estava certo ou não[22]. No seu trabalho, pode-se ouvir sub-repticiamente uma
contraposição ao dito: “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”, com outro, mais afeito à
estilística da existência, que diz: “faça o que eu digo, faça como eu faço”.

AUTOR
*  Roberto Kennedy de Lemos Bastos é licenciado em Filosofia pela UFBA, professor no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTRO, Edgardo. Vocabulário de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.


DELEUZE, Gilles. Crítica e Clínica. São Paulo: Ed. 34, 2011.
FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Ed. Veja, 2009.
_____. Hermenêutica do Sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
_____. O Governo de si e dos Outros. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
_____. A Coragem da Verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
_____. História da sexualidade vol. II O uso dos Prazeres. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 2001.
_____. História da sexualidade vol. III O cuidado de si. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 2007.
_____. Ética, Sexualidade, Política. Col. Ditos e escritos. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2004.
GROSS, Frédéric. Foucault a coragem da verdade. São Paulo: Parábola editorial, 2004.
HADOT, Pierre. Exercícios Espirituais e Filosofia Antiga. São Paulo: É Realizações editora, 2014.
ORTEGA, Francisco. Amizade e Estética da Existência em Foucault. Rio de Janeiro: Ed. Graal,
1999.
VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os Gregos. Rio de janeiro: Paz e Terra, 2002.
VEYNE, Paul. Foucault seu pensamento, sua pessoa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

Notas:
[2] Ver: PRADEAU, J-F. O Sujeito antigo de uma ética moderna: acerca dos exercícios espirituais
na História da Sexualidade de Michel Foucault. In: GROSS, F. Foucault a coragem da verdade. São
Paulo: Parábola Editora, 2004. P. 131/ 153.
[3] A recepção da obra de Foucault convencionou dividir a démarche em três momentos que
corresponderiam ao objeto de investigação: arqueologia do saber, os saberes; a genealogia do poder,
os poderes disciplinares instaurados a partir dos saberes; e, finalmente, uma terceira via a estética da
existência cuja série de pesquisas corresponderia à fase final, tornando-se assim os três pilares do
método. A via arqueológica (saber); a genealógica (poder) e a via estética (sujeito). A esse respeito,
conferir os cursos de 82,83 e 84, respectivamente, A hermenêutica do Sujeito, O governo de si e dos
outros, e, A Coragem da Verdade (O governo de si e dos outros II). Todos se encontram publicados
em língua portuguesa (vide referência bibliográfica deste artigo).
[4] Posteriormente, após sua morte, reuniram-se artigos, entrevistas, ensaios, em dois volumes
chamados ‘ditos e escritos’. No Brasil encontra-se publicados em diversos volumes.
[5] A fala franca (parresía), que Foucault dedicará seus últimos cursos no Collègè de France, seria
a forma oposta à verdade epistemológica consubstanciada na “analítica” dos saberes aduzido do
homem, trata-se de uma espécie de “imperativo” que instaura no ser o ardor da obrigatoriedade
moral da ação refletir o belo. Estaria, com efeito, a fala franca relacionada com uma virtude cardeal,
isto é, a coragem (andreia), que lhe aufere uma beleza ethopoiética.
“Podemos citar, em apoio e ilustração dessa importância na cultura antiga, práticas tão
frequentemente, tão constantemente, tão continuamente recomendadas [como] o exame de

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28/11/2022 00:10 A escrita como cuidado de si na obra tardia de Michel Foucault | Revista Sísifo
consciência prescrito pelos pitagóricos ou estoicos, de que Sêneca deu exemplos tão desenvolvidos
e que voltamos a encontrar em Marco Aurélio”. (FOUCAULT: 2011, pg. 5)
[6] “Esse princípio – creio ter tentado apresenta-lo no curso dado a dois anos [A Hermenêutica do
Sujeito] – é o da epiméleia Heautoû (do cuidado de si, da aplicação a si mesmo). Esse preceito tão
arcaico, tão antigo da cultura grega e romana, e que encontramos regularmente associado, nos textos
platônico e [mais] precisamente nos diálogos socráticos, ao gnôthi seautón, esse princípio (sautoû
epimelê: ocupa-te de ti mesmo) deu lugar, creio, ao desenvolvimento do que poderíamos chamar de
“cultura de si”, uma cultura de si na qual se vê formular, se desenvolver, se transmitir, se elaborar
todo um jogo de práticas de si”. (FOUCAULT: 2011, pg. 6)
“essas espécies de diários que recomendavam que as pessoas escrevessem sobre si mesmas, seja
para coligir e meditar as experiências tidas ou as leituras feitas, seja também para contar a si mesmo,
ao despertar, [seus] sonhos” (FOUCAULT: 2011, pg. 5).
[7] Foucault na última fase do seu trabalho, interrompido prematuramente pela sua morte, cunhou
esse noção, tal diz Castro em seu vocabulário de Foucault, que, “por estética da existência, há de se
entender uma maneira de viver em que o valor moral não provém da conformidade com um código
de comportamentos, nem de um trabalho de purificação, mas de certos princípios formais gerais no
uso dos prazeres, na distribuição que se faz deles, nos limites que se observa, na hierarquia que se
respeita. A estética da existência é uma arte, reflexo de uma liberdade percebida como jogo de
poder. Nesse sentido, haveria que caracterizar o modo de sujeição da moral grega dos aphrodisia
não só como estético-político. A problemática da liberdade, entendida como não escravidão,
encontra-se no coração dessa ética: não ser escravo dos outros, não ser escravo de si mesmo ou, em
termos positivos, governo dos outros e governo de si mesmo” (CASTRO, 2009, p. 150/1).
[8] Foucault, Michel. A escrita de si. In: O que é um autor? Lisboa: Nova Vega, 2009. p. 129.
[9] O risco segundo Foucault era o de “retardar e desorganizar o programa de publicações previsto”; além disso, abordando textos e documentos de
autores de um período distante do seu horizonte de investigação usual e, não sendo nem latinista nem helenista, podendo incorrer no equívoco de,
conforme o diz, “submetê-los sem me dar conta, a formas de análise ou a modos de questionamento que, vindos de outros lugares, não lhe
convinham”. Equívoco que, segundo Pierre Hadot, Foucault comete quando da sua análise acerca do comportamento ético dos estóicos. Para
esclarecimentos sobre esse ponto, ver HADOT, Pierre. Reflection about the notion of care of the self. In: The Cambridge companion to Foucault, ed.
Gary Gutting. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
[10] O risco de toda hipótese é não ter bases suficientes para dar consistência à mesma, contudo,
fazemos coro com Foucault, “para quem esforçar-se, começar e recomeçar, experimentar, enganar-
se, retomar de cima a baixo e ainda encontrar meios de hesitar a cada passo, àqueles para quem, em
suma, trabalhar mantendo-se em reserva e inquietação equivale a demissão, pois bem, é evidente
que não somos do mesmo planeta” (FOUCAULT, 2001, p. 12), e mais, como ele mesmo disse na
sua última entrevista ao Le Monde, em junho de 1984, concedida a A. Fontana: “para alguns,
escrever um livro sempre implica correr algum risco. Por exemplo, não conseguir escrevê-lo.
Quando se sabe de antemão onde se quer chegar, falta a dimensão da experiência, a que consiste em
escrever um livro correndo o risco de não chegar ao fim” (FOUCAULT, 2004, p. 288), sempre há o
risco de não conseguir terminar.
[11] Michel Foucault usa o termo ethopoiese que retira da obra do filósofo romano Plutarco autor de
biografias de indivíduos famosos no seu tempo e noutros tempo.
[12] Atanásio de Alexandria foi um bispo da Igreja Católica Apostólica Romana, depois tornado
santo, que viveu no século IV d. C, e era defensor da vida ascética. Foi o defensor da
consubstanciação das Três Pessoas Divinas na Santíssima Trindade, tal como definido no pelo
Primeiro Concílio de Niceia em 325. 
[13] Anachoresis no contexto da prática do cuidado de si, “significa ausentar-se do mundo no qual
alguém se encontra imerso, interromper o contato com o mundo exterior, não sentir sensações, não
se preocupar com o que se passa à nossa volta, fazer como se não se visse o que acontece”
(CASTRO: 2009 pg. 30); dito em outras palavras, um retiro espiritual.
[14]  Askésis são todos os exercícios empreendidos por quem procura uma ascese espiritual. São
bastante conhecidos pela tradição monástica e a confissão é uma das que possuem mais reputada
importância.
[15] O tema da cavalaria, por exemplo, remonta a uma organização de mundo conforme a ordem
dos costumes rígidos imposta numa conduta específica e característica, geralmente, monástica.
Podemos, no tocante à armadura, apresentar os significados simbólicos que organizam esse mundo.
Um forte assento na fé cristã e no salvacionismo. Não são homens comuns, mas, heróis. Lembramos
que os heróis são a representação divina no humano, são dotados de virtudes, armas contra a
vicissitude humana. A espada de Teseu, o escudo, o elmo, as pederneiras, enfim, “as roupas e
armas” do divino para a realização da hierofania, do cântico dos heróis.
[16] Uma ferramenta à mão (procheiron) é esse Vocabulário de Foucault escrito por Edgardo
Castro. Um ótimo exemplo de como funcionava o hypomnémata. Servia para a produção de tratados
sobre os mais variados temas, nesse caso, essa ferramenta serve para familiarizarmo-nos com o
conjunto dos conceitos de que Foucault se utiliza para pensar e realizar o seu diagnóstico do
presente, dito de outra forma, a sua ontologia do presente.  
[17] Segundo Foucault, paraskeué “é o que se poderia chamar de preparação ao mesmo tempo
aberta e finalizada do indivíduo para os acontecimentos da vida. Quero com isso dizer que se trata,
na ascese, de preparar o indivíduo para o futuro, um futuro que é constituído de acontecimentos

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imprevistos, acontecimentos cuja natureza em geral conheçamos, os quais porem não podemos
saber quando se produzirão nem mesmo se se produzirão” (FOUCAULT, 2004, p.387)
[18] E sabemos que a tradição filosófica da antiguidade nos diz que não podemos evitar
acontecimentos, contudo podemos lidar com a seleção dos encontros.
[19] Nome dado ao livro onde se encontra os textos que se destinam a cumprir uma “liturgia das
horas” para todo o momento do dia, no sentido de fazer com que os que se ordenarão na vida
religiosa (monástica ou não) cumpram suas funções sem jamais, contudo, esquecer-se de parar em
meio a toda a agitação da vida e recordar que a obra é de Deus.
[20] É sabido que o termo ascetismo deriva do termo grego askesis que quer dizer exercício.
[21] O termo significa, em algumas circunstancias tolice, parvoíce, noutras loucura e insanidade.
Contudo, aqui, a stultitia “é definida pela agitação do espírito, a instabilidade da atenção, a mudança
das opiniões e das vontades, e, consequentemente, a fragilidade perante todos os acontecimentos
que possam ter lugar” (FOUCAULT, 2009, p.139).
[22] Como no caso da simpatia do autor pelo oriente (oriunda da sua busca por uma forma de vida alternativa ao modelo ocidental) e seu
posicionamento favorável à revolução do Irã que Depois o Xá Reza Pahlevi e ascendeu o Aiatolá Khomeine ao poder espiritual. A respeito desse
assunto há o livro de Jane Afary e Kevin B Anderson Foucault e a revolução Iraniana.  

FEIRA DE SANTANA-BA | nº 5 | vol. 1 | Ano 2017

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