Por
Fred Di Giacomo e Karin Hueck
O brilho eterno das
lembranças
https://super.abril.com.br/especiais/como-construir-a-sua-felicidade/, EM 11/05/2020
Agarre com força: A ciência agora sabe que é possível aumentar os níveis de bem-estar a partir dos
nossos atos. (Dulla/Superinteressante)
O Comprehensive Textbook of Psychiatry é uma espécie de enciclopédia da
mente humana, publicada e atualizada periodicamente desde 1968. O livro
tem mais de meio milhão de linhas e descreve tudo o que se passa dentro das
nossas cabeças. Milhares dessas linhas são dedicadas à depressão e à
ansiedade. Outras centenas se debruçam sobre a raiva, o medo, a culpa e a
vergonha. Mas apenas uma descreve a alegria. A obra serve para entender
como a ciência enxergava a felicidade. Por muito tempo, simplesmente não
enxergou.
A história começou a mudar em 1998, quando um pesquisador da
Universidade da Pensilvânia, Martin Seligman, até então especialista em
depressão, deu uma palestra na Associação Americana de Psicologia pedindo
para que os cientistas começassem a se preocupar com as qualidades humanas
– e não com seus defeitos. Assim foi inaugurada a “psicologia positiva”. Foi
ela que descobriu que a felicidade está sob nosso controle – e que não
precisamos ficar inertes, esperando ela dar as caras. Aos longo dos últimos 19
anos, os psicólogos finalmente descobriram o que você pode fazer para ser
mais feliz – e não é pouca coisa.
O primeiro passo para conhecer a ciência da felicidade está em entender como
os nossos cérebros registram o tempo. Para eles, o presente não existe. Mal
começa e – puf – virou passado. Dura poucos segundos antes de se tornar uma
memória armazenada na sua cabeça. Esse fato é, provavelmente, o maior
obstáculo para a felicidade. Para que nos sintamos felizes no presente, algo de
bom teria de acontecer conosco o tempo todo – como se chegássemos no
ponto de ônibus bem na hora em que a nossa linha estivesse passando, depois
de encontrar R$ 50 perdidos no bolso da calça, minutos antes de descobrir que
vai ter estrogonofe no bandejão da firma. Não dá para contar com tanta sorte,
não dá para ser feliz o tempo todo. Por isso, o segredo está em armazenar – e
criar – memórias felizes, que poderão ser revisitadas para sempre.
O criador dessa teoria é o Prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman, um
psicólogo obcecado em entender como nosso cérebro funciona. Segundo ele, o
presente não dura mais de três segundos. Vivemos sempre divididos entre o
“eu do presente” e o “eu do passado” – e somos feitos essencialmente de
memórias. Para ser mais feliz, então, é preciso mexer no passado.
Segundo Kahneman, os dois “eus” não costumam concordar. Para
exemplificar, ele cita o caso real de dois pacientes americanos submetidos a
colonoscopias, quando esses exames ainda eram muito doloridos. Cada um
deles passou por exames de duração e intensidade diferentes – e tinham de
reportar minuto a minuto, no meio do procedimento, o quanto estavam
sentindo dor. O paciente Ateve um exame mais longo e que começou com
muitos minutos de dor seguidos por outros menos sofridos. Já o paciente B
teve um exame mais curto, e quase indolor. No entanto, quando a
colonoscopia estava para terminar, ele sentiu um grande pico de dor bem no
final, quando tudo parecia acabar bem. Analisando objetivamente o relatório
de dor, ficou claro que o paciente A teve uma experiência muito pior do que o
B. Mas, quando perguntaram quem havia sofrido mais, foi o B que chorou as
pitangas. Ou seja, o “eu do presente” é péssimo em influenciar a nossa
felicidade (que, nesse caso, foi determinada pelos acontecimentos mais
recentes). Nas próximas páginas, juntamos todos os ensinamentos que a
neurociência já coletou para aumentar a felicidade – e que você pode começar
a seguir hoje. As primeiras dicas, é claro, servem para hackear o passado e ter
um presente melhor.
1. Mude seu passado
Mexa no presente para deixar o “passado do futuro” mais feliz
Curta: Dá para criar a sensação de vida plena apenas mexendo nas memórias – e garantindo que elas
sejam as mais felizes. (Dulla/Superinteressante)
> Multiplique as boas lembranças
Se você tem 30 dias de férias, divida-as em dois períodos de 15 dias e viaje
para dois lugares diferentes, mesmo que um deles seja a casa da sua avó. No
futuro, o seu cérebro não vai saber dizer se você passou 15 ou 30 dias na
praia, mas vai saber que você esteve na praia e na casa da sua avó naquele ano
– e cada viagem vai acrescentar um bônus de felicidade ao “eu do passado”.
> Gaste seu dinheiro com experiências, não com objetos
Você conhece a sensação. Passou meses sonhando com uma TV nova, ficou
comparando preços, juntou dinheiro, e finalmente conseguiu comprá-la. Botou
a TV na sala e ficou uns dias admirando a sua conquista – até que, lá pelo
vigésimo episódio de House of Cards, ela não parece mais tão incrível assim.
Segundo a lógica de Kahneman, a maneira mais inteligente de gastar dinheiro
é com coisas que ficam gravadas na memória para sempre: as experiências.
Por isso, invista no show de alguém que você ame, num restaurante de comida
exótica, num salto de paraquedas, numa festa inesquecível na sua casa. Todas
essas experiências geram a sensação de que você aproveitou a vida. Já o
terceiro par de tênis do armário não tem o menor impacto.
> Não se preocupe com os momentos ruins da vida – seu cérebro vai
transformá-los em algo bom
O fora que você tomou, o cachorro que morreu, a entrevista de emprego que
não deu em nada. Todo mundo já passou por alguma tristeza. Mas, de acordo
com Thomas Gilovich, psicólogo da Universidade Cornell, quando falamos
sobre os pontos baixos da vida nossa percepção sobre eles muda. Gilovich
acredita que um acontecimento triste do passado pode se transformar em uma
boa anedota numa roda de amigos, ou numa experiência de formação de
caráter no futuro. De fato, uma das maiores pesquisas já feitas (ver página 41)
conseguiu medir essa mudança de percepção. Ela perguntou a soldados da 2a.
Guerra Mundial como havia sido a experiência – primeiro em 1946, logo
depois do fim da guerra, e depois em 1988. Em 1946, 34% dos participantes
disseram que estiveram no meio do fogo cruzado e 25% confessaram ter
matado alguém. Quarenta anos depois, os números haviam mudado: 40%
disseram que participaram de batalhas e apenas 14% relataram ter matado
inimigos. Ou seja, com a passagem dos anos, a guerra se tornou mais
aventureira e menos perigosa.
> Mude a rotina
Essa é fácil. Para criar o maior número possível de experiências, agite o dia a
dia. Mude o caminho de casa, almoce com um colega de outro setor, leve o
seu filho para brincar num parque diferente. É a maneira mais simples de
hackear a memória.
> Deixe o melhor para o final
Nosso bem-estar é determinado por acontecimentos recentes – ou você ainda
comemora o 10 que tirou em matemática na 5a. série? Por isso, deixe as
atividades prazerosas para o final. Marque reuniões maçantes pela manhã e
termine o trabalho tomando um café com um amigo. Discuta logo as
pendências chatas com a sua namorada e terminem a noite abraçados. Tudo
está bem se acaba bem.
2. Ajuste o foco
Meditação é um bálsamo para a mente. Pesquisas já relacionaram a prática
com índices menores de estresse, ansiedade, dor e depressão. Aqui, um curso
a jato.
A meditação clássica
A) Sente-se numa posição confortável, com as pernas cruzadas ou numa
cadeira. Mantenha a coluna ereta.
B) Marque no celular o tempo que você deseja ficar em estado meditativo.
Isso evita que você fique pensando “será que já deu?”
C) Feche os olhos.
D) Concentre-se nos movimentos da sua respiração, observando a entrada e a
saída de ar de suas narinas. Repare como o seu peito se enche a cada
inspiração e se esvazia quando o ar vai embora. Para não perder o foco, vale
contar as respiradas de 1 a 10.
E) Um mantra pode ajudar. Vale qualquer palavra, frase ou som em que você
queira focar – e que você vai repetir indefinidamente.
F) O objetivo não é esvaziar a cabeça, mas observar os pensamentos que vêm
e vão, sem se engajar neles. Você se lembrou no meio da meditação que tem
um boleto para pagar? Ok, legal, mas volte para a respiração. Faça isso com
qualquer coisa que aparecer no cérebro. A meditação portátil O mindfulness,
uma técnica americana que adaptou técnicas de meditação para o dia a dia.
Coma meditando
Em vez de engolir o almoço na frente do Face, use cada garfada como uma
puxada para o presente. Observe a disposição da comida no prato, cheire o
que vai ingerir, sinta a textura de cada alimento quando toca a língua – repare
no que é salgado, no que é fresco, no que precisa ser mastigado muitas vezes.
O essencial é não deixar o cérebro escapar para pensamentos aleatórios.
Ande meditando
Isso vale para qualquer volta que você der no escritório ou na caminhada até o
metrô. Perceba o movimento que os seus pés fazem ao tocar o chão – primeiro
com o calcanhar, até chegar aos dedos. Sinta a pressão exercida pelo chão na
sola do seu pé. De novo, o importante é focar no momento para não dar
espaço na sua mente para ansiedades ou sofrimentos.
3. Encontre o "flow"
Mão na massa: Se o seu cotidiano não te dá prazer, aprenda alguma atividade que o faça. Ser bom
em algo é fonte eterna de alegria. (Dulla/Superinteressante)
Poucas coisas geram felicidade espontânea. É difícil encontrar uma atividade
que nos mantenha felizes por muito tempo, como você já deve ter sentido ao
sair arrastado da cama para ir trabalhar de manhã (veja abaixo). Mas um
psicólogo húngaro descobriu que somos capazes de botar (e preservar) os
nossos cérebros em um estado mental prazeroso quando quisermos.
Mihaly Csikszentmihalyi chamou esse estado de “flow” (fluxo, em
português). O flow exige que estejamos completamente imersos e
concentrados em uma atividade, de maneira que usemos o nosso cérebro no
limite da sua capacidade de processamento. Segundo Csikszentmihalyi,
conseguimos processar 110 bits de informação por segundo. Prestar atenção
em algo que está sendo dito, por exemplo, gasta 60 bits – por isso
conseguimos ouvir rádio e dirigir, ou conversar com alguém e jogar Candy
Crush. Mas, quando fazemos algo que consome 110 bits por segundo das
nossas cacholas, algo mágico acontece: o mundo ao redor desaparece, o tempo
começa a passar voando, sentimos que estamos conquistando algo e não temos
mais espaço mental para remoer preocupações. O que surge é uma sensação
de felicidade. O húngaro acredita que a melhor maneira de alcançar o flow é
exercendo uma atividade que seja bastante desafiadora, mas que ainda esteja
dentro do limite das nossas capacidades.
As atividades mais odiáveis da sua vida, segundo Daniel Kahneman
Menos prazerosas
1 Ir trabalhar de manhã
2 Trabalhar
3 Voltar do trabalho de noite
4 Cuidar dos filhos
5 Fazer tarefas do lar
Mais prazerosas
1 Passar tempo com amigos íntimos
2 Socializar depois do trabalho
3 Relaxar
4 Almoçar
5 Jantar
Artistas e atletas são especialistas em alcançar esse estado. Quem corre, por
exemplo, está sempre desafiando os limites de concentração, coordenação e
autocontrole. Escrever, compor, pintar e dançar são atividades que exigem
criatividade, memória e imaginação. É comum que essas pessoas descrevam
um estado de êxtase e de clareza mental durante o processo – e que se sintam
muito felizes depois. Mas qualquer coisa serve para criar o flow. Tem quem
sinta isso nas atividades mais inesperadas: cozinhando, fazendo tricô,
montando trens em miniatura, aprendendo mandarim – e até mesmo
trabalhando, olha só. A parte boa do flow é que ele pode ser criado. Se o seu
trabalho não proporciona esse estado, você sempre pode procurar algo que o
faça. Aí vai do seu interesse: qualquer atividade serve.
Csikszentmihalyi, porém, acredita que o flow verdadeiro só é alcançado
quando a pessoa já tem um certo grau avançado de habilidade, que vai
crescendo à medida que a atividade se torna também mais desafiadora. Por
isso, a recompensa é tão grande. “Entrevistamos 8 mil pessoas ao redor do
mundo – monges, montanhistas, CEOs – e não importa a cultura ou a
atividade: o flow tem sempre as mesmas características. Uma concentração
extrema que leva ao êxtase, um senso de claridade, feedback imediato, a perda
da noção do tempo e do indivíduo – e a sensação de que você faz parte de algo
maior”, disse Csikszentmihalyi em uma palestra do TED. Felicidade sob
encomenda é isso aí.
Por que apenas o flow é o flow
Muita habilidade e muito desafio: é disso que ele é feito
4. Abrace a tristeza
Quando a vida te der limões… seu cérebro vai tratar de fazer limonada. Ser infeliz não é o estado
confortável do ser humano – e temos defesas contra essa sensação. (Dulla/Superinteressante)
Coisas ruins acontecem. Alguém próximo pode morrer inesperadamente, o
amor da sua vida pode decidir entrar numa seita, seu carro pode ser roubado.
Mas o que determina se alguém vai ser feliz não são os imprevistos que vão
inevitavelmente acontecer – é a velocidade com a qual eles serão superados.
“Um ingrediente básico para a felicidade é conseguir se recuperar da
adversidade mais rápido”, diz Richard Davidson, psiquiatra na Universidade
de Wisconsin-Madison, no documentário Happy, disponível na Netflix. É o
que ele chama de “sistema imunológico da felicidade”. Ele se refere a um
mecanismo de defesa natural do cérebro, que faz com que não entremos
automaticamente em depressão quando algo dá errado. Se as condições ideais
não estão ao alcance, nosso cérebro se prepara para se contentar com a
segunda melhor opção disponível. E se contenta de verdade. Sonja
Lyubomirsky, professora de psicologia da Universidade da Califórnia,
descobriu que mulheres idosas que sempre foram solteiras chegam à velhice
com mais de uma dúzia de amizades significativas – muito mais do que as que
foram casadas a vida inteira. Em vez de sofrer pela solteirice, arranjaram um
jeito de ser felizes sem marido (ou esposa).
E agora vem a melhor parte. As defesas da felicidade podem ser turbinadas
com práticas diárias. O pai da psicologia positiva, Martin Seligman, defende
que o otimismo é a chave dessa imunidade. Segundo ele, a diferença entre
otimistas e pessimistas está no tamanho que dão aos contratempos. Se um
pessimista for multado por velocidade, ele pensará que sempre faz tudo
errado, que deveria prestar mais atenção, que o problema é na indústria das
multas, qualquer coisa. Já um otimista pensará: “ok, aconteceu. Vou pagar e
partir para a próxima”. Parece clichê. E é. Mas ter uma visão positiva sempre
ajuda.
Feliz por comparação
“Não existiria som, se não houvesse o silêncio”, cantou Lulu Santos em 1984.
Nosso cérebro diria algo parecido, se pudesse, porque funciona da mesma
forma. Só aprendemos novas informações por comparação. “Não existe prazer
sem dor, seja física ou emocional. Seu sistema nervoso é um motor
diferencial, que procura diferenças e contrastes. É assim que processa a
informação”, diz o Read Montague, especialista em neurociência
computacional. Ou seja, só é feliz quem conheceu a tristeza.
5. Saiba agradecer
Ela surgiu em 2015, geralmente acompanhada de fotos de pôr do sol ou de
casais apaixonados. Espalhou-se por Instagram e Facebook, até se tornar a
hashtag do momento. Logo, #gratidão virou desculpa para ostentar situações
especiais pelas redes – mas não deveria ser assim. A gratidão, aquela genuína,
que sentimos por alguém que nos fez bem, é uma fonte real de felicidade. Pelo
menos é o que indicam as pesquisas. Dois psicólogos da Universidade da
Califórnia resolveram fazer o teste. Dividiram um grupo de participantes em
três times: o primeiro deveria escrever toda semana frases sobre o que os
deixava gratos, o segundo sobre tristezas e o terceiro grupo sobre eventos
nulos, nem bons nem ruins. Depois de dez semanas, quem escreveu sobre
gratidão estava mais otimista, tinha feito mais exercícios e visitado menos
médicos.
Faz sentido porque a gratidão funciona como um detector de coisas boas:
quando começamos a agradecer pelo bom da vida, ficamos também mais
conscientes quando elas acontecem. De fato, outra pesquisa mostrou que
pessoas gratas apreciam mais as coisas simples do dia a dia – não dependem
tanto de eventos extraordinários para se sentirem felizes.
O be-a-bá da gratidão*
> Uma vez por mês, tire cinco minutos para escrever um e-mail a alguém que
te ajudou. Vale um professor inspirador, um amigo que te emprestou dinheiro
num momento de crise, uma ex-namorada que segurou a onda quando sua
mãe morreu. Pode parecer bobo, e talvez você se sinta constrangido em enviá-
lo, mas acredite: os efeitos no seu bem-estar serão imediatos.
> Ao final de todo dia, anote três coisas boas que aconteceram nas últimas 24
horas, mesmo que pareçam insignificante, como o rapaz que ofereceu seu
assento do ônibus para você sentar. Para incentivar o hábito, publique a lista
todo dia no Facebook. Ao ver as palavras na tela, elas ficarão “oficializadas”,
e o saldo do seu dia parecerá melhor.
> Quando alguém fizer algo de bom para você, detecte e formalize o
agradecimento na hora. Faça uma ligação curtinha, mande uma mensagem no
WhatsApp ou deixe um bilhete. Seu cérebro vai se acostumar a reconhecer as
pequenas alegrias do dia.
*Fontes: Adaptação dos exercícios criados por Martin Seligman, da
Universidade da Pensilvânia, e Robert Emmons, da Universidade da
Califórnia
6. Cultive seus amigos –
para valer
Conecte-se. É impossível ser feliz sozinho – literalmente. O fator mais determinante para a sua
felicidade é o número de pessoas que cercam você. (Dulla/Superinteressante)
O Grant Study é a maior pesquisa científica sobre a qual você nunca ouviu
falar. Na ativa há quase 80 anos, é o maior estudo longitudinal já feito para
investigar os fatores que influenciam no bem-estar. A ideia era simples:
escolher 268 alunos de Harvard que estavam no segundo ano de faculdade em
1938 e acompanhar as suas vidas inteiras. Os pesquisadores iam de tempos
em tempos checar os voluntários, anotando todos os fatores imagináveis:
quanto ganhavam, quanto pesavam, se eram casados, se tinham filhos, se
bebiam demais, se masturbavam, se faziam planos para a aposentadoria, se
tinham pressão alta. Tudo. US$ 20 milhões foram gastos na empreitada (um
dos participantes, até, era o ex-presidente americano John F. Kennedy). Hoje,
apenas 19 voluntários continuam vivos, todos perto dos 100 anos. E os
resultados são incontestáveis. Se você quer chegar feliz ao final da vida,
precisa se cercar de pessoas e ter diversas relações muito próximas.
De acordo com o Grant Study, fama e dinheiro não são capazes de prever a
satisfação pessoal de alguém. Aos 50 anos de idade, dava para prever com
mais precisão a saúde dos voluntários a partir do número de relações próximas
que eles tinham do que pelos níveis de colesterol do seu sangue. Os analisados
que declaravam ter tido uma mãe amorosa durante a infância ganhavam, em
média, US$ 7 mil de salário. (Estamos falando de pessoas que já eram ricas
desde o começo, é bom lembrar.) Filhos e casamentos satisfatórios contavam
mais do que bens ou doenças crônicas.
A conclusão faz sentido. Humanos são animais sociais. Só sobrevivemos aos
milênios de Pré-História à mercê de feras terríveis com nossos corpos
franzinos porque aprendemos a trabalhar em grupo – e a cuidar um do outro
em grupo também. Nosso cérebro é altamente especializado em interpretar
emoções alheias e formar conexões com completos desconhecidos. De fato,
um estudo da faculdade de medicina de Harvard que analisou 2 mil pessoas
concluiu que cada amigo feliz que temos faz com que nos tornemos mais
felizes também, por um período de até um ano.
De acordo com o Grant Study, toda forma de amor vale a pena. Cônjuges,
irmãos e filhos dão um boost na alegria, mas um senso de comunidade é
igualmente importante. Por isso, capriche nos encontros com os amigos, no
futebol de quinta-feira ou, se for a sua, na turma do bingo. Eles que farão você
se levantar feliz da cama todos os dias. George Vaillant, que liderou o Grant
Study entre 1972 e 2004, resumiu em uma entrevista à revista The Atlantic:
“As décadas e os milhões de dólares gastos na pesquisa apontam todos para
uma conclusão de apenas cinco palavras. ‘Felicidade é amor. Ponto final’”.
7. Entenda que
felicidade é 100%, mas
não é tudo
(Foto: Dulla | Grafite: André Minello | Modelo: Ana Cândida Tardivo/Superinteressante)
Nada como terminar esta reportagem com uma mensagem tranquilizadora (já
que, sabemos agora, o que importa mesmo é o final). Se a sua vida não anda lá
aquelas coisas e você não se lembra da última vez em que correu para o
abraço gritando gol, não se preocupe. Felicidade o tempo todo é insustentável.
Tanto a alegria extrema quanto a tristeza profunda são recebidas pelo corpo
como situações de estresse.
Quando algo incrivelmente excitante acontece, o batimento cardíaco acelera, a
transpiração aumenta, o sistema de alerta dispara e não conseguimos focar em
mais nada. É por isso que ninguém vive eternamente apaixonado, e a
turbulência da paixão evolui para a calma do amor. Viver em êxtase, atrás de
uma felicidade delirante, seria perigoso – não permitiria que se tomem as
precauções necessárias para caminhar num beco escuro, por exemplo. Por
isso, foque na calma e no contentamento.
Evitar a tristeza e buscar a felicidade são o caviar e o champanhe – o luxo
prazeroso – de uma vida. Mas viver em paz é o arroz com feijão que nos
mantém vivos.