0% acharam este documento útil (0 voto)
99 visualizações9 páginas

Texto Complementar

1) O documento discute a história do estudo da linguagem, desde os antigos hindus e gregos até os linguistas modernos do século 20. 2) Ferdinand de Saussure é creditado com estabelecer a linguística como um campo científico no início do século 20. 3) O documento destaca a importância da linguística moderna considerar a língua falada como prioritária em relação à língua escrita.

Enviado por

Charles Teixeira
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
99 visualizações9 páginas

Texto Complementar

1) O documento discute a história do estudo da linguagem, desde os antigos hindus e gregos até os linguistas modernos do século 20. 2) Ferdinand de Saussure é creditado com estabelecer a linguística como um campo científico no início do século 20. 3) O documento destaca a importância da linguística moderna considerar a língua falada como prioritária em relação à língua escrita.

Enviado por

Charles Teixeira
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 9

Texto Complementar

Disciplina: Filosofia da Linguagem

Professor: Wander Luiz Reginaldo

Linguagem, língua, Linguística


Margarida Petter

Uma das grandes escolas de iniciação da savana sudanesa, o Komo, diz que a
Palavra (kuma) era um atributo reservado a Deus, que por ela criava as coisas:
"o que Maa Ngala (Deus) diz é". No começo, só havia um vazio vivo, vivendo
da vida do Ser. Um que se chama a si mesmo Maa Ngala. Então ele criou Fan,
o ovo primordial, que nos seus nove compartimentos alojava nove estados
fundamentais da existência. Quando esse ovo abriu, as criaturas que daí
saíram eram mudas. Então para se dar um interlocutor, Maa Ngala tirou uma
parcela de cada uma das criaturas, misturou-as e por um sopro de fogo que
emanava dele mesmo, constituiu um ser à parte: o homem, ao qual deu uma
parte de seu próprio nome, Maa (homem).
Hampâté Bâ

No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra, porém, estava informe e vazia,
e as trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus movia-se sobre as
águas. E Deus disse: Exista a luz. E a luz existiu. E Deus viu que a luz era boa;
e separou a luz das trevas. E chamou à luz dia, e às trevas noite. E fez-se
tarde e manhã, (e foi) o primeiro dia.
Gênesis, I, 1-5

É notável a semelhança observada nas explicações em epígrafe sobre a


origem do mundo: embora formuladas em épocas remotas por sociedades bem
diversas, associam a palavra - a linguagem verbal - ao poder mágico de criar.
O fascínio que a linguagem sempre exerceu sobre o homem vem desse poder
que permite não só nomear/criar/transformar o universo real, mas também
possibilita trocar experiências, falar sobre o que existiu, poderá vir a existir, e
até mesmo imaginar o que não precisa nem pode existir. A linguagem verbal é,
então, a matéria do
pensamento e o veículo da comunicação social. Assim como não há sociedade
sem linguagem, não há sociedade sem comunicação. Tudo o que se produz
como linguagem ocorre em sociedade, para ser comunicado, e, como tal,
constitui uma realidade material que se relaciona com o que lhe é exterior, com
o que existe independentemente da linguagem. Como realidade material-
organização de sons, palavras, frases - a linguagem é relativamente autônoma;
como expressão de emoções, ideias, propósitos, no entanto, ela é orientada
pela visão de mundo, pelas injunções da realidade social, histórica e cultural de
seu falante.

A complexidade do fenômeno Linguística vem há muito desafiando a


compreensão dos estudiosos. Retraçaremos, inicialmente, a história dessa
busca para entender como o objeto de estudo - linguagem, língua - foi aos
poucos se delineando e assumindo as configurações que hoje possui nos
estudos Linguísticos.

Introdução à Linguística

1. Uma breve história do estudo da linguagem

O interesse pela linguagem é muito antigo, expresso por mitos, lendas, cantos,
rituais ou por trabalhos eruditos que buscam conhecer essa capacidade
humana.
Remontam ao século IV a.c. os primeiros estudos. Inicialmente, foram razões
religiosas que levaram os hindus a estudar sua língua, para que os textos
sagrados reunidos no Veda não sofressem modificações no momento de ser
proferidos. Mais tarde os gramáticos hindus, entre os quais Panini (século IV
a.c.), dedicaram-se a descrever minuciosamente sua língua, produzindo
modelos de análise que foram descobertos pelo Ocidente no final do século
XVIII.

Os gregos preocuparam-se, principalmente, em definir as relações entre o


conceito e a palavra que o designa, ou seja, tentavam responder à pergunta:
haverá uma relação necessária entre a palavra e o seu significado? Platão
discute muito bem essa questão no Crátilo. Aristóteles desenvolveu estudos
noutra direção, tentando proceder a uma análise precisa da estrutura
Linguística, chegou a elaborar uma teoria da frase, a distinguir as partes do
discurso e a enumerar as categorias gramaticais.

Dentre os latinos, destaca-se Varrão que, na esteira dos gregos, dedicou-se à


gramática, esforçando-se por defini-la como ciência e como arte. Na Idade
Média, os modistas consideraram que a estrutura gramatical das línguas é una
e universal, e que, em consequência, as regras da gramática são
independentes das línguas em que se realizam.

No século XVI, a religiosidade ativada pela Reforma provoca a tradução dos


livros sagrados em numerosas línguas, apesar de manter-se o prestígio do
latim como língua universal. Viajantes, comerciantes e diplomatas trazem de
suas experiências no estrangeiro o conhecimento de línguas até então
desconhecidas. Em 1502 surge o mais antigo dicionário poliglota, do italiano
Ambrosio Calepino.

Os séculos XVII e XVIII vão dar continuidade às preocupações dos antigos. Em


1660, a Grammaire Générale et Raisonnée de Port Royal, ou Gramática de
Port Royal, de Lancelot e Arnaud, modelo para grande número de gramáticas
do século XVII, demonstra que a linguagem se funda na razão, é a imagem do
pensamento e que, portanto, os princípios de análise estabelecidos não se
prendem a uma língua particular, mas servem a toda e qualquer língua.

O conhecimento de um número maior de línguas vai provocar, no século XIX, o


interesse pelas línguas vivas, pelo estudo comparativo dos falares, em
detrimento de um raciocínio mais abstrato sobre a linguagem, observado no
século anterior. É nesse período que se desenvolve um método histórico,
instrumento importante para o florescimento das gramáticas comparadas e da
Linguística Histórica. O pensamento linguístico contemporâneo, mesmo que
em novas bases, formou-se a partir dos princípios metodológicos elaborados
nessa época, que preconizavam a análise dos fatos observados. O estudo
comparado das línguas vai evidenciar o fato de que as línguas se transformam
com o tempo, independentemente da vontade dos homens, seguindo uma
necessidade própria da língua e manifestando-se de forma regular.

Franz Bopp é o estudioso que se destaca nessa época. A publicação, em 1816,


de sua obra sobre o sistema de conjugação do sânscrito, comparado ao grego,
ao latim, ao persa e ao germânico é considerada o marco do surgimento da
Linguística Histórica. A descoberta de semelhanças entre essas línguas e
grande parte das línguas europeias vai evidenciar que existe entre elas uma
relação de parentesco, que elas constituem, portanto, uma família, a indo-
europeia, cujos membros têm uma origem comum, o indo-europeu, ao qual se
pode chegar por meio do método histórico-comparativo.

O grande progresso na investigação do desenvolvimento histórico das línguas


ocorrido no século XIX foi acompanhado por uma descoberta fundamental que
veio a alterar, modernamente, o próprio objeto de análise dos estudos sobre a
linguagem - língua literária - até então. Os estudiosos compreenderam melhor
do que seus predecessores que as mudanças observadas nos textos escritos
correspondentes aos diversos períodos que levaram, por exemplo, o latim a
transformar-se, depois de alguns séculos, em português, espanhol, italiano,
francês, poderiam ser explicadas por mudanças que teriam acontecido na
língua falada correspondente. A Linguística moderna, embora também se
ocupe da expressão escrita, considera a prioridade do estudo da língua falada
como um de seus princípios fundamentais.

É no início do século XX, com a divulgação dos trabalhos de Ferdinand de


Saussure, professor da Universidade de Genebra, que a investigação sobre a
linguagem - a Linguística - passa a ser reconhecida como estudo científico. Em
1916, dois alunos de Saussure, a partir de anotações de aula, publicam o
Curso de Linguística geral, obra fundadora da nova ciência. Antigamente, a
Linguística não era autônoma, submetia-se às exigências de outros estudos,
como a lógica, a filosofia, a retórica, a história, ou a crítica literária. O século XX
operou uma mudança central e total dessa atitude, que se expressa no caráter
científico dos novos estudos linguísticos, que estarão centrados na observação
dos fatos de linguagem.

O método científico supõe que a observação dos fatos seja anterior ao


estabelecimento de uma hipótese e que os fatos observados sejam
examinados sistematicamente mediante experimentação e uma teoria
adequada. O trabalho científico consiste em observar e descrever os fatos a
partir de determinados pressupostos teóricos formulados pela Linguística, ou
seja, o linguista aproxima-se dos fatos orientado por um quadro teórico
específico. Daí ser possível que para o mesmo fenômeno haja diferentes
descrições e explicações, dependendo do referencial teórico escolhido pelo
pesquisador.
Antes de explicitar melhor o que é a Linguística e como ela desenvolve sua
pesquisa convém definir seu objeto.

2. O que é a linguagem?

Está implícito na formulação dessa pergunta o reconhecimento de que as


línguas naturais, notadamente diversas, são manifestações de algo mais geral,
a linguagem. Tal constatação fica mais patente se pensarmos em traduzi-la
para o inglês, que possui um único termo - language - para os dois conceitos -
língua e linguagem. É necessário, então, que se procure distinguir essas duas
noções.

O desenvolvimento dos estudos linguísticos levou muitos estudiosos a


proporem definições da linguagem, próximas em muitos pontos e diversas na
ênfase atribuída a diferentes aspectos considerados centrais pelo seu autor.
Neste capítulo introdutório serão Introdução à Linguística apresentadas duas
propostas, a de Saussure e a de Chomsky, que pressupõem uma teoria geral
da linguagem e da análise Linguística.

Saussure considerou a linguagem "heteróclita e multifacetada", pois abrange


vários domínios; é ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica; pertence ao
domínio individual e social; "não se deixa classificar em nenhuma categoria de
fatos humanos, pois não se sabe como inferir sua unidade" (1969: 17). A
linguagem envolve uma complexidade e uma diversidade de problemas que
suscitam a análise de outras ciências, como a psicologia, a antropologia etc.,
além da investigação Linguística, não se prestando, portanto, para objeto de
estudo dessa ciência. Para
esse fim, Saussure separa uma parte do todo linguagem, a língua - um objeto
unificado e suscetível de classificação. A língua é uma parte essencial da
linguagem; "é um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de
convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício
dessa faculdade nos indivíduos" (1969: 17).

A língua é para Saussure "um sistema de signos" - um conjunto de unidades


que se relacionam organizadamente dentro de um todo. É "a parte social da
linguagem", exterior ao indivíduo; não pode ser modificada pelo falante e
obedece às leis do contrato social estabelecido pelos membros da
comunidade.

O conjunto linguagem-língua contém ainda um outro elemento, conforme


Saussure, a fala. A fala é um ato individual; resulta das combinações feitas pelo
sujeito falante utilizando o código da língua; expressa-se pelos mecanismos
psicofísicos (atos de fonação) necessários à produção dessas combinações.

A distinção linguagem/língua/fala situa o objeto da Linguística para Saussure.


Dela decorre a divisão do estudo da linguagem em duas partes: uma que
investiga a língua e outra que analisa a fala. As duas partes são inseparáveis,
visto que são interdependentes: a língua é condição para se produzir a fala,
mas não há língua sem o exercício da fala. Há necessidade, portanto, de duas
Linguísticas: a Linguística da língua e a Linguística da fala. Saussure focalizou
em seu trabalho a Linguística da língua, "produto social depositado no cérebro
de cada um", sistema supra-individual que a sociedade impõe ao falante. Para
o mestre genebrino, "a Linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua
considerada em si mesma, e por si mesma". Os seguidores dos princípios
saussureanos esforçaram-se por explicar a língua por ela própria, examinando
as relações que unem os elementos no discurso e buscando determinar o valor
funcional desses diferentes tipos de relações. A língua é considerada uma
estrutura constituída por uma rede de elementos, em que cada elemento tem
um valor funcional determinado. A teoria de análise linguística que
desenvolveram, herdeira das ideias de Saussure, foi denominada
estruturalismo. Os princípios teóricometodológicos dessa teoria ultrapassaram
as fronteiras da Linguística e a tomaram "ciência piloto" entre as demais
ciências humanas, até o momento em que se tomou mais contundente a crítica
ao caráter excessivamente formal e distante da realidade social da metodologia
estruturalista desenvolvido pela Linguística.

Em meados do século XX, o norte-americano Noam Chomsky trouxe para os


estudos linguísticos uma nova onda de transformação. Em seu livro Syntactic
Structures (1957:13), afirma: "Doravante considerarei uma linguagem como um
conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento e
construída a partir de um conjunto finito de elementos". Essa definição abrange
muito mais do que as línguas naturais mas, conforme seu autor, todas as
línguas naturais são, seja na forma falada, seja na escrita, linguagens, no
sentido de sua definição, visto que:

- Toda língua natural possui um número finito de sons (e um número finito de


sinais gráficos que os representam, se for escrita);

- Mesmo que as sentenças distintas da língua sejam em número infinito, cada


sentença só pode ser representada como uma sequência finita desses sons
(ou letras).

Cabe ao linguista que descreve qualquer uma das línguas naturais determinar
quais dessas sequências finitas de elementos são sentenças, e quais não são,
isto é, reconhecer o que se diz e o que não se diz naquela língua. A análise
das línguas naturais deve permitir determinar as propriedades estruturais que
distinguem a língua natural de outras linguagens. Chomsky acredita que tais
propriedades são tão abstratas, complexas e específicas que não poderiam ser
aprendidas a partir do nada por uma criança em fase de aquisição da
linguagem. Essas propriedades já devem ser "conhecidas" da criança antes de
seu contato com qualquer língua
natural e devem ser acionadas durante o processo de aquisição da linguagem.
Para Chomsky, portanto, a linguagem é uma capacidade inata e específica da
espécie, isto é, transmitida geneticamente e própria da espécie humana. Assim
sendo, existem propriedades universais da linguagem, segundo Chomsky e os
que compartilham de suas ideias. Esses pesquisadores dedicam-se à busca de
tais propriedades, na tentativa de construir uma teoria geral da linguagem
fundamentada nesses princípios. Essa teoria é conhecida como gerativismo.

Assim como Saussure - que separa língua de fala, ou o que é linguístico do


que não é - Chomsky distingue competência de desempenho. A competência
Linguística é a porção do conhecimento do sistema linguístico do falante que
lhe permite produzir o conjunto de sentenças de sua língua; é um conjunto de
regras que o falante construiu em sua mente pela aplicação de sua capacidade
inata para a aquisição da linguagem aos dados linguísticos que ouviu durante a
infância. O desempenho corresponde ao comportamento linguístico, que
resulta não somente da competência Linguística do falante, mas também de
fatores não linguísticos de ordem variada, como: convenções sociais, crenças,
atitudes emocionais do falante em relação ao que diz, pressupostos sobre as
atitudes do interlocutor etc., de um lado; e, de outro, o funcionamento dos
mecanismos psicológicos e fisiológicos envolvidos na produção dos
enunciados. O desempenho pressupõe a competência, ao passo que a
competência não pressupõe desempenho. A tarefa do linguista é descrever a
competência, que é puramente Linguística, subjacente ao desempenho.

A língua - sistema linguístico socializado - de Saussure aproxima a Linguística


da Sociologia ou da Psicologia Social; a competência - conhecimento
linguístico intemalizado - aproxima a Linguística da Psicologia Cognitiva ou da
Biologia.

O que é Linguística?

Como o termo linguagem pode ter um uso não especializado bastante extenso,
podendo referir-se desde a linguagem dos animais até outras linguagens -
música, dança, pintura, mímica etc. - convém enfatizar que a Linguística
detém-se somente na investigação científica da linguagem verbal humana. No
entanto, é de se notar que todas as linguagens (verbais ou não-verbais)
compartilham uma característica importante - são sistemas de signos usados
para a comunicação. Esse aspecto comum tornou possível conceber-se uma
ciência que estuda todo e qualquer sistema de signos. Saussure a denominou
Semiologia; Peirce a chamou de Semiótica.

A Linguística é, portanto, uma parte dessa ciência geral; estuda a principal


modalidade dos sistemas sígnicos, as línguas naturais, que são a forma de
comunicação mais altamente desenvolvida e de maior uso.

Uma pintura, uma dança, um gesto podem expressar, mesmo que sob formas
diversas, um mesmo conteúdo básico, mas só a linguagem verbal é capaz de
traduzir com maior eficiência qualquer um desses sistemas semióticos. As
línguas naturais situam-se numa posição de destaque entre os sistemas
sígnicos porque possuem, entre outras, as propriedades de flexibilidade e
adaptabilidade, que permitem expressar conteúdos bastante diversificados:
emoções, sentimentos, ordens, perguntas, afirmações, como também
possibilitam falar do presente, passado ou futuro.

Os estudos linguísticos não se confundem com o aprendizado de muitas


línguas: o linguista deve estar apto a falar "sobre" uma ou mais línguas,
conhecer seus princípios de funcionamento, suas semelhanças e diferenças. A
Linguística não se compara ao estudo tradicional da gramática; ao observar a
língua em uso o linguista procura descrever e explicar os fatos: os padrões
sonoros, gramaticais é lexicais que estão sendo usados, sem avaliar aquele
uso em termos de um outro padrão: moral, estético ou crítico.

As diferenças de pronúncia, de vocabulário e de sintaxe observadas por um


habitante de São Paulo, por exemplo, ao comparar sua expressão verbal à dos
falantes de outras regiões, como Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Belo
Horizonte, muitas vezes o fazem considerar "horrível" o sotaque de algumas
dessas regiões; "esquisito" seu vocabulário e "errada" sua sintaxe. Esses
julgamentos não são levados em conta pelo linguista, cuja função é estudar
toda e qualquer expressão Linguística como um fato merecedor de descrição e
explicação dentro de um quadro científico adequado.
O linguista procura descobrir como a linguagem funciona por meio do estudo
de línguas específicas, considerando a língua um objeto de estudo que deve
ser examinado empiricamente, dentro de seus próprios termos, como a Física,
a Biologia etc. A metodologia de análise Linguística focaliza, principalmente, a
fala das comunidades e, em segunda instância, a escrita.

A prioridade atribuída pelo linguista ao estudo da língua falada explica-se pela


necessidade de corrigir os procedimentos de análise da gramática tradicional,
que se preocupava quase exclusivamente com a língua literária, como modelo
único para qualquer forma de expressão escrita ou falada. O prestígio e a
autoridade da língua escrita em nossa sociedade, muitas vezes, são obstáculos
para os principiantes nos estudos da Linguística, que têm dificuldade em
perceber e aceitar a possibilidade de considerar a língua falada
independentemente de sua representação gráfica. É comum ouvir dizer de uma
criança ainda não alfabetizada, que pronuncie mola por mora, por exemplo,
que "ela troca letra", quando na realidade ela está substituindo um som por
outro.

Os critérios de coleta, organização, seleção e análise dos dados linguísticos


obedecem aos princípios de uma teoria Linguística expressamente formulada
para esse fim. Os resultados obtidos são correlacionados às informações
disponíveis sobre outras línguas com o objetivo de elaborar uma teoria geral da
linguagem.

Distinguem-se, aqui, dois campos de estudos: a Linguística geral e a descritiva.


A Linguística geral oferece os conceitos e modelos que fundamentarão a
análise das línguas; a Linguística descritiva fornece os dados que confirmam
ou refutam as teorias formuladas pela Linguística geral. São duas tarefas
interdependentes: não pode haver Linguística geral ou teórica sem a base
empírica da Linguística descritiva. É possível, entretanto, que uma descrição
Linguística tenha outros objetivos, além de oferecer elementos para a análise
da Linguística geral; o trabalho de descrição de uma língua pode estar
preocupado em produzir uma gramática ou um dicionário, com o objetivo de
dotá-la de instrumentos para sua difusão na forma escrita, como no caso de
línguas indígenas, africanas ou outras que ainda não circulem no meio escrito.

No século XIX os linguistas preocuparam-se com o estudo das transformações


por que passavam as línguas, na tentativa de explicar as mudanças
Linguísticas. A Linguística era histórica ou diacrônica. Saussure, no início do
século XX, introduziu um novo ponto de vista no estudo das línguas, o ponto de
vista sincrônico, segundo o qual as línguas eram analisadas sob a forma que
se encontravam num determinado momento histórico, num ponto do tempo. A
descrição Linguística observaria "a relação entre coisas coexistentes", que
constituiriam o sistema linguístico. Embora defendesse a perspectiva sincrônica
no estudo das línguas, Saussure reconhecia a importância e a
complementaridade das duas abordagens: a sincrônica e a diacrônica. Em
sincronia os fatos linguísticos são observados quanto ao seu funcionamento,
num determinado momento. Em diacronia os fatos são analisados quanto às
suas transformações, pelas relações que estabelecem com os fatos que o
precederam ou sucederam.

A descrição sincrônica analisa as relações existentes entre os fatos linguísticos


num estado de língua; os estudos diacrônicos são feitos com base na análise
de sucessivos estados de língua. O estudo sincrônico sempre precede o
diacrônico. Para explicar, por exemplo, como o pronome de tratamento Vossa
Mercê se transformou até assumir a forma atual Você, pronome pessoal, é
necessário comparar diferentes estados de língua previamente caracterizados
como tais e observar as mudanças que ocorreram na expressão sonora e no
uso.

Muitos linguistas tomam a separação sincronial diacronia como um rigoroso


princípio metodológico: ou se investiga um estado de língua ou se investiga a
história da língua. Temos, então, dois ramos da Linguística: a sincrônica e a
histórica. Modernamente, a Linguística sincrônica vem sendo denominada
Linguística teórica, preocupada mais com a construção de modelos teóricos do
que com a descrição de estados de língua.

Como muitas áreas de estudo se interessam pela linguagem, o estudo do


fenômeno linguístico na interface com outras disciplinas criou várias áreas
interdisciplinares: a etnoLinguística, que trabalha no âmbito da relação entre
língua e cultura; a sociolinguística, que se detém no exame da interação entre
língua e sociedade; a psicoLinguística, que estuda o comportamento do
indivíduo como participante do processo de aquisição da linguagem e da
aprendizagem de uma segunda língua.

Você também pode gostar