0 notas0% acharam este documento útil (0 voto) 64 visualizações24 páginasFilosofias Na Educação de Surdos
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FACULDADE DE EDUCACAO.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Carlos Henrique Rodrigues
SITUAGOES DE INCOMPREENSAO VIVENCIADAS POR
PROFESSOR OUVINTE E ALUNOS SURDOS NA SALA
DE AULA: PROCESSOS INTERPRETATIVOS E
OPORTUNIDADES DE APRENDIZAGEM
Belo Horizonte
Faculdade de Educacdo da UFMG
2008RESUMO
Nesta dissertacdo, apresenta-se uma investigagdo de processos
interpretativos, por parte de uma professora ouvinte e de seus
alunos surdos, em relagdo ao que esta sendo dito ou o que esta
acontecendo em sala de aula. Para isso, s&o analisadas
situagées de incompreensdo ocorridas nessa sala, na qual os
participantes (professora e alunos) tém dominio variado da
Lingua de Sinais Brasileira (Libras). Os dados para o
desenvolvimento deste estudo foram coletados através de
observacdo-participante (SPRADLEY, 1980), realizada em uma
turma do segundo ciclo de uma escola publica de Belo
Horizonte, durante o ano de 2007 e o primeiro semestre de
2008. A turma era composta por 9 alunos e 4 alunas, com idade
entre 13 e 15 anos. A partir da exploragdo de conceitos da
sociolinguistica interacional, tais como pistas de
contextualizagéo (GUMPERZ, 1982a), enquadre e esquema
(GOFFMAN, 1974; TANNEN & WALLAT, 2002), 0 estudo oferece
elementos para uma melhor compreensdo de como os alunos e
sua professora valem-se dos conhecimentos que possuem para
construir oportunidades de aprendizagem da lingua e dos
conteudos escolares e de como processos inferenciais sao
constitutivos dessa construcéo. As analises realizadas
evidenciaram, ainda, que a interaggo discursiva em Libras
favorece a apropriacdo individual dos conteudos escolares e a
construc&o de entendimento comum das atividades pedagégicas
propostas.
Palavras-chave: educacdo de surdos, _sociolinguistica
interacional, situagées de incompreensdo, processo de ensino-
aprendizagem,24.
2.2.
2.3.
2.4.1
2.4.2
2.4.
2.4.1
2.4.2
2.4.3
2.4.4
3a
3.2
3.3
4.2
43
51
5.2
61
6.2
63
6.4
SUMARIO
INTRODUCAO.
INVENGOES E MUTACOES: REPRESENTACOES HISTORICAS | E
SOCIAIS DOS SURDOS E DA SURDEZ........
‘Arena de controvérsias: surdos, surdez e educagao..
Surdez_e Surdos no Brasil: tudo comecou com um Instituto de
Educacdo.
Visdes com relacio aos surdos e a surdez.
A visio a partir do modelo clinico-terapéutico.
A visao a partir do modelo sécio-antropolégico......e
Sinais e fala: os caminhos educacionais e a surdez
Diferentes facetas do oralismo.
Expressées do gestualismo..
Um félego em meio ao oralismo: uma filosofia hibrida de transico...
Novo avanco: a filosofia bilingie..
MUDANCAS DE FOCO: OUTROS LUGARES E NOVOS OLHARES
Pesquisas LingUfsticas e Estudos Culturais.
Novo paradigma do século XX: incluso social....... .
Proposta educacional inclusiva para surdos: sala, escola ou educaco
bIlINgQUe?...ssseeeevs
DELIMITANDO 0 CAMPO DE PESQUISA...
A educacio de surdos no sistema Pblen de ensino de Belo
Horizonte... a eevee
A configuragdo da questao de pesquisa.......
0 locus da pesquisa: a sala de aula de surdo:
DEFININDO ABORDAGENS TEORICO-METODOLOGICAS.
Etnografia Educacional e Sociolingiiistica Interacional..
Desafios de uma transcrigo: 0 registro dos dados de uma interaco
verbal de modalidade espaco-visual....
PROCEDIMENTOS E ANALISE DOS DADOS.
Evento-chave: “Conversando sobre o trabalho proposto”...
Construgao e andlise de “casos expressivos”.
Evento-chave: "Comida de Cachorro”,
Evento-chave: “Somando Varetas”..
CONSIDERAGOES FINAIS.
REFERENCIAS.
12
20
23
42
56
57
60
62
64
68
71
74
7
7
88
96
103
103
aut
118
155
155
172
186
189
194
204
210
22156
Esse panorama geral da histéria da educacdo de surdos permite
que se conhegam diversas visdes, concepcdes, conceitos e
modelos de surdez, os quais evidenciam diferentes perspectivas
e propostas educacionais. Segundo Thoma (1998, p.127-8):
Na historia da educagdo dos surdos surgiram varias
tendéncias, apontando concepgées distintas e, por
vezes, opostas, quanto a melhor forma de educar
ao surdo e, no ritmo das mudangas, as filosofias
educacionais foram (re)feitas de acordo com os
interesses, crencas e valores de cada época. A
histéria desta educacdo 6, portanto, trilhada por
diferentes caminhos, apresentados como um reflexo
do pensamento e dos interesses dominantes em
cada época e em cada sociedade. Poderiamos dizer
que cada um destas filosofias nada mais representa
do que o imagindrio e as representagées sociais
construidas sobre os surdos ao longo dos tempos.
0 atual contexto educacional dos surdos esta permeado pelas
diferentes visées, conceitos e modelos de surdez historicamente
construidos. Considerando-se que para a compreensdo da sala
de aula, formada somente por alunos surdos, é necessdrio que
se conhega a realidade na qual ela se localiza, organizaram-se,
a seguir, as duas visées basicas com relacdo a surdez e aos
surdos e, também, as trés principais propostas educacionais
empregadas no decorrer da histéria do processo educacional
dos surdos.
2.3 Visées com relagdo aos surdos e a surdez
Grosso modo, configuraram-se historicamente duas maneiras
distintas de se olhar para a surdez e, conseqientemente, para
os surdos. A adogéo de uma dessas visées demonstra as
concepgées e conceitos de quem olha e, certamente, guiara a37
uma série de perspectivas e atitudes com relaco aos surdos e
ao seu processo de ensino-aprendizagem.
Essas visdes distintas fundamentam-se, basicamente, em dois
modelos: 0 clinico-terapéutico e 0 sécio-antropolégico (SKLIAR,
1997a; 1998). Esses modelos tém sido responsaveis em definir
e guiar diversas tendéncias educacionais, ora enfatizando uma
certa normalizacao, ora defendendo a aceitacgdo das diferencas.
Entretanto, “a tematica da surdez, na atualidade, se configura
como territério de representagdes que nao podem ser
facilmente delimitadas ou distribuidas em ‘modelos sobre a
surdez” (SKLIAR, 1998 p.9).
2.3.1 A vis&o a partir do modelo clinico-terapéutico
© modelo clinico-terapéutico foi-se formando historicamente de
acordo com as posturas médicas e ideolégicas que foram sendo
assumidas com relagéo & surdez. O olhar clinico-terapéutico
difundiu-se socialmente e passou a embasar as posturas
educacionais em relagéo aos surdos, inclusive a filosofia
educacional oralista. Nesse modelo, o surdo é
considerado uma pessoa que nao ouve e, portanto,
nao fala. E definido por suas caracteristicas
negativas; a educacdo se converte em terapéutica,
© objetivo do curriculo escolar é dar ao sujeito o
que Ihe falta: a audicdo, e seu derivado: a fala. Os
surdos s&o considerados doentes reabilitaveis e as
tentativas pedagdégicas sdo unicamente praticas
reabilitatérias derivadas do diagnéstico médico cujo
fim é unicamente a ortopedia da fala (SKLIAR,
1997a, p.113).
O modelo clinico-terapéutico trouxe uma viséo estritamente
relacionada a surdez como patologia, enfatizando o déficit
biolégico. Assim, aqueles que se alicercam nesse modelo58
consideram a surdez como mera deficiéncia sensorial. Segundo
Sa (2002, p.48):
Historicamente se sabe que a tradic&o médico-
terapéutica influenciou a definigéo da surdez a
partir do déficit auditivo e da classificagéo da
surdez (leve, profunda, congénita, pré-linguistica,
etc.), mas deixou de incluir a experiéncia da surdez
e de considerar os contextos psicossociais e
culturais nos quais a pessoa Surda se desenvolve.
Com esse conceito de surdez, a educac&o de surdos passou a
ser vista como um processo de medicalizagdo, no qual as
estratégias e recursos educacionais tém um carater reparador,
reabilitador, normalizador e corretivo. Assim sendo, as linguas
de sinais sio rechagadas do processo educacional dos surdos
Na visdo clinico-terapéutica, materializada por meio do
oralismo, acredita-se que
a lingua de sinais n&o constitui um verdadeiro
sistema lingiistico, pois o define como um conjunto
de gestos carente de estrutura gramatical, um tipo
de pantomima desarticulada, que, além disso - e
paradoxalmente - limitaria. ou impediria a
aprendizagem da lingua oral (SKLIAR, 1997a,
p.111)
Nesse momento da histéria da surdez, no qual o modelo clinico
imperou, os surdos seriam potencialmente retirados do contexto
educacional, pedagégico, e colocados nos dominios da medicina,
da interveng&o clinica e da terapia. Na verdade, ocorria uma
transformagao gradual do contexto escolar e de suas discussées
e enunciados pedagégicos, em mecanismos de natureza médico-
hospitalar (LANE, 1993 apud SKLIAR, 1998, p.16).
Medicalizar a surdez significa orientar toda a
atengdo a cura do problema auditivo, & correcdo de
defeitos da fala, ao treinamento de certas
habilidades menores, como a leitura labial e a
articulagdo, mais que a interiorizagéo de59
instrumentos culturais significativos, como a lingua
de sinais. E significa também opor e dar prioridade
ao poderoso discurso da medicina frente a débil
mensagem da pedagogia, explicitando que é mais
importante esperar a cura medicinal - encarnada
atualmente nos implantes cocleares - que
compensar 0 déficit de audicio através de
mecanismos psicoldégicos funcionalmente
equivalentes (SKLIAR, 1997a, p. 111).
Nesse modelo clinico, os surdos ou deficientes auditivos
possuem uma deficiéncia que precisa ser tratada com o
propésito de reabilita-los & convivéncia social. Visa-se ao
“disciplinamento do comportamento e do corpo para produzir
surdos aceitaveis para a sociedade dos ouvintes” (SKLIAR,
1998, p.10). Esse tratamento teria 0 objetivo de desenvolver e
treinar a fala e a leitura labial, através de tratamento
foncaudiolégico, de uso de préteses e implantes, por exemplo,
capazes de capacitd-los a usar a LO e a partilhar dos modos de
ser, pensar e agir da sociedade ouvinte que integram. Ao
criticar tal modelo, Skliar (1997a, p.12) ressalta que
a crianca no vive a partir de sua deficiéncia, mas
a partir daquilo que para ela resulta ser um
equivalente funcional. Tudo isto seria certo se,
desde ja, 0 modelo clinico-terapéutico nao se
obstinasse tanto em lutar contra a deficiéncia, o
que implica em geral originar conseqiéncias sociais
ainda maiores. Reeducagao ou Compensacao, essa
é a questdo. Obstinar-se contra o déficit, esse é o
erro
Esse modelo clinico foi preponderante até a década de 90,
quando uma nova viséo da surdez destacou-se, principalmente
em meio aos pesquisadores. Segundo Skliar (1997a, p.140-1):
Foram duas as observacées que a partir da década
de 60 levaram outros especialistas - como
antropdlogos, lingiiistas e socidlogos - a
interessar-se pelos surdos, e que originaram uma
viséo totalmente oposta a clinica, uma perspectiva
sécio-antropolégica da surdez. Por um lado, o fato60
de que os surdos formam comunidades cujo fator
aglutinante é a lingua de sinais [...] Por outro lado,
a confirmacgéo de que os filhos surdos de pais
surdos apresentam melhores niveis académicos,
melhores habilidades para a aprendizagem da
lingua oral e escrita, niveis de leitura semelhantes
aos do ouvinte, uma identidade equilibrada, e nao
apresentam os problemas sociais e afetivos
préprios dos filhos surdos de pais ouvintes,
2.3.2 A visdo a partir do modelo sécio-antropolégico
Ao contrério da viséo clinica, na qual que se propde a
medicalizagéo, 0 tratamento terapéutico, a reabilitagdo do
surdo; na viséo sécio-antropolégica, compreende-se a surdez
como uma experiéncia visual, ou seja, como uma maneira
especifica de se construir a realidade histérica, politica, social e
cultural. No modelo sécio-antropolégico, concebe-se a surdez
como uma diferenca®, e ndo como mera deficiéncia como no
modelo clinico-terapéutico. Esse novo prisma possibilitou que a
surdez fosse vista a partir de outros referenciais (HUBNER,
2006, p.51). Ao se referir a esse novo prisma, Moura relata que
© movimento multicultural, de grande amplitude,
abrangeu as minorias dos mais diversos tipos que
reivindicavam o direito de uma cultura propria, de
ser diferente e denunciavam a discriminacao qual
estavam sendo submetidos (2000, p.64).
Considerando esta perspectiva, os surdos passam a ser vistos
como aqueles que
formam uma comunidade lingUistica minoritdria
caracterizada por compartilhar uma lingua de sinais
e valores culturais, habitos e modo de socializacéo
préprios. A lingua de sinais constitui o elemento
identificatério dos surdos, e 0 fato de constituirem-
% Carlos Skliar deixa claro que, para ele, diferenca é entendida, conforme
McLaren (1995), "ado como um espaco retérico - a surdez & uma diferenca ~ mas
como uma construcdo histérica e social, efeito de conflitos socials, ancorada em
praticas de significagéo e de representacées compartilhadas entre os surdos”
(SKLIAR, 1998, p. 13).61
se em comunidade significa que compartilham e
conhecem os usos e normas de uso da mesma
lingua, j4 que interagem cotidianamente em um
processo comunicativo eficaz e eficiente. Isto é,
desenvolveram as competéncias lingiistica e
comunicativa - e cognitiva - por meio do uso da
lingua de sinais prépria de cada comunidade de
surdos [..] A lingua de sinais anula a deficiéncia
lingiistica conseqiéncia da surdez e permite que os
surdos constituam, entéo, uma comunidade
lingiistica minoritaria diferente e ndo um desvio da
normalidade (SKLIAR, 1997a, p.141)
Em oposicao
visio clinico-terapéutica, na visio sécio-
antropolégica, passa-se a utilizar o termo “surdo” para se
referir aqueles que, independentemente do grau da perda
auditiva, reconhecem-se como surdos, na medida em que
valorizam a experiéncia visual e se apropriam da LS como meio
de comunicacgéo e expresséo; reinem-se com seus pares e
partilham modos de ser, agir e pensar, bem como uma
identidade cultural comum e um certo Deaf Pride, orgulho em
ser surdo.
Os nomes atribuidos aos No-Ouvintes incluem
“mudo", “surdo-mudo”, “deficiente auditivo”, uma
variedade de outros eufemismos politicamente
corretos, e 0 que é preferido pela maioria daqueles
que se identifica como tal: “Surdo” (WRIGLEY,
1997, p.3).”
Nessa mesma perspectiva, as pessoas com deficiéncia auditiva
seriam aquelas que rejeitam a condigéo da surdez, na medida
em que tentam resgatar a experiéncia auditiva por meio de
préteses e implantes, desprezando a LS e estabelecendo seu
Unico meio de comunicag&o através da LO: fala com o auxilio da
leitura labial. Além disso, essas pessoas freqientam grupos de
3” Minha tradugdo para “The names assigned to the Other-than-Hearing include
‘mute’, ‘deaf-mute’, ‘hearing impaired’, a range of other politically correct
euphemisms, and the one that is preferred by most of those who identify
themselves as such: ‘Deaf’.” H4 uma cépia da introduce do livro disponivel em
. Acesso em 25 nov. 2007,62
ouvintes e n&o se identificam com os surdos sinalizadores -
usuarios da LS.
Considerar a surdez através desse modelo implica,
primeiramente, respeitar e aceitar o surdo em sua diferenca e
especificidade linguistica e cultural. Dito de outro modo, esse
respeito e aceitagéo da diferenca significam n&o somente
aceitar a LS usada pelos surdos no processo educacional, mas
“produzir uma politica de significagées que gera um outro
mecanismo de participagéo dos préprios surdos no processo de
transformagdo pedagégica” (SKLIAR, 1998 p.14).
A difusio da vis&o sécio-antropolégica da surdez nas Ultimas
décadas do século XX possibilitou aos educadores uma nova
maneira de se pensar o processo de ensino-aprendizagem de
surdos, Apropriando-se dessa visio, muitos professores de
surdos propuseram novas estratégias de ensino vinculadas ao
uso da LS e ao reconhecimento da necessidade de se ensinar a
LP como L2. Entretanto, até que essa nova proposta educacional
bilingde se configurasse outras maneiras de se tratar a
educagéo de surdos destacaram-se no cenario educacional: o
oralismo e a comunicagao total.
2.4 Sinais e fala: os caminhos educacionais e a surdez
Normalmente € assim como os filésofos do
conhecimento nos ensinam que a cabeca pensa a
partir de onde os pés pisam e que cada ponto de
vista é a vista de um ponto.
Leonardo Boff
Historicamente verifica-se a configuracdo dos debates acerca da
educagio dos surdos sob trés importantes _filosofias
educacionais: 0 Oralismo, a Comunicagao Total e o Bilingdismo
A aproximacdo e a andlise da concepcdo e aplicacdo de tais63
filosofias evidenciam uma ampla variedade de visdes, énfases e
praticas, muitas vezes, contraditérias.
Segundo Brito (1993, p.27), seriam apenas duas as filosofias
educacionais para surdos: o Oralismo, que defenderia o
aprendizado apenas da LO, e o Bilinglismo, que defenderia o
aprendizado da LO e da LS, reconhecendo o surdo em sua
diferenga e especificidade. Considerando isso, pode-se dizer,
sem duvidas, em oralismos e bilingdismos. Esse plural serve
para marcar a diversidade das metodologias, leituras e¢
aplicagdes do oralismo e do bilingdismo na educagao de surdos.
A histéria da educagéo dos surdos revela o confronto e a
coexisténcia dessas diferentes abordagens. Sabe-se que, desde
o século XVIII, duas perspectivas, tratadas como oralismo e
gestualismo, confrontam-se acirradamente (BUENO, 1998,
p.47). O péndulo da educac&o de surdos, ora estava mais para
lado 0 oralista, ora para o gestualista. De acordo com Lima
(2004, p.50):
A abordagem educacional (oralista ou gestual)
dependia incondicionalmente de quem a conduzia
Caso fosse partidario do uso exclusivo da lingua
oral, esta era tomada como fio condutor da
educagao do aluno surdo. Caso fosse simpatizante
da lingua de sinais, esta era adotada como
instrumento de trabalho na sala de aula.
Embora, atualmente, o péndulo esteja voltado para o
gestualismo, expresso através de diferentes perspectivas
bilingues, o oralismo continua presente e defendido por alguns
familiares de surdos, profissionais e pessoas com surdez®
2 pode-se dizer que existem em meio aos surdos dois grupos distintos: os
“surdos sinalizadores", que defendem 2 LS e o bilingdismo e os “surdos
oralizados”, que repudiam a LS e defendem o oralismo64
2.4.1 Diferentes facetas do oralismo
Em seu inicio, no campo da pedagogia do surdo,
existia um acordo undnime sobre a conveniéncia de
que esse sujeito aprendesse a lingua que falavam
os ouvintes da sociedade na qual viviam; porém, no
bojo dessa unanimidade, ja no comego do século
XVIII, foi aberta uma brecha que se alargaria com
0 passar do tempo e que __ separaria
irreconciliavelmente oralistas de gestualistas
(LACERDA, 1996, p.6).
De forma simplificada, pode-se dizer que 0 oralismo,
preponderante até a década de 1980, defendia a
“desmutizacao”, em outras palavras, o aprendizado apenas da
LO com 0 objetivo de recuperar o surdo, integrd-lo a sociedade,
ou seja, de, se possivel, tornd-lo como o ouvinte. Nesse caso, a
LO tornava-se mais um objetivo do que um instrumento do
aprendizado e da comunicagéo (BRITO, 1993, .27;
BERNARDINO, 2000, p.29), pois seu aspecto sonoro era
enfatizado em detrimento de sua estruturacdo seméntica e, até
mesmo, de seu registro linglistico. Segundo Brito (1995, p.15):
Devido a falta de audicio do surdo, alguns
métodos, na nsia, de suprir essa falta,
centralizaram sua atencdo na producéo e recepgao
da cadeia sonora da fala, isto é, no nivel fonético,
negligenciando, muitas vezes, 0 nivel semantico-
cognitivo.
Na filosofia educacional oralista, toda e qualquer forma de
comunicacéo gestual deveria ser negada ao surdo. Muitos
acreditavam que o contato dos surdos com a linguagem gestual
impediria que eles se desenvolvessem oralmente e os levaria a
viver & margem da sociedade ouvinte. Segundo Souza (1998,
p.4)
A idéia central do oralismo & que o “deficiente
auditivo” sofre de uma patologia crénica [..]
obstaculizando a “aquisicéo normal” da linguagem,
demanda intervengées clinicas de especialistas,65
tidos quase como responsaveis Unicos por “restituir
a fala” a “esse tipo de enfermo”. Para 0 oralismo, a
linguagem é um cédigo de formas e regras estaveis
que tem na fala precedéncia histérica e na escrita
sua via de manifestagéo mais importante. Gestos
ou sinais, n3o importa de que natureza fossem,
eram e ainda s&o considerados acessérios,
dependentes da fala e/ ou inferiores a ela do ponto
de vista simbélico. O oralismo —_defende
essencialmente a © supremacia. da_—vvoz,
transformando-a em nuclear do que consideram ser
“tratamento educativo interdisciplinar” da pessoa
surda.
Para conseguir alcancar seu objetivo, a aquisicéo e
desenvolvimento normal da linguagem oral, os oralistas
desenvolveram e empregaram diferentes instrumentos, técnicas
e metodologias de oralizacao: a verbo-tonal, a audiofonatéria, a
aural, a acupédica, a intervencéo precoce, a protetizacgdo, o
implante coclear e etc (GOLDFELD, 1997, p.31; MOURA, 2000,
p.53-5; CAPOVILLA, 2001, p.1482). Além disso, muitos oralistas
também se dedicaram ao ensino da escrita e a rigorosos treinos
de leitura.
Apesar do grande afinco e dedicac&o dos oralistas, 0 oralismo
nao obteve resultados tao satisfatérios, talvez devido a maneira
como se enfatizava a LO em detrimento de outros importantes
aspectos da comunicag&o, da interacdo, da educacéo e da
insergdo social.*? A educag&o de cunho oralista “néo garante o
® “Os métodos orais sofrem uma série de criticas pelos limites que apresentam,
mesmo com o incremento do uso de préteses. As criticas vém, principalmente,
dos Estados Unidos. Alguns métodos prevéem, por exemplo, que se ensinem
palavras para criancas surdas de um ano. Entretanto, elas terdo de entrar em
contato com essas palavras de modo descontextualizado de interlacucées
efetivas, tornando a linguagem algo dificil e artificial. Outro aspecto a ser
desenvolvido é a leitura labial, que para a idade de um ano é, em termos
cognitivos, uma tarefa bastante complexa, para n3o dizer impossivel. & muito
dificil para uma crianca surda profunda, ainda que ‘protetizada’, reconhecer, téo
precocemente, uma palavra através da leitura labial. Limitar-se ao canal vocal
significa limitar enormemente a comunicacdo e a possibilidade de uso dessa
palavra em contextos apropriados. O que ocorre praticamente n&o pode ser
chamado de desenvolvimento de linguagem, mas sim de treinamento de fala
organizado de maneira formal, artificial, com o uso da palavra limitado a66
pleno desenvolvimento da crianca surda e nem a sua integracdo
4 comunidade ouvinte”, visto que 0 dominio apenas da LO “em
hipétese alguma possibilita a equiparacdo entre pessoas surdas
e ouvintes” (GOLDFELD, 1997, p.86)
No comeco do século XX, encontram-se os
primeiros relatos dos insucessos do oralismo. Um
inspetor geral de Milo descreveu que o nivel de
fala e de aprendizado de leitura e escrita dos
Surdos apés sete a oito anos de escolaridade era
muito ruim, sendo que estes Surdos ndo estavam
preparados para nenhuma funcdo, a ndo ser como
sapateiros ou costureiros. Na Franga isso também
foi notado, os Surdos educados no oralismo tinham
uma fala ininteligivel (MOURA, 2000, p. 49).
Contudo, pode-se verificar que os oralistas esperavam nado
somente levar o surdo a falar e a ler os ldbios, mas a
desenvolver competéncia lingiiistica, o que Ihes permitiria
desenvolver-se social, emocional e intelectualmente e, dessa
maneira, integrar-se ao mundo dos ouvintes (CAPOVILLA, 2001,
p.1481). Entretanto, isso ndo foi possivel devido, entre outros,
ao fato de que essa filosofia educacional ampara-se em uma
idgia equivocada de que hd uma dependéncia intrinseca entre a
linguagem e a linguagem oral e entre desempenho oral e o
desenvolvimento cognitive. Portanto, nessa perspectiva,
acredita-se que “o desenvolvimento cognitivo esta condicionado
ao maior ou menor conhecimento que tenham as criancas
surdas da lingua oral” (SKLIAR, 1997a, p.111).
Ao se restringir a essa concepgéo de linguagem,
desconsiderando os aspectos cognitivos que séo determinados
pela linguagem e pela cultura para se limitar a oralizagdo da
momentos em que a crianca esté sentada diante de desenhos, fora de contextos
dialégicos propriamente ditos, que de fato permitiriam o desenvolvimento do
significado das palavras. Esse aprendizado de linguagem ¢ desvinculado de
situagdes naturais de comunicacao, e restringe as possibilidades do
desenvolvimento global da crianga” (LACERDA, 1996, p.18)67
crianca surda, 0 oralismo “produz” surdos que, embora possam
“falar” o portugués, provavelmente n&o seréo capazes de
interagir com os ouvintes, devido a questées semanticas e
pragmaticas relativas a lingua em uso e a dificuldades
cognitivas, sociais e emocionais advindas da n&o-aquisicao
natural e contextualizada de uma lingua na_ infancia
(GOLDFELD, 1997, p.91). Considerando isso, pode-se afirmar
que
[..] todas estas tentativas de oralizagéo do Surdo
caminharam numa busca incessante de uma
transformacéo do Surdo num ouvinte que ele
jamais poderia vir a ser. Como ele nao poderia vir
a ser, nem se comportar, nem aprender da mesma
forma que o ouvinte, as abordagens oralistas nao
conduziram ao resultado desejado:
desenvolvimento e integragéo do Surdo na
comunidade ouvinte (MOURA, 2000, p.55)
E importante a compreensdo de que o oralismo, desde suas
origens quinhentistas, fundamentou-se em concepcées médicas,
religiosas, filoséficas e, até mesmo, politicas (SKLIAR, 1997b),
sem as quais ele no teria surgido e muito menos ganhado
consisténcia. Podem-se encontrar essas concepcées em diversas
obras, inclusive nos textos classicos, tanto sacros quanto
seculares (CAPOVILLA, 2001, p.1480). Foi justamente por
vieses oralistas que se fomentou, no século XVI, a concepcao
de que os surdos eram educaveis.
© imaginério da sociedade quinhentista estava marcado pela
idéia de que a linguagem oral era o cerne da aprendizagem e do
desenvolvimento humano. Portanto, foram exatamente as
demonstracées oralistas de surdos usando a LO, falada e
escrita, que possibilitaram uma mudanga nesse imaginario que
passou a aceitar, pouco a pouco, a possibilidade de os surdos
serem educados, visto que conseguiam usar a linguagem oral. A68
partir de ent&o, tornaram-se possiveis os relatos que, de
alguma maneira, creditaram a LS um certo status*.
2.4.2 Expressées do gestualismo
© surgimento de uma filosofia educacional gestualista talvez
possa ser relacionado ao fato de que, reconhecida a natureza
educdvel do surdo e aceita a idéia de que a surdez nao trazia
prejuizos para o desenvolvimento da inteligéncia, era possivel
olhar a linguagem gestual usada pelos surdos, para
comunicarem entre si, como uma possibilidade de interlocucao
com eles e como um meio de ensino da lingua oral, falada e
escrita. De acordo com Lacerda (1996, p.6), os gestualistas
eram mais tolerantes diante das dificuldades do
surdo com a lingua falada e foram capazes de ver
que os surdos desenvolviam uma linguagem que,
ainda que diferente da oral, era eficaz para a
comunicagéo e |hes abria as portas para o
conhecimento da cultura, incluindo aquele dirigido
para a lingua oral.
L’Epée, 0 precursor do uso da LS na educag&o dos surdos,
provavelmente, viu a linguagem gestual dos surdos dessa
maneira. E inegavel o fato de que ele apresentou uma
perspectiva avancada para a educacéo dos surdos no século
XVIII: 0 uso da LS, ainda que adaptada numa forma de “francés
sinalizado”,
Embora avancasse, L’Epée, considerava a linguagem oral muito
importante, no sentido de que no sé ensinava leitura e escrita
* Capovilla (2001, p.1480) escreve: “Uma honrosa excecdo do século XVIII foi 0
filésofo Condillac. Embora a principio considerasse os Surdos como meras
estdtuas sensiveis e maquinas ambulantes, incapazes de pensamento e
linguagem, depois de comparecer incégnito as aulas do abade l’Epée, ele se
converteu e forneceu o primeiro endosso filoséfico da Lingua de Sinals ¢ de seu
uso na educagéo do Surdo (LANE, 1984)”69
aos seus alunos surdos, mas, principalmente, acrescentava a LS
aquilo que, segundo ele, faltava, ou seja, uma “gramatica”.
Assim, ele criou os Sinais Metdédicos: um misto do léxico da LS
com a gramatica francesa.
Durante a ascensdo do gestualismo, na segunda metade do
século XVIII e primeiras décadas do XIX, percebe-se, mesmo
entre os seus defensores, uma certa controvérsia: ao mesmo
tempo em que exaltavam a LS, a depreciavam. Segundo Oliver
Sacks (1998, p.33), L’Epée considerava a LS, “por um lado,
uma lingua ‘universal’?; por outro lado, destituida de gramatica
(portanto, necessitando da importacéo da graméatica francesa,
por exemplo)”.
Desloges, surdo francés, considerava que a LS seria a lingua
mais prépria & expresso das sensagdes sendo semelhante as
outras, entretanto também a via como “incompleta”, a ponto de
afirmar que embora L’Epée néo tivesse sido o seu inventor, ele
teria reparado 0 que encontrou incompleto nela, ampliando-a e
dotando-a de regras.“*
“ “Como @ fato bastante conhecido, os filésofos dos séculos XVII © XVIII
acreditavam que a primeira linguagem dos homens teria sido a de agéo - os
surdos a terlam conservado e aprimorado. A linguagem de aco, segundo os
iluministas, seria uma forma de registro mais acurada da realidade, pois, como
um espelho, refletiria 0 modo simultaneo como os sentidos percebiam 0 mundo
exterior - Seria deles, portanto, uma forma de representac8o desdobrada. A
lingua oral teria surgido como uma expansdo lateral da linguagem de acéo por
conveniéncias impostas pelas necessdrias adaptagdes ao ambiente - poder ser
perceptivel no escuro das cavernas, por exemplo (Cf. Foucault, 1992: 121-125).
Assim concebida, a linguagem de sinais teria um carater universal, uma vez que
todos os homens seriam dotados das mesmas condigées de funcionamento dos
sentidos © porque os objetos percebidos teriam sempre as mesmas
caracteristicas, independente do pais. Quer dizer: se na linguagem de aco havia
(Supostamente) uma relagdo isomérfica entre o referente © as sensacées, ¢,
portanto, entre a coisa eo sinal correspondente, a langue des signes sé poderia
ser entendida como sendo, necesséria e logicamente, comum a todos os povos”
(SOUZA, 2003, p.334)
“?(...) certa vez I'Epée concebeu o nobre projeto de devotar-se educacéo do
surdo; ele sabiamente observou que eles possuiam uma linguagem natural para
se comunicarem entre si. Como essa linguagem nao era outra sengo a de sinais,
ele supés que, se ele se empenhasse em compreendé-la, o triunfo de seu
empreendimento seria assegurado. Esse discernimento fol ‘recompensado com70
Com as decisées do Congresso de Miléo, em 1880, o
gestualismo foi posto como o grande vilaéo e empecilho do
sucesso do processo educacional, passando a_ ser
gradativamente banido da educacéo dos surdos. Iniciava-se
uma nova era da educaco de surdos: a era do oralismo puro
Assim, durante quase um século (1880-1960), 0
discurso dominante sobre a surdez centrou-se no
abafar, no inferiorizar, no descaracterizar as
diferencas, elevando e enfatizando aquilo que
estava ausente no surdo frente ao modelo ouvinte
(a audigao, a fala, a linguagem), determinando o
desenvolvimento de abordagens Clinicas e praticas
pedagégicas que buscavam o apagamento da
surdez, por meio da tentativa de restituigdo da
audigéo pelo uso de aparelhos de amplificacéo
sonora, e de levar os surdos ao desenvolvimento da
linguagem oral a partir de técnicas mecdnicas e
descontextualizadas de treino articulatério (LODI,
2005, p.416).
Praticamente um século de preponderancia do oralismo fez
aflorar uma realidade n&o muito satisfatéria. Segundo Lacerda
(1996, p.15):
Os resultados de muitas décadas de trabalho nessa
linha, no entanto, nado mostraram grandes
sucessos. A maior parte dos surdos profundos nao
desenvolveu uma fala socialmente satisfatéria e,
em geral, esse desenvolvimento era parcial e tardio
em relacéo a aquisigéo de fala apresentada pelos
ouvintes, implicando um atraso de desenvolvimento
global significativo. Somadas a isso estavam as
dificuldades ligadas & aprendizagem da leitura e da
escrita: sempre tardia, cheia de problemas,
mostrava sujeitos, muitas vezes, apenas
parcialmente alfabetizados apés anos de
escolarizagdo.
sucesso. Entéo o abade de I'Epée nao foi o inventor ou o criador dessa
linguagem; pelo contrario, ele a aprendeu com o surdo; ele somente reparou o
que encontrou incompleto nela; ele a ampliou e Ihe deu regras metédicas”
(DESLOGES, 1984, p.34 apud NASCIMENTO, 2006, p. 258)1
2.4.3 Um félego em meio ao oralismo: uma filosofia hibrida de
transicéo
A insatisfagéo com os insucessos do oralismo possibilitou o
surgimento, na década de 70, de uma proposta diferenciada
que, de certa maneira, possibilitava a revitalizagéo da LS no
processo de ensino-aprendizagem dos surdos. Segundo Brito
(1993, p.31), essa perspectiva, tal como foi concebida,
propunha 0 “reconhecimento das linguas de sinais como direito
fundamental da crianga surda”. Nessa nova proposta
educacional, “a premissa basica era a utilizagéo de toda e
qualquer forma de comunicag&o com a criancga Surda, sendo que
nenhum método ou sistema particular deveria ser omitido ou
enfatizado” (MOURA, 2000, p.57).
A Comunicagdo Total*?, como foi batizada, utiliza todos os
recursos e técnicas orais e manuais que possibilitam a interacdo
comunicativa tanto entre ouvintes e surdos quanto entre surdos
e surdos: gestos, mimica, fragmentos da LS, pantomima, leitura
labial, dramatizacéo, expressées faciais, datilologia, formas
sinalizadas da LO, pidgin, estimulacdo auditiva, préteses,
leitura, escrita, etc.
® Nidia de S ressalta que atualmente 0 termo "Comunicacéo Total” tem sido
utilizado a partir de diferentes entendimentos: "a) pode referir-se a um
posicionamento “filoséfico-emocional’ de aceitacao do surdo e de exaltacdo da
comunicacio efetiva pela utilizacdo de quaisquer recursos disponiveis; 5) pode
referir-se @ abordagem educacional bimodal que objetiva o aprendizedo da lingua
da comunidade majoritéria através da utilizagdo de todos os recursos possiveis
além da fala, quais sejam: leitura dos movimentos dos labios, escrita, pistas
auditivas, e, ‘até mesmo de elementos da lingua de sinais; c) pode referir-se a
um tipo de bimodalismo exato, que faz uso simulténeo ou combinado de sinais
extraidos da lingua de sinais, ou de outros sinais gramaticais no presentes nela,
mas que s8o enxertados para traduzir a linearidade da lingua na modalidade oral
€ para auxiliar visualmente o aprendizado da lingua-alvo, que é a oral” (SA,
1999, p.99-102 apud SA, 2002, p.64).2
A Comunicacgdo Total** seria um hibrido do oralismo com o
gestualismo e, diferentemente do oralismo, defenderia que
somente o aprendizado da LO nao asseguraria o pleno
desenvolvimento do surdo (GOLDFELD, 1997, p.36). De acordo
com Fernando Capovilla (2001, p.1483), a Comunicagao Total:
Advoga o uso de todos os meios que possam
facilitar a comunicacao, desde a fala sinalizada,
passando por uma série de sistemas artificiais, até
chegar aos sinais naturais da Lingua de Sinais. [...]
A Comunicacg&o Total advoga o uso de um ou mais
desses sistemas, juntamente com a lingua falada,
com 0 objetivo baésico de abrir canais de
comunicagao adicionais. E mais uma filosofia que se
opde ao Oralismo estrito do que propriamente um
método
A Comunicago Total demonstrou uma eficdcia maior em relacdo
ao oralismo, pois ela possibilitou a presenca da LS na escola
como um auxilio na aquisigéo da lingua falada e escrita.
Segundo Moura (2000, p.59), “a Comunicacdo Total expandiu-se
nos Estados Unidos e em outros paises, tendo sido a forma pela
qual os Sinais puderam ser aceitos”. Contudo, 0 uso simultaneo
de diversos meios e cédigos comunicativos acabou por fazer da
pratica bimodal*® o centro de tal filosofia. Segundo Souza (1998
p.7):
Sinalizar 0 Portugués era como conseguir um meio-
termo que aparentemente satisfazia aos dois
grupos envolvidos. Se de um lado os surdos
poderiam readquirir o direito de usar a LIBRAS fora
da classe, de outro, na escola, os professores
“ Vale ressaltar que, embora a Comunicag&o Total surja, nos fins do século Xx,
como uma filosofia educacional, o abade L'Epée j8 havia realizado propostas
semelhantes no Instituto de Surdos de Paris, no século XVIII, ao criar os Sinais
Metédicos
“0 bimodalismo seria 0 uso simult&neo de cédigos manuais com a LO. Ele se
manifesta através da utilizac8o da LO junto a alguns cédigos manuais, tais como
© portugués sinalizado (uso do léxico da LS na estrutura da LO e alguns sinais
inventados, para representar estruturas gramaticais do portugués que nao
existem na Libras), 0 “cued-speech” (sinais manuais que representam os sons da
LP), © pidgin (simplificagao da gramatica de duas linguas em contato) e, até
mesmo, a datilologia (representagao manual das letras do alfabeto)B
teriam sua tarefa de ensino facilitada com o uso de
sinais. Essa aparente solucdo era subsidiada pelas
“novas” idéias na Educacgéo do Surdo, mais ou
menos cristalizadas ou que giravam na érbita do
que se compés com o rétulo de Comunicago Total.
Para Brito (1993, p.31), a Comunicacao Total, tal como foi
sendo aplicada, deixou de representar uma perspectiva oposta
ao Oralismo, para se tornar apenas uma técnica manual dele.
De acordo com Goldfeld (1997, p.97):
A Comunicagao Total apresenta aspectos positivos e
negativos. Por um lado, ela ampliou a viséo de
surdo e surdez, deslocando a problematica do surdo
da necessidade de oralizacao, e ajudou o processo
em prol da utilizagéo de cédigos espaco-visuais
Por outro lado, no valorizando suficientemente a
lingua de sinais e a cultura surda, propiciou o
surgimento de diversos codigos diferentes da lingua
de sinais, que n&o podem ser utilizados em
substituigdo a uma lingua, como a lingua de sinais,
no processo de aquisicfo da linguagem e
desenvolvimento cognitivo da crianga surda.
Embora a Comunicagéo Total tivesse de fato melhorado a
interagéo entre os professores ouvintes e os alunos surdos, o
conhecimento dos contetidos escolares e as habilidades de
leitura e escrita ainda continuavam aquém do esperado (LIMA,
2004, p.34).%° Segundo Moura (2000, p.63),
“ Fernando Capovilla (2001, p.1486), relata que “procurando descobrir por que
as aulas em que se oralizava e sinalizava ao mesmo tempo nfo produziam a
melhora esperada na aquisigéo da leitura e escrita alfabéticas, os pesquisadores
decidiram registrar as aulas do ponto de vista de um aluno Surdo e, entao
discutir com as professoras o que poderia estar acontecendo. Para tanto, eles
filmaram as aulas em Comunicacgo Total ministradas pelas professoras, em que
elas sinalizavam e oralizavam ao mesmo tempo. Entdo, colocando as professoras
‘na pele’ de seus alunos Surdos, eles exibiram as fitas 8s professoras, mas sem o
som da fala que acompanhava a sua sinalizag3o, as professoras exibiam uma
grande dificuldade em entender o que elas mesmas haviam sinalizado! As
préprias professoras perceberam ent8o que, quando sinalizavam e falavam ao
mesmo tempo, elas costumavam omitir sinais e pistas gramaticais que eram
essenciais 8 compreensdo das comunicagées, embora até ent&o costumassem crer
que estavam a sinalizar cada palavra concreta e de funcéo gramatical em cada
sentenca falada. A concluséo desconcertantemente ébvia foi a de que, durante
todo o tempo, as criancas no estavam obtendo uma versdo visual da lingua
falada na sala de aula, mas, sim, uma amostra lingUistica incompleta e
inconsistente, em que nem o$ sinais nem as palavras feladas podiam ser74
Na verdade, 0 desenvolvimento das criangas Surdas
melhorou muito com o Bimodalismo: elas podiam se
comunicar de uma forma muito mais fluida, a
comunicagéo oral nao ficou prejudicada como
muitos dos opositores das linguas sinalizadas
esperavam que acontecesse, o desempenho
académico melhorou, mas nem todos os problemas
foram solucionados.
Com o insucesso da Comunicagdo Total e o aumento
significative das pesquisas em relacéo a LS, surgiram novas
perspectivas para a educac&o de surdos, as quais passaram a
defender a idéia de que a educacdo deveria utilizar “a propria
Lingua de Sinais natural da Comunidade Surda, e ndo mais a
lingua falada sinalizada” (CAPOVILLA, 2001, p.1486).
2.4.4 Um novo avango: a filosofia bilingue
A educacao bilingde para o surdo despontou no
cendrio educacional como uma abordagem que visa
nao somente modificar a escolarizacao para surdos
que era norteada pelo visivel fracasso escolar, mas
também para ir de encontro as_ praticas
pedagégicas assumidas em abordagens
educacionais anteriores que permearam (e de certa
forma ainda permeiam) a educacéo de surdos
(oralismo e comunicagao total) (LIMA, 2004, p.37).
O bilingdismo apresentou-se, a partir dos anos 90, nao sé como
uma reac&o as filosofias educacionais anteriores, mas como a
expresséo de uma nova visdo sobre a surdez, os surdos e a LS
A proposta bilingie valoriza a LS como meio de
desenvolvimento do surdo nas diversas areas do conhecimento.
Segundo essa proposta, 0 surdo tem o direito de ter acesso a
educacao através de sua lingua natural, a LS, com a finalidade
de desenvolver a linguagem, o pensamento, a cognicdo, a
compreendidos plenamente por si sés. Em conseqUéncia daquela abordagem, para
sobreviver comunicativamente, as criancas estavam se tornando nao bilingues
como se esperava, mas sim hemilinglles, por assim dizer, sem ter acesso pleno a
qualquer uma das linguas, e sem conhecer os limites entre uma e outra”’15
consciéncia e sua identidade como qualquer outro individuo.
Nas palavras de Skliar (1997a, p.143-4):
[...] © modelo bilingie propde, entéo, dar as
criancas surdas as mesmas__possibilidades
psicolingdisticas que tem a ouvinte. Sera sé desta
maneira que a crianga surda poder atualizar suas
capacidades lingUistico-comunicativas, desenvolver
sua identidade cultural e aprender.
A substituigfo de um modelo de Comunicacg&o Total por um
Bilingue amparou-se n&o sé no insucesso dos modelos
anteriores, mas principalmente na nova maneira de olhar os
surdos, a surdez e as LS, Segundo Brito (1995, p, 15-6), os
estudos lingiisticos sobre as LS mostraram:
as especificidades préprias de uma Lingua de
Sinais, 0 que impossibilita 0 seu uso
concomitantemente ao de uma lingua oral, apesar
de se processarem através de modalidades distintas
e exclusivas [...] Esses estudos salientam, pois, a
inviabilidade da comunicagéo bimodal, muito usada
atualmente por aqueles que se dizem defensores da
Comunicaco Total
— importante ressaltar uma diferenca basica entre a
Comunicagdo Total e o Bilingdismo. Na Comunicagéo Total, o
uso simultaneo da fala e dos sinais “torna impraticdvel o uso
adequado da lingua de sinais” que, “por ser mais desprestigiada
€ menos conhecida em sua estrutura, acaba por ter que se
moldar a estrutura da lingua oral”; j4 no bilingdismo, pretende-
se que a LO e a LS “sejam ensinadas e usadas diglossicamente,
porém, sem que uma deforme a outra” (BRITO, 1993, p.46, 48)
Para Goldfeld (1997, p.160), 0 bilingdismo seria a melhor
filosofia educacional para a crianga surda,
pois a expde a uma lingua de facil acesso, a lingua
de sinais, que pode evitar o atraso de linguagem e
possibilitar um pleno desenvolvimento cognitivo,
além de expor a crianca a lingua oral, que é16
essencial para 0 seu convivio com a comunidade
ouvinte e com sua prépria familia [...] possibilitando
a internalizacéo da linguagem e o desenvolvimento
das fungdes mentais superiores
Em suas consideragées e criticas, Fernandes (2003, p. 55)
afirma que “os Ultimos 100 anos de educag3o de surdos, no
Brasil, foram mais do que suficientes para aprendermos como
nao educar surdos e, também, como nao formar educadores de
surdos”. Diante dessa conturbada realidade, atualmente, as
pesquisas e as discussdes com relacdo & surdez, aos surdos, &
sua lingua, educagdo e cultura tém crescido consideravelmente.
No Brasil, por exemplo, 0 desenvolvimento dos Estudos Surdos
tem-se tornado um marco na melhor compreenséo e
modificag3o das propostas educacionais para surdos. Pode-se,
inclusive, afirmar que atualmente assistimos a construcdo de
um novo paradigma da educacéo de surdos, o qual reconhece
néo sé a sua diferenca, mas, principalmente seus direitos
humanos expressos na aceitacéo de sua lingua, cultura e
identidades.
Essas mudancas relacionam-se ao surgimento de diversas
pesquisas, na segunda metade do século XX, abordando os
surdos e a surdez. Portanto, é importante que se apresente um
esboco geral dessas pesquisas e de suas constatacdes e
apontamentos. O novo olhar académico e cientifico em relacdo
ao campo da surdez possibilitou as construgdes de novos
fundamentos educacionais e proporcionaram outros olhares
sobre os conceitos de lingua, cultura e aprendizado.