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Fimose e circuncisão: um tema em crescente controvérsia
Chapter · April 2000
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Nuno Monteiro Pereira
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Fimose e circuncisão: um tema em crescente controvérsia
Nuno Monteiro Pereira
Aderências prepuciais e fimose
O prepúcio é uma estrutura que, na altura do nascimento está quase sempre aderente à glande.
Gairdner [1] avaliou, num estudo de grande dimensão, que o prepúcio é retráctil em apenas 4%
dos rapazes recém-nascidos, em 20% aos 6 meses, em 50% aos 3 anos e em 99% aos 17 anos.
O progressivo decréscimo da incidência das aderências prepuciais (figura 1) foi também estuda-
do por Oster [2], confirmando que pelos 17 anos a separação entre o prepúcio e a glande é qua-
se sempre completa. O descolamento ocorre
à medida que se dá a queratinização das 70
mucosas prepucial e balânica. A produção
60
de esmegma por essas mucosas tem um
papel importante nesse descolamento, pois
50
ajuda a dissecção balano-prepucial e evita a
re-aderência.
Percentagem
40
Nos rapazes com prepúcio não retráctil, a
30
tracção gentil do prepúcio permite quase
sempre a exposição da glande, pelo menos 20
parcialmente. Nesses caso não podemos
falar verdadeiramente em fimose. 10
A fimose pode ser definida como o encerra-
0
mento congénito ou adquirido do prepúcio, 6-7 8-9 10-11 12-13 14-15 16-17
com ou sem aderências balânicas, que im- Idade em anos
pede a exposição da glande peniana.
Figura 1 – Incidência das adesões prepuciais, segundo
Na verdade, a fimose é uma situação geral- Oster et cols.
mente sobrediagnosticada por um mau en-
tendimento da sua definição. Não deve confundir-se a situação normal de um prepúcio que tapa
a glande mas que permite a sua retracção, com a situação de verdadeira fimose, em que o pre-
púcio tem uma forma cónica e que dificilmente retrai devido à presença de uma banda circular
fibrótica que dificulta essa mesma retracção.
Complicações da fimose
Havendo verdadeira fimose, existe acumulação de esmegma e de outras secreções por baixo do
prepúcio, o que pode provocar irritação local e infecção.
Segundo Rickwood [3,4], cerca de 4% dos rapazes com menos de 17 anos desenvolvem bala-
nopostite aguda, embora só 1% tenham fimose verdadeira. A distribuição é, contudo, bastante
diferente consoante a idade, já que existe um verdadeiro aumento da incidência nos primeiros
anos de vida, ou seja, quando o prepúcio ainda é pouco retráctil. Depois a inflamação parece
autolimitar-se, diminuindo de incidência à medida que a retracção prepucial se torna mais fácil.
Contudo, nos casos de balanite associada a fimose, o mesmo autor encontrou quase 40% de
casos de crises recorrentes. São essencialmente essas situações de balanite crónica que pas-
sam surgir, à medida que as balanites agudas diminuem (figura 2). São as balanites xeróticas
obliterans, processos em que o orifício prepucial se estreita progressivamente, com rebordo en-
durecido e esbranquiçado.
25
A fimose, em certas condições,
pode causar obstrução urinária, 20
com balonamento durante a
micção. Em situações extremas,
Percentagem
15
a fimose pode provocar aumen-
to da pressão a montante, com 10
dilatação da uretra e da bexiga,
hidroureteronefrose e insuficiên- 5
cia renal.
O carcinoma do pénis foi tam- 0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
bém durante muito tempo citado
Idade em anos
como sendo mais frequente nos
homens com fimose. Contudo,
Figura 2 – Distribuição etária de rapazes com balanopostite (n=318, a
estudos recentes (Reddy et al, negro) e com balanite xerótica obliterans (n=111, a vermelho), segun-
1995) que demonstram que um do Rickwood
prepúcio não circuncisado e não
fimótico associado a higiene regular não aumenta o risco de carcinoma. A causa do carcinoma
será, então, a falta de higiene e não a própria fimose.
A função do prepúcio
O pénis possui ao longo de toda a sua extensão uma bainha de tecido muscular liso, chamado
músculo peripeniano [5,6,7], com fibras dispostas longitudinalmente e circularmente. No prepú-
cio, as fibras musculares estão essencialmente dispostas circularmente, funcionando como um
autentico esfíncter [5]. Isso permite que a pele prepucial se mantenha encostada à glande penia-
na, envolvendo-a e escondendo-a total ou parcialmente.
A face exterior do prepúcio é formada por pele, enquanto que a superfície interior é uma mem-
brana mucosa, embora com aparência de pele. Em condições normais a mucosa do prepúcio
tem glândulas sebáceas que lubrificam a glande peniana, protegendo-a da fricção, secura e
traumatismo.
O prepúcio está naturalmente equipado com várias defesas contra a infecção, especialmente o
prepúcio infantil. Este geralmente é alongado distalmente, com o esfíncter formado pelas fibras
musculares peripenianas contraído, o que mantém o prepúcio fechado, impedindo a entrada de
matérias estranhas, mas abrindo para permitir a saída de urina. Este mecanismo é especialmen-
te importante durante os anos em que a criança está incontinente e usa fraldas.
No adolescente e no homem adulto o prepúcio está menos fechado, não havendo geralmente
dificuldade em o repuxar para trás. Mas mantém sempre uma humidade subprepucial que con-
tém lisosima, uma secreção que tem importantes capacidades antimicrobianas [7]. O prepúcio
contém ainda células de Langerhans que podem oferecer resistência à infecção por HIV. As fun-
ções imunitárias do prepúcio também têm sido consideradas não desprezíveis para resistir às
infecções venéreas.
O aporte sanguíneo ao prepúcio é feito através da artéria frenular. É também profusamente iner-
vado, especialmente na sua porção mais distal, exactamente no rebordo mucosocutâneo. A
chamada banda de Taylor está aí localizada, na camada interior do prepúcio. É a zona prepucial
mais inervada, parecendo ter um importante, mas ainda mal esclarecido, papel na resposta se-
xual humana. É considerada como a zona mais sensitiva do pénis [8,9,10,11].
Na sua porção posterior o prepúcio está ligado à glande, pelo freio do pénis. O freio geralmente
limita o movimento de retracção do prepúcio, mantendo-o encostado à glande e facilitando o seu
retorno para a frente. Alguns homens referem que o freio é uma área de intensa sensibilidade
peniana, sendo considerado por muitos como o principal ponto sensitivo de erogeneidade mas-
culina. Na realidade, a antes referida banda de Taylor continua-se para o freio do pénis.
A circuncisão
A circuncisão é provavelmente a mais antiga operação do mundo e a que, seguramente, mais
vezes já foi executada. É uma operação que frequentemente é realizada por motivos familiares,
culturais e religiosos, na ausência de qualquer problema peniano ou prepucial.
De facto, calcula-se que em todo o mundo, 1 em cada 7 homens é circuncisado. No universo
islâmico e judaico a circuncisão é ritualmente executada em todos os recém-nascidos masculi-
nos, sendo também utilizada em várias outras culturas.
No mundo ocidental, a taxa de homens circuncisados varia muito de país para país. Na Europa a
taxa varia entre 4 e 10%. Contudo, na Austrália e Canadá atinge 40% e, nos Estados Unidos da
América, 70% dos homens.
Essa elevada taxa de circuncisados deve-se a ter sido, nesses países, fortemente advogada a
circuncisão para todos os recém-nascidos masculinos, a exemplo do que algumas religiões tra-
dicionais impõem.
Hoje em dia defende-se uma posição muito mais conservadora, mesmo nos Estados Unidos,
estando a circuncisão sem razões médicas ou religiosas, a ser fortemente desencorajada. De
facto, uma melhor higiene peniana oferece todas as vantagens da circuncisão de rotina, sem os
inconvenientes funcionais e sexuais inerentes ao procedimento cirúrgico. Na verdade, a maior
parte dos rapazes aos quais não é removida a pele prepucial, não irá ter qualquer problema futu-
ro.
As razões médicas em que a circuncisão pode ser indicada reduzem-se aquelas situações em
que existe fimose verdadeira e balanite recorrente. Podendo a pele prepucial ser a sede de in-
fecções urinárias, a circuncisão também pode ter indicação nos rapazes e homens que tenham
refluxo vesico-ureteral e anomalias renais significativas. No adulto e no velho, ainda existe outra
indicação, que é a balanite xerótica obliterante.
As razões religiosas e culturais podem, naturalmente, ser também uma indicação para a circun-
cisão. Geralmente ela é solicitada pelos pais ou outros familiares. Embora a circuncisão seja,
nesses casos, quase sempre realizada logo depois do nascimento, pode ser adiada ou não reali-
zada por várias razões, nomeadamente por haver qualquer anomalia do pénis, como hipospadia
ou corda, em que o prepúcio se deve manter para posterior utilização em cirurgia reconstrutiva.
As complicações major da circuncisão incluem 1% de hemorragias significativas e menos de 1%
de outras complicações, que incluem complicações anestésicas, lesão peniana por electrocaute-
rização e amputação parcial peniana. As complicações menores podem atingir 5 a 10% dos ope-
rados, compreendendo hemorragia ligeira, infecção local, úlcera do meato, remoção excessiva
ou inadequada de pele, deiscência de sutura.
O pós-operatório é geralmente fácil. Pode utilizar-se um creme ou pomada antibiótica, ou sim-
plesmente vaselina aplicada na glande, após limpeza diária. O doente é geralmente visto pelo
cirurgião no dia seguinte e cerca de 2-4 semanas depois.
A circuncisão pode deixar sequelas psicológicas?
Nos meios médicos a circuncisão neonatal é considerada, há muitos anos, como psicológica e
emocionalmente inócua. Os recém-nascidos, tendo o sistema nervoso incompletamente desen-
volvido, não sentem dor ou, se o sentem, não vão futuramente lembrar-se disso. É também cor-
rente a opinião de que o prepúcio é um “bocado de pele inútil”, não tendo qualquer função parti-
cular, pelo que o doente não pode vir a lamentar a sua perda.
Essas ideias tradicionais são hoje contrariadas pelos modernos conhecimentos da fisiologia e de
anatomia funcional.
Por exemplo, Talbert et al demonstraram em 1976 [12] uma subida do cortisol plasmático nos
recém-nascidos submetidos a circuncisão sem anestesia geral. O cortisol é uma hormona que
aumenta no sangue durante a dor ou stress e que tem sido aceite como um marcador do estado
de dor.
Mas o estudo mais importante sobre o assunto foi publicado em 1987 por Anand e Hickey [13],
concluindo os autores que no final da gravidez as vias da dor e os centros corticais e subcorticais
necessários para a percepção da dor estão já bem desenvolvido no feto humano. Também os
sistemas neuroquímicos que se sabe estarem ligados à transmissão da dor estão intactos e fun-
cionais. Do mesmo modo, há a sugestão de que a integração das respostas emocionais e com-
portamentais à dor ficam retidas na memória tempo suficiente para modificar futuros padrões de
comportamento.
A comprovarem esses dados, Taddio et al relataram recentemente [14] que bebés com 6 meses
de idade circuncisados com uma anestesia inadequada exibem alterações do comportamento.
Do mesmo modo, a circuncisão quando praticada na criança e no adolescente, pode ser emoci-
onalmente traumática e pode ser fonte de lesão psicológica a longo termo, envolvendo altera-
ções de imagem corporal e sensação de perda de uma parte do corpo. Sendo imprevisível a
resposta à dor, trauma e perda, alguns poderão ficar mais afectados do que outros.
Na verdade, existe evidência suficiente, hoje-em-dia, para poder afirmar que a circuncisão pode
ser psicologicamente agressiva, mesmo quando praticada em rapazes muito pequenos.
Medidas conservadoras
As medidas conservadoras para tratamento da fimose estão cada vez mais a ter maior aceitação
por parte dos urologistas e dos cirurgiões-pediatras, principalmente devido às criticas crescentes
que vêm sendo feitas à circuncisão e aos argumentos funcionais e psicológicos que têm vindo a
ser evocados.
Nos rapazes e nos adultos jovens, a utilização de cremes esteróides como alternativa à cirurgia
tem sido defendida por diversos autores. Wright refere uma taxa de sucesso de 80% (89 em 111
rapazes) usando valerato de betametasona (BetnovateÒ) a 0.05%, aplicada 3 vezes por dia du-
rante 6 a 8 semanas. Outros autores também referem bons resultados com a utilização de hidro-
cortisona e propionato de clobetasol. Alguma taxa de insucesso verificada na aplicação tópica de
cremes ocorre porque os doentes ou seus pais não perceberam que o creme deve ser aplicado
só depois do prepúcio ser “desenrolado” e expor a zona afilada e apertada.
Note-se que a utilização de cremes esteróides nos homens idosos, nomeadamente em situações
de balanite xerótica obliterante, não oferece resultados animadores. Nessas circunstâncias, a
circuncisão pode ser a única solução.
Para além da utilização de cremes, existem outras medidas conservadoras, como as retracções
prepuciais forçadas, com ou sem anestesia geral, e as dilatações prepuciais com balões.
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