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Arraes JonasMonteiro D PDF

Este trabalho apresenta a presença de Antônio Carlos Gomes na cidade de Belém do Pará durante o período da Belle Époque entre 1882 e 1896. O documento descreve a economia e cultura de Belém no contexto da Belle Époque, com ênfase na influência européia e no movimento musical local. Também relata a presença de Gomes em Belém em 1882-1883 e a recepção de suas óperas. Por fim, discute o envolvimento de Gomes com o Pará republicano entre 1895-1896, incluindo seu sofrimento f

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Este trabalho apresenta a presença de Antônio Carlos Gomes na cidade de Belém do Pará durante o período da Belle Époque entre 1882 e 1896. O documento descreve a economia e cultura de Belém no contexto da Belle Époque, com ênfase na influência européia e no movimento musical local. Também relata a presença de Gomes em Belém em 1882-1883 e a recepção de suas óperas. Por fim, discute o envolvimento de Gomes com o Pará republicano entre 1895-1896, incluindo seu sofrimento f

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

JONAS MONTEIRO ARRAES

TÃO LONGE E TÃO DISTANTE:


A PRESENÇA DE ANTÔNIO CARLOS GOMES NA BELLE ÉPOQUE DE BELÉM
DO PARÁ

CAMPINAS
2021
JONAS MONTEIRO ARRAES

TÃO LONGE E TÃO DISTANTE:


A PRESENÇA DE ANTÔNIO CARLOS GOMES NA BELLE ÉPOQUE DE BELÉM
DO PARÁ

Tese apresentada ao Instituto de Artes da


Universidade Estadual de Campinas como
parte dos requisitos exigidos para a
obtenção do título de Doutor em Música,
na área de Música: Teoria, Criação e
Prática.

ORIENTADORA: LENITA WALDIGE MENDES NOGUEIRA

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO


FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO
JONAS MONTEIRO ARRAES E ORIENTADO
PELA PROFA. DRA. LENITA WALDIGE
MENDES NOGUEIRA.

CAMPINAS
2021
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Artes
Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Arraes, Jonas Monteiro, 1957-


Ar69t ArrTão longe e tão distante : a presença de Antônio Carlos Gomes na belle
époque de Belém do Pará / Jonas Monteiro Arraes. – Campinas, SP : [s.n.],
2021.

ArrOrientador: Lenita Waldige Mendes Nogueira.


ArrTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

Arr1. Gomes, Carlos, 1836-1896. 2. Música - Belém (PA). 3. Arte nouveau. 4.


Ópera. 5. Musicologia histórica. I. Nogueira, Lenita Waldige Mendes, 1956-. II.
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Tão longe e tão distante : Antonio Carlos Gomes presence in the
city of Belem Para throughout the belle epoque period
Palavras-chave em inglês:
Gomes, Carlos, 1836-1896
Music - Belém (PA)
Art nouveau
Opera
Historical musicology
Área de concentração: Música: Teoria, Criação e Prática
Titulação: Doutor em Música
Banca examinadora:
Lenita Waldige Mendes Nogueira [Orientador]
Marcos da Cunha Lopes Virmond
Paulo Mugayar Kühl
Lutero Rodrigues da Silva
Antonio Maurício Dias da Costa
Data de defesa: 24-02-2021
Programa de Pós-Graduação: Música

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)


- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-1778-8872
- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/6658463831692869

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO

JONAS MONTEIRO ARRAES

ORIENTADORA: LENITA WALDIGE MENDES NOGUEIRA

MEMBROS:

1. PROFA. DRA. LENITA WALDIGE MENDES NOGUEIRA


2. PROF. DR. ANTÔNIO MAURÍCIO DIAS DA COSTA
3. PROF. DR. LUTERO RODRIGUES DA SILVA
4. PROF. DR. MARCOS DA CUNHA LOPES VIRMOND
5. PROF. DR. PAULO MUGAYAR KÜHL

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade


Estadual de Campinas.

A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão


examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Tese e na Secretaria do
Programa da Unidade.

DATA DA DEFESA: 24.02.2021.


DEDICATÓRIA

À Vicente Salles (in memoriam).

À Rosa, Luciana e Raoni,


Pelo eterno amor de
três corações que pulsam por
mim.
AGRADECIMENTOS

À Universidade do Estado do Pará - UEPA, que através da Pró-Reitoria de Pesquisa


e Pós-Graduação – PROPESP, viabilizou este doutoramento, através das licenças
oficiais e bolsa de estudo.
À Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, pela qualidade do ensino em um
ambiente de saudável convivência acadêmica.

À Profa. Dra. Lenita Nogueira, pelo competente trabalho de orientação.

À Milena Moraes Ribeiro, pela rica colaboração nas pesquisas; Ao amigo Jorge Alves
de Lima, por ter me dado as chaves da cidade de Campinas; Ao Dr. Victorino Coutinho
Chermont de Miranda, por suas prestimosas colaborações; Ao amigo Alcides Acosta,
aqui representando os amigos da Academia Campinense de Letras, pela recepção
carinhosa em Campinas; Ao amigo Eduardo Florence, pelos preciosos materiais
doados à pesquisa. Aos meus colegas, alunos e servidores da UEPA; Aos professores
e servidores do Curso de Doutorado em Música da UNICAMP; Aos colegas do
Doutorado em Música da UNICAMP.

Aos meus filhos Luciana e Raoni, que longe ou perto, sempre me apoiaram
integralmente e à minha esposa e companheira Rosa, pelo amor imenso, dedicação,
apoio e troca de saberes em todos os dias dessa jornada.

Agradeço às seguintes instituições que permitiram a coleta de preciosas informações.

Arquivo Público do Estado do Pará; Biblioteca Arthur Vianna (Belém); Biblioteca do


Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas (SP); Biblioteca do Grêmio Literário
Português (Belém); Biblioteca do Instituto de Artes da UNICAMP; Biblioteca
Moronguetá – Memorial do Livro (Belém); Biblioteca do Museu da UFPA (Belém);
Biblioteca Nacional do Brasil (Rio de Janeiro); Biblioteca Nacional de Portugal
(Lisboa); Instituto Histórico e Geográfico do Pará; Memorial do Instituto Carlos Gomes
(Belém); Museu Carlos Gomes de Campinas (SP).
"O lugar do meu fim é no Brasil. Amen."
(Post scriptum de uma carta de Carlos Gomes à Gama
Malcher em 16.10.1894).
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo estudar e resgatar a história da presença de Carlos
Gomes na belle époque de Belém do Pará, nos anos de 1882 a 1896. Para tanto,
foram feitas pesquisas na bibliografia especializada na vida e obra do maestro e nas
fontes documentais e jornalísticas da segunda metade do século XIX. A organização
do material pesquisado e a produção da escrita, seguiu os parâmetros da musicologia
histórica e da história, tendo por base a micro-história e a história cultural, à luz de
autores como Kerman (1987), Ginsburg (1991) Braudel (1990) e Le Goff (2008). Esta
tese é composta de três capítulos. O primeiro apresenta a cidade de Belém no
contexto da belle époque, dando enfoque à sua economia, a influência da cultura
europeia e ao movimento musical. O segundo descreve a presença de Carlos Gomes
em Belém, nos anos de 1882 e1883 e a receptividade de suas óperas nas temporadas
líricas do Theatro da Paz. O terceiro capítulo discorre sobre o envolvimento de Gomes
com o Pará republicano, relatando os fatos acontecidos nos anos de 1895 e 1896,
assim como os acontecimentos referentes ao seu sofrimento físico, sua morte, as
exéquias e a partida de seu corpo para sua terra natal em Campinas, SP. A pesquisa
realizada para a produção deste trabalho propiciou a revelação de novos
acontecimentos e a descoberta de imagens e documentos pouco conhecidos, que
podem contribuir com a musicologia brasileira e com os estudos já feitos sobre a vida
e a obra de Antônio Carlos Gomes.

Palavras - chave: Antônio Carlos Gomes; Belém; Música na belle époque;


Temporada Lírica; Musicologia histórica; Ópera.
ABSTRACT

This research focuses on the study and redemption of the history on Carlos Gomes'
presence in Belem do Pará during the belle epoque period, from 1882 to 1896. With
that purpose, a bibliographic research was made, focused on the maestro's life and
work, using documental and journalistic sources from the second half of the 19th
Century. The research material organization, as well as the written production,
followed the historical musicology criterion, and historical, having micro-history and
cultural history as a base, in reference to authors such as Kerman (1987), Blomberg
(2011), Ginsburg (1991), Braudel (1990) e Le Goff (2008). This thesis is written in
three chapters. The first chapter presents the city of Belem in the context of the
belle epoque period, with emphasis to the economy, the cultural influence from
Europe and the musical movement. The second describes Carlos Gomes'
presence in Belem, in the years 1882 and 1883, the response to his operas and
the lyric opera seasons in the Theatro da Paz theater. The third chapter addresses
Gomes' involvement with the Republican Para, reporting the events that took place
in the years 1895 and 1896, as well as the events related to his physical suffering,
his death, funeral and the body's departure to his hometown of Campinas, SP. The
research that ignited this work allowed the discovery of documents that are scarcely
known, that will add a contribution to the Brazilian musicology efforts and to the
past research on the life and work of Antonio Carlos Gomes.

Keywords: Antonio Carlos Gomes; Belem; Belle epoque; Lyric season; Historical
musicology; Opera.
LISTA DE FIGURAS

figura 1 Palácio dos governadores, hoje Museu Histórico do Estado do Pará. Projeto
do arquiteto italiano Antonio Landi, executado na metade do século XVIII ........ 33
Figura 2 Palácio Antônio Lemos, sede da Prefeitura de Belém e do Museu de Arte
de Belém – MABE .............................................................................................. 34
Figura 3 Praça da República – fachada posterior do Teatro da Paz ......................... 35
Figura 4 Antônio José de Lemos. Intendente de Belém (1897-1911). ...................... 40
Figura 5 Propaganda da loja Bom-Marché em Belém............................................... 42
Figura 6 Propaganda da Loja Paris N’América. ........................................................ 42
Figura 7 Mapa do movimento de aulas, ano 1900. Cadeira ocupada por Mª Flora
Pinto Marques. ................................................................................................... 43
Figura 8 Grupo de senhoras paraenses fazendo pose para o estúdio F. A. Fidanza. ..... 45
Figura 9 Fotografia do Lyceu Benjamin Constant ..................................................... 48
Figura 10 Hospedaria de imigrantes na Ilha de Outeiro em Belém do Pará. ............ 51
Figura 11 Carregadores de piano portugueses em Belém ........................................ 53
Figura 12 Anúncio de serviços para fabricação, consertos e afinação de pianos,
órgãos etc .......................................................................................................... 55
Figura 13 George Wacker. Anúncio de venda, consertos e aluguel de pianos ......... 57
Figura 14 Anúncio de Pianos com gaveta. ................................................................ 58
Figura 15 Anúncio do piano de três pedais. .............................................................. 59
Figura 16 Anúncio do Órgão-Orchestrion. ................................................................. 60
Figura 17 Anúncio de compra, venda, aluguel e conserto de pianos. ....................... 61
Figura 18 Anúncio do Piano Automático. .................................................................. 62
Figura 19 Detalhe da residência do intendente Antônio Lemos, onde aparece um
piano. ................................................................................................................. 63
Figura 20 Detalhe da residência do intendente Antônio Lemos, onde aparece um
órgão tipo harmônio. .......................................................................................... 63
Figura 21 Detalhe de uma das salas da residência do intendente Antônio Lemos, onde
aparece, no canto superior direito, um retrato do maestro Carlos Gomes. ............... 64
Figura 22 Lista de pensionistas que foram estudar na Europa. ................................ 67
Figura 23 Foyer do Theatro da Paz: Exposição Parreiras. ........................................ 74
Figura 24 Foyer do Theatro da Paz: Exposição Carlos Azevedo. ............................. 76
Figura 25 Fachada da Livraria Universal de Tavares Cardoso &Cia......................... 78
Figura 26 Propaganda da Loja Mina Musical ............................................................ 79
Figura 27 Anúncio da Casa José Mendes Leite ........................................................ 79
Figura 28 Lombada, folha de rosto e página do Rituale. ........................................... 81
Figura 29 Capa da partitura “A Cidade do Pará” de Adolfo J. Kaulfuss. ................... 82
Figura 30 Primeira página da partitura “A Cidade do Pará” ...................................... 83
Figura 31 Segunda página da partitura “A Cidade do Pará” ..................................... 83
Figura 32 Capa da partitura “Nordelina” de Manuel Castelo Branco ......................... 85
Figura 33 Primeira página da partitura “Nordelina” ................................................... 85
Figura 34 Capa da partitura “Pau e corda” de Cincinato Ferreira de Souza. ............ 87
Figura 35 Recorte microfilmado do jornal “A Província do Pará”............................... 88
Figura 36 Capa da Marcha “15 de Novembro” de Meneleu Campos. ....................... 90
Figura 37 Lundu brasileiro. Colhido pelos cientistas Spix e Martius em sua Viagem
pelo Brasil nos anos de 1817 a 1820. ................................................................ 92
Figura 38 Cantos indígenas a remo no rio negro. ..................................................... 92
Figura 39 Capa da partitura “Cantos Populares Paraenses” de José D. Brandão. ... 95
Figura 40 Capa da obra “Miniatura” de Meneleu Campos. ....................................... 95
Figura 41 Primeira página da obra “Miniatura” de Meneleu Campos. ....................... 96
Figura 42 Bernardo de Souza Franco, presidente da Província do Grão-Pará. ........ 99
Figura 43 Detalhe do Contrato de João Nepomuceno de Mendonça...................... 100
Figura 44 Orquestração do Hino do Centenário de C. Gomes, por José D. Brandão.
Capa. ............................................................................................................ 117
Figura 45 Orquestração do Hino do Centenário de C. Gomes, por José D. Brandão.
Pag. 1 ............................................................................................................... 118
Figura 46 Propaganda de partituras de Carlos Gomes e outros compositores. ...... 119
Figura 47 Mapa do Plano Geral da Cidade do Pará. Autor: Theodósio Chermont. . 121
Figura 48 Capa do Drama, de José Eugênio de Aragão e Lima. ............................ 122
Figura 49 Palácio do Governadores do Pará com ruínas da Casa da Ópera ao lado,
a direita do palácio. .......................................................................................... 123
Figura 50 Joseph Righini. Teatro Providência, sito à esquerda, no Largo das Mercês.
......................................................................................................................... 125
Figura 51 Teatro Chalet. Fotografia de Felipe A. Fidanza, (c. 1870)....................... 126
Figura 52 Theatro da Paz. Desenho de L. Righini................................................... 129
Figura 53 O Theatro da Paz em outubro de 2020. .................................................. 130
Figura 54 Detalhe do foyer do Theatro da Paz, com os bustos dos maestros Carlos
Gomes e Henrique Gurjão. .............................................................................. 131
Figura 55 Bustos dos Maestro Carlos Gomes e Henrique Gurjão........................... 131
Figura 56 Foyer do Theatro da Paz atualmente. Os bustos dos maestros Gomes e
Gurjão aparecem à direita. ............................................................................... 132
Figura 57 Foyer do Theatro da Paz em 1905. Os bustos dos maestros Gomes e
Gurjão aparecem à direita. ............................................................................... 132
Figura 58 Visão do pano de boca e orchestra a frente. Litografia de C. Wiegandt, 1892. .138
Figura 59 Maestro Henrique Bernardi, retratado na Capa do Periódico "A Estação
Lírica". Litogravura de Antonio Vera Cruz. ....................................................... 139
Figura 60 Anúncio da récita de abertura da primeira temporada lírica do Theatro da
Paz. .................................................................................................................. 145
Figura 61 Adelelmo Nascimento, spalla da orquestra da primeira temporada lírica do
Theatro da Paz................................................................................................. 146
Figura 62 Capa do jornal "A Província do Pará"...................................................... 151
Figura 63 Notícia de carta de Carlos Gomes, chegada pelo vapor. ........................ 156
Figura 64 José Cândido da Gama Malcher. ............................................................ 157
Figura 65 Fotografia feita por Fidanza em 1882...................................................... 160
Figura 66 Capa do periódico "A Estação Lyrica", Pernambuco – 1882. Litogravura de
Antonio Vera Cruz. ........................................................................................... 167
Figura 67 Anúncio da temporada lírica de 1882. ..................................................... 169
Figura 68 Anúncio da récita de 01 de agosto de 1882. ........................................... 171
Figura 69 Anúncio da estreia da ópera Salvator Rosa. ........................................... 173
Figura 70 Parte do elenco de Salvator Rosa na temporada Lírica de 1882. Soprano
Libia Drog, Annina Orlandi, Crinde Goré, e Giovani Tansinni. ......................... 176
Figura 71 Rua Carlos Gomes, vista do cruzamento com Av. da República, (atual
Presidente Vargas) vendo-se à direita o Hotel da Paz. .................................... 180
Figura 72 Anúncio da vinda da companhia lírica italiana, contratada por Carlos
Gomes.............................................................................................................. 183
Figura 73 Anúncio da programação da temporada lírica de 1883, com justificativa de
acesso "às classes menos favorecidas"........................................................... 185
Figura 74 Governador do Pará Lauro Sodré. .......................................................... 197
Figura 75 Quadro com caricaturas de D. Widhopff, mostrando C. Gomes sob vários
aspectos. .......................................................................................................... 200
Figura 76 Caricatura onde Widhopff apresenta Carlos Gomes ao modo de um felino
carregando os filhotes. ..................................................................................... 205
Figura 77 Caricatura de Anna Politova e Carlos Gomes por D. Widhopff, desenhada
na noite de seu benefício, 7 de maio de 1895.................................................. 207
Figura 78 Anúncio do Festival a Carlos Gomes. ..................................................... 210
Figura 79 Litografia de Carlos Gomes, distribuída por ocasião do "Grandioso Festival"
em seu benefício, ocorrido no Theatro da Paz em 24 de maio de 1895. .............. 211
Figura 80 Anúncio do "Grande Concerto Coral e Instrumental". ............................. 213
Figura 81 Anúncio da instalação da Associação Paraense Propagadora das Bellas
Artes. ................................................................................................................ 217
Figura 82 Prédio onde foi instalado a Academia de Belas Artes, com os seus dois
departamentos, (Escola de Desenho e Conservatório de Música). Ali atualmente
está a Academia Paraense de Letras. ............................................................. 220
Figura 83 Carlos Gomes. Fotografia tirada em provável data posterior à Proclamação
da República. ................................................................................................... 227
Figura 84 Ofício da Real Sociedade Portuguesa Beneficente para o governador do
Pará.................................................................................................................. 231
Figura 85 Imagem do telegrama recebido pela Folha do Norte. ............................. 233
Figura 86 Emilio Ambrósio Marinho Falcão, o dentista que extraiu um dente de
Carlos Gomes, em Belém do Pará. .................................................................. 236
Figura 87 Casa onde Carlos Gomes viveu os últimos meses de sua vida, no estado
em que se encontrava em 1970. ...................................................................... 238
Figura 88 Placa comemorativa dos cem anos de nascimento do maestro Carlos
Gomes.............................................................................................................. 238
Figura 89 Máscara Mortuária de Carlos Gomes, feita por De Angelis e Capranesi,
sobre a almofada original preparada exclusivamente para suporte do objeto.
(Vista de frente) ................................................................................................ 245
Figura 90 Máscara Mortuária de Carlos Gomes, feita por De Angelis e Capranesi.
(Vista do lado esquerdo). ................................................................................. 246
Figura 91 Máscara mortuária de Carlos Gomes, feita por De Angelis e Capranesi.
(Vista do lado direito). ...................................................................................... 246
Figura 92 Fotografia de Carlos Gomes em seu leito de morte, após a preparação da
cama pelos artistas De Angelis e Capranesi. Fotografia de Antonio Oliveira... 248
Figura 93 Fotografia de Carlos Gomes em seu leito de morte, antes da preparação da
cama pelos artistas De Angelis e Capranesi. Fotografia de Antonio Oliveira. ....248
Figura 94 Detalhe da página três, da listagem de objetos, onde consta a rede branca
onde faleceu o maestro Carlos Gomes. ........................................................... 249
Figura 95 Imagem do ofício enviado por Pedro Chermont ao Governador, em 31 de
março de 1897. ................................................................................................ 250
Figura 96 Transcrição feita por Carlos Gomes, de um pregão cantado pelas
vendedoras de peixe de Ovar-Portugal, em 1896 ......................................... 251
Figura 97 Transcrição feita por Carlos Gomes, de um pregão cantado pelas
vendedoras de peixe de Ovar-Portugal, em 1896. ........................................... 252
Figura 98 Imagem do manuscrito original do registro de óbito de Carlos Gomes. .. 253
Figura 99 Salão do Conservatório de Música da Academia de Bellas Artes, preparado
para estar em câmara ardente, com o corpo do maestro Carlos Gomes. ............... 254
Figura 100 Litografia de C. Wiegandt estampada na capa da revista "Ordem e
Progresso"........................................................................................................ 255
Figura 101 Fotografia de Carlos Gomes feita por Felipe Fidanza. / Retrato, óleo
sobre tela, pintado por Rolando Vila. ............................................................... 256
Figura 102 Capa da edição do dia 18 de setembro de 1896, do jornal A Província do
Pará.................................................................................................................. 257
Figura 103 Cortejo que levou o corpo de Carlos Gomes do Conservatório de Música
para o Cemitério da Soledade.......................................................................... 260
Figura 104 Cortejo que levou o corpo de Carlos Gomes do Conservatório de Música
para o Cemitério da Soledade.......................................................................... 260
Figura 105 Cortejo que levou o corpo de Carlos Gomes do Conservatório de Música
para o Cemitério da Soledade.......................................................................... 261
Figura 106 Igreja da Sé, de onde saiu Carlos Gomes para o navio "Itaipú", após a
missa de corpo presente. ................................................................................. 262
Figura 107 Fotografia de Carlos Gomes com 60 anos de idade. ............................ 263
Figura 108 Última fotografia de Carlos Gomes. Autoria de José Girard.................. 264
Figura 109 Tela "Os Últimos Dias de Carlos Gomes", 1899. Angelis; Capranesi.
(dimensões: 224 X 484 Cm)............................................................................. 268
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 17
CAPÍTULO 1. ............................................................................................................ 25
A CIDADE DE BELÉM NO TEMPO DE CARLOS GOMES. .................................... 25
1.1 A cidade amazônica e seu desenvolvimento econômico. ...........................................25
1.2 A belle époque amazônica residente na folia do látex. ................................................35
1.3 O francesismo como mote de civilidade burguesa.......................................................46
1.4 Os italianos na música e em outros ofícios...................................................................49
1.5 Os alemães e o piano em Belém: fabricantes, afinadores e cons(c)ertadores..........52
1.6 O mecenato oficial através de bolsas de estudo. .........................................................64
1.7 As artes visuais no circuito artístico-cultural de Belém. ...............................................72
1.8 O mercado da música: editoras de música, lojas de instrumentos e partituras. ........77
1.9 A outra face da mesma cidade: os invisíveis presentes na urbe. ...............................90
1.10 A evolução musical em Belém no pós-cabanagem. ..................................................97
CAPÍTULO 2 ........................................................................................................... 104
A CIDADE DE BELÉM E O MAESTRO COMPOSITOR ........................................ 104
2.1 Uma breve introdução. .................................................................................................104
2.2 Os prenúncios de uma visita: ecos da década de 1870. ...........................................105
2.3 A tradição dos palcos em Belém do Pará: da Casa da Ópera ao Theatro Nossa
Senhora da Paz. ....................................................................................................................119
2.4 O Conservatório Dramático Paraense e a Associação Lyrica Paraense. ................133
2.5 As Temporadas Líricas em Belém: as cortinas do Theatro da Paz abrem-se à obra do
compositor Antônio Carlos Gomes. .....................................................................................135
2.6 O primeiro benefício paraense a Carlos Gomes. .......................................................148
2.7 Carlos Gomes em Belém: a temporada lírica de 1882. .............................................155
2.7.1 A cidade se movimenta: visitas, passeatas e marche aux flambeaux. .. 160
2.7.2 As récitas de Salvator Rosa: "mimos", homenagens e novo benefício. . 165

2.8 O empresário Carlos Gomes: a temporada lírica de 1883. .......................................181


2.8.1 A febre amarela ronda o Theatro da Paz. .............................................. 190
2.8.2 A exoneração do comendador Antônio Carlos Gomes. ......................... 192
CAPÍTULO 3 ........................................................................................................... 194
CARLOS GOMES E O PARÁ REPUBLICANO. .................................................... 194
3.1 O ano de 1895: o maestro em Belém, a temporada lírica e a ópera fosca no Theatro
da Paz. ...................................................................................................................................194
3.2 A Academia de Bellas Artes e o Conservatório de Música do Pará. ........................216
3.3 O ano de 1896: a morte, homenagens e a projeção da mítica imagem de Carlos
Gomes no memorial paraense. ............................................................................................224
3.3.1 A última viagem. .................................................................................... 225
3.3.2 O cotidiano da nova morada. ................................................................. 232
3.3.3 A morte, exéquias e o retorno a Campinas. ........................................... 241
Conclusão. ............................................................................................................. 268
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA............................................................................ 273
FONTES .................................................................................................................. 281
17

INTRODUÇÃO

Objetivou este trabalho conhecer a relação existente entre o compositor


Antônio Carlos Gomes (1836-1896) e a cidade de Belém do Pará, numa perspectiva
de conhecer novos fatos presentes das suas visitas à cidade, que permitam somar ao
que é conhecido sobre sua viagem ao Pará, em 1896, para assumir a direção do
Conservatório de Música do Pará e da sua morte, poucos meses depois de sua
chegada. Os funerais de Gomes em Belém, se notabilizaram na literatura
especializada sobre a vida do maestro, pela grandiosidade, visto que a cidade possuía
pouco mais de cem mil habitantes na época de seu falecimento. As poucas fotografias
das exéquias que sobreviveram às intempéries do tempo, ilustram os momentos do
sofrimento e morte do maestro.
A bibliografia que trata da vida e da obra de Carlos Gomes é numerosa,
principalmente a produzida fora do Pará, no entanto se mostra silente quanto às suas
viagens à Belém, seu círculo de amizades e contatos profissionais estabelecidos com
os representantes do poder. Gomes fez quatro viagens ao Pará - 1882,1883,1895 e
1896 - duas no período imperial e as outras quando o Brasil já era republicano. A
segunda viagem ficou marcada pelo fracasso como empresário e a última pela sua
morte em 16 de setembro de 1896. Cada uma delas será demonstrada neste trabalho,
a partir das fontes e a bibliografia estudadas.
Objetivou-se, também, compreender as relações de Gomes com o circuito
artístico-musical e intelectual de Belém e com o poder público, e de como estes
contatos contribuíram para sua decisão de conhecer o Pará, em 1882 e retornar em
1883 e 1895, quando foi convidado pelo Governador do estado a viver e trabalhar no
Pará, a partir de 1896, dirigindo e lecionando no Conservatório de Música.
O estudo das fontes e da bibliografia, permitiu ampliar o conhecimento sobre a
história da cidade de Belém e de sua conjuntura socioeconômica, bem como estudar
a inserção de Carlos Gomes no contexto sociocultural efervescente da capital do Pará,
onde aparece proeminente a cultura europeia e os mais diversos consumos de
produtos artísticos.
Como ponto de partida para levar ao leitor uma melhor compreensão da vida
social de Belém do Pará, no tempo de Carlos Gomes, buscou-se definir a expressão
francesa belle époque, escrita, neste trabalho, em francês, tal como se lê em
praticamente todos os livros e demais textos estudados.
18

O entendimento sobre a economia da borracha, também está presente no


decorrer do primeiro capítulo por se tratar de um ponto fundamental no
desenvolvimento da cidade de Belém e "mola propulsora" dos investimentos na
cultura e na arte, através de construção de equipamentos arquitetônicos,
investimentos no comercio da música (vendas de partituras, fabricação e venda de
pianos e demais instrumentos, importação de insumos para a construção de bens
artísticos etc.), aparelhamento das companhias e temporadas líricas, trânsito de
pessoas, imigração etc.
A cidade de Belém, por sua localização geográfica, é reconhecida como um
lugar urbanizado no portal de entrada da floresta amazônica. Favorecida pela
gradativa evolução em sua economia, cujo percurso remonta ao período colonial, a
cidade viveu, na segunda metade do século XIX, uma fase de grande efervescência
econômica.
Essa peculiar situação histórica deveu-se ao fato de concentrar-se em Belém,
entre 1860 e 1920, a base logística de operação de comércio do látex amazônico, um
componente básico da transformação industrial que se operou, na segunda metade
do século XIX, nos Estados Unidos e na Europa ocidental (Castro, 2010).
Na segunda metade do século XIX, o compositor Antônio Carlos Gomes
começa a aparecer na corte brasileira como um jovem de grande potencial musical,
com singular verve lírica, produzindo a partir de 1860, quando compôs duas cantatas,
um conjunto de obras que notabilizou o artista pela qualidade composicional, domínio
da forma e do estilo próprio e bem definido.
A década de 1870, foi para Carlos Gomes uma década de grande
produtividade. Ao final desse período, o compositor campineiro já tinha estreado
quatro de suas óperas "europeias" (Il Guarany – 1870; Fosca- 1873; Salvator Rosa,
1874; Maria Tudor, 1879). Ao mesmo tempo em Belém, a economia e a cultura
usufruíam de uma decisão política, tomada em 7 de dezembro de 1866, quando
através do Decreto 3.749, o parlamento brasileiro autorizou a abertura do rio
Amazonas à navegação a vapor, para todas as nações amigas do império (Gregório,
2009). A partir de então, pelos barcos a vapor, começou um intenso movimento de
artistas ligados ao teatro e a música, em direção à Belém, seja como integrantes de
companhias viageiras, ou individualmente.
19

Como consequência do desenvolvimento econômico provocado principalmente


pela exportação da borracha e da agenda de espetáculos musicais (temporadas
líricas, concertos, saraus etc.) o mercado de produtos musicais se instalou em Belém,
com lojas de vendas de partituras, instrumentos e acessórios, fábricas e revendedoras
de pianos, luterias etc.
Em paralelo ao que acontecia na França e embalada pelo dinheiro da
exportação da borracha, produto extraído das matas amazônicas as elites paraenses
projetaram sua belle époque. Os homens que operavam o poder almejavam que a
cidade se modernizasse e mostrasse símbolos de progresso, tal como o projeto que
Haussmann desenvolveu em Paris e Pereira Passos, prosseguiu, no início do século
XX, no Rio de Janeiro, quando foi prefeito nos anos de 1902 a 1906 (Needell, 2012).
Das quatro viagens que Gomes fez ao Pará, duas foram no período imperial e
duas quando o Brasil já era republicano. A segunda viagem ficou marcada pelo
fracasso como empresário e a última pela sua morte em 16 de setembro de 1896.
Cada uma delas será demonstrada neste trabalho, a partir da análise das fontes e
bibliografia.
Antes da primeira viagem, ainda na década de 1870, chegaram em Belém,
pequenos trechos de suas óperas, apresentadas como parte de saraus, recitais e até
em tocatas de bandas de música na procissão do Círio de Nazaré. Alguns artistas,
principalmente cantores líricos, viajando em direção à Europa ou América do Norte,
incluíam Belém no seu roteiro, apresentando-se nos teatros e salas de concertos
existentes na época. Nessas apresentações apareciam árias, coros e canções de
Carlos Gomes. Iniciava-se naquela década, a simpatia, cada vez mais crescente, do
público paraense pela obra e pela figura do compositor.
A Belém da belle époque, pulsava no vai-e-vem de pessoas em busca dos mais
diversos interesses. Ao mesmo tempo, o conceito de Amazônia, germinada nos
círculos intelectuais da região foi iniciada por uma publicação em Paris, em 1885, do
barão Frederico José de Santa Anna Nery, retomando a ideia de "País das
Amazonas". A ideia do Barão foi dada continuidade por uma vasta intelectualidade
"nativa", que utilizaria um conceito de Amazônia com forte acento histórico, geográfico
e cultural, onde se sobressaíram José Veríssimo, José Coelho da Gama Abreu,
Ignácio Moura, Henrique Santa Rosa, Alfredo Ladislau e Eidorfe Moreira (Figueiredo,
et al., 2017).
20

Ao longo de suas quatro viagens à Amazônia, como a região passaria ser


conhecida, Carlos Gomes fez contato com a cultura, a natureza e o mundo político,
convivendo com alguns dos homens de letras e de poder, citados acima. Ao chegar
em 1882, pela primeira vez a Belém, Carlos Gomes encontrou a cidade, ainda no
tempo do império, procurando se integrar à nação brasileira. Nesse tempo, Gomes
circulava pelas outras províncias com desenvoltura. Amigo do imperador, foi recebido
pelo presidente da Província do Pará, com as melhores pompas que a circunstância
exigia.
Doze anos depois, Gomes voltou para visitar o Pará republicano. Recebido, em
1895, pelo governador Lauro Sodré, no portentoso palácio do governo, voltou para a
Itália com o convite para ser diretor do Conservatório de Música, a partir do ano
seguinte. A recepção e o tratamento dado ao maestro no Pará, governado por
republicanos históricos, foi mais generosa que a que ele havia recebido, até então,
pelos republicanos da capital da República.
Nesta pesquisa não foi abordada, diretamente, a história da vida e da obra de
Antônio Carlos Gomes. Fatos ocorridos em sua vida e sua produção artística,
estiveram presentes no decorrer da investigação, não obstante, pretendeu-se abordar
a relação que ele teve com a cidade de Belém e com todos os personagens envolvidos
direta ou indiretamente com os fatos que promoveram a sua vinda definitiva para a
capital do Pará. Esta relação se iniciou por volta do ano de 1876, quando Gama
Malcher1, compositor paraense, foi estudar em Milão, tornando-se amigo de Carlos
Gomes e frequentador assíduo da Villa Brasília (SALLES, 2005, p.14).
Carlos Gomes, na medida em que avançava em sua carreira internacional,
incluiu Belém do Pará entre os espaços de difusão de sua obra. Gama Malcher,
compositor paraense, ao promover sua primeira viagem a Belém, em 1882, ativou as
expectativas que já existiam desde o ano de 1880, quando Gomes foi esperado para
a estreia do Il Guarany, no Theatro da Paz.
De acordo com o exposto acima, podemos inferir que as elites paraenses e o
maestro-compositor Carlos Gomes tinham interesses convergentes. Resultante dessa
percepção, surge um questionamento: Porque esses representantes do poder político

José Cândido da Gama Malcher (1853-1921), personagem importante na relação de Carlos


1

Gomes com Belém do Pará, foi o intermediador, a serviço da Associação Lírica Paraense, do primeiro
convite para Gomes vir a Belém, em 1882, tendo sido também o emissário do convite formulado em
1895, por Lauro Sodré, Governador do Pará, com apoio do Senador Antônio Lemos.
21

e econômico queriam Carlos Gomes e, no sentido contrário, o que motivou Carlos


Gomes a vir para uma cidade que parecia tão longe e tão distante dos lugares por
onde ele circulava?
Para dar conta de responder a esses e a outros questionamentos que o tema
apresentava, fez-se necessário estabelecer um método de pesquisa e fazer alianças
entre a musicologia e outras disciplinas, para que o trabalho se desenvolvesse.
Kerman, em sua obra Musicologia (1987, p. 244), explica que "a aliança tradicional da
musicologia, tem sido com as disciplinas humanistas, como história, crítica e filologia
e que o musicólogo gosta de se considerar um historiador". A partir dessas premissas,
passei a colher as contribuições e métodos historiográficos para o desenvolvimento
do trabalho. A história, foi, portanto, a ciência que colaborou, sobremaneira, com a
escrita da tese.
Reforçando essa ideia, vemos que Le Goff, em sua obra "História e Memória"
(2003), estabelece o conceito de que a memória é a propriedade de conservar certas
informações, permitindo ao indivíduo atualizar impressões ou informações passadas
e reinterpretá-las. Constatando que meu trabalho atuava, também no campo da
memória, busquei nesse autor, principalmente na sua obra acima citada, apoio teórico
para dar mais solidez à escrita.
Em relação ao recorte temporal escolhido para assentar a escrita do trabalho, o
texto de Fernand Braudel, "História e Ciências Sociais: a longa duração" (1965), permitiu
compreender que o tempo de Carlos Gomes em Belém, era um tempo de média duração,
o que me orientou a não falar de Belém desde o período colonial, ou falar de Carlos Gomes
desde a sua infância, o que levaria o trabalho em direção a uma longa duração, ampliando
as complexidades inerentes ao trato de um tempo longo.
Associando os preceitos da musicologia histórica ao campo da história cultural,
busquei trabalhar as fontes e a bibliografia estudadas, com fins de compreender a relação,
que se revelou muito rica, entre o maestro-compositor Carlos Gomes e a cidade de Belém.
A bibliografia estudada permitiu analisar a epistolografia de Carlos Gomes,
assim como, saber sobre suas viagens, empreendimentos musicais e suas relações
interpessoais, no Brasil, no estrangeiro e no Pará. Do mesmo modo, a análise das
notícias e crônicas sobre Carlos Gomes, encontradas nos jornais da época, tornou
possível aprofundar os conhecimentos sobre a relação de Gomes com Belém.
22

As fontes históricas levantadas para esta pesquisa são constituídas de jornais,


documentos públicos (decretos, relatórios, portarias etc.), almanaques, revistas,
folhetins etc. Os jornais, ao longo da escrita, tornaram-se uma importante fonte, por
conter narrativas diárias e por permitir a busca de outras informações que não
somente a notícia de fatos.
As imagens que ilustram a tese, foram ali colocadas com a intenção de
estimular e informar o leitor, complementando a escrita textual, provocando, assim,
reflexões diversas, a partir da representatividade que cada imagem traz em si mesma.
A tese, ora apresentada, foi escrita em três capítulos, estando o primeiro
dedicado à cidade de Belém no tempo de Carlos Gomes; o segundo narra as duas
viagens que o maestro fez no período imperial; o terceiro ambienta o maestro no Pará
republicano, quando de suas duas últimas viagens à Belém, nos anos de 1895 e 1896.
No primeiro capítulo, "A cidade de Belém no tempo de Carlos Gomes",
apresentamos a capital do Pará inserida no tempo da belle époque amazônica. O
estudo dessa época está assentado nos escritos de Daou (2000), Sarges (2010), Dias
(2019), Weinstein (1993), Castro (2010) e Souza (2019), permitindo-nos acessar as
definições dos autores sobre esse período, que na capital do Pará, vislumbrou
equiparar-se à França, a partir dos ideais positivistas de progresso, modernidade e
desenvolvimento urbano.
A vinda de cidadãos europeus para participar das temporadas líricas e
ocupação das colônias agrícolas, conjuntamente com os imigrantes que vieram
prestar diversos serviços, contribuíram para o desenvolvimento da cultura da belle
époque em Belem. Um destaque especial foi dado aos italianos e alemães, estes,
especializados na fabricação, venda e consertos de pianos.
Visando discutir a formação musical dos paraenses, falamos do mecenato
oficial, promovido pelo governo através de bolsas de estudos concedidas para os
jovens que se destacavam nas artes visuais, arquitetura e música. O mercado das
artes visuais, com destaque para as exposições e o mercado da música, com as
atividades das editoras de música, lojas de instrumentos e partituras foi debatido no
capítulo, sendo este ilustrado com várias imagens.
O capítulo encerra com a história da vinda para Belém do organista e
compositor português João Nepomuceno de Mendonça, tratado nesse capítulo como
sendo o ponto de partida de uma nova etapa na história da música no Pará, no período
23

posterior à Cabanagem (1835-1840)2. Nepomuceno de Mendonça deixou um legado


importante na história, compondo, tocando e formando discípulos. Dentre os que mais
se destacaram, estão Henrique Gurjão e Joaquim França. Gurjão, que havia estudado
na Itália, é saudado por Calos Gomes, quando em Belém chegou, em 1882, como um
grande compositor, tendo perguntado imediatamente pela Idália, a ópera do
compositor paraense.
Desse modo, o primeiro capítulo foi construído para que o leitor pudesse
conhecer aspectos diversos da cidade que Carlos Gomes visitou e decidiu viver,
quando precisou de apoio, ao final da sua vida, para continuar vivendo e trabalhando.
O segundo capítulo, "A cidade de Belém e o maestro-compositor", tratou do
encontro de Carlos Gomes com Belém. A década de 1870 foi apresentada, a partir
das notícias veiculadas na imprensa, como o tempo que precedeu a chegada do
maestro, tendo sido demonstrado que algumas composições de Gomes eram
apresentadas em Belém naqueles anos e que as notícias da carreira dele eram de
conhecimento do público.
Foi narrada, nesse capítulo, uma breve história da tradição dos palcos desde o
aparecimento da Casa da Ópera, construída no século XVIII, ao Theatro da Paz,
inaugurado em 1878. Nos anos que antecedem à primeira visita de Gomes à Belém,
surgem o Conservatório Dramático e a Associação Lyrica do Pará, sendo que este
Conservatório não tinha a função de ensinar música e sim de administrar o Theatro
da Paz em conjunto com a Associação Lyrica, esta responsável pelos contratos com
as companhias líricas e pela pauta de apresentações do Theatro da Paz.
As temporadas líricas de 1882 e 1883, são o "pano de fundo" da presença de
Carlos Gomes em Belém. No ano de 1882, Gomes é recebido com grande festa, vê a
sua ópera Salvator Rosa, ser levada à cena no Theatro da Paz, recebe muitas
homenagens, benefícios e é saudado nas ruas por estudantes e o povo da cidade.
Em 1883, Gomes reaparece em Belém, é novamente recebido com festas no
porto e no Theatro da Paz. Ao contrário das temporadas líricas de 1880 e 1882,
quando estreou no Theatro da Paz Il Guarany e Salvator Rosa, respectivamente, com
orquestra e elenco trazidos da Itália, tendo à frente da Companhia Lírica Italiana, o

2 A Cabanagem foi um movimento da sociedade civil contra o império brasileiro, onde, nos
dizeres de Di Paolo (1990, p. 143) foi a revolução popular mais importante da Amazônia e entre as
mais significativas da história do Brasil. Explodiu, depois da declaração da Independência, pela
saturação da paciência cabocla diante da sistemática do governo central em negar aos mais antigos
habitantes da região o direito elementar da cidadania.
24

empresário Tomás Passini, no ano de 1883, Carlos Gomes trouxe a própria


companhia lírica, diretamente da Itália. Como empresário, Gomes não foi bem
sucedido. As adversidades, doenças e até mortes de componentes da companhia
lírica, fizeram da temporada um grande fracasso e Carlos Gomes volta à Itália
decepcionado e acumulando muitos prejuízos.
No terceiro capítulo, "Carlos Gomes e o Pará republicano", narramos a chegada
do maestro, em 1895, para assistir a estreia da sua Fosca, no Theatro da Paz.
Novamente o maestro foi saudado com entusiasmo pelo povo paraense e os episódios
de 1883, caíram no esquecimento. Nesse ano surge a Associação Paraense
Propagadora das Bellas Artes, que será mantenedora da Academia de Bellas Artes.
A academia foi formada com dois departamentos: a Escola de Bellas Artes, também
conhecida como Escola de desenho, pintura e escultura e o Conservatório de Música.
Carlos Gomes é convidado para ser diretor do Conservatório. A partir do segundo
semestre de 1885, a doença que o levou à morte, começou a apresentar sintomas
mais fortes. Gomes regressa para a Itália.
Ao retornar em 1896, Belém assiste o sofrimento e o ocaso do compositor.
Carlos Gomes e homenageado em vida e após a sua morte. Suas exéquias são
grandiosas. A pedido do governo de São Paulo, seu corpo é transladado para
Campinas, deixando o povo do Pará envolto em grande tristeza.
25

CAPÍTULO 1.

A CIDADE DE BELÉM NO TEMPO DE CARLOS GOMES.

1.1 A cidade amazônica e seu desenvolvimento econômico.

A presença do compositor Antônio Carlos Gomes (Campinas 11/07/1836 –


Belém 16/09/1896) na cidade de Belém do Pará, na Amazônia brasileira, entre os
anos de 1882 e 1896, direcionou, naquele tempo, os olhares da sociedade local para
esse artista conhecido internacionalmente por sua produção musical. Recebido pela
elite dominante, Gomes circulou pela cidade visitando igrejas, frequentando cafés,
caminhando pelas ruas e trabalhando no monumental Theatro da Paz.
A Belém que o maestro conheceu será apresentada neste capítulo, onde
abordaremos diversos aspectos da cidade no tempo em que ele esteve visitando a
capital do estado do Pará, objetivando compreender a movimentação artística e
cultural, os aspectos urbanos e econômicos e a circulação de mercadorias que
ajudavam a configurar o projeto civilizatório das elites dominantes da época. Como
recurso argumentativo recorreu-se à literatura histórica que analisou a presença do
maestro em Belém, às narrativas das fontes noticiosas, como jornais, revistas, álbuns
e relatórios e à produção historiográfica mais recente, buscando compreender a
cidade do tempo da economia da borracha.
Para estabelecer uma compreensão mais abrangente sobre o envolvimento de
Antônio Carlos Gomes com a sociedade paraense no último quartel do século XIX,
faz-se necessário analisar o contexto intelectual, a conjuntura política e o
desenvolvimento econômico e social da cidade de Belém, vislumbrando perceber esta
parte do Brasil como integrante do circuito artístico-musical do mundo na época em
que esse personagem viveu, e, em continuidade ao que já é bastante conhecido de
suas relações com outros estados do Brasil e países da Europa, dar luz aos
acontecimentos que integraram o compositor ao meio artístico e político da sociedade
paraense, no período de suas viagens à capital do estado do Pará.
Carlos Gomes esteve em Belém em quatro oportunidades: 1882, 1883, 1895 e
1896, cujas visitas foram amplamente divulgadas pela imprensa local. A primeira
ocorreu em 1882, no entanto, ele já era aguardado desde o ano de 1880, quando
26

aconteceu a primeira temporada lírica no Theatro da Paz. Nesse ano Carlos Gomes
esteve na Bahia e Rio de Janeiro, não visitando ao Pará. O maestro chegou na Bahia
no dia 6 de abril de 1880, ficou em Salvador até o dia 15 de julho, embarcando em
seguida diretamente para o Rio de Janeiro (Boccanera Junior, 1913). No segundo
capítulo será abordado com mais profundidade a presença da obra e da imagem de
Carlos Gomes no ano de 1880 em Belém.
Os registros das viagens de Carlos Gomes ao Pará são escassos nas
biografias elaboradas por autores brasileiros não paraenses e estrangeiros, os textos
narrados, pouco falam sobre suas viagens ao norte do Brasil. Como resultado dessas
ausências, ficou presente nas biografias do maestro, somente a última viagem, (e
raramente a penúltima), já na fase final de sua vida. Boccanera Junior, um dos autores
que escreveu sobre Carlos Gomes, ancorado em vasta pesquisa e auxiliado por
variadas e raras fontes, é discreto quando à questão, embora apresente em seus dois
livros, “A Bahia a Carlos Gomes” (1904) e “Um Artista Brasileiro” (1913), algumas
cartas do maestro para correspondentes paraenses, dando indicativos claros de
conhecer a relação existente entre Gomes e a sociedade paraense, bem antes de sua
morte. Outros autores da época de Boccanera, como Mello Moraes Filho3 (1904) e
Visconde de Taunay (1930), também são silentes quanto a estada de Carlos Gomes
no Pará.
As viagens de Carlos Gomes ao Norte do Brasil fizeram parte dos
deslocamentos que o artista fez pelo mundo no período de sua maior produção
musical. Assim como muitos outros compositores daquele tempo, Gomes tinha sua
produção dividida entre a própria autonomia de compor e a produção estimulada por
encomenda de alguém. Seja de uma ou outra forma, após ter a obra concluída, Gomes

3 Mello Moraes Filho, em sua obra “Artistas do meu Tempo” (1904, p. 84), apontou a data de nascimento
do compositor como sendo 14 de junho de 1839, assim como o Jornal A Província do Pará, em sua
edição de 18 de setembro de 1896. No ano de 1879, foi lançada a Revista Musical, editada por Arthur
Napoleão & Miguez, no Rio de Janeiro, que em seu primeiro número, de 04 de janeiro, apresentou o
primeiro de uma série de artigos de André Rebouças, amigo de Carlos Gomes, onde a data de
nascimento de Antônio Carlos Gomes foi informada como sendo 13 de junho de 1839 e que seu nome
teria sido dado em homenagem ao dia de Santo Antônio. O atestado de óbito do maestro, assinado
pelos médicos paraenses Miguel A. Pernambuco e Holanda Lima, indica que Carlos Gomes morreu
com 57 anos, portanto nascido em 1839. Posteriormente, Sílio Boccanera Junior publicou em seu livro
“Um Artista Brasileiro” (1913), tradução de um artigo de autoria do Dr. Lessa Paranhos, cônsul do Brasil
em Milão, onde ele afirma que Carlos Gomes nasceu em 11 de julho de 1836. O artigo original havia
sido publicado, na Revista Ítalo-Brasil, em 1897. Vincenzo Cenicchiaro na sua obra “Storia della musica
nel Brasile” (1926, p. 349) corroborando a informação do Dr. Lessa Paranhos e reafirmando a data de
11 de julho de 1836, citando uma carta de Carlos Gomes. Hoje é consenso que 11 de julho de 1836 é
a data correta do nascimento do compositor paulista.
27

partia para divulgar o seu trabalho, algumas vezes dirigindo os ensaios e até regendo
a orquestra durante as récitas. A partir do sucesso de sua primeira ópera composta
na Europa, Il Guarany (1870), seu nome ficou cada vez mais conhecido. Gomes
insere-se, então, num circuito artístico-musical de seu tempo, visitando várias cidades,
onde manteve contatos com pessoas e instituições, sendo sempre recebido por
governantes e líderes políticos e fortalecendo os contatos com associações de classe
e entidades culturais.
Na época das viagens de Carlos Gomes ao Pará, Belém apresentava-se ao
mundo como um projeto arrojado de desenvolvimento econômico e cultural,
capitaneado pelas elites econômicas e apoiado pelo poder político, tanto no período
imperial, quanto no republicano. Um aspecto relevante da presença de Carlos Gomes
no Pará para ser analisado, foi a recepção que as elites e o público em geral deram
ao maestro em todas as suas idas a Belém e a sua simbólica presença na vida da
capital e de outras cidades do interior do estado. A crônica jornalística da época
estudada e a documentação analisada mostram, de forma determinante, que as elites
dominantes do Pará, no tempo da belle époque queriam a presença de Antônio Carlos
Gomes, assim como Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843-1905), o famoso
pintor paraibano, por serem esses artistas, dentre outros, referências na música e nas
artes visuais. Mais adiante veremos como Carlos Gomes e Pedro Américo foram
convidados para residir no Pará.
O projeto de desenvolvimento econômico e cultural citado, permitiu aos agentes
culturais atuantes na cidade, atraídos pelo farto capital econômico e com acesso aos
patrocínios e mecenatos, importarem produções de óperas, com todo o elenco e
demais colaboradores agregados, para se apresentarem no Theatro da Paz, este,
aberto em 1878, foi projetado, prioritariamente, para atividades concertantes e líricas.
Carlos Gomes participou desse movimento presencialmente, trazendo para a
apreciação do público algumas de suas obras, consolidando para sempre seu nome
na história do Pará.
Como as visitas que Carlos Gomes fez à cidade de Belém do Pará não foram
suficientemente divulgadas na literatura mais amplamente difundida, a capital do Pará
não se tornou, por conseguinte, conhecida pelo público brasileiro ou estrangeiro que
leu os trabalhos sobre o compositor, o que anuvia a percepção dos leitores sobre os
motivos que levaram Gomes viajar em direção ao Norte do Brasil. Cabe então indagar
28

que fatos contribuíram para que Carlos Gomes partisse para tão longe e tão distante
de seu meio cultural habitual, aportando numa cidade amazônica, com clima quente
e úmido, adicionando Belém na história de sua vida, desde 1882 e mais ainda,
entender o porquê da elite política e intelectual dessa cidade querer a presença do
maestro paulista, em terras nortistas, tanto na fase áurea de sua carreira, como nos
últimos momentos de sua vida.
A literatura estudada e as fontes disponíveis mostram que o maestro por
ocasião das suas duas últimas viagens para Belém, vivia dias difíceis na Europa, no
entanto a melhor escolha para continuar a viver, mesmo com a sua doença em estado
grave, foi o Pará. Carlos Gomes tinha conhecimento amplo sobre a dinâmica
econômica e cultural de Belém, conhecia pessoas que podiam efetivamente ajudá-lo
em sua decisão de voltar ao Brasil. Com o astrolábio mostrando as estrelas que
apontavam a direção de Belém, foi, naquele momento, a melhor escolha para definir
sua existência.
Antônio Carlos Gomes em suas viagens anteriores ao ano de 1896, manteve
com a cidade e seus personagens, contatos que impulsionaram as suas expectativas
de obter trabalho, conforto e prestígio, num momento complicado de sua vida e a
despeito da doença grave e mortal que o acometia. A escolha do lugar que o acolheu
em definitivo, deve-se às relações que o maestro tivera com a cidade de Belém, uma
cidade que se apresentava ao mundo da época como uma cidade próspera e
moderna. Estes e outros fatos a serem postos em cena neste trabalho, corroboram as
decisões tomadas, com vistas a uma mudança definitiva para Belém. Há que se
analisar, entretanto, outras motivações, por parte das elites paraenses, que
proporcionaram a vinda do compositor para Belém.

No tempo das viagens de Gomes ao Pará a economia da borracha já estava


bem consolidada e os investimentos no campo das comunicações eram fartos, visto
que em Belém circulavam diariamente diversos jornais, almanaques e folhetins que
atendiam aos mais diversos interesses, sejam de associações, entidades de classe,
clubes sociais, entre outros. Segundo Moura Jr. (2010, p. 272), mais de duzentas
publicações circularam na metrópole da Amazônia no período compreendido entre
1870 e 1910, dentre eles os jornais Diário do Gram-Pará, Treze de Maio, Folha do
Norte, Diário de Belém, O Liberal, o semanário A Luz da Verdade, entre tantos outros.
Na obra The State of Pará (1893), publicado nos Estados Unidos da América, o
29

jornalista paraense Ignácio Moura (1893, p. 123-130), publicou um capítulo intitulado


Industries, onde aponta a existência no Pará, na segunda metade do século XIX, de
41 tipografias e 2 litografias responsáveis pela publicação de 32 periódicos.
As notícias dos acontecimentos diários, em várias partes do mundo, chegavam
até Belém pelo telégrafo por cabo submarino, que interligava Belém à Europa e aos
Estados Unidos. Três linhas telegráficas foram inauguradas na segunda metade do
século XIX, nos anos de 1872, 1885 e 1891 (Moura, 1893), resultado do projeto que
nasceu no ano de 1872, apoiado pelo presidente da Província do Grão-Pará, Abel
Graça4.
A posição geográfica da cidade de Belém foi elemento facilitador para as
viagens de Carlos Gomes, dada a proximidade com a Europa. Sendo Lisboa o
primeiro porto de entrada na Europa, de lá partiam e chegavam os viajantes, em
direção ao Brasil, desde os tempos coloniais. Nos tempos em que as viagens eram
feitas em navios movidos a vela, a distância entre Belém e Lisboa era menor, em
relação às cidades ao longo do litoral brasileiro, o que favorecia o desenvolvimento do
norte brasileiro. De acordo com Souza (2019, p. 186):

A capitania do Grão-Pará e Rio Negro era um estado colonial bastante


ligado a Portugal, tanto por laços familiares como por interesses
comerciais e facilidades de navegação. Uma viagem de Belém a
Lisboa, por exemplo, naqueles tempos de vela, durava cerca de vinte
dias, contra os quase dois meses até São Luiz e a jornada de três
meses até o Rio de Janeiro. Isso fazia com que os ricos e os políticos
frequentassem mais Portugal que o Brasil.

A partir dos anos 50 do século XIX, o leite branco que brota da Hevea
brasiliensis, conhecida como seringueira, árvore nativa da Amazônia, de grande porte
e encontrada nas florestas de vários estados da região, começou a ser comercializada
em larga escala, impulsionando as exportações e provocando uma guinada em
direção à colheita de um produto natural, que beneficiado e vendido para o exterior,
viria a se tornar abundante fonte de riquezas para o norte do Brasil, substituindo o

4 Segundo o presidente Abel Graça: 'Os srs. Rumball e Samuel Canning, de Londres, dirigiram ao sr.

A. F. Wilson, residente nesta capital, uma proposta, que me foi transmitida pela Praça do Comércio,
para ligar o nosso porto ao continente americano, pelo lado do Norte, e à Europa, por meio de um
telégrafo elétrico, que, partindo desta cidade, se irá encontrar à linha já em construção nas Antilhas,
obrigando-se os proponentes a realizar semelhante empresa mediante a subvenção anual de sete mil
e quinhentas libras esterlinas'. (Pará. Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial
pelo presidente da Província do Grão-Pará, Abel Graça.1872, p. 27).
30

modelo econômico vigente na Amazônia, desde o período colonial, a extração de


produtos encontrados na floresta, denominados de “drogas do sertão” (castanha,
cacau, canela, cravo, frutos, salsaparrilha, plantas medicinais etc.) e da agricultura de
mandioca, milho, cana-de-açúcar, cacau, café, arroz, algodão, anil e de produtos de
subsistência (Mourão, 2017).
Com a navegação a vapor, vigente no tempo das viagens de Carlos Gomes
para Belém, a velocidade das comunicações e do trânsito de pessoas foi se ampliando
conforme a economia da borracha crescia. A interligação com a Europa e Estados
Unidos da América era mais direta, permitindo que muitos filhos das classes mais
abastadas de Belém fossem estudar nas grandes cidades dos países europeus e na
América do Norte. O envio dos filhos para estudar no estrangeiro, fazia parte de um
projeto que pretendia transformar a capital do Pará numa cidade cosmopolita e
moderna, onde as pessoas poderiam viver em um ambiente cultural efervescente e
economicamente estável. O retorno desses jovens otimizou esse projeto civilizatório.
De acordo com a historiadora Cristina Donza Cancela (2011, p. 239-330), os destinos
desses jovens eram as grandes cidades do Brasil e do mundo.

Não é à toa que os filhos dos proprietários passaram a circular com


mais frequência em renomadas escolas estrangeiras e nacionais. Por
sua vez aqueles advindos de famílias com menor posse procuravam
na formação educacional e profissional a possibilidade de
reconhecimento e melhoria do status social. Em geral, a formação era
realizada em colégios e faculdades de Recife, Rio de Janeiro,
Portugal, França, Inglaterra e Bélgica, o que permitia que estes jovens
retornassem à capital como bacharéis em direito, médicos e
engenheiros.

Os excedentes das exportações da borracha, formavam grandes somas em


poder de famílias e capitalistas locais e estrangeiros residentes no Pará, possibilitando
às elites de Belém vivenciar uma fase de luxo e consumo, ao passo que o poder
público realizava grandes investimentos em equipamentos arquitetônicos,
urbanização com paisagismo projetado, estabelecimento de corporações econômicas
e financeiras e grande movimentação cultural, onde “arte, riqueza e mecenato foram
parte de um modo de vida abastado e de um circuito cultural proeminente na capital
do Pará” (Figueiredo, 2010, p.5).
Com o gradativo aumento dos recursos advindos do comércio do látex da
seringueira, Belém passou por diversas modificações, tanto na sua superfície urbana,
quanto na parte demográfica. Essa evolução, que foi modificando paulatinamente a
31

cidade, foi, em parte, influenciada pela abolição da escravidão e imigrações, dentre


outros fatores. De acordo com Cancela (2011, p. 30):
Este quadro vai ser alterado ao longo da segunda metade do século
XIX, quando se tem a diminuição do número de escravos. Essa queda
é associada ao crescimento demográfico da população livre e ao
aumento da migração de portugueses, madeirenses, alemães e,
posteriormente, de nordestinos para a capital da província.

A segunda metade do século XIX foi um período de profundas modificações no


cenário político brasileiro, incluindo neste amplo rol de acontecimentos o fim do
Império e a extinção do trabalho escravo. No Pará a mudança do regime monárquico
para o republicano favoreceu somente a uma parte da sociedade, justamente aquela
que, direta ou indiretamente, estava ligada à economia da borracha. A edição de
códigos de postura, construção de asilos, criação de escolas profissionalizantes,
interdição de cortiços, maior controle e vigilância policial sobre os espaços públicos e
demais providências para manter a cidade "higienizada", são ações que, de um lado
buscavam dar conforto às elites, por outro cerceava a liberdade das classes mais
pobres.
Para que o poder público, principalmente a intendência municipal na época de
Antônio Lemos, pudesse instalar iluminação elétrica, bondes elétricos, rede de
esgotos e de fornecimento de água (Sarges, 2010), foi realizada uma gentrificação5,
visando dar ao núcleo central da cidade um ar de “belo centro”.
Na segunda metade do século XIX, a elite econômica paraense, juntamente
com os governos municipal e estadual, projetou inserir a cidade de Belém no mundo
desenvolvido da época, investindo em reformas estruturais que permitissem a
abertura de largas avenidas, implantação da luz elétrica, bondes sobre trilhos de ferro,
construção de palacetes, entre outros empreendimentos.
A cidade de Belém, desde os meados do século XVII, antes rodeada de rios e
florestas, inclusa no portal da Amazônia, passou a ter edifícios monumentais para os
padrões da época. Esses edifícios foram inseridos num mapa urbano de arquitetura
predominantemente portuguesa, modificando aos poucos a paisagem colonial.

5 O termo gentrificação surge pela primeira vez na década de 60 do século XX, na obra de Ruth Glass,
em referência às mudanças ocorridas na cidade de Londres, especialmente nas regiões habitadas pela
classe operária. Na definição dada por Glass para a gentrificação, esta corresponderia ao conjunto de
dois fatores observados em determinada área: (i) um processo de desalojamento de residentes
pertencentes ao proletariado, substituídos por grupos oriundos de classes sociais mais altas e (ii) um
processo de reabilitação física destas áreas (Ribeiro, 2018).
32

Em decorrência de investimentos públicos que vinham ocorrendo desde o


período pós-cabanagem, Belém foi tendo o seu desenho arquitetônico e urbanístico
gradativamente alterado. Ao chegar à última década do século XIX, a cidade
aproximava-se dos 100.000 habitantes e com ares europeus.
Uma breve descrição de Belém, da segunda metade da década de 1890, foi
feita por Ana Maria Daou (2000, p. 29-30), complementando outros dados
apresentados sobre a cidade de Belém, no tempo em que Carlos Gomes frequentou
a cidade.

No fim de 1894, o Pará (leia-se Belém) era uma cidade com área igual
a Madrid, cortada por amplas avenidas e grandes estradas
direcionadas para os novos bairros que recebiam as famílias em
processo de elevação social. Praças ajardinadas, edifícios da
administração pública, várias escolas, hospitais, asilos e cadeia
compunham as instituições de controle de reprodução social.
Completavam o conjunto urbano, com seus serviços e numerosas
atividades, estabelecimentos industriais, casas bancárias e firmas
seguradoras, e ainda as companhias de serviços urbanos: telégrafos,
telefonia, linhas de bonde e estrada de ferro. As quase 100.000
pessoas que viviam em Belém dispunham ainda de instituições
culturais e recreativas, religiosas e laicas. Nas docas do Pará
chegavam duas companhias inglesas, fazendo de dez em dez dias a
navegação para Lisboa, Havre, Liverpool, Antuérpia, Nova Iorque,
Maranhão, Ceará, Pernambuco e Manaus, além da navegação
costeira até o Maranhão e da linha inglesa com vapores semanais do
Rio a Pernambuco, Pará e Nova Iorque.

A construção de edifícios portentosos para uma cidade amazônica daquele


tempo iniciou ainda na metade do século XVII, com a construção do Palácio dos
Governadores (fig. 01). Atualmente nesse palácio funciona o Museu do Estado do
Pará, com várias exposições permanentes. Nesse museu estão guardadas as peças
do coche que transportou o corpo do maestro Carlos Gomes pelas ruas de Belém.
33

Figura 1 Palácio dos Governadores, hoje Museu Histórico do Estado do Pará. Projeto do
arquiteto italiano Antonio Landi, executado na metade do século XVIII

Fonte: Álbum do Estado do Pará. Oito anos de governo, 1901-1909 (Augusto Montenegro), p. 40.

Na década de oitenta do século XIX, outro palácio foi construído para ser o
Paço Municipal. Esse palácio hoje é sede do Museu de Arte de Belém (MABE) e da
Prefeitura da cidade e tem a denominação de Palácio Antônio Lemos6, (fig. 02) em
homenagem ao intendente responsável pelo seu embelezamento na passagem do
século XIX para o XX. Num dos salões do MABE está a grande tela denominada “Os
Últimos Dias de Carlos Gomes”. Ao lado da escadaria principal do Palácio, repousam
os restos mortais de Antônio Lemos.

6Um abrangente estudo deste palácio foi feito pela historiadora Rosa Mª Lourenço Arraes, em sua tese
de Doutorado em História, pela Universidade Federal do Pará (2019), denominada “O Palácio Antônio
Lemos: símbolo do poder e arte em Belém do Pará (século XIX e XX)”.
34

Figura 2 Palácio Antônio Lemos, sede da Prefeitura de Belém e do Museu de Arte de Belém –
MABE

Fonte: Álbum do Pará em 1899 – Governo de Paes de Carvalho. Fotografia: F. A. Fidanza.

Com o advento da república, ampliou-se ainda mais as pretensões das elites


paraenses de envolver Belém em um projeto pautado no desenvolvimento e no
progresso (premissas positivistas), sendo fortemente impulsionado pelo intendente
Antônio Lemos, político e jornalista, que ao assumir o poder municipal em 1897,
paulatinamente estabeleceu critérios rigorosos para a movimentação de pessoas no
solo urbano através dos códigos de posturas7, promoveu reformas sanitárias,
construiu praças (Fig. 03), além da construção de outros equipamentos arquitetônicos.
Sobre sua gestão, assim nos fala Figueiredo:

Sua gestão ficou marcada pela profunda reforma urbana que imprimiu,
tentando aproximar a capital do Pará dos modelos europeus. Assim,
foram editadas muitas medidas que regravam os hábitos e modos
citadinos, definindo as fachadas das casas, demolindo cortiços, e
estabelecendo rígidos padrões para as posturas urbanas. Em 1902, a
cidade de Belém já havia sido chamada de Paris n'América ou de Petit
Paris e o projeto do intendente se ampliava com construção de
diversos palácios, palacetes, bolsa de valores, grandes teatros,
igrejas, necrotério, grandes praças com lagos e chafarizes,
infraestrutura sanitária, alargamento e calçamento de vias, construção

7Os códigos de posturas já eram aplicados em Belém deste o período imperial. Bárbara Palha narra
que o poder público para cercear a “liberdade” dos escravos de ganho, aplicava o artigo 97 do Código
de Posturas de 1848, onde reza que “é proibido que os escravos estejam vendendo nas ruas, praças
e mais lugares públicos depois do toque de recolher”. Esse Código de Posturas está assentado na
Coleção de Leis da Província do Grão-Pará, Tomo X, 1848 (1ª parte). Arquivo Público do Estado do
Pará (Palha, 2009, p. 4).
35

da malha de esgoto na área central, aterramento e drenagem de rios


e córregos, a plantação de centenas de mudas de mangueira nas
avenidas e boulevards. (Figueiredo, 2010, p. 3).

Figura 3 Praça da República – fachada posterior do Teatro da Paz

Fonte: Álbum de Belém Pará. 15 de novembro de 1902. Ed. Fidanza, p. 58b.

Conjuntamente com essas ações, o farto capital proveniente da exportação da


borracha continuou permitindo que as famílias mais abastadas investissem na
educação dos filhos, ampliassem seus padrões de vida, incluindo, além do consumo
de uma grande variedade de objetos importados de vários países, principalmente da
Europa, o hábito de consumir arte.

1.2 A belle époque amazônica residente na folia do látex.

O período histórico conhecido como belle époque amazônica vivido,


aproximadamente, entre os anos de 1870 e 1912 (Sarges, 2010), coincide em parte
com um período vivido na Europa, sobremaneira na França, entre os conflitos
conhecidos como Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) e a Primeira Guerra Mundial
(1914-1918). Nesse tempo a França deteve o domínio pioneiro da vida científica,
tecnológica da segunda Revolução Industrial (eletricidade, transportes ferroviários,
construções mecânicas, automóveis, começo da aeronáutica, moda, produtos
químicos, farmacêuticos...). Os benefícios do progresso geraram um crescimento do
nível de vida que permitiu um enriquecimento da burguesia da aristocracia francesa e
das classes médias altas (Mérian, 2012).
36

A expressão Belle Époque só começou a ser usada na França após a primeira


Guerra Mundial, com o sentido de explicar os tempos passados de “vida bela e
glamour”.

No começo do século XX a expressão Belle époque era desconhecida


na França. [...] A expressão Belle époque apareceu depois da primeira
guerra mundial, num âmbito de crise econômica de inflação e de
grande esforço para a reconstrução de um país que tinha perdido mais
de um milhão e quinhentos mil mortos numa guerra bárbara e
impiedosa. Para os sobreviventes o período que antecedera esta
carnificina, a saudade de uma época de mais de quarenta anos de
paz, de progresso científico, tecnológico e material, dissimulou em
parte as duras realidades vividas pela maioria da população. Elaborou-
se progressivamente a ideia de uma “idade de ouro”, o mito de uma
Belle Époque (Mérian, 2012, p. 135).

Na Amazônia, da mesma forma, se convencionou chamar de belle époque o


período vivido aproximadamente entre os anos de 1870 a 1912, sendo que este
recorte temporal, aqui citado, foi apresentado pela historiadora Maria de Nazaré
Sarges, em sua obra “Belém: riquezas produzindo a Belle Époque (1870 - 1912)”,
quando de sua primeira edição, lançada no ano 2000. Na introdução da obra, a autora
explica a delimitação desse período histórico:

A periodização definida deu-se em função do ano de 1870


corresponder ao período no qual Belém começou a tomar impulso
como centro urbano decorrente do comércio gomífero e o ano de 1910,
marco final de nosso trabalho, representar o solapar de uma fase de
crescimento, quando a região começou a sofrer os impactos do
descenso da economia da borracha, causado pela concorrência
asiática (Sarges, 2000, p. 22).

Ainda no período imperial, a Província do Pará buscava se recuperar das


consequências da Cabanagem (1835-1840) por um caminho diferente da França, que
se modernizou e ampliou suas bases industriais e tecnológicas. O Pará, assim como
o norte do Brasil, foi se desenvolvendo através do extrativismo, de onde, nas décadas
seguintes, começou a comercializar o látex da seringueira8, com apoio do capital
estrangeiro que passou a fazer grandes investimentos em Belém e Manaus. No
entanto, com grandes recursos vindos da exportação da goma elástica, as elites locais

8Mais informações sobre a seiva da seringueira e seus processos de produção, ver Souza, Márcio.
História da Amazônia: do período pré-colombiano aos desafios do século XXI. 1ª ed. Rio de Janeiro:
Record, 2019, pp. 232-236. Outras informações relevantes sobre a manipulação da seiva da
seringueira, encontra-se em Spix & Martius. Viagens pelo Brasil, 1817-1820. 2. ed. São Paulo:
Melhoramentos, 1968. V. 3, pp. 29-30 e em Tocantins, Leandro. Amazônia: Natureza Homem e
Tempo. Cap. V. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1982.
37

não se preocuparam em desenvolver a indústria local, privilegiando o comércio de


produtos importados. Nos dizeres da historiadora Leila Mourão (2017, p. 10):

Os capitais acumulados dos processos comerciais do látex amazônico


foram aplicados principalmente no comércio e secundariamente na
produção fabril. O comércio tornara-se a principal atividade, pois a
ampliação da navegação em busca do látex possibilitava, também, a
entrada de mercadorias importadas em maior escala, que competia de
maneira desigual com as produzidas na Província e asseguravam
lucros significativos aos comerciantes.

Como forma de compreender melhor este período histórico da cidade de


Belém, assinala-se um olhar direcionado para os intelectuais, apreciadores de arte,
jornalistas, escritores, professores, músicos, pintores, políticos, entre outros, que no
tempo em que Carlos Gomes frequentou Belém, posicionaram-se pelo apoio aos
projetos do maestro, desde o ano de 1880, quando estreou no Theatro da Paz a ópera
Il Guarany. Gomes estava no auge de sua carreira internacional, quando Belém
passou a levar à cena suas óperas e, ao mesmo tempo, contribuiu com os benefícios
e mecenatos ofertados a ele, tão comum na trajetória de vida desse importante
personagem da história da música brasileira, como será mostrado com maior
profundidade no capítulo II deste trabalho.
Na Belém da belle époque, foram criadas possibilidades para o exercício
intelectual por parte das pessoas de letras e das artes. Além dos espaços de
discussão, integração e movimentação cultural, como os cafés, livrarias, teatros,
clubes e associações, o mecenato apresenta-se como uma forma de incentivo à
produção, tendo o intendente Antônio Lemos e os governadores Lauro Sodré, José
Paes de Carvalho e Augusto Montenegro, como importantes representantes desse
modo de apoio aos que se dedicavam à literatura, às artes visuais e à música,
incluindo o maestro Carlos Gomes, beneficiado pelo apoio, principalmente, de Lemos
e Sodré.
No entanto, desde que a economia da borracha começou a se esvair, dada a
crescente concorrência da produção asiática, a partir de 1910, esse tempo de glamour
e modernidade ficou para a história como um ideal acalentado pelas elites e financiado
pelo capital gerado pelo látex, mesmo tendo existido um projeto civilizatório, como
vemos nas palavras de Figueiredo.

Belém, todos sabiam, poderia ser, no máximo, uma cópia de suas


pretensas congêneres europeias, e a belle-époque paraense estava
38

muito distante de uma leve sombra da renascença italiana do século


XVI ou da ilustração francesa do século XVIII. Mas, pelo menos num
ponto, os contemporâneos do intendente concordavam: existia de fato
um projeto artístico-civilizador empreendido pelo mecenas do Pará
(Figueiredo, 2010, p. 7).

O desenvolvimento de Belém, após o fim da revolução da Cabanagem, até a


gestão do intendente Antônio Lemos (1843-1913)9 (fig. 04), foi um processo que
pretendeu transformar a capital em um centro de convivência, à moda europeia,
visando uma espécie de bem-estar civilizatório, criando espaços de consumo, luxo e
divertimentos, afirmando o poder de uma cultura que pretendeu mundanizar suas
linguagens e suas representações. Abrem-se as portas, na capital do Pará, aos
bancos, casas comerciais, teatros de revistas, cafés, agremiações musicais, jornais,
grupos de escritores etc., que passaram a compor a face visível, urbanizada e
proclamada europeizada, de uma cidade que o ritmo da economia do látex agilizava
(Coelho, 2014, p. 29).
O consumo de bens importados, muito comum naquele tempo, incluía produtos
ligados à moda, à decoração de interiores, literatura e às artes. Parecer europeu e
comportar-se como europeu, era parte do imaginário das elites paraenses. O modo
de vestir e se comportar incluía ir a passeios nos parques, cafés e teatros da cidade.
Nas récitas e espetáculos que aconteciam no Theatro da Paz, os cidadãos e cidadãs
mais bem colocados nos estratos sociais, exibiam vestidos luxuosos, fraques e ternos
alinhados, além de adereços confeccionados com os melhores tecidos importados,
juntamente com ventarolas, lenços, chapéus, bengalas e cartolas.
Vestir-se sob as normas da moda da belle époque, era para a burguesia
belenense, fator de distinção, onde estar presente em um ambiente pretensamente
europeu permitia elencar as diferenças entre as classes sociais, concernente ao que
diz Bourdieu (2017, p. 57):

As tomadas de posição, objetiva e subjetivamente, estéticas – por


exemplo, a cosmética corporal, o vestuário ou a decoração de uma
casa – constituem outras tantas oportunidades de experimentar ou
afirmar a posição ocupada no espaço social como lugar a assegurar
ou distanciamento a manter.

9 Este homem público teve sua vida marcada por muitas polêmicas, principalmente nas suas atividades
na gestão da cidade Belém. No segundo e terceiro capítulos deste trabalho, abordaremos sua relação
com o maestro Carlos Gomes, sobremaneira na fase final da vida do compositor. Para saber mais sobre
este personagem da história do Pará, ver: SARGES, Maria de Nazaré. Memórias do “Velho
Intendente”. Belém: Paka-Tatu, 2002. Ver também: ROCQUE, Carlos. Antônio Lemos e sua época:
história política do Pará. 2. ed. rev. e ampl. Belém: Cejup, 1996.
39

O vestuário de Antônio Lemos, por exemplo, servia para apresentá-lo ao


público como um homem que tinha bom gosto, refinado, identificado com a civilização,
simbolizando a distinção social, luxo e poder (Sarges, 2002, p.31). Esse personagem
da história política de Belém marcou seu tempo, tanto como jornalista, quanto gestor,
por querer equiparar a cidade amazônica a uma cidade europeia, ou seja, “instruir”
Belém para ser uma “francesinha do Norte”, ou “Paris dos trópicos” numa analogia à
Paris, capital da França. Para isso promoveu a construção de praças, parques e
equipamentos arquitetônicos, incentivou, pelo mecenato, artistas a produzirem e
exporem seus trabalhos, entre muitas outras atitudes.
Atuando no estilo político de “coronel de barranco”, expressão usada na
Amazônia em alusão à região ribeirinha, ninguém representou melhor a figura do
coronel do que o próprio intendente da capital (Figueiredo, 2010), que, a despeito de
todo o poder exercido, envolveu-se em diversas polêmicas ao longo da vida, sendo
até hoje um personagem bastante discutido e estudado. A figura pública e particular
de Lemos representava, com certa fidelidade, a burguesia paraense de seu tempo,
envolta na riqueza da borracha e no poder político, em um tempo de grande
dominação masculina.
40

Figura 4 Antônio José de Lemos. Intendente de Belém (1897-1911).

Fonte: IHGSP – Arquivo Theodoro Braga.

A relação da Belém da belle époque, com o mundo da época, notadamente a


Europa e, mais diretamente a França, apontava para um pretenso paralelismo social
e urbano. Em outras palavras, as elites buscavam produzir valores culturais in símile,
no entanto, esta procura por aparentar aspectos e modos europeus, já existia desde
o período colonial, como asseveram os viajantes Spix e Martius, (1968, p. 333) em
1820, ao se despedirem de Belém, quando voltavam para a Europa.

Nessa ocasião, o novo edifício da Bolsa do Comércio foi inaugurado


por um discurso solene do seu presidente; as tropas fizeram parada;
as igrejas encheram-se ao ressoarem os cânticos sagrados; e tudo se
apresentava de modo agradável, com aspecto e modos europeus,
como ademais se distingue a população da capital paraense, por sua
aproximação dos característicos europeus.
41

A partir do que nos diz Renato Ortiz (1991, p. 52), em seu estudo sobre a
França no século XIX, podemos desenhar um paralelo dos dois projetos (paraense e
francês), salvaguardando as devidas proporções.

O período entre 1880 e 1914 tem muitas vezes sido imaginado como
uma Belle Époque. A denominação em si é sugestiva. Cunhada já no
século XX, quando a França conhece uma crise econômica e enfrenta
as lembranças recentes da Primeira Grande Guerra, ela encerra uma
conotação nostálgica, algo como um passado áureo perdido para
sempre. A Belle Époque seria o refluxo de uma época, seus excessos
expressariam o fim de uma civilização. Embora o termo não existisse,
muitos de seus contemporâneos partilhavam, esta sensação de
desconforto; eles certamente não entendiam, como os que vieram
depois, que estavam vivendo uma idade de ouro; pelo contrário, a
ênfase colocada na situação de crise lhes impedia antecipar tal
perspectiva.

As elites do Norte do Brasil foram buscar na França, principalmente na cidade


de Paris, a inspiração, ou melhor, os processos imitativos que alimentaram um sonho
de transformar Belém na Petit Paris, na "Francesinha do Norte", "Paris dos trópicos",
expressões estas também aplicáveis à Manaus, capital do Amazonas, que, tal como
a capital do Pará, viveu a mesma “Ilusão do fausto”. Sobre essa cidade amazônica a
historiadora Edinea Dias nos fala: “A Manaus dos naturalistas vai se transformar na
Paris dos Trópicos, na Capital da Borracha, cidade moderna e elegante, na ‘cidade do
fausto’” (Dias, 2019, p. 29). De fato Belém e Manaus, ao fim e ao cabo, viveram, como
a autora titula seu livro, a “ilusão do fausto”, ao que se patenteou na história da
Amazônia como sendo a belle époque.
Com a exportação da borracha e abundantes recursos financeiros, Belém
voltou-se para o período de paz, ordem e progresso que acontecia na França e tentou
transportar para seu convívio os costumes e materiais que a sociedade francesa
usava para viver seu glamour. Lojas especializadas nos produtos da moda,
importados da Europa, como a “Bon-Marché” (fig. 05) e “Paris N’América” (fig. 06),
forneciam tudo o que o dinheiro e o gosto da elite exigiam para manter sua élégance.
42

Figura 5 Propaganda da loja Bom-Marché em Belém.

Fonte: Brasil. Livro de Ouro Comemorativo do Centenário da Independência do Brasil e da Exposição


Internacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil, 1923, [s. n.].

Figura 6 Propaganda da Loja Paris N’América.

Fonte: PARÁ, Governo do Estado do Pará (SECULT). Belém da Saudade: A Memória de Belém do
Início do Século em Cartões-Postais. Belém: SECULT, 1996. P. 210.
43

O universo de poder e de comando dos negócios capitalistas, no período da


economia da borracha, era predominantemente masculino. Às mulheres era
delimitado um território de ação, sendo que os cuidados do lar e a educação dos
infantes nas escolas primárias eram os mais relevantes. No entanto, no campo da
música, mulheres destacaram-se por sua atuação como compositoras, regentes e
gestoras. Evidencio aqui a pianista Mª Flora Pinto Marques, a primeira aluna a ser
diplomada no Instituto Carlos Gomes, tendo sido nomeada professora ainda na
primeira fase do conservatório (1895-1908), aparecendo seu nome numa caderneta
escolar do Instituto Carlos Gomes, em 1900 (fig. 07) e Cecília Ierecê de Lemos, autora
de uma valsa, instrumentada para piano a quatro mãos, por Carlos Gomes. Essas
duas musicistas conviveram com Antônio Carlos Gomes no tempo de suas últimas
viagens para Belém.

Figura 7 Mapa do movimento de aulas, ano1900. Cadeira ocupada por Mª Flora Pinto Marques.

Fonte: Arquivo Público do Estado do Pará.

No contexto da educação das mulheres naquele tempo, o governo classificava


as crianças, principalmente as meninas, como “desvalidas”, “encostadas” ou
“agregadas”, pois sendo órfãs e filhas de famílias sem recursos financeiros, eram
submetidas aos rigores dos internatos e seus regulamentos (Sousa, 2014). Em todos
os colégios, internatos ou não, a música era oferecida como disciplina pertencente ao
desenho curricular, a exemplo do Colégio Nª Senhora do Amparo, atual Colégio Gentil
44

Bittencourt, onde era ofertado o ensino da música para as meninas internas. O


professor de música desse colégio foi Joaquim Pinto de França10, pianista formado na
Itália e professor do Instituto Carlos Gomes, na fase que Carlos Gomes foi o primeiro
diretor.
Quanto à formação educacional oferecida pelo Colégio do Amparo, a pedagoga
Celita de Sousa (2014, p. 16) informa:

O ensino ficava dividido em três graus: no primeiro haveria doutrina


cristã, deveres morais e religiosos, leitura, escrita, aritmética até
frações; no segundo, exercício de agulhas de todo o gênero e de todos
os outros misteres próprios do sexo feminino; no terceiro, artes de
recreio, como canto, piano, dança e desenho.

Sarges (2010, p. 50), nos apresenta um enfoque especial às mulheres das


classes abastadas:

Na cidade de Belém do século XIX, mulheres das classes abastadas


tinham um zelo especial pela indumentária, tanto que mandavam
buscar seus vestidos em Londres e / ou Paris. Para resolver esta
questão, estabelecimentos comerciais se instalaram para atender o
requinte de damas e cavalheiros. Entre essas casas, destacamos a
Paris N’América, o Bom Marché e casas exclusivamente de modas e
chapéus, como a Maison Française, de Mme. Russo, entre tantas
outras, além de lojas ambulantes que vendiam, em carros e tabuleiros,
fazendas francesas, inglesas e diversas miudezas.

Ao observarmos este conjunto de mulheres expressando-se através de uma


cena fotográfica, (fig. 08), é possível compreender as conexões da imagem com os
propósitos políticos e ideológicos das classes dominantes do Norte do Brasil, no
período da belle époque. O cenário preparado para exibir as mademoiselles,
demonstra, assim como o vestuário e adereços usados pelas mesmas, que a Belém
da época narrada, apresentava-se como um lugar de alta convivência social, vida
urbana moderna e preparada para receber visitantes e investidores.
A fotografia em tela foi publicada num luxuoso álbum trilíngue (português,
italiano e alemão) impresso em 1899, para exibir os feitos da administração do
governador José Paes de Carvalho, o médico que chefiou a equipe de profissionais
da saúde que cuidaram de Carlos Gomes nos últimos momentos de sua vida. O
responsável pela edição foi o fotógrafo português Felipe Augusto Fidanza. Esta

Uma breve biografia deste músico paraense pode ser encontrada em: Salles, Vicente. Música e
10

Músicos do Pará. 2016. Belém: Fundação Cultural do Pará, 2016. p. 269.


45

modalidade de publicação servia, à época, para divulgar as ações dos governantes,


assim como fazer propaganda dos empreendimentos comerciais, lugares e arquitetura
da cidade e do estado.

Figura 8 Grupo de senhoras paraenses fazendo pose para o estúdio F. A. Fidanza.

Fonte: PARÁ, Governador (1897-1901: J. P. de Carvalho) Álbum do Pará em 1899, p. 70.

O período da belle époque foi analisado posteriormente por muitos autores que,
cercados de tons críticos ou certa ironia, contrastavam com aqueles que narravam o
período olhando somente pelo lado das elites. Tocantins (1979), jornalista, escritor e
historiador, em seu ensaio “Grão-Pará, descortina a paisagem cultural da Belém da
belle époque, no período que o autor chama de “borracha époque”, tempos de quase
cinquenta anos de sonhos e ilusões.

A cidade dos Oitocentos expande-se nas relações de arquitetura


sucedida no roteiro colonial, com os acréscimos de novo estilo:
“império brasileiro”. É a expressão de triunfo estético do Teatro Nossa
Senhora da Paz e do Paço Municipal, hoje Palácio da Prefeitura de
Belém, de algumas residências e chácaras deliciosas. Chácaras que
no Grão-Pará se chamavam amorosamente “rocinhas”, verdadeiras
“noivas” ecológicas de seus proprietários. [...] Passou-se esse largo
tempo na Europa como sendo fin de siècle. Um fim que se estende até
a Guerra de 1914. O Grão-Pará acompanhou-o: nas ligações
46

espirituais, culturais, materiais com a Europa e seu sociológico fin de


siècle, quando as vogas da belle époque marcam a sociedade
europeia e, por extensão, a grão-paraense. [...] Deu-se, em tempos
recentes, nome um tanto irônico, paródia à referida classificação
histórico-social francesa: “borracha époque”. Na verdade, está bem.
[...] Caracteriza quase cinquenta anos de foros, riqueza, liberalidades,
libertinagem, euforias, loucuras. Em pé de árvore que chora, aliás,
título de romance em ambiências amazônicas da austríaca Vicki
Baum. Choro, prantos da floresta que permitiram tudo isso. [...] O
Grão-Pará viveu anos nessa ilusão.

1.3 O francesismo como mote de civilidade burguesa.

Na capital do Pará, o francesismo começou a ganhar expressão antes mesmo


da belle époque. Bassalo (2008) aponta que já em 1854, registrava-se na cidade a
existência de lojas de produtos importados, como a Ville du Havre e sua concorrente,
a Empresa das Damas Reunidas, que veiculavam pela imprensa local anúncios
exaltando a qualidade de seus produtos.
Observando as notícias dos jornais, álbuns, fotografias, relatórios e outros
documentos que circulavam na Belém da borracha vimos que a língua francesa era
presente na vida da cidade, costume que, em parte, foi idealizado por integrantes das
elites. Seja na imprensa, na literatura, nos avisos internos do Theatro da Paz ou na
maneira de falar das pessoas, as expressões em francês estavam presentes no
cotidiano da sociedade daquele tempo. Atualmente ainda existe uma avenida na parte
antiga da cidade, denominada de Boulevard Castilhos França.
Entre tantas expressões correntes na literatura, em placas de
estabelecimentos, anúncios de jornais e outras formas de usar o francesismo corrente
naqueles tempos da Belle Époque, o tratamento entre pessoas se destaca, conforme
tópicos de uma carta, escrita da Itália por Carlos Gomes, os quais foram transcritos
no jornal “A Província do Pará”, comentando uma composição da paraense Cecília
Ierecê de Lemos. Assim Gomes se referiu à jovem filha do intendente Antônio Lemos:
“A valsa de mademoiselle Cecilia pode ocupar um posto de qualquer concerto, tanto
a quatro mãos, como para dois pianos e mais até. Interessei-me pela valsa por ter
reconhecido o talento e a inspiração espontânea de mademoiselle Cecilia” (Moura,
1895, p. 95).
No campo da educação, o conjunto de disciplinas exigidas no ensino médio,
naquele tempo, incluía línguas estrangeiras, estando a língua francesa entre as mais
47

requisitadas, como anunciado no relatório apresentado à Assembleia Legislativa


Provincial, pelo presidente da Província do Pará, José Coelho da Gama e Abreu, em
1881, referente ao ano de 1880. No Anexo referente à Instrução secundária, aposto
nesse relatório, o presidente demonstra o movimento de matrículas no Lyceu
Paraense11 (fig. 09), atual Colégio Paes de Carvalho, e indica os alunos matriculados
no ano de 1880, nas diferentes disciplinas, percebendo-se que a língua francesa está
entre as três mais requisitadas nas matrículas, juntamente com gramática filosófica e
matemática.
O desenho curricular do Lyceu Benjamin Constant, abrigado no mesmo prédio
do Lyceu Paraense, no período noturno, com o perfil de escola de instrução técnica e
artística profissionalizante, também oferecia aos alunos os cursos de francês e de
música, este último, sob a responsabilidade do maestro Gama Malcher, conforme
informa Moura (1895):

O Lyceu Benjamin Constant já tem preparado bons operários


industriais e excelentes artistas. O pessoal de ensino é hábil e
diligente; consta dos seguintes professores: Raymundo Espindola
(português); Dr. Octaviano Paiva (francês); Cap. Sabino Luz
(aritmética); Dr. Ignacio Moura (álgebra); Dr. Henrique Santa Rosa
(geometria e desenho geométrico); Roberto Moreira (contabilidade);
Bernardino Marques (geografia e história); Maestro José C. da Gama
Malcher (música); José de C. Figueiredo (desenho); João F. de Mello
(aula primária); Dr. Carlos A.V. de Novaes (geografia e história); Zeno
Cardoso (taquigrafia); Dr. Antonio Marçal (química e física); Dr.
Hildebrando B. de Miranda (idem); Dr. José A. Pereira Guimarães
(história natural). (Grifos do autor).

11O Lyceu Paraense funcionava nos turnos diários, e à noite, em seu grande edifício, funcionava o
Lyceu de Artes e Ofícios Benjamim Constant. Na parte posterior deste prédio, estava o Conservatório
de Música da Academia de Belas Artes, onde Carlos Gomes foi diretor.
48

Figura 9 Fotografia do Lyceu Benjamin Constant

Fonte: Belém da Saudade: a memória de Belém no início do século em cartões-postais. SECULT,


1996. P. 183.

Leandro Tocantins (1979, p.34), cita anúncios em francês, “a segunda língua


de Belém do Pará”, exemplificando como o idioma estrangeiro “embelezavam” as
propagandas:

Por exemplo, grande advogado, homem público paraense que havia


sido Ministro das Relações Exteriores no primeiro Gabinete
republicano, anunciava: DOCTEUR JUSTO CHERMONT Bureau de
Avocat. Travessa Campos Salles nº 6 – bis. Depuis 9 heures du matin
Jusqu’ à 5 heures du soir.

Outro exemplo que Tocantins (1979, p.34) nos fornece, chama atenção pela
variedade de serviços prestados pela loja BOUQUET PARAENSE, Pará – 5, Rue
Padre Prudêncio, 5 – Brésil, que assegurava ser a Unique fabrique de cigarettes
confectionnées avec tabac spécial. Agence théâtrale et des principaux jornaux du
Brésil et d’Europe.
O francesismo, cultivado pela burguesia amazônica, era uma das faces visíveis
das fortes influências estrangeiras recebidas pela sociedade belenense no período
chamado de belle époque, principalmente na segunda metade do século XIX,
passando pelo fin de siècle até a primeira década do século XX.
49

1.4 Os italianos na música e em outros ofícios.

O processo de imigração e de trânsito de estrangeiros para Belém foi


impulsionado pela vinda constante, a partir do ano de 1880, de empresas italianas,
companhias de operetas, teatro de revistas e outros grupos, vindos da Espanha e
Portugal, atraídos pelos investimentos públicos e privados no mercado cultural da
cidade.
Vários músicos italianos, incluindo regentes, cantores e pessoal de apoio, se
estabeleceram em Belém, que vinham diretamente da Europa ou via outros estados,
como, por exemplo, os regentes e compositores Enrico Bernardi e Ettore Bosio, Luigi
Sarti, entre muitos outros. Marília Ferreira Emmi (2008, p. 228-229), em sua pesquisa
sobre os italianos na Amazônia, assim fala:

A pesquisa sobre a presença italiana na Amazônia conseguiu


identificar construções específicas onde os imigrantes italianos
trataram de preservar sua cultura através das associações, da
imprensa, da sintonia com os rumos da política italiana, das
comemorações festivas que congregavam a comunidade, entre
outras.

A partir de informações encontradas na obra “Música e Músicos do Pará”,


(Salles, 2016), além de outros trabalhos desse autor, jornais que circularam na capital
do Pará e demais fontes estudadas (artigos, trabalhos acadêmicos, relatórios,
documentos oficiais etc.) foram elencados, para este trabalho, alguns artistas e
profissionais liberais italianos que viveram ou tiveram significativa passagem por
Belém, no período da belle époque. Não estão presentes os artistas que faziam parte
dos elencos das temporadas líricas, que só estiveram em Belém de forma passageira.
Alguns desses artistas ou profissionais liberais aqui citados estiveram próximos
do maestro Carlos Gomes em suas estadas em Belém, principalmente aqueles que
participaram das temporadas líricas ou no ensino particular ou no Conservatório de
Música da Academia de Belas Artes, fundado em 1895 e que teve o maestro paulista
como primeiro diretor.
As informações simplificadas de alguns desses profissionais, neste
levantamento, se dão para melhor percepção da imigração italiana para o Norte do
Brasil, como parte de um processo de movimentação humana, incentivada pelo poder
público e pelos particulares que tinham poder associativo para receber os imigrantes
50

da Itália, como também de Portugal, Espanha, França, Estados Unidos da América,


entre outros países.

Quadro 1 Relação de profissionais italianos que viveram em Belém, na belle époque.


Artistas e profissionais liberais italianos que viveram em Belém na belle époque.
Nome Profissão Outros dados
Luigi Acetti Contrabaixista Fez parte da Orquestra do Instituto Carlos
Gomes (1ª fase -1895-1908)
Sperindio Aliverti. Pintor e artífice Discípulo de Domenico de Angelis
Enrico Bernardi Compositor e Regente Foi o segundo diretor do Conservatório de
Música em substituição de Carlos Gomes
Simone Bernardi Trombonista, Compositor e Filho do maestro Enrico Bernardi. Chegou ao
Regente Pará acompanhando o pai, permanecendo
por vários anos.
Ettore Bosio Compositor e regente Foi atuante no Pará por muitos anos. Foi o
primeiro diretor do Instituto Carlos Gomes, em
sua segunda fase de 1929 a 1936.
Arthur Caccavoni. Comerciante e editor Proprietário de tipografia e litografia em
Belém. Editou vários jornais e revistas
ilustrados, de caricatura e de música
Pedro Campofiorito. Pintor, decorador e Decorador (pintura) da cúpula da Igreja de
ilustrador Sant’Ana.
Giuseppe Capelani Trompetista Chegou em 1882 como integrante da
Companhia Lírica Italiana.
Giuseppe Ceroni Fagotista Foi professor do Conservatório de Música a
partir de 1896.
Gino Coppedé Arquiteto Florentino Autor do projeto da Basílica de Nazaré de
Belém.
Maria Cossia Cantora e professora Veio muito jovem para Belém, vivendo por 40
anos na cidade, até mudar-se para o Rio de
Janeiro.
Romeo Dionesi Regente Veio para Belém como regente da
Companhia de Zarzuelas e Operetas de D.
José Garrido.
José Garci Compositor e cantor (baixo Veio para Belém como integrante da
profundo) companhia lírica. Morreu na capital paraense
depois de mais de 30 anos de atividade como
professor, cantor de coros e compositor de
música sacra.
João Maria Gorzoni Jesuíta músico Nasceu em Mântua, em 1627 e morreu em
Belém em 1711.
Astorre Nini Flautista e professor Professor do Instituto Carlos Gomes desde a
sua fundação. Veio para o Brasil com a
orquestra de uma companhia lírica do
maestro campinense Joaquim Franco.
João Pedro Panário Compositor Pianista e Se estabeleceu em Belém desde 1880.
cantor (baixo profundo)
Marieta Mattera Pianista Esposa de Domingos Peluso, imigrante que
Peluso se radicou em Santarém, no oeste do Pará.
Tiveram duas filhas que se dedicaram à
música: Gioconda e Raquel Peluso.
Edoardo Pierantoni Compositor, regente e Radicou-se em Belém onde faleceu em 1922.
professor de música
Carlos Refoli Violinista, flautista e Fez parte de várias orquestras, inclusive a do
violonista Instituto Carlos Gomes, em sua primeira fase.
51

Clemens Rizzi Religiosa, organista e De Cremona. Veio para Belém aos vinte anos
pianista em 1890 onde viveu até 20.02.1939.
João Rossetti Flautista e professor Radicou-se em Belém em 1899.
Eugenio Sacco Violoncelista Chegou em Belém em 1901 onde
permaneceu por vários anos.
Rafaello Segré Compositor e regente. Chegou ao Pará em 1908 contratado como
Crítico musical e diretor artístico do Moulin Rouge, ficando em
caricaturista. Belém até 1920.
Julio Ugolini Cantor Foi muito atuante. Sua filha Joana Ugolini foi
professora de piano em Belém.
Fonte: Informações coletadas pelo autor durante as pesquisas.

A fotografia publicada por Arthur Caccavoni (fig. 10), ele mesmo um imigrante
identificado no presente levantamento, ilustra o processo imigratório implementado
naquele tempo. A vinda dessa mão-de-obra, formada por cidadãos com experiências
diversas, iniciou no período imperial pela necessidade de expansão das fronteiras
agrícolas e para a povoação das terras ao longo da Estrada de Ferro de Bragança
(Lacerda, 2018), como também para os trabalhos nas indústrias, comércio e para as
atividades culturais e artísticas.

Figura 10 Hospedaria de imigrantes na Ilha de Outeiro em Belém do Pará.

Fonte: Álbum Descritivo Amazônico. Arthur Caccavoni. Edição do autor. Brasil-Itália, 1899, p. 47.
52

1.5 Os alemães e o piano em Belém: fabricantes, afinadores e cons(c)ertadores.

A imigração de alemães para a Amazônia, no período aqui estudado, não foi


tão impactante quanto a portuguesa, espanhola ou italiana, no entanto foi significativa,
principalmente na área musical, com a presença dos fabricantes, afinadores e
concertadores de pianos. Vicente Salles chama atenção para a contribuição alemã,
no que concerne à formação musical dos paraenses.

Discreta, porém mais profunda, foi sem dúvida a contribuição cultural


dos germanos, principalmente pela música. Vimos, no primeiro volume
deste trabalho, a ação pessoal e fecunda de Adolfo José Kaulfuss
(1818-1874). Em tempo mais recuado, no primeiro século do processo
colonizador, destacaram-se missionários de origem tedesca, entre
outros, o padre João Felipe Bettendorff (1627-1698). Doravante,
podemos falar dos inúmeros jovens paraenses que foram estudar em
Leipzig ou em Berlim. Tivemos toda uma geração de pianistas
formados em Leipzig, na escola do renomado Roberto Teichmüller,
entre outros Paulino Chaves (1880-1948), Alice Bacellar Kostenbader
(1898-), Maria Celeste Cordeiro de Oliveira (1898-1959) ou Esmeralda
Fayal de Lira. O compositor Manuel Castello-Branco (1867-1926)
também fez toda a sua formação, no aperfeiçoamento da arte, no
Conservatório de Leipzig. E o eclético Clemente Ferreira Júnior (1864-
1917) frequentou o mesmo Conservatório. A valsa foi a mais
duradoura influência da cultura germânica, principalmente o modelo
vienense. (Salles, A Música e o Tempo no Grão-Pará, Vol. II. inédito,
p.22).12

Após a revolução da Cabanagem, a Catedral de Belém recebeu, em janeiro de


1842, um novo organista, o português João Nepomuceno de Mendonça, para exercer
o cargo de Caperllmeister, contratado pelo Presidente da Província do Pará, Bernardo
de Souza Franco. Dentre as funções comprometidas por contrato, Mendonça teria que
lecionar piano no Seminário Episcopal e na Casa das Educandas (Pará, 1842, p. 9-
10).
O fato narrado acima comprova a existência do ensino de piano nessas
instituições no fim da Cabanagem, demonstrando que esse instrumento já era
encontrado no Pará desde esse tempo, ou há bastante tempo, e que pode ter sido
trazido para o Pará, pela igreja católica assim como os órgãos, trazidos para a

12 A obra inédita a que referimos intitula-se “A Música e o Tempo no Grão-Pará”, Vol. II, pertencente a
tetralogia escrita pelo folclorista e musicólogo Vicente Salles. Dos quatro volumes que versam sobre a
história da música no Pará, somente o primeiro e o quarto volumes foram lançados: “A Música e o
Tempo no Grão-Pará”, em 1980 e “Sociedades de Euterpes”, em 1985. A edição dos quatro volumes
está sendo preparada pela Professora Marena Salles, viúva do autor, e deverá ser lançada
oportunamente.
53

Amazônia, para fazer parte da estrutura das igrejas construídas desde o período
colonial.
A fabricação e importação de pianos aumentaram, em Belém, ao longo da
segunda metade do século XIX, conforme o mercado musical aquecia-se, embalado
pelo boom da borracha. Sabe-se que o uso desse instrumento nem sempre foi
creditado aos profissionais da música. Os “pianeiros”13, tiveram papel importante na
difusão das partituras para piano e do próprio instrumento, tanto que era comum, em
Belém e em outras cidades brasileiras que as lojas que comercializavam partituras,
instrumentos e acessórios contratasses esses “malabaristas do teclado e da leitura à
primeira vista, como uma atração para suas vendas” (Castro, 2005, p. 85).
A chegada, distribuição e uso do piano no Brasil, desencadearam uma série de
novas profissões e atividades relacionadas, como montadores de pianos e órgãos;
representantes, fabricantes, lojas de revendas, editoras e tipografias especializadas
em editar partituras; afinadores, pianeiros, entre outros e ainda os famosos
carregadores de pianos (fig. 11), que no estado do Pará sobreviveram até a década
de 1960 (Castro, 2013).

Figura 11 Carregadores de piano portugueses em Belém

Fonte: Frame retirado de um vídeo sobre Belém. Disponível em: https://fauufpa.org/2013/12/27/os-


lendarios-portugueses-carregadores-de-pianos-1932/. Acesso em: 15 de agosto de 2020.

13 Expressão um tanto pejorativa, usada para denominar aqueles instrumentistas que não tocavam
piano com a técnica, aprimoramento e perfeição exigida pelos ouvintes intelectualizados musicalmente
(Castro, 2005), mas que se encontra com frequência em trabalhos historiográficos e musicológicos.
54

Não localizamos o período exato que o piano chega ao Pará, mas podemos
estimar que seja por volta dos anos finais do período colonial ou nos primeiros anos
do império, pois, como já falamos anteriormente, o português J. N. de Mendonça,
chegou em Belém com muitas tarefas contratadas, entre elas a de lecionar piano.
O pianista Joaquim Pinto de França, discípulo do organista português
Nepomuceno de Mendonça, foi o primeiro paraense a cursar um conservatório de
música na Itália (Salles, 2016). Quando retornou de seus estudos, em 1859, anunciou
no jornal Diário do Comércio (18 de maio de 1859, p. 3), aulas de piano, canto e
harmonia.
João Nepomuceno de Mendonça e seus discípulos, Henrique Gurjão14 e
Joaquim França, tiveram vários alunos de piano, podendo-se pressupor que o
instrumento fazia parte da vida daqueles que se dedicavam à performance, à
composição ou às atividades diletantes, naquele tempo.
Em 1868, vários músicos que estavam atuando no ensino e na performance de
piano e órgão, em Belém, anunciaram seus serviços no Almanak15 Administrativo,
Mercantil e Industrial, elaborado por Carlos Seidl (1868, pp. 251-253), livreiro e músico
amador austríaco. Entre os 36 músicos anunciantes, selecionamos os professores e
executantes de piano e órgão. São eles:
Adolpho Kaufuss, organista, mestre de capela da Catedral de Belém e
pianista; Francisco de Souza Moreira, piano e órgão; Henrique Eulálio Gurjão,
pianista e compositor, contrapontista, chefe de orquestra, encarrega-se de músicas
para festividades religiosas; Cônego Ismael de Sena Ribeiro Nery, piano e órgão;
Idalina Pinheiro França, Professora de piano no Colégio de Nª Sª do Amparo, leciona
também particularmente; Joaquim Pinto de França, Organista da Catedral de Belém,
leciona piano particularmente; Lionísia Miranda Zeller, pianista.
O comércio de pianos no Pará começou a se desenvolver na década de 1850.
Vicente Salles (2016, p. 453) informa:

14 Dois alunos de Henrique Eulálio Gurjão destacaram-se no contexto da belle époque: Aureliano
Guedes e José Domingues Brandão, este, um dos que refundaram o Instituto Carlos Gomes, em 1929.
Gurjão também foi professor de suas filhas, Henriqueta, pianista e mezzo-soprano, Ana Eulália, cantora
e pianista, Joana e Pórcia, cantoras.
15 Almanak foi um tipo de publicação muito comum no Brasil no século XIX e XX, sendo importante

fonte de informações históricas, comerciais, administrativas, entre outras. Com anúncios pagos, os
almanaques prestavam relevante serviço à indústria, comércio e setores de serviços públicos e
privados. De alguns desses almanaques foram retiradas importantes informações e ilustrações para
esta tese.
55

Em 1858 achava-se estabelecido em Belém o francês Frederico


Vionne como representante dos pianos Allison. Publicou anúncio no
Diário do Comercio, Belém, nº 110, 18/05/1858, p. 4: “Piannos Allison,
bem conhecidos nesta praça, a venda no Armazém de Frederico
Vionne”.

Dentro do movimento imigratório, impulsionado pelo mercado da borracha,


chegaram a Belém construtores, consertadores e afinadores de piano, principalmente
alemães, o que colaborou com o desenvolvimento da fabricação, manutenção e
comercialização local.
Em 1868, encontramos no Almanak, de Carlos Seidl, publicado naquele ano,
as primeiras informações sobre fabricação de piano em Belém. Nessa edição são
anunciados os seguintes fabricantes, afinadores e consertadores de pianos, órgãos
etc. com seus respectivos endereços (fig. 12):

Figura 12 Anúncio de serviços para fabricação, consertos e afinação de pianos, órgãos etc

Fonte: Almanak Adm. Merc. e Ind. 1868, p. 253.

Salles (2016b, p. 454-455) elaborou os verbetes dos “principais artistas no


Pará”, notadamente os de origem germânica:

George Wacker, germânico, primeiro e mais importante fabricante no


Pará. Publicou anúncios no Alm. Adm. e em vários jornais. Ainda em
1892, estabelecido na rua 13 de Maio n. 84, anunciava no Correio
Paraense pianos de fabricação própria e estrangeiros que
representava. Dizia-se o mais antigo nesta cidade. Em 1893 já havia
passado a direção dos negócios para François de Saint-Geran,
depósito, venda, aluguel e consertos de pianos, em novo endereço na
rua Santo Antônio, 14.
56

No mesmo periódico, em 1893, encontramos anúncios de Eugênio


Müller, fabricante de pianos, estabelecido também na rua 13 de Maio
nº 78. No Alm. do Pará, de Pinto Barbosa, 1889, é citado apenas como
afinador de pianos, estabelecido na travessa da Indústria nº 4, ao lado
de outro alemão, Alberto Frend, estabelecido no Largo da Misericórdia
nº 3. Anúncio publicado na 4 p. do Correio Paraense, Belém, nº 26,
1/6/1892, estampa clichê de piano de “fabricação própria” de E. Müller.

Albert Frend chegou ao Pará no começo da década de 1860 e em


1893 ainda residia em Belém. Afinador de pianos, depois comerciante
e importante editor de músicas. Em 1889 é citado no Alm. do Pará, de
Pinto Barbosa, como afinador de pianos, apenas, estabelecido no
Largo da Misericórdia nº 3. Antes, teria sido fabricante, mas o comércio
e representação de marcas famosas de pianos alemães acabou
superando esta atividade.

Frederico Hühn também chegou ao Pará na década de 1860 com a


habilitação de construtor e afinador de pianos, para trabalhar na casa
Alberto Frend. De operário, passou a sócio. Em 1895 tornou-se
sucessor de Alberto Frend, e denominou Mina Musical a loja instalada
no mesmo prédio do largo da Misericórdia, agora denominado praça
Visconde do Rio Branco, com o comércio de músicas, pianos, caixas
de música, realejos, gramophones, bicicletas, brinquedos, colunas,
bustos, estatuetas, mobílias, miudezas e outros artigos. A Mina
Musical também foi importante editora de música de compositores
paraenses, desenvolvendo suas atividades até cerca de 1910.

Gustavo Engelke. De origem germânica, já estava estabelecido em


Belém em 1886, na trav. São Mateus, hoje Padre Eutíquio, canto da
rua das Flores, hoje 13 de Maio, com oficina e operários
especializados e publicava anúncios de sua fábrica de instrumentos
de cordas e fole, “única no gênero”, órgãos, pianos e outros
instrumentos musicais. Foi um dos artistas mais criativos e diversificou
bastante suas atividades.

Num dos anúncios de Geoge Wacker no Almanak de Seidl (1868, p. 289) (fig.
13), verifica-se que o fabricante tinha uma loja com show room para venda de pianos
de sua própria fábrica e consignados, banquetas e partituras para duo de canto e
piano. A empresa também atuava no mercado de aluguel de instrumento para
concertos, saraus e outros eventos muito comuns na cidade, naquele tempo.
57

Figura 13 George Wacker. Anúncio de venda, consertos e aluguel de pianos

Fonte: Almanak de Seidl (1868, p. 289).

A propaganda de venda, afinação, consertos e fabricação de pianos em Belém,


principalmente na segunda metade do século XIX, demostrava a concorrência
acirrada entre os empresários do setor. Utilizando estratégias de convencimento por
imagens e palavras, alardeavam seus produtos e suas empresas como a melhor que
o consumidor poderia encontrar.
George Wacker, percebendo a concorrência acirrada em um mercado
aquecido, anuncia uma “nova invenção patenteada, os pianos com gaveta para
guardar músicas” (Diário de Notícias, 15/07/1890, p. 4) (fig. 14) propondo certa
praticidade ao executante, pois assim teria suas partituras sempre por perto e
organizadas.
58

Figura 14 Anúncio de Pianos com gaveta.

Fonte: Diário de Notícias – 15 de julho de 1890. p. 4.

A concorrência no mercado de pianos na belle époque belenense estimulou a


criatividade dos fabricantes. Gustavo Engelke, que em 1889 havia solicitado apoio do
governo para seu empreendimento16, anunciou na Folha do Norte, uma “alta
novidade”, o piano de três pedais (fig. 15), feitos especialmente para os climas
tropicais e informa que: “o pedal do meio permite ao executar dar o som semelhante
ao da harpa e do mandolino (bandolim), sucesso este até hoje desconhecido em
pianos” (Folha do Norte, 26/03/1897, p.3).
O anúncio demonstrava que esses pianos seriam importados de fábricas
alemãs, com a construção supervisionada por Engelke, que provavelmente fornecia
madeiras brasileiras ou da Amazônia, pois afirma que “os fabrica especialmente para
o clima tropical” (Folha do Norte, 26/03/1897, p.3). O fato se reverte de grande
interesse histórico, visto que os despachos aduaneiros, transporte e desembaraços
fiscais, eram atividades de profissionais altamente qualificados, assim como,
demonstrou que havia uma demanda de consumo suficiente para alavancar a
fabricação local, importação de pianos e, como visto em muitos outros anúncios, de
todos os instrumentos musicais.

16 O jornal O Liberal do Pará, ed. de 07 de fevereiro de 1889, p. 3, informou que Gustavo Engelke &
Ciª., pediu ao governo a subvenção de 5.000$000 (cinco contos de réis) para montar uma fábrica de
instrumentos.
59

Figura 15 Anúncio do piano de três pedais.

Fonte: Jornal Folha do Norte. 26 de março de 1897, p. 3.

Em busca de avançar ainda mais no mercado, Engelke anunciou no jornal O


Democrata, na edição do dia 06 de agosto de 1891, dois anos após solicitar apoio do
governo, a sua “Fábrica de Instrumentos de Música”. A fábrica possuía seções de
luteria de cordas e fundição e montagem de instrumentos de metais, além da
fabricação de órgãos.
No anúncio citado acima consta a relação de alguns dos instrumentos
fabricados, destacando-se o “Órgão-Orchestrion”, (fig. 16) um interessante artefato
multiuso.

Fabricam-se harmoniuns, órgãos com flautas, trombetas, pistons,


bombardinos e violinos, todos preparados com madeira do pais, como
o clima exige, o que podemos provar com o ORGÃO-ORCHESTRION
que esteve em exposição em Nazaré no ano de 1887 e depois no Rio
de Janeiro, e, além disso visitado na própria oficina pelas pessoas
mais gradas deste Estado, durante o tempo que o fabricaram.
60

No mesmo anúncio, Engelke explicou as possibilidades e a versatilidade do


Orgão-Orchestrion.

Pois bem, os instrumentos assim preparados não precisam de reclame


algum, e têm a vantagem de ser tocados de duas maneiras: com o
teclado ou cilindro, sendo esta última maneira a mais útil para as
igrejas, capelas e salões onde não tenha organista habilitado; e desta
forma toca-se músicas clássicas, missas, ladainhas para novenas, e
tudo o que se desejar, com a maior execução.

E, por fim, faz um comentário que soou um tanto jocoso. “Fazem qualquer
concerto em todos os instrumentos deste sistema, com toda a perfeição e barateza”,
ficando a dúvida se a palavra “concerto” se referia à uma apresentação musical, ou
ao conserto de instrumentos, pois, em outros anúncios, a palavra “concerto” se referiu
a consertar instrumentos.

Figura 16 Anúncio do Órgão-Orchestrion.

Fonte: “O Democrata”, 6 ago 1891, p.2.

Outro fabricante de pianos, Eugênio Muller, anunciava o endereço de sua


fábrica, sito a Rua 13 de maio, Nº 78, deixando claro no anúncio (fig. 17), os valores
de afinação, ao custo de 10$000 (dez mil réis) e que seus negócios de compra, venda,
e consertos de pianos usados era sempre à vista, “todo à dinheiro”. O fabricante e
61

comerciante parecia cuidadoso com suas finanças, pois, no anúncio já informava:


“concertos (sic) conforme ajuste, pagáveis no ato da entrega”.

Figura 17 Anúncio de compra, venda, aluguel e conserto de pianos.

Fonte: Correio Paraense, 3 jul 1892, p. 3.

Em 1898 Gustavo Engelke anunciou o “piano automático”, uma espécie de


pianola, encomendado nos Estados Unidos da América (fig. 18) e assim buscava
conquistar um público mais abrangente, dizendo “que qualquer pessoa executa com
perfeição como um bom pianista”, alardeando que era uma “novidade estupenda!
Nunca vista!” e contava a vantagem de que “podem ser tocados de duas maneiras,
no teclado, e automaticamente por meio de um motor, de forma que qualquer pessoa
executa com perfeição como um bom pianista”.
62

Figura 18 Anúncio do Piano Automático.

Fonte: Jornal O Pará, 10 jan 1898.

Naquele tempo, os preços dos pianos e órgãos eram elevados, limitando o


acesso a esses instrumentos somente às instituições e às classes economicamente
mais abastadas. Criou-se, então, uma lenda no Pará, que no período da belle époque,
casa sim, casa não, na região urbanizada da cidade, tinha um piano.
Na pesquisa para este trabalho, foi encontrado no Acervo do Centro de
Memória da Amazônia, vinculado à Universidade Federal do Pará, o processo Nº
6856, em grau de apelação à Corte Suprema do Brasil, movido contra o estado, pela
senhora Ignês Maria de Lemos, viúva do Intendente Antônio Lemos. No bojo do
processo, entre as fotografias da casa de Lemos, ajuntadas ao mesmo, estão as
imagens de um piano (fig. 19) e de um órgão (harmônio) (fig. 20), localizados às folhas
87 (verso) e 88.
Esses instrumentos estavam em meio a centenas de objetos que decoravam a
casa do político. Por certo que nessa residência, assim como em outras, aconteciam
saraus e pequenos recitais e, embora ser ter colhido os dados mais acertados, deduz-
se que o maestro Carlos Gomes frequentou essa residência e talvez tenha assistido
pessoalmente a mademoiselle Cecília Ierecê, filha de Lemos, tocar a sua premiada
Valsa “Benjamim Constant”.
63

Figura 19 Detalhe da residência do intendente Antônio Lemos, onde aparece um piano.

Fonte: Processo 6853, fls. 87 (verso). Arquivo do Centro de Memória da Amazônia.

Figura 20 Detalhe da residência do intendente Antônio Lemos, onde aparece um órgão tipo
harmônio.

Fonte: Processo 6853, fls. 87-verso. Arquivo do Centro de Memória da Amazônia.


64

Ainda no processo supracitado encontramos uma fotografia na parede de uma


das salas em que sobressai um retrato do maestro Carlos Gomes (fig.21),
demostrando que a figura do compositor era alvo de admiração e apreço da família
Lemos.

Figura 21 Detalhe de uma das salas da residência do intendente Antônio Lemos, onde aparece,
no canto superior direito, um retrato do maestro Carlos Gomes.

Fonte: Processo 6853, fls. 8-verso. Arquivo do Centro de Memória da Amazônia.

1.6 O mecenato oficial através de bolsas de estudo.

A exemplo de Carlos Gomes, que foi estudar na Europa com incentivos do


mecenato oficial, jovens artistas paraenses, seja com apoio da família ou do estado
foram nos vapores, navegando pelos rios e pelos mares, em direção à capital nacional,
à Europa e Estados Unidos em busca de aperfeiçoamento nas profissões liberais e
nas linguagens artísticas.
Parte da produção artística e da formação de músicos, pintores e outros
artistas, tanto em Belém como no Brasil, foram patrocinadas pelo estado e seguiam
na esteira das ações de D. Pedro II, um dos grandes apoiadores do compositor Carlos
Gomes. O historiador Geraldo Mártires Coelho (2014, p. 9-10) aponta esta forma de
patrocínio como uma ação de Estado.

Assim, Estado brasileiro, ao poder político, em suma, cabia


desenvolver uma ação voltada ao apoio das realizações intelectuais,
fossem técnicas, fossem artísticas, voltadas para sujeitos sociais
65

capazes de contribuir para a consecução do ideal civilizatório do país.


Implantou-se, assim, uma ação feita investimento civilizatório em
homens de talento e criatividade, na forma do mecenato de Estado.

Belém e seus personagens políticos seguiam este mote que, segundo Coelho,
aconteceu desde os tempos da monarquia.

Nesse sentido, o mecenato torna-se visível e recorrente nos anos de


ouro da monarquia brasileira, vale dizer, os das duas últimas décadas
do governo do Imperador D. Pedro II, precisamente durante os quais
brilharam a pintura de Victor Meirelles e a música de Carlos Gomes
(p. 10).

Assim como o mecenato imperial repercutia além-mar, visto que Carlos Gomes
foi para a Europa com o apoio de D. Pedro II, em Belém, no tempo da economia da
borracha, principalmente nas administrações dos governadores Lauro Sodré (1891-
1897), Paes de Carvalho (1897-1901) e Augusto Montenegro (1901-1909) e do
Intendente de Belém Antônio Lemos (1897-1912), o mecenato de Estado foi
constante, tendo o compositor usufruído destes benefícios (Coelho, 2014).
Esses homens públicos, na condução de um mecenato oficial e estatal, aliados
a outros detentores de poder e influência política, como Gentil Bittencourt, vice-
governador no governo de Lauro Sodré, e Pedro Leite Chermont, político e presidente
da Associação Paraense Propagadora das Bellas Artes, patrocinaram as vindas de
Carlos Gomes a Belém, assim como garantiram subvenções, oriundas de verbas
públicas, necessárias para as despesas de montagens de óperas e até demandas
pessoais.
No Pará republicano, os subsídios alocados pelo governo para apoiar artistas
e conceder bolsas de estudo nos grandes centros europeus e na Capital da República
àqueles que se destacavam, eram amparados pelo competente ordenamento legal.
Segundo consta no relatório apresentado por Alberto Mendonça, responsável pela 1ª
Diretoria da Secretaria de Governo, ao Governo do Estado, em 30 de abril de 1898,
as leis Nº 61 de 30 de agosto de 1892 e a de Nº 320 de 3 de julho de 1895, autorizavam
o governo a conceder auxílio para estudantes aperfeiçoarem-se fora do Pará (Pará,
1898).
No relatório supramencionado, percebe-se a cobrança de produtividade dos
estudantes mantidos pelo estado, quando Mendonça diz: “os pensionistas não têm
remetido, com a regularidade necessária, as notas de aulas e outras provas que
abonem a sua vocação e aproveitamento, conforme são obrigados por lei” (p. 2), e em
66

tom de alerta ao governo, o diretor aponta que a lei não estabelece prazo para a
integralização dos estudos, o que permite que eles não apresentem regularidade na
sua formação.
Os pensionistas do estado do Pará na Europa, recebiam, cada um, a quantia
de quatro contos de reis anuais e aqueles que eram mantidos na Escola Politécnica
da Capital Federal, cem mil réis mensais, cada um. Nesse grupo, residente na Capital
Federal (Rio de Janeiro) encontravam-se, no ano de 1898, José Pantoja Leite e Paulo
Pinheiro de Queirós.
Com estes incentivos, o poder público e as famílias abastadas encaminhavam
jovens para estudar em outros países ou grandes escolas no Brasil, visando dotar os
diversos serviços ligados às novas tecnologias da época, de pessoal qualificado para
tocar os negócios, administrar bens públicos e privados e produzir cultura, através da
literatura e das linguagens artísticas.
Embora as famílias pertencentes às elites, usassem de suas influências junto
ao governo para conseguir subsídios, que somados aos recursos próprios facilitariam
a ida dos filhos para estudar nos Estados Unidos e Europa, alguns jovens sem
recursos, foram agraciados com pensões para estudos fora do Pará.
Em um detalhe (fig. 22) do relatório do diretor da Secretaria do Governo do
Estado, consta o nome dos pensionistas que foram estudar pintura em Paris e Roma,
música em Milão e arquitetura em Turim. Por esse relatório constata-se que Milão era,
na época, uma cidade que atraía músicos paraenses, ao voltarem para Belém,
destacavam-se no meio musical. O músico Alípio Cezar Pinto da Silva (1871-1929),
presente na lista do relatório, foi um ativo compositor e flautista. É reconhecido como
o único autor paraense de uma ópera bufa, Notte Bizarra. Estudou no Real
Conservatório de Milão, tendo se dedicado também à literatura e ao magistério.
Quando na Itália aderiu ao anarquismo (Salles, 2016 b, p. 524).
67

Figura 22 Lista de pensionistas que foram estudar na Europa.

Fonte: Relatório apresentado por Alberto Mendonça, responsável pela 1ª Diretoria da Secretaria de
Governo, ao Governo do Estado, em 30 de abril de 1898. Acervo do Arquivo Público do Pará.

Um caso interessante é o do bolsista Corbiniano da Silva Vilaça,17 (1873- 1967),


também presente na lista do relatório. Em 1891, Vilaça recebeu bolsa do Governo do
Estado para estudar pintura em Paris, onde se matriculou na Academia Julien. Nessa
academia estudou até 1898, com Jules Lefebvre e Robert Freury (Salles, 2016b) e,
segundo Sílio Boccanera Junior (1913, P. 390-392), além dos mestres já citados,
aperfeiçoou-se também com C. Widhopff. Foram seus colegas bolsistas, em Paris,
Carlos Custódio de Azevedo, Augusto Escobar de Almeida, pintores que
desenvolveram sólida carreira na república brasileira no campo da pintura,
participando de exposições em Belém e em outros centros culturais.
A bolsa concedida a Vilaça para estudar pintura em Paris, serviu, de fato, para
que ele começasse a estudar música naquela cidade, ainda jovem, quando estava
ainda recém alcançada a sua maioridade. Em Paris, tornou-se amigo do compositor
Francisco Braga, autor de vasta obra, dentre elas a ópera “Jupira” e o “Hino à Bandeira
do Brasil”. Dividindo a mesma moradia com Braga, Vilaça foi incentivado pelo amigo

17Uma breve biografia deste artista paraense podemos encontrar no livro “Música e Músicos do Pará”,
de Vicente Salles (2016b, p. 377-378). No livro “Storia dela Música nel Brasile”, de Vincenzo.
Cernicchiaro, (1926, p. 539), encontramos seu nome grafado como Cornobiano Villaça.
68

a se matricular na Escola de Canto da Grande Ópera, onde foi aluno de Frederico


Lottin (Salles, 2016b).
Iniciado seus estudos de canto, foi gradativamente deixando de lado sua
produção nas artes visuais e se dedicando cada vez mais à música, tornando-se um
cantor de sucesso. Seu desempenho como cantor repercutiu negativamente no Pará,
provocando a perda do mecenato governamental, em 1898. Fez sua estreia, como
cantor em 1898, na cidade de Anvers. Cantou depois em vários teatros da capital
francesa, no de Versailles e no de Chartres. Em 1899, após vários anos de ausência,
retornou a Belém não como pintor, mas como cantor consagrado. Vilaça afastou-se
do Pará, em excursão pelas principais cidades do litoral, fixando-se no Rio de Janeiro,
em cujo meio artístico se integrou (Salles, 2016b, p.377-378). Sua amizade com
Francisco Braga durou por toda a vida, mantendo correspondência com o amigo até
seus últimos dias (Gontijo, 2006).
Esse episódio (Vilaça) demonstra o zelo que o governo do Pará tinha com as
concessões de bolsas para aqueles que eram enviados para as grandes escolas
europeias. As bolsas eram instituídas em leis e os subsídios liberados mediante
compromissos assumidos junto ao governo, pelos beneficiários e, à medida que,
através dos relatórios dos bolsistas, eram percebidos o descumprimento das regras
legais estabelecidas, o governo poderia, como no caso de Vilaça, extinguir o subsídio
concedido.
Dedicando-se à música, Corbiniano Vilaça iniciou uma longa e prodigiosa
carreira de cantor. Com sua potente voz de barítono estreou no mundo da ópera em
Il Guarany, de Carlos Gomes. Consagrado como um dos cantores brasileiros de mais
extenso repertório lírico, integrou a montagem de várias óperas. Fez o papel do
Grande Sacerdote de Sansão e Dalila, de Saint-Saëns, aparecendo ainda nas óperas
Lo Schiavo, Aída, Manon, La Bohème, Barbeiro de Sevilha, Mireille, Traviata,
Rigoletto, Romeu e Julieta, Fausto, Hamleto, Carmem (SALLES, 2016b).
Vilaça teve uma participação efetiva na divulgação da obra de Carlos Gomes
na França, participando de eventos com outros artistas. Um desses eventos
aconteceu no fim do primeiro semestre de 1891, quando incentivou amigos a divulgar
a música de Carlos Gomes em Paris, como vemos na descrição do evento, por
Boccanera Junior (1913, p. 391-392):
69

Em 21 de junho de 1897, graças aos patrióticos esforços de um


brasileiro, também filho do Pará, o talentoso artista Corbiniano Vilaça,
que na capital francesa fez os seus estudos artísticos com Roberto
Fleury, Lefebvre e Widhopff, ouviu-se ainda em Paris música sugestiva
de Carlos Gomes, trechos do Guarany, tocados e admiravelmente
cantados, dessa vez na elegante sala do Théâtre-Ecole da rua Turgot,
nº 25, a dois passos do boulevard de Clichy.
A ideia foi sugerida pelo artista Vilaça a mr. Jules Gallois cantor da
Ópera, com intuito de tornar conhecidos do público parisiense
trabalhos do nosso Maestro. O sr. Gallois, que justamente acabava de
fundar um novo “theatro-escola”, acedeu gentilmente ao desejo do
nosso compatriota, e fez mais: a recita de inauguração do theatro foi
realizada em homenagem a Carlos Gomes.
No programa, interessantíssimo, notavam-se: a bela symphonia, a
polacca gentile di cuore, o célebre duo sento una forza indomita, a
scena e duettino giovinetta nello sguardo e a scena final (trio e coro)
or bene insano.
Os intérpretes dessas peças de canto foram: mlle. Blanche Marot
(Cecilia) e os srs. Gallois, da Ópera (Pery) e Corbiniano Vilaça
(Cacique).

Tendo Sílio Boccanera Junior conhecido Carlos Gomes e convivido com ele,
sua opinião elogiosa ao artista plástico e cantor paraense em 1913 - ano da publicação
da obra citada - refletida na assertiva “graças aos patrióticos esforços de um brasileiro,
também filho do Pará, o talentoso artista Corbiniano Vilaça”, demonstrou o
conhecimento que esse intelectual baiano tinha do movimento cultural de Belém, onde
o maestro paulista esteve por várias vezes e viveu seus últimos dias.
Retornando à questão dos pensionistas paraense, observa-se que o governo
do Pará, nos tempos da belle époque, fazia esses investimentos na qualificação dos
paraenses, movidos por perspectivas desenvolvimentistas, onde progresso e
civilização, palavras do vocabulário positivista, se faziam presentes nos discursos e
ações dos governantes da época. Dentre esses governantes destacamos o
governador Lauro Sodré, positivista de primeira ordem. Adepto da filosofia
desenvolvida por Auguste Comte (1798 – 1857), Sodré foi um republicano histórico e
se manteve fiel às doutrinas positivistas por toda a vida, somando-se a um conjunto
significativo da intelectualidade paraense na defesa e prática dos ideais difundidos
pelo filósofo francês, sintetizados em sua frase célebre: O Amor por princípio, a ordem
por base e o progresso por fim18.

18Esta frase de Auguste Comte, cujo parte do teor – ordem e progresso - foi inscrito na faixa da bandeira
brasileira, encontramos publicada na obra de Comte “The Catechism of Positivism; or Summary
exposition of universal religion” (1858, p. 64).
70

O Positivismo orientou diversas ações de governo em Belém, assim como


serviu de base filosófica para a construção de diversos estabelecimentos de ensino,
como o colégio “Gentil Bittencourt” e o “Lauro Sodré” surgidos na virada do século XIX
para o XX, onde o ensino pela instrução tecnológica e científica, juntamente com o
aprendizado da música, seja teorética ou performática, eram considerados como parte
orgânica da educação de meninos e meninas. O Colégio “Lauro Sodré”, além das
oficinas com maquinários importados e de alta qualidade, possuía uma Banda de
Música que ainda está em atividade nos dias de hoje.
Sobre o Positivismo em Belém, o historiador Geraldo Mártires Coelho, em seu
livro “A Lira de Apolo”, nos apresenta um painel circunstanciado da influência do
Positivismo, na Belém da borracha.

A afirmação do Positivismo em meio aos quadros das elites cultas de


Belém do final do século XIX é duplamente reflexiva. Pela ótica
política, filtra-se a presença da doutrina positivista em meio aos
republicanos brasileiros, muitos dos quais fizeram a campanha
republicana inspirados nos ensinamentos de Benjamin Constant no
Rio de Janeiro, a exemplo de Lauro Sodré. Pelo prisma filosófico,
chega-se ao discurso do Progresso na forma pela qual foi redefinido
no Brasil do final dos Oitocentos, e do qual o mesmo Lauro Sodré,
governador do Pará (1891-1897), foi um arauto de grande
representatividade. De uma maneira geral, portanto, era bem
expressiva a marca do Positivismo na condução do pensamento e das
práticas dos intelectuais da Belém da belle époque da borracha (2014,
p. 31).

Manter pensionistas na Europa e na Capital da República, além de investir na


educação local, foi a estratégia usada pelos governantes positivistas paraenses, para
alcançar os objetivos que a filosofia, ou quase uma religião, fundada por Auguste
Conte, preconizava. Os resultados desta ação, somada aos investimentos das
famílias abastadas, que enviavam seus filhos para estudar em grandes centros,
podem de certa forma, ser conferidos com o retorno de músicos que fizeram carreira
na cidade de Belém.
O mecenato praticado por governantes do Pará republicano visava, não
somente qualificar quadros que se destacavam, como também, apoiar figuras
eminentes do cenário nacional ou até internacional. Como exemplo desse
comportamento o caso da possível vinda de Pedro Américo a Belém, convidado a
dirigir um instituto de artes na capital do Pará. Encontramos no relatório apresentado
pelo intendente Antônio Lemos ao Conselho Municipal de Belém, relativo ao ano de
71

1905, o convite feito por ele ao famoso pintor para vir para Belém e dirigir um instituto
de artes, que teria a denominação de “Instituto Pedro Américo”. Assim, o próprio
Lemos relata:

Circunstâncias múltiplas e de forças maior, por vós bem conhecidas,


impediram a instalação do Instituto Pedro Américo. E como se estes
fatos não houvessem sido já bastantes para perturbar, empecer, a
seção artística do Ensino Municipal, veio ainda abalá-lo um doloroso
acontecimento, que aliás enlutou a alma nacional: a morte, em
Florença, nos primeiros dias de outubro, do glorioso artista brasileiro:
Pedro Américo sucumbiu quando já em preparos de viagem para a
Amazônia, especialmente convidado por mim para dirigir o referido
Instituto (Belém, 1906, p. 299-300).

Antônio Lemos informa, ainda, no mesmo relatório, que o advogado Virgílio


Cardoso de Oliveira, baiano de nascimento que viveu no Pará onde exerceu
atividades administrativas, publicou um opúsculo prestando “alta homenagem à
memória do malogrado artista”. Como redator-chefe do jornal A Província do Pará,
Lemos prestou “solenes exéquias, deveras majestosas, com enorme e conspícua
assistência”. O intendente encerra sua menção ao convite feito ao Pedro Américo,
afirmando: “a terra paraense, tendo já acolhido a velhice e recebido o último alento de Carlos
Gomes, não pôde senão prestar a derradeira, póstuma homenagem ao pintor de cuja palheta
brotaram, por anos sucessivos, quadros formosíssimos, inspirados por eternos ideais
generosos”.
O historiador Donato Mello Junior, fez breve e bem informada referência sobre o afeto
dedicado ao pintor paraibano por Belém do Pará, em sua obra “Pedro Américo de Figueiredo
e Melo (1843-1905)”.

Cabe destacar, também como singular, o fato de grandes homenagens lhe


terem sido prestadas em Belém do Pará: exéquias solenes e a publicação de
um folheto, por iniciativa do Intendente Lemos. Desejou ele auxiliar Pedro
Américo ao fim de sua vida passando necessidades em Florença. Convidou-
o então a pintar duas telas por encomenda e a fundar uma Escola de Belas
Artes em Belém, proposta formalizada no ano de 1903. A saúde precária do
artista adiou a viagem, até que a parca indiferente cortou-lhe o fio da vida
(1983, p. 75-76).

As presenças em Belém, de Carlos Gomes e Pedro Américo, se tivessem


sobrevivido às doenças, por certo teria dado resultados culturais significativos. Os dois
artistas, internacionalmente conhecidos eram amigos e comungavam de sonhos,
alegrias e problemas semelhantes. Eles, ao virem da Itália, dividiriam os espaços
culturais da capital do Pará com vários artistas locais e estrangeiros que, por diversos
72

motivos, frequentavam ou moravam em Belém do Pará, produzindo novas obras,


desta vez num novo cenário.

1.7 As artes visuais no circuito artístico-cultural de Belém.

A presença, em Belém, de renomados artistas plásticos que traziam suas obras


para expor nas diversas galerias da cidade ilustrou o poder atrativo de um lugar onde
circulava a “moeda elástica” que podia: encomendar, comprar e fazer acontecer o que
permitia a imaginação da elite endinheirada. Esses artistas inseriam-se num contexto
em que aconteciam diversas manifestações artísticas, sejam nos teatros, nas praças,
nos coretos, igrejas, clubes, galerias, entre tantos outros lugares, como parte atuante
de um mercado consumidor, indo muito além da simples diversão do público local,
mas pertencendo a uma cultura mundializada, num tempo de crescimento econômico
e expansão tecnológica.
Pelo porto de Belém ia e vinha todo tipo de mercadoria, para alimentar, vestir,
curar, construir, entre tantos outros motivos, vinham também pessoas, com os mais
variados sonhos e motivações. A cidade pública abrigava tudo e todos. O porto, único
local de acesso à cidade, os recebia e os mandava embora. Nas palavras de Santos
(2018, p. 81).

O grande movimento de embarcações entrando e saindo do porto de


Belém e o enorme movimento de pessoas indo e vindo ao centro
comercial da cidade são uma prova inconteste do processo simbólico
de inserção da cidade de Belém na era moderna. O que resulta,
também, em um novo processo de consumo e de importação de todo
tipo de produto, principalmente artigos europeus e norte-americanos.
Todas essas novidades têm como intuito satisfazer as necessidades
e os desejos da emergente elite amazônica. Uma sociedade que vivia
sob os auspícios da belle époque, graças a riquezas provenientes do
comércio da borracha.

Pintores, escultores, desenhistas entre outros, assim como os músicos,


chegavam em Belém para expor sua produção. Neste subcapítulo pretende-se
apresentar a chegada em Belém de vários desses artistas, sendo que alguns deles
compartilharam com Carlos Gomes do mecenato de Lemos e do apoio do poder
público para exibir e vender suas produções.
As exposições e os salões de artes plásticas, que viriam a surgir mais
intensamente no início do século XX, com participação do poder público e,
principalmente, pela luta e persistência dos artistas locais (Fernandes, 2013, P. 30)
73

eram eventos importantes na cidade cosmopolita, promovendo a circulação de obras


e de artistas, contribuindo ainda mais com os ares de modernidade que a cidade
apresentava.
Os artistas plásticos que aportaram em Belém, atraídos pela recursos
econômicos circulantes na cidade, também vieram em busca das paisagens
amazônicas, onde gente e natureza eram assuntos deveras interessantes,
principalmente aos artistas das paletas, ávidos por novas imagens que suas técnicas
e criatividade pudessem fixar em telas. Rosa Arraes (2006, p. 16) assim relata:

Foram esses olhares instrumentalizados e informados que se voltaram


para Belém no final do século XIX e início do XX, deixando registrados
na memória, cenas de acontecimentos e paisagens, com o objetivo de
desvelar esse mundo, em grande parte desconhecido e contribuir para
o desenvolvimento intelectual da cidade, contribuindo para a formação
de uma história social da arte na Amazônia.

O contexto das artes plásticas, assim como o da música, era proeminente na


Belém de fin de siècle. Apesar das oscilações econômicas, houve muitos
acontecimentos nesse campo, na cidade. Alguns desses eventos são importantes de
serem citados, para que se possa compreender o contexto artístico no qual Antônio
Carlos Gomes se inseriu, em sua fase de vida mais madura. As exposições elencadas
aqui, além de atrair o público anônimo, eram frequentadas pela elite local. Os artistas
ao expor em Belém tinham certa garantia de que venderiam suas obras, visto que o
mercado de arte estava aquecido.
Antônio Lemos, atuando como mecenas, gestor público e privado,
principalmente na época que era intendente de Belém e proprietário do Jornal “A
Província do Pará”, adquiria obras para a Pinacoteca Municipal e para seu patrimônio
pessoal. Lemos, que está presente na história de vida de Carlos Gomes pelo apoio
dado a ele no final de sua vida, apoiou outros artistas, tendo como destaque o pintor
Antônio Diogo Parreiras (1860-1937).
Em 07 de agosto de 1905, Parreiras inaugurou, no foyer do Theatro da Paz,
uma exposição cujo tema era as paisagens urbanas de Belém, com ênfase nas obras
do intendente Lemos (fig. 23). Rosa Arraes (2006) apresenta com detalhes essa
exposição de telas que apresentava uma natureza urbana, certamente bastante
conhecida de todos, porém, retratada ali de forma singular, a fim de poder apreciar a
paisagem e a natureza de uma cidade moderna, localizada na Amazônia brasileira.
74

E informa que:

Parreiras permaneceu em Belém durante aproximadamente 40 dias,


pintando a cidade e procurando os ângulos conhecidos e identificados
por ele como símbolos da capital paraense. Durante sua estadia,
pintou: Entrada do Bosque Municipal, Clareira no Bosque, Av. São
Jerônimo, Igreja da Sé, Praça Batista Campos I e Praça Batista
Campos II, Largo da Pólvora e Praça da República133. Essas obras,
todas adquiridas pelo intendente Antônio Lemos em 1905, pertencem
hoje ao Museu de Arte de Belém e reúnem um dos conjuntos de
melhor significado de pintura sobre uma cidade, pois as mesmas
foram realizadas por um pintor paisagista muito respeitado pelos
críticos da Arte Brasileira, cujo tema da natureza, ele tinha um grande
domínio (Arraes, 2006, p. 107).

Figura 23 Foyer do Theatro da Paz: Exposição Parreiras.

Fonte: Belém da Saudade: a memória de Belém no início do século em cartões-postais. SECULT,


1996. P. 157.

Theodoro Braga (1872-1953), artista plástico paraense, em artigo publicado na


Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará – IHGP (1934, pp. 149-158), traçou
um painel das principais exposições acontecidas em Belém no período de 1888 a
1918, num retrospecto histórico das artes visuais, em trinta anos. A partir deste texto,
foi elaborado uma recolta dos acontecimentos por ele citados, à guisa de resumo de
algumas dessas mostras.
75

O relato de Theodoro Braga inicia com Giovanni Capranesi, artista italiano que
pintou o teto e diversas telas na Catedral de Belém e decorou o teatro da paz com
pinturas no teto. Esse artista foi coautor, junto com Domenico de Angelis, da tela “Os
Últimos Dias de Carlos Gomes”, referida anteriormente e será apresentada com mais
detalhes no terceiro capítulo. Ele fez uma exposição no dia 11 de julho de 1888, na
Livraria Universal, de telas e aquarelas, incluindo, entre elas, temas típicos de
costumes napolitanos.
A Exposição Artística e Industrial do Lyceu Benjamin Constant19, foi um dos
mais representativos eventos da belle époque paraense. Pintores, músicos e grupos
artísticos concorreram com seus trabalhos para essa mostra ampla da produção
cultural do Pará. No mês de novembro de 1895, Davi Osipovitsch Widhopff (1867-
1933), artista russo que viveu em Belém nos anos de 1894 e 1895, deixando aqui um
significativo legado, apresentou suas obras de desenho e pintura na Exposição
Artística e Industrial do Lyceu Benjamin Constant.
Em seguida, um casal de pintores franceses, Maurice Blaise e sua esposa,
Louise, inaugurou uma exposição em sua residência à Travessa Quintino Bocaiuva, a
mesma rua onde ficava a residência do maestro Carlos Gomes, com obras dedicadas
a temas e paisagens paraenses.
No ano de 1898, Julieta França, filha de Joaquim Pinto de França, colega de
Carlos Gomes no Instituto Carlos Gomes expôs, nos salões da loja Mina Musical, seus
trabalhos de escultura e pintura. Nesse tempo Julieta estava estudando na Escola
Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, encontrava-se de férias em Belém. Em
15 de maio de 1901, Carlos Azevedo20, pintor paraense, inaugurou uma exposição
com mais de 20 quadros, encerrando a pequena temporada no dia 19 do mesmo mês
(fig. 24). Além de Parreiras, que havia feito duas exposições em 1905, uma aberta em
20 de junho, com vernissage no salão nobre do Theatro da Paz, e outra em agosto,
no mesmo local, já citada acima, Theodoro Braga faria três exposições e Louise Blaise
outras duas.

19 Para saber mais sobre essa exposição ver: MOURA, Ignacio. A Exposição Artística e Industrial
do Lyceu Benjamin Constant: os expositores em 1895. Belém: Typ. do Diário Oficial, 1895.
20 Este pintor foi um dos bolsistas do governo do Pará, em Paris, amparado pelas leis Nº 61-30/08/1892

e 320-03/07/1895.
76

Figura 24 Foyer do Theatro da Paz: Exposição Carlos Azevedo.

Fonte: Belém da Saudade: a memória de Belém no início do século em cartões-postais. SECULT,


1996. P. 157.

Ainda nesse período, em 1906, Belém conheceu os trabalhos do pintor-


decorador francês Joseph Casse, contratado pelo Governo do Estado para as pinturas
do Palácio do Governo (antiga residência dos governadores), então em obras de
remodelação. Casse expôs 25 telas no Salão Nobre do Theatro da Paz.
Uma das mais importantes mostras que aconteceu em Belém, em 1907, no
foyer do Theatro da Paz, foi a do pintor paraibano Francisco Aurélio de Figueiredo,
com vernissage em 12 de março daquele ano. Aurélio de Figueiredo, que também
assinaria como Francisco Aurélio, era irmão de Pedro Américo, pintor
internacionalmente conhecido, que, como já citado anteriormente, havia sido
convidado por Antônio Lemos para dirigir um instituto de artes, preparado
exclusivamente para que ele pudesse desenvolver uma escola de pintura em Belém.
Conheceram-se ainda, na capital do Pará, os trabalhos de artistas consagrados
na história da arte brasileira e mundial, tais como Benedito Calixto pintor paulista,
Joaquim Fernandez Machado, detentor da Menção Honrosa em 1899 da Escola
Nacional de Belas Artes, Antonio Fernandez, espanhol de nascimento, ex-aluno da
Escola Nacional de Belas Artes e A. Lopes Pereira, ex-pensionista do Pará na Europa.
77

A presença de artistas de outros países na Belém da borracha demonstrava


um mercado de artes aquecido pelo farto capital circulante no estado. Em fevereiro de
1908, o pintor alemão Ernest Vallbehr expôs no 1º andar do estúdio Fidanza, e, em
março do mesmo ano foram conhecidos os trabalhos do espanhol Francisco Estrada,
que apresentou 40 telas de assuntos locais, na Livraria Tavares Cardoso & Cia.
No ano de 1909, o pintor italiano Carlos de Serri, expôs 26 telas no salão nobre
do Theatro da Paz e, em dezembro, Belém conheceu uma colação de pinturas do
colombiano Felix Acevedo, expostas na Biblioteca do Arquivo Público do Pará. Em
1910, o pintor russo Demetrio D. Ribeowsky expôs na Livraria Universal, uma série de
quadros cujo motivo principal era a marinha de guerra.
A afluência para a Amazônia de artistas plásticos, músicos, atores, entre outros,
desde o período colonial não diminuiu mesmo com a transição do regime monárquico
para o republicano. Essa mudança de regime não apresentou significativa solução de
continuidade no que concerne ao mecenato e ao apoio a artistas, não havendo, nem
mesmo, alguma digressão nos discursos dos atores proeminentes nos dois regimes
apontados, como podemos verificar nos relatórios de governos, álbuns
comemorativos e discursos veiculados pela imprensa.

1.8 O mercado da música: editoras de música, lojas de instrumentos e partituras.

Na parte central da cidade de Belém, às proximidades do Forte do Castelo, a


construção colonial que inaugurou a cidade, ao longo da segunda metade do século
XIX, gradativamente foi se desenvolvendo um comércio, onde as atividades
econômicas, como feiras, lojas, ambulantes e congêneres, passaram a compor a
paisagem da nova cidade, formando um centro comercial com ofertas dos mais
variados produtos. Entre as lojas existentes estão as de produtos musicais, sendo que
algumas, além de vender produtos ligados à atividade musical, também funcionavam
como editoras de música e salão de exposição de pinturas.
A presença de lojas de produtos musicais, fábricas de instrumentos, inclusive
pianos e de editoras de música, proporcionava aos músicos visitantes e aos
estabelecidos na região, possibilidades de encontrar cópias impressas de obras que
desejavam executar, assim como adquirir instrumentos e acessórios, sejam
importados ou fabricados na região, facilitando, assim, as atividades performáticas de
78

orquestras, grupos camerísticos de tradição europeia (quartetos, quintetos, trios etc.)


e grupos populares de chorinho, carimbó, entre outros.
A Belém do látex, representada pela burguesia em ascensão, consumia o que
melhor existia na época. A presença na cidade de livrarias de grande porte, como a
Livraria Universal (fig. 25); lojas de instrumentos e vendas de partituras e métodos
musicais, como por exemplo a Mina Musical (fig. 26); e a Casa José Mendes Leite
(figs. 27), além de galerias de arte, disponibilizando obras de autores nacionais e
internacionais, favoreciam o consumo do que era concreto e abstrato.

Figura 25 Fachada da Livraria Universal de Tavares Cardoso &Cia.

Fonte: Belém da Saudade: a memória de Belém no início do século em cartões-postais. SECULT,


1996, p. 210.
79

Figura 26 Propaganda da Loja Mina Musical

Fonte: O Pará Comercial: a exposição de Paris em 1900.

Figura 27 Anúncio da Casa José Mendes Leite

Fonte: Álbum Descritivo Amazônico. Arthur Caccavoni. Edição do autor. Brasil-Itália, 1899, p 102-
103.
80

Segue, portanto, uma breve abordagem da questão editorial de música no


Pará, para estabelecer uma compreensão da circulação de partituras na belle époque
amazônica, a partir dos relatos do historiador Vicente Salles, autor de um minucioso
levantamento dessas editoras, apontando a importância dessa atividade para o
consumo cada vez mais crescente dos produtos e das realizações artísticas no campo
da música.
Inicialmente falaremos de uma obra rara, descoberta pelo historiador Vicente
Salles, cuja denominação simplificada é “Cantochão dos Mercedários” (fig. 28). Tive
a oportunidade de ter contato e digitalizar por fotografia a obra, em 2013. As imagens
digitalizadas do livro foram cedidas pela família de Vicente Salles, após a sua morte,
ao pesquisador André Gaby, doutorando da UNESP, que desenvolve uma tese sobre
o Cantochão dos Mercedários do Convento das Mercês do Pará, orientada pelo prof.
Paulo Castagna. Sobre essa publicação, considerada a mais antiga das edições
musicais produzidas no Pará, Salles (2016) nos relata:

A edição de música de compositores paraenses antecede a impressão


local. A maneira mais eficiente de sobrevivência da obra musical se dá
graças ao impresso e conseguimos resgatar a música produzida no
Pará desde o século XVIII. Em 1780, quando da inauguração do novo
edifício da igreja de N. Sr.ª das Mercês, a irmandade de Santa Cruz
dos Militares mandou editar em Lisboa o antifonário de frei João da
Veiga, o Ritual da Sagrada e Real Ordem Militar de N. Sr.ª das Mercês,
composto totalmente em latim, volume de 485 páginas, contendo 83
documentos musicais em cantochão, notação quadrada.

O livro contém antífonas, hinos, lamentações, litanias ou ladainhas, vésperas,


completas e novenários. A qualidade da publicação revela a presença da música
sacra católica antiga, preservada em ambientes conventuais na cidade do Pará, como
naquele tempo Belém era chamada. Nas imagens digitalizadas do livro, inseridas
abaixo, observa-se os caracteres romanos impressos em vermelho e preto, com as
notas escritas no tetragrama, estando o livro muito bem conservado em todas as suas
páginas. O Cantochão dos Mercedários ou Rituale está na história da música do Pará
como um símbolo de uma época em que a música e o teatro estavam a serviço da
conquista de novos fiéis para a igreja católica.
81

Figura 28 Lombada, folha de rosto e página do Rituale.

Fonte: Acervo da família de Vicente Salles.

Foi vasta a produção editorial de música na belle époque belenense, tendo as


casas editoras um papel importante na produção das obras.
O processo editorial dessas partituras foi amplamente estudado pelo historiador
Vicente Salles. Na primeira edição (1970) de seu livro “Música e Músicos do Pará”, os
seus estudos sobre as publicações e edições de partituras aparecem de forma
resumida. Na terceira edição (2016) desta obra, já aparece um estudo mais alongado
do tema. No volume II, (inédito), da obra “A Música e o Tempo no Grão-Pará”, Vicente
Salles amplia o texto, acrescentando imagens e exemplos de partituras, oriundas de
suas pesquisas e do acervo musical, que leva seu nome, hoje abrigado na Biblioteca
do Museu da Universidade Federal do Pará.
A impressão das partituras produzidas em Belém teve sua produção iniciada
por Carlos Wiegandt, litógrafo alemão estabelecido na cidade desde 1870. Outra
oficina contemporânea foi a Imprensa Musical de Francisco da Costa Júnior, situada
na Trv. Sete de Setembro, mas com menor escala de impressões. (Salles, 2016b, p.
238). No entanto alguns anos antes, em 1842, logo após a Cabanagem, com a
retomada de atividades musicais na Capital da Província, foi publicado por João
Nepomuceno de Mendonça, o Capellmeister da Sé, o “Compêndio de Princípios de
Música”, impresso no Pará pela Typografia de Santos & Menor, rua d’Alfama, nº 15
(SALLES, 1980, p. 133).
82

Segundo Salles (2016), a primeira partitura editada em Belém, no ano de 1858,


foi a polca para piano “A Cidade do Pará”, (figs. 29, 30, 31) composta pelo organista
Adolfo José Kaulfuss21, impressa em Paris e dedicada às suas discípulas, em
mensagem impressa na capa. Esta polca foi publicada no livro “A Música e o Tempo
no Grão-Pará” (Salles, 1980), como um encarte entre as páginas 150 e 151, aqui
reproduzida a partir de um exemplar existente no acervo desse autor.

Figura 29 Capa da partitura “A Cidade do Pará” de Adolfo J. Kaulfuss.

Fonte: Acervo Musical da Coleção Vicente Salles. MUFPA - Museu da Universidade Federal
do Pará.

21Segundo Salles (2016b) Adolfo José Kaulfuss (1818-1874) foi organista, compositor e regente.
Estabeleceu-se no Pará por volta de 1850, contratado para dirigir a música da Sé, dedicando-se ao
magistério de várias disciplinas, inclusive piano para as moças da sociedade local. Para essas alunas
escreveu a polca “A Cidade do Pará”, anunciada nos jornais paraenses de 1858.
83

Figura 30 Primeira página da partitura “A Cidade do Pará”

Fonte: Acervo Musical da Coleção Vicente Salles. MUFPA - Museu da Universidade Federal do Pará.

Figura 31 Segunda página da partitura “A Cidade do Pará”

Fonte: Acervo Musical da Coleção Vicente Salles. MUFPA - Museu da Universidade Federal do Pará
84

O Acervo Musical da Coleção Vicente Salles da Biblioteca do Museu da


Universidade Federal do Pará22, possui centenas de partituras manuscritas, além de
grande número de obras editadas em Belém. Nesse acervo encontra-se uma partitura
manuscrita que chama atenção pelo trabalho de edição. A obra denominada
“Nordelina”, (Figs. 32 e 33) de Manuel Castelo Branco (1867-1926), tem a iconografia
da capa trabalhada com arranjo de fotografia e desenho, tendo as notas e demais
símbolos musicais escritos com esmero, tornando a leitura bastante facilitada. O
historiador Vicente Salles revelou pessoalmente, ser esta partitura um leiaute que
posteriormente seria enviada para impressão na Europa, muito provavelmente ao
editor C.G. Röder, da cidade de Leipzig, onde Castelo Branco realizou parte de seus
estudos.

22 O Acervo Musical da Coleção Vicente Salles, abrigado na Biblioteca do Museu da UFPA, sofreu uma
intervenção nos anos de 2007 a 2011, através do projeto “Recuperação e Difusão do Acervo Musical
da Coleção Vicente Salles”. Este projeto recebeu patrocínio da Lei RUANET/PETROBRAS, e foi
coordenado pelo musicólogo Jonas Arraes. A intervenção, de forma resumida foi a catalogação,
digitalização e edição das partituras manuscritas e impressas, além da digitalização de Discos (78 rpm,
e Lps) e fitas de rolo.
85

Figura 32 Capa da partitura “Nordelina” de Manuel Castelo Branco

Fonte: Acervo Musical da Coleção Vicente Salles. MUFPA - Museu da Universidade Federal do Pará.

Figura 33 Primeira página da partitura “Nordelina”

Fonte: Acervo Musical da Coleção Vicente Salles. MUFPA - Museu da Universidade Federal do Pará.
86

O processo editorial daquele tempo seguia, em sua maior parte, o caminho de


preparação de leiautes em Belém que depois eram enviados para a Europa, onde
eram impressas por litogravura. Esse processo editorial atendeu às demandas por um
produto que interessava aos diversos setores da vida musical da Belém da borracha.
Os compositores, os proprietários de lojas e livrarias, estudantes e profissionais da
música e o público em geral, tinham na partitura mais que um objeto, assaz um suporte
multifacetado, que além de ser visualmente atraente, continha muitas informações,
além de ser a única maneira de conhecer e apreciar uma obra musical, no tempo em
que não havia o rádio e nem os sistemas de gravação e de guarda de áudios para
ouvir posteriormente.
A partitura, nesse sentido, contribuía para reunir as pessoas em torno de
cantores e instrumentistas nos concertos, saraus e encontros familiares. Mais que um
documento, mais que um conjunto de códigos decifráveis, ou de uma publicação com
informações distintas ao discurso musical, uma partitura era, acima de tudo, um objeto
de primeira necessidade, tanto para os músicos quanto para aqueles que usufruíam
de seus resultados interpretativos.
Em Belém, no período histórico aqui estudado, para alguém ouvir música, era
necessário estar no mesmo espaço e tempo em que os músicos estivessem, o que foi
modificado pela chegada do rádio e do disco, a partir da terceira década do século
XX. Este fato tornava a partitura um objeto de grande valor, visto que a presença do
cinematógrafo só viria a se fixar na cidade em 1908 (Salles, 2012), mas ainda sem
sonorização. O rádio só veio a surgir no Pará, e na Amazônia como um todo, em 1928
(Costa, 2015). Os primeiros discos de 78 rpm surgiram por volta do ano de 1907
(Valente, 1999), mas somente alguns anos mais tarde apareceram na cidade para o
deleite de quem possuía os aparelhos que pudessem rodar a preciosa novidade.
As partituras, daquele tempo, em Belém, esclarecem muitos aspectos musicais
ligados à formação de ensembles musicais, atuantes na belle époque. Um exemplo
destes grupos é o Pau e Corda, conjunto instrumental seresteiro e boêmio no Norte e
Nordeste, atuante durante a segunda metade do século XIX e, ao mesmo tempo,
pequena orquestra de salão de baile ou de cinema, integrada por instrumentos de
madeira (clarinetas, flautas) e cordas (violinos, violões, cavaquinhos etc.), usando
eventualmente violoncelos e contrabaixos. (Salles, 2016, p. 445). A capa da polca
“Pau e Corda” (fig. 34) de Cincinato Ferreira de Souza, compositor e regente atuante
87

no período republicano, primo de Antônio Lemos, mostra a imagem de um Pau e


Cordas carnavalesco, editado por C. Abreu e impresso em Leipzig.

Figura 34 Capa da partitura “Pau e corda” de Cincinato Ferreira de Souza.

Fonte: Acervo Musical da Coleção Vicente Salles. MUFPA - Museu da Universidade Federal do Pará.

Nas pesquisas do processo editorial encontramos um fato interessante: uma


partitura de uma adaptação para piano a quatro mãos, que Carlos Gomes fez da valsa
“Artes e Ofícios da Amazônia – grande valsa de concerto para piano” de autoria da
mademoiselle Cecília Lemos, filha do intendente Antônio Lemos. A partitura era
vendida no mercado por um valor mais alto que a partitura original da compositora
paraense, como vemos na microfilmagem do recorte do Jornal “A Província do Pará”,
edição de 18 de fevereiro de 1896 (fig. 35) onde aparece o valor de 2$000 réis cobrada
88

pela partitura de Cecília Lemos, e 3$000 réis pela “mesma valsa instrumentada pelo
insigne maestro Carlos Gomes, para quatro mãos”.

Figura 35 Recorte microfilmado do jornal “A Província do Pará”.

Fonte: “A Província do Pará”, 18 fev 1896. Biblioteca Arthur Vianna. Fundação Cultural do Pará.

As capas e contracapas das partituras editadas no Pará serviam, direta ou


indiretamente, para propagar mensagens políticas ou fazer propaganda de produtos
musicais. Na mudança para o regime republicano o governo esmerava-se em veicular
as imagens do novo período político. Essas demandas indicavam que a iconografia
usada para a propaganda do novo regime buscava levar os novos ideais ao povo em
geral e não somente às elites. O historiador William Gaia Farias (2008, p. 43-44)
informa sobre as imagens veiculadas nos jornais e demais publicações e suas
relações com os discursos doutrinadores.

Dessa forma os republicanos investiram no uso de iconografias


publicadas nos dias festivos e que faziam parte de uma composição
com os textos escritos. Produzindo e reproduzindo enredos, exaltavam
o novo regime. Ademais, assinalava-se, através de imagens, o início
89

dos novos tempos marcados pelo “progresso”. Relacionadas ao novo


regime, as imagens também poderiam atingir um grupo maior, ou seja,
a camada iletrada da sociedade, o que não poderia ser feito apenas
através de discursos impregnados pelo cientificismo e, portanto,
inacessíveis a maioria da sociedade.

A capa da marcha “15 de Novembro”, (fig. 36), autoria de Meneleu Campos


(1872-1927), com uma iconografia rica e bem produzida, é um exemplo de como as
partituras, além de veicularem a obra musical, permitiam ao autor e ao editor colaborar
com a difusão do novo regime, ou para outros fins, sejam políticos ou não. A marcia
foi dedicada ao violinista baiano Adelelmo Nascimento23, professor admirado pelo
compositor paraense.
A marcha, impressa em Milão pelo Estabelecimento Musical Alessandro Pigna,
circulou pela Europa divulgando, além da obra e da jovem figura do compositor, a
notícia do regime republicano recém fundado no Brasil. Nesse tempo Meneleu
Campos ainda estava estudando em Milão, tendo retornado ao Pará em 1899, para
em 1900 assumir a direção do Instituto Carlos Gomes, tendo sido seu quarto diretor
após Carlos Gomes, Enrico Bernardi e Gama Malcher.

23 Adelelmo Nascimento, nasceu em 1848 na Bahia, morou em Belém, onde criou uma orquestra e

recebeu subsídios do governo para estudar, na Europa, os mais modernos métodos de ensino. No
último ano de sua vida esteve em Manaus, onde foi nomeado diretor do Conservatório de Música local.
Morreu em Paris em 28 de agosto de 1898. (Cernicchiaro, 1926, p. 472-473). São poucas as notícias
deste músico que viveu em Belém e Manaus, no período do belle époque atraído pelos benefícios da
economia da borracha, no entanto, os dados que se tem permitem um bom caminho de pesquisa para
saber mais de sua relação com Meneleu Campos e talvez com Carlos Gomes.
90

Figura 36 Capa da Marcha “15 de Novembro” de Meneleu Campos.

Fonte: Acervo Musical da Coleção Vicente Salles. MUFPA - Museu da Universidade Federal do Pará.

1.9 A outra face da mesma cidade: os invisíveis presentes na urbe.

Não se pretende, nesta parte do capítulo, aprofundar a análise socioeconômica


de Belém no período da borracha. Cabe, entretanto, “virar a moeda”, para apresentar,
mesmo que brevemente, outras faces da cidade que Antônio Carlos Gomes conheceu
no corte temporal de suas vindas a Belém. Como será visto “mais ao norte”, o maestro
andou pela cidade, dialogou com diferentes personagens da vida social e cultural da
cidade e por certo pode observar o que acontecia no dia a dia da urbe.
Mesmo paparicado pela elite endinheirada, Gomes foi contatado por pessoas
anônimas, integrantes das bandas de música, membros dos clubes musicais, dos
grêmios operários, entre outros, mantendo contato com a realidade e a cultura dessa
população invisível aos olhos da elite cultural e econômica.
91

A música, no período da belle époque amazônica, pode ser classificada, em


sua atuação social, de duas formas: a música a serviço da elite burguesa, detentora
do poder econômico advindo, em grande parte, do ciclo da borracha e a música das
populações invisíveis. A parte da sociedade paraense chamada aqui de “populações
invisíveis”, entende-se ser o contingente de pessoas que não estão entre o público
que apreciava, executava e difundia música de tradição europeia e, tampouco, tinham
suas ações difundidas pela imprensa, assim como não eram beneficiados pelo
fomento cultural do estado.
Essa parte da população da época, constituía o ambiente cultural que Carlos
Gomes encontrou, desde as suas primeiras viagens no período imperial. O contato
que manteve com o povo, que o recepcionava no porto, foi, pelo que indicava a
imprensa, bastante afável. Ressalta-se que esse povo era formado por uma sociedade
estratificada, cabendo abordar alguns aspectos do repertório cultural dessa parte da
população que as elites não levavam em conta, mas que circulava na cidade de Belém
e comunicava com a música feita pelas elites.
A abolição da escravidão, em 1888, não arrefeceu os sofrimentos dos negros
antes escravizados que continuaram à margem da riqueza produzida pela exportação
da borracha, além de sofrerem dura repressão às suas manifestações culturais.
Igualmente, os ex-escravizados ainda enfrentaram, com outros segmentos das
classes populares, a política repressiva das autoridades e dos antigos senhores,
realizada contra os cortiços e as práticas culturais populares, que se acentuaria
durante os primeiros anos republicanos (Bezerra Neto, 2009, p. 444).
Por outro lado, a voz indígena não era percebida, visto que a documentação
disponível foi produzida, em sua maior parte, por presidentes da província, religiosos
e demais responsáveis pela aplicação da política indigenista no século XIX,
geralmente pouco favoráveis aos índios (Henrique, 2013). A música negra e indígena
aparece nas falas de viajantes, dentre eles Spix & Martius, que na segunda década
do século XIX, anotou em partitura algumas melodias negras e indígenas, (fig. 37 e
38), em sua obra ‘Viagem pelo Brasil, 1817- 1820” (Spix; Martius, 1968).
92

Figura 37 Lundu brasileiro. Colhido pelos cientistas Spix e Martius em sua Viagem pelo Brasil
nos anos de 1817 a 1820.

Fonte: “Brasilianische volkslied und indianische melodien”. Biblioteca Estatal da Baviera, s.d, p. 11.

Figura 38 Cantos indígenas a remo no rio negro.

Fonte: Anexo do Livro Viagem pelo Brasil, 1817 -1820.


93

Além dos negros e indígenas, uma boa parte da população vivente na


Amazônia, naquele período, veio do Nordeste, atraída aos seringais para trabalhar na
coleta do látex. Saindo das regiões nordestinas atingidas pela seca, esses homens
viveram as agruras da exploração por estarem na base de uma cadeia de
dependência, onde, desde a sua chegada ao seringal, eram obrigados a comprar
utensílios usados na extração do látex e alimentos para sobrevivência. Os preços
cobrados pelo barracão eram exorbitantes, colocando o extrator de látex em situação
de dependência ao dono seringal (Sarges; Lacerda, 2013, p. 213).
Parte dos trabalhadores após voltarem dos seringais, estabeleceram-se em
Belém e Manaus, onde difundiram suas tradições artísticas, sendo a música e as suas
manifestações aliadas as outras linguagens artísticas, parte da cultura dos
nordestinos, que na periferia de Belém puderam exercer a sua criatividade e tradições,
com as montagens das danças dramáticas e vasto repertório instrumental e
cancioneiro.
As manifestações culturais nordestinas em movimento transregional,
estabeleceram-se em Belém, sofrendo as influências da região e participando, através
dos cantadores e poetas. Sobre essas presenças culturais Vicente Salles, em sua
obra “Repente e Cordel” (1985, p.37) exemplifica:

Vimos que, no Pará, encontramos o desafio ou porfia, com


peculiaridades locais ou regionais. Encontramos, portanto, a tradição
do improviso e do repente. As peculiaridades locais ou regiões
repontam muitas vezes nas desfeiteiras. Repontam ainda em certos
folguedos populares, como no boi-bumbá. Neste caso, tem outro
caráter e outro sentido: é o desafio coletivo, dele participando todo o
grupo, e não individual, entre dois contendores apenas.

Nas palavras de Salles, “O homem espalha cultura. Cantadores, violeiros e


poetas nordestinos se aventuraram nas plagas amazônicas, tangidos do Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Alagoas, Pernambuco” (Salles, 1985, p. 93).
A música indígena, negra e nordestina são as principais manifestações que não
constavam do repertório oficial da vitrine burguesa amazônica, que preferiam
consumir tudo que vinha da Europa ou da América do Norte, como sendo o que
representava o desenvolvimento, o progresso e a modernidade. Ao lado deste
94

eurocentrismo musical, novas formas de musicar24 estavam presentes nos entornos


da Belém, cuja parte central estava reservada aos burgueses da época.
Salles (1980, p. 151), dá um caminho para compreender a matéria, afirmando
que “índios e negros aprendem a música europeia e tocam instrumentos europeus,
mas é lícito pensar em toda a convivência de culturas tão distintas num meio em que
as relações humanas se tornaram tão duras, gerou sempre um produto novo”. A esse
“produto novo” poderíamos chamar de música popular ou música folclórica, ou ainda,
gêneros musicais pertencentes ao campo da cultura popular.
Sergio Magnani (1996, p. 112), nos aproxima do entendimento de “as
vinculações entre música erudita e folclore são estreitas” e que “desde o aparecimento
das escolas nacionais românticas, os elementos do folclore participaram do contexto
da obra erudita, não apenas como sugestões ambientais e valores da poética”.
Como exemplo deste arrazoado, no Pará, José Domingues Brandão,
compositor português radicado em Belém desde a adolescência, que foi discípulo de
harmonia e composição de Henrique Gurjão, colocou em suas obras citações do
memorial melódico negro da Amazônia, evidenciando assim o que Salles (2016)
preconiza como continuum, o trânsito intercultural, através da reciprocidade, onde um
material sonoro, ou literário, mantém percurso de via dupla entre criações de atores
distintos, numa ação estética dialogal entre aquelas obras de caráter erudito e popular.
Na obra “Cantos Populares Paraenses” (fig. 39), Domingues Brandão cita
diretamente melodias de lundus e cantos populares, dando à peça para piano,
possibilidades de amplo acesso de apreciação e de exibição, podendo ser tocada em
concertos, salões, teatros, saraus etc.
Meneleu Campos, outro notório compositor e pianista paraense, formado em
1898 no Real Conservatório de Milão, autor de uma marcha fúnebre dedicada ao
maestro Carlos Gomes, compôs uma peça para piano nominada “Miniaturas “ (figs.
40 e 41), onde faz citações de “murucututu” e “camaleão”, duas melodias folclóricas,
sendo “camaleão” um lundu muito conhecido em Belém no século XIX.

24O termo “musicar”, aqui é referido para dar sentido etnomusicológico aos acontecimentos musicais
periféricos, cujo pensamento fundante está em C. SMALL (1998, p. 9), que propõe: To Music is to take
part, in any capacity, in a musical performing, by listening, by rehearsing or practicing, by providing
material for performace.
95

Figura 39 Capa da partitura “Cantos Populares Paraenses” de José D. Brandão.

Fonte: Acervo Musical da Coleção Vicente Salles. MUFPA - Museu da Universidade Federal do Pará.

Figura 40 Capa da obra “Miniatura” de Meneleu Campos.

Fonte: Acervo Musical da Coleção Vicente Salles. MUFPA - Museu da Universidade Federal do Pará.
96

Figura 41 Primeira página da obra “Miniatura” de Meneleu Campos.

Fonte: Acervo Musical da Coleção Vicente Salles. MUFPA - Museu da Universidade Federal do Pará.

Na ópera Bug-Jargal, de Gama Malcher, em seu 4º ato, foram inseridos


elementos da música negra como um tambor portátil, gambá, criticados pelo jornalista
do jornal A Província do Pará, Antônio Marques de Carvalho que apontava essa
inserção instrumental como reflexo de uma postura "selvagem", por parte do
compositor e da gente da terra. Este outro exemplo da presença da cultura popular na
seara da chamada música erudita é debatido pelo historiador Antonio Maurício Dias
da Costa (2016, p. 75).

Em acordo com esta visão, a "selvageria" das músicas locais poderia


se manifestar tanto com instrumentos percussivos como com viola e
violões. Sobre estes últimos, por sinal, naqueles idos de 189025, ainda
pairava a marca da "vadiação dos negros". Batuques de negros e
serestas ao luar consolidaram-se, no século XIX, como ambientes
musicais presentes na paisagem física e sonora de Belém. Ao mesmo
tempo, ocorria a entrada do piano nas casas abastadas das urbes
mais populosas da Amazônia, como marca de distinção social e de
bom gosto musical das "famílias aristocráticas".

25 Ano da estreia de Bug-Jargal no Theatro da Paz.


97

Como a tese ora desenvolvida está no campo da musicologia histórica, não


será abordado, com a profundidade devida, os aspectos estéticos e sociais da música
indígena e negra, tampouco a nordestina e de outros povos que se estabeleceram em
Belém no período estudado. O desenvolvimento deste tema está mais afeto a
Etnomusicologia enquanto disciplina que tradicionalmente vem estudando as
expressões musicais como práticas sociais culturalmente construídas (Lucas, et al.
2016, p. 241).

1.10 A evolução musical em Belém no pós-cabanagem.

Logo após a revolução da Cabanagem, em janeiro de 1842, chegou a


Belém o organista português João Nepomuceno de Mendonça, para ser mestre
de capela na Catedral de Belém. Este fato, em tempos imperiais, apontaria para
uma nova fase da música no Pará, que receberia, até o fim do século XIX, muitos
outros visitantes e imigrantes, sendo o mais célebre o maestro Carlos Gomes.
A partir do fim da Cabanagem, o processo de recuperação econômica da
Província do Pará teve significativos investimentos do governo imperial, e, no que
concerne à cultura, mais precisamente à música, a nomeação de Bernardo de
Souza Franco (fig. 42) como presidente da província, em 8 de abril de 1839, para
o governo do Pará (RAYOL, 1970, p. 998), foi determinante, por ele ter sido o
responsável pela vinda do organista, professor e compositor português, para
atuar na Igreja da Sé, entre outras atividades musicais.
Não obstante ter encontrado a cidade de Belém em condições degradantes,
na fase final da Cabanagem, Souza Franco preocupou-se em prover a capital da
província de um organista para a Igreja da Sé, e, desta feita, colaborou
indiretamente com o desenvolvimento da música no Pará. Franco, em 1840, havia
tomado providências para contratar provisoriamente dois músicos, fato registrado
em sua Mensagem à Assembleia Legislativa Provincial, lida no dia 14 de abril de
1841, durante a abertura dos trabalhos daquele ano:

Não tinha tido execução até agora a Lei Nº 80 de 21 de Outubro,


[1840] mas apresentaram-se ultimamente dois cidadãos
requerendo as cadeiras de música vocal, e instrumental, e sendo
mui favorável ao 1º a opinião da pessoa porque foi mandado
examinar, e havendo informações lisonjeiras a respeito do 2º, e
desejos da parte de Membros do Cabido da Catedral de o verem
admitido para tocar, e ensinar nela, aceitei provisoriamente suas
98

ofertas, e dei ordem para que entrassem a ensinar (PARÁ, 1841,


p. 43).

No entanto o trabalho do professor escolhido, principalmente no que tange


ao ensino da música vocal, não satisfez aos que dele necessitavam, causando
embaraços, tendo sido sumariamente despedido pelo Presidente da Província
como “desnecessário”, e então, para satisfazer a intenção da lei, recomendou-o
à Metrópole portuguesa:

Tendo porém sobrevindo embaraços posteriores a respeito do


ensino de música vocal vou mandar despedir o Mestre como
desnecessário e para satisfazer a intenção da Lei já recomendei
para Lisboa o engajamento de um bom professor de música que
toque alguns instrumentos, o só, e bem piano, e que tenha a teoria
e gosto da Música moderna, a ponto de poder dirigir a Música da
Catedral, dar lições ao público, e tom, e gosto a música da
Província, e seus amadores: com sua vinda cessarão os
engajamentos que se tenha feito. (Franco, 1841, p. 44).

Pelo que se desprende das mensagens presidenciais, as preocupações


com as habilidades musicais do músico a ser contratado, demonstram certo zelo
com o futuro da cultura musical desenvolvida na Província do Pará, naquele
tempo em que ainda se sentia o cheiro da pólvora queimada no decurso da
Revolução da Cabanagem. A revolta popular, mesmo tendo sido controlada pelo
poder imperial em 1840, no ano seguinte, quando da contratação do músico,
ainda causava incômodos e preocupações aos governantes.
99

Figura 42 Bernardo de Souza Franco, presidente da Província do Grão-Pará.

Fonte: Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará. Reprodução fotográfica: Jonas Arraes.

A vinda do maestro português aconteceu em um tempo de mudanças na


direção da igreja católica no Grão-Pará, pois o Bispo D. Romualdo de Souza Coelho
havia falecido no dia 15 de fevereiro de 1841, tendo sido este líder religioso um
importante personagem no conflito da Cabanagem, com importante atuação de
mediação entre as partes envolvidas (Di Paolo, 1990, p. 278).

Apesar das dificuldades decorrentes da guerra, o Presidente da Província do


Pará usou uma lei de 1840 para justificar a contratação de um mestre da música com
habilidades amplas, inclusive da composição musical. Para tanto enviou ofício a
Lisboa, datado de 29 de março de 1841, endereçado ao Sr. Antonio de Menezes
Vasconcelos de Drumond, então ministro plenipotenciário de Sua Majestade, o
Imperador do Brasil, junto a Sua Majestade, a Rainha Maria II de Portugal, com plenos
poderes de oferecer as recompensas necessárias para o fiel desempenho do mandato
contratual do músico a ser escolhido.
A escolha recaiu sobre o cidadão português João Nepomuceno de Mendonça,
músico pianista, organista, teorético, regente, arranjador e compositor, com amplas
habilidades para ser engajado Mestre de Capela da Sé, da Província do Pará. Assim
sendo, Nepomuceno de Mendonça comparece ao Consulado Geral do Império do
100

Brasil, em 9 de setembro de 1841, para assinar o contrato espelhado no documento


manuscrito, hoje pertencente ao acervo do Memorial do Instituto Estadual Carlos
Gomes, em Belém do Pará.

Figura 43 Detalhe do Contrato de João Nepomuceno de Mendonça.

Fonte: Memorial do Instituto Estadual Carlos Gomes. Digitalização: Jonas Arraes

Assinaram o contrato (fig. 43) o Senhor Marcelino José Tavera, Vice-Cônsul


Encarregado do Consulado Geral do Brasil, o Sr. João Nepomuceno de Mendonça e
as testemunhas Domingos Quintino D’Andrade e Augusto Carlosso Almeida Macedo.
O Contrato foi registrado às fls. 184 do Lv. 2º D’Autos Públicos.
O contrato assinado por três anos para exercer as funções de Mestre de Capela
da Catedral do Pará, previa, além da obrigação de compor, reger, tocar órgão,
coordenar as atividades musicais litúrgicas, ensinar música vocal, piano e composição
às pessoas que se destinarem ao serviço da Igreja. Além dessas atividades, faziam
ainda parte de seus compromissos, ensinar música vocal e instrumental e composição
nas escolas, colégios e estabelecimentos públicos.
Em 14 de abril de 1842 o presidente da Província do Pará, Bernardo de Souza
Franco, em seu discurso de abertura da Assembleia Legislativa Provincial, informou
101

que fez engajar em Lisboa um professor de órgão e música vocal e que o referido
maestro chegou a Belém em janeiro de 1842.

Autorizado pela Lei Provincial Nº 8 fiz engajar em Lisboa um Professor


de Órgão, e Música vocal, o qual tendo chegado a esta Cidade em
janeiro, está já empregado na Catedral, ensina em uma Aula aberta
ao público no Seminário Episcopal, e dá lições na Casa das
Educandas. Os termos do engajamento, que assinou em Lisboa, e
nesta Cidade lhe dará o conhecimento das obrigações a que se ligou,
e sou informado, que é hábil na sua Arte, e até compositor, e que além
dos trabalhos a que se obrigou, dá lições particulares de piano, e
começa a introduzir o gosto de boa música, que tanto concorre para
suavizar os costumes, e estreitar os laços de amizade entre os
habitantes de qualquer País. Um órgão novo para nossa esplendida
Catedral, e um piano, mesmo usado, para a Aula de Música do
Seminário são de grande precisão, e habilitarei o Governo Provincial
para fazer comprá-los (PARÁ, 1842, p. 9-10).

Nepomuceno de Mendonça logo ganhou reputação no meio musical e social


de Belém, pois o Presidente da Província do Grão-Pará logo foi informado de suas
habilidades musicais, inclusive de composição. Também foi ativo no campo da
Educação Musical, conforme nos informa Salles (1980, p. 131-132):

Compositor, autor de missas, novenas, hinos, ladainhas etc. João


Nepomuceno de Mendonça publicou no Pará, em 1842, para uso de
seus alunos, o primeiro livro didático de se escreveu no Pará:
Compêndio de Princípios Elementares de Música. É um simples
opúsculo, contendo 9 páginas impressas, seguidas de alguns
exemplos musicais manuscritos e incompletos.

O Compêndio de Princípios Elementares de Música, trabalho didático citado


acima, encontra-se referenciado no livro “Bibliografia Musical Brasileira”, no capítulo
sobre compêndios e tratados (Azevedo, 1952, p. 220).
Segundo Souza Franco, Nepomuceno de Mendonça, além dos trabalhos contratuais,
dava lições de piano, o que demonstra que esse instrumento harmônico já estava presente em
Belém naquele tempo. Ainda, segundo opinião do Presidente da Província, Nepomuceno de
Mendonça “concorre para suavizar os costumes e estreitar os laços de amizade entre os
habitantes de qualquer país”, uma fala que aponta a música como uma manifestação
causadora de paz, num tempo de grandes abalos políticos na província.
Apesar das dificuldades econômicas por qual passava a Província do Pará, seu
Presidente apontava a necessidade de adquirir um órgão novo para a Catedral e um
102

piano, mesmo que usado, para as aulas de música do Seminário, demonstrando a


importância que a música tinha na formação dos padres e para o serviço religioso.
João Nepomuceno de Mendonça exerceu suas atividades em Belém
ativamente, participando de outras atividades extramusicais, inclusive. O Jornal do
Commercio, do Rio de Janeiro, noticiou em 21 de dezembro de 1845, que o maestro
recebeu as assinaturas do jornal O Ramalhete. O jornal Treze de Maio, Pará, n. 551,
de 1845, informou que Nepomuceno de Mendonça, na qualidade de organista da Sé,
recebeu uma doação de 400$000 para adquirir instrumental e contratar cantores,
fazendo-se notar nas atividades administrativas da Catedral.
O maestro formou, nos moldes do ensino informal, mestre-discípulo,
vigente à época, alguns discípulos, dentre os quais os mais ilustres foram
Henrique Eulálio Gurjão e Joaquim Pinto França, este, mais tarde veio a ser
professor do Conservatório de Música que Carlos Gomes foi diretor.
No ano de 1848 o jornal Treze de Maio informou que a Sé tem como Mestre
de Capela o músico Severino Eusébio de Matos Cardozo. Deste ano em diante
são raras as informações sobre a vida de João Nepomuceno de Mendonça. O
baiano Augusto Victorino Alves Sacramento Blake, em seu Dicionário
bibliográfico, publicado pela Tipografia Nacional, em 1883, edita um verbete
referente a um filho de Mendonça, chamado João de Mendonça, nascido em 1845
e que seguiu a carreira de professor.
A travessia oceânica de João Nepomuceno de Mendonça faz parte do início
de vários acontecimentos, no pós-cabanagem, na cultura paraense, dentre eles
a construção do Theatro da Paz, inaugurado em 1878 e batizado com um nome
que lembra a paz gerada pelo fim da guerra do Paraguai (1864-1870). Em 1880
o Theatro da Paz teve em seu palco a realização da primeira temporada lírica que
levou à cena nove óperas, dentre elas Il Guarany de Carlos Gomes, em sua
estreia no Pará. Teve início com isso novos tempos para a música em Belém,
quando a ópera passa a ser assunto na capital da Província, sucedendo ano após
ano, até a primeira década do século XX, temporadas líricas com grande
quantidade de espetáculos.
A presença do organista em Belém contribuiu em parte, mesmo que
indiretamente, para a criação, em 1895, do Conservatório de Música da Academia de
Belas Artes, que teve como seu primeiro diretor, o compositor Antônio Carlos Gomes,
103

visto que, ao desenvolver o ensino de piano e órgão, teoria musical e composição,


permitiu que este legado fosse ampliado por seus discípulos.
Os caminhos percorridos neste trabalho, até aqui, visaram esclarecer ao leitor
alguns aspectos da cidade de Belém, no contexto temporal da chamada belle époque,
com vistas a localizar a figura do maestro Carlos Gomes no contexto de uma cidade
tipicamente amazônica. Portanto, falar da cidade, de suas construções, comércio,
movimentação cultural, imigração estrangeira etc., tornou-se premente para o
entendimento das motivações que levaram o maestro Gomes a viajar para Belém, a
partir de 1882. Por certo que esse personagem do mundo musical conheceu a cidade,
no entanto, encontramos poucas referências sobre Belém na documentação que
estudamos, assim como em suas biografias. Em seguimento do presente estudo
analisaremos a presença do maestro em Belém, assim como suas relações
interpessoais e profissionais, com os atores proeminentes da cidade.
104

CAPÍTULO 2

A CIDADE DE BELÉM E O MAESTRO COMPOSITOR

2.1 Uma breve introdução.

Segundo Nello Vetro (1982, p.11), no ano de 1859, Antônio Carlos Gomes fez
uma tournée pelas principais cidades da província de São Paulo, com seu irmão, o
violinista Pedro Sant'Anna Gomes, colhendo aplausos efusivos26. Nesse mesmo ano,
em São Paulo, compôs o "Hino Acadêmico" e a canção "Quem Sabe?!...". Aos 23
anos Carlos Gomes iniciou as viagens que o conduziram por toda a vida aos mais
diversos lugares do mundo onde pudesse mostrar sua obra e estabelecer contatos
que lhes dessem possibilidades de trabalho. Após ter feito diversas viagens e no auge
de sua carreira, Gomes aportou em Belém do Pará em 1882, para realizar a primeira
das quatro viagens que fez para a Amazônia. A chegada do maestro não surpreendeu
a população da capital da província, visto que por toda a década de 1870 as notícias
referentes ao maestro ecoavam pela cidade e parte de sua obra era escutada e
apreciada, tanto pelas plateias das salas de concerto, quanto pelo povo que
acompanhava a procissão do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, ou seja, pelos vários
estratos sociais da época.
A partir de 1880, as óperas de Gomes e de muitos outros compositores foram
encenadas no Theatro da Paz, inaugurado em 1878. Nesse ano se iniciaram as
temporadas líricas que serão analisadas neste capítulo, priorizando os anos em que
Gomes teve óperas encenadas. As temporadas apresentadas foram extraídas do
conjunto das temporadas levantadas na pesquisa, desde o ano de 1880 até 1907.
Esse teatro, em atividade até os dias de hoje, é parte de uma história que
remonta ao período colonial, quando foi construída a Casa da Ópera. Neste capítulo
será abordado, brevemente, a história da Casa da Ópera e de outras casas de
espetáculos, até a chegada do Theatro da Paz, onde várias óperas de Carlos Gomes
foram encenadas. Esse curto levantamento histórico, se tornou necessário para
demonstrar que o Theatro da Paz não surgiu na Praça D. Pedro II, por uma atitude de
momento das elites dominantes da época. De outra forma, o autor entende que Carlos

26Visto que naquele tempo, os meios de transporte eram ainda muito precários, é bem possível que a
tournée descrita por Nello Vetro, tenha sido somente um conjunto pequeno de apresentações por
algumas cidades às proximidades de Campinas.
105

Gomes, através de seus interlocutores paraenses, Henrique Gurjão, Gama Malcher,


Manuel Augusto Marques, entre outros, tomou conhecimento desse caminho histórico
que culminou com a construção do monumental teatro, inicialmente denominado
Theatro Nossa Senhora da Paz. Gomes obteve, por meio dos jornais e dos seus
interlocutores, outras informações a respeito da dinâmica da cidade e seu
desenvolvimento econômico e cultural, demonstrado no capítulo anterior, justificando
o relato histórico sobre as casas de espetáculos, como forma de clarificar ao leitor
sobre a cidade que iria receber o maestro em 1882 e abrigá-lo em definitivo em 1886.
As temporadas líricas do Theatro da Paz, as viagens de Carlos Gomes para
Belém e suas relações com as elites e o povo do Pará, serão também discutidas neste
capítulo, buscando compreender as implicações da presença desse artista brasileiro
em terras paraenses.

2.2 Os prenúncios de uma visita: ecos da década de 1870.

Nos primeiros dias do ano de 1871, o jornal “Diário de Belém” (14 de janeiro de
1871, p. 1), replica uma notícia publicada no “Jornal do Comércio” 27, em 11 de dezembro
de 1870, relatando que no dia 9 daquele mês e ano foi realizada uma “festa esplêndida”,
em benefício do compositor Antônio Carlos Gomes, por ocasião da quarta representação
no Theatro Lyrico Fluminense, da ópera “Il Guarany”, “cujas riquezas musicais nas
precedentes noites já o público pudera apreciar em toda a sua plenitude”. Il Guarany foi
conhecida pelo público do Rio de Janeiro em 2 de dezembro de 1870 e repercutiu em
Belém, assim como a estreia no Scala de Milão, ocorrida no dia 19 de março do mesmo
ano.
Na mesma notícia veiculada pelo “Diário de Belém”, são descritas as homenagens
que o compositor recebeu naquela noite, recebendo diversas comendas, medalhas de
ouro, flores e muitos outros objetos. Dentre esses, estava “um rico álbum encadernado em
madeira do país com emblemas em alto relevo de um dos lados e em grande número das
suas folhas, versos e desenhos de muitos literatos e pessoas de consideração”. Entre
tantas homenagens recebidas, o compositor recebeu das mãos do Imperador D. Pedro II
uma medalha cravejada de brilhantes que confirmava solenemente a nomeação feita por
decreto, em 30 de novembro de 1870, tornando-o Cavaleiro Oficial da Ordem da Rosa.

27 A notícia do Jornal do Comércio, também foi publicada em Boccanera Junior (1913, pp. 31-32.)
106

Ao fim da matéria, o jornal narra a homenagem que a soprano Giuglia Gasc, após
interpretar a balada de Cecília, recebeu de admiradores: uma pulseira ornada de pedras
preciosas e um ramo de flores de penas. Abaixo são citados, junto com Gasc, os artistas
que estiveram com a cantora homenageada, ao lado de seus respectivos personagens,
nos principais papéis de Il Guarany, na temporada de dezembro de 1870, no Theatro Lyrico
Fluminense (Boccanera, 1913, p. 500).

CECY Giuglia Gasc

PERY Luigi Lelmi

GONZALEZ Domenico Orlandini

D. ANTONIO DE MARIZ Giovanni Ordinas

CACIQUE Christiano Marziali

D. ALVARO Napoleone Sinigaglia

RUY BENTO Luigi Toffanari

ALFONSE Scarabelli

Regência: Angelo Agostini

Dois integrantes desse elenco ficariam conhecidos do público de Belém, ao passar


em direção a Nova Iorque. No dia 15 de janeiro de 1871, o jornal “O Liberal do Pará”,
estampa a seguinte notícia:

Dois artistas distintos, o sr. Carlos Orlandini e sua esposa, a exm.ª sr.ª d.
Julia Gasc, são aqui esperados no vapor brasileiro que deve abicar nos
fins do corrente mês de janeiro. Com destino à New York estes ilustres
visitantes, que acabam de ser dignamente aplaudidos e vitoriados no
theatro Lyrico da Corte do Império, principalmente na execução da ópera Il
Guarany do exímio e talentoso maestro brasileiro Carlos Gomes, a qual
souberam mui satisfatoriamente interpretar e desempenhar com
esplendido sucesso e estrondosa ovação, pretendem, durante o curto
intervalo de sua estada entre nós, exibir em um bem combinado concerto
os melhores pedaços de música e seu rico e vasto repertório das mais
apreciadas inspirações e belezas de que está enriquecida a brilhante ópera
Il Guarany. (“O Liberal do Pará” p. 1).

Belém, naquele tempo, era uma escala estratégica para aqueles que viajavam do
Rio de Janeiro em direção a Nova Iorque, não só por questões logísticas, mas também por
ser Belém um mercado atraente para os músicos que tinham repertório pronto a ser
107

apresentado. Esse era o caso do casal de cantores que veio visitar a cidade e realizar
recitais, onde parte do repertório da ópera Il Guarany foi exibida para o público. A
continuidade da notícia demonstra que os cantores já eram conhecidos do público
paraense.

O sr. Orlandini já é de nós conhecido como um barítono de força e


habilíssimo, e sua ilustre esposa, prima-dona de cartello tem conquistado
e goza da justa e merecida reputação e dos foros de uma das melhores
vozes de soprano da atualidade. O público paraense diletante e apreciador
do mérito vai ter a dita de breve, ouvir tão distintos artistas, que nos vem
obsequiar com suas visitas, e proporcionar-nos momentos agradáveis e
deleitosos. (“O Liberal do Pará” p. 1).

As notícias descritas acima, nos primórdios da década de 1870, demonstram que


Carlos Gomes era um personagem conhecido em Belém, que acompanhava sua vida
artística através da imprensa e dos moradores do Pará e que traziam, em suas viagens,
notícias dos grandes centros. O Pará só foi conhecer, a partir de uma década depois, suas
obras e grande parte do repertório operístico daquele tempo, quando o Theatro da Paz
passou a ocupar um lugar importante no circuito melodramático internacional, da segunda
metade do século XIX.
As notícias aqui narradas e outras informações chegavam ao Pará principalmente
pelos vapores e pelo telégrafo, sendo filtradas e divulgadas pelos inúmeros periódicos
existentes, naquele tempo, na capital da província. Também era possível saber sobre
Gomes através dos relatos de viajantes que por Belém passavam para conhecer a cidade
ou tratar de assuntos e negócios, ou por estarem em trânsito em direção a Manaus, Europa,
Estados Unidos ou outros lugares, tendo Belém como escala estratégica.
Conforme falado anteriormente, vários jornais diários e diversos periódicos traziam
notícias, crônicas, poesias, novelas, entre outras informações sobre o que acontecia em
diversos países, dentre outros a Rússia, Índia, Alemanha, Estados Unidos, países da
América Central e América Latina. Essas informações interessavam ao público paraense
naquele momento de integração internacional, impulsionado pelo desenvolvimento
econômico favorecido pela economia da borracha. Naquele contexto, em que muitas
informações circulavam diariamente na Amazônica, o público paraense acompanhava a
carreira e a vida de Antônio Carlos Gomes naquela década de 1870, um tempo de grande
produtividade na vida do compositor. Nessa década foram apresentadas ao público as
óperas Il Guarany (1870), Fosca (1873), Salvator Rosa, (1874) e Maria Tudor (1879), o que
chamou a atenção do público internacional à sua vida e obra, visto que ele conseguiu,
108

naquele tempo, a montagem de suas obras em importantes teatros da Itália e em algumas


cidades do mundo.
Atenta aos acontecimentos que envolviam o compositor brasileiro, a imprensa
paraense noticiava as repercussões do sucesso de Il Guarany na Itália. As notícias
chegavam diretamente, ou através de excerps de revistas e outros periódicos europeus.
Em 19 de novembro de 1871, o “Jornal do Pará anunciou a representação dessa ópera
durante as festas da Exposição Industrial de Milão28 destacando que, além do Scala, foi
anunciada uma recita no teatro Pérgola de Florença, no dia 15 de outubro e outra no teatro
de Apolo de Roma, no dia 20 do mesmo mês.
Nessa mesma notícia, o “Jornal do Pará” transcreveu trecho de uma matéria do
jornal literário e artístico Frausta Teatrale, impresso em Milão, relativo à reprise da ópera
de Carlos Gomes, na Exposição Industrial de Milão:

A empresa Scala escolheu definitivamente o Guarany de Carlos Gomes


para ser representado por ocasião da abertura da exposição. A escolha foi
judiciosa por quanto a impressão que deixou a ópera do maestro brasileiro,
quando subiu à cena pela primeira vez, foi a mais lisonjeira possível. Dizem
que a Imperatriz do Brasil, protetora de Gomes, fará uma pequena
excursão a Milão para assistir à representação do Guarany. Venha ou não
a augusta personagem, o fato é que vamos ter a linda, ópera muito bem
executada, pois a companhia está composta com artistas escolhidos da
ordem de Berini, Villani, Bertolazi e Parolari. O maestro Geloi regerá a
orquestra e Mendez os bailados. Os elementos, portanto, são ótimos e o
sucesso será grandioso.

Os comentários dos jornais sobre as notícias do sucesso de Carlos Gomes na


Europa, um tanto ufanistas, expressavam-se por elogiosos adjetivos. “Crescem de dia a
dia as glórias do nosso ilustre compositor, que tanto honra a terra que nasceu”, apregoa o
jornal “O Liberal do Pará” (17 de maio de 1872, p. 2), informando ao público paraense
mais uma montagem do ll Guarany, em maio de 1872, na Inglaterra: “No theatro Covent-
Garden, em Londres, vai ser cantada, por notabilidades artísticas, a majestosa ópera do
MAESTRO (sic) brasileiro A. Carlos Gomes, o Guarany”.
Belém acompanhava também o mecenato oficial que o governo brasileiro mantinha
com o compositor. Em 1873, o periódico paraense “A Regeneração” (03 de agosto de
1873, pp. 1 - 2), publicou atos do legislativo onde continha a “Lei Nº 2310, autorizando o
governo imperial a conceder subvenção de 4:000$000 réis anuais, durante 5 anos, ao

28Gaspare Vetro (1963, p.14) informa que a "Exposição Industrial de Milão foi inaugurada no dia 02 de
setembro de 1871, tendo o Teatro alla Scala aberto a estação de espetáculos com o Guarani".
109

maestro Antônio Carlos Gomes”. O jornal “O Liberal do Pará” (04 de agosto de 1873, p.
1), deu a mesma notícia com uma diferença nos valores e informando a data da lei como
10 de julho de 1873: “Concede-se durante cinco anos, por decreto n. 2.310, de 10 do
passado, a este maestro brasileiro a subvenção anual de 4:800$000”.
As cartas conhecidas de Carlos Gomes dão indicativos de que ele sempre oscilou
entre tempos de fartura e de penúria. Antes de receber os subsídios previstos na Lei 2.310,
Gomes temia por sua subsistência, de acordo com Marcos Góes.

Essa pensão, que CG esperava fosse concedida imediatamente, não veio


logo. Ao contrário, alguns anos se passaram até que a mesma fosse
aprovada, em 1873, por inestimável intervenção e trabalho do amigo
Taunay e por veladas sugestões do Imperador. CG, sem dinheiro, temeu
por sua sorte. Imaginou-se voltando à Itália sem um centavo no bolso. Essa
situação de penúria, antes da estreia de ll Guarany, no Rio de Janeiro, é
mais uma prova evidente de que tinha ele pago para pôr sua ópera no
Scala (Góes, 1996 p. 136).

A partir de 1873, foi criada certa expectativa no público paraense a respeito da ópera
Salvator Rosa, quando o “Diário de Belém” ( 26 de novembro de 1873, p1.) anunciou: “o
maestro brasileiro Carlos Gomes está escrevendo em Milão uma nova ópera, a que pôs o
título de Salvador Rosa". Essa ópera foi levada à cena no Theatro da Paz, na temporada
lírica de 1882, ano que Gomes veio pela primeira vez ao Pará, como veremos mais à frente.
As óperas de Carlos Gomes produzidas até o ano de 1874, de forma integral, ainda
não eram conhecidas do público paraense, mas sempre que possível alguma canção, coro
ou trechos eram solicitadas quando havia recitais de cantores líricos, como foi o caso da
visita a Belém do cantor Giovanni Scolari (baixo), quando realizou concertos vocais e
instrumentais, no dia 14 de agosto29 e 01 de outubro de 187330, sendo o primeiro no Salão
do Cassino Paraense e o segundo no Salão da Sociedade Auxiliadora da Instrução. Entre
as várias obras para canto e piano e piano a quatro mãos, com a participação de vários
artistas convidados, Scolari interpretou a “Canção dos Aventureiros”, da ópera Il Guarany,
nos dois concertos. Anos mais tarde esse cantor participou das temporadas líricas do
Theatro da Paz do ano de 1892, integrando a Companhia Lyrica Italiana, empresariado
pelo Maestro Joaquim Franco, cantando em Aída, La Favorita, Un Ballo in Maschera,
Lucia di Lammermoor, Mignon, Ernani e Rigoletto (Páscoa, 2006, p. 102-103) e 1895,
cantando em Aida, La Favorita e Lucia di Lammermoor (Diário de Notícias, 1895).

29 Jornal do Pará, 14 de agosto de 1873, p. 1.


30 Jornal Diário de Belém, 01 de outubro de 1873, p. 1.
110

Para que se possa ter uma ideia aproximada, ou pelos menos informativa, a respeito
do que o público paraense ouvia naquela década de 1870, estão registrados abaixo os
programas executados por Scolari, a partir da chamada do “Jornal do Pará”, em sua edição
de 14 de agosto de 1873 e do jornal “Diário de Belém”, de 01 de outubro do mesmo ano.
(A ortografia foi atualizada, mas a formatação do jornal foi mantida).

14 de agosto de 1873.

CONCERTO. - Hoje à noite terá lugar no Salão do Cassino Paraense o


concerto vocal e instrumental do célebre artista lírico 1.º baixo profundo,
Geovanni Scolari. Será auxiliado por Madame Guillemét, o distinto
clarinetista Rebouças e o jovem (pianista) paraense Manoel Francisco
Nicoláo Pereira Souza.

Programa.

1.ª Parte.
1.º Romança da Ópera Idália do distinto e mui hábil maestro paraense
Henrique Gurjão, cantada pelo sr. Scolari.

2.º Va dit elle da Ópera Robert le Diable (Meyerbeer) cantada por Madame
Guillemét.

3.º Cavatina da Ópera Sonnambula (Bellini) cantada pelo sr. Geovanni


Scolari.

4.º Operações para clarinete sobre motivos da Ópera Rigoletto (Verdi)


executadas pelo professor brasileiro Rebouças.

5.º Duetto da Ópera Marno Falliero (Donnizette) cantado por Madame


Guillemét e o sr. Scolari.
2.ª Parte.
1.º Evocação da Ópera Robert le Diable cantado pelo sr. Scolari.
2.º Cavatina da Ópera Freichutz (Weber) cantado por Madame Guillemét.
3.º Variações sobre motivos da Ópera y Lombardi (Verdi) executadas pelo
professor Rebouças.
4.º Cavatina da Ópera Barbero de Sevilha (Rossini) cantado por Madame
Guillemét.
5.º Canção dos Aventureiros da linda Ópera Guarany, do distinto maestro
brasileiro A. Carlos Gomes, cantada pelo sr. Scolari.

Todas as peças serão acompanhadas ao piano pelo distinto jovem Manoel


Francisco Nicoláo Pereira de Souza.
Começará às 8 horas da noite.

Preços dos bilhetes:

Para família, 12$000, com direito a cinco entradas.


Bilhetes avulsos 4$000.
111

Os mesmos acham-se à venda no escritório do sr. corretor José Frasão da


Costa, no hotel do Comércio, e na entrada do Cassino na noite do
benefício.

Um mês e meio depois, o “Diário de Belém” anunciou o concerto de outubro com


repertório diversificado e a presença de novos convidados, desta vez no Salão da
Sociedade Auxiliadora da Instrução, uma das muitas associações, clubes, e sociedades
atuantes na belle époque paraense.

01 de outubro de 1873.

Giovanni Scolari. Este distinto artista lírico dará hoje no salão da


Sociedade Auxiliadora da Instrução, à rua do Rosário, um concerto vocal e
instrumental no qual tomarão parte a distinta cantora Md. Guillermét, as
muito festejadas irmãs Riosas e os diletantes irmãos Pereira de Souza. O
sr. Scolari já é bem conhecido do nosso público que nele tem admirado a
sublimidade da arte, por isso é de presumir que todos concorrerão ao seu
concerto cujo programa assas variado, é o seguinte:

PRIMEIRA PARTE.

1.º Cavatina da Ópera Lucrézia Borgia (Donizetti) cantada pelo


beneficiado.

2.º Tango, “Louco de Amor” – dueto cantado pelas meninas Riosas.

3.º Ária da Ópera I Lombardi, (Verdi) cantada por Md. Guillermét.

4.º Variações a 4 mãos sobre motivos da Ópera Trovador (Verdi)


executadas a piano pelos hábeis diletantes irmãos Souza Pereira.

5.º Duettino Guarda che bianca luna, do maestro Campaña, cantada por
Md. Guillermét e o beneficiado.

SEGUNDA PARTE.

6.º Ária dramática por baixo da célebre Ópera Don Carlo (Verdi) cantada
pelo beneficiado.

7.º Duo da Zarzuela Dominó Azul, cantado pelas festejadas meninas Júlia
e Carolina Riosas.

8.º Noel, música de Adolfo Adam, cantada por Md. Guillemét.

9.º A pedido. Popular “Canção dos Aventureiros”, da linda Ópera Guarany


do distinto maestro brasileiro A. Carlos Gomes, cantada pelo beneficiado.

10.º Variações para piano a 4 mãos sobre motivos da Ópera Norma


executadas pelos distintos diletantes irmãos Pereira de Souza.

11.º A pedido. Lindíssimo dueto da Ópera Marino Falliero, (Donizetti)


cantado por Madame Guillemét e o beneficiado.
112

O ano de 1874 marcou a carreira de Carlos Gomes pelo sucesso alcançado com
sua ópera Salvator Rosa (editora Ricordi e libreto de Ghislanzoni), na estreia em 21 de
março, no teatro Carlo Fenice de Gênova, onde foi chamado ao proscênio 35 vezes
durante a récita e 5 no final da ópera. Ainda nesse ano, em setembro, começou a trabalhar
na composição da ópera Maria Tudor. O libreto é fruto da colaboração do poeta Emilio
Praga e de Arrigo Boito sobre um drama de Victor Hugo. O ano de 1874, apesar dos
contratempos, foi produtivo para a circulação de Salvator Rosa, que, no segundo semestre
iniciou il giro trionfale no teatro alla Scala (direção de Faccio) e Municipal de Trieste, sempre
com dezenas de chamadas, juntamente com Il Guarany, que agora já conquistara o mundo
(Vetro, 1963, p. 15).
Em maio de 1874, “O Liberal do Pará” (22 de maio de 1874, p. 1), publicou: “Este
distintíssimo maestro brasileiro alcançou em Itália com a sua nova ópera Salvador Rosa
um triunfo não inferior ao que ainda há pouco obteve o Guarany”. Após esse preâmbulo, o
jornal transcreveu a crítica publicada na revista “Arte Musical”, oportunizando aos
espectadores paraenses conhecer as impressões do público e o resumo da ópera Salvador
Rosa.

“Cantou-se em Gênova a nova ópera do maestro brasileiro Carlos Gomes


intitulada – Salvador Rosa, sendo desempenhada pelas damas Pantaleoni
e Blenio, tenor Anastasi, barítono Giraldoni, baixo Junca. O maestro nas
duas primeiras noites em que a ópera se representou não veio ao
proscênio menos de setenta vezes. Quase todos os jornais de Gênova
concordam em que o estilo do maestro é rico de efeitos e de contrastes.
[...] No primeiro ato foi muito aplaudida a canção de Gennariello, cantada
pela Blenio: Mia pêccërella! Isto valeu três chamadas ao maestro. A ária
de Salvador Rosa (tenor Anastasi): fórma sublime, etherea, foi igualmente
muito aplaudida, e deu causa a novas chamadas. [...] No segundo ato a
ária do duque d’Arcos foi muito aplaudida e em seguida o dueto de soprano
e tenor teve as honras de bis. [...] O final concertado do 2º ato é grandioso.
O dueto de Masaniello e Salvado Rosa no 3º ato, o duque e Isabel no
claustro, a aria de Isabel, o coro das freiras: al silenzio lo niamo; todas
estas peças foram aplaudidas. No 4º ato, que é mais fraco, ouve-se com
prazer a repetição da canção de Gennariello. O livreto, que é do poeta
Ghislanzoni, tem boas situações e ótimos versos. Nota-se, porém, o ter
feito do seu herói uma figura secundária. O interesse do espectador é todo
por Isabel. A ópera foi muito bem ensaiada, coros magníficos, a orquestra
regida pelo maestro Rossi com rara proficiência. O Salvador Rosa foi a
última ópera da estação no teatro Carlos Fenice de Gênova, que é o
principal d’esta cidade.

Muitas informações desprendem-se desta crítica. Chama atenção a informação das


vezes em que Carlos Gomes foi à frente do palco para ser aplaudido: “O êxito foi excelente,
113

e o maestro nas duas primeiras noites em que a ópera se representou, não veio ao
proscênio menos de setenta vezes”. Apesar do que Gomes relata em algumas de suas
cartas,31 Salvator Rosa foi recebida com entusiasmo pela crítica e pelo público, tornou-se,
naquele tempo, uma ópera muito popular devido conter melodias de fácil assimilação,
como por exemplo, a canção Mia piccirella, um diminutivo do dialeto napolitano – minha
pequenina, minha garota, que até os dias de hoje faz parte do repertório de muitas cantoras
líricas. Ressalta-se aos leitores a observação do crítico de que o quarto ato “é mais fraco”
e do libreto de Ghislanzoni ter feito do protagonista, Salvador Rosa, uma figura secundária,
levando a atenção e interesse do espectador para a personagem Isabel.
Os comentários e descrições de trechos dos quatro atos da ópera, certamente
deram ao leitor paraense uma boa visão dessa obra, alimentando a esperança de que, ao
ter o Theatro da Paz sua construção concluída, pudesse apreciar a montagem do Guarany,
de Salvator Rosa e de outras obras do maestro Carlos Gomes. De fato, em 1880, na
primeira temporada lírica do Theatro da Paz, ocorreu a estreia do Guarany, e, no ano de
1882, estreou Salvator Rosa, quando outras críticas foram feitas pelos jornais locais,
confirmando as expectativas criadas a partir das notícias vindas da Itália no ano de 1874.
No transcurso da década de 1870, muitos fatos justificavam o conhecimento que os
paraenses tinham da obra de Carlos Gomes e de seus empreendimentos musicais. Ainda
que não se tivesse na cidade um teatro apropriado para montagens completas de uma
ópera de Gomes, as notícias veiculadas nos jornais locais demonstravam que sua obra
viria a ser gradativamente conhecida em Belém, não somente pelas elites endinheiradas
pelo comércio da borracha e seus congêneres, mas também pelo povo.
As notícias, principalmente dos jornais, que se pode coligir para este trabalho,
indicam que Antônio Carlos Gomes já era conhecido pelos paraenses e demonstram que
sua figura humana foi paulatinamente vinculando-se ao memorial do povo, que ao ouvir
suas músicas e as notícias que engrandeciam sua imagem, passou a ter nesse
personagem da cultura musical nacional e internacional, uma referência de grandeza
artística e humana.
Um claro exemplo do exposto acima encontra-se numa crônica intitulada “Boletim
Nazareno” publicada no jornal “Diário de Belém (15 de outubro de 1876, p. 1.), no dia do

31Falando sobre a estreia de Salvator Rosa, em Gênova, Carlos Gomes escreve uma carta, com tons
pessimistas e lamentosos, datada de 05.03.1874 e endereçada ao procurador da Casa Ricordi, Carlo
Tornaghi, onde fala “maldita a hora em que escolhi o Carlo Felice (teatro de Gênova) para montar
Salvador”. Gaspare Nello Vetro comenta a carta afirmando: “Apesar dos medos de Gomes, Salvador
Rosa, em 21 de março de 1874 terá um sucesso triunfal no Carlo Felice. (Vetro, 1982, p. 114).
114

Círio do ano de 1876. A Igreja Católica anunciou, através do jornal, como se daria a festa
da procissão em homenagem à Nossa Senhora de Nazaré, evento religioso que se iniciou
no ano de 1793. Durante o préstito, que à época era bem menor, visto que em dias atuais
o Círio leva às ruas de Belém aproximadamente dois milhões de pessoas, muitas
homenagens eram oferecidas à imagem levada numa berlinda. A música sempre estava
presente como de hábito em qualquer procissão, tocadas por bandas civis e militares,
executando como de costume, repertórios de músicas religiosas, sejam instrumentais ou
de acompanhamento do povo que seguia cantando músicas religiosas.
O jornal citado divulga a programação completa da procissão, elaborada pela
diretoria da festa. Iniciando de forma poética, relata: “Os primeiros clarões da aurora de 15
de outubro serão festejados com salvas de morteiros nas principais praças, girândolas de
foguetes nos ângulos da cidade e alegres repiques de sinos nos carrilhões de todas as
torres.” Ainda de madrugada os integrantes do clero, a população e os músicos das três
bandas de música que participaram do cortejo, se posicionam em seus lugares. Às 6h30
horas da manhã é iniciado o Círio, anunciado pelo “estrepito de milhares de foguetes, às
detonações de salvas de artilharia, às toadas dos sinos a repicarem em todos os
campanários, aos sons de músicas postadas convenientemente, sairá da capela do palácio
do governo o Círio, a lendária romaria”.
Parte da ação musical noticiada, pelo seu conteúdo inusitado, se torna interessante
para este trabalho, tanto pelo repertório tocado por uma das bandas que acompanhavam
a procissão, quanto pelo fato de a igreja permitir e elogiar o compositor e o repertório
musical. Esse foi o repertório em outra parte da programação divulgada:

O Círio seguirá esta ordem: o carro precursor em forma do baluarte gótico,


arvorando nos ângulos as bandeiras de todas as nações católicas e
lançando ao espaço bombas reais. Uma banda de música,
cuidadosamente ensaiada, tocando com as mais populares peças, os
trechos das mais notáveis óperas, entre elas os do Guarany, Fosca,
Salvador Rosa e Maria Tudor, do laureado maestro brasileiro A.
Carlos Gomes, honra da pátria, glória do espírito humano. (Grifo do autor).

Como falado anteriormente, três bandas de música acompanhavam o Círio de


Nazaré, sendo uma de educandário da cidade, outra da Companhia de Aprendizes do
Arsenal de Marinha e a que chamou atenção, mas que não foi possível identificar a origem
e que tocava o repertório gomesiano. Provavelmente foi uma banda contratada
diretamente pela Diretoria da Festa, para atuar segundo as diretrizes da Igreja. O fato da
organização de uma procissão, própria do catolicismo popular, convidar uma banda de
115

música e autorizar que “cuidadosamente ensaiada” execute “as mais populares peças” das
óperas de Carlos Gomes, demonstram que o compositor era conhecido, não só do clero
como dos fiéis que afluíam à festa de Nazaré. Esse acontecimento, por certo, contribuiu
para que a imagem do compositor paulista fosse, aos poucos, penetrando no memorial
popular de forma permanente, podendo até ser considerado como um dos momentos
iniciais da permanência ad eternum da figura, um tanto mítica, de Gomes na cultura
paraense.
Outro detalhe que chama atenção é a presença, nesse repertório gomesiano
executado no Círio de Nazaré, de trechos da ópera Maria Tudor. Segundo Vetro (1982, p.
18) Carlos Gomes começou a compor Maria Tudor em setembro de 1874. Em maio de
1875, Gomes escreveu à Casa Ricordi, relatando: “penso continuamente em Maria Tudor,
não te posso dar certeza se esta ópera será terminada antes da época estabelecida em
nosso contrato” (Góes, 1996, p. 255). Essa ópera só seria entregue aos editores em 1878
e, segundo Marcos Góes, “Maria Tudor nunca ficou pronta, essa é a verdade” mesmo
“depois de quatro anos de trabalhos frequentemente interrompidos” (Góes, 1996, p. 258).
A estreia de Maria Tudor deu-se em 27 de março de 1879, no teatro Scala de Milão (Vetro,
1963, p. 17).
Ao longo da década de 1870, os paraenses, principalmente os residentes em
Belém, acompanharam a trajetória de Carlos Gomes, sua produção composicional e suas
relações com editoras, empresas e pessoas. No ano de 1876, Gomes foi instado pelo
imperador Pedro II a escrever um hino comemorativo à independência dos Estados Unidos,
fato divulgado pelos Jornais Diário de Belém (25 de agosto de 1876, p. 1.) e A
Constituição (12 de agosto de 1876, p. 2.), no mês de agosto daquele ano. A crônica
transcrita pelos jornais paraenses, diretamente do jornal Novo Mundo32, possui
informações detalhadas sobre a estrutura composicional do hino e os fatos acontecidos
naquele momento, o que nos estimula a transcrever parte da crônica publicada no Diário
de Belém.

Sua Majestade o Imperador, querendo ver a arte brasileira dignamente


representada na exposição internacional da Philadelphia, e tendo
certamente em mira demonstrar também a simpatia da nação de que é
chefe, por esta nação irmã, mandou pedir por telegrama ao mastro
brasileiro A. Carlos Gomes, que escrevesse um hino para grande

32 O jornal Novo Mundo foi fundado em outubro de 1870, com publicação mensal e editado em
português nos Estados Unidos. O periódico circulou até 1879, quase sem interrupções. No Brasil era
distribuído para todo o país por seu escritório no centro do Rio de Janeiro (Gonçalves, 2016, p.8).
116

orquestra, destinado à festa oficial de 4 de julho. Correspondendo ao


convite de Sua Majestade, Carlos Gomes meteu mãos à obra e em poucos
dias a música estava composta, instrumentada, extraídas todas as partes
de orquestra, reduzida para piano por Nicolo Gelega33 (sic), e, o que mais,
tudo isso nitidamente impresso no estabelecimento do editor Ricordi de
Julião. Toda essa música do hino, oferecido ao povo americano e que traz
por título “Hino para o primeiro centenário da independência americana”,
acaba de chegar a Nova-York (sic) e já foi confiada aos melhores
professores que a devem executar na citada solenidade.

Algumas informações sobre a instrumentação do hino podem ser retiradas do corpo


do texto, tais como: o hino foi composto somente para orquestra, sem coro; a orquestra
deve ter entre 160 a 200 professores e que podem aparecer mais de seis harpas; o hino é
escrito em 3 por 4, e, segundo o jornal “na opinião de pessoas profissionais, não se parece
com hino algum conhecido”, Carlos Gomes enviou ao cônsul geral do Brasil nos Estados
Unidos, o sr. Salvador de Mendonça, “ao qual o liga antiga e boa amizade”, a sinfonia de
sua ópera Guarany, no que consta será também executada nas festas de Philadelphia.
Continuando com intuito de examinar os ecos das notícias sobre Carlos Gomes no
Pará, na década de 1870, foi possível encontrar no hebdomadário paraense “O Santo
Ofício”34, um interessante editorial, intitulado “O Brasil na exposição de Philadelphia”,
informando sobre os vários países que expuseram seus produtos industriais, ao passo que
o Brasil, sem ter uma indústria desenvolvida contenta-se em mostrar sua criatividade
artística e, segundo o jornal, “brilha na exposição pelos produtos do espírito, pois que ali
temos os quadros de Pedro Américo e de Victor Meirelles, e música original e brilhante de
Carlos Gomes” (O Santo Ofício, 23 de outubro de 1876, p.1).
Anteriormente falamos de José Domingues Brandão, português de nascimento que
passou a viver em Belém a partir de seus 14 anos de idade. Discípulo de Henrique Gurjão,
prosseguiu com a escola de composição inaugurada por João Nepomuceno de Mendonça,
no pós-cabanagem. Autor de vários hinos, dentre eles o premiado “Hino do Tricentenário
de Belém”, compôs uma orquestração do Hino do Centenário da Independência Americana
(figs. 44 e 45), de Carlos Gomes. O autógrafo dessa orquestração encontra-se no Memorial
do Instituto Estadual Carlos Gomes, em Belém. Na transcrição de Domingues Brandão, a

33 A grafia desse nome, de acordo com Vetro, (1982, p. 110) é Nicolò Celega. Celega era professor de

canto e compositor e trabalhava na Casa Ricordi como adaptador das óperas para piano. Ao longo da
pesquisa encontramos vários músicos que trabalhavam com redução de obras para piano. Dentre eles,
temos: Kolling, Jaell, Menozzi, Tumagalli, Fazamotti e Behr.
34 O Santo Ofício foi um jornal maçônico de distribuição semanal, dirigido pelo “Irmão” Arthur S. Costa,

que trabalhava pela emancipação do trabalho servil, noticiando intensamente a libertação de escravos
(Monteiro, 2012, p.85).
117

instrumentação do hino segue a matriz comum do formato orquestral, sem grandes


alterações morfológicas, mas criando cores timbrísticas e nuances de dinâmica. A partitura
de Domingues Brandão configura-se como mais um trabalho paraense homenageando o
compositor paulista, antes de ter sua presença em solo paraense, durante suas estadas
em Belém e após sua morte.

Figura 44 Orquestração do Hino do Centenário de C. Gomes, por José D. Brandão. Capa.

Fonte: Memorial do Instituto Estadual Carlos Gomes. Fotografia: Jonas Arraes


118

Figura 45 Orquestração do Hino do Centenário de C. Gomes, por José D. Brandão. Pag. 1

Fonte: Memorial do Instituto Estadual Carlos Gomes.

Com as notícias sobre Carlos Gomes circulando na cidade de Belém e em outros


lugares do Pará, o mercado de venda de partituras, já existente naqueles tempos (década
de 1870) oferecia, entre outros títulos, obras do compositor paulista. Na propaganda
publicada no jornal Diário de Belém (fig. 46) a Livraria Clássica, situada no centro comercial
de Belém, oferecia transcrições para piano e piano e canto de óperas de Carlos Gomes,
podendo-se observar que as obras de Gomes eram bem mais caras do que as de outros
autores, mesmo estando entre eles nomes como Verdi, Rossini e Donizetti. Faz-se
oportuno observar a venda de transcrições de óperas para piano a quatro mãos, denotando
haver demanda para este tipo de produto, de acordo com o que falamos no primeiro
capítulo.
119

Figura 46 Propaganda de partituras de Carlos Gomes e outros compositores.

Fonte. Diário de Belém, 23 de agosto de 1876, p. 6.

A prodigiosa década de 1870, produtiva para Carlos Gomes e para Belém do Pará,
que alavancava a época grandes somas de capitais a serem empregados na cidade, foi,
também, um tempo de construções de edifícios de grandes formatos, cujo Theatro da Paz
destacou-se no gabarito arquitetônico da urbe em desenvolvimento. Em razão da
importância que esse teatro teve na história do maestro Carlos Gomes, faz-se, a seguir,
um percurso histórico do surgimento das casas de espetáculos em Belém, visando
compreender a evolução histórica das casas de espetáculos existentes em Belém da belle
époque, onde o Theatro da Paz se insere.

2.3 A tradição dos palcos em Belém do Pará: da Casa da Ópera ao Theatro Nossa
Senhora da Paz.

Visando dar melhor compreensão histórica sobre o aparecimento do Theatro da


Paz, construído na década de 1870, a atual Praça da República, faz-se necessário recuar
no tempo, por volta de um século, indo ao encontro da existência de um teatro de ópera
ainda no período colonial e o posterior surgimento de outros teatros, que, mesmo não tendo
120

a magnitude do Theatro da Paz, cumpriram papel importante na sociedade colonial e nos


anos que se seguiram, dentro do regime imperial.
Sendo o Grão-Pará, até 1823, um Estado independente do outro Estado, o Brasil,
a comunicação oficial era feita diretamente com a Coroa Portuguesa, para onde eram
passadas as demandas da colônia nortista. Os governadores do Grão-Pará eram os
responsáveis pelos empreendimentos, controle e defesa do território português. A partir da
autonomia concedida aos governadores pela coroa portuguesa, o 22.º Governador e
Capitão General do Estado do Grão-Pará e Rio Negro, João Pereira Caldas,
encomendou ao arquiteto italiano Antônio José Landi35 a elaboração do projeto e a
construção de uma casa de espetáculos, em Belém, influenciado por uma viagem feita
em 1775 a Macapá, que naquele tempo pertencia à estrutura administrativa do Estado
do Grão-Pará, onde conheceu um pequeno teatro, erguido para os festejos da sua
visita (BAENA, 1969, p. 192).

Visita o governador (1775) a Vila e Fortaleza de Macapá. Entre os


obséquios urbanos, que com ele pratica o Governador da Fortaleza,
teve lugar distinto o Teatrinho, que para este festejo foi erguido
debaixo de excelente disposição e asseio e que assas lhe agradou.
[...] Encarrega a Antonio José Lande o desenho e a ereção de um
pequeno teatrinho bem ordenado junto ao lado oriental do Jardim do
Palácio: e expressa-lhe nesse momento que nisto espera ver a mesma
atividade e inteligência que sempre tem manifestado no desempenho
das difíceis obrigações inerentes a um arquiteto.

Salles (1994, tomo 1, p. 7) também aponta a existência desse teatro


denominado de Casa da Ópera, um dos poucos teatros construídos no Brasil colonial
e que funcionou regularmente até 1812, entrando em decadência após essa data,
concluindo, através de informações complementares às suas pesquisas, que o teatro
teve a sua construção executada em cinco anos.

35 Antonio José Landi (1713-1791), arquiteto italiano bolonhês, veio para o Pará no ano de 1753, como
integrante desenhista da Expedição Demarcadora dos Territórios Portugueses no Norte do Brasil,
deixando sua cadeira de professor na Universidade de Bolonha. Viveu no interior da Amazônia,
estabelecendo-se em Belém onde projetou a Casa da Ópera, além de diversos prédios, sendo um dos
mais importantes, o Palácio dos Governadores, hoje Palácio Lauro Sodré. Grandioso trabalho sobre
este arquiteto foi elaborado, como tese de doutoramento e depois publicado em livro, por Isabel
Mendonça (2003), professora e pesquisadora portuguesa.
121

A localização da Casa da Ópera, ao lado do Palácio dos Governadores, está


bem apontada num mapa descrito como Plano Geral da Cidade do Pará36 (fig. 47),
tirado em 1791 pelo engenheiro Theodósio Constantino de Chermont37. Nesse mapa
podemos visualizar o Palácio dos Governadores, e, no lado direito do grande edifício,
a Casa da Ópera.
Figura 47 Mapa do Plano Geral da Cidade do Pará. Autor: Theodósio Chermont.

Fonte: Biblioteca Nacional do Brasil. Acervo Digital. Disponível em: https://bndigital.bn.gov.br/


exposicoes/a-metropole-da-amazonia-400-anos-da-cidade-de-belem/cartografia-e-arquitetura.

A Casa da Ópera foi um teatro importante no contexto do fim do século XVIII no Pará,
com sua agenda de espetáculos bastante ativa para época, com montagens de peças teatrais,
discursos e apresentações musicais. Como exemplo da existência desses espetáculos,
citamos o exemplar impresso do Drama de José Eugênio de Aragão e Lima (fig. 48), que
contém informações preciosas. Diz, por exemplo, que houve cinco representações no Pará,
juntamente com as óperas "Ézio em Roma" e "Zenóbia", e da comédia "A beata fingida", a

36 No período colonial era comum usar a expressão “cidade do Pará”, em lugar de “cidade de Belém”.
Como exemplo conhecemos uma partitura que traz como título “A cidade do Pará”, polka brilhante para
piano, composição de Adolfo J. Kaulfuss, que com sua composição presta homenagem à cidade de
Belém.
37 Este mapa recentemente foi publicado no livro do genealogista Victorino Coutinho Chermont de

Miranda: A família Chermont: memória histórica e genealógica (2016, p. 54).


122

primeira de Pietro Metastasio, traduzida em versos por Nicolau Luis, célebre autor português.
Indica particularidades musicais e coreografias importantes, como a existência de partes
corais, "um coro de índios", e solos vocais. Nota-se também que o drama deveria ser precedido
de alegre sinfonia, executada com o pano descido, ou seja, abertura sinfônica (SALLES, 1994,
t. 1, p. 10 -11).

Figura 48 Capa do Drama, de José Eugênio de Aragão e Lima.

Fonte: Acervo Vicente Salles. Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará (MUFPA).

Apesar da importância histórica da Casa da Ópera, um dos mais antigos


exemplos de teatros do período colonial, sua existência não foi longa. As ruínas do
prédio aparecem em um desenho38 do Palácio dos Governadores do Pará (fig. 49),
obra do arquiteto bolonhês Antonio Landi, feito por Paul Marcoy, pseudônimo do
desenhista e viajante francês Laurent Saint-Cricq e publicado em sua obra A Journey
across South America, from the Pacific Ocean to the Atlantic Ocean. (Marcoy, 1873,
p. 569).

38O desenho do francês Marcoy foi publicado em vários livros e trabalhos acadêmicos, dentre eles
"Antonio José Landi, arquiteto de Belem" de Donato Melo Junior,1973, p. 111 e "Antonio José Landi
(1713-1791): um artista entre dois continentes", de Isabel Mayer Godinho Mendonça, 2003, p. 527.
123

Figura 49 Palácio do Governadores do Pará com ruínas da Casa da Ópera ao lado, a direita do
palácio.

Fonte: Marcoy, A journey across South America from the Pacific Ocean to the Atlantic Ocean. Vol. II.
1873, p. 569.

Nesse contexto, indo em direção ao século XIX, a construção da Casa da Ópera


surge como um preâmbulo ao que viria acontecer no século seguinte, com o
surgimento de outros teatros39 que antecederam ou surgiram concomitantemente ao
Theatro da Paz.
Um desses teatros que será de grande importância até o surgimento do Theatro
da Paz, foi o Teatro Providência. Localizado no Largo das Mercês, em frente à Igreja
das Mercês e o Convento dos Mercedários, local onde se ouviam os cantos do
RITUALE, o compêndio organizado pelo Frei João da Veiga, citado anteriormente.
Sobre este teatro assim fala MOURA (1989, pp. 29-30), quando em 1897, após breve
comentário sobre o Largo da Pólvora, atual Praça da República, descreve Belém de
cinquenta anos atrás.

O único (teatro) que existia era o antigo Providência, ao Largo das


Mercês (Praça Visconde do Rio Branco), construído de madeira,
acanhado, mal pintado; não me recordo se tinha iluminação de azeite
da terra ou andiroba. Por aí, podemos calcular as companhias que ali
trabalhavam. A primeira de que tenho lembrança, foi uma chamada
"lírica", composta de quatro cantores: a Margarida Lemos, o Carlos
Ricci, o Giuseppe Calleti e um outro cujo nome me foge à memória. O

39Para saber mais sobre os teatros no Pará, desde o período colonial até o século XX, ver: Salles,
Vicente. Épocas do teatro no Grão-Pará: ou, Apresentação do teatro de época. Tomo I e II. Belém:
UFPA, 1994.
124

Pará inteiro concorria, naquela época, ao teatro, sendo para notar que
a troupe, com aquelas quatro figuras, levava à cena o "Barbeiro de
Sevilha", o "Elixir do Amor" e outras peças, cujas audições muito me
deliciavam e aos avós de quem me ler.

O relato acima de Ignacio Moura, relembrando fatos do ano de 1847, extrai uma
informação um tanto insólita: "o Pará40 inteiro concorria, naquela época, ao teatro,
sendo para notar que a troupe, com aquelas quatro figuras levava à cena 'O Barbeiro
de Sevilha', o 'Elixir de Amor' e outras peças...". Mesmo percebendo o esforço desses
quatro cantores para montar obras desse porte, nota-se, que após a revolta da
Cabanagem, em tempos difíceis, o esforço em trazer ao público estas obras é um
dado a considerar. Talvez ali estivesse nascendo a base da cultura operística no Pará,
que teria seu desenvolvimento a partir do ano de 1880, com as temporadas líricas do
Theatro da Paz.
Apesar da descrição feita pelo engenheiro Ignácio Moura, o Teatro Providência
(fig. 50) foi importante em sua época, assim como foi o Teatro Lírico do Rio de Janeiro
até o surgimento do Teatro Municipal em 1909. No Teatro Providência, muitos
acontecimentos do Grão-Pará imperial passaram por seu interior e pela praça em
frente. A revolução da Cabanagem, que abalou a vida cultural de Belém, teve em
frente ao teatro seu palco aberto de lutas e refregas, entre as forças legalistas e os
revolucionários cabanos. SALLES (1994-I, pp. 16-17) assim relata.

O lago das Mercês, onde se localizava o Teatro Providência, defronte


da Igreja dos Mercedários, foi palco de muitas batalhas. No velho
convento, aquartelaram-se alternadamente forças governamentais e
rebeldes [...]. Mas o Teatro Providência, que sofrera danos, foi
recuperado. Em 14.03.1838 abriu-se para espetáculo em homenagem
à princesa D. Januária, ocasião em que o poeta João Batista de
Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1861) recitou "Elogio Dramático"
escrito especialmente para o evento.

40 Leia-se: a cidade de Belém.


125

Figura 50 Joseph Righini. Teatro Providência, sito à esquerda, no Largo das Mercês.

Fonte: Panorama do Pará em Doze Vistas, publicada por Conrad Wiegandt, [1877-1881], 9ª Prancha.

Durante o "tempo da borracha", outros pequenos teatros apareceram na capital


do Pará, servindo ao público com espetáculos diversos, como operetas, peças
dramáticas, concertos, saraus, entre tantas outras que circulavam pelo mundo da
época.
Por volta do ano de 1873 existia alguns teatros de pequeno porte às
proximidades da Igreja de Nazaré, a certa distância do Largo das Mercês, onde estava
localizado o Providência. Durante a "Quadra Nazarena", aconteciam, além da
procissão do Círio, diversos eventos profanos no pavilhão da Flora, dentre eles os
cordões folclóricos. Também no entorno da igreja encontrava-se o Teatro Chalet, (fig.
51), ocupado pela empresa do ator Lourenço Antônio Dias, o Pavilhão de Recreios,
ocupado pela empresa do ator Vicente Pontes de Oliveira e o Teatro Provisório, onde
se apresentava a Real Companhia Japonesa com pantominas, trabalhos japoneses,
mexicanos e cantos (Salles, 1994, T.I, p. 73).
126

Figura 51 Teatro Chalet. Fotografia de Felipe A. Fidanza, (c. 1870).

Fonte. Biblioteca Nacional


http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon827026/icon827026.jpg.
Acessado em 20/10/2020, 17:31.

Alguns desses espaços de lazer e entretenimento circundavam o Largo da


Pólvora, ou Praça D. Pedro II, que no período republicano passou a se chamar Praça
da República. O Largo da Pólvora era denominado assim por ter tido, por muito tempo,
um depósito de munições de guerra. O novo nome da praça era uma direta referência
ao novo regime institucionalizado em 1889, no entanto o povo continuou, por décadas,
a chamar o logradouro de Largo da Pólvora.
Ao lado dessa grande praça, onde foi construído o Theatro da Paz, o capitalista
José Guilherme Kopke Corrêa Pinto, construiu o Café Chic41, inaugurado em 9 de
maio de 1880 e dirigido por João Maria da Silva, o João do Chic, considerado amigo
dos artistas e poetas.

41No Café Chic foi preparado um aposento para o maestro Carlos Gomes na sua primeira visita ao
Pará, em 1882.
127

Esse mesmo empresário construiu também o Teatro-Circo Cosmopolita, que


atravessou a década de 1880 como casa de espetáculos bastante movimentada,
tentando, inclusive, rivalizar com o Theatro da Paz, o que não acontecia dada as
proporções díspares das duas casas. (Salles, 1991, T.I, p. 129).
De acordo como o que consta no capítulo anterior, a década de 1870 foi marcada
pelo início de um tempo denominado de belle époque, onde, além do desenvolvimento da
economia da borracha, procedeu-se um tempo de paz no Brasil, motivado pelo final da
guerra do Paraguai, acontecido naquele ano. Devido à notícia que chegava do sul do
império, o fim da guerra já era esperado na província do Grão-Pará. Os prenúncios da paz
foram anunciados pelo Presidente da Província, José Bento da Cunha Figueiredo em seu
Relatório de entrega da administração, anunciando a construção do Theatro da Paz, em
comemoração “dos triunfos das nossas armas no Paraguai”.

Em uma capital tão adiantada e opulenta, como já é a do Gram-Pará (sic.),


não se podia mais tolerar a falta de um estabelecimento de pública
distração, que, sendo bem regulado, pode ser também instrutivo e
constituir certa fonte de receita provincial. Prevalecendo-me da autorização
da assembleia provincial, constante da lei n. 574 de 14 de outubro de 1868,
tratei logo de fundar na praça de Pedro II o teatro público com a invocação
de Nossa Senhora da Paz, em comemorações dos triunfos das nossas
armas no Paraguai, triunfos que necessariamente nos deverão trazer as
delícias de uma paz honrosa e desejada por todo o coração bem formado.
(Pará, 1869, p.8).

O presidente da província reconheceu, ao final da década de 1860, Belém como


“uma capital tão adiantada e opulenta”, demonstrando que o Norte do Império já usufruía
do progresso econômico decorrente do progressivo aumento das exportações do látex, e
que a receita que gerava colaborava positivamente com o governo central, que começava
a sentir os danos causados pela guerra do Paraguai.
No início da década de 1870, o Império recebia entre 4.500 e 5.00042 contos por
ano com o comércio da borracha, no entanto a Província recebia cerca de um terço disso,
restando ao Pará apenas a receita proveniente dos impostos de exportação arrecadados
localmente (Weinstein, 1993, p.123). Mesmo recebendo tão pouco o volume de recursos

42 O cálculo do valor do Conto de Réis, em relação a qualquer moeda atual, é de alta complexidade,
devido as constantes variações da moeda brasileira ao longo dos séculos. Para se ter uma ideia
aproximada podemos apontar, como referência, mesmo a grosso modo, a comparação feita pela
pesquisadora americana Bárbara Weinstein, que equipara 2.093 contos a pouco mais de um milhão de
dólares, anotando que se trata de uma comparação aproximada e passível de erros (Weinstein, 1993,
p. 123).
128

advindo deste comércio, permitia que investimentos culturais fossem feitos, como a
construção de um teatro público, pois, para o Presidente da Província “não se podia mais
tolerar a falta de um estabelecimento de publica distração, que, sendo bem regulado, pode
ser também instrutivo e constituir certa fonte de receita provincial”. Com isso, além da
“diversão” da capital opulenta, esperava-se que o teatro produzisse retorno financeiro
também. Além dos recursos necessários, havia a permissão, dada pela Assembleia
Provincial, através da Lei n. 574 de 14 de outubro de 1868 de um local na grande praça
Pedro II e a invocação de Nossa Senhora da Paz.
A inauguração do Theatro da Paz, em 15 de fevereiro de 1878, no contexto da belle
époque Amazônica reflete um movimento originado no período colonial e que cresceu no
tempo imperial. As elites da época esmeravam-se por transformar riquezas naturais em
símbolos de distinção e poder e como foi visto anteriormente, para essa parcela da
população era necessário parecer europeu, civilizado e elegante, sendo necessária para
isso a construção de espaços de convivência e fruição artística, para concatenar o ideário
de progresso com a aparência civilizatória. Um painel bastante clarificador desse
movimento, não só no Norte como no Brasil todo, foi apresentado pelo historiador Antonio
Augusto (2009, p. 119), conforme extrato abaixo:

A construção de teatros opulentos vai servir de estratégia para essa


sociedade, ao tornar visíveis, reais, os seus estágios adiantados de
progresso e desenvolvimento. Pois, afinal, entre todas as nações,
estes estabelecimentos são “o termômetro seguro para se medir seu
estado de civilização”. Dentro dessa lógica, teatros são fundados,
como o Santa Isabel, em Pernambuco, em 1850; o São Pedro, no Rio
Grande Sul, em 1858; o Teatro da Paz, no Pará, 1878; ou readaptados
à estética da nova ordem, como os teatros São Luís, no Maranhão
(1817); São João, na Bahia (Salvador, 1812); e o Imperial Teatro de
S. Pedro de Alcântara, no Rio de Janeiro (1813).

O Theatro da Paz desde sua inauguração em 1878 sofreu reformas,


embelezamentos e restaurações, alternando anos de uso contínuo com outros de
relativo abandono. Dentre as reformas pelo qual passou o Theatro da Paz,
destacamos três: a de 1887 a 1890, a de 1904-1905 e a mais recente, encerrada em
2002 e desde então o teatro mantem sua programação voltada principalmente para
manifestações artísticas.
Ao longo dos anos, com as reformas executadas, são visíveis as modificações
aplicadas ao teatro, sendo que na parte externa o recuo das colunas frontais, feitas
na reforma de 1904 e as modificações no teto, são as mais aparentes, de acordo com
129

o que observamos nas figuras abaixo (fig. 52 e 53). No entanto são muitas as
modificações, adaptações e restaurações acontecidas desde a fundação até dias
atuais43.

Figura 52 Theatro da Paz. Desenho de L. Righini.

Fonte: WIEGANDT, Panorama do Pará em Doze Vistas, [1877]. Acervo Centro de Memória da
Amazônia – UFPA

43 Na publicação "Theatro da Paz", Série Restauro, V. 5, (2013), pode-se conhecer a história do


Theatro da Paz e todos os detalhamentos da última grande intervenção, realizada até o ano de 2002.
Ver também: SILVEIRA, Rose. Histórias invisíveis do Teatro da Paz: da construção à primeira
reforma. Belém: Paka-Tatu, 2010; SALLES, Vicente. A música e o tempo no Grão-Pará. Belém:
Conselho Estadual de Cultura, 1980.
130

Figura 53 O Theatro da Paz em outubro de 2020.

Fonte: Acervo do autor. Fotografia: Jonas Arraes.

O Theatro da Paz, equipado com todos os requisitos para montagens de óperas


foi bastante favorável para Carlos Gomes expandir a divulgação de sua obra, abrir
novas frentes de trabalho e contratos e ampliar suas relações interpessoais, sendo
que ele fez tudo isso com certa habilidade, conseguindo encenar algumas de suas
óperas no palco do teatro e ser bastante aplaudido pelo público que o assistiu, mesmo
que certas situações não lhes tenha sido de todo favorável.
Devido Carlos Gomes ter falecido em 1896, não chegou a conhecer algumas
modificações na parte externa e interna do Theatro da Paz. Os embelezamentos feitos
no teatro, na reforma de 1904-1905, na administração de Augusto Montenegro,
beneficiaram, entre outros espaços, o Salão Nobre, conhecido como foyer. Nesse
salão, dotado de acabamento requintado, Carlos Gomes foi homenageado com um
busto de mármore ao lado do compositor paraense Henrique Eulálio Gurjão (figs.54 a
57). Os bustos, em mármore de Carrara, foram construídos em Gênova, pelo escultor
Achille Canessa e posicionados próximos à porta de entrada do Salão Nobre (foyer).
As duas colunas que recebem esses bustos são de mármore negro belga (Pará,
131

1905). Atualmente esses bustos podem ser vistos posicionados da mesma forma
como há 115 anos.

Figura 54 Detalhe do foyer do Theatro da Paz, com os bustos dos maestros Carlos Gomes e
Henrique Gurjão.

Fonte: Fotografia: Jonas Arraes.

Figura 55 Bustos dos Maestro Carlos Gomes e Henrique Gurjão.

Fonte: Fotografia: Jonas Arraes.


132

Figura 56 Foyer do Theatro da Paz atualmente. Os bustos dos maestros Gomes e Gurjão
aparecem à direita.

Fonte: Teatro da Paz, SECULT, 2013, p. 436. Fotografia: Octávio Cardoso.

Figura 57 Foyer do Theatro da Paz em 1905. Os bustos dos maestros Gomes e Gurjão
aparecem à direita.

Fonte: Álbum do Estado do Pará. P. 266 b.


133

2.4 O Conservatório Dramático Paraense e a Associação Lyrica Paraense.

A construção e inauguração do Theatro Nossa Senhora da Paz coincide com o


surgimento de outras instituições naquela época, com destaque para o surgimento do
Conservatório Dramático Paraense e Associação Lyrica Paraense. Essas instituições
foram importantes no contexto das recepções e apoios dados ao maestro Carlos Gomes,
desde sua primeira visita a Belém. Direta ou indiretamente, o Conservatório e a Associação
Lírica, agiram em dotar o Theatro da Paz de estrutura administrativa e operacional, bem
como influenciaram na programação daquela casa de espetáculos. A Associação Lyrica
Paraense participou ativamente nas negociações para contratar com o maestro Carlos
Gomes e trazê-lo a Belém, pela primeira vez, em 1882.
A seguir um breve histórico dessas duas agremiações, surgidas em meados do
século XIX, na Capital da Província, visando contextualizar os fatos ocorridos ao final da
década de 1870 e início de 1880, principalmente a inauguração do Theatro da Paz em
1878 e a abertura das temporadas líricas em 1880, assim como a primeira visita de Carlos
Gomes a Belém, em 1882.
O Conservatório Dramático Paraense foi uma instituição civil, fundada em 29 de
março de 1873 pelo Vice-Presidente da Província do Pará, Miguel Antônio Pinto
Guimarães, o Barão de Santarém, como "uma reunião de homens de letras e artistas para
se incumbirem de restaurar, conservar e aperfeiçoar a literatura dramática, a música, a
pintura e a declamação" (Pará, 1873). Os estatutos do Conservatório foram aprovados
através da Portaria de 19 de setembro de 1876, emitida pelo Presidente da Província João
Capistrano Bandeira de Melo Filho. O presidente do conservatório era o presidente da
província. Apesar do nome da instituição e de ter em sua estrutura uma seção de música,
não foram criados cursos de ensino musical.
O Conservatório instalou-se inicialmente, no Salão Nobre do Theatro da Paz, que
já estava com sua construção quase concluída no ano de 1873, embora só tenha sido
inaugurado em 1878. A Portaria44 de criação do Conservatório contém dez artigos, sendo
que quatro desses fazem referência ao Theatro da Paz, quais sejam:
“Art. 2. O conservatório procurará obter estes fins:
1.º. Pelas suas conferências.
2.º. Pela publicação de seus trabalhos.

44A Portaria do dia 29 de março de 1873, foi publicada no "Jornal do Pará- órgão oficial", no dia 18 de
abril de 1873, p.1.
134

3.º. Pela censura que exercerá sobre os teatros da província.

Art. 7.º Fica incumbida ao Conservatório a organização do regulamento do Theatro de N.


S. da Paz, sujeitando-o à aprovação do Presidente da Província.

Art. 8.º Haverá no mesmo teatro camarote especial para a comissão de censura do
Conservatório.
Art. 10.º O Conservatório funcionará em um salão do referido teatro.”
Pelo que consta no item 3.º do Art. 2.º, o Conservatório Dramático tinha como
obrigação estabelecer vigilância e censura aos espetáculos e atividades de qualquer
natureza no Theatro da Paz e em outros teatros da Província, ou seja, sua ação transcendia
o âmbito da capital. O Art. 7.º atribui ao Conservatório a organização de um regulamento
e, através desse, ter controle das atividades do Theatro da Paz. De acordo com o que diz
o Art. 8.ª haveria uma Comissão de Censura, com espaço reservado e exclusivo para o
exercício de censurar o que acontecia no palco, liberando ou proibindo espetáculos e
atividades diversas. As reuniões da diretoria e assembleias aconteciam, como já
estabelecido no Art. 10.º, em um salão do teatro, ou seja, o Salão Nobre, ou foyer.
No ano acadêmico de 1878-1879 o conservatório apresentava a seguinte estrutura:
Administrativa: Presidente, Vice-Presidente, Secretário Perpétuo, Subsecretário e
Tesoureiro. Seções: Literatura Dramática, Música, Pintura e História.
Destacamos a Seção de Música, que tinha a seguinte composição:
Diretor: Henrique Eulálio Gurjão; Secretário: Victor Bezerra de Moraes Rocha;
Membros: Aureliano Pinto Lima Guedes, Carlos Sharkady, Guilherme Zeller, Joaquim Pinto
de França, Joaquim Teixeira de Souza, José Cardoso da Cunha Coimbra, José Cardoso
da Cunha e Ludovico Paiva (Couto, 1879, p. 160).
A aquisição de sócios, nas vagas que ocorressem, obedecia a rigoroso processo:
Aberta a vaga, era publicado edital por 30 dias chamando concorrentes que apresentavam
uma produção literária ou artística impressa ou manuscrita e era escolhido o que obtivesse
o maior número de votos (Salles, 2016, p. 206)
O Conservatório Dramático Paraense atuou na fiscalização e administração do
Theatro da Paz em seus primeiros anos de funcionamento. Em 1883 o Theatro da Paz já
possuía um Administrador, o Major Antonio Nicolau Monteiro Baena e um Guarda,
Francisco de Moura Palha (Azevedo, 1883).
135

A Associação Lyrica Paraense foi fundada em 17 de agosto de 1880 por um grupo


de "cavalheiros da sociedade", destinada a patrocinar espetáculos de ópera em Belém.
Surgiu para apoiar a primeira estação de óperas no Theatro da Paz, realizada pela
empresa Tomás Passini. (Salles, 2016, p. 91). Como a companhia lírica de Passini não
estava conseguindo manter-se e os recursos financeiros estavam curtos, segundo o
historiador Vicente Salles "pessoas influentes e, de certo, as mais abonadas, reuniram-se
no dia 17 de agosto e resolveram fundar uma associação para socorrê-la dos prejuízos e
talvez salvá-la da dissolução prematura" (1980, p. 308). Os primeiros dirigentes dessa
associação foram Antonio Baena e Justo Chermont, este, importante republicano de
primeira ordem, tendo governado o Pará no início do novo regime, logo após a
Proclamação da República.
No ano de 1881 o jornal "Diário de Belém" (10 de fevereiro de 1881) informou que
a Associação Lyrica estava composta da seguinte equipe diretiva: David Freire da Silva,
José Caetano da Gama e Silva, Francisco José Horácio e Silva, João Emilio de Macedo,
Joveniano José Moreira e Dr. Domingos Olympio Braga Cavalcanti. No início daquele ano,
a Associação Lyrica autorizou o empresário Tomas Passini, a contratar na Itália, uma
companhia lírica para trabalhar dois meses em Salvador, três em Belém e dois em São
Luiz.
Por vários anos essa associação participaria da vida cultural do Pará, e, em conjunto
com o Conservatório Dramático Paraense, atuou nos eventos ligados ao canto e às artes
dramáticas, principalmente aqueles a serem representados no Theatro da Paz.

2.5 As Temporadas Líricas em Belém: as cortinas do Theatro da Paz abrem-se à obra


do compositor Antônio Carlos Gomes.

No final do século XIX, em Belém do Pará, o encontro de um famoso compositor


com uma associação lírica, um teatro-monumento, um conservatório dramático e o
patrocínio de uma elite assoberbada por abundantes recursos, todos patrocinados por
uma economia pujante, criou uma rede de interesses, onde personagens da cultura,
instituições, capitalistas e afins, entrelaçaram-se num circuito cultural complexo,
delimitando uma nova época para a música no Pará, iniciado num tempo em que,
entre tantos acontecimentos, assistiria o fim da monarquia e o alvorecer da República.
O Theatro da Paz, a partir da primeira temporada lírica (1880), foi o campo
centrifugador do movimento musical que cresceu durante a belle époque. O
136

historiador Geraldo Mártires Coelho (1995, p. 107-108), leva à reflexão de como esta
casa viria a ter este papel naquele tempo.

Dessa forma, a inauguração do Teatro da Paz45 (sic), em 1878, não foi


um ato fundador, ainda que demarque as fronteiras entre duas etapas
distintas da vida social de Belém, na medida em que a nova casa
permitiria o conhecimento da ópera e das grandes companhias líricas,
até então virtualmente alheias a uma sociedade tão acentuadamente
marcada pela música. Nesse sentido o subir do pano de boca do
Teatro da Paz foi tanto um ponto de chegada como um de partida, já
que balizou os limites atingidos por uma etapa de vida musical da
cidade e inaugurou a convivência de Belém com uma outra – e mais
sofisticada – linguagem, a da cena lírica.

O ano de 1880 está na história do Theatro da Paz como o marco inicial das
temporadas líricas, quando várias óperas foram levadas à cena naquele período, até
o ano de 1907, ao iniciar uma fase de grandes dificuldades econômicas, provocadas
pela queda do preço da borracha nas bolsas de valores. A partir de 1907, o público
assistiu a espetáculos que não podem ser considerados como parte de uma
temporada lírica, necessitando um estudo próprio para esse período, visto que são
montagens mais simples que uma ópera, tais como zarzuelas, revistas, operetas,
entre outros gêneros lírico-dramáticos, que se adaptaram aos novos tempos,
vasqueiros de recursos econômicos.
Ano após ano, companhias líricas e afins, oriundas da Europa, principalmente
da Itália, Espanha e Portugal, faziam trajetos por várias cidades, entre elas, Salvador,
Recife, São Luiz e Belém. A partir de 1896, após a inauguração do Teatro Amazonas,
Manaus passa a fazer parte do circuito das companhias viageiras.
As temporadas líricas do Theatro da Paz sucederam-se, com algumas
interrupções, até a primeira década do século XX e tiveram vigor, enquanto vigor teve
a economia, não obstante as dificuldades, algumas óperas de Gomes foram
encenadas no Theatro da Paz.
Alguns fatores podem explicar o surgimento de temporadas líricas, a partir de
1880 no Theatro da Paz. Como na primeira parte desse capítulo, na década de 1870,
várias apresentações de partes de óperas foram apresentadas em Belém, criando

45O historiador Geraldo Mártires Coelho, assim como outros autores, escreve o nome do Theatro da
Paz sem a letra 'h" na palavra "teatro". Usei, neste trabalho, a palavra "Theatro" quando "Theatro da
Paz" aparecer como nome próprio e sempre que falar desse espaço, enquanto substantivo, usarei a
palavra "teatro".
137

uma expectativa no público, tanto por ver o Theatro da Paz em atividade, quanto por
assistir óperas completas, sobremaneira, títulos de Carlos Gomes.
Voltando no tempo, viu-se que a Casa da Ópera e o Teatro Providência
realizaram montagens simplificadas de dramas e óperas, que, mesmo sem as
condições e recursos necessários, foram experiências que se projetaram para o
futuro, repercutindo no tempo da chegada do Theatro da Paz. A tradição que iniciara
ainda no século XVIII consolidar-se-ia com a criação da Associação Lírica Paraense
e, por seu intermédio, a vinda de companhias líricas estrangeiras para atuar no novo
teatro. Com a possibilidade de ser encenadas obras de grandes compositores
internacionais e, em resposta aos ecos da década de 1870, ver a obra de Carlos
Gomes, o grande nome do melodrama brasileiro e internacional, ser executada no
novo teatro público, a burguesia belenense foi ao teatro e expos, como numa vitrine,
seus símbolos de riqueza e poder.
Os ingressos, objeto de desejo de muitos, dividia as classes sociais e as
colocava em locais de menor ou maior visão do palco, e ainda, os ingressos mais
caros proporcionava um melhor assento no teatro, favorecendo a exibição das vestes
e adereços dos mais ricos e poderosos. A historiadora Rose Silveira (2010, p.147)
relata a movimentação dessa vitrine humana, nos ambientes do teatro e
principalmente na sala de espetáculos.

Além dos preços, a geografia da sala de espetáculos definia o perfil do


público. Às excelentíssimas famílias, como nos jargões da imprensa,
era recomendável ocupar os camarotes, agregadores da família e
isolados do restante do público, não impedindo, porém, a invasão
certeira e impune dos olhares dos outros, o gesto destruidor das
fronteiras físicas.

Quando o Presidente da Província do Pará, José Bento da Cunha Figueiredo,


autorizou a execução da Lei nº. 574, de 14 de outubro de 1868, determinando a
construção do Theatro da Paz, de conformidade com os planos do engenheiro José
Tibúrcio Pereira de Magalhães (Salles, 1980), era senso comum que se tratava de um
teatro apropriado para a encenação de vários tipos de espetáculos, no entanto,
tratando-se de ópera, algumas exigências teriam que ser cumpridas para dar as
condições necessárias para levar à cena qualquer obra desse gênero. A estrutura
projetada para a sala de espetáculos, com a plateia em forma de ferradura, caixa
cênica com pé direito suficientemente alto e com a profundidade adequada, tendo à
138

frente do palco a "orchestra"46 (Fig. 58) espaço destinado aos músicos, já deixava
claro que naquele teatro haveria de ter, num tempo mais breve possível, a encenação
de óperas.

Figura 58 Visão do pano de boca e orchestra a frente. Litografia de C. Wiegandt, 1892.

Fonte: O Estado do Pará: apontamentos para a Exposição de Chicago. Belém: Typographia do Diário
Oficial, 1892, s/n.
E assim aconteceu.
O Jornal "O Liberal do Pará" (4 de agosto de 1880, p1), anunciou: "no vapor
'Pernambuco', hoje esperado, vem a Companhia Lyrica do sr. Passini". Dois anos e
alguns meses após a inauguração do Theatro da Paz, a Companhia Lírica Italiana, do

46 No tempo da construção do teatro e até o início do século XX, o local onde ficavam os músicos
chamava-se "orchestra". Esse espaço na reforma iniciada pelo governador Augusto Montenegro no
ano de 1904, foi ampliado, evoluindo para o que atualmente configura-se como fosso, espaço que fica
a frente e abaixo do palco.
139

empresário Thomás Passini47, chegou a Belém, vinda de Salvador, onde Carlos


Gomes recebeu muitas homenagens. Gomes havia chegado à Bahia, pela primeira
vez, em 6 de abril, onde permaneceu até o dia 15 de julho, seguindo para o Rio de
Janeiro, para decepção dos paraenses, que esperavam que ele acompanhasse a
companhia lírica até Belém (Salles, 1980).
Naquele mesmo ano, em 25 de maio, ouviu a Bahia, pela primeira vez, o
Salvator Rosa, "a mais popular de todas as óperas do maestro", como disse Silio
Boccanera Jr., informando que o próprio autor ensaiou, regeu e dirigiu a montagem
da ópera (Boccanera Jr., 1913, p. 50). Por mera coincidência Il Guarany havia sido
levada à cena, pela primeira vez na Bahia, no dia 15 de julho de 1879, exatamente
um ano antes de sua partida para o Rio de Janeiro.
Thomás Passini, havia convidado para a regência e direção musical o maestro
Enrico Bernardi48 (fig. 59). Com larga experiência na Europa, esse músico se
notabilizaria na história da música do Pará, onde viveu por vários anos, como
compositor, regente e diretor do Instituto Carlos Gomes, sucedendo o maestro
fundador.

Figura 59 Maestro Henrique Bernardi, retratado na Capa do Periódico "A Estação Lírica".
Litogravura de Antonio Vera Cruz.

Fonte: Periódico "A Estação Lyrica", nº 7, 1882. Desenho de Antonio Vera Cruz. In: Oliveira, 2018.
Dissertação de mestrado.

47 O nome desse empresário, aparece em algumas fontes como Thomas Pacini, ou Tomas Pasini.
Optamos por usar a grafia que consta na maioria dos anúncios de jornais: Thomas Passini.
48 Pode-se saber mais sobre esse maestro em: Salles, 2016, p.127.
140

Nesse capítulo estão elencadas as óperas de Gomes levadas à cena em


algumas das temporadas líricas, desde o ano de 1880 até 1907, sendo que em alguns
anos não aconteceram montagens de óperas completas, devido às interrupções
ocasionadas pelas reformas no Theatro da Paz. Serão visualizadas as obras de
Gomes, destacadas nos quadros onde aparecem obras de outros compositores.
As óperas de Carlos Gomes encenadas no período levantado, são as
seguintes: Il Guarany, Fosca e Salvator Rosa, justamente as três primeiras óperas
produzidas na Itália. Era de se esperar, tendo em vista as memórias do Círio de Nossa
Senhora de Nazaré do ano de 1876, que Maria Tudor, por ter trechos tocados por uma
banda de música pelas ruas de Belém, fosse uma das escolhidas para ser levada à
cena no Theatro da Paz.
Não foi possível levantar os motivos de Maria Tudor, Lo Schiavo e Condor, não
terem sido escaladas, no entanto, alguns fatos cercaram estas obras de diferentes
dificuldades. Maria Tudor, de difícil gestação, visto que desde que trechos dela
apareceram nas ruas de Belém, em 1876, até sua estreia no Scala, em 27 de março
de 1879, decorreram anos de muitos ajustes, culminando com uma première
fracassada (Vetro,1982). Salvatore Ruberti (in FUNARTE, 1987, p. 163) em um artigo
sobre Maria Tudor, cita uma frase do maestro Gino Marinuzzi, que assim se referiu à
MariaTudor: "Entre as partituras de Carlos Gomes uma há – a mais abandonada até
agora – que merece, talvez mais do que todas as outras, ser arrancada do
esquecimento em que caiu". Quem sabe esse esquecimento tenha chegado até as
temporadas líricas do Pará. Um interstício de uma década separa Maria Tudor de Lo
Schiavo, demonstrando que a década de 1880 foi de menor produção que a de 1870.
Quanto as duas últimas óperas de Gomes, Lo Schiavo e Condor, a primeira
estreada em 27 de setembro de 1889, no Teatro Lírico do Rio de Janeiro, e a segunda
em 21 de fevereiro de 1891, no Scala de Milão, chegaram em um novo tempo, tanto
na Europa quanto no Brasil. A República buscava afirmar-se com rangeres de dentes
para os monarquistas, enquanto o verismo, a nova corrente estética, buscava colocar
a verdade da vida e a realidade dos fatos no palco, em contraste com as temáticas
mitológicas e fantasiosas das produções anteriores, onde Carlos Gomes se insere.
Lo Schiavo, representada pela primeira vez no Teatro Lírico da capital do
moribundo império, em 27 de setembro de 1889, alguns dias antes do fim do regime
político que Gomes defendeu até a morte, por certo, não seria uma ópera oportuna
141

para figurar nas temporadas do Theatro da Paz naquele momento, ainda mais, por ter
sido dedicada a uma princesa do regime que se esvaía, não obstante a temática
original da obra agradasse boa parte da elite paraense, principalmente os maçons e
os abolicionistas. Outro fato a obstar uma possível montagem dessa obra no Pará
seria as mudanças no libreto, inicialmente a cargo do Visconde de Taunay, que ficou
contrariado por ter o escritor Rodolfo Paravicini, com anuência de Gomes, modificado
a ideia original, substituindo personagens negros por indígenas e transportando a
trama do século XIX para o XVI.
Condor, uma obra encomendada pelos empresários responsáveis pela temporada
de 1890/91, do Scala de Milão, chega ao início de uma década muito difícil para os velhos
compositores. Para esclarecer melhor, observar o que diz Virmond (2003, p. 14):

Sua última ópera, Lo Schiavo, tinha estreado no Brasil e ainda não


obtivera uma adequada divulgação pela Europa. Excluindo a Fosca,
que fora apresentada com sucesso em 1889 e 1890, as óperas de
Carlos Gomes não estavam sendo mais requisitadas para compor a
programação dos teatros na Itália. Isso não pode ser entendido como
um declínio do compositor – na mesma situação se encontravam
outros compositores de renome, incluindo G. Verdi. Havia uma nova
situação, os tempos eram outros, o verismo se afirmava como estética
desejada.

Destaca-se, nesse percurso histórico estudado, a ópera Il Guarany, levada à


cena oito vezes em Belém, nos anos de 1880, 1883, 1894, 1896, 1900, 1901, 1905 e
1907, numa produtividade semelhante à do Rio de Janeiro, onde até 1907 Il Guarany
foi montada sete vezes49. No Pará, em tempos recentes, a ópera foi montada em 1986
e em 2007. O ano de 1907 apresenta uma raridade. Na última temporada lírica do
Theatro da Paz, do período que estudamos, foi levada a cena Il Guarany, em francês.
Ao longo do capítulo falaremos de cada temporada onde as óperas de Carlos
Gomes aparecem.
No quadro seguinte50 podemos ver que a ópera escolhida para abrir a temporada
de 1880, foi Ernani de Giuseppi Verdi, com estreia em 7 de agosto, seguida de Un ballo in

49 Vicente Salles, historiador e musicólogo paraense, fez um minucioso estudo denominado "Antônio
Carlos Gomes: relação das óperas representadas no Brasil", onde é possível conhecer, com alguns
detalhes, as montagens realizadas no período de 1870 até 1996, com destaque para Il Guarany,
representada em vários teatros brasileiros.
50 Os quadros demonstrativos das temporadas líricas ocorridas no Theatro da Paz, no período de 1880

a 1907, foram feitos a partir de quatro principais fontes consultadas: Cronologia de Vicente Salles
(levantamento dos eventos culturais ocorridos no Pará desde o período colonial até o fim do século XX,
142

maschera, Rigoletto e Il Trovatore, do mesmo compositor. Il Guarany, estreou no dia 09 de


setembro. Lucrezia Borgia e La Favorite, de Gaetano Donizetti e Norma de Vincenzo Bellini,
completam o conjunto de nove óperas apresentadas ao público de Belém.

Mapa 01 – Temporada do Ano de 1880

TEMPORADA DO ANO DE 1880 (07 de agosto - 18 de outubro)


COMPOSITOR ÓPERA/ ESTREIA COMPANHIA ELENCO
VERDI Ernani. Companhia Sopranos
Un ballo in maschera. Lyrica Italiana de Filomena Savio e
Rigoletto. Tomás Passini. Adelaide Orlandini
Il Trovatore. Meio Sopranos
CARLOS Il Guarany. Empresário Climene Kalasch,
GOMES Tomás Passini. Giulia Consolani e
DONIZETTI Lucrezia Borgia.
La Favorite. Sofia Orlandini
BELLINI Norma. Pianista e Tenores
MARCHETTI Ruy Blas. ensaiador dos Lodovico Giraud e
coros Umberto Gigli
Luigi Logheder Barítono
Antonio Putó
20 Coristas de Baixo
ambos os sexos Roggero Mailini
e 26 professores Comprimários
de orquestra Rosina Marucco,
Spala Ausenda Ricci,
Adelelmo do Arturo Gustinelli,
Nascimento Gustavo Peroni,
Regente Migliorini, Gabella
Enrico Bernardi.

texto inédito), os livro "Cronologia lírica de Belém", (2006) e "Ópera em Belém" (2009), de Márcio
Páscoa, Artigos e Crônicas de Ulisses Nobre e vários jornais, dentre eles: "A Constituição", "O Liberal
do Pará", "Diário de Belém", "Diário de Notícias", "A Pátria Paraense", "A Regeneração", "O Santo
Ofício", "Folha do Norte", "A República", "A Província do Pará". No corpo do texto colocaremos somente
os quadros onde aparecem obras de Carlos Gomes.
143

O elenco, que veio com a empresa de Thomas Passini, era mais um dos que
viajavam pelo mundo, no período das temporadas líricas do Theatro da Paz. Esse
elenco como outros, passou por muitos problemas ao longo de todas as temporadas
havidas em Belém. Doenças tropicais, falta de pagamento, abandono de posto, fugas,
pateadas do público, entre tantos outros desconfortos, marcaram as passagens
desses artistas por Belém, e, presume-se, por onde passavam. São comuns nas
informações obtidas das folhas dos jornais, as récitas e espetáculos em benefício de
um ou outro artista em dificuldades, colocando no cronograma de apresentações os
eventos de benefícios, inclusive para o eminente maestro Carlos Gomes.
Apesar dos inúmeros problemas enfrentados pela companhia de Passini, a
crônica jornalística da época mostra que as montagens agradavam a maioria das
pessoas que iam ao teatro. Os editores dos jornais eram geralmente favoráveis às
produções em suas críticas, provavelmente para que o teatro tivesse boa lotação e o
público não percebesse o que se passava nos entreatos. Os interesses que
circundavam os empreendimentos envolviam, além da imprensa, o governo, as elites,
o comércio e uma grande quantidade de pequenos negócios que eram ativados pelo
que se produzia no teatro.
Os bastidores e seus imbróglios de vez em quando vinham à luz, através da
imprensa. O dono da companhia lírica que leva seu nome, Thomás Pasini, não parecia
ser uma figura querida e unânime. Uma opinião clara sobre Passini, nos dá Vicente
Salles (1980, p. 314).

Esse Passini é o nome que aparece mais frequentemente nas crônicas


musicais de Salvador e de Belém. Era um espertalhão que descobriu,
no "O Guarani", uma boa fórmula de agradar o público e o apoio oficial.
Tal como se dera no Pará, em 1879 já ele promovia, em Salvador, a
"récita do autor", armando o mesmo esquema publicitário e o suporte
empresarial através de uma "comissão" composta de figuras
representativas da sociedade local.

O jornal "Diário de Belém (17 de junho de 1880, p.2), reproduziu notícia


recebida da Bahia que manchou a imagem de Passini ao falar de uma estação teatral
que estava ocorrendo, alguns meses antes da Companhia Lírica Italiana chegar a
Belém.

Ocupa o palco do Theatro S. João uma companhia lírica, que segundo


jornais de nossa Província, também ali se irá fazer ouvir. Mas não sei
se com efeito será realizada esta intenção, porque o ex empresário
144

dela, Passini, já não o é mais, porque faltou aos seus compromissos


deixando de pagar aos artistas, e estes, irados pela falta pecuniária,
chegaram ao extremo de não quererem cantar uma noite em que
estava anunciado o Salvator Rosa, dizendo que "não eram galos para
cantar de graça".

Os artistas dedicados ao canto lírico buscavam formação em bases sólidas,


nas principais escolas de canto da época, no entanto, outros aparecem nas críticas
de jornais, como amadores ou aventureiros. A continuidade da notícia divulgada pelo
"Diário de Belém", acima, veio de um jornal baiano, não identificado, e traçou um perfil
nada abonador do conjunto vocal que fazia parte da companhia lírica dirigida por
Passini.

Também, se a companhia não for ao Pará nada perdia, porque de seu


elenco apenas destacam-se a prima-dona e o barítono; os mais, tenor,
baixo, contralto, soprano, podem ir pela água abaixo. O coro mulheril
(sic) é horrendo: nele figuram duas tipas tão gordas como uma preta
muito gorda que vendia em nosso mercado .... imagine.

Independente da origem de suas formações técnicas e de críticas como essas,


carregadas de opiniões violentamente preconceituosas, os cantores disputavam com
afinco um mercado aquecido, onde dinheiro, fama e vaidade permeavam os caminhos
de cada um, em razão de dificuldades inerentes à época e por disputas entre veículos
de comunicação, empresários, donos de teatros etc. No primeiro capítulo falou-se de
Corbiniano Vilaça, um paraense que abandonou os estudos de artes visuais para se
dedicar ao canto lírico. O exemplo do paraense aplicava-se a muitos outros, que se
aventuravam pelo mundo em busca de sucesso, prestígio e conforto.
Os elencos da primeira temporada lírica do Theatro da Paz foram divulgados
nas propagandas dos jornais, tal como no exemplo abaixo (fig. 60), onde vemos o
elenco da ópera Ernani, que abre a estação lírica de 1880:
145

Figura 60 Anúncio da Récita de abertura da primeira temporada lírica do Theatro da Paz.

Fonte: "O Liberal do Pará", 07 de agosto de 1880, p. 3.

Sobre a orquestra que acompanhou a companhia lírica de Thomas Passini,


pela primeira vez ao Pará, pouca informação pode-se colher, além da regência, que
estava a cargo do maestro Enrico Bernardi e alguns nomes de músicos. Ao que
parece, a arregimentação era feita nos teatros e no meio musical das cidades que
tinham músicos disponíveis para longas e demoradas viagens pelo mundo, incluindo
Belém.
O spalla que veio em 1880 era o baiano Adelelmo do Nascimento (fig. 61), que
esteve no Pará, onde teve intensa atuação musical. Como apresentado no primeiro
capítulo, Adelelmo teve uma obra do compositor paraense, Meneleu Campos, a
"Marcha 15 de Novembro", dedicada a ele.
O jornal "O Liberal do Pará" (8 de setembro de 1880) publicou uma interessante
notícia: "Honra ao mérito – Carlos Gomes, o maestro já universalmente conhecido,
ofereceu a sua ópera Maria Tudor ao insigne violinista Adelelmo Nascimento e como
146

prova de muito apreço, escreveu no alto esta dedicatória51: - A Adelelmo Nascimento,


ilustração da arte brasileira."

Figura 61 Adelelmo Nascimento, spalla da orquestra da primeira temporada lírica do Theatro


da Paz.

Fonte: Páscoa, 2006, p. 22.

O jornal "O Liberal do Pará"(18 de setembro, p. 2), relata que alguns músicos
dessa orquestra fizeram uma homenagem ao maestro Enrico Bernardi, no dia 16 de
setembro de 1880. Naquele dia, foi encenada a ópera Ernani, de Verdi, uma repetição
da montagem de estreia da temporada lírica de 1880. Era uma noite de benefício para
o maestro Bernardi. Nos entreatos foram feitas as homenagens, enquanto, atrás das
cortinas eram preparados os cenários para o ato seguinte. Entre as homenagens
materiais e musicais, teve um duo de violoncelo e piano, formado pelos músicos
Fredericc e Logheder; uma transcrição da abertura de "Guilherme Tell", de Rossini por
Liszt, tocada pela jovem pianista Idalia França; a orquestra e a Banda de Música do
4º Batalhão de Artilharia executaram, sob a regência do homenageado, uma sinfonia
de sua autoria. Além das oferendas musicais, o Conservatório Dramático ofereceu ao
maestro uma batuta de madeira amazônica (marapinima) engastada de prata nas

51Vários autores, dentre eles Juvenal Fernandes (1996, p.230) afirmam que a ópera Maria Tudor foi
dedicada ao Visconde de Taunay.
147

pontas, com uma lira de ouro e no meio a coroa brasileira em ouro. Outras joias foram
ofertadas por pessoas e pela Associação Lírica. Alguns professores da orquestra do
Theatro da Paz dirigiram uma carta ao maestro, assim transcrita pelo "O Liberal do
Pará" (18 de setembro, p. 2):

Pará, 16 de setembro de 1880. Ilmo. Sr. Maestro Enrico Bernardi.


Os professores abaixo assinados que fazem parte da orquestra do
Theatro da Paz, desejando dar uma prova significativa de apreço ao
vosso talento, resolveram que na noite de hoje, lhe fosse oferecido um
presente como recordação do vosso elevado mérito artístico. -
Assinados: Miguel dos Anjos Torres, Adelelmo do Nascimento, Porfírio
de L. Silva Mello, Roberto C. de Barros, Febronio Ferreira, Francisco
de S. Machado, Francisco Cavalcante, Alípio Rebouças, José E.B. de
Almeida, João das Neves.

Como visto anteriormente, o presidente da província era o dirigente do


Conservatório Dramático, enquanto no cargo estivesse, daí que, de acordo como o
anúncio da abertura da temporada lírica, ele chegou ao teatro, ao som do Hino
Nacional e os trabalhos só começaram quando ele tomou assento no camarote
especialmente construído para o governante da província. Esse camarote até hoje é
reservado ao governador do estado e fica numa posição privilegiada em frente ao
palco.
Não caberia aqui neste trabalho um levantamento das críticas, notícias e
bastidores de todas as óperas apresentadas na primeira temporada lírica do Theatro
da Paz, excetuando-se ll Guarany, a obra mais difundida no Pará do autor
campinense. A partir das notícias que circularam na imprensa, pela ocasião das
temporadas líricas do Theatro da Paz, com auxílio dos autores que sobre esses
eventos se debruçaram, será apresentado um painel das temporadas, que, de todo
modo, não será suficientemente abrangente, mas buscará dar conhecimento do
ambiente vivido pelo público e artistas frequentadores do teatro.
O jornal "A Constituição" (14 de setembro de 1880, p. 1) apresenta um
apanhado das três primeiras récitas do Il Guarany, (9, 11 e 12 de setembro de 1880)
desde a sua estreia na temporada, reservando elogios à obra: "O Guarany precisa ser
ouvido mais de uma vez, pois se lhe descobre novas belezas em cada repetição".
Quando associa ao compositor, o editor opina que "é esplêndida e inspirada a
composição do laureado maestro brasileiro Carlos Gomes". O mesmo jornal aprova
os grupos musicais responsáveis pela música da ópera, mas ressalvando possíveis
148

limitações que o teatro apresentava, até então: "uma orquestra cheia e completa,
coros numerosos e um corpo de baile, tudo embelecido por uma mise em scene
opulenta, que ainda não pode comportar o nosso teatro".
O jornal "O Liberal do Pará" (11 de setembro de 1880) assim se manifestou
quanto à estreia do Il Guarany, no dia 9 de setembro, no Theatro da Paz.

A primeira representação da famosa partitura do nosso inspirado


maestro Carlos Gomes, tão ansiosamente esperada pelo público, foi
anteontem à noite recebida no Theatro da Paz, literalmente cheio de
famílias e cavalheiros, com manifestação de júbilo e de entusiasmo.
Essa mimosa produção de um gênio privilegiado, tão apreciada na
Europa e nas outras províncias do império, já recebeu aqui a
consagração popular. [...] Desde o final do primeiro ato choveram no
palco ramos de flores naturais, que eram acompanhados de
estrepitosas palmas. E os artistas que se encarregaram da execução
da peça, certamente os mereceram, porque parecia que cada um
porfiava em corresponder dignamente a esses aplausos. [...] O
incansável maestro, regente da orquestra do teatro, não foi esquecido
nessa noite. O povo o chamou à cena e muitos espectadores
ofereceram-lhe bouquetts.

A notícia, acima citada, segue um padrão comumente usado pela imprensa


paraense, todas as vezes que o nome de Carlos Gomes era citado. Há sempre alguém
que oferecia uma poesia e lançava em direção do palco flores, lenços e até ventarolas.
Quando cantores não se apresentam a contento, os editores dos jornais amainam as
críticas à performance que não havia sido tão competente, com o intuito de manter os
teatros sempre lotados.
Il Guarany, a primeira ópera de um compositor brasileiro apresentada no Pará,
quando de sua estreia em 9 de setembro, haveria de causar muitos acontecimentos,
críticas e uma sucessão de homenagens ao compositor campinense. Dentre as récitas
de Il Guarany na temporada, a que causou maior impacto na sociedade paraense foi
a da noite de 18 de setembro de 1880, em benefício do compositor, quando o público,
a direção e os artistas prestaram diversas homenagens ao compositor.

2.6 O primeiro benefício paraense a Carlos Gomes.

Sabe-se, pelos relatos biográficos e pelas diversas fontes disponíveis, que


Carlos Gomes estava sempre em busca de vantagens pecuniárias, fossem elas de
pensão, espetáculos beneficentes, doações etc., tanto no período imperial quanto
após a Proclamação da República. Gomes não buscava somente para si. De acordo
149

com o jornal "A Constituição" (15 de setembro de 1880, p. 1), Gomes conseguiu um
benefício para seu filho, quando esteve em São Paulo.

Em São Paulo promovia-se um grande concerto, que devia realizar-se


no princípio deste mês, no salão do Theatro São João, com o fim de,
na chegada do grande maestro Carlos Gomes à sua província,
mimosear-se seu filho Carlos André com tantas apólices quantas se
pudesse haver com o produto do mesmo concerto.

Belém do Pará não fugiu a essa situação. A récita especial do dia 18 de


setembro de 1880 propiciou um benefício valioso a Carlos Gomes. Foi o primeiro
benefício dado ao maestro, mesmo sem ainda ter pisado em terras paraenses. Tal
benefício dado a um artista que só era conhecido pelas notícias, pode ser entendido
como resultado dos ecos dos anos anteriores, onde parte de sua obra composicional
foi apresentada em Belém, por artistas convidados ou moradores da cidade. Outro
fator que pode ter permitido tal concessão, seria a expectativa de que o maestro
pudesse estar em Belém, na estreia do Il Guarany no Theatro da Paz, em 9 de
setembro de 1880, o que não aconteceu, nem naquele ano e nem no ano seguinte.
Récitas e eventos em benefícios a alguém era muito comum no mundo musical
da época. Até mesmo a Província, enquanto parte do Estado brasileiro, foi agraciada
na temporada de 1880, quando a Associação Lírica do Pará entrou em acordo com o
presidente da Província para levar à cena, em primeira representação, a ópera Norma,
de Vincenzo Bellini, na noite de 23 de setembro de 1880, em cumprimento ao
compromisso: Dar um espetáculo em benefício da Província (O Liberal do Pará, 18 de
setembro de 1880, p2).
Foram vários os benefícios concedidos no Theatro da Paz e em outros espaços
culturais. Houve espetáculos em benefícios a cantores, entidades e até para
construção de monumentos. Tantos foram os benefícios que não sepoderia abrir
maior espaço neste trabalho para comentar a todos, no entanto, pode-se reproduzir
alguns, anunciados no jornal "O Liberal do Pará" (10 de setembro de 1880, p1)
seguidos dos motivos e justificativas para concedê-los.

Hoje há espetáculo no "Circo Pavilhão", cedido ao "Clube Tenreiro


Aranha", em benefício do projetado monumento comemorativo ao dia
15 de agosto52. Amanhã, no mesmo circo, espetáculo em benefício
dos Lázaros. Também volta à cena, no Theatro da Paz, a ópera "O
Trovador", em benefício do sr. Putó, barítono da companhia italiana.

52 No dia 15 de agosto, comemora-se a Adesão do Pará à Independência do Brasil.


150

Todos os benefícios anunciados são dignos do favor e animação


pública, o primeiro encarado principalmente pelo lado do patriotismo,
o segundo pelo sentimento da caridade e o terceiro pela necessária
animação às artes.

O Conservatório Dramático, através do jornal "O Liberal do Pará" (10 de


setembro de 1880, p. 1), anunciou as comissões encarregadas de organizar a récita
de 18 de setembro, em benefício de Carlos Gomes.

Aceitando gostosamente a incumbência de promover o benefício do


maestro Carlos Gomes, que, como já dissemos, terá lugar na noite de
18 do corrente, no Theatro da Paz, o Conservatório Dramático nomeou
as seguintes comissões para tratarem dessa festa nacional: Comissão
encarregada de passar os bilhetes -Srs. Major José Joaquim da Gama
e Silva, dr. José F. Cantão, dr. J.C. do Nascimento, Antonio José de
Lemos, Aureliano Guedes e dr. Júlio Mario. Comissão de festejos –
Srs. Major Antonio Baena, J. Coimbra, Augusto Gurjão, dr. A.
Tocantins, T. Chaves e Carlos Wiegandt.

O Conservatório Dramático avisou que os assinantes serão preferidos nesse


benefício, para o que, podiam dirigir-se ao presidente da primeira dessas comissões,
o sr. major José Joaquim, o qual pediu às pessoas que desejassem bilhetes para essa
noite, que se dignassem solicitá-los por escrito, até o dia 13 do corrente, entendendo
que "o benefício de Carlos Gomes deveria ser efetivamente considerado como uma
verdadeira festa patriótica e artística. É, pois, de esperar que as exms. famílias
concorrerão a ela, tornando-a, assim, mais solene e digna do nosso primeiro e
afamado maestro" ("O Liberal do Pará, 10 de setembro de 1880, p1).
A imprensa anunciou: "O espetáculo de hoje é dado em benefício ao insigne
maestro Carlos Gomes, uma das nossas glórias pátrias. Representar-se-á a sua
mimosa e erudita composição Il Guarany, que tantos aplausos têm conquistado em
todos os lugares em que tem sido representada" ("A Constituição", 18 de setembro de
1880, p.1).
Uma fonte rica em informações sobre essa noite é a edição especial do jornal
"A Província do Pará"53 (19 de setembro de 1880, p.1) (fig. 62), distribuída no dia
seguinte à noite de homenagens prestadas ao maestro Gomes, num teatro
especialmente preparado. O jornal narra, com detalhes os acontecimentos do dia 18
de setembro de 1880. A responsabilidade do evento recaiu sobre o principal

53No Museu Carlos Gomes, pertencente ao Centro de Ciências Letras e Artes de Campinas, está
exposto um exemplar dessa edição, com a etiqueta informando: "impresso em seda, foi confeccionado
em homenagem a Carlos Gomes pelo Governo do Pará".
151

mandatário da Província do Pará, dr. José Coelho da Gama e Abreu, Barão de Marajó,
que delegou ao Conservatório Dramático Paraense a tarefa de levar a efeito os
detalhes da efeméride.

Figura 62 Capa do jornal "A Província do Pará".

Edição especial do dia 19.09.1880. Litografia de C. Wiegandt.


Fonte: Instituto Histórico e Geográfico do Pará.

Segundo o jornal, a preocupação e zelo para que tudo acontecesse a contento,


fez com que o Conservatório Dramático nomeasse duas comissões, com propósitos
bem delimitados: Passar os bilhetes, formada pelos senhores major José Joaquim da
Gama e Silva, dr. José Ferreira Cantão, dr. Júlio Mário de Serra Freire, dr. José
Custódio do Nascimento, Aureliano Pinto Guedes e Antônio José de Lemos. A outra
comissão tinha como tarefa tratar da decoração do teatro. Assim como a comissão
encarregada de levar o público para o teatro, essa estava incumbida de deixar o teatro
o mais belo possível para a noite. A comissão foi composta pelos senhores Antonio
Nicolau Monteiro Baena (dirigente da Associação Lírica e futuro administrador do
152

Theatro da Paz), Carlos Wiegandt, José Cardoso da Cunha Coimbra, Theodoro


Chaves, dr. Antonio Manuel Gonçalves Tocantins e Augusto Gurjão.
Ainda segundo a "Província do Pará" a noite de homenagens ao maestro, de
fato, começou ao alvorecer. Fogos de artifícios chamaram a atenção da população,
desde o amanhecer e por diversas vezes ao dia. As bandas de música do Arsenal de
Guerra e do Instituto de Educandos Paraense saudaram a alvorada à frente do
Theatro da Paz, saindo em desfile pelas ruas próximas. Naquele tempo, o Theatro da
Paz ainda era iluminado a gás, resplandecendo na praça, embandeirado e grandioso.
As casas do entorno também se iluminaram para a grande festa em homenagem ao
maestro.
O jornal faz uma descrição dos interiores do teatro, preparado para a festa,
como se o principal convidado ali fosse chegar.

Por toda a parte flores, luzes, alegorias, músicas, e o entusiasmo a


referver no coração da imensa concorrência, que ali transbordava.
Desde o peristilo até os últimos corredores, folhagens odoríferas
tapizavam o solo. Por todas as escadarias, vasos com flores naturais.
No grande vestíbulo tocava uma banda de música. Nas escadas do
mesmo vestíbulo, grandes vasos com ramagens e flores; pelas
paredes, circulados de bandeirinhas nacionais de seda, escudêtes
contendo estas inscrições: Noite do Castelo, Fosca, Guarany,
Salvador Rosa, Maria Tudor, e as datas – 9 de setembro de 1870 e -
18 de julho de 1880, ambas de grandes triunfos para Carlos Gomes.

Seguindo na descrição da ornamentação do teatro, ordenada pelo presidente


da província, o jornal descreve os efeitos de "sanefas entrelaçadas, de cores verde-
amarelo e apanhadas com escudêtes. [...] Por cima da terceira ordem de camarotes,
desfraldavam bandeirinhas nacionais, do centro de cada camarote pendiam lindos
pingentes de vidrilhos com cestinhas cheias de flores naturais".
A folha encerrou descrição da ornamentação do ambiente interno do teatro,
falando dos camarotes do Presidente da Província, do Conservatório Dramático e da
Associação Lyrica, que estavam "ricamente adornados, sendo o primeiro revestido de
cortinas brancas, internamente, e pelo lado externo, de cortinas de veludo verde-
escuro franjadas de ouro, encimadas estas pior um troféu nacional".
Após descrever os camarotes de segunda ordem, ocupados por clubes e
associações mutualistas, o jornal detalha a ornamentação do salão principal onde se
via um retrato de Carlos Gomes, de autoria do sr. Langloir e encerra informando que
num dos terraços do teatro estava tocando a Banda de Música do Arsenal de Guerra.
153

Sem a presença do maestro, uma homenagem foi feita ao abrir a cena para o
início do espetáculo, "aparecendo em rico troféu a efígie de Carlos Gomes, encimada
por uma coroa de louros, ladeada de bandeiras nacionais e de grinaldas de rosas e
tendo na base uma lira. Na parte superior do troféu lia-se: A Carlos Gomes, o
Conservatório Dramático".
Seguiu-se, então, poesias, discursos, flores, lenços e ventarolas jogadas ao
palco, entre tantas manifestações presumidamente apaixonadas, na noite da "festa
artística do laureado maestro Carlos Gomes", naquele sábado, 18 de setembro de
1880, quando foi encenado, mais uma vez, Il Guarany. Os artistas em destaque da
noite foram, segundo "A Província do Pará", Philomena Savio, Giraud, Putó e Mailini.
Dois dias depois da récita beneficente, já se tinha notícia dos agradecimentos
feitos por Carlos Gomes à iniciativa de homenageá-lo. O diretor da Agência Havas,
do ramo da navegação, Carlos Autran, enviou no dia 20 de setembro, ao jornal "A
Constituição" a seguinte comunicação. "Ilmo, sr. Redator. A um telegrama ontem
dirigido ao insigne maestro Carlos Gomes, por intermédio do meu colega da Bahia, o
comendador Theodoro Gomes, felicitando-o pelos festejos do dia 18 e saudando-o
por parte do Conservatório Dramático, foi respondido o seguinte". "Bahia, 19 de
setembro de 1880, 12 h. 40. " O maestro Carlos Gomes saúda a população do Pará
e agradece ao Conservatório Dramático". "Queira sr. redator, ter a bondade de dar
publicidade a esta comunicação", concluiu o sr. Autran.
Devido à comunicação, via telegrama, ter altos custos naquele tempo, foram
poucas as palavras de Gomes, mas suficiente para, estando divulgada, aumentar nos
paraenses a ideia de tê-lo, o mais breve possível, na cidade de Belém. No entanto,
em carta à Carlos Autran, publicada, a pedido deste, no jornal "A Constituição" (23 de
novembro de 1880, p. 1), Carlos Gomes foi mais generoso nas palavras.

São Paulo, 30 de outubro de 1880. Meu distinto patrício. Rogo a V.S.


agradecer, possivelmente pela imprensa, ao entusiástico povo
paraense pelo acolhimento festoso ao meu filho Guarany, e muito
especialmente ao Conservatório Dramático, de quem sempre hei de
recordar. Recordarei para sempre também os muito dignos
cavalheiros da imprensa dessa patriótica cidade. O filho de São Paulo,
enfim, envia uma fraternal saudação ao povo de Belém. V.S., em
particular, receba um aperto de mão do artista brasileiro, que não se
esquecerá nunca das demonstrações generosas dos seus patrícios do
Norte do Império – A. Carlos Gomes.
154

Tendo sido a festa, em homenagem ao compositor realizada com sucesso, o


Conservatório Dramático tomou os procedimentos para a entrega do apurado ao
destinatário do benefício. Por ordem do presidente da província, mandou entregar ao
sr. Carlos Autran a importância do benefício dado ao maestro Carlos Gomes, em
virtude de autorização que aquele recebera deste ("A Constituição", 15 de dezembro
de 1880, p. 1).
Sem ter vindo ao Pará, mas com o generoso benefício dado pelos paraenses
em sua bagagem, Carlos Gomes retornou no dia 9 de novembro de 1880 para a Itália,
levando em sua companhia o seu sobrinho Paulino Gomes, filho do seu irmão José
Pedro Sant' Anna Gomes. É um menino de 14 anos e já notável instrumentista, que
vai com fim de cursar as aulas do Conservatório de Milão (O Liberal do Pará, 20 de
novembro de 1880, p. 1). Esse sobrinho de Carlos Gomes viria morrer em dezembro
de 1883. Em um breve comunicado ao amigo Innocente de Anna, barítono, Gomes
diz que o "pobre Paulino está agonizante". O Jornal Il Trovatore (27 de dezembro de
1883, nº 51) relata que um triste cortejo de amigos, entre os quais muitos maestros e
artistas acompanhava ao cemitério o cadáver de Paulino Gomes, filho único de um
irmão de Carlos Gomes (Vetro, 1982, p. 180).
O ano de 1880 foi um marco para a história da música paraense, principalmente
quando se fala de canto lírico. Ao abrir a temporada de óperas do Theatro da Paz,
naquele ano, a Companhia Lírica Italiana inaugurou um novo tempo de fruição e
apreciação musical na cidade de Belém, ampliando as possibilidades do mercado
ligado ao espetáculo musical e provocando demandas por estudos e formação
musical.
Assim como a vinda do organista português, João Nepomuceno de Mendonça,
para atuar como professor, pianista e capellmeister da Sé, iniciou, após a Cabanagem,
uma nova era na formação de músicos no Pará, a inauguração do Theatro da Paz e
as temporadas líricas, foram eventos que alavancaram o desenvolvimento musical na
cidade de Belém, com reflexos para todo o estado do Pará. A chegada de Carlos
Gomes a Belém, suas visitas posteriores e o movimento cultural no âmbito da belle
époque, contribuiriam para consolidar as demandas por um conservatório de música,
tornado realidade ao fim do século XIX.
155

2.7 Carlos Gomes em Belém: a temporada lírica de 1882.

No ano de 1882 Carlos Gomes realizou sua primeira viagem ao Norte do Brasil.
Vivendo momentos de fama e notoriedade internacional, Gomes já conhecia e era
conhecido no Nordeste e Sudeste do país, tendo sido recebido com festas e
homenagens em Recife, Salvador, Rio de Janeiro e outras cidades brasileiras. O Norte
ainda parecia tão longe e bem distante para o homem que, saído do interior de São
Paulo, galgou passos largos em direção ao mundo musicalmente desenvolvido
daquele tempo.

Na década de 1880, o tempo corria mais lentamente. As viagens de navio a


vapor demoravam dias para ligar uma cidade da Europa à outra na América do Norte,
ou na América do Sul. A invenção e expansão do telégrafo por cabos submarinos,
contribuíram muito para que as notícias e informações chegassem ao seu destino,
embora, ao chegar, fossem sempre curtas, pausadas e sem muitas possibilidades de
comentários e análises, isso devido ao alto custo de um telegrama. Nesse contexto,
os jornais ocupavam papel relevante, pois neles se publicavam, entre outros
elementos, as notícias, propagandas, crônicas, romances e novelas. Os paquetes, ou
vapores, como eram conhecidos os navios da época, levavam os jornais, cartas e
outros meios de informação, de um ponto a outro do mundo onde os barcos pudessem
ir, sendo posteriormente distribuídos por terra, para chegarem aos destinos
longínquos.

O jornal "Constituição" (23 de novembro de 1880, p.1) publicou o "Noticiário"


(fig. 63), intitulado "Carlos Gomes", onde mostra que o vapor estava trazendo uma
carta do maestro Gomes. A notícia informa que a carta que o sr. Autran recebeu pelo
vapor, havia sido escrita há mais de vinte dias antes da publicação do jornal e se
referia às homenagens que o maestro havia recebido do povo paraense,
principalmente a récita do Il Guarany, em seu benefício, ocorrido no dia 18 de julho de
1880.
156

Figura 63 Notícia de carta de Carlos Gomes, chegada pelo vapor.

Fonte: "A Constituição", 23 de novembro de 1880, p. 1.

Mesmo com as notícias correndo tão lentamente, o maestro era sabedor do


que se passava na longínqua província do Norte do Brasil imperial. Como foi visto no
capítulo anterior, o Pará, embalado pelo farto momento econômico, procurava
encurtar essas distâncias, devido a isso, procurava interagir com a Europa e Estados
Unidos, que eram geograficamente mais perto. Era o momento propício de trazer o
maestro Carlos Gomes para Belém, como convidado especial, para assistir a
montagem de Salvator Rosa. Foi uma decisão que, entre tantas motivações, procurou
mostrar ao maestro que Belém era uma cidade onde ele iria encontrar todos os
componentes de uma grande metrópole, inclusive um teatro a altura de sua obra.
A construção do Theatro da Paz, a criação das temporadas líricas, o sucesso
obtido pelas encenações do Il Guarany em 1880, na primeira temporada lírica, o
desenvolvimento econômico da Província do Pará, a presença da cidade de Belém no
amplo circuito cultural da época, associados aos empreendimentos da Associação
Lírica do Pará e, mais ainda, as iniciativas do compositor José Cândido Gama
157

Malcher54 (fig. 64), podem ser considerados como alguns dos fatores que contribuíram
com a decisão de convidar Carlos Gomes a fazer sua primeira visita ao Pará e, de
certa maneira, ele aceitar vir.
A Associação Lírica Paraense teve um importante papel na estação lírica de
1882, juntamente com Gama Malcher, compositor paraense. Malcher, em 1881, foi
incumbido de contratar na Itália a terceira estação lírica. Foi contratada novamente a
empresa de Thomas Passini e, como titular da orquestra, o já conhecido e aplaudido
Enrico Bernardi, um dos mais entusiastas divulgadores da obra de Carlos Gomes
(Salles, 2005, p. 15).

Figura 64 José Cândido da Gama Malcher.

Fonte: Acervo Musical da Coleção Vicente Salles do Museu da UFPA

Gama Malcher não teve muitas dificuldades para convidar e ter a anuência de
Gomes para vir com a companhia lírica conhecer Belém e ver, pessoalmente, uma de
suas óperas encenadas no Theatro da Paz. Malcher conhecia muito bem Carlos
Gomes e usufruía de sua companhia, desde algum tempo, quando morou na Itália,
onde estudou no Conservatório de Milão, desde 1877. Era considerado amigo íntimo

54Gama Malcher, nascido em família de políticos, cujo pai, José da Gama Malcher, médico e político,
ocupou importantes cargos no Pará, tendo como ascendente Felix A. Clemente Malcher, primeiro
presidente cabano. Formado no Conservatório de Milão, em 1882 iniciou sua carreira musical. Para
conhecer mais sobre esse personagem da história da música do Pará, ver: Salles, Vicente. Maestro
Gama Malcher: a figura humana e artística do compositor paraense. Belém: UFPA/SECULT, 2005.
158

do maestro, de acordo com Jolumá Brito (1956, p. 103-104) ao narrar episódio


acontecido na noite de 27 de março de 1879, na estreia de Maria Tudor no Teatro alla
Scala de Milão.

À noite, o "Scala" apresentava o aspecto dos grandes dias. Antônio


Carlos fora cedo para o teatro, como de costume. Acompanhavam-no
o seu querido amigo Luiz Guimarães Junior, o dr. Basílio Itiberê da
Cunha, o dr. Alves Cruz, que lhe levara uma carta do mano Juca, o dr.
Persiani, Bernadelli, Malcher, músico do Pará que se fizera amigo,
chegado há pouco do Brasil e o dr. Bevilaqua. [...] A imprensa, no
dia seguinte, desancou Antônio Carlos. "Já não é o mesmo, nem
parece o autor másculo do Guarani" – escreviam. Outro, mais atrevido,
chamara-o de compositor de ópera buffa. Somente os amigos do
Brasil e os íntimos, o Malcher, o Bonolla, o Celega e o Lecour,
procuraram-no para consolá-lo. (Grifos do autor).

O jovem Gama Malcher, após seis anos estudando na Itália, em 1882 sentiu-
se apto a trabalhar com produção musical, regência e composição. Ao ser destacado
pela Associação Lírica Paraense para produzir a estação lírica de 1882, convidou o
experiente maestro Bernardi e o hábil arregimentador Thomás Passini, conhecedor
dos meandros do mundo operístico da Itália. Malcher viu, então, a oportunidade de
demonstrar a Carlos Gomes seu apreço e admiração: incluiu Salvator Rosa no
repertório da companhia e intermediou o convite para o autor assistir no Pará, às
respectivas representações em 1882 (Salles, 2005, p. 15).
No dia 24 de julho de 1882, às 3 horas da tarde, conforme o sinal
convencionado, uma larga girândola de foguetes deu aviso de que se aproximava da
barra de Belém, o paquete Nacional "Ceará". Em menos de 15 minutos, tal era a
ansiedade com que os paraenses esperavam o vapor, o povo, correndo em massa
para o litoral, aí se aglomerava, desejoso cada qual a ser o primeiro a ver e admirar o
"simpático gênio musical da América", o compositor paulista Antônio Carlos Gomes
(Diário de Notícias, 25 de julho de 1882, p.2).
Carlos Gomes aceitando o convite da comissão festiva para sua recepção
transferiu-se do paquete nacional, para o "Carnapijó" e deste para o "Tocantins", no
qual transportou-se para terra. Os relatos da crônica falam que na hora do
desembarque chovia torrencialmente em Belém, no entanto, em nada atrapalhou a
recepção programada. O Diário de Notícias (25 de julho de 1882, p. 2) relata os
primeiros acontecimentos de recepção ao maestro, ainda a bordo do "Tocantins".
159

É indescritível o entusiasmo com que o insigne maestro foi recebido a


bordo do "Tocantins" por aquela porção de cidadãos de diferentes
nacionalidades, ali reunidos para felicitá-lo. Reunido o povo na praça
d'armas desse navio, o sr. José Veríssimo, ainda em nome da
comissão e do povo paraense, manifestou ao ilustre paulista os
sentimentos do povo paraense. Entre os vivas aí levantados, o sr.
Baena levantou os seguintes: Viva Carlos Gomes! Viva o povo
brasileiro! Viva o povo paulista! Superior à voz do povo que respondia
entusiasmado àqueles brindes, Carlos Gomes bradou: Viva os
paraenses! Viva os artistas paraenses!

Além do Diário de Notícias, acima citado, outros jornais repercutiram a chegada


do maestro à capital do Pará, dentre eles O Liberal do Pará (27 de julho de 1882, p.1),
que detalha a recepção ao maestro.

As 4 horas da tarde, pouco mais ou menos, largou da ponte da


guardamoria, o vapor "Carnapijó", todo embandeirado e levando a seu
bordo a Banda de Música da Polícia, a comissão que se incumbiu dos
festejos, e outras pessoas gradas. Logo depois seguiu o "Tocantins" e
ambos se aproximaram do paquete nacional "Ceará", da amurada do
qual Carlos Gomes agradecia comovido as calorosas saudações que
lhe eram dirigidas. O "Carnapijó" atracou-se ao paquete do sul, para
onde passaram as comissões e mais cavalheiros que as
acompanhavam. Aí o nosso distinto comprovinciano José Veríssimo
proferiu um belíssimo discurso saudando o distinto maestro em nome
da população de Belém. Após o discurso de José Veríssimo, Carlos
Gomes disse que "vinha ao Pará para saudar uma dívida de gratidão
que havia contraído para com a população de tão briosa província
quando, por ocasião da primeira estação lírica, foi aqui dado um
espetáculo em seu benefício".

E assim, depois de discursos e declamações de poesias, Carlos Gomes


desembarcou no trapiche da Empresa de Marajó, ainda debaixo de chuva, de onde o
povo, precedido de duas bandas de música, acompanhou o ilustre hóspede da
sociedade paraense até o Hotel do Comércio, seguindo daí, depois de pouca demora,
para o Café Chic, onde uma comissão festiva preparara um lunch oferecido ao
maestro (Diário de Notícias, 25 de julho de 1882, p.2).
160

Figura 65 Fotografia feita por Fidanza em 1882.

Fonte: Acervo de Claudia Grosso Couto, descendente de Sant'Anna Gomes, irmão de C. Gomes.

2.7.1 A cidade se movimenta: visitas, passeatas e marche aux flambeaux.


Dentre as muitas homenagens recebidas por Carlos Gomes naquele ano,
destaca-se a que os estudantes do Lyceu Paraense fizeram no dia 04 de agosto.
Reunidos em passeata, com acompanhamento de uma banda de música, os
estudantes foram até o Theatro da Paz, onde o maestro estava participando dos
ensaios de Salvator Rosa. Carlos Gomes recebeu os estudantes, personalidades e o
público em geral. Ganhou de um estudante um bouquet de flores. Os srs. Theodorico
Magno e Paulino de Brito recitaram poesias, sendo muito aplaudidos, tendo todos
clamado vivas ao maestro. Agradecido, antes de retornar aos ensaios, Gomes
proclamou vivas à mocidade estudiosa, ao futuro da pátria, aos artistas brasileiros, à
Província do Pará, e ao maestro Henrique Gurjão. (Diário de Belém, 6 de agosto de
1882, p3).
Um dos momentos mais marcantes da visita de Carlos Gomes a Belém do Pará,
em 1882, foi a marche aux flambeaux, realizada no dia 27 de julho e promovida pelos
srs. Major A. Baena, capitão Satyro Leite, tenente Cândido de Deus e Silva e Emílio
161

José do Carmo, acordados com a Imperial Sociedade Beneficente Artística


Paraense55. Às 20h reunido o povo no largo de Sant'Anna, desfilou com direção ao
Theatro da Paz, precedido por duas bandas de música, muitas luzes e o pavilhão
nacional arvorado. Quando o numeroso préstito, composto de milhares de pessoas,
chegou ao teatro, em cujo salão de honra (foyer) se achava o maestro, já ali encontrou
uma grande reunião de pessoas (O Liberal do Pará, 29 de julho de 1882, p. 1).
O historiador Vicente Salles (1980, p. 330) nos faz um relato mais abrangente.

Aí concentrou-se a multidão para ouvir das 18 às 20 hs. as bandas de


música do extinto Arsenal de Guerra e do corpo policial, enquanto
subia ao ar, com curtos intervalos, girândolas de foguetes. Às 20 hs.
desfilou a marche aux flambeau, calculada em mais de duas mil
pessoas, fazendo o seguinte trajeto: rua Nova, Travessa das Mercês,
Rua das Flores, Travessa de Santo Antônio, até chegar ao Largo da
Pólvora, em direção ao Theatro da Paz. No salão de honra deste,
esplendidamente iluminado e ornamentado, foi preparado um estrado,
onde Carlos Gomes aguardava, rodeado de grande número de
senhoras, tendo a direita o presidente da Imperial Sociedade Artística
Paraense e a esquerda o major Antonio Nicolau Monteiro Baena,
presidente da Associação Lyrica Paraense, representantes da
imprensa e diversos cavalheiros.

Entre tantos poemas e falas elogiosas ao maestro, destacamos uma parte do


discurso do presidente da Associação Lyrica Paraense, major Antonio Baena:

"O povo paraense, obedecendo aos impulsos dos seus melhores


sentimentos, quer que vos diga que ele só rende preito e homenagem
ao merecimento real e comprovado si se curva reverente perante o
gênio proclamado pela voz unânime do povo. O povo paraense que
eu diga nesta soleníssima ocasião, que vem saudar-vos de braços
abertos e da efusão do maior contentamento. Parte considerável da
comunhão brasileira, conterrânea do vosso irmão de arte Henrique
Gurjão, o povo vem dizer-vos por minha fraca voz: Sê bem-vindo,
irmão e amigo; sê bem-vindo, inspirado cantor do Guarany! (Salles,
1980, p.330).

A réplica de Carlos Gomes a tantas palavras elogiosas pode ser entendida


como um voto de apreço e confiança, além de uma manifestação de gratidão ao povo
do Pará. Esse acontecimento, assim como muitos outros ocorridos a partir de 1882,

55A Imperial Sociedade Beneficente Artística Paraense, fundada em 26 de junho de 1867, teve
importante papel na presença de Antônio Carlos Gomes em Belém do Pará. Desde o evento da marche
aux flambeaux até a década de 1980, quando seus dirigentes, à época, idosos e sem recursos para
manter a sede e os negócios da sociedade, doaram para o Instituto Estadual Carlos Gomes a máscara
mortuária e outros objetos do maestro, hoje conservados e expostos no Memorial do referido Instituto.
162

pode ter contribuído na sua decisão de vir residir em Belém, no ano de 1896. Eis o
que disse o maestro, em 27 de junho de 1882:

Nobre povo do Pará! O filho de S. Paulo não tem nesse momento


frases, que bem possam exprimir o entusiasmo, a alegria íntima de
que se acha possuído, ante a espontânea manifestação de tão briosos
patrícios! Sinto-me deveras orgulhoso e agradeço de coração tantas e
tão repetidas demonstrações de apreço e simpatia que tenho recebido
no Pará. [...] Em nome do futuro das artes no Brasil, permitam-me, srs.,
que eu também saúde a um meu irmão, a um artista paraense: - Viva
Henrique Gurjão! Viva a nação brasileira! Viva o povo paraense!
(Diário de Notícias, 29 de julho de 1882, p. 2). (Grifo do autor).

"Calorosos e entusiásticos vivas acolheram as últimas palavras de Carlos


Gomes, que foi levado pelo povo até o Café Chic, onde se recolheu. Daí desfilou a
passeata, percorrendo ainda diversas ruas, até o Largo de Sant'Anna, onde se
dispersou", complementou o Diário de Notícias.
Carlos Gomes proclamando vivas a Henrique Gurjão56 relembra sua amizade
com o compositor paraense, que remonta ao tempo em que Gurjão, retornando da
Itália, o conheceu no Rio de Janeiro, no início da década de 1860. No dia de sua
chegada ao Pará, Carlos Gomes surpreendeu o compositor paraense, naquele
momento doente e empobrecido, visitando-o em sua residência. Durante o jantar no
Café Chic, alguém falou ao maestro sobre um hino que Gurjão compôs e apresentou
durante a récita de Il Guarany, na primeira temporada lírica, em 1880 e que, no ano
seguinte, representou sua Idália. Salles (1980, p. 328) narra a visita, ao seu estilo:
"Carlos Gomes decidiu surpreender o colega, em seu modesto tugúrio. Acompanhado
de várias pessoas presentes ao jantar, seguiram todos, em três carros e o encontro
dos dois artistas foi relatado por Ulysses Nobre57". (foi mantida a formatação original
da narrativa de Ulisses Nobre, publicada por Salles).

"O amplexo dos dois artistas foi selado pelas lágrimas de ambos!
– A tua Idália, deixa-me ver a tua Idália! dizia Carlos Gomes.

56 Henrique Eulálio Gurjão, Belém 15/11/1834; id. 27/07/1885. Estudou com o organista português João
Nepomuceno de Mendonça. Obteve, em 1851, pela Lei nº 218, pensão do governo provincial para
estudar na Europa. Em maio de 1851 seguiu para a Itália, voltando ao Pará em novembro de 1861.
Estudou no Instituto Santa Cecília, em Gênova. Após 8 anos na Itália, volta, diplomado, com numerosas
composições, entre elas a Idália, ópera em 3 atos. O navio que o trouxe de volta ao Brasil, foi
diretamente ao Rio de Janeiro, onde fez amizade com Carlos Gomes. Sua Idália foi encenada na
temporada lírica de 1881, com grande sucesso, no Theatro da Paz (Salles, 2003, p.1)
57 A narrativa de Ulysses Nobre foi publicada originalmente em: "Theatro da Paz" (chrônicas

retrospectivas), in Folha do Norte, Belém, 1915.


163

Em dois minutos a ópera estava sobre a estante do piano que,


ao contado dos dedos do autor do Guarany, enchia a sala das
belíssimas harmonias, que todos nós conhecemos.

Improvisou-se então um magnífico concerto; o falecido


comendador dom Vicente Ruiz cantava; Carlos Gomes acompanhava-
o.

Era meia-noite quando o inesquecível brasileiro, satisfeito um


dos seus maiores desejos, qual o de conhecer Gurjão, foi repousar do
cansaço da viagem". (Ulysses Nobre, apud Salles, 1980, p. 328).

Às vésperas da estreia de Salvator Rosa, seu principal compromisso artístico


na capital paraense, Carlos Gomes, recebeu outra homenagem, após uma missa em
comemoração ao aniversário do Bispo Dom Antônio de Macedo Costa, realizada no
dia 7 de agosto de 1882. O Jornal Diário de Belém (11 de agosto de 1882, p.2),
replicando a notícia dada pelo jornal católico Boa Nova, assim narra:

O Colégio e Asilo de Santo Antonio, solenizaram o dia 7 do corrente,


aniversário natalício de s. exc. revdm.ª com uma festa toda familiar.
[...] Começou a festa com a celebração do Santo Sacrifício por s. exc.
revdm.ª, na igreja de Santo Antonio, com acompanhamento de
maviosos motetos, executados pelas mestras e alunas, distinguindo-
se entre todos o Ave Verum do padre Anselmo, Benedictmo de
Einsiedeln. [...] Ao chegar na sacristia teve s. exc. revdm.ª a satisfação
de receber os obsequiosos cumprimentos do insigne maestro Carlos
Gomes, que com a graciosidade que é própria dos cavalheiros de sua
distinção, veio associar-se a esta tocante manifestação da família de
Santo Antonio, para com o querido Pai e Pastor, que tanto por ela se
desvela. Para agradar ao compositor, as professoras e as alunas
fizeram uma saudação com discursos e execução ao piano de
algumas obras. Para surpresa de Carlos Gomes, cantaram em coro a
"canção do aventureiros", o Il Guarany.

Carlos Gomes, em 1882, passeou pela cidade visitando clubes e redações de


jornais, casas de campo e igrejas, corroborando a ideia de que, ao conhecer a cidade
e seus arredores, o maestro adicionou à sua memória elementos que, por certo,
contribuiriam fortemente, para sua decisão de aceitar o convite para vir morar
definitivamente em Belém.
Alguns exemplos de sua movimentação pela cidade, pode-se coletar das
notícias dos jornais da época. O Liberal do Pará publica o seguinte agradecimento:

"O Clube das Lanternas agradece a honrosa visita que lhe fez o
distinto maestro Carlos Gomes. Belém, 27 de julho de 1882.
Presidente, Emilio José do Carmo; Vice-Presidente, José Velloso
164

Barretto; 1º Secretário, João Eduardo de Moraes. "O Diário de


Notícias" (27 de julho de 1882, p. 2), informa: "Fomos ontem honrados
pela visita do distinto maestro brasileiro Carlos Gomes, que se
demorou em nosso escritório por algum tempo em íntima e franca
palestra. Disse-nos que se demorará entre nós até o dia 25 de agosto
próximo e pensa em voltar ao Pará para o ano, a fim de fazer cantar
uma de suas óperas, mas por companhia regular. É dever nosso
agradecer publicamente a honra que nos deu com sua visita". (O
Liberal do Pará. 30 de julho de 1882, p. 2)

O jornal A Constituição, edição de 19 de agosto de 1882, p. 2, publica a


seguinte nota: "O nosso distinto chefe, exmo. sr. cônego Siqueira Mendes58, seguiu
anteontem para a povoação de Santa Izabel do Pinheiro, levando em sua companhia
o insigne maestro Carlos Gomes". Distante 20 km de Belém, a Vila de Pinheiro, atual
Distrito de Icoaraci, à época das visitas de Carlos Gomes, possuía bonitos chalés de
frente à orla da baia do Guajará, porta de entrada da cidade e por onde o maestro
entrou. Ainda hoje o distrito possui uma rua em homenagem ao cônego Siqueira
Mendes, anfitrião de Carlos Gomes.
Seguindo em suas visitas e movimentação pela cidade de Belém, Carlos
Gomes foi convidado para visitar o seminário menor de N. S. do Carmo, no dia 21 de
agosto de 1882, sendo recebido pelos alunos, professores e integrantes do clero.
Várias pessoas da sociedade foram convidadas para assistir as festas com que
celebraram a passagem do maestro pela província do Pará. (A Constituição, 22 de
agosto de 1882, p. 1). Segundo a narrativa do jornal citado a fachada do edifício estava
especialmente iluminada e embandeirada e o salão ricamente adornado. Às oito horas
da noite entrou o maestro, que foi recebido com as mais calorosas ovações, tocando
por essa ocasião, a Banda de Música do Arsenal de Guerra, a "Canção dos
Aventureiros", do Guarany. Um "Hino a Carlos Gomes" foi cantado pelos alunos,
acompanhados da banda de música do seminário. Depois encenaram uma comédia
e uma "farsa", intercaladas com recitativos de poesias, discursos e execução ao piano
de diversos trechos musicais, agradando bastante uma variação do Guarany,
executada pela gentil paraense Idália França59. Os poetas da noite, ainda segundo o

58 O cônego Manuel José de Siqueira Mendes, foi um religioso e político paraense, nascido no interior

do estado na cidade de Cametá, era chamado de "chefe" por ser o líder do Partido Conservador do
Pará.
59 Convém observar que em 1882 a escola de piano no Pará já era bem desenvolvida. Idália exímia

pianista, era filha de Joaquim e Idalina França, atuante casal de pianistas. Joaquim, como falamos
anteriormente, foi discípulo de João Nepomuceno de Mendonça e colega de Carlos Gomes no
Conservatorio de Música da Academia de Belas Artes, em 1896.
165

mesmo jornal, foram Paulino de Brito, Theodorico Magno, Julio Maria e alguns
seminaristas. Como ponto alto da noite, foi pronunciado um longo discurso pelo padre
Macedo Sobrinho, iniciado com uma saudação que bem pode representar a forma
com que todos os letrados paraenses davam as boas-vindas e saudavam Carlos
Gomes, em todas as visitas que fez ao Pará. Abaixo, um trecho do dircurso do padre
Macedo Sobrinho.

Cônscio dos altos fins das belas artes e com especialidade da música,
de que sois, Maestro, nesta nobre reunião, um de seus mais ilustres
representantes, em nome do Clero desta capital, do corpo docente
deste estabelecimento, e d'aquela esperançosa mocidade, eu vos
saúdo! Saúdo-vos trêmulo de emoções e com as mãos cheias de
flores para espargi-las sobre os milhares de louros que tendes colhido
no Velho e Novo Mundo!

2.7.2 As récitas de Salvator Rosa: "mimos", homenagens e novo benefício.


A temporada lírica de 1882 foi uma das mais dispendiosas do Brasil, naquele
tempo. A Associação Lírica do Pará tornara-se em pouco tempo uma sólida instituição.
Subsidiada pelo governo provincial e apoiada financeiramente pelo empresariado
local, realizou uma dispendiosa turnê da companhia lírica italiana, com o maestro
Carlos Gomes viajando como convidado especial. Somente duas praças receberam
os espetáculos programados: Recife e Belém. A companhia chegou a Recife em 10
de abril de 1882, apresentando-se no Teatro Santa Isabel, com grande sucesso. Em
seguida, a companhia transportou-se a Belém para fazer a temporada lírica do
Theatro da Paz. Demorou-se em Belém quase cinco meses, quase o dobro do tempo
da permanência no Teatro Santa Isabel. Concluindo seu contrato, a companhia se
desfez (Salles, 2005, p. 16).
A Associação Lírica Paraense requereu à Assembleia Provincial do Maranhão
uma subvenção para a mesma companhia trabalhar um mês no Teatro São Luiz
(Diário de Notícias, 2 de fevereiro de 1882, p. 2). A tentativa não rendeu frutos e a
turnê foi realizada somente nas praças de Recife e Belém.
As notícias da temporada lírica de 1882 chegaram a Campinas. O jornal
paraense "Diário de Belém" (21 de maio de 1882, p.3) reproduziu uma carta enviada
ao "Diário de Campinas", cujo autor não foi possível identificar, mas supõe-se ser um
paulista, amigo de Carlos Gomes, que estava na Itália no mês de maio de 1882.
Reproduzimos abaixo a parte da carta que narra a viagem ao Pará.
166

Ainda ontem estive com o maestro Carlos Gomes. Disse-me ele que
parte brevemente para o Brasil no mês de março, com destino a
Pernambuco e Pará, chegando também até o Rio; No dia 22 de março
último, partiu daqui para Pernambuco e Pará o maestro Gama
Malcher, levando uma excelente e seleta companhia lírica, segundo a
relação abaixo, a qual a companhia levará em cena algumas das
óperas de Carlos Gomes com a presença do mesmo: Primeiras damas
– Libia Drog e Groniade Goré; Contralto: - Anina Orlandi; - Primeiros
tenores: Ferdinando Ambrosi e Gaetano Piccioli; - Barítono: Michele
Danesi; - Primeiros baixos: Tansini e G. Pazzi; - Barítono Brilhante:
Tubartini; Diretores de Orquestra: Gama Malcher e Enrico Bernardi;
Maestro dos coros e pontos; 45 professores de orquestra, 30 coristas;
2 alfaiates. Total: 90 pessoas.

Desde Recife, Carlos Gomes passou a receber homenagens das mais


diversas, incluindo um número especial de um periódico denominado de "A Estação
Lírica" (fig. 66), que registrou todos os espetáculos. O último número desse periódico,
lançado por ocasião da festa artística de Carlos Gomes, além da capa, trouxe três
páginas com várias homenagens em forma de poemas e sonetos.
167

Figura 66 Capa do periódico "A Estação Lyrica", Pernambuco – 1882. Litogravura de Antonio
Vera Cruz.

Fonte: Periódico "A Estação Lyrica"(capa), último número. Recife: 1882. Desenho de A. Vera Cruz.
Lithographia de J. E. Purcel.

A partir de anúncios pagos, na imprensa local, pode-se observar a dinâmica


comercial da Associação Lírica Paraense. No anúncio abaixo (fig. 67) revela que
foram previstas vinte récitas com oito óperas, no entanto, o levantamento feito
(Quadro 2) aponta a encenação de onze óperas, sendo cinco de G. Verdi (La Traviata,
La forza del destino, Ernani, Rigolleto e Il Trovatore), duas de Donizetti (Linda di
Chamounix e Lucia di Lammermoor), uma de Rossini (Il barbiere di Siviglia), uma de
Carlos Gomes (Salvator Rosa), uma de Bellini (Norma) e uma de Gounod (Faust).
168

Quadro 2 Relação das obras, companhia e elenco da temporada lírica de 1882.


TEMPORADA DO ANO DE 1882 (29 de julho – 17 de outubro)
COMPOSITOR ÓPERA COMPANHIA ELENCO
VERDI La forza del destino. Sopranos
Libia Drog, Crinde
La Traviata. Companhia
Goré e Carolina
Ernani. Lyrica Italiana Ambrosi
Rigolleto. de Tomás
Mezzo-sopranos
Il Trovatore. Passini (Pacini) Ana (Anita) Orlandi
e Vittoria Baccarini
DONIZETTI Linda di Chamounix.
Lucia di Lammermoor. Empresário: Tenores
Gama Malcher Ferdinando
ROSSINI Il barbiere di Siviglia. Ambrosi,
CARLOS GOMES Salvator Rosa Alessandro Puggi,
Evaristo Manici.
Il Guarany (sinfonia)
BELLINI Norma Barítonos
Michele Danisi,
GOUNOD Faust Brittonti e
Pietro Marucco
Orquestra Baixos
1º violino, spalla, e diretor nos bailes: Vespasiano Manara: Giovanni Tansini
primeiros violinos: Marco Sarti e Antonio Bonaretti; Pozzi
segundos: Giovanni Sarti e Probo Zannaroli; 1ª viola, Antonio
Pelocchi; 1ª violoncelo ao cembalo Frederico Frederici; 1º Comprimário:
contrabaixo ao cembalo60: Ferdinando Mancini; 1ª flauta: Panario, Benvenuta
Agostino Gerosa; 1º oboé: Frederico Germanini; 1ª clarineta: Pollaco-Drog
Castriciano Segalini; 1º fagote: Giacomo Adami; 1ª trompa:
Luigi Locatelli; 2ª trompa: Aristide De Bernardi; 1ª corneta a Regentes
piston: Giuseppe Capellani; 1º trombone: Simone Bernardi; Enrico Bernardi
harpa: Regina Mancini; timpani e bombo Cornelio Marcellini. Carlos Gomes

Fonte: Páscoa, 2006; Salles, 1980; Jornais paraenses do ano de 1882.

60As expressões "Violoncelo ao cembalo" e "contrabaixo ao cembalo" referem-se às atuações que


esses dois instrumentos têm em algumas óperas, onde haviam recitativos. Normalmente quem
acompanhava os recitativos era o cravo ou clavicembalo ou ainda, simplesmente, cembalo e, na
ausência deste, o violoncelo e o contrabaixo, como solistas, acompanhavam os cantores na hora dos
recitativos.
169

O valor das assinaturas não era acessível à maioria da população, como já


comentado anteriormente, ficando a parte da sociedade menos favorecida nas
cadeiras das galerias superiores e nos camarotes de terceira e quarta ordem, onde
eram dados descontos de 10%.

Figura 67 Anúncio da temporada lírica de 1882.

Fonte: O Liberal do Pará. 4 de maio de 1882, p. 3.

No sábado, 29 de julho de 1882, abriu-se a temporada lírica com a ópera La


Forza del Destino, de Giuseppi Verdi, ("Diário de Notícias", 29 de julho; "A
Constituição" 31 de julho) encenada pela companhia lírica italiana que atuava em
Belém. Iniciava-se naquele dia, sobre o palco do Theatro da Paz, a estação de óperas
onde Carlos Gomes, aguardado há muito tempo em Belém, iria viver grandes
momentos durante a sua estada no Pará, regendo a abertura do Il Guarany, dirigindo
os ensaios da sua ópera Salvator Rosa e recebendo muitas homenagens.
170

As temporadas líricas do Theatro da Paz, imagina-se que igualmente a outros


teatros do mundo, não aconteceram sem intercorrências das mais diversas pateadas,
sejam espontâneas ou provocadas; cantores e instrumentistas doentes; mortes,
principalmente motivadas por doenças tropicais; fugas de artistas, além de outras
situações administrativas, como falta de pagamento, suspenção de subsídios e assim
por diante. Não obstante a tudo isso, a temporada de 1882 aconteceu dentro de
relativa normalidade.
O Diário de Notícias (01 de agosto de 1882, p. 2), resumiu os trabalhos
realizados pela companhia lírica italiana, no fim de semana, quando a ópera La forza
del destino foi encenada em dois dias seguidos.

Na noite de sábado teve lugar a estreia da companhia lírica,


ultimamente chegada à nossa capital. Está, portanto, em parte,
satisfeita a justa ansiedade pública. Naquela noite teve o nosso
Theatro da Paz uma enchente real, tendo havido grande procura de
bilhetes e sido vendidos muitos por bom dinheiro. [...] Na noite de
domingo foi cantada pela segunda vez a mesma ópera, tendo
melhorado o desempenho do conjunto, tendo desaparecido o natural
acanhamento de qualquer estreia.

Os relatos informam que a companhia foi bem recebida pelo público paraense.
"A ópera Forza del destino, escolhida para a estreia e já conhecida de nosso público,
teve satisfatório desempenho da parte dos artistas prima-dona soprano dramático,
sra. Líbia Drog; primeiro baixo sr. Tansini e primeiro tenor, sr. Ambrosi", disse o
mesmo diário.
O dia primeiro de agosto de 1882 ficou marcado na história das temporadas
líricas paraenses, pela presença do maestro Carlos Gomes no Theatro da Paz, na
noite da primeira audição da ópera Linda de Chamounix, em três atos, de Donizetti.
Nesta récita estreou a prima-dona soprano ligeiro, Crinide Goré e o primeiro baixo
Pozzi.
Carlos Gomes havia prometido ao público paraense, pela imprensa, que iria
reger a sinfonia do Il Guarany. E assim o fez. O público o recebeu com frenéticos
aplausos. "A sinfonia da mimosa partitura nacional esteve soberba: arrebatou o
auditório, imprimindo-lhe na alma mais entusiásticas pulsações. Novas palmas
cobriram o maestro a ecoar-se no espaço da última nota do Guarany", disse O Liberal
do Pará (03 de agosto de 1882, p.2).
171

O jornal A Província do Pará (01 de agosto de 1882, p.1), publicou um anúncio


(fig. 68) onde a chamada da participação de Carlos Gomes, garante que a decisão do
maestro em reger se dá como "homenagem de gratidão ao hospitaleiro e generoso
público paraense". Infere-se nesse anúncio, que o maestro Carlos Gomes não tinha,
a princípio, programado reger em Belém do Pará, no entanto, o Conservatório
Dramático e a Associação Lyrica Paraense, através de seus dirigentes, levaram o
pedido do público para que ele se apresentasse frente à orquestra, regendo a abertura
do Il Guarany.

Figura 68 Anúncio da récita de 01 de agosto de 1882.

Fonte: "A Província do Pará", 01 de agosto de 1882, p.1. Acervo da Biblioteca Arthur Vianna.

Outras informações sobre a estreia do maestro Carlos Gomes no palco do


Theatro da Paz, encontra-se no Diário de Notícias (03 de agosto de 1882, p. 2),
relatando que Gomes adentrou na área onde estava a orquestra (hoje proscênio), para
receber a batuta do maestro Enrico Bernardi. "Ao aparecer o maestro Carlos Gomes
para ocupar a regência da orquestra, romperam calorosas palmas, tanto da sala como
dos camarotes, palmas que se repetiram ao ser-lhe entregue a batuta pelo maestro
Bernardi". Segundo mesmo jornal, "o teatro calou para ouvir em silencio profundo,
172

quase religioso, pois, parecia que Carlos Gomes comunicara a orquestra o seu
esplêndido gênio artístico e ela o obedecia cegamente na tradução de seu belíssimo
pensamento". Pelas descrições dos jornais da época, Carlos Gomes, ao reger a
Abertura do Il Guarany, foi calorosamente recebido pelo público paraense, que já o
havia conhecido nas ruas e agora o via frente à orquestra, no Theatro da Paz.
Apesar da presença do compositor, a única obra de Carlos Gomes apresentada
na temporada lírica de 1882, foi Salvator Rosa, com estreia acontecida na terça-feira,
8 de agosto de 1882. Provavelmente o elenco não tinha, em sua totalidade, outros
títulos de Gomes aprendido. Thomás Passini viajava com um elenco de cantores,
bailarinos e músicos que já tinham um repertório pronto para apresentar, ficando para
as cidades que chegavam, somente os ensaios "à italiana", adequação ao palco e a
possível inclusão de artistas locais, como bandas de musica, coralistas,
instrumentistas etc.
O anúncio (fig. 69) da estreia de Salvator Rosa demonstra o esforço da
produção do espetáculo em dar a impressão ao público, que a montagem aconteceria
nos mesmos moldes de qualquer teatro importante do mundo. "Damas, cavalheiros,
soldados, hespanhoes, homens e mulheres do povo, pintores, salteadores etc; no
segundo ato, dança a caráter, ou tarantela napolitana, como requer a ópera; cenários
e vestuários novos e apropriados; banda marcial em cena e todo o aparato como se
representa esta ópera nos primeiros teatros da Europa".
173

Figura 69 Anúncio da estreia da ópera Salvator Rosa.

Fonte: "A Constituição", 6 de agosto de 1882, p.3.

Os elementos apostos em cena, já delimitavam a presença da estética verista,


que em bem pouco tempo se efetivou em Cavalleria Rusticana, considerada por
muitos autores como uma das primeiras óperas veristas. A canção napolitana Mia
Piccirella, nesse sentido, antecipa a Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni, que
contém várias canções desse tipo, e inaugura um filão que foi amplamente explorado
pelo verismo (Mammi, 2001, p. 60).
O sucesso de Salvator Rosa, na Itália e em Belém, ocorreu por diversos
motivos, alguns mais à luz do dia, outros mais obscuros, indiretos ou secundários. De
forma mais clara, vê-se a retomada de um caráter temático mais próximo do
sentimento popular, incluindo canções de origem popular e fácil memorização, a
exemplo da própria Mia Piccirella. Salvator Rosa inspira-se diretamente no teatro lírico
do Risorgimento61 italiano, o de Donizetti e primeiro Verdi, assim afirma Lorenzo
Mammi (2001, p. 58).
Duas datas importantes para a Itália e Brasil, ocorreram no ano de 1870. Na
Itália, a anexação de Roma ao reino italiano, consolidando em grande parte o
risorgimento italiano e no Brasil, o fim da guerra do Paraguai, no início daquele ano.

61Movimento de unificação da Itália, antes fragmentada, passa, a partir de 1870, a ter uma unidade
geográfica e política.
174

Apresentar ao público italiano uma ópera cujo libreto versava sobre a luta dos
napolitanos contra o domínio espanhol, liderada por Masaniello, um vendedor de
peixes, em 1647, naturalmente ativa os sentimentos de luta e vitória naqueles que
inebriados pela magia teatral, sentiram-se vencedores também62. Acredita-se,
portanto, que tanto na Itália quanto no Brasil, o enredo cantado pela ópera contribuiu
para a conquista da simpatia do público.
Em uma crítica publicada no jornal A Constituição (9 de agosto de 1882, p. 2),
pode-se perceber uma clara intenção do redator em propiciar ao leitor uma visão
otimista e glamorosa. Na introdução da análise da récita, o articulista adjetiva, de
várias maneiras, o compositor, de forma a não deixar dúvidas sobre o que pensa - e
presume que todos pensam - a respeito do compositor paulista.

Foi ontem cantada a sublime e inspirada partitura do festejado maestro


Carlos Gomes – Salvator Rosa. Como no Guarany, como na Fosca,
nos extasiamos diante dessa outra produção do alevantado maestro
Carlos Gomes e lhe admiramos mais uma vez todo o vigor do seu
talento artístico, sempre arrojado e fecundo, ardente e arrebatador,
como as prespectivas (sic) das nossas florestas. A música de Salvator
Rosa é assombrosa; transpira de si uma magia que atrai, subjuga e
domina a quem a ouve, e só pode produzi-la quem desde o berço vem
sagrado pelo bafejo divino do gênio. Vimos ontem a plateia de Belém
delirante de entusiasmo e cativa da riqueza de tons, enlevada nas
sublimidades de ora doces, ora possantes melodias, dessa magistral
concepção de Carlos Gomes que por si só bastaria para colocá-lo no
panteão da glória.

O texto segue comentando a récita e a obra, sem adentrar em uma análise


mais técnica, redundando em frases como "o caráter geral dessa ópera é sempre
suave, brilhante e majestoso...", ou "a sua melodia que é espontânea, levanta-se às
alturas da verdadeira inspiração e a sua instrumentação, que é filosófica e profunda,
imprime-lhe um cunho bastante original pelas suspensões de acordes, que são de um

62 Não foram encontradas nessa pesquisa, referências claras quanto a participação política de Carlos
Gomes no movimento de unificação da Itália. No entanto, além do tema desenvolvido em Salvator
Rosa, localizamos a edição digitalizada do Inno Alpino, composição de C. Gomes e letra de A.
Ghislanzoni, editado por F. Lucca, cuja tradução do texto foi gentilmente feita, a pedido do autor desse
trabalho, pelo tenor campinense, Alcides L. Acosta. A parte final da letra diz: " Demo-nos as mãos/ Da
montanha aos mares/ Os gritos ecoam/ De liberdade/ Destes pináculos/ Destes altares/ O novo
símbolo/ Descenderá! / Para o alto! Acima! / Todos os olhares/ Todos os desejos/ Plenos se volvem
aqui/ Onde já reivindica/ Rituais galhardos/ A Itália forte, de novos dias! - Algumas cartas de Gomes,
escritas em outubro de 1883 (Vetro, 1982, pp. 169-172) para Tornaghi, da Ricordi, tenta esclarecer
pendengas quanto a publicação do hino pela concorrente Casa Lucca, o que nos dá a referência de
que o hino foi composto naquele ano. Dedicado ao Clube Alpino de Lecco, o hino aparenta ter certo
patriotismo incluído em seu texto.
175

indescritível efeito". Após comentar cada ato, o jornalista faz comentários sobre cada
um dos intérpretes dos principais personagens, encerrando com as seguintes
palavras:

Para concluir, esta já longa revista, diremos que, como era de esperar
a ópera de Carlos Gomes foi recebida com ruidosas manifestações de
agrado, sendo de espaço a espaço chamado à cena o laureado
maestro a quem de preferência se dirigira os mais delirantes aplausos.
O teatro estava literalmente cheio. Parabéns ao distinto maestro!
Parabéns ao Pará pela distinta e honrosa visita que lhe veio fazer
aquele que conquistou a glória para o Brasil com as suas sublimes e
inspiradas óperas.

A crítica acima citada não difere de outras encontradas na imprensa da época,


indicando que fazia parte do sistema de divulgação por veículos pagos. Todos os
esforços eram feitos para atrair o público assinante da temporada lírica. Mesmo com
os fartos subsídios da presidência da província, fazia-se necessário vender os
ingressos para fechar as contas que eram altas, daí a participação efetiva dos jornais
da época, colaborando para movimentar o mercado do entretenimento, no tempo da
belle époque, bastante aquecido.
O elenco escolhido para a temporada foi um dos melhores que frequentaram o
Pará, na segunda metade do século XIX. Além dos problemas bastante comuns que
aconteceram com o elenco, os cantores desempenharam seus papéis a contento.
Um destaque se faz importante: a atuação da soprano Crinide Goré (terceira
foto da fig. 70) que interpretou o personagem Genariello, um jovem adolescente. Uma
mulher interpretando um personagem masculino em travesti já acontecia
frequentemente nas óperas. Francesconi (2018, p. 8) define esta estratégia cênica,
ajudando-nos a compreender esse processo.

Uma pessoa vai à ópera pela primeira vez e durante a apresentação


nota que há um homem cantando com voz bastante aguda. Prestando
um pouco mais de atenção, esta mesma pessoa percebe que não é
um homem. É uma mulher vestida de homem! Algumas pessoas têm
como primeira reação o choque. Outra ficam curiosas, e outras ainda
constrangidas. Mas afinal, o que levou aquela cantora a se vestir como
homem para interpretar uma ópera? Este fato não é novidade pois
desde o século XVII mulheres se vestem de homens ao atuarem em
ópera. Vestir-se aqui é palavra-chave, pois estes personagens
específicos são chamados en travesti, ou seja, papéis onde mulheres
interpretam homens no palco. O galicismo en travesti significa
literalmente “(vestido) com disfarce” em francês, e o dicionário Oxford
traduz a expressão como: “vestido como membro do sexo oposto para
176

um papel teatral”. No vocabulário operístico, assim como no teatro e


no balé, essa expressão é bastante frequente para designar mulheres
que interpretam personagens masculinos.

Não foram localizadas nas fontes estudadas, principalmente nos jornais da


época, referências detalhadas a respeito da atuação de Goré representando, em
travesti, o personagem Genariello, o que surpreende, visto que, naquele tempo, a
dominação masculina era evidente na sociedade paraense, e, por certo, tal fato
haveria de ser assunto amplamente debatido.

Figura 70 Parte do elenco de Salvator Rosa na temporada Lírica de 1882. Soprano Libia Drog,
Annina Orlandi, Crinde Goré, e Giovani Tansinni.

Fonte: Capas das edições 1,2,3 e 4 do periódico "A Estação Lyrica". Recife: 1882. Desenho de A.
Vera Cruz. Lithographia de J. E. Purcel.
177

Na temporada Lírica de 1882, a ópera Salvator Rosa, foi em meio às


comemorações da adesão do Pará à Independência do Brasil e homenagens às
Gama Malcher e à Henrique Gurjão. Um bom resumo dessas efemérides fez o
musicólogo Márcio Pascoa (2006, p. 35)

Pode-se imaginar o que terá sido a estreia do Salvator Rosa, a 08 de


agosto. O aparato da première só não deve ter sido menor do que o
preparado para o dia 15, quando se deu a mesma peça em récita de
gala. A data marca a adesão do Pará Independência do Brasil, tendo
Gama Malcher composto uma marcha para a ocasião. Após Carlos
Gomes ter regido a citada "15 de agosto", Enrico Bernardi subiu à
sédia do condutor para reger a abertura da Idália. O espetáculo
terminou com mais uma delirante ovação ao campineiro, manifestação
que parece ter acompanhado todas as suas aparições até a récita de
sua despedida, em 24 de agosto, também com Salvator Rosa.

De acordo com os anúncios da imprensa, Salvator Rosa foi novamente levada


à cena em benefício do maestro Carlos Gomes, no dia 12 de agosto de 1882. A
comissão encarregada de passar os ingressos, nos melhores lugares do teatro, fez o
seu trabalho a contento. Os jornais alertavam às pessoas que encomendaram
ingressos nas cadeiras da plateia e das galerias, que estes lhes serão reservados até
às 11 horas do dia do espetáculo. À exemplo do acontecido na récita de estreia de
Salvator Rosa, do dia 08, esperava-se que os ingressos alcançassem valores
exorbitantes por uma cadeira. Assim informou A Província do Pará (10 de agosto de
1882, p. 3): "Devemos mencionar que no teatro não havia lugar vazio, sendo que,
antes de principiar o espetáculo, oferecia-se 10$000 réis por uma cadeira, sem
resultado algum". Ou seja, os ingressos esgotavam-se.
Ficaram encarregados da direção da récita em benefício do maestro os srs.
Manoel José da Costa e Silva, Vicente Ruiz, Frank da Costa, capitão A. Braule F. da
Silva, Major A. Monteiro Baena, David Freire e Antônio José Pinho (Diário de Belém,
6 de agosto de 1882, p. 3). A Província do Pará (09 de agosto de 1882, p.3) divulgou
os nomes dos cidadãos integrantes da comissão diretiva do evento, escolhidos para
passar os bilhetes, de acordo com as locações do teatro.

Benefício do maestro Carlos Gomes – A comissão encarregada de


passar o benefício do ilustre maestro Carlos Gomes, tem resolvido,
visto a pouca demora do maestro nesta capital, nomear comissões
dentre si para receber no teatro, na noite do benefício, a importância
dos camarotes, ficando estas assim compostas: 1ª ordem: David
Freire da Silva e Antonio José Pinho; 2ª ordem: Vicente Ruiz e Antonio
178

B. Freire da Silva; 3ª ordem: Frank da Costa e Antonio Nicolau M.


Baena.

No decorrer da pesquisa para esse trabalho, não foi localizada a informação do


quanto Carlos Gomes tenha recebido, em dinheiro, pelos benefícios concedidos a ele,
em Belém, nos anos de 1880 e 1882. O que se pode apurar foi que ele recebeu muitos
presentes, "mimos", como a imprensa usualmente falava. Na récita de Salvator Rosa,
do dia 12 de agosto, além de flores, poesias, palmas e bravos, Gomes recebeu uma
bela coleção de "mimos": 01 tinteiro de madrepérola e ouro, oferecido pelos
empregados da recebedoria provincial; 01 pena de ouro, pelo Diário do Grão-Pará; 01
abotoadura, também de ouro, com pedra de brilhante, como dedicatória num cartão:
"simples motivo pra dar-te um abraço"; 01 coroa de ouro, pela comissão encarregada
do benefício, em nome do povo; 01 lindo álbum para retratos, pelo "Diário de Notícias";
biografia do maestro, encadernada em veludo, pelo sr. Veríssimo; 01 grande álbum
com as vistas do Pará, tendo na primeira página uma custosa e artística dedicatória,
pela sociedade "Quinze de Agosto"; 01 lindo bouquet, pela "Revista Lyrica", com uma
fita primorosamente desenhada pelo sr. João Affonso; 01 outro lindo bouquet, pelo
"Jornal da Tarde" e ainda um outro, entregue pelo dr. Miguel Lucio, em nome da
comissão de recepção do maestro.
A récita do dia 15 de agosto de 1882, homenageou a data em que se
comemora, no Pará, a adesão do Estado colonial, Grão-Pará, em 1823, ao império
brasileiro, um ano depois da independência do Estado do Brasil do reino de Portugal.
A récita extraordinária foi denominada de "Espetáculo em grande gala", de acordo
com o anúncio locado no diário "A Província do Pará" (12 de agosto de 1882, p. 1). O
anúncio relata que foi tocado o Hino Nacional e em seguida foi reapresentada "a
grandiosa e tanto aplaudida ópera ballo nacional do maestro Carlos Gomes".
Além de homenagear a data comemorativa dos paraenses, a récita também
colocou no mesmo palco, e, por conseguinte, no mesmo teatro, três personagens da
cultura brasileira, o maestro compositor Carlos Gomes, o compositor Henrique Eulálio
Gurjão e o maestro compositor José Cândido da Gama Malcher. Depois do primeiro
ato de Salvator Rosa, foi executada a "Marcha 15 de Agosto", autoria de Gama
Malcher e depois do segundo ato foi executada pela orquestra a "Symphonia"
(abertura) da ópera Idália, de Henrique Gurjão, sob a regência do maestro italiano
Enrico Bernardi.
179

Muito significativo para a história do Pará esse encontro. Lamentavelmente o


compositor H. Gurjão não andava bem de saúde, e não pode comparecer ao teatro.
O "Diário de Belém" (25 de agosto de 1882, p. 2), publicou uma notícia, a guisa de
editorial, informando sobre a visita que o maestro Carlos Gomes fez, no dia 24 de
agosto, a Henrique Gurjão. Com palavras de conforto ao compositor, o jornal registrou
uma das páginas mais significativas da estada de Carlos Gomes em Belém do Pará.
"Anteontem o laureado maestro Carlos Gomes, em sua visita de despedida ao seu
não menos distinto colega, o maestro paraense Henrique Gurjão, recebeu deste uma
oferta de duas romamzas suas, compostas recentemente para esse fim", informou o
jornal.
A preocupação com a situação de bem-estar do compositor está bem
clarificada nas palavras do editor do referido jornal. Ao mesmo tempo em que tenta
igualar as competências musicais dos dois compositores, o jornal também estabelece
as diferenças do modo de vida de cada um. "Entre Carlos Gomes e Gurjão existe
talvez uma única diferença que consiste na grande atividade do primeiro e no
abatimento quase inativo, na espécie de letargia, que de tempos para cá tem
absorvido todas as forças intelectuais do segundo" Diário de Belém (25 de agosto de
1882, p. 2). Ao fim, o editorial deseja que o compositor paraense vá "avante", para
vencer a apatia. Três anos depois, Gurjão veio a falecer.
A recita de Salvator Rosa, no dia 24 de agosto, na despedida do maestro Carlos
Gomes foi avaliada pelo editor do jornal A Constituição (25 de agosto de 1882, p. 2),
como regular. Apesar de classificar o desempenho como regular, o crítico informa que
os artistas foram "freneticamente aplaudidos". Repetiu-se na noite o mesmo carinho
com Carlos Gomes, tendo sido chamado por diversas vezes ao palco.
O mesmo jornal A Constituição informa que Carlos Gomes seguiu para
Pernambuco, no dia 25 de agosto, levando em suas lembranças as "espontâneas e
esplêndidas manifestações de apreço e consideração que o povo paraense só presta
a quem, como Carlos Gomes, se elevando muito alto pelo seu mui brilhante talento,
conquistara para si e para a pátria, que se orgulha de tê-lo por filho, o mais glorioso
renome" (25 de agosto de 1882, p. 1).
Carlos Gomes se despediu de Belém, prometendo voltar no ano seguinte. Para
tanto já deixou solicitado uma subvenção ao governo paraense.
180

No dia seguinte a sua partida, Carlos Gomes recebeu uma homenagem que
até os dias de hoje se vislumbra na capital paraense: a Câmara Municipal de Belém,
em sua sessão ordinária de 26 de agosto de 1882, sob a presidência do Major Vianna,
através da proposição do senador Holanda, aprovou que o nome da rua da Paciência
passasse a se chamar rua Carlos Gomes. Ao final da sessão, rezou a ata: " ...se mude
o nome de uma das nossas ruas, para dar-lhe o do ilustre brasileiro. – É aprovado,
ficando a rua da Paciência chamando-a rua Carlos Gomes (Fundo: Câmara Municipal
de Belém, Série 19, Livro de Atas, 1882 - 1883).

Figura 71 Rua Carlos Gomes, vista do cruzamento com Av. da República, (atual Presidente
Vargas) vendo-se à direita o Hotel da Paz.

Fonte: Álbum "Belém da Saudade". SECULT. 1996, p. 120.


No ano de 1883, Carlos Gomes regressou ao Pará. No entanto, como veremos
a seguir, sua segunda visita não teve a mesma paz e o sucesso obtido em 1882.
181

2.8 O empresário Carlos Gomes: a temporada lírica de 1883.

Per ora mi è duopo guadagnar il tempo


perduto nel mio viaggio al Parà...63

Na sessão da Assembleia Provincial, de 11 de outubro de 1882, na parte dos


trabalhos legislativos que tratam do "Expediente" foi informado que Antônio Carlos
Gomes pediu a subvenção de 30 contos de réis para trazer da Itália, no ano seguinte,
uma companhia lírica (Diário de Belém, 12 de outubro de 1882, p. 2). Carlos Gomes
havia solicitado a subvenção, com grandes chances de ser deferida, pois, voltou para
a Itália coberto de homenagens e nas malas muitos "mimos". O pedido era ousado,
no entanto foi feito calçado na reputação, muito bem construída, durante sua
permanência no Pará.
Dois meses e dois dias depois da partida do maestro, em 25 de agosto de 1882,
a Comissão de Fazenda da Assembleia Provincial, na sessão de 27 de outubro
daquele ano, anunciou sua decisão a respeito da petição do maestro Carlos Gomes
que solicitou "uma subvenção para organizar uma companhia lírica italiana, que venha
representar uma estação teatral de ópera no Theatro da Paz, durante três meses no
ano vindouro de 1883". Em resposta à petição, a Comissão recomendou:

A Comissão de Fazenda, em vista da competência profissional do


peticionário e da promessa que faz de organizar uma companhia muito
superior as que tem trabalhado nesta capital, é de parecer que na lei
do orçamento se consigne a verba de 30:000$000 para a
subvenção à companhia lírica que for organizada pelo maestro
Carlos Gomes, com a cláusula de que a companhia que for
organizada cante a ópera Idália do maestro paraense Henrique
Gurjão. Sala da Comissões, 27 de outubro de 1882. H.V. Fiock
Romano, João Lourenço Paes de Souza, Ludgero de Almeida Salazar
("A Constituição, 15 de novembro de 1882, p. 2). (Grifo do autor).

Foi exigido incluir a ópera do paraense na temporada, o que era de se esperar,


tendo em vista a saúde abalada do maestro Henrique Gurjão e do grande prestígio

63 "Por enquanto, preciso ganhar o tempo perdido na minha viagem ao Pará...". Frase retirada da carta

que Carlos Gomes escreveu para Innocente de Anna, barítono, em 16 de setembro de 1883 (Vetro,
1963, p. 139). Nessa carta, Gomes relembra um trato feito com o cantor, no Pará, quando prometeu:
"fica fixo e irrevogável: você será o meu Iberê na nova ópera 'O Escravo', e antes de estabelecer a
época da encenação, eu o avisarei". Vetro comenta, em nota, que o nome Imberê, aparece, na carta,
pela primeira vez e que em seguida se tornará Iberê, "O Escravo".
182

que o compositor detinha junto à sociedade paraense, tanto por sua obra, quanto por
ser irmão do general Hilário Gurjão, herói morto em batalha, na guerra do Paraguai.
Numa carta ao barítono De Anna, em 16 de setembro de 1883, a quem
dedicava uma calorosa amizade, Gomes pontua a "perda de tempo" decorrente da
viagem ao Pará, quando viajou para o Norte do Império, vestido de empresário e
produtor de uma companhia lírica. Verdade! Não só perdeu tempo, como perdeu
dinheiro e prestígio.
A partir dos relatos da imprensa da época, ressalta-se a conturbada epopeia
de Gomes em Belém, no ano de 1883. Inúmeros problemas, incluindo uma
assombrosa epidemia de febre amarela que se avizinhou de Belém, provocando medo
e desconjuntando o elenco, colocou o maestro campinense numa situação das mais
difíceis de sua vida.
Não podemos avaliar o impacto que a viagem ao Pará causou na vida financeira
de Gomes, mas sabemos, que daí em diante sua vida tomaria rumos tortuosos,
quando grandes dificuldades viriam atormentá-lo. A década de 1880, que começara
com uma viagem de sucesso ao Brasil, iria terminar com a queda da monarquia, tão
cara ao maestro, beneficiário direto do regime que se esvaía. O ano de 1883 entrou
para essa agenda como um ano de grandes prejuízos, a julgar pela viagem que fez
ao Pará.
Em carta a Tornaghi, procurador da Casa Ricordi, Gomes, entre outras coisas,
reclama que "em Palermo, o Gennariello fracassou absolutamente". Um tanto
revoltado exclama: "Música é comércio!... Comércio!!... (Vetro,1982, p. 213). Foi
exatamente isso que Carlos Gomes veio fazer em Belém: comercializar sua música.
Adiante, se verá como.
O pedido de subvenção foi de 30:000$000 réis, mas a província só liberou
25:000$000, através da Lei N.º 1104, de 9 de novembro de 1882, Cap. 13º, Art. 16, §
8. O inciso reza: 25:000$000 "Subvenção ao maestro Carlos Gomes para aquisição
de uma companhia lírica que venha representar no teatro da paz durante uma
estação" (Azevedo, 1883, p.312).
No mês de março de 1883, o jornal A Constituição (9 de março de 1883, p. 1),
publica o seguinte anúncio (fig. 72):
183

Figura 72 Anúncio da vinda da companhia lírica italiana, contratada por Carlos Gomes.

Fonte: Jornal "A Constituição", 9 de março de 1883, p. 1.


184

Quadro 3. Elenco da Temporada Lírica de 1883.


TEMPORADA DO ANO DE 1883 (24 de abril – 08 de julho)
COMPOSITOR ÓPERA COMPANHIA ELENCO
(Repertório
previsto)
VERDI Sopranos
LaTraviata. Rosa Calligaris-Murty
Companhia
La forza Ida Christino e
del destino Lyrica Italiana Bianca Montesini
Ernani. Mezzo-sopranos
Un ballo Anetta Tancioni e
in Maschera. Empresário Bevenuta Polacco-
Macbeth.Il Drog
Carlos Gomes
Trovatore. Tenores
CARLOS GOMES Il Guarany. Direção de Egisto Guardenti
cena Tomaso Villa e
DONIZETTI Lucrezia Borgia. Domenico Domenico Valenti
MARCHETTI Ruy Blas. Valenti Barítonos
Inocente De Anna e
Regente de Alberto Navarri
coros Baixos
Giusto Giusti Giovanni Tansini e
Basílio Navarri
Regente Comprimários
Enrico Elvira Poli;
A. Costa
Bernardi.
Carlo Passini
Luigi Orsini (tenores);
Pietro Panario e
C. Guidotti (baixos)

Fonte: Vicente Salles, Márcio Páscoa, O Liberal do Pará, Diário de Notícias, A Constituição e Diário
de Belém.

Ao fim dos fatos do ano de 1883, nem tudo o que o anúncio mostrava efetivou-
se, principalmente quanto à ópera Idália, de H. Gurjão, cuja condicionante de sua
montagem foi colocada na resolução oficial que liberou a verba de 25 contos de réis
para o maestro realizar a temporada. A companhia chegou a Belém no dia 17 de abril,
sendo que Carlos Gomes, desta vez, não viria com a troupe, ficando de chegar a
Belém somente no início do mês de junho.
No dia 15 de março, o jornal A Constituição publica um anúncio (fig.73) com o
seguinte título: "Theatro da Paz / Companhia Lyrica Italiana / Sob os auspícios do
grande maestro A. Carlos Gomes - Glória da Pátria, honra do espírito humano".
185

Reproduzimos abaixo o recorte desse anúncio, objetivando demonstrar a estratégia


comunicativa que os procuradores de Carlos Gomes, em Belém, usavam para
convencer a população das intenções do maestro em dar acesso ao teatro às pessoas
que não tinham como disputar ingressos com a elite endinheirada da cidade.

Figura 73 Anúncio da programação da temporada lírica de 1883, com justificativa de acesso


"às classes menos favorecidas".

Fonte: "A Constituição", 15 de março de 1883, p.3.

Usando uma linguagem com floreios vernaculares, os representantes do


maestro Gomes tentam explicar o valor cobrado dos ingressos, duramente criticado
186

nos jornais, por ter o empresário recebido um subsídio governamental de 25 contos


de réis. Os procuradores de Carlos Gomes apresentavam "a satisfação de comunicar
que adotaram um plano, que tornando acessível o teatro às classes menos
favorecidas, proporciona a FAMÍLIA PARAENSE ensejo de afirmar com o
desenvolvimento da faculdade complexa chamada gostos, a opulência de recursos
desta terra, fadada aos mais refulgentes destinos". Esse anúncio foi publicado em
vários jornais por dias seguidos.
Olhando os valores dos bilhetes, facilmente o público percebia a diferença de
um ingresso para o "paraíso" (lugar mais alto do teatro), para uma das cadeiras da
plateia, no entanto, não haveria estudo semântico possível de clarificar o que
significava a frase "desenvolvimento da faculdade complexa chamada gostos, a
opulência de recursos desta terra, fadada aos mais refulgentes destinos".
A mensagem dos produtores, repetidamente publicada, foi em resposta a um
pedido público, feito em carta aberta ao presidente da Província, Barão de Maracajú.

Ao exm. Sr. Barão de Maracajú. A lei Nº. 1.104, de 9 de novembro do


ano passado, concedeu ao indigne maestro Carlos Gomes a soma de
vinte e cinco contos de réis, para trazer ao Pará, nos meses de abril a
junho, uma companhia lírica, para dar espetáculos do Theatro da Paz.
Dando a província aquela soma, teve em vista proporcionar ao público
em geral noites de passatempo, pois é do público, ou por outra, do
povo os dinheiros arrecadados no tesouro. Sendo assim, como é que
se está angariando assinaturas para 40 récitas (que tantas são as que
se podem dar em 3 meses de estada aqui da companhia). A prevalecer
o que quer o encarregado dos negócios do maestro Carlos Gomes,
deixará uma boa parte dos habitantes desta capital e famílias
menos favorecidas da fortuna de ir ao teatro, primeiro porque não
temos récitas extraordinárias, segundo, porque os ricos, que
assinaram farão imposição, elevando o preço de suas cadeiras,
camarotes etc. à soma tão alta, que aqueles ficarão privados de ver e
ouvir a companhia lírica, para a qual concorrem com seu suor (Diário
de Notícias, 11 de março de 1883, p. 3). (Grifos do autor).

A companhia e seu empresário nem haviam chegado a Belém e já se podia


colher insatisfações. Uma dúvida pairou no ar sobre a realização da estação lírica. O
presidente da Província oficiou ao inspetor do Tesouro Provincial uma ordem:

Em execução ao meu despacho de hoje, exarado no incluso


requerimento de João Avelino Soares de Medeiros, sirva-se v. s. de
mandar lavrar com o suplicante termo de contrato para cessão do
Theatro da Paz, durante os meses de julho a setembro do corrente
ano, no caso de não vir a companhia lírica do maestro Carlos Gomes
e ser a estação teatral a ele concedida, transferida à atriz Manoela
Lucci de Oliveira, conforme requereu e de acordo com a informação
187

do respectivo administrador e a lei Nº. 1091 de 4 de novembro do ano


passado (O Liberal do Pará, 9 de março de 1883, p. 1-2).

Não restaram dúvidas, a companhia chegou no dia 17 de abril no vapor


Cearense, com novos mise-em-scène, vestuário, adereços e decorações de cenas,
grande elenco, orquestra composta de 26 professores, regida pelo maestro Bernardi,
Coro com 24 cantores, sendo 14 homens e 10 mulheres; vasto repertório previsto e
estreia marcada para o dia 24 de abril (A Constituição, 18 de abril de 1883, p. 2).
A estreia da companhia deu-se um dia depois do previsto, 25 de abril, de acordo
com A Constituição.

Com a interessante partitura de Marcheti, Ruy Blas, estreou ontem no


Theatro da Paz, que esteve repleto de espectadores, a companhia que
atualmente se acha entre nós, contatada por Carlos Gomes, o
festejado maestro brasileiro, que tantos e tão merecidos aplausos tem
conquistado entre nós. Para não precipitarmos em nosso juízo sobre
o merecimento artístico das principais figuras que cantaram ontem no
Ruy Blas, que naturalmente deviam estar acanhadas diante de um
público que lhes é completamente estranho, reservamos a nossa
opinião para darmo-la depois da segunda audição da referida ópera.
(26 de abril de 1883, p. 2).

Seria muito natural que a estreia da companhia lírica não tivesse o mesmo
equilíbrio e desempenho, perante as circunstâncias que se apresentaram naquela
temporada. Uma lacônica notícia publicada no Diário de Notícias (22 de abril, p. 2)
informou que uma cantora da companhia de ópera, falecera no Hospital da Caridade,
vítima de uma "cólica". Perante a tragédia que se abateu sobre a companhia, a récita
de abertura da temporada, prevista para a terça-feira, 24, somente aconteceu, como
já dito, no dia 25 de abril. Outras mortes ainda aconteceram.
A morte da cantora do coro, os ingressos caros e ausência do maestro,
suscitaram dúvidas, por parte dos "amigos dos créditos do maestro Carlos Gomes",
como assim se autodenominaram aqueles que assinaram a carta publicada no Diário
de Notícias (23 de abril de 1883, p. 3).

Ao lermos ontem os anúncios do primeiro espetáculo da companhia


lírica, ficamos estupefatos e ao mesmo tempo ignorantes de quem
seja o empresário da atual estação, pois o anúncio glosou o nome do
ilustre maestro brasileiro Antônio Carlos Gomes que, segundo o
público sabe, foi quem firmou o contrato com o governo e é quem tem
de receber os 25 contos de reis de subvenção e é ainda o responsável
pelo bom ou mal êxito da empresa. Ou a companhia é inferior as que
já temos tido e por tal motivo não convém expor-se o nome de Carlos
188

Gomes, como responsável (o que não podemos crer), ou anda em


todo este negócio mistério e mistério. Com certeza o digno sr.
comendador Antônio Bento Dias de Melo64 não foi ouvido na
organização do anúncio, ou está se deixando mistificar. O anúncio,
ontem publicado, está em forma dos que fazem os saltimbancos nas
praças públicas, que tem só por deusa a pilhagem dos incautos. Pará,
24 de abril de 1883.

A experiência de Carlos Gomes, em Belém, no ano de 1883, foi conturbada e


terminou de forma inusitada. Desde antes do pano de boca subir, as notícias
veiculadas pela imprensa ou documentos oficiais, colocavam em dúvida a vinda da
companhia lírica e a participação do maestro Carlos Gomes, assim como, levantavam
suspeitas sobre os negócios relativos à temporada lírica.
Apesar das notícias suscitando dúvidas, Carlos Gomes chegou a Belém no
vapor inglês Brasil no dia 06 de junho, dois dias depois da data previamente
anunciada. O Diário de Notícias (07 de junho de 1883, p. 2) assim relatou: "o povo
paraense, que se orgulha de ser admirador do grande gênio musical, prestou a
homenagem devida ao maestro na ocasião do seu desembarque, concorrendo em
massa para recebê-lo na ponte da guardamoria, de onde dirigiu-se para o Café Chic".
O mesmo jornal informa também que o maestro foi recebido com um lunch e
do Café Chic dirigiu-se para a casa do comendador Antônio Bento Dias de Melo, onde
se hospedou e de onde agradeceu, de uma das janelas, a espontaneidade da
manifestação do povo paraense na ocasião da sua chegada.
Carlos Gomes esforçou-se para trabalhar e participar de eventos sociais,
procurando articular com o governo a manutenção da temporada lírica. Desde que
chegou a Belém, o maestro, agora também na atividade de empresário, envidou todos
os esforços para que os trabalhos continuassem. No dia 05 de junho foi à cena a La
forza del destino, de Verdi, com bom desempenho. "Todos os artistas esforçaram-se,
com especialidade o barítono sr. Innocente de Anna, que foi freneticamente aplaudido
e presenteado com um bonito anel de brilhante por seus amigos e admiradores", disse
o Diário de Notícias (07 de junho de 1883, p.2). Essa ópera se repetiu dois dias depois,
com Carlos Gomes regendo a sinfonia do Il Guarany, "em agradecimento à recepção
que lhe acaba de ser feita pelo público desta capital", complementou o Diário de
Notícias.

64O comendador Antônio Bento Dias de Melo foi o cidadão que hospedou Carlos Gomes, em sua casa,
no ano de 1883, sendo um dos responsáveis pelos negócios do maestro na cidade.
189

No ano de 1883, Carlos Gomes encontrou o movimento abolicionista bastante


fortalecido no Pará. Uma associação se formava naquele momento, denominada de
Comissão Central Abolicionista, onde dois membros, dr. Oliveira Corra e Domingos
Olympio, foram nomeados para peticionar junto à Câmara dos deputados, a
revogação do art. 60 do Código Penal, que de forma violenta condenava à morte, às
galés e açoites, negros escravizados. Outra comissão foi formada para, em nome do
movimento abolicionista, receber o insigne maestro Carlos Gomes (Diário de Notícias,
07 de junho de 1883, p.2).
Em carta datada de 07 de junho de 1883, endereçada ao Dr. Cordeiro de
Castro, Carlos Gomes oferece a renda líquida de uma récita programada para
acontecer no dia 14 de junho, quinta-feira, ao movimento abolicionista.
Abaixo reproduzimos esta rara e longa carta do compositor abolicionista,
Antônio Carlos Gomes, publicada no Diário de Belém (09 de junho de 1882, p.2)

Belém do Pará, 7 de junho de 1883. Ilm. Sr. - Grato como sou ao


generoso povo paraense pelos imerecidos e nunca esquecidos
obséquios que me tem prodigalizado desde que tive a ventura de
visitar esta opulenta província, e partidário convicto da grandiosa ideia
da emancipação dos escravos, que folguei aqui encontrar em pleno
viço e já produtora de magníficos frutos, concebi a esperança de
concorrer, ainda que muito obscuramente, para o sustentáculo dessa
ideia, que preocupa hoje o pensamento de todos os brasileiros
verdadeiramente patriotas e animados da vontade de fazer progredir
o seu país, fazendo reverter em benefício dos infelizes escravos desta
província o produto líquido de uma representação da companhia lírica
que atualmente funciona no Theatro da Paz. Certo de que dirigindo-
me à V.S. para solicitar-lhe o auxílio de que careço para a realização
do meu projeto, o faço a pessoa mais competente e dedicada à causa
dos cativos, conto que V.S. se prestará a coadjuvar-me, como digno
presidente da Associação Philantrópica de Emancipação de Escravos,
não só prestando-se com seus associados a passagem dos bilhetes,
como apelando para as outras sociedades de emancipação, afim de
que essa modesta festa de liberdade se estenda à todos. A ser
possível por em prática a minha ideia, destino para isso a récita de
quinta-feira do corrente mês, de cujo produto se deduzirão as
indispensáveis despesas; e conto que V. S. tomando em consideração
o meu apelo, se servirá responder-me, afim de que eu possa remeter-
lhe os bilhetes não assinados, relativos à referida récita. Aproveito a
oportunidade para apresentar à V. S. e aos dignos cavalheiros de sua
Associação, os meus protestos de completa adesão e de respeitosa
estima. Deus guarde a V. S. – Ilm. Sr. Dr. Henrique Cordeiro de Castro,
muito digno presidente da Associação Philantrópica de Emancipação
de Escravos. A. Carlos Gomes.
190

A partir da carta de Carlos Gomes, o dr. Cordeiro de Castro promoveu uma


reunião em sua residência, no dia seguinte ao recebimento da carta, objetivando
organizar as vendas dos bilhetes.
Tudo em vão. Pelo Diário de Notícias (21 De junho de 1883. p. 3), Carlos
Gomes comunicou não lhe ser possível realizar o espetáculo lírico que havia oferecido
em favor da emancipação dos escravos. Depois de tão sincera oferta, teve que desistir
de seu nobre intento. A fuga de um cantor, morte de cinco artistas da companhia,
récitas suspensas e muitos outros problemas, formaram um painel de agruras ao
empresário Carlos Gomes, que não pode realizar o que havia programado.

2.8.1 A febre amarela ronda o Theatro da Paz.


No Brasil os primeiros surtos da febre amarela surgiram no ano de 1685, em
Recife e Salvador. No Pará os primeiros registros datam de 1850, 165 anos depois de
aparecer no Nordeste. O surto de 1850 foi proporcionalmente grande, pois, tendo
Belém uma população de 16 mil habitantes, 12 mil foram contaminados. Em 1871
houve 154 óbitos em decorrência da doença. A mortalidade passou a oscilar nos anos
subsequentes entre médias relativamente pequenas em confronto com a entrada de
estrangeiros. Apenas de 1883 a 1887 elevou-se, passageiramente, o número de
vítimas. Os maiores surtos aconteceram no final do século XIX e nos primeiros anos
do século XX (Fraiha Neto, 2012).
Em Belém, no ano de 1883, havia um surto de febre amarela, visto que isso
está descrito na documentação da época, no entanto as autoridades relutavam em
admitir que a doença se espalhava perigosamente pela cidade. As justificativas para
pressionar os artistas da companhia lírica a não abandonarem o palco do Theatro da
Paz, ao que parece, não convenceram aos mesmos, principalmente os italianos. O
medo e o pânico começaram a se espalhar na companhia. O barítono Navarri seguiu
no vapor "Amazonas" sem passaporte, informou A Constituição (11 de junho de 1883,
p. 2). Em seguida o articulista do jornal opina que a atitude do artista se deveu à forma
como a empresa estava tratando da rescisão dos contratos propostos por eles e que
cinco artistas já tinham falecido, vítimas da febre amarela, o que justificaria o clima de
terror entre integrantes do elenco.
Se por um lado a equipe, vendo seus pares morrerem, preferiu rescindir os
contratos, por outro, a equipe de Carlos Gomes procurava a imprensa para minimizar
a situação, mostrando pedidos de certidão de óbitos dos artistas falecidos, o que, de
191

fato e contraditoriamente, demonstravam que se houve morte por febre amarela, pelo
menos um surto da doença estava acontecendo. Até aquele momento já tinham
falecido quatro artistas italianos: Elvira Franzini (corista, 34 anos), Angelo Contestabile
(músico da orquestra, 24 anos), Giuseppe Angesto (músico da orquestra, 24 anos) e
Thereza Monici (corista, 35 anos). As certidões de óbitos foram lavradas no dia 12 de
junho de 1883 e assinadas pelos médicos José Paes de Carvalho, Virissimo de Mattos
e Bueno Mamoré. Foram todos sepultados no Cemitério Santa Isabel. (A Constituição,
13 de junho de 1883, p. 2).
No dia 9 de junho, o Diário de Belém anunciou a greve deflagrada por vários
integrantes da companhia lírica. O jornal lista os nomes e suas respectivas funções.

Somos informados que os srs. Navarri, barítono brilhante, Calligaris,


prima dona soprano e Guardenti, primeiro tenor, acompanhados de
mais o dançarino Puricelli e os coristas P. Ettore, P. Benvemetta e os
músicos Rissi, Guermano, Giresti, Adami e Syalini, fizeram uma greve
tentando partir para a Itália sem haverem cumprido os seus contratos,
sob pretexto de atemorizados pela febre amarela (Diário de Belém, 9
de junho de 1883, p. 2).

O jornal acima citado, certamente a mando do governo e com pressão dos


empresários, afirmava que "não tem razão de ser esse temor; todos os anos aparecem
desses casos, que nenhum valor tem: um pouco mais de cuidado, algumas
prevenções higiênicas e tudo desaparecerá". Além de pressionar os artistas, o
governo através da imprensa criticou fortemente o primeiro baixo Tansini, que dias
antes recebeu presentes, em dinheiro inclusive, numa récita em seu benefício,
chamando-o de ingrato e abusivo. Tão forte foi a pressão que a greve acabou, mas a
temporada seguiu capengando.
O parecer do diretor da Inspetoria da Saúde Pública do Pará, João B.B.
Mamoré, exarado em 16 de junho e dirigido ao Visconde de Maracajú, presidente da
província, foi determinante para os acontecimentos seguintes. Assim ele opinou:
"Quanto à companhia lírica, visto o pânico de que se acha apoderada, sendo isto já
uma causa predisponente para a moléstia, julgo hoje mais prudente exonerá-la de
seus compromissos aqui, para que se retirem os que quiserem".
A temporada seguiu, desordenadamente, com a encenação de algumas
óperas, inclusive Il Guarany, levada à cena no dia 05 de julho. Ao que parece, a
reputação do maestro empresário não foi de todo abalada, pois esteve em um almoço,
no dia 25 de junho, oferecido em homenagem ao General Tibúrcio, herói da Guerra
192

do Paraguai, na casa do major Frederico Costa, onde apareceu acompanhado do seu


anfitrião, comendador Bento de Mello e participou da inauguração da estrada de ferro
de Bragança, no dia 24 de junho.

2.8.2 A exoneração do comendador Antônio Carlos Gomes.


E assim, de forma um tanto melancólica, acabou a aventura de Antônio Carlos
Gomes na capital paraense, no ano de 1883. Como forma de preservar a imagem do
maestro e poupá-lo de maiores dissabores, o presidente da província o exonerou de
suas responsabilidades, de acordo com o que se lê abaixo:

Atendendo ao que me requereu o empresário da companhia lírica,


comendador Antônio Carlos Gomes, resolvi dispensá-lo das
obrigações contraídas com a província, pelos motivos constantes da
minha portaria de 18 de junho último, que passo a transcrever: "O
presidente da província, atendendo ao que lhe requereu o maestro
comendador Antônio Calos Gomes, empresário da companhia lírica
italiana, que trabalha atualmente no Teatro da Paz e tendo em vista o
ofício do sr. Henrique Schivazappa, agente consular da Itália nesta
província, acompanhando uma representação dos artistas da mesma
companhia que reclamam a rescisão de seus contratos, visto reinar
nesta cidade a febre amarela; e considerando que, segundo informa o
dr. Inspetor da saúde pública, começa efetivamente a aparecer uma
epidemia da dita febre, de que já faleceram alguns artistas da
mencionada companhia; considerando que a maior parte dos artistas,
por esse motivo recusam-se ao cumprimento dos seus respectivos
contratos, pondo a empresa na impossibilidade de dar os espetáculos
anunciados, resolve, de acordo com o parecer do dr. Procurador fiscal
do tesouro provincial, exonerar o mesmo maestro, por motivos de
força maior, das suas obrigações com o governo das província.
(Relatório do Presidente da Província, General Visconde de Maracaju,
apresentada à Assembleia Provincial em 7 de janeiro de 1884, p. 123).

Em 16 de julho o hebdomadário "Correio do Norte", anunciou que no dia


anterior o maestro Carlos Gomes viajou para a Europa.
Vicente Salles, musicólogo e historiador, ancorado em suas vastas pesquisas,
relata em sua obra "A Música e o Tempo no Grão-Pará", às páginas 349, o resumo
do final da temporada lírica de 1883.

Enrico Bernardi, assume a direção de todos os negócios da


companhia e consegue levar a temporada até o final, salvando-a do
fracasso completo e do malogro que, em última análise, o público não
merecia. Afinal, a companhia é dissolvida e o grande fruto dessa
temporada é a fixação no Pará de diversos excelentes artistas, a
começar por Enrico Berardi, com seu filho Simone, Luigi Sarti, o
violinista spalla da orquestra, irmão do outro Sarti, que aqui estivera
193

em 1882 e que durante quase três décadas será o grande professor


de violino no Pará e, ainda, do baixo João Pedro Panário.

Muito ainda se poderia falar sobre o ano de 1883 e a presença, naquele ano,
em Belém, de Antônio Carlos Gomes, conhecido no mundo da época como maestro-
compositor e que em sua passagem pelo Pará, foi chamado de "empresário" e até
"comendador". Gomes retornaria ao Pará alguns anos depois. Esse será o conteúdo
do capítulo seguinte deste trabalho.
194

CAPÍTULO 3

CARLOS GOMES E O PARÁ REPUBLICANO.

3.1 O ano de 1895: o maestro em Belém, a temporada lírica e a ópera fosca no Theatro
da Paz.

Por dois anos seguidos - 1882 e 1883 - Carlos Gomes esteve no Pará, ainda
no tempo do império, como foi referido no capítulo anterior. Nessas duas viagens reviu
pessoas que tinha conhecido na Itália e em outras partes do mundo, fez novas
amizades e conheceu muita gente. Foi sempre muito bem recebido pelo povo. Não
restou nenhuma fresta de dúvida de que Carlos Gomes era benquisto por grande parte
da sociedade paraense, bem antes de sua primeira visita a Belém.
Após o ano de 1883, quando sua empresa lírica dissolveu-se, tendo o maestro
sido anistiado pelo presidente da província, o povo, sem conhecer as entrelinhas dos
contratos e dos fracassos, ainda manteve em seu memorial a vigorosa figura do
compositor internacionalmente aclamado. Doze anos se passaram e muitos
acontecimentos ocorreram na vida do maestro e de Belém, no entanto, o Pará não o
esqueceu. Haveria, independentemente de qualquer acontecimento adverso, muitas
pessoas no porto a esperá-lo em 1895, quando reapareceu em Belém.
Carlos Gomes, ao chegar a Belém, deparou-se com a cidade mais
movimentada culturalmente. A economia da borracha propiciara a instalação de
empresas inglesas, americanas e alemãs, dentre outras, que lidavam com a
arquitetura de ferro, bondes elétricos, iluminação pública e particular etc. Os bancos
internacionais dinamizavam o mercado financeiro. O fluxo de pessoas era grande,
movimentando clubes sociais, cafés concertos, programações de vaudeville, revistas,
operetas, e, no Theatro da Paz, a dramaturgia e a ópera iam à cena frequentemente.
Era a belle époque pulsante. No entanto Carlos Gomes conheceu somente uma parte
do desenvolvimento urbano que estaria por vir, quando seu amigo, Antônio Lemos,
assumiria a intendência de Belém concretizando o projeto arrojado de modernização
da urbe.

Vários outros acontecimentos marcaram o ano de 1895 como excepcional da


vida artística, política e cultural do Pará. A começar pelo 1º de janeiro, data da
195

instalação da Mina Literária65. Yara, a segunda ópera de Gama Malcher, foi colocada
no palco na temporada com bom elenco e espetáculos memoráveis. Finalmente,
Malcher resgatou, nessa temporada, a amizade de Carlos Gomes, ao aceitar o convite
para voltar ao Pará, pela terceira vez, para assistir à apresentação da Fosca. Carlos
Gomes voltou e viveu três meses em Belém, cercado de atenções. Recebeu muitas
homenagens e o convite para dirigir o Conservatório de Música do Pará (Salles, 2005,
p. 99).

Personagens novos surgiram para, com os velhos conhecidos, construírem


uma morada definitiva com trabalho, atenção e novas homenagens ao combalido
maestro-compositor. Com sua chegada em Belém, no dia 03 de abril de 1895, para a
sua penúltima visita ao Pará republicano, começava a se desenhar na história da
música do Pará e de Carlos Gomes, um caminho rumo a um porto seguro onde
pudesse estabelecer-se e construir uma existência mais segura e feliz. Assim viveu
seus dois últimos anos: 1895 e1896.

Escrever-se-ia um libreto com dois atos e um final infeliz.

O Diário de Notícias (04 de abril de 1895, p.1), no dia seguinte à chegada do


maestro, publicou na primeira página.

No vapor Sobralence, chegado ontem veio o eminente e insigne


maestro Carlos Gomes. Ao seu desembarque compareceram muitas
pessoas gradas, que foram buscá-lo a bordo do referido vapor, no
cruzador Caçador e lanchas da alfândega, festejando-se assim o
laureado brasileiro que tem enriquecido o nosso nome no estrangeiro
equiparando-se à Verdi, Donizetti, Bellini e outras sumidades da
sublime arte.

Novamente no porto, nas ruas, no teatro e na imprensa, as mesmas oferendas


poéticas e demais "mimos". Nessa viagem, Carlos Gomes não assistiria somente à
temporada lírica e às reuniões sociais que sempre terminavam em fartas homenagens
a ele. Os novos contatos, principalmente com o governo republicano, colocaram em
sua bagagem de volta uma promessa: retornar no ano seguinte para dirigir o
Conservatório da Academia de Belas Artes.
O Diário de Pernambuco (16 de abril de 1895, p. 2) reproduziu matéria do jornal
paraense A Província do Pará, com a descrição dos primeiros momentos de Carlos

65Associação voltada para a literatura, discussões intelectuais e difusão da produção literária na


Amazônia.
196

Gomes na capital paraense, no ano de 1895. Os fatos narrados mostram que A


Província do Pará concentrou as atenções enviando a lancha Tarauacá ao encontro
do vapor onde estava Carlos Gomes, para demonstrar que, a mando de Antônio
Lemos, o maestro deveria ficar sob os cuidados daquele jornal. Para tanto, enviou
para saudar o compositor, o jornalista Marques de Carvalho e o maestro Gama
Malcher. O maestro Gomes embarcou nessa lancha com a grande comitiva que o
acompanhava.
No desembarque, Marques de Carvalho pronunciou o primeiro discurso de
saudação ao maestro.

Maestro – População de Belém – Acho-me neste posto de honra


comissionado pela Província do Pará - esse esforçado propugnador
de todos os grandes ideais, esse animador extremo de todas as
esperanças justas – para receber e saudar (apesar de ser eu um dos
seus mais obscuros redatores) à maior glória musical americana, em
gozo de uma alta reputação no mundo artístico europeu – na porta
dessa terra que é nossa, nos umbrais do norte da gloriosa nação
brasileira, na entrada desta futurosa região, cujo nome, cheio de
porvir, ilumina, enobrece e fortifica o frontispício do primeiro órgão da
opinião política no norte da união brasileira ( A Província do Pará, 04
de abril de 1895).

Segundo o jornal paraense acima citado, o maestro, após os abraços e


generosas saudações do público, solicitou que a comissão o levasse até a redação
do jornal, onde foi recebido pelo senador Antonio Lemos. Esse seria o primeiro
encontro de muitos outros que o maestro teria com Antônio Lemos, uma das figuras
centrais no desenrolar dos acontecimentos daquele momento em diante. Para animar
ainda mais o encontro, uma banda de música tocava a frente do jornal A Província do
Pará.
Após o encontro com o futuro intendente de Belém, foi oferecido ao maestro
um almoço no Hotel dos Estrangeiros. Terminada a refeição, Carlos Gomes foi levado
até o palácio do governo, para ter o primeiro encontro com Lauro Sodré (fig. 74), então
governador do estado do Pará. Na continuidade da narrativa do jornal "A Província do
Pará", o maestro, ao chegar ao palácio, foi recebido pelo sr. Capitão Meirelles,
ajudante de ordens do governador. Após os primeiros cumprimentos formais, o
maestro, acompanhado do Dr. Virgílio Sampaio, o presidente da Associação Lyrica
Paraense maestro Gama Malcher e João Malcher, diretor da mesma associação, foi
ao encontro do governador.
197

Figura 74 Governador do Pará Lauro Sodré.

Fonte: Sodré (1970, p. 4).

Os visitantes foram recebidos no gabinete especial do Governador que,


logo depois dos primeiros cumprimentos, saudou o chefe da música brasileira,
congratulando-se pela sua chegada a terra aonde, provavelmente, regeria algumas
óperas do seu belo e vigoroso repertório.
Carlos Gomes pronunciou-se respondendo que muito se orgulhava em
mais uma vez pisar em terras paraenses, aonde, sabia ele, cultivava-se a música
sinceramente, com amor, destacando os vultos musicais de Gurjão, Malcher, Idália e
Aidé França e onde também, corajosamente, trabalhava-se para o engrandecimento
da linguagem dos sons.
O maestro Malcher aproveitando o ensejo, disse a Carlos Gomes que
felizmente para os artistas paraenses, ocupava a cadeira de Governador do Pará, um
homem como Lauro Sodré, a quem ele devia a exibição de sua Yara, como em 1890
o Dr. Justo Chermont fez com que representasse no Theatro da Paz o seu primeiro
trabalho, Burg-Jargal.
198

Após esses dois encontros históricos com Lemos e Sodré, Carlos


Gomes descansou da longa viagem, comparecendo no dia seguinte no Theatro da
Paz, onde foi recepcionado pelo público paraense.
O Theatro da Paz, que havia passado por uma reforma no final da
década, inaugurou mais uma temporada lírica66. Páscoa (2006, p. 117) fala dessa
temporada.

Em 1895 uma nova estação se afigurou no calendário do Theatro da


Paz e começou uma semana mais tarde do que no ano anterior. Desta
vez a Associação Lyrica Paraense comissionara a empresa Alzatti &
Villa para organizar o elenco e produzir as óperas. Como novidade
estava novamente envolvido o maestro Gama Malcher, que veria
estreada nova peça sua, a segunda, durante a estação. Além da ópera
do autor paraense, o público do Theatro da Paz reencontrar-se-ia
neste ano com Carlos Gomes, por quem nutria admiração
excepcional. O compositor teria ainda a grata satisfação de ver
estreada em Belém outra de suas obras, a Fosca, que obtivera carreira
modesta quando da criação, mas fora revisada e reestreada
recentemente na Itália (1890), tentando agora obter maior difusão.

Imbuídos das lembranças dos anos de 1882 e 1883, a sociedade


paraense aguardava com grande expectativa o momento de rever o maestro Carlos
Gomes. Esse encontro ocorreu na noite da exibição da ópera Cavalleria Rusticana,
de Pietro Mascagni, no dia 04 de abril, quando ele foi ao Theatro da Paz, iluminado e
preparado para receber o maestro, ao som de duas bandas de música
estrategicamente posicionadas à frente do teatro.
O jornal Diário de Notícias, na edição do dia 06 de abril de 1895, na sua
primeira página, manifestou-se festivamente:

A noite de anteontem foi a mais feliz dessa temporada lírica: enchente


real, animação geral e desempenho regular. É que todos
congregavam-se para render uma homenagem justa à soberania de
um talento; é que todos disputavam saudar ao gênio que tem
arrebatado com as suas composições musicais e conquistado a
admiração do mundo. Duas bandas de música tocavam à entrada do
teatro, que estava iluminado à capricho; e logo que o festejado
maestro apareceu no camarote da Empresa, o povo, não podendo
mais conter o entusiasmo que o dominava, rompeu em calorosas e
prologadas palmas.

66Para saber mais detalhes sobre as temporadas líricas do Theatro da Paz, ver: PÁSCOA, Márcio.
Cronologia Lírica de Belém. Belém: AATP, 2006.
199

Como era de se esperar e tendo a plateia a expectativa de vê-lo novamente no


pódio, Gomes dirigindo-se à orchestra, recebeu do regente da ópera a batuta e regeu
a abertura da ópera Salvator Rosa. Uma noite festiva, grandes aplausos, muitos
"bravos" e "vivas" dados ao maestro, sendo impossível descrever a alegria e o orgulho
que se salientavam em todos os corações, relata o referido jornal.
Cantou-se, depois, a Cavalleria Rusticana e os artistas sentindo-se elevados
pela presença de Carlos Gomes, deram ótimo desempenho à ópera, cujo intermezzo
final foi bisado a pedido, sendo todos aplaudidos, inclusive o professor Armani.
Depois, sob a regência do maestro Carlos Gomes, deu lugar à sinfonia do Guarany,
que foi bisada em meio das maiores palmas, vivas e flores. Foi o maestro por diversas
vezes chamado à cena (Diário de Notícias, 06 de abril de 1895).
No fim de semana seguinte, nos dias 06 e 07 de abril, o público paraense
assistiu a duas importantes óperas do repertório mundial: a Aida, de Verdi e La
Gioconda, de Ponchielli. No Domingo, Carlos Gomes foi novamente ao teatro assistir
La Gioconda. Instado a vir novamente à frente da orquestra o maestro regeu a
abertura de Il Guarany, como sempre, de cor.

No dia 13 de abril, à véspera da estreia da Fosca, a ópera de Carlos Gomes,


atração da temporada de 1895, o tabloide O Mosquito publicou uma série de nove
caricaturas de Carlos Gomes, ajuntadas num quadro, intitulado de "Regência Musical
Fim de Século" (fig. 75), de autoria de David Osipovitch Widhopff67. Cada uma das
caricaturas veicula uma mensagem, ora mostrando o maestro empolgado e dominante
frente à orquestra, ora raivoso exigindo atenção, ou prostrado sobre a estante de
partituras. Sem piedade Widhopff também faz ver o maestro envelhecido e pedinte
frente ao público e músicos indiferentes. Ao que parece Widhopff intenta mostrar o
maestro em suas várias facetas conhecidas nos ensaios, na direção da orquestra e
no convívio social.

67Widhopff foi selecionado em Paris e contratado pelo Governo do Estado em 1893, para reger as
cadeiras de pintura e desenho do Lyceu Paraense e da Escola Normal. Russo de nascimento, quando
chegou a Belém já era um experiente artista plástico. Seu olhar aguçado se refletiu no papel, através
de caricaturas, um tanto poéticas, humoradas ou satíricas.
200

Figura 75 Quadro com caricaturas de D. Widhopff, mostrando C. Gomes sob vários aspectos.

Fonte: "O Mosquito". Belém – Pa. Publicado em 13.04.1895.

No dia 14 de abril, sábado, estreou a Fosca, ópera até então desconhecida do


público paraense. No dia seguinte foi repetida a récita. Consta que Carlos Gomes
acompanhou os ensaios, tal como fez das outras vezes em que esteve no Theatro da
Paz, sempre atento para que tudo acontecesse a contento.
O Diário de Notícias (16 de abril de 1895, p. 1) manifestou-se positivamente ao
desempenho dos protagonistas da ópera, à orquestra e ao fato de Carlos Gomes ter
acompanhado os ensaios.

Nas duas representações foi um acontecimento o desempenho da


ópera pelos principais artistas que porfiaram em abrilhantarem a
monumental partitura do nosso compatriota, dando-lhe a verdadeira
execução para o que contribui assim, assistindo os ensaios o imortal
maestro brasileiro. Depois da orquestra executar a sinfonia,
começaram os estrepitosos aplausos a Carlos Gomes e aos artistas,
sendo chamados à cena acompanhados do maestro e saudado com
delírio. É impossível descrever o entusiasmo que reinou nas referidas
noites de espetáculos, pelo que, ainda uma vez saudamos a Carlos
Gomes.
201

A ópera Fosca, com libreto de Antonio Ghislanzoni, desde sua estreia no Teatro
Alla Scala de Milão, em 16 de fevereiro de 1873, sempre causou inúmeras discursões
entre os críticos e o público, somando-se a estes, os editores e empresários.
Marcos Góes, em "Carlos Gomes: a força indômita" (1996) aventa e, de certa
forma, afirma a possibilidade de que Amilcare Ponchielli, com o libreto de Arrigo Boito,
tenha feito a sua Gioconda à imagem e semelhança da Fosca de Gomes. Assim como
houve uma polêmica entre as óperas Lo Schiavo, de Gomes e Bug-Jargal, de Gama
Malcher, Góes afirma que "uma das sombras mais esquivas que se alonga sobre a
carreira de Carlos Gomes é a semelhança, sempre citada entre dentes como segredo
de alcova, das características musicais da Fosca e de La Gioconda" (1996, p. 211).
Como Ponchielli compôs sua obra três anos depois da Fosca, Góes faz uma longa
análise, em seu livro, para demonstrar a influência da música de Gomes sobre a de
Ponchielli.
A discussão acima citada é só um dos exemplos dos diversos episódios
envolvendo a Fosca, principalmente por aqueles que se incomodaram com a
influência wagneriana sobre a estética composicional dessa obra. Alguns afirmaram,
por outro lado, que a ópera Salvator Rosa, surgiu como um recuo estético, com fins
de agradar aos editores e ao público insatisfeitos com a guinada alla tedesca de
Fosca.
A Fosca foi encenada novamente nos dias 18 e 19 de abril. A récita do dia 19
foi denominada de "festival consagrado ao grande maestro brasileiro". No Diário de
Notícias (21 de abril de 1895, p.1), foram publicados comentários carregados de
elogios e metáforas.

"Carlos Gomes é o Condôr (sic) que esvoaça pelo céu universal; e


assim como o abscuro (sic) eremita, depois de excitar a admiração de
Rubens com o seu famoso quadro do monge morrendo, lançou ao rio
os pincéis e as tintas para subtrair-se a uma posteridade importuna,
assim ele despreza a admiração do mundo para com o prestígio de
seu talento, dizer para a sua Pátria: a glória é só tua!".68

68
A citação acima serve para dar um exemplo das inúmeras frases, acrósticos, poemas, sonetos,
discursos e demais manifestações verbais e escritas que os paraenses dedicavam à Carlos Gomes,
desde que as primeiras notícias de seu sucesso na Europa e as suas primeiras músicas chegaram em
Belém. Tudo fartamente documentado nos jornais, almanaques, revistas, folhetins e demais meios de
difusão de ideias e até em documentação oficial. Isso tudo no plano literário. Na área musical foram
dedicadas valsas, marchas e demais gêneros. No campo da associatividade foram criadas associações
mutualísticas, filantrópicas, beneficentes, euterpes, clubes musicais e muitos outros.
202

Como era de se esperar em dia tão festivo, o teatro estava lotado. Duas bandas
de música faziam-se ouvir na porta e nos terraços laterais do teatro decorado e
iluminado. Anunciada a entrada do Governador do Estado, com o hino nacional, logo
em seguida, a orquestra regida pelo maestro Armani deu início ao espetáculo, com a
abertura da Fosca. O desempenho do 1º ato pelos artistas, assim como de toda a
ópera, foi interrompido continuadamente por palmas e vivas, salientando-se nesse
desempenho o barítono Archangeli, o tenor Cepi, o baixo Nicoletti e as mademoiselles
Politova e Raimunda da Costa, que mostravam os maiores desejos de revelarem ao
público o orgulho de que estavam possuídos por terem entre si o grande maestro
(Diario de Notícias, 21 de abril de 1895, p. 1).
O mesmo jornal continuou a narrativa:

Terminado o 1º ato, foi Carlos Gomes chamado à cena muitas vezes,


recebendo nessa ocasião, debaixo de uma chuva de flores, uma coroa
de louros belíssima oferecida pelo maestro Malcher e um rico bouquet
pelo maestro Armandi. Durante o 2º e 3º atos, foi o laureado C. Gomes
chamado muitas vezes a cena, tocando ao delírio as ovações
recebidas. Em uma dessas ocasiões a empresa Pery & Coelho
ofereceu-lhe uma coroa e uma bandeira, a diretoria da Associação
Lyrica Paraense, um bonito estojo com as capas de prata, o Senador
Lemos, uma abotoadura de brilhantes e o Barão de Cametá, um rico
bouquet de flores naturais. Também recitaram poesias os srs.
Eustáquio de Azevedo e Maia Filho, sendo muito aplaudidos. No fim
do 4º e último ato, repetiram-se as ovações, sendo Carlos Gomes, no
meio de flores e vivas, vitoriado pelo povo, que se levantava para
unicamente cair aos pés do Brasileiro (sic), que é a honra e orgulho
nacional. O Diário de Notícias, presente nesta festa, ainda uma vez se
curva diante do vulto homérico de seu compatriota, concluindo, brada:
Viva Carlos Gomes!

Outro articulista do Diário de Notícias, (24 de abril de 1883, p. 2) considerou a


Fosca "dificílima", mas suaviza a crítica dizendo que a obra é "bela, belíssima,
soberba" e que "os artistas principais estiveram no desempenho todo da peça, numa
altura rara, em uma música tão escabrosa", principalmente na récita do dia 19 de abril,
em benefício de Carlos Gomes.
O mês de maio de 1895 foi, ainda mais dedicado à presença do maestro-
compositor Carlos Gomes. Durante a temporada daquele ano, mesmo em dias que a
encenação era de uma ópera de outro compositor, acontecia uma homenagem ao
maestro, inclusive com a assistência pedindo sua presença frente à orquestra.
203

No dia 1º de maio, a récita de Lucia di Lammermoor, de Gaetano Donizetti, foi


oferecida ao maestro Giacomo Armani, o regente da orquestra da Companhia Lírica.
Nessa noite brilhou em cena a soprano Raimonda Da Costa, que foi generosamente
aplaudida. Armani, nessa época em início de carreira, ainda pode apresentar-se, no
intervalo do 3º para o 4º ato como compositor, regendo sua obra, denominada de
"Prelúdio Descritivo". Assim como todos os beneficiados, o maestro Armani recebeu
diversos "mimos": O Diário de Notícias (03 de maio de 1895, p. 1), descreve:

Foram-lhe oferecidos diversos presentes, entre os quais notamos os


seguintes: um relógio de ouro com chatelaine pela signorina Politoff,
uma abotoadura de ouro e uma fotografia em moldura pelo tenor
Ceppi, um alfinete de ouro pelo sr. Vicente Miranda, um chatelaine de
ouro pelas signorinas Sartori e Bottero, um alfinete de ouro e uma
escrivaninha de prata pelo barítono Archangeli, uma carteira
marchetada de prata pelo baixo Nicoeleti, uma carteira de prata para
fumo pelo baixo Scolari, um estojo de prata para mesa pela signorina
Raimonda Da Costa, uma piteira de âmbar pelo sr. Azevedo, um álbum
pelo sr. Treviason, uma lapiseira de outo pelo sr. Alzatti e um bouquet
de flores naturais pelo maestro Malcher.

Abrilhantando a récita em homenagem ao maestro G. Armani, estiveram no


teatro o Governador do Estado, dr. Lauro Sodré e o maestro Carlos Gomes.
Os presentes sofisticados que o maestro Armani recebeu naquela noite,
refletem um costume da época, quem sabe uma estratégia de marketing, ou até um
crowdfunding daquele tempo, onde se procurava, através da economia colaborativa,
atingir objetivos e interesses comuns. As denominações de "festas artísticas" ou
"noites de benefícios", explicavam essas ações que objetivavam angariar fundos para
complementar a renda dos artistas e até colaborar com alguma ação redentora, ou
contribuir com algumas instituições.
O fim de semana, 04 e 05 de maio, foi dedicado ao compositor paraense José
Cândido da Gama Malcher. Como se previra, a segunda ópera de Gama Malcher,
Yara, obteve êxito junto à assistência paraense, lotando não só a noite da estreia e a
seguinte, mas também a de 09 de maio, em que foi levada em benefício do compositor
(Páscoa, 2006, p. 123). O Diário de Notícias (08 de maio de 1895, p. 1) opina que o
desempenho, na estreia, correu regularmente, sendo o autor chamado à cena no fim
de cada ato, no meio das mais calorosas palmas.
Um cartaz publicado no Diário de Notícias (04 de maio de 1895, 2), traz a
informação de que os cenários da ópera Yara são novos e que o libreto escolhido,
204

baseado numa lenda amazônica, é inédito, fazendo com que a obra seja uma "grande
novidade musical".
O jornal O Diário de Notícias (08 de maio de 1895, 1) publicou um texto do
poeta Paulino de Brito, responsável pelas críticas artísticas do jornal O Mosquito, que
analisou a ópera, seu enredo e o desempenho da montagem que apresentou a
segunda ópera de Gama Malcher ao público paraense. Assim disse:

Canta-se hoje à noite, pela primeira vez, a nova ópera do maestro


Malcher. O enredo é extraído de uma das mais poéticas lendas
amazônicas. Na linguagem inculta, porém singela, do povo, Yara, quer
dizer a feiticeira que habita o fundo dos rios, em palácios encantados;
as mães receiam d'ela porque atrai os meninos e torna doidos os
rapazes. [...] Ao maestro Malcher não lhe custou trasladar para o
italiano a lenda que forma o libreto da Yara: encontrou-a já adaptada
à sonorosa língua de Dante, por um poeta distintíssimo que é ao
mesmo tempo um dos infatigáveis exploradores das nossas regiões,
O Conde E. de Stradelli. [...] Como quer que seja, a nova ópera do
compositor paraense se, como ouvimos em ensaios, julgamo-la filiada
à escola moderna, há de forçosamente agradar.

Alguns dias depois da última récita da Yara, o jornal O Mosquito publicou mais
uma caricatura (fig. 76), dessa vez tendo o maestro Carlos Gomes como figura central.
A partir do epíteto com o qual o maestro Gomes ficou conhecido no mundo da época,
testa di leoni, Widhopff, o desenhista russo, colocou o maestro na posição de um velho
felino que carrega seus filhotes, ou "pequerruchos", como está na legenda da
caricatura: "vovô e seus pequerruchos". O desenhista, com seu traço criativo, deixa
margem para várias interpretações, pois de um lado apresenta o maestro com o rosto
sofrido, ao mesmo tempo o mostra com pleno domínio sobre dois dos maiores
músicos da época, José Cândido da Gama Malcher e Clemente Ferreira Junior,
ambos muito próximos dele.
205

Figura 76 Caricatura onde Widhopff apresenta Carlos Gomes ao modo de um felino carregando
os filhotes.

Fonte: Capa de "O Mosquito", ed. de 13 de abril de 1895, ano I, nº 3. Acervo Vicente Salles do Museu
da UFPA.

No dia 07 de maio, a Fosca foi encenada, dessa vez em benefício de Anna


Politoff. O Diário de Notícias (07 de maio de 1895, p. 1) anunciou:

Anna Politoff - É hoje que realiza seu benefício esta distinta prima-
dona da companhia que ora trabalha no Theatro da Paz. Canta-se a
Fosca de Carlos Gomes, cuja sinfonia será por ele regida,
estendendo-se para este fim a batuta, o talentoso maestro Armani.
Auguram-se uma noite cheia de flores e aplausos, como recompensa
de seu talento e do quanto procurou agradar à nossa plateia.
206

Mais uma vez Carlos Gomes participou ativamente de uma noite lírica. Embora
o diretor artístico da temporada fosse o jovem maestro Armani, Carlos Gomes teve
uma participação efetiva nos bastidores, juntamente com Gama Malcher. Nessa noite,
em benefício de Anna Politoff (ou Politova, provável sobrenome de casada), a ópera
Fosca iniciou sob a direção de Gomes, que regeu a abertura.
Não é usual que um regente de ópera ceda seu pódio para outro regente,
mesmo que este seja o compositor da ópera. De passagem pode-se dizer, que nem
todos os compositores se revelam bons regentes, mas nesse caso era o maestro-
compositor Antônio Carlos Gomes, que mesmo acabrunhado e sofrendo as maiores
dificuldades em seu penúltimo ano de vida, foi convidado para reger a sinfonia de sua
ópera, quando foi bastante aplaudido.
Novamente o jornal O Mosquito enviou representantes ao teatro. Lá estava
Widhopff, atento aos acontecimentos, um tanto encantado pelos talentos da prima
dona Politova, sua compatriota. O registro alegórico da figura de Politova, feito num
desenho que envolve a figura de Carlos Gomes, como se ele estivesse num mar
agitado, brandindo sua batuta, submisso a uma impassível musa euterpe, ali vestida
de Fosca. Ao lado da alegoria um poema com frases exaltando sua sensibilidade de
artista, tal qual a simbologia das flores que envolvem sua cabeça.
Assim ele viu a prima dona Anna Politova, intérprete da Fosca.
207

Figura 77 Caricatura de Anna Politova e Carlos Gomes por D. Widhopff, desenhada na noite de
seu benefício, 7 de maio de 1895.

Fonte: O Mosquito, nº 6, maio de 1895.

Aparentando boa saúde e muita disposição, Carlos Gomes novamente regeu a


orquestra da companhia lírica no dia 18 de maio de 1895, acompanhando a prima
dona Maria de Nunzio, na Ballata do Il Guarany, no intervalo da récita da Aida de
Verdi, em mais uma noite de benefício, desta vez em prol da soprano citada. Era mais
uma participação de Gomes, com intuito de contribuir com alguma ação beneficente.
208

Carlos Gomes, em Belém e em outros lugares do Brasil e do mundo, também


foi aquinhoado com muitos presentes, benefícios ou "mimos", como a imprensa de
Belém gostava de noticiar.
No domingo, 26 de maio de 1895, preparou-se um "Festival a Carlos Gomes".
A comissão formada para promover o evento foi formada por pessoas que conheciam
o maestro e tinham por ele grande admiração. Eis a comissão:
Antonio José de Pinho, João Lúcio d'Azevedo, Augusto Camarinha, Francisco
Antonio Pereira Junior, Joaquim Theodoro Bentes e Manuel Augusto Marques.
Antes de falar sobre o "festival a Carlos Gomes", é importante traçar
comentários sobre alguns dos membros dessa comissão. Todos os integrantes
destacavam-se no Pará, em suas atividades, deixando marcas que até hoje são
reconhecidas na sociedade paraense.
O Comendador Antonio José de Pinho, comerciante português, usufruiu dos
faustos da borracha, tendo deixado um dos palacetes mais icônicos da capital
paraense, o "Palacete Pinho", situado no bairro da Cidade Velha, área antiga da
cidade. Na inauguração do referido solar, em 1897, a cidade assistiu a um de seus
mais belos saraus, onde desfilou a moda parisiense e londrina, importadas com
exclusividade para a elite elegante de Belém, tanto feminina como masculina. Em
seus salões reuniram-se com frequência orquestras, artistas nacionais e estrangeiros,
para promover concertos de cravo e piano, grandemente concorridos (Alves da Silva,
2005, p. 21).
João Lúcio d'Azevedo é considerado, tanto no Brasil como em Portugal, um dos
grandes nomes da historiografia luso-brasileira, sendo um dos especialistas na
história da Companhia de Jesus no Brasil, tendo entre suas publicações "Os Jesuítas
no Grão-Pará", “História do Padre Vieira”, entre outros títulos. Seu nome dá título à
Cátedra João Lucio de Azevedo, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em
História Social da Amazônia e à Pró-reitoria de Relações Internacionais da
Universidade Federal do Pará, que objetiva estreitar laços de cooperação entre
instituições de pesquisas, brasileiras e portuguesas.
Manuel Augusto Marques pode ser considerado como um dos personagens
paraenses que teve uma estreita relação de amizade com Carlos Gomes. A ele
Gomes recorreu em momentos de grandes dificuldades, quando o maior desejo do
209

maestro era ter trabalho e dignidade no Brasil. Exemplo disso é a carta abaixo, escrita
quando o maestro estava na Bahia, após a temporada paraense de 1895.

Bahia, 17 de agosto de 1895. Meu querido Marques: Quantas vezes


em tua vida, escrevestes longas cartas, sem papel nem lápis? Pois
esse fato deu-se ultimamente comigo, tendo-te escrito ... com o
pensamento ... Tu tens mais o que fazer do que ler longas cartas, e
por isso mesmo eu penso dividir o teu trabalho, lendo algumas linhas,
como o avant-garde de outra, que te escreverei, estando a bordo do
vapor alemão "Paraguassu", no qual vou embarcar para Lisboa, a 20
do corrente. Da capital portuguesa, seguirei por terra (que cacête) até
Milão. Não há vapores para o Mediterrâneo, nessa terra, e nem
mesmo de Lisboa para aqueles portos! A minha necessidade de
chegar, quanto antes, a Milão, já sabes, é causada pela demora, talvez
involuntária, dos governos da Itália e do Brasil, na solução a respeito
do recrutamento do meu filho Carletto, que é brasileiro. Valha-nos
Deus. O bom projeto é o de colocar o meu rapaz na fronteira francesa
– em Nice, por exemplo, até que seja liquidada a questão; mas o
Carlos Gomes Junior não bota a farda, nem que o Ministério da Guerra
chore macarrão. Meu bom Augusto Marques, tenho tanta coisa para
te dizer, e, entre elas tenho infinitos agradecimentos a te fazer pela tua
infinita bondade ... Nada me foge, nada passou, sem que eu notasse
nas tuas inúmeras finezas! Li e reli todo o teu trabalho, para o meu
benefício; sou-te, deveras, um eterno devedor. Tenho, porém, íntima
satisfação em te dever aquilo que não se paga com moeda, pois tu és,
verdadeiramente uma boa alma. Termino aqui, abraçando-te com a
inteira família, e augurando a todos a maior felicidade. Até breve.
Sempre o teu grato amigo. – Carlos Gomes. P.S. Carletto recebeu em
Milão mais 237 francos (além dos cinco mil francos). (Boccanera
Junior, 1913, pp. 254-255). (grifos do autor).

Quando Carlos Gomes expressou em sua carta "Li e reli todo o teu trabalho
para o meu benefício", queria, por certo, falar indiretamente sobre a participação de
Augusto Marques na comissão que organizou o "Festival a Carlos Gomes", cuidando
para que os valores citados na carta pudessem ser enviados para a Itália,
provavelmente para o Carletto. Provavelmente esses valores se referiam, pelo menos
em parte, ao arrecadado no "Festival a Carlos Gomes", pois Augusto Marques
anunciou no Diário de Notícias (29 de maio de 1895, p. 2), "aos cavalheiros que
aceitaram bilhetes para o concerto realizado no último domingo, a finesa de enviarem
suas generosidades ao escritório M. A. Marques & Cª, à rua João Alfredo, 81". Manuel
Augusto Marques, além de comerciante de borracha, era cidadão influente no meio
político e empresarial do Pará e presidente do Conselho Fiscal do Grêmio Literário
Português, associação onde os portugueses e descendentes congregavam em
Belém.
210

Voltando, então, para o "Festival a Carlos Gomes". O Diário de Notícias


proclamou: "No domingo à noite (26 de maio) realizar-se-á no Theatro da Paz um
brilhante festival musical em benefício do grande maestro brasileiro Carlos Gomes"
(Diário de Notícias, 23 de maio de 1895, p. 1). Eis o programa (fig. 78):

Figura 78 Anúncio do Festival a Carlos Gomes.

Fonte: Diário de Notícias, 25 de maio de 1885, p. 2.

Com a presença do Governado do Estado, o Theatro da Paz esteve


lotado na noite de domingo, 26. Carlos Gomes dirigiu o concerto que teve algumas
performances interessantes. Embora nem todas as peças divulgadas pela imprensa
tivessem sido executadas, pois a cantora De Nunzio e uns poucos artistas não
compareceram ao teatro, o público compareceu e não houve nenhum dano ao
espetáculo.
211

Figura 79 Litografia de Carlos Gomes, distribuída por ocasião do "Grandioso Festival" em seu
benefício, ocorrido no Theatro da Paz em 24 de maio de 1895.

Fonte: Coleção Vicente Salles

Das peças de câmara se destacaram a "Fantasia" para Flauta, composta e


interpretada pelo flautista Roberto de Barros; Ária do Salvator Rosa, pelo cantor
amador dr. V. Miranda; "Fantasia" para violino com Mme. V. Block e a "Fantasia" para
harpa pela artista espanhola E. Cervantes. A cessão de seis pianos pelo sr. François
de Saint-Géran, da antiga Casa Wacker, fez com que a noite fosse abrilhantada por
duas obras para piano a 24 mãos, tocadas por duplas de pianistas em seis pianos:
"Hilaridade", do maestro Henrique Gurjão e a "Tarantella" de Gottschalk. Essas obras,
executadas naquela noite dedicadas ao maestro Gomes, colocou em evidência um
dos mais proeminentes músicos paraenses, o compositor e professor de piano,
212

Clemente Ferreira Junior, pois doze alunas suas apresentaram-se no concerto,


executando as duas obras citadas. Entre elas estava a compositora Cecilia Ierecê de
Lemos, autora da valsa "Artes e Ofícios Na Amazônia", instrumentada por Carlos
Gomes, sobre a qual seguirão detalhes mais adiante.
A parte sinfônica da noite, com a orquestra sendo regida por Carlos Gomes,
teve as seguintes obras: Prelúdio da ópera Condor, Valsa "Artes e Ofícios na
Amazônia", "Marcha Trunfal", de Alípio César (bolsista do governo do estado na
Europa) e a Abertura da ópera Il Guarany.
Uma noite de homenagens, muitos aplausos e, como de costume, muitos
"mimos", sendo o mais relevante deles, a quantia arrecadada e enviada para a Itália,
pelo tesoureiro do concerto, o comendador Manuel Augusto Marques.
Gomes também procurava retribuir as atenções e benefícios que recebia, por
onde passava. Carlos Gomes dirigiu e cedeu seu nome para um "Grande concerto
vocal e instrumental" (fig. 80) na noite dia 04 de junho de 1895, em benefício da
Sociedade Beneficente dos Trabalhadores de Mar e Terra da Amazônia", uma das
inúmeras sociedades mutualistas que existiram na época da belle époque amazônica.
Um evento "sob os auspícios e direção do maestro Carlos Gomes".
Pelo anúncio publicado no Diário de Notícias, pode-se vislumbrar o círculo de
amizades que Carlos Gomes construiu em Belém do Pará. Seguindo um hábito
comum naquele período, formou-se uma "Comissão de Harmonia" para levar a efeito
o concerto: Maestro Carlos Gomes e os Professores Roberto de Barros, Clemente
Ferreira e Manoel Pereira de Souza.
213

Figura 80 Anúncio do "Grande Concerto Coral e Instrumental".

Fonte: Diário de Notícias. 04 de junho de 1895, p. 2.

No repertório da noite constavam hinos, árias, fantasias instrumentais, entre


outras obras. Do compositor Henrique Gurjão, a abertura da ópera Idália e de Carlos
Gomes, uma marcha da ópera Salvator Rosa, para piano a quatro mãos.
Um momento especial na estação lírica de 1895 ocorreu na noite de 03 de maio
quando, no intervalo do 1º para o 2º ato de Um Ballo in Maschera seguindo o costume
de ter alguma atração musical, a orquestra do teatro executou, "sob a hábil batuta do
214

gênio musical, o 'cabeça de leão Carlos Gomes', a valsa "Artes e Ofícios na


Amazônia", composição da exma. sra. D. Ierecê Lemos, transcrita para orquestra
sinfônica pelo compositor campinense, tendo sido bisada e muito aplaudida. Após a
apresentação da valsa, Gama Malcher e Carlos Gomes subiram ao camarote onde
estava a jovem compositora para felicitá-la vivamente (Diário de Notícias, 5 de maio
de 1895, p. 2).
Naquela noite foi levada à cena, pela última vez, a ópera Um Ballo in Maschera,
de Verdi, comemorando o descobrimento do Brasil e em benefício do Lyceu de Artes
e Ofícios, Benjamin Constant. O teatro estava totalmente repleto. A concorrência foi
tal que até os camarotes de proscênios, que poucas vezes são vendidos, achavam-
se ocupados. A ópera teve o desempenho o mais satisfatório possível e a opinião
corrente era que se todas as montagens tivessem sido assim, o teatro estaria sempre
lotado. (Diário de Notícias, 5 de maio de 1895).
No primeiro capítulo deste trabalho, em referência ao francesismo na belle
époque paraense, citou-se um trecho de uma carta de Carlos Gomes a respeito de
uma valsa composta pela mademoiselle Ierecê de Lemos. Mostrou-se que a partitura
da citada valsa, arranjada para piano a quatro mãos, alcançou valor de mercado maior
que a própria edição da autora. Tópicos dessa carta se encontram na obra do
historiador Ignácio Moura, intitulada "A Exposição Artística e Industrial do Lyceu
Benjamin Constant e os Expositores em 1895", no capítulo "Artes e Ofícios na
Amazônia: valsa composta pela Mlle. Cecília Ierecê de Lemos" (Moura, 1895, pp. 95-
97).
Cecília era filha de Antonio Lemos, político influente e proprietário do jornal "A
Província do Pará", personagem importante nas relações que Carlos Gomes
desenvolveu a partir de 1895, quando de sua terceira viagem ao Pará. Abaixo
reproduziu-se parte do texto de Ignácio Moura, onde são citados trechos da carta de
Carlos Gomes que fala da compositora e de sua valsa. Moura assim principia o artigo.

Esta inspirada composição musical de Mlle. Ierecê de Lemos e por ela


gentilmente oferecida ao Lyceu Benjamin Constant, foi impressa na
Europa, instrumentada pelo glorioso maestro Carlos Gomes e
executada no Theatro da Paz em uma das noites da última temporada
lírica, no meio dos aplausos unânimes da plateia. A jovem compositora
deveria ter ficado satisfeitíssima assistindo à consagração pública do
seu merecimento e vendo a aplicação do seu trabalho no benefício
dado ao estabelecimento que cuida da educação do proletariado da
sua terra natal. Ela entregou todos os exemplares impressos da sua
215

obra ao presidente da Sociedade Propagadora de Ensino para serem


vendidos em benefício do Lyceu Benjamin Constant e expõe a
brilhante partitura no salão da música deste certame.

Em continuidade, Ignácio Moura transcreve a carta de Carlos Gomes, "escrita


da Itália", não informando o destinatário, somente comentando que já foram
publicados tópicos no jornal A Província do Pará. A partir do estilo da narrativa do
maestro, pode-se perceber que a carta deve ter sido dirigida ao público em geral,
através do jornal do pai da compositora.

A valsa de mademoiselle Cecília pode ocupar um posto em qualquer


concerto, tanto a "4 mãos", como para "dois pianos" e mais até.
Interessei-me pela valsa por ter reconhecido o talento e a inspiração
espontânea de mademoiselle Cecília. Uma menina, na primavera a
inteligência, que ainda não teve ocasião de ouvir na Europa as
sublimes manifestações da arte divina; sem modelos, sem um mestre
de harmonia, talvez, mas que produz ideias musicais como as
seguintes... (o maestro transcreve 4 compassos da valsa) ... e mais
esta outra... (reproduz mais 9 compassos) ... é digna de atenção geral.
Digna, porque a simplicidade eloquente destes pensamentos tem
muito valor; muito valor, porque é indício de que a jovem autora
promete novas revelações.

Ignácio Moura conclui dizendo que Gomes refere-se à "interpretação dos


pensamentos da inspirada autora" e qualifica de "genial" o talento da exma. sra. D.
Cecília Ierecê de Lemos, a cujo trabalho artístico chama, ainda uma vez, "inspirada
composição".
A temporada lírica de 1885, em Belém, alinhou-se com as congêneres
europeias. Toda a produção, organização e procedimentos, eram similares as
estações líricas dos grandes teatros europeus, principalmente os da Itália. A dinâmica
dos ensaios, as montagens de cenários, os intermezzos, sejam sinfônicos ou
camerísticos aconteciam da mesma forma que nos teatros italianos. Muitas vezes, nos
entr'actes eram declamadas poesias, feitas homenagens, doação de presentes, entre
tantos outros momentos musicais, cívicos ou literários.
A presença de Carlos Gomes no ambiente social da temporada lírica, nos
backstages e coxias do teatro, conversando com músicos, cantores, coristas e
diretores, e ainda participando dos ensaios, fez com que em diversos momentos os
espetáculos, por sua carismática presença, tenham acontecido sob um clima de
contentamento por sua presença, mas também, de relativa pressão para que a
qualidades das performances não decepcionasse tão importante visita.
216

A temporada lírica de 1895 levou à cena 14 óperas, colocando em destaque


vários artistas, a citar o maestro Armani, as "divas": Anna Politoff, Maria de Nunzio,
Raymonda Da Costa, Clotilde Sartori e Alessandra Bottero69 e os cantores: Antonio
Ceppi, Giovanni Scolari, Alessandro Acangeli e Francesco Nicoletti.
Abaixo segue um quadro com os compositores, obras, empresa e o elenco da
temporada lírica de 1895.

Quadro 4. Repertório e elenco da temporada lírica de 1895.


TEMPORADA DO ANO DE 1895 (20 de fevereiro – 19 de maio)
COMPOSITOR ÓPERA COMPANHIA ELENCO
VERDI Aída Sopranos
Un ballo in Companhia Ana Politoff
Maria di Nunzio
maschera Lyrica
Raymonda da Costa
Il Trovatore Alessandra Bottero
Maria Mori
Rigoletto
Meio-soprano
DONIZETI La Favorita Empresário:
Clotilde Sartori
Lucia di Empresa Alzatti
Tenores
Lammermoor & Villa
Antonio Ceppi
PONCHIELLI La Gioconda Giuseppe Iaricci
Frederico Percuopo
MASCAGNI Cavalleria Barítonos
Rusticana Alessandro Archangeli
Vittorio Trevisan
THOMAS Mignon
Baixos
LEONCAVALLO Pagliacci Francesco Nicoletti
Giovanni Scolari
GONOUD Faust Comprimarios
Antonio Poggi
CARLOS GOMES Fosca – Elenco: Politoff, Da Costa,
Sra. Fustinoni
Cepi, Archangeli, Nicoletti, Regente
GAMA MALCHER Yara – Elenco: Politoff, Sartori,
Giacomo Armani
Ceppi, Archangeli

Fonte: Vicente Salles (1980, 1994, 2005; Márcio Páscoa (2006, 2009), Jornais.

3.2 A Academia de Bellas Artes e o Conservatório de Música do Pará.

No Pará, no período da belle-époque, era forte o espírito associativo. Ao longo


deste trabalho, algumas associações foram citadas no texto, no entanto, muitas outras

69 Soprano em travesti em Um Ballo in Maschera, além de outros papéis.


217

existiram e tiveram longa vida, a exemplo da Imperial Sociedade Beneficente Artística


Paraense que deteve, por doação de Antônio Lemos, a máscara mortuária de Carlos
Gomes até a década de 1880, quando repassou esse e outros objetos relativos ao
maestro, ao Instituto Carlos Gomes.
Quando da inauguração do Theatro da Paz, em 1878, o presidente da província
mandou organizar o Conservatório Dramático Paraense com as funções precípuas de
organizar, censurar espetáculos e dotar o Theatro da Paz com estruturas necessárias
ao seu funcionamento. Em 1880, quando iniciou o ciclo de temporadas líricas no
Theatro da Paz, foi criada a Associação Lyrica Paraense, responsável, dali em diante,
pelos contratos das companhias de óperas, além de muitas outras ações realizadas
com a finalidade de fazer acontecer os espetáculos líricos.
Nesse contexto, surgiu a Associação Paraense Propagadora das Bellas Artes,
que viria a ser a gestora da Academia de Bellas Artes e de seus dois departamentos:
a Escola de Bellas Artes ou Escola de Desenho e Pintura e o Conservatorio de Música.
O anúncio (fig. 81) publicado no Diário de Notícias (10 de fevereiro de 1895, p. 1),
resume essa estrutura, que viria a se concretizar.

Figura 81 Anúncio da instalação da Associação Paraense Propagadora das Bellas Artes.

Fonte: Diário de Notícias, 10 de fevereiro de 1895, p. 1.


218

As reuniões preparatórias para a criação da referida Associação, foram feitas


na residência do médico Pedro Chermont70, escolhido, nessas sessões, para ser o
primeiro presidente.
Pela imprensa o público foi convidado, em nome do secretário da associação,
o poeta Paulino de Brito, a assistir a sessão solene de instalação que aconteceu no
dia 17 de fevereiro de 1895, às 9 horas, no salão de honra do Theatro da Paz (Diário
de Notícias, 16 de fevereiro de 1895, p. 2).
Um artigo publicado no Diário de Notícias, por um articulista que assinou
somente com a letra X, destaca a importância do surgimento, em Belém, de uma
associação cujo fim seria o de promover as artes. "Deixarão finalmente de ser a irmã
bastarda das ciências e das letras e virão com estas comungar no mesmo banquete
a benéfica e salutar eucaristia do saber" (Diário de Notícias, 25 de fevereiro de 1895,
p. 2).
A instalação, de fato, haveria de acontecer no domingo, 24 de fevereiro de
1895. A partir das palavras do redator chefe do Diário de Notícias (26 de fevereiro de
1895, p. 1) segue resumida descrição da solenidade de instalação da Associação
Paraense Propagadora das Bellas Artes.
A associação, recém-criada, ficou responsável de manter a Academia de Bellas
Artes com seus dois núcleos de ensino: a escola de desenho, pintura e escultura e o
conservatório de música. O referido evento mudaria o curso do ensino da música em
Belém e faria ingressar definitivamente o maestro-compositor Antonio Carlos Gomes,
na história do Pará.
Com o salão de honra do Theatro da Paz completamente lotado naquela manhã
de domingo, às 10 horas, teve início a cerimônia de instalação da Associação
Paraense Propagadora das Bellas Artes. Contam que nas galerias todas as classes
sociais achavam-se representadas, calculando-se a presença de mil pessoas,
aproximadamente.

70 Pedro Leite Chermont (1857-1926) foi um dos médicos convocados pelo governador Paes de
Carvalho para integrar a junta médica que, assistiu, em seus últimos dias, ao maestro Caros Gomes
(1896). À sua filha Cármen, por sinal, Carlos Gomes dedicou a última de suas composições. Foi um
dos fundadores do Partido Republicano Federal (1893) e, no Pará, integrou a comissão executiva do
Partido Republicano Paraense (1897). Foi reeleito deputado federal nas 3ª. E 4ª. Legislaturas (1897-
1902). Sócio de Antônio Lemos em A Província do Pará, do qual foi redator-gerente. Foi fundador e
primeiro presidente da Sociedade Paraense Propagadora das Bellas Artes (1895) (Miranda, 2016, p.
120).
219

O ato foi presidido pelo exmo. sr. Governador do Estado, tendo à sua direita o
sr. senador Pedro Chermont e à esquerda o dr. Ayres Watrim, respectivos presidente
e vice-presidente da associação. Após a leitura feita pelo secretário dos membros da
diretoria e das diversas comissões, o sr. dr. Pedro Chermont, tomou a palavra e
proferiu um eloquente discurso, mostrando a necessidade de dar impulso a educação
artística do povo, prometendo envidar todos os seus esforços para que se tornasse
uma realidade entre nós essa associação. Calorosos aplausos cobriram as últimas
palavras do orador.
Seguiu-se com a palavra o orador oficial da associação, o dr. Paulino de Brito,
que também salientou a necessidade de propagar a instrução e educação artística,
sendo, ao terminar, bastante aplaudido. O sr. Matheus Lydio Pereira de Souza, propôs
que se conferisse ao dr. Lauro Sodré, o título de sócio honorário, sendo unanimemente
aceito. O sr. Governador do Estado orou em seguida, prometendo dar todo o seu apoio
à associação. E, por fim, a convite do presidente da associação, o sr. Governador do
Estado declarou instalada a Associação Paraense Propagadora das Bellas Artes e
encerrou a sessão em meio a grandes aplausos.
A administração da Associação ficou assim formada: Presidente - Dr. Pedro
Chermont, Vice- Presidente - Deputado José Ayres Watrin, 1º Secretário – Manoel
Baena, 2º Secretário – Dr. Paulino de Brito. Por unanimidade foi escolhido o
Presidente Honorário da Associação, Dr. Lauro Sodré.
O musicólogo Vicente Salles, menciona a composição do corpo docente
do Conservatório de Música da Academia de Belas Artes.

Formou-se a comissão para cuidar da organização do corpo docente


de ambas as seções. O de música ficou constituído: Contraponto e
Composição: Antônio Carlos Gomes; piano, para o sexo feminino,
Antônio de Almeida Facciola; Piano e ainda a cadeira de Elementos,
Divisão e Solfejo, para o sexo feminino, Clemente Ferreira Junior;
Piano, para ambos os sexos, Manuel Francisco Pereira de Souza;
Piano, curso elementar, para o sexo feminino, Joana Corrêa ( de Sá
Pereira); Violino, para ambos os sexos, Luigi Sarti; Violino e Canto,
para o sexo feminino, Virgínia Sinay Bloch; Flauta, Elementos e
Divisão, Roberto de Barros; Instrumentos de Metal, Aureliano Pinto de
Lima Guedes; Fagote, Giuseppe Cerone; Harpa, Esmeralda
Cervantes Grossmann; Harmonia, Solfejo, Clarineta, Oboé e Corn-
Inglês, Hermenegildo Alberto Carlos; Anatomia e Fisiologia dos
Órgãos Vocais, dr. Euphrosino Nery; Língua Francesa, dr. Heliodoro
de Brito; Língua Italiana, F. Veirgtell; Literatura (poética e dramática),
História e Estética da Música, dr. Paulino de Brito (Salles, 1993, pp.
12-13).
220

A criação da Associação Paraense Propagadora das Bellas Artes


repercutiu na capital da república. O Jornal do Commercio (18 de julho de 1895, p. 1),
na coluna Estado do Pará, anunciou a instalação da Academia de Bellas-Artes com
seus dois departamentos, à Rua São João (fig. 82), atual João Diogo:

Em julho será instalada nesta Capital (Belém) a Academia de Bellas-


Artes, principiando em seguida a funcionar o Conservatório de Música
e a Escola de Pintura. Os trabalhos do belo edifício do Conservatório,
à rua de São João, acham-se prontos, estando já quase concluído o
calçamento da rua. A Escola de Pintura funcionará na parte nova,
ultimamente concluída do edifício do Lyceu Paraense. [...] No
orçamento do Estado, ultimamente sancionado pelo Governador, há a
verba de 25:000$, destinada a auxiliar a Academia de Bellas-Artes.

Figura 82 Prédio onde foi instalado A Academia de Belas Artes, com os seus dois
departamentos, (Escola de Desenho e Conservatório de Música). Ali atualmente está a
Academia Paraense de Letras.

Fonte: Desenho a nanquim de Sebastião Godinho71.

71 O desenho do prédio onde funcionou a Academia de Belas Artes foi gentilmente cedido para este
trabalho, pelo autor, com a seguinte expressão: "Autorizo o uso do desenho de minha autoria, expresso
neste encarte, ao M. Jonas Arraes. Belém, 3 de maio de 2019 – Sebastião Godinho.
221

A escolha do diretor da seção de música recaiu, unânime, vivamente aclamada,


na pessoa de Carlos Gomes. Posteriormente Carlos Gomes foi convidado para
assumir a Direção do Conservatório de Música da Academia de Belas Artes.
O Governador do Estado do Pará, Lauro Sodré, ao final do seu mandato, emitiu
um relatório onde, em parte, resume os procedimentos administrativos e os aportes
financeiros locados à Academia de Belas Artes. O relatório é assinado pelo Diretor da
Seção da Secretaria do Estado.

A Academia de Bellas Artes, fundada pela Associação Paraense


Propagadora das Bellas Artes, constituída em 24 de fevereiro de 1895,
dispensou o dr. Lauro Sodré o mais franco apoio e proteção. A
Academia instalou-se e funciona em um belo edifício cedido pelo
governo. A lei orçamentária de 1895 a 1896 votou a verba de
25:000$000 para auxiliar a criação da Academia e a do atual exercício
consignou-lhe o auxílio de 40:000$000. Outra lei, a de n. 445 de 30 de
maio do ano passado, criou em seu benefício os impostos de 100$000
por espetáculo de revistas, operetas etc. e de 50$000 por espetáculo
dramático que for dado no Theatro da Paz (Mendonça, 1897, p. 23).

O mesmo relatório informa que a Academia de Bellas Artes abriu, em 15 de


agosto de 1895, o Conservatório de Música. A Academia de Bellas Artes composta
do Conservatório de Música e a Escola de desenho, pintura e escultura matriculou
611 alunos, em 1896, um número considerável para uma cidade com um pouco mais
de 100 mil habitantes.
Já havia passado a metade do ano de 1885. No primeiro semestre, desde que
chegou a Belém, no início do mês de abril, Carlos Gomes participou ativamente da
temporada lírica, visitou redações de jornais, andou pela cidade e conviveu
animadamente com a cultura da cidade. No entanto, avizinhava-se o mal que o levaria
à morte, no ano seguinte, em Belém.
O Diário Oficial do Amazonas, (16 de junho de 1885, p. 3) publicou que "o
Amazonas vai ter a honra da visita do ilustre maestro Carlos Gomes, uma das glórias
brasileiras, na sublime arte de Berlim. É esperado no próximo vapor nacional o ilustre
brasileiro". O Diário de Notícias (26 de junho de 1895, p. 1) chegou a afirmar: "segue
para Manaus o maestro Carlos Gomes, que ontem nos enviou sua despedida. Boa
viagem".
Carlos Gomes não foi a Manaus, onde veria o Teatro Amazonas em
construção. No Rio de Janeiro, o Jornal do Commercio, informou, através da coluna
Estado do Pará que, "devido a grave enfermidade, deixou de ir a Manaus este célebre
222

compositor e maestro que pretendia ir percorrer o Amazonas e inspirar-se na


majestosa beleza do rio-mar" (Jornal do Commercio, 18 de julho de 1895, p. 1). No
ano seguinte, com inauguração em 31 de dezembro de 1896, o majestoso teatro
manauara chegou, depois de sua morte.
Era chegada a hora do maestro-compositor voltar para a Europa, levando na
bagagem o convite para voltar ao Pará, dirigir o Conservatório de Música, ensinar
contraponto e composição e fixar residência em Belém.
No Maranhão, estado vizinho ao Pará, circulou na imprensa a notícia da partida
do maestro do Pará com destino a Recife, ressaltando o estado de saúde dele. "O
maestro Carlos Gomes, o imortal artista brasileiro, compositor musical, glória da
pátria, seguiu do Pará com destino ao Recife. Já doente, prometendo voltar breve ao
norte" (Diário do Maranhão, 08 de julho de 1895, p. 2).
A doença que levaria Carlos Gomes à morte, já vinha dando sinais por todo o
ano de 1895 e, talvez, desde o ano anterior. Em carta ao compadre Manduca
Guimarães, enviada da Bahia e datada de 12 de agosto de 1895, Gomes desabafa:

Meu estado de saúde vem se agravando cada vez mais... A inflamação


da garganta tem sempre aumentado (nota que há mais de um ano não
fumo absolutamente! Já me esqueci completamente do charuto ...).
Creio que bem pouco poderei durar, à vista de uma espécie "erupção
cancerosa" que, devido talvez ao clima do Pará, me apareceu no
centro da língua. O meu caso, compadre, é decididamente grave...
(Revista Brasileira de Música, 1936, p. 364-366). (Grifos do autor).

Somente em uma conversa de compadres poder-se-ia dizer que o clima de um


lugar como Belém, pudesse fazer aparecer uma "erupção cancerosa" em alguém.
Carlos Gomes partiu, em 05 de julho de 1895, no vapor "Brasil", para a Bahia,
fazendo escala em Recife e Maceió, onde foi recebido com muitas homenagens. O
Jornal do Recife (13 de julho de 1895, p. 2) assim noticiou:

Vindo do Pará, a bordo do paquete Brasil, desembarcou ontem, às 8


horas da manhã, o maestro Carlos Gomes. O dr. Siqueira, diretor do
Theatro Santa Isabel e uma comissão do Club Carlos Gomes foram
buscá-lo a bordo saltando todos na Lingueta onde se achavam
representantes da imprensa, comissão do Lyceu de Artes e Officios e
diversos apreciadores do insigne maestro, seguindo em sua
companhia até ao Theatro Santa Isabel, onde foram rendidas as justas
manifestações ao seu talento, tocando nesta ocasião as bandas dos
corpos de polícia. Dali seguiu para a casa do dr. Siqueira e depois para
a residência do sr. comendador Duprat, onde hospedou-se. Projeta-se
um grande festival em homenagem ao inspirado maestro.
223

Silio Boccanera Júnior, em sua obra "A Bahia a Carlos Gomes" (1904, p. 246-
247) relata que Carlos Gomes, a caminho da Bahia, ao descer em Maceió, foi alvo de
dedicadas manifestações. Um encontro especial com a pianista Luiza Leonardo,
formada no Conservatório de Paris, onde estudou com os mestres Henri Herz,
Lavignae e o célebre Antoine Rubinstein. Luiza trabalhava na empresa Moreira de
Vasconcellos & Silva, como artista dramática que era. Luiza Leonardo e uma
comissão foi a bordo receber Carlos Gomes, que conhecia a pianista desde criança e
da qual tinha em seu álbum uma composição infantil. Mal o maestro avistou a Luiza,
correu para ela e a abraçou efusivo, recordando-lhe o tempo em que ia jantar em casa
de sua família e a fazia brincar sobre os joelhos alegremente72.
O redator-chefe do Correio Mercantil fez a apresentação de Moreira de
Vasconcellos ao maestro. Em visita aquele jornal, percorreram juntos as redações e
Carlos Gomes, cheio de vida, pilheriando, contava ao Moreira como abrira "uma boca
de jacaré", quando avistou o mar pela primeira vez.
Naquele encontro Gomes queixava-se amargamente do indiferentismo porque
era tratado no Brasil, excetuando o Pará do qual falava cheio de entusiasmo.

Oh! ... o Pará! ... vocês não imaginam o que é aquilo! Muito
dinheiro e muito progresso. Vá Moreira, vá ao Pará; e você, Luizinha,
prepare-se para dar um concerto esplendido e ganhar muitos
brilhantes.

De Maceió, a bordo do vapor "Olinda", Carlos Gomes viajou para a Bahia,


chegando no dia 10 de agosto, ficando hospedado na residência de seu amigo
Theodoro Teixeira Gomes. Nessa última viagem a Bahia, Carlos Gomes ainda pode
participar de um concerto, em seu benefício, no dia 18 do mesmo mês, no Teatro
Polytheama Bahiano, onde regeu a orquestra e banda da polícia, executando a
"Symphonia do Guarany". O produto líquido desse concerto, no valor de 2:689$000,
foi enviado ao maestro pela Sociedade Euterpe, acompanhado de delicado ofício,
firmado por todos os cidadãos representantes de sua diretoria.
Às 11 horas do dia 24 de agosto de 1895, embarcou Carlos Gomes para a Itália,
sendo acompanhado, até o momento do último adeus, por crescido número de amigos
(Boccanera Junior, 1904, p. 253).

72Não foi possível apurar, no âmbito desta pesquisa, em qual cidade Carlos Gomes conviveu com a
família de Luiza Leonardo, ficando essa lacuna histórica a ser esclarecida posteriormente.
224

3.3 O ano de 1896: a morte, homenagens e a projeção da mítica imagem de Carlos


Gomes no memorial paraense.

Cada mortal cede ao próprio


destino; o meu foi ou vai ser de acabar
de sofrer no Pará; assim seja! (12 de
agosto de 1895)73

Como já falado anteriormente neste trabalho, as notícias mais divulgadas sobre


a presença de Antônio Carlos Gomes no Pará, referem-se à sua morte em Belém, no
dia 16 de setembro de 1896. Apesar das incongruências de algumas narrativas, os
fatos conhecidos, no que dizem respeito à morte, homenagens fúnebres e o enterro
em São Paulo, são suficientemente informativos, no entanto, algumas informações
contidas na literatura, na crônica jornalística e em algumas biografias, são inautênticas
e, uma em especial, contida em uma obra do escritor Rubens Fonseca. A despeito da
intenção daquele autor não ser propositalmente dolosa, causou, de forma
permanente, algumas máculas, rasgando na face da história do Pará, estigmas de
difícil remoção.
Na dobra da primeira capa do livro "O Selvagem da Ópera", de Rubens
Fonseca (1994), ao ser comentado o estilo de escrita do autor na sua biografia
romanceada, está informado: "Com sua prosa seca e cortante, baseada em fatos e
personalidades verdadeiros, Rubens Fonseca não relata, todavia, uma história de
sucesso". (Grifos do autor). Vejamos o que o autor relata às páginas 241-242:

Ao chegar em Belém, o funcionário público que o aguarda o conduz à


modesta casa que lhe foi destinada pelo governo. Um médico é
chamado. No dia do seu aniversário, 11 de julho, quando faz sessenta
anos, ele se deita na rede incapaz de dizer uma palavra inteligível,
sentindo fortes dores. São pessoas desconhecidas, as que estão ao
seu lado [...]. Está solitário, numa quarta-feira úmida, quente, deste dia
16 de setembro do ano bissexto de 1896, em solidão apesar desses
rostos sem nitidez que vez por outra se aproximam da rede suja de
sangue e de outras secreções, onde está deitado.

Contrapondo a estas afirmativas, este trabalho buscou ouvir as vozes das


fontes reconhecidas pelos historiadores e musicólogos. Em diversos trechos deste
capítulo, o leitor encontrará o contraditório ao dito por esse autor que não veio à Belém
substanciar seu trabalho a partir de pesquisas feitas nos diversos locais, que guardam

73Frase escrita na carta enviada da Bahia para o compadre Manduca Guimarães, em 12 de agosto de
1895.
225

muitos acervos referentes a presença de Carlos Gomes no Pará. Rubens Fonseca


poderia ter pesquisado em Belém, no Arquivo Público do Pará, na biblioteca do
Theatro da Paz, na Coleção Vicente Salles, na biblioteca Arthur Vianna, no Centro de
Memória da Universidade Federal do Pará, na Biblioteca do Instituto Carlos Gomes,
entre outros lugares onde são encontrados contratos, documentos oficiais, relatórios,
jornais, livros, etc. que narram a trajetória de Carlos Gomes no Pará. O historiador
Vicente Salles, desde a década de 1960 já vem contando a história de Carlos Gomes
no Pará. No entanto, ao que parece, Rubens Fonseca não o leu. Ante a busca da
verdade, preferiu a invenção.
O ano de 1896, sela em definitivo, a relação que Carlos Gomes teve com a
cidade de Belém. Quando ele chegou à cidade, foi recebido da mesma maneira que
das outras vezes, no entanto as circunstâncias não permitiram as pompas de
costume.
Apesar da doença, Carlos Gomes ainda teve vários momentos em que pode
conviver com diversas pessoas, assumir a direção do Conservatório e encaminhar
assuntos de seu interesse.
Adiante, alguns dos acontecimentos que envolveram o maestro Carlos Gomes
em seus últimos meses de vida na cidade de Belém, o tratamento a ele dispensado,
as homenagens que recebeu após sua morte e a inserção de sua imagem no memorial
paraense.

3.3.1 A última viagem.


O ano de 1896 iniciou, no Pará, com grandes expectativas a respeito da vinda
definitiva de Carlos Gomes para residir em Belém. As pessoas que no porto de Belém,
em 05 de julho do ano anterior, viram o vapor "Brasil" desaparecer na baia do Guajará,
em direção ao oceano, aguardavam a volta do maestro.
Os alunos, funcionários e professores do Conservatório de Música e da Escola
de Desenho e Pintura, aguardavam o seu diretor e professor de composição e
contraponto, mantendo o funcionamento da Escola de Bellas Artes, desde o mês de
agosto de 1895, dentro da normalidade.
Enquanto no Pará era esperada a chegada do maestro a partir do mês de abril,
na Itália, Carlos Gomes era pleno de dúvidas. Em resposta a uma carta do seu amigo
Braguinha, lamenta:
226

A pouca saúde, minha e de meu filho, a tristeza que domina no meu


pobre santuário, tudo tem concorrido para a demora involuntária em
responder à tua última. Para aumentar os meus desgostos há cinco
meses que não recebo do Pará notícia alguma, nem uma linha, ne
aviso; - tudo é silêncio. Creio, portanto, que a estas horas já se
esqueceram de mim e da promessa formal que fizeram!!! (Revista
Brasileira de Música, 1936, p.378).

No mês de março já circulava a notícia, em Manaus, que "em abril próximo o


notável brasileiro Carlos Gomes assumirá o exercício do cargo de diretor do
Conservatório Musical Paraense" (Jornal "A Federação" [AM], 24 de março de 1896,
p. 2). Ao mesmo tempo as notícias da doença grave que atingia o maestro começavam
a circular no Brasil inteiro. Concomitante com as informações sobre a doença
circulavam outras notícias da existência humana do maestro na Itália. Desamparo,
pobreza, dívidas e toda sorte de infortúnios pareciam ser o estado geral do famoso
compositor.
O articulista do Diário de Notícias (28 de abril de 1895, p.1) perguntava: "já
foram enviados os meios para que aquela glória nacional não tenha a mesma sorte
do grande Camões e outras celebridades?"
A história mostrou que o Pará, então republicano, amparou o músico
monarquista. Os fatos também comprovaram que fosse o que Carlos Gomes fosse,
monarquista, republicano ou anarquista, ele iria ser recebido em Belém da mesma
forma como foi nas três outras vezes que lá esteve. Como explicar essa incondicional
afeição ao maestro? Não coube no escopo desse trabalho o entendimento dessa
questão. Um dos caminhos para a compreensão de tal definição poderia ser a visão
que os monarquistas e republicanos, do Pará, tinham a respeito de cultura, política,
educação e artes. Ao que parece, à luz das fontes estudadas, ambas as correntes
ideológicas valorizavam a educação e a apreciação musical, a tal ponto que as
convicções políticas de Gomes não interferiram no tratamento dispensado a ele. A
Questão está posta à investigação, entretanto, optou-se por não fazer digressões para
outros campos, por mais instigantes que sejam.
Por outro lado, Carlos Gomes, como é sabido aqui e além-mar, morreu fiel ao
imperador D. Pedro II. Em conversa com Mello Moraes Filho, na antessala do palácio
do dr. Francisco Portella, Carlos Gomes, segundo este autor, teria dito: "Se não fosse
o Imperador, eu não seria Carlos Gomes” (Filho, 1904, p. 83). O diálogo descrito
acima, por Mello Moraes Filho, em sua obra "Artistas do Meu Tempo", aconteceu,
227

segundo ele, logo após a Proclamação da República, período em que pode ter sido
feita a fotografia (fig. 83) publicada no livro citado.

Figura 83 Carlos Gomes. Fotografia tirada em provável data posterior à Proclamação da


República.

Fonte. Livro "Artistas do Meu Tempo" de Mello Moraes Filho, 1904, p. 83.

Sabe-se, por diversos relatos, que Carlos Gomes recusou-se a compor um hino
à República. Uma das descrições desse fato, isolando-se alguma licença poética do
228

autor, está no livro "Carlos Gomes: sua arte e sua obra" de Hermes Pio Vieira. Conta
o autor que quando proclamada a República, Gomes se achava em Milão, hospedado
na casa de seu amigo Lessa Paranhos, sobrinho do Visconde do Rio Branco, que era,
nessa época, consul brasileiro ali. Pela narrativa desse autor, Carlos Gomes havia
recebido um cheque de vinte contos de reis e uma poesia de Medeiros e Albuquerque,
tendo por título: "Hymno da Proclamação da República". Dias depois o Governo
Provisório recebeu os versos e o cheque, com uma lacônica resposta: - Não posso!
(Vieira, 1934, pp. 95-96).
Em Belém, as notícias continuavam chegando pelos vapores, telegramas e
relatos de viajantes. Os jornais noticiavam que o maestro estaria para chegar a Belém
no dia 24 de abril (Diário de Notícias, 11 de abril de 1896, p. 1) e que seria operado
em Lisboa de um epithelioma na língua e que "conforme o dizer dos hipocrates locais
é delicada, desde que chegue a um certo grau de melindroso avanço" (Folha do Norte,
25 de abril de 1896, p11).
Outra data da vinda do maestro para Belém surge, noticiada pela Folha do
Norte (26 de abril de 1896, p. 2). "Os médicos assistentes acham inconveniente a
partida do maestro, de Lisboa, antes de efetuar a curar, todavia, persiste ele em
embarcar no 27 para o Pará". No entanto, nessa data, Gomes ainda se encontrava
em Lisboa. Novamente a Folha do Norte (28 de abril de 1896, p. 2) deu informações
sobre a saúde do maestro, acrescentando que sua doença foi diagnosticada como
"cancro dos fumantes".
Carlos Gomes, em carta ao seu amigo paraense Manuel Augusto Marques,
esclareceu pontos importantes a respeito de sua doença e da viagem final para Belém.
A carta é datada de 28 de abril de 1896. Gomes já estava em Lisboa. Como ele relatou
que partiu de Havre, na França, deu uma grande volta para chegar a Lisboa em
viagem muito cansativa. Tendo saído de Milão para Havre de trem, assim como sua
bagagem, sua viagem foi muito mais longa. Se tivesse saído de Gênova, como em
outras de suas viagens, teria sofrido menos. Acompanhando seu relato constata-se
que, além do sofrimento que aumentava, Carlos Gomes ainda teve um diagnóstico
inconcluso e estranho, por partes dos médicos de Milão. Abaixo alguns trechos de sua
carta (Boccanera Junior, 1913, p. 282-283).

Amigo Marques. Estando a última que te dirigi, datada de Milão, em


fins de março, já eu devia lá ter chegado. [...] Fiando-me, pois, na
construção de ferro do meu organismo, parti de Milão, a 6 do corrente,
229

com destino ao Pará, embarcando-me no Havre e passando por


Lisboa e Madeira. No Havre senti-me logo pior dos meus incômodos
da garganta e da língua; além disso acresceu a contrariedade de não
encontrar logo o vapor de passageiros para o Pará ou, pelo menos,
até Lisboa. Afinal por empenhos do Consulado, obtive um lugar no
Hilary, vapor de carga, o qual me arrastou, em cinco dias, do Havre
até Lisboa, onde cheguei a 13, gravemente atacado de uma
"misteriosa" inchação da garganta e da língua. Os principais médicos
de Milão asseguram ser a syphilis a causa principal da minha moléstia,
e, assim crendo, tinham me receitado ultimamente boa dose de
mercúrio. Noto, porém, que antes de ter tomado em Milão o mercúrio
... a língua não me deu sinal de alteração dilatante, quero dizer: foi só
depois da prova mercurial que a inchação me apareceu na língua,
privando-me inteiramente de falar. Não imaginas, amigo Marques, os
meus padecimentos, dia e noite, acompanhados, além das dores
infinitas, da mais cruel insônia.

Carlos Gomes concluiu a carta fazendo um pedido ao amigo Marques: "Rogo-


te, visitar pessoalmente, da minha parte, os amigos dr. Lauro Sodré e Lemos,
referindo-lhes, em poucas palavras, o acontecido; mas que me sinto animadíssimo de
poder voltar ao Pará, cujo clima creio que me ajudará na cura, e prestar serviços".
Em algumas cartas para os amigos do Rio, Bahia ou Campinas, Carlos Gomes,
por vezes, reclamou do clima do Pará, ou se pôs em dúvida. "O clima do Pará vai ter
o cuidado de ajudar a combater a moléstia, ou de me liquidar brevemente", disse ele
ao mano Juca, seu irmão, em 20 de março de 1896 (Boccanera Junior, 1913, p. 281).
Aguardado em Belém, o maestro Carlos Gomes decidiu partir de Lisboa no dia
05 de maio de 1896, contrariado as recomendações médicas. O governador do Estado
recebeu telegrama do Consul brasileiro em Lisboa comunicando ter o maestro ali
embarcado no "Obidense", com destino a Belém. (Folha do Norte, 05 de maio de
1896).
Carlos Gomes, finalmente, chegou a Belém em 14 de maio de 1896.
A seis horas da manhã deu entrada no porto o vapor inglês "Obidense".
Fundeado em frente à Doca do Reduto. Foram ao seu encontro as lanchas de visitas
do porto "Lobo" e "Tucunaré", "Tauerá", "Ondina" e "Lavigne", do Arsenal de Marinha,
conduzindo diversas comissões e pessoas que foram levar as boas-vindas ao
extraordinário maestro (A Província do Pará, 15 de maio de 1896).
Compareceu a bordo do vapor inglês "Obidense", o capitão Meirelles, ajudante
de ordens do Governador do Estado, que foi levar as boas-vindas do dr. Lauro Sodré
ao maestro, em seguida passou a bordo do "Tucunaré", que o transportou ao trapiche
230

da Companhia Amazonas. Faziam parte da comitiva na mesma embarcação a


comissão da Academia de Belas-artes. (A Província do Pará, 15 de maio de 1896).
Ao chegar à escadinha do Boulevard da República, o maestro entrou em um
carro (devido a sua saúde) juntamente com o capitão Meirelles, sr. Pedro Leite
Chermont e o tenente-coronel Frederico Costa. O carro andava devagar para evitar
que o maestro sofresse com os balanços e para que o povo acompanhasse e
saudasse Carlos Gomes. Por fim o maestro foi alojado no prédio destinado para ser
sua residência, mobiliado, localizado a Frutuoso Guimarães, nº. 50 (Diário de Notícias,
16 de maio de 1896, p. 1).
A Folha do Norte (15 de maio de 1896, p. 1) ressaltou que "a residência do
inspirado artista está montada com a máxima decência, nada faltando relativamente
aos confortos e às comodidades que requer a sua enfermidade". O referido jornal
complementa que Carlos Gomes subiu as escadas do elegante prédio, com os mais
confortáveis cômodos, sem apoio, esforçando-se muito para mostrar a sua antiga
louçania.
Teve início, naquele momento, muitos acontecimentos que envolveriam as
autoridades constituídas, a sociedade civil representada nos diversos clubes e
associações, o mundo empresarial e a população em geral. Apesar de todos terem as
informações que apontavam para uma doença incurável e mortal, havia um
sentimento de que uma redenção era possível.
Desde as providências iniciais, como a recepção no porto ao maestro, até a
despedida final, após a sua morte, com missa de corpo presente na Igreja da Sé,
houve o envolvimento de muitos personagens proeminentes na sociedade paraense,
além da sociedade civil organizada. No entorno de todos os acontecimentos, estava
o povo, os anônimos que, com sua presença, contribuíram para que Carlos Gomes
pudesse viver seus dias com a maior dignidade possível.
Os portugueses e seus descendentes, residentes em Belém, manifestaram-se
de imediato, antes da chegada do maestro em Belém. No dia 11 daquele mês de maio,
a Real Sociedade Portuguesa Beneficente, reunida em sessão ordinária, emitiu um
ofício (fig. 84) ao Governador Lauro Sodré, assinado pelo segundo secretário, Manoel
dos Santos Moreira, colocando o Hospital D. Luiz I à disposição do maestro. O
Hospital D. Luiz I ainda está em funcionamento e é abrigado em um dos mais belos
edifícios de Belém.
231

Figura 84 Ofício da Real Sociedade Portuguesa Beneficente para o governador do Pará.

Fonte: Arquivo Público do Pará.

No dia seguinte à chegada do maestro, às onze horas do dia, realizou-se a


conferência médica previamente estabelecida. Estiveram presentes os srs. drs. Paes
de Carvalho, João Uchoa, Antônio Marçal, Amaro Danin, Hollanda Lima, Pedro
Chermont, Matta Rezende, Virgílio Mendonça, Jayme Bricio, Mecenas Salles, Juvenal
Cordeiro, Pontes de Carvalho, Numa Pinto, Gurjão, Barão de Anajás (Antônio
Emiliano de S. Castro), Barão da Mata Bacellar, Almeida Pernambuco, Nuno Baena,
Firmino Braga, Américo Santa Rosa, Pereira de Barros, Cypriano Santos e Lyra Castro
(Diário de Notícias, 16 de maio de 1896; A Província do Pará, 16 de maio de 1896).
Foi unânime a confirmação do diagnóstico já conhecido.
Esses 23 médicos cuidaram do maestro, desde a sua chegada a Belém, para
que ele tivesse o melhor tratamento possível, conjuntamente com terapias que
232

aliviaram o sofrimento que a doença causava, visto que a cura se mostrou, desde o
primeiro exame feito pela junta médica, improvável.
Alguns fatos pouco conhecidos demonstram o quanto o governo do Pará tomou
todas as providências para que Carlos Gomes tivesse o necessário conforto, naquele
último ano de sua vida.
Logo após a chegada do maestro, o jornal A Província do Pará noticiou:

O sr. Dr. Lauro Sodré, Governador do Estado, mandou o British Bank


of South America pagar um que de Inocente Magili, na importância de
(liras) 1475.50 ou 1;500$000, mais ou menos em nossa moeda, pelo
frete, transporte e demais despesas feitas com toda a bagagem do
maestro Carlos Gomes, composta de 26 volumes, de Milão para o
Havre e deste porto para o nosso, no vapor inglês “Lanfrene”. Esses
volumes acham-se na alfandega de Belém e vão ser, sem demora,
despachados. (A Província do Pará, 17 de maio de 1896). (Grifos do
autor).

Uma bagagem de 26 volumes, incluindo o piano que lhe fez companhia até
seus últimos dias, indica que Carlos Gomes veio em definitivo para o Brasil. Motivos
econômicos não permitiram que trouxesse seus filhos, aumentando seu sofrimento.

3.3.2 O cotidiano da nova morada.


Os cuidados que os médicos de Belém dispensaram ao compositor, foram
sempre no sentido de dar sobrevida e de aliviar suas dores e a insônia que continuava
incomodando. Os dias foram passando e o maestro procurava comunicar-se com a
Itália, com seus filhos, e dar atenção, na medida do possível, aos visitantes que todos
os dias iam à sua casa. Os médicos assim como o governador e outras autoridades,
procuravam ouvir suas demandas. Alguns passeios foram feitos para que ele pudesse
sair e ver a cidade, inclusive indo ao Conservatório de Música para tomar posse e até
trabalhar um pouco. A imprensa e a população em geral, continuaram atentas aos
movimentos da residência do maestro. De fora do Pará, telegramas e mensagens
diversas chegavam diariamente. A vida seguia seu curso na cidade de Belém,
impulsionada pela economia da borracha. Era a belle époque amazônica e Carlos
Gomes nela procurava existir.
Os 23 médicos citados anteriormente indicaram o diagnóstico e iniciaram o
tratamento de Carlos Gomes, auxiliados por enfermeiros e demais pessoal de apoio.
Não obstante a tudo isso, sempre que uma ajuda era oferecida, o bom senso indicava
que deveria ser aceita. No dia 28 de maio, o Diário de Notícias (28 de maio de 1896)
233

anunciou que "um professor alemão, da Escola de Farmácia de Ouro Preto, assegurou
que curaria o ilustre maestro Carlos Gomes, seguindo logo para o Rio onde deve ter
chegado em 28. Este professor deverá partir para esta cidade dia 30".
A Folha do Norte publicou no dia 27 de maio, um telegrama chegado do Rio de
Janeiro, detalhando o oferecimento do professor alemão, que alardeou que curaria o
maestro. Abaixo vemos uma cópia da publicação.

Figura 85 Imagem do telegrama recebido pela Folha do Norte.

Fonte: Folha do Norte, 27 de maio de 1896, p. 1.

A Folha do Norte (25 de junho de 1896), informou que o referido professor


chegou a Belém no dia 24 de junho, no vapor "Brasil", indo, logo que desembarcou ao
Palácio do Governo, procurando falar com o dr. Lauro Sodré. Não encontrando o
Governador no Palácio, que se encontrava naquele momento no Marco da Légua74,
seguiu para esse local em companhia do capitão Meirelles, apresentando ao
Governador um ofício do dr. Campos Salles, Governador do Estado de S. Paulo.

74 Lugar em Belém que delimita a primeira légua patrimonial da cidade.


234

Entabulada a conversação, o professor Neumeier manifestou o desejo de falar


com o dr. Paes de Carvalho, antes de iniciar o tratamento do ilustre enfermo. O
Governador disse-lhe que procuraria o dr. Paes de Carvalho e que lhe falaria a
respeito. No mesmo dia, Neumeier foi visitar Carlos Gomes.
Apenas cinco dias depois, em um longo artigo publicado no Jornal do Brasil,
sob o título "À imprensa e ao público" um certo dr. Nicoláo Rossas Torres, do Rio de
Janeiro, acusa o professor Neumeier de não ter a qualificação necessária para curar
o maestro e que se o maestro viesse para o Rio, ele o curaria. No post scriptum de
seu artigo ele informa que o professor Neumeier declarou que não pode realizar o
tratamento, visto ser mais grave do que pensava o estado do doente. Logo em seguida
o professor foi embora de Belém. Extinguia-se ali as malogradas tentativas de cura do
maestro Carlos Gomes.
A residência onde Carlos Gomes ficou inicialmente hospedado foi
permanentemente visitada por autoridades, políticos, membros do clero, artistas, entre
tantas outras pessoas. No dia 16 de maio, por exemplo, uma comissão de alunos do
Lyceu Paraense e outra do Atheneu Paraense, foram até lá prestar solidariedade ao
maestro. No dia seguinte estiveram, entre os visitantes da manhã, o sr. Cônego
Rocha, o coronel Sotero de Menezes, Visconde de São Domingos, senador dr. Pedro
Chermont, dr. Arthur Lemos, Ignácio Moura, João Godinho, capitão Meirelles
(ajudante de ordens do governador), deputados Valente do Couto e Rabello Mendes,
bispo Antônio Brandão, cônego Muniz, cônego Pinto Marques, padre Ricardo, D.
Enesia Mamoré etc. Apesar das prescrições médicas, o bravo artista conversou com
alguns amigos e admiradores. Mostrou algumas melhoras, notando-se certo
desembaraço na emissão da voz, até então pouco desenvolvida (A Província do Pará,
18 de maio de 1896).
Dentre as visitas recebidas no dia 16 de maio, chamou atenção a presença,
entre políticos, militares e cidadãos comuns, de cinco integrantes da igreja católica:
Cônegos Rocha, Muniz e Pinto Marques, o padre Ricardo e o bispo Dom Antônio
Manoel de Castilho Brandão. Essas presenças não chamariam atenção, a não ser
pelo fato, suficientemente registrado, da ausência de um religioso para ministrar o rito
católico da extrema-unção, no dia da morte de Carlos Gomes.
A visita desses membros da igreja católica ao maestro indica que foi um ato de
mera cortesia, visando dar a ele o conforto de suas presenças, pois até aquele
235

momento ainda se falava em cura, mesmo com o diagnóstico apontando o contrário.


A imprensa paraense noticiou ainda a presença de integrantes do clero, nas exéquias
dedicadas ao maestro. Acredita-se, com relativa força de verdade, que a extrema-
unção não foi dada ao maestro, pelo fato de ele ser maçom. No entanto, ainda existem
dúvidas a respeito do tema, o que exige uma melhor investigação desse fato.
A vida seguiu em frente na cidade de Belém, assim como o sofrimento do
maestro, no entanto, havia dias em que ele tinha alguma melhora e era levado a
passear pela cidade e a visitar o Conservatório de Música. Todos os dias o maestro
recebia visitas de pessoas residentes na capital, assim como do interior do estado.
O jornal A Província do Pará, transcreveu alguns telegramas recebidos e
respondidos por Carlos Gomes, dentre ele os seguintes:
Um telegrama do sr. Prudente de Moraes, presidente da república, ao qual
respondeu com as seguintes palavras: "Pará. 20 – Presidente da República Rio.
Vossas amigáveis atenções, mitigam meus profundos padecimentos, grato e
penhorado, peço aceiteis um cordial do vosso comprovinciano – Carlos Gomes".
Do Rio de Janeiro, datado do dia 22 de maio: "Maestro Carlos Gomes - diretor
do corpo docente do Instituto Nacional de Música, desta capital, saúda vós, fazendo
votos pelo vosso restabelecimento". No dia seguinte o maestro respondeu: "Instituto
Nacional de Música – Rio, comovido pela espontânea saudação envio fraternal
augúrio pela prosperidade do Instituto Nacional de Música, saudando os ilustres
diretores e corpo docente – Carlos Gomes".
No dia 25 de maio, pela manhã, Carlos Gomes foi ao consultório dentário do
dr. Emílio Falcão, onde às 10h, extraiu um dente, sentindo-se mais tranquilo. O dente
extraído magoava-lhe um pouco a língua (A Província do Pará, 26 de maio de 1896).
Estabelecido em Belém, Emilio Falcão teve entre seus clientes o célebre
compositor Carlos Gomes. Já com câncer na língua, nenhum profissional queria
atendê-lo. Emilio, com sua habilidade e capacidade, extraiu-lhe o dente e obteve
sucesso. Em agradecimento, Carlos Gomes escreveu-lhe uma carta acompanhada
de uma fotografia. Hoje esta relíquia faz parte do acervo do Museu do Tribunal de
Justiça de São Paulo, doada pelo seu neto, desembargador Marino Emilio Falcão
Lopes (Miranda AG, et al., p. 14).
Estas informações são das mais raras que encontrei no decorrer da pesquisa
para este trabalho. Antes de ver a informação no jornal A Província do Pará, já tinha
236

tido conhecimento da ida de Carlos Gomes ao dentista, através do artigo de autoria


de dois confrades do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, Aristóteles Guilliord de
Miranda e José Maria de Castro Abreu Jr. (Revista Pan-Amazônica de Saúde, 2012,
pp. 11-17).
No artigo, intitulado "Anna Turan Machado Falcão (1862-1940): a pioneira
médica esquecida da Amazônia", é esboçado uma biografia de Anna Falcão, nascida
no interior do estado do Pará, que foi a primeira médica paraense, formada em 1887,
nos Estados Unidos da América. Após voltar ao Brasil e revalidar seu diploma na
Faculdade de Medicina da Bahia, onde teve que estudar por mais dois anos, exerceu
sua profissão no Pará, Acre e em São Paulo, onde faleceu. Anna Falcão conheceu
na Bahia, Emilio Ambrósio Marinho Falcão (Fig. 86), um jovem estudante
pernambucano, com quem veio a se casar (Miranda; Abreu Jr., 2012, p. 13)

Figura 86 Emilio Ambrósio Marinho Falcão, o dentista que extraiu um dente de Carlos Gomes,
em Belém do Pará.

Fonte: Acervo Mariangela Lopes Bitar. Foto publicada no artigo de Aristoteles Miranda e José
Maria Abreu (Miranda; Abreu Jr., 2012, p. 13).
237

No dia em que o maestro foi ao consultório dentário, muitas pessoas foram até
o seu palacete levar-lhe a expressão de sua estima e admiração, disse o redator da
Província do Pará. Entre as visitas notadas por ele, estava: Lima Guimarães, Ignacio
Moura, Victor Maria da Silva, Emilio Falcão e Pedro Chermont, Amélio de Figueiredo,
tenente Maia Filho, maestro Gama Malcher, Dra. Emília Martins, Antonio Theodato de
Rezende, representando o Atheneu salinense, Ermelino A. Dias, representando o
Club Musical dos Amadores, entre outras pessoas.
No dia 29 de maio o maestro Carlos Gomes mudou-se para uma residência
localizada na Trav. Quintino Bocaiuva, 59 (fig. 87), onde viveria seus últimos dias.
Sobre essa casa, patrimônio histórico perdido, levantou-se algumas
informações, abaixo informadas.
No ano de 1972, o Conselho Estadual de Cultura, pela segunda vez,
manifestou-se favoravelmente no Processo N.º 007/72-CEC e no Parecer N.º 2/72 -
CEC-CCHPHAE, à compra, pelo Estado, da casa em que viveu e morreu Carlos
Gomes. A senhora Narcisa Rosa de Oliveira Dias, viúva de Antônio Velozo Dias,
propôs ao Governador do Estado a venda do prédio assobradado, situado à Trav.
Quintino Bocaiúva, n.º 885, esquina com a Trav. Tiradentes, onde faleceu, a 16 de
setembro de 1896, o genial maestro Carlos Gomes – honra da cultura artística
brasileira (Revista de Cultura do Pará, 1972, pp. 357-358).
A primeira vez que o CEC foi acionado para dar um parecer sobre a
desapropriação da casa do maestro, foi em 1968, no entanto, nada foi feito e a casa
foi demolida, apesar da intenção de instalar nela uma seção do Conservatório Carlos
Gomes. Por certo que se isso tivesse acontecido, teríamos hoje uma memória mais
larga da presença de Carlos Gomes na belle époque paraense. Nem a placa que o
Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas (fig. 88) ofertada ao Pará em 1936,
por ocasião das efemérides comemorativas dos cem anos do maestro, foi encontra,
permanecendo desaparecida.
Essa casa era edificada num terreno de 9,70 m. de frente, por 80,60 m. de
fundo, conforme descrição do decreto que declarou de utilidade pública, para efeito
de desapropriação. Após a demolição foram erigidos três edifícios ao longo da Rua
Tiradentes, ocupando a frente e o quintal da casa, aos quais se deram os nomes de
"Guarany", "Maestro Carlos Gomes" e "Maria Tudor" (Rego, 2004, p. 444).
238

Figura 87 Casa onde Carlos Gomes viveu os últimos meses de sua vida, no estado em que se
encontrava em 1970.

Fonte: Rego (2004, p. 444). Fotografia: Clóvis Moraes rego.

Figura 88 Placa comemorativa dos cem anos de nascimento do maestro Carlos Gomes.

Fonte: Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, p. 75.

No dia 03 de junho de 1896, A Província do Pará publicou: "Já foi entregue ao


maestro Carlos Gomes a comunicação oficial de sua nomeação para diretor artístico
do conservatório de música e professor da cadeira de contraponto e alta composição,
com o qual ficou considerado o grande artista empossado no exercício de suas
239

funções desde o dia 1º do corrente, embora o seu estado de saúde ainda não lhe
permita comparecer diariamente naquele estabelecimento”. Consta que na sexta-
feira, 05, o novo diretor foi ao conservatório, sendo nessa ocasião apresentado os
professores e alunos.
O compositor e agora diretor e professor empossado, foi ao conservatório no
dia 05 de junho de 1896, para ser apresentado aos alunos e professores e conhecer
o lugar onde, apesar da doença, pensava em trabalhar e prestar serviços musicais. O
Diário de Notícias (07 de junho de 1896, p. 1) assim resumiu a cerimônia de posse do
maestro como diretor do Conservatório de Música da Academia de Bellas Artes.

Com imensa concorrência de assistentes, realizou-se brilhantemente


anteontem a posse do Diretor Artístico do Conservatório de Música
desta Capital, o grande maestro brasileiro Carlos Gomes. Estiveram
presentes ao ato todos os membros da comissão diretora da
Associação Paraense Propagadora das Bellas Artes, todos os
professores da Academia, grande número de alunas e alunos da
mesma, representantes da imprensa e um extraordinário número de
famílias enchiam os salões do Conservatório de Música. O glorioso
maestro foi muito aclamado e saudado por todos os presentes com
verdadeiro entusiasmo e contentamento.

Alternando dias melhores com crises provocadas pela doença, Carlos Gomes
teve algumas alegrias na demonstração de carinho que os paraenses lhe ofereceram
por ocasião do seu aniversário, no dia 11 de julho, quando completou 60 anos. O
redator do Diário de Notícias (12 de julho de 1896) resumiu poeticamente o dia
natalício do maestro.

A nota alegre de ontem foi o júbilo de que se achou possuído o povo


paraense pelo aniversário natalício do bravo maestro Carlos Gomes.
Toda a imprensa se ocupou daquela privilegiada individualidade
artística. Para a sua residência afluiu o que há de mais notável no
nosso meio, a saudá-lo pelo dia do seu aniversário. Estas
demonstrações de apreço hão de minorar as dores que consomem o
seu físico que todos desejavam fosse curado para maior glória da
Pátria, que faz votos para que na constelação do cruzeiro continue a
brilhar aquele astro de esplendorosa grandeza.

Nesse dia, Carlos Gomes compareceu à Igreja de Nazareth para servir de


padrinho ao filho do ilustre professor Clemente Ferreira Junior. Carlos Gomes deu ao
menino o nome de Antônio Iberê. Foi madrinha a exm.ª sr.ª d. Maria da Silva Santos
Chermont. Carlos Gomes agradeceu penhorado. O sr. professor Clemente Ferreira
240

obsequiou em sua casa ao maestro e aos convidados com um profuso lunch (Diário
de Notícias, 12 de julho de 1896, p. 1).
Da data de seu aniversário até sua morte, Carlos Gomes viveu dias difíceis. A
doença foi minando pouco a pouco suas forças. Algumas situações o acalentaram
como a aprovação por sete votos contra cinco, do projeto de lei que estabeleceu
pensões ao maestro e seus filhos (Folha do Norte, 26 de julho de 1896). Como o
maestro costumava ler os jornais que circulavam na capital, deve ter ficado muito
incomodado com os discursos que o senador Paulo Hygino fez no senado paulista,
atacando violentamente o projeto de lei que estabeleceria as pensões ao maestro e
seus filhos, dizendo que o Estado não devia, absolutamente, conceder pensões a
pessoas das classes economicamente improdutivas, e discursando sobre a sua tese,
disse verdadeiros horrores (Folha do Norte, 23 de julho de 1896).
Nos dias em que Carlos Gomes sentia-se mais bem disposto, procurava
trabalhar em prol do Conservatório que era diretor. No dia 22 de julho, enviou a
seguinte carta ao senador Pedro Leite Chermont.

Exmº Sr. Dr. Pedro Leite Chermont, muito digno Presidente da


Associação Paraense Propagadora das Bellas Artes – Sendo de
grande necessidade e urgência uma discursão séria sobre o
regulamento a adotar no Conservatório de Música, do qual prezo-me
de ser o diretor artístico e como tal responsável pelo bom e progressivo
andamento do mesmo, venho pedir a V. Excia. o obséquio de mandar
convocar as comissões artísticas e administrativa para uma reunião
que terá lugar em minha residência, à Travessa Quintino Bocaiúva, nº
59, às 8 horas da manhã do próximo domingo, 26 do corrente, a fim
de que, eu perante elas, possa expor o que julgo de uma conveniência
para o completo e satisfatório êxito de tão útil estabelecimento de
instrução musical. Reitero à V. Excia. os protestos de minha estima e
consideração – Saúde e fraternidade – Belém, 22 de julho de 1896 (a)
Maestro Carlos Gomes, Diretor do Conservatório de Música (Salles,
1995, p. 31)

O Diário de Notícias (28 de julho de 1896) publicou que no domingo, 26 de julho,


Carlos Gomes participou ativamente da reunião solicitada, em sua residência, onde o
Conselho Administrativo da Associação Paraense Propagadora das Bellas Artes criou, por
proposta do maestro, uma cadeira de Rudimentos e Canto Coral, no Conservatório de
Música da Academia de Bellas Artes. Ainda foi proposta e aprovada, a nomeação do
maestro Cesare Beonapous, na época, professor do Conservatório de Milão.
Na mesma reunião foram aprovadas as seguintes propostas: o horário das
diversas aulas da mesma Academia, apresentado pela Comissão de artes; o aumento
241

dos ordenados de todos os professores, a contar do mês em curso, a perceber


300$000 cada um; o aumento dos ordenados mensais dos empregados, sendo, do
Diretor Administrativo 200$000, da Inspetora 150$000, do porteiro 150$000 do
servente 80$000 e do afinador de piano 30$000. Pelo Presidente da Associação, Dr.
Pedro Chermont, foi marcada outra sessão para a leitura definitiva da redação do
regulamento do Conservatório.
O mês de agosto de 1896 passou para Carlos Gomes com muitos sofrimentos.
A leitura de um artigo, escrito pelo seu grande amigo Visconde de Taunay, publicado
na Folha do Norte (23 de agosto de 1896), o animou, apesar das dores lancinantes
que sofria àquela altura. No texto Taunay parabenizou o estado de São Paulo, pelo
projeto de lei que instituiu, desde janeiro de 1896, uma pensão de 2:000$000 mensais
ao maestro Carlos Gomes, enquanto viver, e, por morte, a de 500$000 a cada um de
seus filhos Carlos e Ítala, além de um dote de 30:000$000 para esta, quando se casar.
Além dessas informações Taunay fez comentários sobre a fase final da vida do
maestro e da generosidade do Pará, "que tanto tem feito para suavizar as inexcedíveis
dores e os atrozes sofrimentos do malsinado maestro".

3.3.3 A morte, exéquias e o retorno a Campinas.


O dia 16 de setembro de 1896, data da morte de Antônio Carlos Gomes em
Belém do Pará, fincou na história do Pará uma marca indelével. Na década de 1870,
quando Carlos Gomes já era famoso em vários países, em Belém sua obra começava
a ser conhecida, criando expectativa para uma possível visita do compositor à cidade.
A inauguração do Theatro da Paz, em 1878, foi o ponto de partida para que essa visita
se concretizasse, entretanto, foi com o início das temporadas líricas, em 1880, quando
estreou em Belém Il Guarany, que se pode, finalmente, programar a vinda do maestro
a Belém. Não podendo chegar em 1880, chegou em 1882 e retornou em 1883, como
relatado anteriormente. Foi nesse tempo que o maestro se inseriu definitivamente na
história do Pará, passando a ser reconhecido e apreciado, e, por fim, aguardado para
que, ao voltar para o Brasil em definitivo, Belém fosse sua morada permanente.
De 1883 a 1895 Gomes colecionou sucessos e insucessos em sua vida
agitada, viu suas obras aplaudidas ou tratadas com indiferença, ganhou e gastou
muito dinheiro, perdeu amigos e parentes próximos, no entanto, não mudou seu
comportamento.
242

O musicólogo Marcus Góes, em determinado trecho de seu livro "Carlos


Gomes: a força indômita" retrata Gomes como um homem perdulário, com certo grau
de egoísmo e que fugia do lugar onde deveria permanecer.

CG queria fugir de Milão que o projetara, da cidade que era seu campo
de batalha. Fugir, justamente, quando mais deveria ali permanecer,
para novas iniciativas, para novas óperas, para circular no meio para
qual tanto lutara. E procurava o campo, onde mantinha uma segunda
casa, em desnecessário esbanjamento. Às custas, em parte do
dinheiro que lhe mandava o governo brasileiro. Ao invés de sentar
praça em Milão, pensando na família e no trabalho, Carlos Gomes
"fugia do vespeiro" e se bandeava para os lagos, para a turística região
dos ricos e grã-finos. Góes (1996, p. 252.)

Sua morte aconteceu independentemente da vida que levou até os seus


sessenta anos. A doença que o acometeu era incurável na época, quando nem a
penicilina havia ainda sido descoberta. No entanto, a sua situação financeira, onde
nem sequer teve dinheiro para ter os filhos ao seu convívio, essa sim, era de sua total
responsabilidade. Viveu seus últimos dias à custa do governo de um estado, que, sem
sombra alguma de dúvida, o amparou e lhe reservou o melhor tratamento que jamais
poderia ter em outro lugar, no Brasil republicano.
Observando as fontes consultadas, principalmente a sua rica epistolografia,
percebe-se em Carlos Gomes uma personalidade mais ampla, não permitindo uma
análise restrita a algumas de suas decisões, como as que Góes descreveu acima, no
entanto, não sendo a análise de sua personalidade o objeto deste estudo, não será
aprofundado o tema.
Carlos Gomes poderia ter seu corpo embalsamado e imediatamente enviado
para Campinas. Alguns rostos desconhecidos levariam seu esquife ao porto, para ser
despachado no próximo paquete que fosse em direção ao sul do país. As fontes
históricas nos indicam que isso não aconteceu.
O jornal Diário de Notícias (18 de setembro de 1896) resumiu o sentimento da
população de Belém, após sua morte.

Se não tivemos bálsamo para curar as feridas e mitigar as dores


do Grande Morto, como era a aspiração geral do povo paraense,
porque a morte o derrubou, como um ciclone derruba o cedro
secular, resta-nos a consolação de haver o povo, o governo, a
imprensa e a ciência medica, o cercado na vida e depois da
morte, de todos os confortos e cuidados, e das estrondosas
243

manifestações de pesar de que se acha repleta a imprensa desta


capital, enlutada por tão irreparável perda, que acaba de sofrer
o Brasil.

A agonia e morte de Carlos Gomes foram, detalhadamente, acompanhadas


pela imprensa. O jornal A Província do Pará, cujo proprietário era Antonio Lemos,
despachou o editor chefe para cobrir as últimas horas do maestro. Cada momento era
descrito e a redação na sede do jornal era informada por telefone. Haviam códigos
que sinalizavam o estado do maestro, hora após hora, até o momento de seu
falecimento, cuja palavra senha foi "Guarani".
A Província do Pará, Folha do Norte e Diário de Notícias, jornais que circularam
em Belém do dia 17 de setembro até o dia 08 de outubro de 1896, registraram os
acontecimentos descritos a seguir.
Desde os primeiros dias do mês de setembro o maestro começou a ter
agravado o quadro de sua doença. Os remédios administrados pelos médicos e
enfermeiros que se reversavam junto à sua cama, eram somente para amenizar as
convulsões e dores lancinantes que sentia. A dificuldade em falar o obrigou a se
comunicar por bilhetes ou cartas curtas.
A última vez que o maestro escreveu de próprio punho, foi para assinar uma
carta ao senador Antônio Lemos, onde encerra dizendo: "de coração - Carlos Gomes".
A última palavra que Carlos Gomes pronunciou foi "Raul", o prenome de Raul Franco,
o enfermeiro que o acompanhou durante seus últimos dias.
Na tarde do dia de sua morte, os médicos Numa Pinto e Miguel Pernambuco,
ao lado do maestro, atenderam seu pedido e o transportaram da cama para uma rede.
No clima de Belém é muito natural que pessoas doentes fiquem em redes, por ser
mais confortável. Era uma rede branca, de acordo com a descrição feita pelo dr. Pedro
Leite Chermont, quando, através de um ofício ao governador, acompanhado de uma
listagem, solicitou enviar para a Itália, diversos objetos do maestro, que estava sob
sua guarda.
Eram 10h20 da noite do dia 16 de setembro de 1896, quando Carlos Gomes
faleceu. O Governado do Estado do Pará, Lauro Sodré, fechou seus olhos.
O dr. Miguel Pernambuco relatou aos presentes: "A agonia foi lenta, porém
calma!". A "Província" registrou: "A morte de Carlos Gomes foi completamente serena.
O arquejar regularíssimo diminuiu pouco a pouco e o último suspiro esvaiu-se num
ofego quase imperceptível. A expressão do rosto é serena".
244

Estavam acompanhando o maestro no momento de sua morte, várias pessoas.


Na frente da casa, na sala e nos arredores da residência, o povo fazia vigília e
esperava por notícias. Ao lado do maestro estavam aqueles que ele conhecia e que,
por diversas vezes pode conversar, sendo que alguns já o conheciam de longa data.
A Província do Pará registrou a presença, ao lado de Carlos Gomes, das seguintes
pessoas: O governador do Estado, Lauro Sodré, dr. Miguel Pernambuco, senador
Antônio Lemos, dr. Pedro Leite Chermont, Clemente Ferreira Junior, Daniel Muller,
Barão de Marajó, Roberto de Barros, Jaime Abreu, dr. Firmo Braga, Pedro da Cunha,
Amélio de Figueiredo, Joaquim Dias, farmacêutico Rodrigues Silva, d. Miguelina
Vieira, Pimenta Bueno, prof. Manoel Pereira, Bento Chermont, Antonio Chermont,
Raul Franco, Nilo Franco, Décio Marinangeli, o colaborador da "Província" Arthur
Vianna, entre outros.
O embalsamamento aconteceu por volta de uma hora da tarde. Estavam
presentes os drs. Almeida Pernambuco, Numa Pinto, Lyra Castro, O' de Almeida.
Firmo Braga, Hollanda Lima e Antonio Marçal. O cadáver foi transportado, pelos
próprios médicos, da varanda para o quarto destinado à operação do
embalsamamento e que era o último do corredor. Colocado o corpo sobre uma mesa,
coberta com um lençol de linho branco, começou o trabalho. Por deliberação dos
médicos, ficara anteriormente acordado que o embalsamamento fosse feito com
injeção composta de cloreto de zinco, álcool, glicerina e clorofórmio, do formulário
clínico espanhol dr. Martin Gil; que para cobrir as suturas se empregasse o colodium
fenicado; que, sobre o cadáver, depois de vertido, fosse aspergida a solução de bi-
cloreto de mercúrio. O aparelho injetor escolhido seria o do sistema de Farabœuf,
último modelo. A injeção foi aplicada pela artéria femoral direita, na região do triângulo
de Scarpa. Auxiliaram no embalsamamento o enfermeiro da Santa Casa, Manoel
Lopes da Silva e o sr. José Ignácio Cordeiro.
O cadáver foi vestido pelos drs. Pernambuco Hollanda, Lyra Castro e Rogério
Miranda, auxiliados pelos srs. Raul Franco, Amélio de Figueiredo e o tenente-coronel
Pedro da Cunha. Fizeram-no trajar casaca, colete e calças pretas, camisa de linho
branco, com colarinho a Carlos Gomes75, meias negras, de seda, sapatos rasos de
polimento.

75Em um anúncio publicado no jornal "O Liberal do Pará, em 05 de janeiro de 1882, p. 3, o Colégio
Visconde de Souza Franco, no item que descreve o enxoval para os alunos internos exige que o
245

Momentos antes do embalsamamento do corpo de Carlos Gomes, os dois


artistas italianos Domenico De Angelis e Giovanni Capranesi, moldaram a máscara
mortuária do maestro (figs. 89, 90 e 91). Atualmente essa máscara mortuária está
exposta no Memorial do Instituto Carlos Gomes, em Belém do Pará.

Figura 89 Máscara Mortuária de Carlos Gomes, feita por De Angelis e Capranesi, sobre a
almofada original preparada exclusivamente para suporte do objeto. (Vista de frente)

Fonte: Memorial do Instituto Carlos Gomes. Fotografia: Raoni Arraes.

uniforme seja "Paletot preto a Carlos Gomes, calça e colete da mesma cor". Encontrou-se ainda na
pesquisa para este trabalho, propagandas de "charutos Carlos Gomes" e "Chapéus Carlos Gomes".
Percebe-se na definição do uniforme colegial e nas propagandas, a influência que o maestro exercia
na sociedade local, desde aqueles tempos.
246

Figura 90 Máscara Mortuária de Carlos Gomes, feita por De Angelis e Capranesi. (Vista do lado
esquerdo).

Fonte: Memorial do Instituto Carlos Gomes. Fotografia: Raoni Arraes.

Figura 91 Máscara Mortuária de Carlos Gomes, feita por De Angelis e Capranesi. (Vista do lado
direito).

Fonte: Memorial do Instituto Carlos Gomes. Fotografia: Raoni Arraes.


247

As 10h20 da manhã do dia 18, o fotógrafo Oliveira tirou diversas fotografias de


Carlos Gomes. O cadáver estava estendido no leito, os pés voltados para a rua, o
corpo coberto até quase a garganta por uma colcha de seda branca, listrada de lilás.
Aos pés da cama, ardiam dois círios e, espalhadas em desalinho, partituras do
Colombo, Condor, Guarany, Salvator Rosa, Schiavo, Maria Tudor, Fosca. Depois,
uma almofada verde, tendo ao centro, em alto relevo, uma lira de ouro e três volumes
brochados, do Colombo, Odaléa e Guarany. Havia, também, uma partitura manuscrita
do Condor, com a seguinte dedicatória: "Em sinal de gratidão, dedicada ao amigo
Theodoro Teixeira Gomes, da Bahia. – A. Carlos Gomes".
Todo o preparo da cama onde se achava o cadáver do extraordinário artista,
na ocasião de ser fotografado, foi feito pelos pintores italianos De Angelis e Giovanni
Capranesi, que se encontravam na casa do maestro naquele momento. Enquanto um
ornava de seda branca o leito fúnebre o outro eminente pintor espalhava,
artisticamente, sobre o chão, aos pés da cama, flores naturais, partituras de música,
livros etc.
As duas fotografias (figs. 92 e 93) do maestro morto em uma cama, incluídas
abaixo, são de Antônio Oliveira, a quem sempre, por diversas vezes, Carlos Gomes
distinguiu com palavras de agradecimento, afirmando que em Milão, fotógrafos de
merecimento haviam-se admirado da perfeição dos retratos que levara o maestro, ao
mesmo tempo o gosto pelo progresso a que havia atingido a arte da fotografia na
capital do estado do Pará.
A primeira fotografia de Antonio Oliveira é bastante conhecida, pois foi
reproduzida em várias publicações e ainda circula na internet como de autor anônimo.
A segunda fotografia, bastante rara, foi tirada antes da preparação da cama e do
entorno dela, pelos artistas italianos.
248

Figura 92 Fotografia de Carlos Gomes em seu leito de morte, após a preparação da cama pelos
artistas De Angelis e Capranesi. Fotografia de Antonio Oliveira.

Fonte: Acervo Vicente Salles. Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará.

Figura 93 Fotografia de Carlos Gomes em seu leito de morte, antes da preparação da cama
pelos artistas De Angelis e Capranesi. Fotografia de Antonio Oliveira.

Fonte: Acervo Vicente Salles. Biblioteca do Museu da Universidade Federal do Pará.


249

Na residência do maestro, os srs. dr. Pedro Chermont, Arthur Vianna, Roberto


de Barros, Joaquim Dias, Antônio Pereira de Souza e Raul Franco, fizeram a
arrecadação de alguns objetos de valor, pertencentes ao ilustre imortal, os quais
ficaram sob a guarda do primeiro e são os seguintes: Um vale de 3:474$000 e outro
de 1:500$, assinados pelo Sr. Manuel Augusto Marques; um alfinete de ouro para
peito de camisa; uma bolsa de prata, um relógio de níquel pendentes de uma cadeia
contendo três dentes encastoados; duas moedas de cobre italianas e uma moeda de
ouro antiga; seus saques (dinheiro enviado para a Europa); uma carteira contendo
cartões de visita, diferentes papeis, dois retratos e três libras esterlinas.
Os objetos listados acima é somente uma parte daquilo que foi recolhido na
casa do maestro. O dr. Pedro Leite Chermont, na qualidade de presidente da
Associação Paraense Propagadora das Bellas Artes, enviou ofício (fig. 95) ao
governador do estado, para que fosse enviado para Milão e entregue aos filhos de
Carlos Gomes, quatro malas e três caixões com inúmeros objetos, dentre eles, a rede
branca em que faleceu o maestro. Abaixo detalhe (fig. 94) da página três da listagem
onde consta a rede branca onde faleceu Carlos Gomes.

Figura 94 Detalhe da página três, da listagem de objetos, onde consta a rede branca onde
faleceu o maestro Carlos Gomes.

Fonte: Arquivo Público do Estado do Pará.


250

Figura 95 Imagem do ofício enviado por Pedro Chermont ao Governador, em 31 de março de


1897.

Fonte: Arquivo Público do Estado do Pará.


O cadáver foi encerrado num ataúde de chumbo, forrado de veludo preto, com
florões de ouro. Preparou o engenheiro eletricista W. Harper, encarregado da
soldagem dos cabos telefônicos de Belém. Tem as seguintes dimensões: à cabeceira,
13 ¾ polegadas; na altura dos ombros, 21 ½ polegadas; aos pés, 11 ¾ polegadas e
de comprimento 06 pés. Foram feitas seis soldaduras internas no caixão. A tampa
superior é inteiriça, soldada pelos lados. Descansa o cofre em outra de madeiral e o
busto fica visível, através de um cristal.
Numa pequena tira de papel que rolava pelo chão, na casa do maestro, poucos
minutos depois de haver expirado, o Professor Roberto de Barros, um dos seus
amigos íntimos, encontrou escrita, por letra do grande artista, uma frase musical
completa, com algumas palavras à maneira de apontamento, das quais se vê que tais
compassos foram compostos ultimamente em Lisboa, sobre a impressão de uma cena
251

local. O que, porém, constitui uma coincidência curiosa e dolorosa, é que a dita frase,
estupendamente bela, tem o acento elegíaco de um funeral.
Há também uma versão de que a transcrição da melodia por Carlos Gomes em
Lisboa (fig. 96) foi encontrada numa "velha carteira" e que seria de uma marcha
fúnebre. Diz ainda que o conhecido professor Roberto de Barros aproveitou estes
compassos e bem assim, vários do Il Guarany, para compor uma Marcha Fúnebre a
Carlos Gomes (Rego, 2004, p. 134). O professor Roberto de Barros, de fato regeu a
frente de uma orquestra, a sua Elegia, no dia da Missa de corpo presente, na Igreja
da Sé, no dia 8 de outubro (Coelho, 1995, p. 165).
Ao observar o manuscrito, pode-se ver que se trata de uma transcrição de uma
melodia cantada por uma mulher vendedora de peixe. Possivelmente a melodia
acompanhava uma letra típica dos pregões populares. O manuscrito encontra-se no
Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro e foi digitalizado e enviado ao autor deste
trabalho pelo jornalista Franklin Martins, conforme descrito na nota de rodapé nº 75.
Alguns livros publicaram essa transcrição, no entanto, a descrição mais
apropriada do documento, foi feita pela filha de Carlos Gomes, Ítala Gomes Vaz de
Carvalho, que narra o que segue: "Quando passou a última vez por Lisboa, já muito
doente, notara o canto das mulheres de Ovar, que vendiam peixe, num pedaço de
papel onde ele mesmo traçou com lápis a pauta da música, e que ainda guardo
religiosamente" (Carvalho, 1935, pp. 168-169).

Figura 96 Transcrição feita por Carlos Gomes, de um pregão cantado pelas vendedoras de
peixe de Ovar-Portugal, em 1896

Fonte: Livro "A Vida de Carlos Gomes" de Ítala Gomes, 1ª ed. 1935, p. 169.
252

Figura 97 Transcrição feita por Carlos Gomes, de um pregão cantado pelas vendedoras de
peixe de Ovar-Portugal, em 1896.

Fonte: Museu Histórico Nacional. Registro fotográfico de Franklin Martins.76

O pianista e compositor Clemente Ferreira Junior, compadre de Carlos Gomes,


foi o responsável pelo registro de óbito do maestro. No dia 17 de setembro, Ferreira
Junior compareceu a um Cartório de Belém, onde o tabelião de registro civil Antônio
José de Góes manuscreveu o registro n.º 2265, lavrado às fls. 115 v. 116 do livro n.º
24, do Cartório de Registro Civil de Nascimentos e Óbitos da Comarca de Belém,
capital do Estado do Pará (fig. 98). Abaixo a transcrição completa do registro e imagem
do manuscrito original.

Aos dezessete dias do mês de setembro do ano de mil oitocentos


noventa e seis, nesta cidade de Belém, capital do Estado Federal do
Pará, da República dos Estados Unidos do Brasil, em meu cartório
compareceu o professor Clemente Ferreira Junior, na qualidade de
assistente dos últimos momentos e exibindo atestado dos Doutores
Almeida Pernambuco e Hollanda Lima, declarou: - Que ontem, as dez
horas e vinte minutos da noite, na casa número cinquenta e nove, à
travessa Quintino Bocaiuva, distrito de Nazaré, faleceu Antônio Carlos

76 No dia 29 de setembro de 2016, recebi um e-mail, do jornalista Franklin Martins, com a imagem da
transcrição feita por Carlos Gomes, acompanhada das seguintes palavras: "Prezado Jonas. Segue em
anexo a anotação musical feita por Carlos Gomes, existente no Museu Histórico Nacional, sobre a qual
havia lhe falado. Trata-se não de uma composição, mas de uma curta anotação feita por CG em Lisboa,
em 1896, depois de escutar o canto das vendedoras de peixe. O maestro estava em trânsito para
Belém. A catalogação do Museu Histórico Nacional registra o material erradamente como "Canto das
Ovareiras". O correto é "ovarinas", como eram chamadas as mulheres naturais de Ovar, na região do
Aveiro, que vendiam peixe em outras cidades maiores. Com o tempo, a palavra perdeu o "a" inicial. Em
Lisboa, há um bom restaurante de peixe chamado "Varina da Madragoa".
253

Gomes, natural do Estado de São Paulo, branco, de cinquenta e setes


anos de idade, viúvo, maestro morador na dita casa, filho legítimo de
Manoel José Gomes e de Dona Fabiana Jaguary Gomes, ambos
também do dito Estado e já falecidos; sendo a morte natural e a causa
conhecida, "cachexia cancerosa" e achando-se embalsamado, vai ser
depositado no Cemitério da Soledade, depois de licença da inspetoria
de serviço sanitário do Estado. Faleceu sem testamento e deixa dois
filhos legítimos, de nomes Carlos, de vinte e dois anos de idade e Ítala,
de dezoito. E, para constar, lavrei este termo, que assino com o
declarante. Eu, Antônio José de Góes, oficial do Registro Civil, o
escrevi. – Antônio José de Góes, Clemente Ferreira Junior.

Figura 98 Imagem do manuscrito original do registro de óbito de Carlos Gomes.

Fonte: Livro "Carlos Gomes no Pará", de Clóvis Moraes Rego, 2004, p. 464.
A cidade de Belém agitou-se com a morte do maestro. Vários preparativos
foram feitos para a transladação do cadáver para a câmara ardente (fig. 99),
preparada no prédio do Conservatório de Música realizada às 9h30 da noite do dia 18
254

de setembro. A procissão partiu da casa onde faleceu o maestro, com direção à


estrada de Nazaré, dali até o largo da Pólvora, Avenida da República, Rua Riachuelo,
Travessa São Matheus, Praça Saldanha Marinho, Rua São João, até o edifício da
Academia de Bellas Artes. Estimado em mais de 5.000 as pessoas que
acompanharam o cortejo, quase todas vestidas de preto, no mais religioso
recolhimento, conduziram velas e archotes, seguindo o itinerário constante do boletim
espalhado pelo governo.
Eram sem conta as pessoas que se apinhavam nas janelas das casas situadas
nas ruas, travessas e praças por onde desfilou a grande romaria, a que bandas de
música, executando em surdina sentidas marchas fúnebres e os clarões lacrimosos
das velas, davam o tom de soleníssima majestade (A Folha do Norte, 19 de setembro
de 1896).

Figura 99 Salão do Conservatório de Música da Academia de Bellas Artes, preparado para


estar em câmara ardente, com o corpo do maestro Carlos Gomes.

Fonte: Revista Brasileira de Música, 1936, p. 100. Fotografia: Fidanza.


O ataúde envolto na bandeira da república foi postado no riquíssimo coche de
1ª classe da Santa Casa de Misericórdia. O povo desatrelou as parelhas do carro e o
conduziu até o Conservatório, aonde chegou às 11h30 da noite.
No dia seguinte à morte do maestro, hastearam bandeiras a meio-pau, o
Palácio do Governo, Senado, Câmara dos Deputados, Intendência Municipal, Lyceu
255

Paraense, Junta de Higiene, Recebedoria do Estado, Colégio do Amparo,


Conservatório de Música, Diário Oficial, Jornal A República, Jornal Diário de Notícias,
jornal A Província do Pará, Sociedade Beneficiente Portuguesa, 1º e 2º Corpos de
Infantaria do Estado, Corpo de Cavalaria, Artística Paraense, Grêmio Literário
Português, Atheneu Comercial, Clube Euterpe, Loja Maçônica Harmonia e
Fraternidade, Hospital da Ordem Terceira, Correios, Escola Normal, Alfândega,
Theatro da Paz, todos os consulados estrangeiros, Sociedade Dramática, Recreativa
e Beneficente, Mechanica Paraense, diverso trapiches do litoral, embarcações do
fisco aduaneiro, vapores, Arsenal de Marinha, Mercado Público, Centro Comercial,
Lloyd Brasileiro, Café Central, Café Chic, Café Madrid, Café Roche, etc.
Nos jornais, revistas, almanaques e demais veículos impressos, as
homenagens eram publicadas em forma de poemas, discursos e demais falas que
buscavam engrandecer a figura de Carlos Gomes. Um exemplo das homenagens foi
uma litografia de Carlos Wiegandt, impressa na capa da revista "Ordem e Progresso",
Ano I, N.º 4 (fig 100).

Figura 100 Litografia de C. Wiegandt estampada na capa da revista "Ordem e Progresso".

Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional Brasileira.


256

A litografia de Wiegandt demonstra a qualidade e esmero com que, no Pará, os


artistas homenageavam o compositor Carlos Gomes. A litografia em tela foi elaborada
a partir de um registro fotográfico de Gomes pelo fotógrafo português, residente no
Pará, Felipe Fidanza e que hoje faz parte do acervo do Memorial do Instituto Estadual
Carlos Gomes (fig. 101). A partir dessa mesma fotografia de Fidanza o pintor Rolando
Vila realizou um retrato, óleo sobre tela (fig. 102), que também se encontra no
Memorial do Instituto Estadual Carlos Gomes, em Belém.

Figura 101 Fotografia de Carlos Gomes feita por Felipe Fidanza. / Retrato, óleo sobre tela,
pintado por Rolando Vila.

Fonte: Memorial do Instituto Carlos Gomes.


O governo do estado publicou no diário oficial, no dia 17 de setembro dois
decretos. O primeiro de nº 316, declarando feriado em todas as repartições do estado
e o segundo, de nº 317, com autorização do Congresso Legislativo do Pará,
assumindo as despesas decorrentes dos funerais do maestro.
A "Província" do dia 18 de setembro (fig.102), dedicou quase toda a edição ao
maestro, imprimindo uma fotografia do maestro na primeira página, circundada por
textos com homenagens, episódios da carreira e notícias sobre os momentos
posteriores à sua morte.
257

Figura 102 Capa da edição do dia 18 de setembro de 1896, do jornal A Província do Pará.

Fonte: IHGP-Instituto Histórico e Geográfico do Pará.


O decreto que o governo do estado publicou, no dia 18 de setembro,
estabelecendo feriado no dia anterior, tinha força de lei somente para as instituições
públicas, no entanto, todas as instituições particulares, como consulados e
representações estrangeiras, lojas comerciais, clubes etc., acompanhando o governo,
cerraram suas portas. Em decorrência disso, centenas de pessoas saíram às ruas,
aglomerando-se entorno a casa do maestro e posteriormente nas proximidades da
Academia de Belas Artes, onde o corpo ficou, em câmara ardente, até ser
transportado, no dia 20 de setembro, para o Cemitério da Soledade.
O cortejo fúnebre que levou Carlos Gomes do Conservatório de Música para o
Cemitério da Soledade, no dia 20 de setembro de 1896, foi um acontecimento que
258

ficou registrado na história de Belém, como um dos maiores momentos de comoção


popular, de ajuntamento coletivo e de exaltação de uma personalidade pública.
Os jornais que circularam nas primeiras horas do dia 20 de setembro voltaram
a divulgar, alguns detalhadamente, a organização do cortejo fúnebre, pedindo que a
sua ordem fosse mantida. A demarcação dos espaços a ocupar na estrutura do
préstito, em número de vinte e um, revelava um sentido de hierarquização que era
recorrente nesse tipo de cerimônia, como se viu, lembrando um exemplo bem mais
recuado, nos funerais de Abraham Lincoln, em 1865 (Coelho, 1995, p. 149)
A "Província" (22 de setembro de 1896) publicou a orientação emitida pela
organização do cortejo: "Todos os discursos serão proferidos ao chegar a romaria ao
Cemitério da Soledade, onde haverá uma tribuna especial". A Comissão encarregada
de organizar o préstito pediu que, para sua boa ordem, seja seguidamente observado
o plano adotado. Começando o desfile do préstito às 7h30, pela ordem seguinte:
1.º Estado maior do Regimento Estadual.
2.º Corpo de Cavalaria.
3.º Corporações Colegiais.
4.º Clero Católico.
5.º Coche Fúnebre.
6.º Governo do Estado, Representantes do Presidente da República,
Presidente de São Paulo e Ministros.
7.º Senado e Câmara dos Deputados77.
8.º Poder Judiciário (Magistratura Federal e Estadual).
9.º Imprensa.
10.º Câmaras Municipais de Belém e do Interior.
11.º Corpo Consular.
12.º Marinha Peruana.
13.º Exército e Armada Nacional.
14.º Guarda Nacional.
15.º Força Estadual e Corpo de Bombeiros.
16.º Lojas Maçônicas.
17.º Comissões de Representações estrangeiras.

77 À época, os estados tinham Senado e Câmara dos deputados.


259

18.º Congregações de estabelecimentos de ensino público e corpos docentes


de colégios particulares.
19.º Comissões de diversas associações.
20.º Comissões de funcionalismo público estaduais e federais.
21.º Carruagens.
O cortejo rumo ao Cemitério da Soledade (figs.103 a 105), mesmo com toda a
organização oficial que recebera, acabou não seguindo tão à risca o estabelecido
pelas autoridades, haja vista o grande afluxo popular que concentrou. No fundamental,
contudo, foram mantidas as formalidades estabelecidas para a sua realização, de
modo que sobressaísse a presença do Estado como identidade da sua realização
(Coelho, 1995, p. 149).
Os relatos jornalísticos informam que o cortejo foi seguido por
aproximadamente 10.000 pessoas. Os jornais tiveram suas tiragens rapidamente
esgotadas no dia 21 de setembro, quando narraram, cada um em seu estilo, os
acontecimentos do dia 20 de setembro. A Folha do Norte introduziu a sua narrativa,
buscando atrair a emoção do leitor.

Ainda temos diante dos olhos, embaciados pelas lágrimas de


inexprimível consternação, o espetáculo de ontem de manhã,
grandioso e magnificente, como igual nenhum jamais se verificou aqui
– o saimento dos queridos despojos de Carlos Gomes do edifício do
Conservatório de Música, para onde os transladaram desde a noite de
sexta-feira, velando junto deles durante todo o dia e noite de sábado
o que Belém tem de mais seleto e de mais ilustre. Uma verdadeira
glorificação, uma apoteose transcendente, única nos anais dessa
terra, e para cuja descrição falece-nos o ânimo, tal a grandeza, tal a
sua extensão, tal seu esplendor.

Pela descrição da Folha do Norte, o cortejo fúnebre adquiriu o formato de um


"espetáculo grandioso e magnificente, uma apoteose transcendente".
260

Figura 103 Cortejo que levou o corpo de Carlos Gomes do Conservatório de Música para o
Cemitério da Soledade.

Fonte: Coleção Vicente Salles do Museu da UFPA.

Figura 104 Cortejo que levou o corpo de Carlos Gomes do Conservatório de Música para o
Cemitério da Soledade.

Fonte: Coleção Vicente Salles do Museu da UFPA.


261

Figura 105 Cortejo que levou o corpo de Carlos Gomes do Conservatório de Música para o
Cemitério da Soledade.

Fonte: Coleção Vicente Salles do Museu da UFPA.

No Soledade o corpo do maestro ficou até o dia 08 de outubro de 1896, quando


foi transportado para a Igreja da Sé e rezada missa de corpo presente.
Após intensas negociações entre o governo do Pará e o de São Paulo, foi
decidido, após reclamações feitas por Lauro Sodré, que um navio de guerra e não
mais da marinha mercante, iria transportar o corpo de Carlos Gomes em direção ao
porto de Santos. O navio escolhido foi o "Itaipu", que chegando a Belém, no dia 05 de
outubro, foi especialmente preparado para o transporte do corpo.

Depois da cerimônia, na catedral de Belém, o esquife seguiu em procissão até


o trapiche "Lloyd Brasileiro". Embarcado o corpo, o navio partiu pela baia do Guajará
em direção ao oceano, para a última viagem do agora finado Carlos Gomes.

Na fotografia colocada abaixo (fig. 106), pode-se ver uma multidão à frente da
Igreja da Sé, no centro histórico de Belém. A igreja fica nas proximidades da baia do
Guajará, onde ficava o trapiche Lloyd Brasileiro. Mesmo sendo a igreja da Sé ou
Catedral Metropolitana de Belém, uma igreja grande, percebe-se pela imagem a
grande quantidade de pessoas que foram se despedir do maestro.
262

Não foi possível identificar o autor da fotografia, podendo ser de um dos três
principais fotógrafos daquele tempo, Fidanza, Girard ou Oliveira. Fidanza e Girard
trabalhavam no mesmo estúdio e Oliveira possuía sua própria loja.

Figura 106 Igreja da Sé, de onde saiu Carlos Gomes para o navio "Itaipú", após a missa de
corpo presente.

Fonte: Reprodução da página 37 do livro "Crônica de duas cidades: Belém – Manaus" (Nunes, 2006).

Foram muitas as fotografias feitas do maestro Carlos Gomes durante suas


passagens pelo Pará e de suas exéquias, no entanto poucas restaram, e mesmo
assim, com baixa qualidade. Algumas fotos estão presentes em livros, revistas e
demais publicações, sem a devida autoria. Nem sempre o fotógrafo é identificado,
mesmo estando na imagem a assinatura do artista.

Abaixo colocamos duas fotografias de Carlos Gomes, tiradas pouco tempo


antes de sua morte. As duas imagens exemplificam a ausência de autoria de algumas
fotografias do maestro feitas por fotógrafos que trabalhavam no Pará.

A primeira (fig. 107) encontramos publicada na página sete do livro "Um Artista
Brasileiro", de Silio Boccanera Junior (1913), informando na legenda que a imagem é
263

de "um retrato tirado no Pará em maio de 1896, quatro meses antes da morte do
maestro", sem referência ao fotógrafo. Como Carlos Gomes completou 60 anos, em
11 de julho de 1896, conclui-se que ele ainda tinha 59 anos e não sessenta, como
informado na legenda. A autoria é de José Girard. O fotografo José Girard, cearense
filho de franceses, radicou-se no Pará onde realizou vários trabalhos de fotografia e
pintura.
Figura 107 Fotografia de Carlos Gomes com 60
anos de idade.

Fonte: Boccanera Jr. 1913, p. 7.

A segunda imagem é considerada a última fotografia do maestro vivo (fig.108).


Nas publicações onde encontramos esta fotografia, ela aparece como anônima. No
decorrer da pesquisa, pode-se conferir a autoria da foto, creditada a José Girard.

Essa fotografia foi oferecida para o Clube Euterpe, um dos vários clubes que
existiam em Belém no período da belle époque. O Clube Euterpe publicou essa
informação no jornal A Folha do Norte, 29 de setembro de 1896, anunciando. "O sr.
264

José Girard, conhecido e distinto fotógrafo nesta cidade, acaba de oferecer ao Club
Euterpe, com o ofício que abaixo transcrevemos, um retrato de Carlos Gomes,
primoroso trabalho em platinotipia".
Após comentários elogiosos ao artista, é publicada a transcrição do ofício, onde
Girard, afirma ser aquela fotografia a última de Carlos Gomes.

Ilmo.º e exm.º sr. presidente do Club Euterpe. – Tenho a honra de


passar às mãos de v. excl.. o quadro que acompanha este ofício,
modesta homenagem por mim tributada à memória do glorioso
maestro Carlos Gomes. É a sua última fotografia, e entendi que
dificilmente encontraria quem mais de direito tivesse a esse meu
despretensioso trabalho, do que o Club Euterpe, tão dignamente
representado por v. excl.., o qual, além de contar entre os seus
membros o nosso saudoso maestro, se tem tornado credor da gratidão
de todos os brasileiros, pelo modo porque se tem desvelado em honrar
a memória daquele grande vulto nas mais públicas e brilhantes
manifestações. Cônscio de que v. excl. acolherá benevolamente a
minha humilde oferta de artista, só me resta apresentar a v. excl. os
meus protestos de consideração. Saúde e fraternidade. José Girard.

Figura 108 Última fotografia de Carlos


Gomes. Autoria de José Girard.

Fonte: Coleção Vicente Salles da Biblioteca do


Museu da UFPA.
265

A tela "Os últimos dias de Carlos Gomes" (fig. 109), é a última imagem presente
em nosso trabalho e que encerra nossa narrativa. A obra é plena de significados e
representações. Sendo uma tela de grande formato, ocupa uma parede inteira do
Museu de Arte de Belém, localizado no Palácio Antonio Lemos, em Belém do Pará. A
obra foi uma encomenda feita pelo intendente Antonio Lemos, tendo sido executada
em Roma, no ano de 1899, pelos pintores italianos Domenico De Angelis e Giovanni
Capranesi. A tela foi concebida e pintada com a técnica de óleo sobre tela, a partir de
fotografias que os artistas fizeram no dia da morte de Gomes, juntamente com o
fotógrafo Antonio Oliveira.
O quadro foi pintado pelos mesmos artistas italianos que confeccionaram a
máscara mortuária de Carlos Gomes, momentos depois e sua morte e que
ornamentaram o seu leito de morte para que o fotógrafo Antonio Oliveira fizesse o
registro do maestro morto. A tela foi concluída em Roma, finalizada e exposta em
1899. A obra ornamentou o gabinete do intendente Antônio Lemos, que assumiu a
gestão do município de Belém, em 1897. Atualmente o quadro pertence ao Museu de
Arte de Belém – MABE.

Embora a obra seja resultado de uma cena imaginada pelo autor, os


personagens que nela aparecem são homens que conviveram com Carlos Gomes,
principalmente nos anos de 1895 e 1896. As pessoas foram retratadas tais como eram
naquele ano e, ao comparar as imagens dos figurantes com outros retratos
conhecidos deles, percebe-se a fidedignidade da pintura. Um quadro que aparece
colocado na parede, do lado esquerdo do ambiente, representando o rapto de Ceci
por Peri, cena da ópera Il Guarany, pode ser apreciada na Capital do Estado do
Amazonas, segundo o escritor Clóvis Moraes Rego (Rego, 2004, p. 295).

As informações sobre a composição e da disposição das pessoas na tela, foram


baseadas no artigo "Últimos dias de Carlos Gomes", de João Marques de Carvalho,
amigo de Carlos Gomes, publicado no primeiro relatório de gestão do Intendente
Antonio Lemos (Belém, 1902, p. 405). Marques de Carvalho, que aparece na tela,
estava presente na casa no dia da morte do maestro.
Todos os homens que aparecem na tela faziam parte do círculo de convivência
e amizade de Carlos Gomes, portanto, o maestro ao final da vida estava cercado de
pessoas que contribuíram efetivamente para que ele pudesse retornar à pátria e
cuidar da sua saúde, mesmo que os prognósticos não lhes fossem favoráveis.
266

Ao lado do maestro estava um piano de cauda de jacarandá violáceo, com a


partitura do Il Guarany, aberta nas páginas onde está a ária Sento una forza indômita,
uma das muitas partituras que o maestro tinha na sua casa em Belém.

A parte central da tela, reúne em primeiro plano o núcleo central do poder


político e econômico, representado pelo governador Lauro Sodré e seu vice Gentil
Bittencourt, o senador Antonio José de Lemos e o visconde de São Domingos,
presidente da Praça do Comércio e da Associação Comercial. Naquele ano de 1896,
Antonio Lemos ainda não havia assumido a intendência de Belém, o que aconteceu
em 1897.

Com Lauro Sodré sentado ao lado esquerdo do maestro e Lemos em pé, logo
atrás do governador, tudo indicava que havia harmonia política entre eles, no entanto,
algum tempo depois, graves e até violentos incidentes entre "lauristas" e "lemistas",
abalaram Belém, culminando com a renúncia de Lemos, em 1911, e o incêndio do
jornal "A Província do Pará", de sua propriedade (Sarges, 2010). A inimizade entre
ambos contrasta com os esforços conjuntos que eles fizeram para trazer o maestro
para o Pará e ajudá-lo em todas as suas necessidades.

A imprensa se fazia presente na tela com o senador Antonio Lemos e os


jornalistas João Marques de Carvalho, Antonio Leite Chermont e João do Rego. O
jornalista Licínio Silva, a quem o maestro recorreu em vários momentos nos últimos
anos de sua vida, aparece fazendo anotações em uma caderneta, à frente dos autores
da obra , inseridos na cena.

O professor Ernesto Dias e o compositor Clemente Ferreira Junior,


representantes da música estão na parte anterior à cadeira onde está o maestro. O
flautista Ernesto Dias está atras do Visconde de São Domingos, com a mão direita
apoiando o queixo e Clemente Ferreira Junior, compadre de Carlos Gomes, aparece
ao fundo, ao lado da cama do maestro.

Na tela podemos perceber que a elite paraense se faz presente em


praticamente todos os seus campos. Além dos personagens já descritos vemos os
representantes do poder militar (Capitão Serra Pinto – inspetor do Arsenal da Marinha,
General Cláudio do Amaral Savaget – chefe do 1º distrito Militar, coronel Augusto De
Vasconcelos Chermont – inspetor do Arsenal de Guerra e o coronel Gama Costa), da
267

área de saúde (médicos Paes de Carvalho, Miguel Pernambuco, e Numa Pinto e o


enfermeiro Raul Franco) e da igreja (Bispo Dom Antonio Manoel de Castilho Brandão).

A presença de todos esses homens na casa do maestro, demonstra o respeito


e solidariedade dados a ele nos momentos que antecederam sua morte. Os jornais
publicavam diariamente, nos dias anteriores à morte do maestro, a lista dos visitantes
que se encontravam na residência, prestando solidariedade ao enfermo. Todos os
personagens que aparecem na tela visitaram o maestro em várias ocasiões.

A tela "Os últimos dias de Carlos Gomes", (Fig. 109) reflete um clima de
serenidade, tristeza e resignação. O maestro tenta se comunicar com Lauro Sodré e
seu vice. Ambos têm um olhar de profunda tristeza. Lauro Sodré, pensativo, quem
sabe estava lembrando que dezesseis anos atrás, em 1880, havia feito um empolgado
discurso no Teatro Lyrico do Rio de Janeiro, saudando, como jovem estudante do 3º
ano do curso superior da Escola Militar da Praia Vermelha, o famoso maestro Carlos
Gomes, quando ele chegou ao teatro (Revista Brasileira de Música, 1936, p. 87).

O governador Lauro Sodré, foi um importante personagem na história de Carlos


Gomes. Entre as tantas atitudes que tomou a favor do maestro, em vida ou após sua
morte, destacam-se seu esforço para trazer o maestro em 1896 para o Pará, ajudá-lo
com o pagamento do seguro para os filhos - situação que afligia o maestro, dias antes
de morrer - autorizar a ida do corpo do maestro para sua terra natal e anos mais tarde
interferir a favor da ida do piano do compositor para Campinas.

Ao encerrar esse trabalho, onde foi narrada a presença de Carlos Gomes na


belle époque de Belém, refletimos que o desejo da oração do maestro, "o lugar do
meu fim é no Brasil. Amen", se concretizou na Belém amazônica, que, por fim, não
estava tão longe e tão distante de seus sonhos.
268

Figura 109 Tela "Os Últimos Dias de Carlos Gomes", 1899. Angelis; Capranesi. (dimensões:
224 X 484 Cm).

Fonte: Museu de Arte de Belém. Fotografia: Otávio Cardoso.


269

CONCLUSÃO.

A morte de Carlos Gomes em 16 de setembro de 1896, em Belém do Pará, foi


a notícia mais lida nesta cidade e em boa parte do Brasil. Era o tempo do telégrafo,
não havia outro meio de comunicação que fosse mais veloz. O rádio ainda não havia
chegado ao Brasil. Por cabo submarino as notícias da morte de Gomes viajaram
oceano a fora. Os jornais e as cartas chegaram depois pelos vapores e pelos trens,
os dois meios de transporte mais velozes da época.
O desaparecimento do maestro causou dor e tristeza na população de Belém.
A partida do corpo para sepultamento em Campinas, sua terra natal, deixou nos
professores e alunos do conservatório um sentimento de orfandade. Restou, no
velório e cortejo, a decepção e o fim das esperanças de cura.
Dois momentos marcaram a história da música no Pará, na passagem do
século XIX para o XX: a morte de Carlos Gomes em 1896, e a extinção do
Conservatório de Música, que ele foi diretor, em 1908.
O Conservatório de Música do Pará, surgiu de uma demanda crescente no
período da belle époque, por estudos de música com fins de formação de quadros
para a agitada vida musical de Belém. Professores e músicos estrangeiros que
imigraram para o Pará, juntamente com os professores paraenses, foram chamados
a integrar um quadro de profissionais capacitados para formar músicos. Nos
educandários e colégios da cidade, a música já era ensinada há muito tempo, como
disciplina de formação humanística dos jovens.
Para dirigir o novo estabelecimento musical que surgiu em 1895, necessitaria
de convidar alguém cujo poder simbólico fosse suficiente para representar os ideais
positivistas da elite paraense. Carlos Gomes era o artista que melhor se adequava a
esses pressupostos, independentemente de seu histórico monarquista.
Após a morte do maestro, o estado transformou o conservatório em instituição
pública e o renomeou como Instituto Carlos Gomes, em 1897. O governador que
assinou a Lei n.º 525, de 1º de junho de 1897, convertendo o conservatório em
estabelecimento público, foi o dr. José Paes de Carvalho, o médico que chefiou a
equipe que cuidou da saúde de Carlos Gomes, nos seus últimos dias. Esta Lei, mais
que preservar sob o manto do estado o conservatório, foi uma homenagem ao músico
que viveu em Belém e deixou marcas significativas em sua história.
270

Em 1908, Belém começava a sofrer os danos causados pela desvalorização da


borracha no mercado internacional e, ao mesmo tempo, estava na governança do
estado o advogado Augusto Montenegro, que, sob a justificativa de contenção de
despesas, extinguiu o Instituto Carlos Gomes. Foi um golpe muito duro para os alunos
e professores. A alegação de contenção gastos não se mostrou convincente, pois
suas prioridades estavam em outro campo, visto que "nesse mesmo ano Augusto
Montenegro deu à estampa luxuoso álbum de propaganda de seu governo, impresso
em Paris, fartamente ilustrado, com bonitas litografias a cores" (Salles, 1995, p.55).
Ao longo da escrita da tese, pudemos constatar que a história de Carlos Gomes
se imbricou à de Belém a partir da década de 1870, amalgamando uma relação
duradoura. Ao longo do texto procuramos demostrar que as visitas de Gomes à cidade
reforçavam a possibilidade de que as passagens pela cidade, poderiam adquirir
caráter de permanência ad aeternum.
O legado de Carlos Gomes ao Pará, perdura até os dias de hoje. Mesmo com
a extinção do conservatório, os professores de música que ficaram em Belém, depois
do êxodo provocado pelo crash da borracha, no início da segunda década do século
XX, resistiram e recriaram o Instituto Carlos Gomes, em 1929. Em 1930, o interventor
federal, Magalhães Barata, converteu novamente o conservatório em estabelecimento
público, permanecendo assim até a atualidade.
Uma questão inicial indagava se Belém queria Carlos Gomes e que elementos
teríamos para responder a esse questionamento. No sentido inverso, perguntava-se
se Carlos Gomes teria algum interesse a tratar nesse lugar tão distante de seu meio
habitual. Foi necessário dialogar com as fontes e com os saberes escritos daqueles
que já tinham se debruçado sobre a vida e obra do maestro para que, ao longo do
texto, tais questionamentos fossem encaminhados na direção de possíveis respostas.
Como falamos na introdução a este trabalho, nossas indagações iniciais tiveram
respostas satisfatórias.
A presença de Carlos Gomes em Belém e as homenagens que recebeu quando
em vida, nos revelaram, ao longo do trabalho, algumas questões.
Quanto a Belém.
A cidade possuía uma elite endinheirada, sedenta de novidades, consumidora
de produtos importados e, ao mesmo tempo, preocupada com a educação e
qualificação técnica de seus filhos. A cidade, pela proximidade geográfica e seu
271

histórico colonial, se conectava diretamente com a Europa e os Estados Unidos. Ao


consumir produtos e arte europeia, a ópera passa a fazer parte da agenda anual do
Theatro da Paz, tendo as récitas sido organizadas em temporadas líricas. Algumas
óperas de Gomes foram encenadas nessas estações líricas, aumentando ainda mais
a apreciação do povo pelas produções do maestro. A cidade possuía muitas
associações mutualistas, clubes e sociedades musicais (euterpes).
Quanto a Carlos Gomes.
O compositor necessitava de expandir suas relações profissionais, difundir
suas obras e auferir rendimentos com o fruto do seu trabalho. Conhecedor do mundo
da época, Gomes via em Belém um mercado promissor para vender seus produtos.
Em carta a Giulio Ricordi, seu editor, datada de 10 de novembro de 1873, Gomes diz:
"Desejo saber se o senhor M. J. da Costa e Silva, do Pará, escreveu recentemente à
sua Casa, expondo a sua vontade. Há poucos meses falei longamente com ele sobre
a sua Casa e as facilidades que ele, como negociante do Pará, poderia obter de você"
(Vetro, 1982, p. 174). M.J. da Costa e Silva foi um importante comerciante de Belém
e sua loja vendia instrumentos musicais, acessórios e partituras de música. Gomes,
como fica visível nessa carta ao seu editor, procurava, por todos os lugares que
passava, fazer amizades, trocar favores e estabelecer contatos que resultassem em
bons negócios.
As questões elencadas acima foram reveladas nas fontes estudadas. Belém e
Carlos Gomes tinham interesses convergentes e fez-se necessário demonstrar isso.
Suas correspondências ativas revelaram um comportamento inconstante quanto ao
Pará e seus personagens, no entanto, ao fim e ao cabo, os interesses mútuos se
sobressaíram frente às divergências.
Gradativamente, ao longo da pesquisa e da organização das fontes, muitas
informações novas, descobertas e revelações afloraram. Um exemplo: A foto de
Gomes morto numa cama, no momento ligeiramente anterior à ornamentação que os
artistas italianos, Giovanni Capranesi e Domenico D'Angelis fizeram. Além da imagem
em si, rara, o autor da foto foi revelado como sendo Antonio Oliveira.
Ao passo que as fontes eram coletadas, procedeu-se a organização em
arquivos de computador e o imediato estudo delas. Quando da escrita, a consulta se
tornou mais ágil e produtiva.
272

A atenção ao rigor científico que o trabalho acadêmico exige, demandou usar


fontes o mais seguras possíveis, deixando de lado informações que não tinham
substância suficiente para dialogar com os fatos. Não se tornou exequível trazer para
o texto, todas ou mesmo grande parte das informações observadas nas fontes,
extraindo delas somente uma parte que pudesse dar força aos argumentos
apresentados.
Após o fechamento do Instituto Carlos Gomes, em 1908, até nossos dias, ano
após ano, a memória de Carlos Gomes é reavivada em recitais, festivais, concertos.
Desde a infância, os estudantes de música no Pará, convivem com o nome de Carlos
Gomes que denomina a Fundação Carlos Gomes, responsável pela política musical
do estado do Pará, mantenedora do Instituto Estadual Carlos Gomes e do Coro Carlos
Gomes, além de estar presente em bandas de música, escolas de ensino fundamental
e médio, entre tantos outros usos da imagem do maestro.
A morte do maestro em Belém, encerrou uma relação entre um personagem da
música e uma cidade amazônica. Sobre essa relação tratou este trabalho, agora
concluído. Mesmo que uma janela histórica fique aberta com a partida do corpo do
maestro para sua terra natal, a tese foi concluída com a descrição desse momento.
Observamos finalmente que os interesses que motivaram Carlos Gomes visitar
e vir morar em Belém, derivaram de seu conhecimento a respeito da cultura, da
riqueza e da estrutura que a cidade apresentava; que Belém, de fato, queria ter em
seu meio o maestro, mesmo que doente; que Carlos Gomes, a despeito de todas as
dificuldades, encontrou um "porto seguro", para viver e trabalhar, ao se mudar em
definitivo para Belém, em 1896.
Antônio Carlos Gomes sempre será um tema a ser estudado. Compositor que
dominava seu ofício, Gomes, por tudo que ouvimos falar dele, se configura como um
ser humano de personalidade forte, como uma trajetória artística muito rica e um
legado que precisa e deve continuar a ser estudado.
273

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1936): número especial consagrado ao 1º centenário do nascimento de A. Carlos
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BELÉM, Intendência Municipal. Relatório apresentado ao Conselho Municipal de


Belém na sessão de 15/11/1906 pelo Intendente Senador Antônio José de
Lemos. Belém: A.A. Silva, 1907.

MENDONÇA, Albuquerque. Relatório da Administração do Governador Lauro


Sodré. Belém: Typ. do Diario Official, 1897.

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Sodré. Pará: Typ. do Diário Official, 1897.

PARÁ. Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial no dia 14 de


abril de 1842 pelo Presidente da Província Dr. Bernardo de Souza Franco. Belém:
Typ. de Santos & menor, 1842.

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Cunha Figueiredo, ao 2º Vice-presidente, Miguel Antonio Pinto Guimarães, em
16 de maio de 1869. Belém: Typ. do Diario do Gram-Pará, 1869.

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Província Dr. Abel Graça. Belém: Typ. do Diario do Gram-Pará, 1872.
283

PARÁ. Relatório apresentado à Assembleia Legislativa Provincial na 2ª sessão


da 22ª legislatura em 15 de fevereiro de 1881 pelo Exm. Sr. Dr. José Coelho da
Gama e Abreu. Belém: Typ. Do Diario de Notícias de Costa & Campbell, 1881.

PARÁ. Relatório com que Miguel Antonio Pinto Guimarães passou a


administração da província para Domingos José da Cunha Junior, em 18 de abril
de 1873. Pará: Typographia do Diario do Gram Pará, 1873.

PARÁ. Relatório do Presidente da Província, General Visconde de Maracaju,


apresentada à Assembleia Provincial em 7 de janeiro de 1884. Belém: Typ. do
Diário de Notícias, 1884.

ABREU, José Coelho da Gama e. Presidente da Província do Pará. Relatório


apresentado à Assembleia Legislativa Provincial do Pará na sua 1ª Sessão da
22ª Legislatura. Pará: Typographia do Diário de Notícias de Costa & Campbell, 1881.
Anexo I.

PARÁ. Relatório apresentado por Alberto Mendonça, responsável pela 1ª


Diretoria da Secretaria de Governo, ao Governo do Estado, em 30 de abril de
1898. Acervo do Arquivo Público do Pará.

IMPRESSAS

 A Bohemia – SP (1896)
 A Constituição (1876 – 1886)
 A Epocha (1895)
 Federação – AM (1896)
 A Liberdade (1883)
 A Pátria Paraense (1894)
 A Platea - AM (1907)
 A Reacção (1889)
 A Regeneração (1973)
 A República (1886 – 1900)
 A Voz do Caixeiro (1890)
 Almanack Paraense (1883)
 Diário de Belém (1870 – 1889)
 Diário do Comércio, Belém (1859).
 Diário de Notícias (1881- 1898)
 Diário do Maranhão – MA (1895)
 Diário de Pernambuco – PE (1895)
 Diário Official – AM (1895)
 Folha do Norte (1896 - 1898)
 A Província do Pará (1895 - 1896)
 Gazeta de Notícias (1881)
 Gazeta Postal (1893)
284

 Jornal 13 de Maio – PA.


 Jornal de Recife – PE (1895)
 Jornal do Commercio – AM (1907)
 Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1845.
 O Democrata (1890 – 1893)
 O Jornal (1900)
 O Liberal do Pará (1870-1889)
 O Pará (1899 – 1899)
 O Santo Officio (1876)
 Pacotilha – MA (1895)
 Revista Amazônica (1883)

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