ABRIL 2023 26ª EDIÇÃO
R E V I S T A
Lula aposta em populismo e
atalhos que condenam país a
“voos de galinha” na economia
Para UE, lítio pode Marcio Antonio Campos: Por
transformar América Latina que lamento muito, mas não
em novo Golfo Pérsico. Mas rasgo as vestes quando
há o risco de “maldição” Francisco “faz o L”
Índice
Editorial: Otimismo artificial 03
Marcio Campos: Por que lamento muito, mas
09
não rasgo as vestes quando Francisco “faz o L”
J.R. Guzzo: O arcabouço fiscal é um retrato do
18
governo Lula: ideias mortas e conversa fiada
Lula aposta em populismo e atalhos que
24
condenam país a “voos de galinha” na economia
Como fica a disputa pela indicação republicana
37
para a Casa Branca com o indiciamento de Trump
Lítio pode transformar América Latina em novo
45
Golfo Pérsico. Mas há o risco de “maldição”
Fim do alarmismo populacional: planeta não
53
sofrerá com a superpopulação
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante reunião ministerial, no Palácio do
Planalto.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
| Editorial
Otimismo artificial
Lula acha que seus ministros andam muito
acabrunhados e pediu-lhes “otimismo” no
início de uma reunião ministerial realizada
nesta segunda-feira. O presidente da República,
recuperado de uma pneumonia que o fez adiar a
viagem à China, afirmou que sua equipe não
pode “ficar só lamentando” e disse estar “con-
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vencido de que o país vai dar um salto de
qualidade”. Os comentários foram a reação a
uma pesquisa do instituto Datafolha divulgada
no fim de semana, e que trouxe números nada
confortáveis para Lula.
De acordo com o instituto, a aprovação de Lula
ao fim destes primeiros três meses de governo é
a menor de todos os mandatos do petista. Do
total de entrevistados, 38% consideravam o
desempenho de Lula “ótimo” ou “bom” – este
índice era de 43% em 2003 e de 48% em 2007.
Já a parcela dos que classificaram o governo
como “ruim” ou “péssimo” é de 29%, contra
meros 10% em 2003 e 14% em 2007. Além
disso, o Datafolha mostrou que os entrevistados
estão ficando mais céticos quanto aos rumos da
economia. É verdade que a parcela dos que
acreditam em uma melhora ainda é de 46%,
três pontos a menos que em pesquisa idêntica
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realizada em dezembro, antes da posse de Lula;
mas o pessimismo em relação ao futuro subiu
seis pontos, de 20% para 26%.
Em vez de “apostar”, o papel do
governo é trabalhar: dar condições para
que a economia possa galopar, com
liberdade econômica, responsabilidade
fiscal, Estado eficiente, tributação
racional, sem intervencionismos nem
populismos imediatistas
Também, pudera. Depois de uma longa
sequência de queda, o desemprego voltou a
subir por dois meses consecutivos, embora não
se possa descartar de imediato a possibilidade
de o mercado de trabalho ter sido influenciado
por fatores sazonais típicos do início de ano. A
inflação muito provavelmente extrapolará o
limite máximo de tolerância da meta traçada
para 2023 – será o terceiro ano seguido em que
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isso ocorre –, e Lula tem voltado todas as suas
baterias contra o Banco Central, a única
instituição que está batalhando contra a
inflação com as armas que tem à disposição. Os
aposentados tiveram seu acesso ao crédito
severamente reduzido após uma canetada
reduzir juros do empréstimo consignado. O
presidente já demonstrou sua hostilidade ao
empresariado, e o agronegócio se vê às voltas
com o recrudescimento do MST e atitudes como
a do presidente da Apex, Jorge Viana, que em
Pequim associou o setor ao desmatamento na
Amazônia. E, a cada dia que passa, fica mais
evidente que a regra fiscal proposta pelo gover-
no para substituir o teto de gastos tem proble-
mas sérios, a começar pela garantia de aumento
real de despesa governamental independente-
mente do que acontecer à economia, sem falar
na convicção crescente de que as metas
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propostas pelo governo só poderão ser atingidas
à custa de aumento na carga tributária.
“Não concordo com as avaliações negativas da
economia”, disse Lula a seus ministros, como
se a mera opinião tivesse o condão de inverter
indicadores ruins ou de melhorar a economia
por mágica, como nas tentativas de forçar uma
queda nos juros “porque sim”. Continuando sua
tradição de metáforas esportivas, mas abando-
nando temporariamente o futebol, o presidente
ainda justificou a cobrança por otimismo
dizendo que “ninguém vai investir em cavalo
que não corre”. No entanto, se o cavalo estiver
fraco, desnutrido ou com pesos amarrados aos
cascos, o jóquei pode gastar toda a sua voz com
gritos de incentivo que não conseguirá fazer o
animal sair do lugar.
“O nosso papel é apostar que esse país vai dar
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certo”, completou o presidente, mais uma vez
demonstrando sua fé no poder mágico da pro-
paganda. Em vez de apostar, o papel do governo
é trabalhar: dar condições para que a economia
possa galopar, com liberdade econômica, res-
ponsabilidade fiscal, Estado eficiente, tributa-
ção racional, sem intervencionismos nem
populismos. Se este roteiro for seguido, não
será preciso pedir otimismo, pois ele virá
automaticamente. Do contrário, teremos o mais
do mesmo petista: a insistência em políticas
econômicas comprovadamente desastrosas na
esperança vã de que os resultados serão dife-
rentes daqueles do passado, fazendo especial-
mente os brasileiros mais pobres pagarem as
consequências desse pensamento mágico.
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Marcio Antonio Campos
O papa Francisco é cumprimentado por cardeais durante as celebrações do
Domingo de Ramos na Praça de São Pedro.| Foto: Claudio Peri/EFE/EPA
Por que lamento muito, mas
não rasgo as vestes quando
Francisco “faz o L”
O papa Francisco já foi notícia no mundo inteiro
semana passada por causa da internação
inesperada, mas no Brasil ele ainda rendeu
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manchetes por outro motivo: uma entrevista
desastrosa em que ele resolveu limpar a barra
de Lula e até de Dilma Rousseff. A conversa com
o jornalista argentino Gustavo Sylvestre, do
canal noticioso C5N, havia sido gravada antes
de Francisco ser hospitalizado, mas foi ao ar
enquanto o papa estava no Policlínico Gemelli.
Para não me deixar influenciar por trechinhos
selecionados da entrevista, assisti à íntegra, de
pouquinho mais de uma hora.
O Brasil não aparece do nada; antes disso,
Francisco e Sylvestre passam vários minutos
falando da Argentina, e daí para a tentativa de
assassinato de Cristina Kirchner, e daí para o
“ódio político”, e aí para a prisão de Lula, de-
pois para o lawfare, e a coisa degringola total-
mente a partir do minuto 40 – é o jornalista
quem cita Lula, Evo Morales e Cristina Kirchner
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como vítimas dessa prática, mas o papa
continua o raciocínio e coloca Dilma no rolo.
Bom, em primeiro lugar, sim, o papa está
errado. Existe um caminhão de provas que a
Lava Jato levantou contra Lula, e que as duas
instâncias julgadoras que analisam a culpabili-
dade (tanto STJ quanto STF só analisam ques-
tões processuais, não se a pessoa é culpada ou
inocente) levaram em consideração. Leiam as
denúncias e as sentenças que está tudo lá.
Quanto a Dilma, mesma coisa. Impeachment
tem muito de juízo político, mas os crimes de
responsabilidade cometidos nas pedaladas e
demais gambiarras orçamentárias existiram.
Novamente, leiam as peças, procurem os
depoimentos dos que identificaram as pedala-
das. Documentação não falta para os dois casos;
ainda que no caso de Lula o STF tenha inutiliza-
do as provas todas, isso apenas significa que
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elas não podem ser mais usadas numa corte,
não que a verdade possa ser reescrita.
Mas, se ele está errado, então... bom, então não
muda muita coisa. O papa é um líder religioso. O
que ele diz sobre o Lula é uma opinião política,
pessoal, dele, que não obriga nenhum católico a
nada e tem tanto valor intrínseco quanto as
opiniões políticas de um esportista ou de um
artista. Deus não deu ao papa o carisma de não
falar bobagem, nem de jamais se equivocar em
seus juízos pessoais. Por mais que alguns bispos
e padres “coroinhas de Lula” queiram
transformar essa entrevista em Magistério
infalível, a verdade é que infalibilidade mesmo
só se aplica em questões de fé e moral, e mesmo
assim sob certas condições. Se Deus não protege
o papa nem mesmo de decisões erradas no
governo da Igreja (por exemplo, ele pode fazer
nomeações equivocadas), muito menos vai
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impedi-lo de dizer alguma besteira sobre
qualquer outro assunto.
Ama-se e respeita-se o papa pelo
que ele é, não se condiciona esse
amor e respeito ao que ele pensa ou
ao que faz
Isso não significa, no entanto, que estamos
diante de algo irrelevante. A fala não tem peso
doutrinal algum, mas foi no mínimo uma
tremenda imprudência e, no máximo, um
enorme desastre. Não sei exatamente como
Francisco chegou a essa conclusão sobre Lula e
Dilma, se acreditou piamente no que lhe devem
dizer os “coroinhas de Lula” ou se estudou o
caso por conta própria (usando sabe Deus que
fontes – Francisco fala explicitamente sobre
reuniões com o ex-chanceler Celso Amorim).
Mas isso pouco importa, na verdade; o que foi
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dito está dito, palavras têm consequências, e o
papa está sujeito a elas. Nem falo da
intromissão de um chefe de Estado em assuntos
puramente seculares de um outro país (dizer
que Lula é inocente das acusações criminais
feitas contra ele é diferente, por exemplo, de o
papa falar contra a aprovação de uma lei
abortista ou de violações à liberdade religiosa
em algum lugar), mas do risco de erosão da
autoridade de Francisco (não do papado) como
autoridade moral. Afinal, se o papa diz uma
coisa dessas sobre pessoas cujos atos estão
fartamente documentados, fechando os olhos
para coisas tão evidentes, como garantir que ele
não esteja falando bobagens quando se
pronunciar sobre diversos outros assuntos
semelhantes? Como ele vai pretender que os
brasileiros – especialmente os não católicos –
lhe deem ouvidos? Da próxima vez que o papa
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criticar os mafiosos italianos, por exemplo, o
que impedirá alguém de lembrar que ele está
passando pano para a corrupção no Brasil?
E o que fazemos quanto a isso? Se você é
católico, lembre-se: o papa é seu, meu, nosso
pai. E você não deixa de amar seu pai porque ele
“faz o L”, ou porque tenha ideias equivocadas
sobre o que quer que seja, ou porque faça
besteiras de vez em quando. Você não o insulta
nem briga com ele em público; você lamenta (e
muito), mas segue amando e rezando por ele –
inclusive rezando para que ele bote a cabeça no
lugar. Isso me lembra a Tati Bernardi
perguntando no Roda Viva como poderia
perdoar o pai que votou em Bolsonaro, para
receber uma linda entortada de Leandro Karnal:
o problema talvez não seja a política. Ama-se e
respeita-se o papa pelo que ele é, não se
condiciona esse amor e respeito ao que ele
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pensa ou ao que faz – e acreditem, a história da
Igreja tem lá seu punhadinho de papas que
pensaram e fizeram sua boa cota de horrores.
E para quem, mais que perder a estima por
Francisco, está perdendo até a fé, vale uma
adaptação do aviso de Karnal a Bernardi: se você
está pensando em deixar a Igreja por causa de
Francisco, da CNBB, do padre Fulano ou do
bispo Beltrano, o problema talvez não seja
Francisco, nem a CNBB, nem o padre nem o
bispo. Os papas vêm e vão – os bons, os maus,
os gênios, os medíocres, os que governam mais
“para dentro”, os que governam mais “para
fora” –, mas a fé católica permanece a mesma e
o Espírito Santo continua sempre a guiar a
Igreja. Por mais que um grande papa, um
grande bispo ou um grande padre (por
“grande” leia-se simplesmente “santo”) atraia
muitas pessoas para a fé, a pessoa que
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verdadeiramente importa é Cristo; os demais
apenas apontam para Ele, que é o real
fundamento da fé. Fiar-se nas pessoas, por
melhores que sejam, é apoiar a fé no alicerce
errado; abandonar a fé por decepção com um
líder, especialmente quando seu erro está em
assuntos que não dizem respeito a essa fé, é
confirmar que o alicerce está mal construído.
Por isso, lamento demais, mas não perco a fé
nem a estima pelo papa. Ele não vem pedindo
que rezem por ele, desde os primeiros minutos
de pontificado? Pois então: sigo rezando para
que Francisco conduza seu pontificado como
Deus quer – não como eu quero, nem como
Francisco quer, mas como Deus quer.
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J.R. Guzzo
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, e o presidente Lula: novo arcabouço fiscal prega aumento da
arrecadação.| Foto: Washington Costa/MF
O arcabouço fiscal é um retrato
do governo Lula: ideias mortas
e conversa fiada
A equipe econômica, após três meses de
conversa, de reuniões e de anúncios variados,
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apresentou, enfim, o que deve ser o plano
financeiro do governo – basicamente, a
declaração pública de como as autoridades
pretendem que o Estado brasileiro se mantenha
em funcionamento durante os próximos anos. É
o “arcabouço fiscal” de que se fala; muita gente
boa, a começar pelos comunicadores, nunca
tinha ouvido até hoje a palavra “arcabouço”,
nem sabe o que isso significa, mas a mídia
gostou dela e agora faz parte fixa do noticiário.
O plano é um retrato praticamente perfeito do
que está na essência do governo Lula – o esfor-
ço, em tempo integral, para tapear a população
com ideias mortas, conversa fiada e promessas
que nunca serão cumpridas. A estrutura que
apresentaram para sustentar as contas públicas
não sustenta nada. É apenas um anúncio de que
o governo quer gastar e vai continuar gastando
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enquanto estiver por aí; na prática, não há
nenhuma outra proposta no “arcabouço”.
Não existe investimento público
num governo do PT; o que existe é
gasto para manter a máquina do
Estado em seu perpétuo regime de
engorda
O plano, no português de ginásio em que foi
escrito, diz que a quantia monstruosa de
dinheiro que o governo Lula vai consumir com
as suas despesas, do Bolsa-Picanha aos jatos da
Força Aérea para levar ministros verem exposi-
ções de cavalos de raça, virão do “aumento da
arrecadação”. Pronto: então está tudo resolvi-
do, não é mesmo? É como o sujeito comprar
uma casa agora contando com um aumento de
salário que espera receber algum dia no futuro.
O único elemento líquido e certo do “arcabouço
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fiscal” é a despesa. O “aumento da arrecada-
ção” é unicamente um desejo – e um desejo que
nada tem a ver com a realidade objetiva do
Brasil no momento. Ao contrário, data-hoje, o
que se espera é crescimento nulo ou baixo, e
com economia parada a receita não pode
aumentar. Não dá para ser diferente. Em três
meses de atividade, o governo não foi capaz de
esboçar a mais remota medida concreta que
possa levar a um 0,00001% de crescimento, ou
a um emprego de carteira assinada, ou a 1 real
de investimento. (O único investimento que o
presidente Lula anunciou até agora foi um
gasoduto na Argentina.)
Na verdade, tudo o que os 37 ministérios e o
resto da máquina do governo disseram até
agora é o oposto de progresso econômico – tem
sido, sem parar, um ataque direto à produção,
ao mundo do trabalho e à liberdade de
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empreender. Levam peixes gordos do MST para
o que anunciam ser uma fenomenal viagem “de
negócios” à China; que “negócio” querem
fechar desse jeito – algum investimento chinês
na invasão de terras, talvez?
Querem a volta do imposto sindical. Querem a
volta do seguro obrigatório para automóveis.
Querem “imposto sobre fortunas”. Não falam
em outra coisa que não seja o combate ao
racismo, à “direita”, à transfobia, à
“discriminação das mulheres”, ao “genocídio
dos povos indígenas”, à desigualdade e a tudo o
que acham mau e feio neste mundo. Como gerar
um emprego com esse palavrório, ou um tostão
de investimento verdadeiro? O governo diz que
tudo vai ser lindamente resolvido neste país
com “investimento público”. Não existe
investimento público num governo do PT; o que
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existe é gasto para manter a máquina do Estado
em seu perpétuo regime de engorda.
Lula e o seu Sistema dizem que querem dinheiro
“para os pobres”, mas os pobres não vão ver
nem sombra dos trilhões e mais trilhões do
“arcabouço fiscal”. Tiveram mais de treze anos
e quatro vezes seguidas no governo para
“acabar com a pobreza”, como dizem. Por que
não acabaram? O PT não está interessado em
pobre nenhum. Está interessado em empregos
de 76 mil reais por mês na diretoria da Itaipu –
como o que acaba de ser doado a um “assessor
legislativo” da presidente do partido. O resto é
material de propaganda para sair no Jornal
Nacional.
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| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Lula aposta em populismo e
atalhos que condenam país a
“voos de galinha” na economia
Por Vandré Kramer
A aposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) em soluções imediatistas e atalhos para
resolver questões complexas na economia foi
um dos marcos dos três primeiros meses de
governo. Uma prática que tende a manter o país
nos níveis medíocres de crescimento das
últimas quatro décadas, quando o país se
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acostumou a "voos de galinha", em que breves
surtos de expansão mais forte são seguidos de
longas temporadas de quase estagnação ou
mesmo recessão.
Fernando Veloso, pesquisador sênior em
economia aplicada do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas
(Ibre/FGV), diz que essa tem sido a tônica do
crescimento brasileiro, à exceção de um
pequeno período nos anos 2000.
Para este ano, as projeções do boletim Focus, do
BC, sinalizam para uma alta de apenas 0,9% do
PIB. Embora mais otimista, até a projeção da
equipe econômica é de baixo crescimento: 1,6%.
Para os técnicos do Ministério da Fazenda, o
ano de maior expansão deste man- dato será
2025, com PIB avançando cerca de 2,8%.
Essas perspectivas só aumentam a tentação por
medidas populistas para acelerar o PIB a
qualquer custo. Lula se elegeu prometendo mais
crescimento e, quando o IBGE divulgou
aumento de 2,9% no PIB do de 2022, disse que
"a economia não cresceu nada".
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Se a busca pelo crescimento econômico
sustentado fosse uma corrida, o Brasil estaria lá
atrás. Desde 1980, o país cresceu ao ritmo de
2,3% ao ano, perdendo participação no PIB
mundial, segundo o Fundo Monetário
Internacional (FMI). De lá para cá, a economia
global avançou ao ritmo médio de 3,4% ao ano.
O Brasil é apenas o 92.º colocado no ranking de
135 países para os quais há dados completos
desse período.
Crescimento sustentado, diz Veloso, exige
sacrifícios presentes em troca de ganhos no
futuro. “Aumentos permanentes de
produtividade também dependem de um
ambiente de negócios que facilite a expansão
das empresas mais eficientes, o que pressupõe
um grau adequado de competição. Também é
fundamental assegurar estabilidade
macroeconômica e previsibilidade regulatória,
para que indivíduos e empresas tenham um
ambiente propício para a tomada de decisões de
investimento”, diz o economista.
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Na contramão dessa necessidade, o governo
petista opta por uma visão de curto prazo,
frequentemente populista, como atestam
medidas adotadas ou estudadas pelo governo
desde o início do ano. São medidas que, quando
aplicadas, tendem a gerar distorções,
privilégios e impactos contrários aos esperados.
Entre os exemplos estão:
● a redução “na marra” da taxa de crédito
consignado dos aposentados e pensionistas
do INSS;
● a ideia de suspender o saque-aniversário
do FGTS para supostamente “proteger” o
trabalhador;
● o plano de retomar a política de juros
subsidiados no BNDES; e
● o programa de venda de passagens aéreas
a R$ 200.
Essa lógica imediatista busca capturar votos ou
apoio para o governo, diz Cláudio Shikida,
professor do Ibmec-MG. O resultado é que
potenciais benefícios são distribuídos no curto
prazo e o ônus em geral só aparece em prazos
mais longos, muitas vezes repassado para
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futuros governantes. “Há uma lógica de
cooptação das instituições por parte de
pequenos grupos”, afirma.
Na mesma linha, Veloso, do Ibre/FGV, diz que o
imediatismo leva o governo a gastar muito em
benefícios que são focados em uma minoria.
Segundo ele, as medidas planejadas pelo novo
governo refletem rês práticas típicas do
populismo:
● a tendência de simplificar problemas
complexos, que exigem coordenação;
● a busca por benefícios rápidos; e
● a procura por benefícios visíveis e
concentrados, cujo custo é distribuído entre
toda a sociedade.
Para o economista, há uma tendência geral no
Brasil a esse comportamento. Ele lembra que,
apenas entre 2021 e 2022, três emendas à
Constituição violaram as regras fiscais: a PEC
dos Precatórios, a PEC Kamikaze e a PEC
Fura-Teto, que o governo eleito chamava de
PEC da Transição.
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Somente esta última permitiu gastos adicionais
de quase R$ 170 bilhões neste ano, parte para
programas sociais do governo e parte para
atender demandas de parlamentares, depois
que as emendas de relator foram declaradas
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal
Federal (STF).
O resultado apareceu sob a forma de aumento
do risco fiscal e de taxas de juros mais altas. Os
juros das NTN-B, título público indexado à
inflação, vem aumentando desde 2021. As taxas
dos títulos com vencimento em agosto de 2026
passaram de 2,18% em janeiro de 2021 para
5,66% neste mês segundo dados da Secretaria
do Tesouro Nacional (STN).
Canetada no juro do consignado empurrou
aposentados para linhas mais caras
A canetada do Conselho Nacional de Previdência
Social (CNPS) na redução dos juros sobre o
consignado para beneficiários do INSS é um
exemplo de medida populista que gerou efeitos
negativos – neste caso, imediatos.
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Por considerarem as novas taxas inviáveis,
bancos privados e até públicos, como Caixa e
BB, suspenderam a oferta dessa modalidade de
crédito, empurrando aposentados e
pensionistas, muitos em situação vulnerável,
para linhas de crédito mais caras.
O governo foi obrigado a voltar atrás. Depois de
derrubar o teto do juro do consignado de 2,14%
para 1,70% ao mês, o CNPS fixou um novo teto,
de 1,97% ao mês, na última terça-feira (28).
Acabar com o saque-aniversário do FGTS
eliminaria linha de crédito barata
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, sugeriu
acabar com a modalidade de saque-aniversário
do FGTS, ou seja, a retirada anual de recursos do
fundo por parte dos trabalhadores. Segundo ele,
esse resgate desvirtua a função do FGTS de ser
uma garantia aos trabalhadores em caso de
demissão ou para ajudar a comprar um imóvel.
“É um dinheiro que rende pouco nas mãos do
governo”, lembra Cláudio Shikida, professor do
Ibmec-MG. A remuneração equivale à TR, hoje
zerada, mais 3% ao ano. Enquanto isso, uma
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aplicação no Tesouro Direto, por exemplo, pode
render juros mais próximos da taxa Selic, hoje
em 13,75% ao ano.
O saque-aniversário também serve como
garantia de empréstimos – e as taxas dessa
modalidade estão entre as menores do mercado.
Instituições financeiras cobram a partir de
1,49% ao mês. Enquanto isso, a taxa média de
um empréstimo pessoal, que não exige
garantias, estava em 5,34% em fevereiro,
segundo o Banco Central.
Ou seja, o mesmo governo que quer baixar os
juros a todo custo – seja pressionando o BC a
reduzir a taxa básica ou promovendo canetadas
no teto do consignado – pode levar ao fim de
uma das modalidades de crédito mais baratas
do mercado.
A decisão final deverá ser do Congresso. O
governo prometeu, no início de março, que
encaminharia uma proposta solicitando a
extinção, oferecendo alternativas.
Uma das possibilidades estudadas pelo governo
é usar esses recursos para financiar o programa
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habitacional Minha Casa, Minha Vida. Segundo
Shikida, com isso os recursos seriam
transferidos do fundo dos trabalhadores para
grupos específicos, como empreiteiras e
construtoras.
Estudo do banco Inter aponta que R$ 28 bilhões
em recursos do FGTS que antes estavam retidos
foram parar nas mãos dos trabalhadores em
2022. “O crescimento na adesão mostra que o
trabalhador identificou esses benefícios e, ao
mesmo tempo, o impacto no fundo não foi
significativo”, destaca relatório assinado pela
economista-chefe, Rafaela Vitória.
Volta de juros subsidiados no BNDES pode
elevar custo dos outros empréstimos
Outra ideia do governo para baixar juros "na
marra" é mudar a Taxa de Longo Prazo (TLP),
usada como referência nos empréstimos do
BNDES.
O histórico mostra que, ao forçar mais crédito
direcionado (caso do BNDES), que é mais barato
para alguns, o governo acaba elevando o custo
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do dinheiro para os demais – isto é, a maioria
das empresas e consumidores.
Isso ocorre porque quanto maior a parcela dos
empréstimos direcionados no crédito total,
menor é o alcance da taxa Selic, usada pelo BC
para controlar a inflação e que atua
principalmente sobre o crédito livre. Assim, o
BC acaba mantendo a Selic num nível mais
elevado do que seria necessário, encarecendo o
crédito para quem não tem acesso às linhas do
BNDES.
A participação do crédito direcionado no total
do saldo das operações de crédito perdeu força
desde o governo Temer, quando foi instituída a
TLP. Em dezembro de 2015, correspondia a
50,4% do total. Em fevereiro, de acordo com o
BC, correspondiam a 40,9%.
Os riscos são grandes. O alerta foi dado pelo BC
na ata da reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom) de 21 e 22 de março, que
enfatizou que a possível adoção de políticas
parafiscais expansionistas, como a liberação de
crédito direcionado por parte de bancos
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públicos, tem o potencial de elevar a taxa neutra
de juro e reduzir o alcance da política
monetária.
Passagens de R$ 200 para servidores e
aposentados pode elevar preço para os demais
Outra medida em estudo é a proposta de venda
de passagens aéreas a R$ 200 para pessoas que
não viajaram nos últimos dois anos. A medida
beneficiaria principalmente aposentados e
servidores públicos e seria viabilizada por uma
espécie de empréstimo consignado do BB e da
Caixa.
O valor proposto pelo Ministério dos Portos e
Aeroportos equivale a menos de um terço da
tarifa média praticada pelas três maiores
empresas do país no ano passado, que juntas
detêm 99,6% do mercado. Segundo a Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac), o valor médio
foi de R$ 650,82, 39% mais do que em 2021.
Os estudos para implantação da medida estão
nas mãos da Secretaria da Aviação Civil (SAC) e
devem contar com a participação de
companhias aéreas e de entidades de classe
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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como a Associação Brasileira das Empresas
Aéreas (Abear).
O risco desse tipo de medida é conhecido e pode
ser observado na expansão indiscriminada do
"meio ingresso". Quando o preço é reduzido
para determinados grupos, tende a ser
compensado por um aumento no preço
"normal", cobrado dos demais.
Mercado recebeu arcabouço fiscal com alívio,
mas há dúvidas sobre viabilidade
Em meio ao populismo e à busca por atalhos na
economia, uma das maiores preocupações do
mercado financeiro e de especialistas em contas
públicas era sobre o arcabouço fiscal desenhado
pelo governo.
Depois de Lula ordenar o adiamento da
apresentação da proposta, no que foi
interpretado como uma pressão por regras mais
frouxas, o arcabouço foi finalmente
apresentado na quinta-feira (30).
Embora preveja superávits primários a partir de
2025 e uma trajetória relativamente estável da
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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dívida pública nos próximos anos, o que fez o
mercado receber a proposta com algum alívio, o
plano depende de uma forte expansão nas
receitas do governo, que por sua vez exigirá,
mais do que o mero crescimento econômico, a
colaboração do Congresso – na revisão de
renúncias fiscais, por exemplo.
Além disso, a regra abre margem para
crescimento da despesa pública mesmo em
momentos de queda na arrecadação, o que
pioraria a situação das finanças federais.
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Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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Bandeira com mensagem de apoio a Donald Trump é exibida em frente a tribunal em
Nova York. | Foto: EFE/EPA/WILL OLIVER
Como fica a disputa pela indicação
republicana para a Casa Branca
com o indiciamento de Trump
Por Fábio Galão
Ao se apresentar a um tribunal em Nova York para a
leitura das acusações contra ele, Donald Trump, o
primeiro ex-presidente dos Estados Unidos a se
tornar réu num processo criminal, acirrou ainda
mais o xadrez político para a eleição de 2024.
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Como é quase certo que Joe Biden tentará a
reeleição, a dúvida que resta é quem será o
adversário do democrata na oposição republicana.
Trump afirmou que manteria sua pré-candidatura
apesar dos seus problemas legais, e desde que foi
divulgada a notícia de que seria acusado pelo caso
de suposto pagamento para silenciar uma atriz
pornô com quem teve um caso, muitos se
perguntaram se ele poderia participar da corrida
presidencial à Casa Branca no ano que vem.
Juristas entrevistados pela imprensa americana
sustentam que sim. “Legalmente falando, não há
nada que impeça um ex-presidente indiciado por
um crime de concorrer a um cargo - até mesmo se
[tiver sido] condenado”, disse Jessica Levinson,
diretora fundadora do Instituto de Serviço Público
da Loyola Law School, ao jornal USA Today.
Ela enfatizou que a Constituição dos EUA estabelece
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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apenas três requisitos para um cidadão concorrer à
presidência: ser cidadão nato, ter ao menos 35 anos
de idade e residir no país por pelo menos 14 anos.
Ou seja, todas condições que Trump reúne, ainda
que indiciado ou até que venha a ser preso.
“Realmente se tornaria uma questão de, na prática,
como você poderia governar o país atrás das
grades, caso a situação chegasse a esse ponto?”,
afirmou Levinson.
Para enfrentar Biden, Trump terá que passar pelas
prévias do Partido Republicano. Líderes da legenda
manifestaram apoio ao magnata nova-iorquino,
como seu ex-vice-presidente Mike Pence e o
governador da Flórida, Ron DeSantis, mas na hora
da disputa, é provável que não se mostrem tão
simpáticos assim.
Pence, que está sendo cogitado como pré-candida-
to, condenou o indiciamento de Trump como um
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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“ultraje” e uma “perseguição política” em um
evento conservador, mas também se apresentou
como um “líder de bom senso” para a eleição de
2024, numa indireta ao ex-companheiro de chapa.
Já DeSantis, que também não oficializou as suas
intenções de concorrer à Casa Branca, disse que não
atenderia um eventual pedido de extradição de
Trump da Flórida para Nova York – o que não foi
necessário, porque o ex-presidente viajou
espontaneamente para se apresentar à Justiça.
Porém, dias antes, o governador da Flórida havia
dito em entrevista ao canal Fox News que, ao
contrário de Trump, governaria “sem um drama
diário” se chegasse à Casa Branca.
Três oponentes já confirmados
Além de Trump, três integrantes do Partido
Republicano, Asa Hutchinson, Nikki Haley e Vivek
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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Ramaswamy, já confirmaram que disputarão a
indicação da legenda para a eleição presidencial, e
todos sugeriram que o ex-presidente será um alvo
na campanha e nos debates das prévias.
Haley, ex-governadora da Carolina do Sul e que foi
embaixadora dos Estados Unidos na ONU na gestão
Trump, disse em um evento no estado de Nova
Hampshire na semana passada que o ex-presidente
tem “no máximo 25%” da preferência dos filiados
ao partido. “Os outros 75% de republicanos ainda
estão procurando um candidato”, afirmou.
Já o empresário Vivek Ramaswamy declarou em
entrevista à NBC News que está “fazendo o que
Trump planejou fazer em 2015 [ano em que este
lançou pré-candidatura à presidência]”, mas que
pretende levar a agenda da “América em primeiro
lugar” “ainda mais longe”.
Ramaswamy alegou que os EUA precisam de “um
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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líder corajoso” e que Trump e “certamente”
DeSantis não preencheriam esse requisito.
“A base republicana, posso dizer por experiência
própria, está ansiosa por uma tradição neste
partido de colocar um verdadeiro outsider na Casa
Branca. Agora, você pode ser o outsider apenas uma
vez”, afirmou Ramaswamy, numa alfinetada
direcionada a Trump.
Asa Hutchinson, ex-governador do Arkansas, é o
mais crítico ao ex-presidente entre os pré-candi-
datos republicanos confirmados. Em entrevista no
domingo (2) à emissora ABC News, ele afirmou
“que o povo americano quer líderes que busquem o
melhor dos EUA, não os seus piores instintos”.
Hutchinson, que havia criticado Trump pelas suas
alegações de que a vitória de Biden em 2020 foi
uma fraude, opinou que o ex-presidente “não
deveria ser o próximo líder” dos Estados Unidos e
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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deveria abandonar as suas aspirações presidenciais
após ter sido indiciado em Nova York.
Além do caso Stormy Daniels, Trump pode se
tornar réu por outras investigações, como as que
apuram as suspeitas de sua participação na invasão
ao Capitólio, de que teria tentado reverter a vitória
de Biden no estado da Geórgia e de que teria levado
documentos confidenciais da Casa Branca para sua
residência na Flórida ao fim do seu mandato.
Em artigo para o site The Conversation, Emma
Shortis, professora de história dos Estados Unidos
no Instituto Real de Tecnologia de Melbourne
(RMIT, na sigla em inglês), afirmou que o
ex-presidente poderá conseguir votos se colocando
como vítima de perseguição dos democratas – nas
prévias republicanas e caso consiga avançar para
enfrentar Biden em novembro de 2024.
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“É certamente plausível que Trump conseguirá
obter benefícios políticos do espetáculo midiático –
ele tem um longo histórico de transformar com
sucesso em arma política as investigações sobre
seus negócios como ‘caça às bruxas’, explorando
efetivamente a obsessão dos conservadores com os
‘excessos do Estado”, argumentou Shortis.
Entretanto, caso Trump seja alvo de mais
acusações, suas pretensões de voltar à Casa Branca
podem desandar.
“É igualmente possível que múltiplas investigações
e acusações acabem prejudicando Trump,
forçando-o a sair dos trilhos na campanha e a
entrar em situações fora do seu controle, nas quais
ele não tem um desempenho tão bom”, alertou a
professora.
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Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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Salar de Uyuni, na Bolívia: Triângulo do Lítio, integrado também por Argentina e
Chile, corresponde a cerca de 60% das reservas mundiais do metal| Foto: EFE/Martín
Alipaz
Lítio pode transformar América
Latina em novo Golfo Pérsico.
Mas há o risco de “maldição”
Por Fábio Galão
No último fim de semana de março, o alto
representante para Política Externa da União
Europeia (UE), o espanhol Josep Borrell, participou
da Cúpula Ibero-Americana na República
Dominicana e, em entrevista à agência EFE,
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considerou que a América Latina está sendo
“subestimada, subvalorizada”.
Para o diplomata, a região “poderia ser o novo
Golfo Pérsico [...] em um mundo que vai prescindir
dos hidrocarbonetos para entrar na energia
sustentável”, numa referência às “enormes
reservas de lítio”, para as quais os países
envolvidos “já estão se organizando entre si para
formar uma aliança para enfrentar todos juntos a
demanda internacional que vão receber”.
O chamado Triângulo do Lítio, formado por
Argentina, Bolívia e Chile, corresponde a cerca de
60% das reservas mundiais do metal, usado nas
baterias de carros elétricos.
Num contexto de busca por mudanças na matriz
energética, os três países têm grandes
possibilidades de crescimento nas próximas
décadas, mas fica a dúvida: como houve uma
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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“maldição do petróleo” – ou seja, muitos países
com grandes reservas ficaram reféns da commodity
e não conseguiram gerar desenvolvimento social e
econômico para suas populações –, existe risco de
uma “maldição do lítio”?
No ano passado, a revista The Economist apontou
que a Bolívia já vive uma “maldição do lítio”, por-
que não consegue explorar suas grandes reservas e
segue um dos países mais pobres da região.
“Potosí é a região mais pobre da Bolívia, que é o
segundo país mais pobre da América do Sul. Mais
de dois terços dos potosinos vivem em casas feitas
de tijolos de barro ou terra. Na estação chuvosa,
quando o barro vermelho vira lama, as estradas não
pavimentadas da região ficam intransitáveis. Seus
residentes carecem de atendimento de saúde e
escolas adequados: um quarto das mulheres ainda
dá à luz em casa; quase 40% dos adultos só
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frequentaram a escola primária e quase 20% nunca
foram à escola”, destacou a publicação.
Dos três países do Triângulo do Lítio, a Bolívia é o
que menos explora o recurso. No Chile, empresas
exploram as reservas desde o início da década de
1980, e em janeiro o presidente Gabriel Boric
anunciou que seu governo pretende criar uma
estatal do setor.
Na Argentina, onde as concessões de mineração são
feitas pelas províncias, há um total de 38 projetos
em vários estágios de desenvolvimento que se
concentram em Jujuy, Salta e Catamarca, e os
governos das três províncias concordaram em
fevereiro em implementar mecanismos para que as
empresas do setor destinem uma porcentagem de
sua produção à industrialização no país.
Enquanto isso, no departamento boliviano de
Potosí, moradores têm realizado protestos para que
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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o consórcio chinês CBC melhore as contrapartidas
sociais no projeto para exploração do Salar de
Uyuni que deve entrar em funcionamento nos
próximos meses. Em 2019, uma parceria entre uma
estatal boliviana e uma empresa alemã foi desfeita
pelo mesmo motivo.
“A Bolívia, dos três países, é o elo mais delicado,
porque apesar de ter a maior reserva do Triângulo,
é o que o menos explora, tem a menor produção.
Tem alguns dificultadores, o custo da extração é
mais caro, não tem saída para o mar, é um caso
especial”, afirmou Nora Keite Sampaio,
especialista em estudos avançados de geopolítica e
professora de geografia do grupo Mackenzie, em
entrevista à Gazeta do Povo.
Uma Opep do lítio
Os governos da Argentina, Bolívia e Chile vêm
discutindo a possibilidade de criar um mecanismo
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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como a Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (Opep), para controlar a oferta e
consequentemente os preços.
“É o único jeito deles terem poder de decisão sobre
o valor, mas entendo que isso ainda está muito
longe de acontecer porque a frota de carros
elétricos ainda é muito pequena, o custo desse
produto ainda é muito elevado para o consumidor
final. Esses países não vão ter esse poder de
negociação tão cedo para criar uma organização
que assuma esse papel que a Opep assumiu [em
relação ao petróleo] na década de 1960. Por isso, o
preço ainda virá de quem vai comprar, dos maiores
polos consumidores”, ponderou Sampaio, que
destacou a necessidade de planejamento para que a
“maldição do lítio” não se concretize.
“Se não houver um projeto de governo, que consiga
destinar recursos para promover um ganho e
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desenvolvimento social, realmente isso não vai ser
possível. Não estou falando de estatizar, concentrar
todos os recursos. Mas se um país, um povo não se
mobiliza e participa diretamente, ele vai ficar
refém de projetos de exploração de commodities”,
alertou a especialista.
“Se esses projetos ficarem dependentes de
commodities e reféns do mercado global, porque se
é commodity é cotado internacionalmente, não
vejo uma história muito diferente do que aconteceu
nesses outros países [produtores de petróleo]”,
acrescentou.
Presença chinesa
A China, que já busca o mercado de lítio
sul-americano (além do consórcio CBC na Bolívia,
a empresa chilena SQM tem entre seus acionistas a
chinesa Tianqi desde 2019), deve travar com o
Ocidente uma disputa pelos recursos locais.
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“Quando eu falei da Bolívia, o alto custo de
extração, sem saída para o mar, hoje o único país
capaz de fazer a exploração do lítio com bastante
vantagem comercial é a China, porque os processos
que ela financia tornam esse custo mais barato. Os
outros países ainda têm custos muito elevados”,
destacou Sampaio.
“O Olaf Scholz veio aqui para isso [o chanceler
alemão esteve na América do Sul no início do ano, e
o lítio foi um dos focos da sua visita], tentar
parcerias, porque como a China já abocanhou um
mercado grande em várias áreas na América do Sul,
há um medo dos países ocidentais de isso avançar.
O lítio é só mais um item da guerra comercial,
desse contexto de disputa por uma nova ordem
mundial.”
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Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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O biólogo Paul Ehrlich, que errou previsões de catástrofe por superpopulação, palestra
na Universidade de San Diego em 1971 ou 72. Foto: University of San Diego/Earth4All
Fim do alarmismo populacional:
planeta não sofrerá com a
superpopulação
Por Eli Vieira
A humanidade ficará abaixo de 10 bilhões de
indivíduos, e até 2100 poderá encolher para um
número inferior aos atuais oito bilhões. Veremos
um pico abaixo de nove bilhões em 2050, seguido
de um declínio até sete bilhões no fim do século.
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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São as conclusões de uma nova projeção feita a
pedido da Fundação de Desafios Globais, uma
organização sem fins lucrativos com sede na
Suécia, por pesquisadores da iniciativa “Earth4All”
(algo como “Terra Para Todos”).
Os pesquisadores propõem que, se o mundo fizer
investimentos em desenvolvimento, educação e
saúde, o pico poderia ser ainda menor, ficando na
casa de 8,5 bilhões de pessoas. Os números
projetados estão abaixo das estimativas mais
influentes, inclusive as das Nações Unidas. As
projeções estavam prontas desde setembro de
2022, mas foram divulgadas no último dia 27 pela
fundação, com a publicação de um artigo.
A equipe de estudiosos previu dois cenários. O
primeiro, que chamaram de “Tarde Demais”,
presume que o mundo vai continuar a se
desenvolver economicamente da mesma forma
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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observada nos últimos 50 anos. “A economia
continuará a crescer, mas às custas da coesão
social, do bem-estar e de um planeta estável”,
explica o relatório. Neste cenário, muitos dos
países mais pobres ficarão livres da pobreza
extrema. O pico populacional seria de 8,6 bilhões
em 2050, baixando para sete bilhões em 2100. A
expectativa para o fim do século é que todas as
regiões atinjam um produto interno bruto de US$
15 mil (R$ 76 mil) por pessoa por ano. O consumo
de energia deve atingir seu máximo 30% acima dos
níveis atuais.
No segundo cenário, com nome “Grande Salto”,
estimam que o máximo populacional será por volta
de 2040, com 100 milhões de pessoas a menos (8,5
bilhões), caindo para apenas seis bilhões no fim do
século. Para que isso aconteça, seriam necessários
vultosos investimentos em alívio da pobreza,
segurança alimentar e energética, e para combater
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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a “desigualdade econômica e de gênero”, além de
uma cooperação global sem precedentes. A
Earth4All não faz segredo que apoia o modelo do
Estado de bem-estar social: em seu site, divulga
uma pesquisa que realizou em países do G20 em
2021, segundo a qual afirma que “74% da
população global quer mais ‘economias de
bem-estar’”. A iniciativa também prega modelos
alternativos de desenvolvimento associados a
economistas ditos “heterodoxos”.
A ONG sueca cliente do estudo, que patrocina um
curso para graduandos na Faculdade de Economia
de Estocolmo, foi fundada em 2012 com uma
doação do bilionário húngaro László Szombatfalvy.
O tom de “otimismo” (presumindo-se que a
redução da população é uma coisa boa) é novo para
a fundação: em 2016, ela alegou em seu relatório
anual que o americano médio tinha cinco vezes
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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mais chance de morrer em um evento de extinção
da espécie humana do que num acidente de carro.
Mais um prego no caixão da “Bomba
Populacional”
Desde o trabalho do economista e demógrafo inglês
Thomas Malthus (1766-1834), que previu
catástrofe populacional iminente pois a população
crescia a taxas exponenciais enquanto a produção
de alimentos só atingia progressão aritmética,
diferentes pensadores “malthusianos” e
“neomalthusianos” fizeram projeções pessimistas
que se revelaram falhas.
O mais notório dos neomalthusianos vivos é o
biólogo da Universidade Stanford Paul R. Ehrlich,
autor do livro de 1968 “A Bomba Populacional”
(trad. livre). A obra, escrita com sua esposa Anne
Howland Ehrlich, projetou que “centenas de
milhões” de pessoas morreriam de fome só na
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
58
década de 1970 devido à produção de alimentos
insuficiente para a quantidade de pessoas.
Segundo a Plataforma de Ciência Social na Ação
Humanitária (SSHAP), uma parceria de várias
instituições acadêmicas e da sociedade civil
financiada pelo governo britânico, para todo século
XX o número de pessoas que morreram em crises
de fome está próximo de 70 milhões. Bem menos,
portanto, que os números alarmantes de Ehrlich. É
bom ressaltar que eventos como o Holodomor, em
que milhões de ucranianos morreram de fome,
nada tiveram a ver com excesso populacional, e sim
com políticas desastrosas implantadas pelo ditador
comunista Joseph Stálin.
Meros dois anos após a publicação do livro, ganhou
o Nobel da paz o agrônomo americano Norman
Borlaug, por sua contribuição para a Revolução
Verde em seu trabalho com o desenvolvimento de
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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variedades de trigo altamente produtivas e
resistentes a doenças. Essas variedades foram
introduzidas no México, onde Borlaug aplicava seu
trabalho, e logo se espalharam para países como
Índia e Paquistão, ajudando-os na autossuficiência
alimentar. O Nobel parece até insuficiente, dado
que Borlaug ajudou não só a evitar fome, como
também a evitar conflitos por escassez de recursos.
“Em dez anos, toda a vida animal importante do
mar estará extinta”, disse Ehrlich em 1970,
segundo a Foundation For Economic Education.
“Grandes áreas do litoral terão de ser evacuadas
por causa do odor de peixes mortos”. Não
aconteceu. Ele também previu que Londres não
existiria mais no ano 2000, e foi específico
alegando catastrófica escassez iminente de
recursos ao ponto de perder uma aposta para o
economista Julian Simon.
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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Aos 90 anos, Ehrlich apareceu em 1º de janeiro
passado no programa 60 Minutes, do canal
americano CBS. Na entrevista, ele disse que “a
humanidade não é sustentável”. “Quando ‘A
Bomba Populacional’ foi lançado, você foi descrito
como um alarmista”, comentou o entrevistador
Scott Pelley. “Eu estava alarmado. Ainda estou
alarmado. Todos os meus colegas estão
alarmados”, respondeu Paul Ehrlich. “A taxa de
extinção [das espécies] está extraordinariamente
alta agora, e está ficando mais alta o tempo todo”.
Com colegas de Stanford, o cientista defende que
estamos passando por uma sexta extinção em
massa comparável à que matou os dinossauros há
65 milhões de anos.
Com a repercussão negativa da entrevista, o
nonagenário rebateu as críticas no Twitter: “A
matéria sobre extinção do 60 Minutes atraiu a
direita de sempre com força. Se eu estou sempre
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
61
errado, então a ciência também está, já que meu
trabalho é sempre revisto por pares, inclusive o
Bomba Populacional, e eu ganhei praticamente
todo prêmio científico. É claro que cometi alguns
erros, mas nenhum foi erro básico”.
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Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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PARA SE APROFUNDAR
● Agro avança e Brasil não tem onde armazenar
“uma Argentina inteira” de grãos
● Paraná e Rio Grande do Sul lideram produção
nacional de orgânicos
● Limitar a liberdade de pensamento não é
novidade no Brasil: conheça o “decreto-rolha”
● Refugiada norte-coreana que se tornou uma
autora best-seller: “Minha história só é possível
no capitalismo”
● O sucesso educativo de Portugal, contado por um
dos seus protagonistas
● Cultura: “The Last of Us” finaliza temporada com
obra-prima a favor da vida
● Sergio Moro: Contra o domínio do crime e da
mentira
● Editorial: A Finlândia se defende do imperialismo
russo; o Brasil se aproxima dele
Gazeta do Povo Revista – Ed.26 Abril/2023
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