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De Baecque Cinefilia

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Invencao de um olhar, historia de uma cultura 2 1944-1968 xX ve ee A Leb nora 160 Na Franga, as vendas ficam estagnadas em torno de 5 mil exemplares por ‘um bom tempo, e Robert Laffont continuard se negando a fazer uma reim- Pressio, A versio norte-americana, um ano mais tarde, conhecerd por sua ‘vez tum imenso sucesso de vendas: em um més e meio, por ocasiso do Natal de 1967,7 mil exemplares do livro ~ mesmo custando caro ~ sero vendidos, (© aumento das vendas iré prosseguir; em seis anos, a Simon and Schuster terd despejado no mercado cerca de 15 mil exemplares encadernados e 23 mil ‘em brochura, Depois virdo as primeiras traduges, na Alemanha pela Hanser Verlag, na Itélia pela Mazzotta, na Espanha pela Alianza, na Dinamarca pela ‘Rhodos, e na Inglaterra ser publicada pela Secker and Warburg. Ao longo de toda essa aventura, 0 elogio que mais tocou Francois Truffaut foi o do proprio Alfred Hitchcock, que, num telegrama enviado no dia seguin- te a0 langamento parisiense do livro, Ihe escreve: “I think the book has turned ‘out wonderfully well, and I must congratulate you. I think the illustrations make 4 big difference to it. Parabéns ¢ muitissimo obrigado’” Essa relago excepcio- nal, mantida por meio de bilhetes amistosos, longas cartas de confidéncias e pedidos de conselho a respeito desse ou daquele filme, s6 tera fim com a mor- te do mestre do suspense, em 1980, mundialmente reconhecido, gracas a0 seu. discfpulo, como um auténtico criador. 38 Eminglés, no orginal. [s.1) 1, Films du Carros, dossi “Alfred Hitcheoc’ carta de 9 de dezembro de 196. is Truffaut escreveu 1ema francés (1950-1958) 4. Como Frangé “Uma certa tendéncia do As cesuras que dio ritmo & histéria do cinema sio, na maioria das vezes, determinadas pela influencia de determinados filmes, pela inovacdo téc a, pelo surgimento dessa escola ou daquele movimento. Entretanto, os his- toriadores do cinema atribuem lugar privilegiado a um determinado artigo de cerca de quinze paginas, “Uma certa tendéncia do cinema francés” ("Une certaine tendance du cinéma francais’) escrito por Frangois Truffaut e pu- blicado no niimero 31 dos Cahiers du Cinéma em janeiro de 1954. Trata-se, aqui, de uma excegao célebre, provavelmente 0 texto critico a empreender 1 mais vigorosa ruptura na hist6ria de uma arte. Como foi concedido a um jovem de vinte e dois anos esse poder de escrever, num piscar de olhos, uma Pagina da hist6ria do cinema ainda é enigma, Decerto ele nio foi o primeiro @ analisar nem a denunciar a adaptagio literdria no cinema, mas sua contri- bui¢do foi considerada decisiva, E, embora a tenha publicado em uma revista de tiragem pequena, ela terd grande repercussio. Esse artigo, é a opiniao mais corrente, teria assinado a condenagao a morte de certo cinema frances, a chamada “Qualidade francesa’, e, na mesma pena- da, a certidio de nascimento de outro, a nouvelle vague. Assim apresentado, 0 ‘istério permanece intacto, por mais espantosa que seja a desproporsdo entre 161 162 a causa € seus efeitos, entre algumas paginas ~ veementes decerto ~ escritas por um jovem desconhecido,e 0 desmoronamento de uma tradicio de cinema {que se beneficiava de amplo reconhecimento internacional. Tal desproporgao é geralmente mascarada por uma interpretagio teleol6gica da hist6ria do cinema francs: 0 artigo de Truffaut é ldo a partir da trajetéria posterior dos cineastas da nouvelle vague, compreendida como 0 episédio decisivo de uma vitria ine- vitivel E eu gostaria de mostrar aqui que nem a escrita, nem a leitura, nem © piiblico, nem o triunfo do artigo de Truffaut foram muito evident no iniein dos anos 1950. Eis 0 plano: compreender,gracas aos arquivos conservados nos Films du Carrosse e na Bibliothéque du Film,’ como Francois Truffaut conse- {guiu escrever, no calor da hora, a histéria clo cinema francés, como trahalhou € retrabalhou esse texto denunciando a “tradigao da Quealidade" e Ihe deu forga de provocacio, chegando mais tarde, em “campanhas de imprensa”eficazes, a Ihe conferie forca de lei, cariter de verdade. Descobrir, de certa forma, 0s vest- gios de um ato de escrita, de rebelido e de convieeao que, a0 longo de dez anos, modelou duradouramente a historia da cineflia francesa Génese, escrita e reescritas de um manifesto “Uma certa tendéncia do cinema francés” nio é um mero artigo de ocasito.Se, ‘em contrapartida, inscreve-se perfeitamente no contexto da virada dos anos 1959 ¢ surge tdo oportunamente, é porque se beneficiou de um longo trabalho, de elahoragao. Dessa forma, esse artigo esté ancorado na pritica cineflica do jovem Truffaut, maneira de extrair um balanco critico de dez anos de expe- riéncia de espectador. O que Truffaut viu depois de sua primeira recordagio de cinema, aos oito anos, aquele Paraiso perdido [Paradis perdu, 1938] de Abel 1 Prego agradecer aqul a Madeleine Mongenstern ea Laure ¢ Eva Traffut por me haverer ‘concedido livre aceso dos arquivos dos Films du Carrosee, Uma parte importante desses arquivs,excegto fla a acervor mai privados, fi deposiada na Bibliotheque da Film (88), soba rubrica“scervo Truffaut” 2 Antoine de Baccque, “Francois Truffaut, spectateur cingphile (1940-1958)% Vertigo. n. 10, ‘mero dedicado ao "Sil du Spetateu’ primavera de 193, BP-37-44 Gance projetado em 1950 na Paris do inicio da Ocupacio? Filmes france- ses. Quase todos exclusivamente franceses até o fim da guerra, concorrendo ‘com 0s filmes americanos a partir do verdo de 1946, quando desembarcam em Paris as téo aguardadas producées hollywoodianas. Filmes franceses ‘que representavam 0 fundamento do que Jean-Pierre Barrot logo vem a chamar, para elogié-la, de “tradicao da Qualidade”? As agendas do jovem cinéfilo atestam isso, elas que registram os filmes vistos erevistos ~ Truffaut anotava sistematicamente, depois de cada titulo, o nimero de nesses a que assistira A lista esbocada nio deixa de ser interessante, pois assinala com forca que as primeiras inclinagées do jovem espectador o impeliram para © cinema frances de qualidade, o mesmo que em seguida ele denunciars, Eram filmes oriundos da cinefiia de guerra, como O corvo [Le Corbeau, de Henri-Georges Clouzot, 1943}, visto treze vezes na data do més de junho de 1950, 0 mais fie objeto da cinefilia de Trutfaut, ou O boulevard do erime [Les Enfants du Paradis, de Marcel Carné, 1945), visto nove vezes, Cais das sombras {Quai des brumes, de Marcel Carné, 1938], oito vezes, Dulee, paixdo de uma noite (Douce, de Claude Autant-Lara, 1943), seis vezes, Adiltera (Le Diable au corps, de Claude Autant-Lara, 1947], cinco vezes. cthtico, por ocasio da espantosa confissio a qual se entrega na primeira versio de “Uma certa tendéncia do cinema francés’, confissio nao publicada Jean-Pierre Barros, coedltor de I Feranfrangai,etcreve a respeito dos cineastaefanceses do pés-guerra (em especial Clair, Becker, Christin Jaque, Delannoy, Faure, Clef, Dré- ville, Lampin, wobods), x4 “Une Wait dela quit i Sept ns de cinéma fants. Paris: Le Cerf, 1953, pp. 25-17: "Garanta de um estilo, de uma tradigto da Qualidade na rodigto francesa, cles contrbuiram generosamente para iso atstas eminentes ot ons ciencosos, todos impecivelsartestosElogo do artesanato que, aguas semanas mais tarde, transforma-se em simples consttagio em Jean-Louis Tallenay, diretor de Radio- (Cinéma Téévsion:“As obras insdlitas sto raras no cinema francés do pée guerra. O lugar ‘muito honroso por ele ocupado na produto mundial e nas premiabes dos festivis, cle 0 ‘deve mais a trabalho que ao rasgo de glo, mais a obras de qualidade que a revelagSee, Jn Le Cinéma de 953 travers le monde, Pate Le Cert 954. Elogloe consatagzo que se transformam em denincia em Traut. Acerca deses pontos de vista edesses debates referentes ao" cinema de qualidade’ francs, ver oliveo de Olivier Barot, Beran franats 39431953 Histoire un journal et dune époque, opi. 164 na edigio definitiva, confessa esse amor e essa fascinagdo pela atmosfera escura e pelas historias difusas da tradicio francesa encarnada pelo duo de roteiristas ais célebres do momento, Jean Aurenche ¢ Pierre Bost: ‘A fim de provar a0 mesmo tempo a intensidade e o perigo da influéncia de Au renche e Bost, vou contar um roteiro que escrevi em torno das meus quinze anos deidade,em 1947+€ cujalembranga é suficiente para me encher de vergonha hoje como me enchia de orgulho na época. Tratava-se de uma garotinha que fazia sua primeira comunhio ¢ era estuprada num sétio por seu jovem primo da mesma idade; uma espécie de estupro consentido. Quando ela descia de volta para jun tar-se& familia, seu padrasto Ihe disse: "Que brilho nos olhos,esté parecendo uuma recém-casada’; Dez anos mais tarde, ela se casava com um imbecil, subia rnovamente na tarde de suas nipeias a famoso sétZo, ali se encontrava com um pajem um tanto bébado, entregava-se a ele e voltava a descer para junto da fa- milia para ouvir do mesmo padraste apatico e estpido: “Que brilho nos olhos, parece que fez primeira comunhae’ Repito que tenho vergonha de ter um dia inventado historia tio idiota quando pérfida, mas é posstvel reconhecer nela a influéncia do cinema em que eu entio acreditava. Todos os temas do cinema francés na nossa época estavam acumulados no roteiro destinado a fazer um ccurta-metragem em 16mm: a blasfémia, o ia pela familia, 0 desprezo por to: dos os personagens, sem esquecer a pior literatura moderna, a de Anouilh, que cu parodhava sem saber atiavés Ue Pattes blanches, Preciso dizer que s6 recebi logios,e, pior de tudo, sinceros? Esse roteiro figura nos arquivos de Franggis Truffaut sob o titulo “La Ceinture de peau d'ange’: Parece datar do verdo de 1950, ¢ nio de 1947. Em todo caso, ‘numa carta escrita vi selembro de19s0 a seu amigo Robert Lachenay, TralTuul fala em sua iminente filmagem: ‘Vou fazer um filme em outubro; tenho vinte e cinco rolos de pelicula, ou seja, thao de projecdo. Meu filme teré uma duragio de cerca de quarenta e cinco mi- rnutos, ortanto tenho margem. Tenho a cimera x6mm e o operador, tenho todos (os atores. $6 me fatam alguns figurinos e um grande recinto, com um gerador de 40 amperes para as iluminagbes, para ser a sala de recepgio da comunhio depois, do casamento+ “La Ceinture de peau dange” realmente conta a histéria de uma garota que faz Primeira comunhao ¢ é estuprada pelo primo num sétdo familiar no dia da ceriménia, Seis anos mais tarde, quando entao celebra seu casamento, ela vol- ‘2 ao sotto para rever seus brinquedos de intincia guardados num velho batt. chefe de seu marido no escrit6rio, convidado para as bodas, a encontra no S6t80 e, sob o pretexto de consolé-la por sua melancolia, a dermiha ¢ 4 passti 1num velho sofa. Nesse roteiro fantasmagérico, ao mesmo tempo sexual e blas- femo,o jovem Truffaut reservou © papel principal para sua namoradinha da €poca, Liliane, que ele cortejava na Cinemateca Francesa, outro para Jacques Rivette, colega de cinefilia (o do “primo cafajeste”), mas Alexandre Astruc ¢ ‘Truffaut deviam participar também. Para levar a cabo esse projeto, 0 jovem esperou pacicntemente um apoio financeiro da... diocese de Paris, apresen- tando, numa lista de subvengdes, seu filme como um documentério sobre a primeira comunhio. A Igreja nao se deixara convencer, e € compreensivel. Truffaut, mais tarde, jé cineasta, terd a sabedoria de nunca voltar a esse Primeiro roteiro de juventude. Em “La Ceinture de peau d'ange” exprime porém a hist6ria de uma revelacao: a grande inclinacio pelo cinema francés tao desacreditado a seguir. Nesse sentido, a dentincia da “Qualidade france- se"; por parte de Truffaut, assume a forma de um relato de traicao, extrai sua forga de um conhecimento intimo transformado em édio calculado, enraiza- se nessas historias e nesses roleiros que o critico pode contar e analisar em detalhe porque os amou e os praticou antes de torné-los réus. Assim, bastante logicamente, 0 didrio intimo' de Frangois Truffaut que narra ssa tomala de cousciéncia, Em 1947, 0 eritico se descreve imaginando “hist6rias vergonhosas” Quatro anos mais tarde, a0 longo de um didrio mantido dia a dia Robert Lachenay 4 Arquivos Francois Truffaut, Filme du Carrose, dossié“Ma vie setembro de 950. 5 O dei timo de Frangois Truffaut esd conservado 008 auyuivos dos Pllms du Cartnse, dosslé “Archives rs privée 1° 165, 166 ‘ou quase isso, entre junho de 1951 e maio de 1952, com dezenove e depois aos vin- te anos,a pena de Truffaut revel a profunda mudanea, crise intima, dolorosa e desestbilizadora, de um jove que agora softeu a"experiéncia da infimia’.como ‘confessaem 21 de outubro de 951, por intermédio do confinamento, da educagio vigiada e da prisio militar: ele ndo aguenta mais a “historias infames” dos prin- cipaisroteiristas do cinema frances. Hssaideta¢ sugerida, sob forma de nota, na data de 24 de outubro de 1951, inciando, mais de dois anos antes da publicagdo de “Uma crtatendéncia do cinema francés demtinca principal do artigo, o despre- 20 que cineatas¢roteirstasfrancesesostentam por seus personagens: A vaidade ea arrogincia dos diretores de hoje fazem com que estes depreciem seus ppersonagens a seu bel-prazer-Os cneastas franceses estio se perdendo por falta de Ihumildade. O diretor deve ter, em relagao aos seus personagens, a humildade do ‘olhar do Deus de Sto Francisco de Assis. Para que aceitemos personagens infames, € preciso que aquele que os cra seja ainda mais infame. Andtema, blasfmia,sar- ‘casmo, eis as tr senhas dos roteiristasfranceses.Grifth, por sua vez, permanece .da mais ingenuo que seus personagens. O artista arrogante grande porque er pretende-se superior a sua criagio; essa presuncdo justifia, sem absolver, a falén- cia das artes depois da invencao do cinema, ‘Trés dias mais tarde, Truffaut, entio confinado (depois de ter desertado do seu regimento ¢ ser recapturado) na prisdo militar de Andernach, na Ale- ‘mana, escreve em seu didtio o segundo registro ilustrado em seguida por “Uma certa tendéncia...",a critica da adaptacio das obras literérias no cinema praticada pelos roteiristas Aurenche e Bast. O jovem agora esta convencido: (© cinema francés é um “cinema de roteiristas” cujos fracassos devem ser bus- cados nas deficiéncias dos préprios roteiristas. Le Diable au corps, romance de Radiguet reaparece entao em folhetim em [ci Paris, e Truffaut, recebendo em sua cela os jornais enviados de Paris pelos {6 Reymond Radigut Le Dile a cops 109) Pars: Grasset, dfinitiva 1924 [ed bras: Com ‘0 diabo no corp eo Baile do Conde LYOrgel, rad. Maria lgnee Duque Estrada Rio de ance ‘Contraponto, 1995). amigos, dedica-se a comparar sua leitura com as anotag6es feitas durante pro- jes6es do filme de Claude Autant-Lara [Adiltera, 1947] roteirizado por Jean ‘Aurenche e Pierre Bost. Esse cruzamento, minuciosamente transcrito, & esma- sgador,na cabeca de Truffaut, para Jean Aurenche e Pierre Bost: 0 jovem critico traz assim a tona varios exemplos do que chama de “equivaléncias-traicdes’ Essas duas idelas, o desprezo pelos personagens por parte de um cineasta arrogante e a rejeigio de uma certa forma de adaptacio dos romances france- ses amalgamam-se em seguida,em 6 de novembro de 1951, numa reflexio que podemos ver como esbogo do futuro artigo dos Cahiers du Cinéma, esboso intitulado “Il n'y a pas de cinéma frangais”. Nele, Truffaut coloca em pauta a mediocridade de uma escola que se pretende “verista”e “psicol6gica’, oriunda da guerra, cujos paladinos sio os roteiristas Aurenche e Bost, Maurice Jean- son, Jacques Laudenbach, Maurice Scipion, Pierre Laroche, Jacques Sigurd: [Neles,o realismo psicolégico dita que os homens sejam fatalmente baixos,infa- mes eestipidos,¢ 0s filmes que les escrevem, uma vez que convém descrever essa baixeza com o ar superior daquele que & mais inteligente que os préprios persons gens, sio ainda mais baixos,infames e estipidos do que tudo que a arte francesa produzira até o presente. ‘Truffaut, por outro lado, mira nos seus alvos com precisio e se exalta contra diversos filmes: Adiitera, de Autant-Lara; A sinfonia pastoral (La Sympho- nie pastorale, 1946] e O rebento selvagem [Le Garcon sauvage, 1951), de Jean Delannoy; A Cartuxa de Parma (La Chartreuse de Parme, 947}, De homem ‘para homem [D'Homme & homme, 1948], de Christian-Jaque; A cinica (Mané- 48s, 1950], Escravas do amor [Dédé d’Anvers, 947], Une si jolie plage [Une si Jolie plage, 949], de Yves Allégret; ¢ Retour @ la vie [Retour d la vie, 1949}, série de esquetes de André Cayatte, Henri-Georges Clouzot, Jean Dréville e Georges Lampin, aralelamente a esse esbogo programético, Truffaut, privado de cinema, acumula notas de leitura, 0 que Ihe permite classifcar,inventariar € com- preender os filmes a que assistiu ao longo dos anos precedentes. O jovem tra balha com especial ardor sobre o artigo de Bazin publicado no terceiro ntimero 167 168 ddos Cahiers du Cinéma, em junho de 1951, “La stylistique de Robert Bresson’, fem que o critico também analisa 0 trabalho de adaptagao de Bresson da obra de Bemnanos, Didrio de wm pairoco de aldeia, Portanto, Truffaut nao é o primei- roa refletir sobre o trabalho de adaptacao, e sua anilise apoia-se nesta famosa frase de Bazin: “Depois do Didrio de um paroco de aldeia, de Robert Bresson, Aurenche e Bost passaram a ser meros Viollet-le-Duc da adaptagio” Bazin dis ‘tinguia em Bresson as virtudes de uma “outra adaptagdo analisava esses dados e enfatizava seu alcance; Truffaut, aluno turbulento, faré questo, ao mesmo ‘tempo em que repetia ao seu jeito os principais argumentos de seu professor, de dirigir a critica contra os roteiristas-adaptadores da “Qualidade francesa’ com ele,a violencia da escrita panfletiria suceders ao espirito de raciocinio, Ao voltar & Franca em meados de fevereiro de 1952, apds seis meses de Prisdo militar, Francois Truffaut instala-se na casa de André ¢ Janine Bazin, € mora durante cerca de dois anos em seu chalé de Bry-sur-Marne. Trabalha arduamente em seu projeto de artigo sobre o cinema francés, como atestam, alguns arquivos. Para clabori-lo com mais precisio, Truffaut chega a fazer contato com Pierre Bost, usando como pretexto essa “investigacdo em cur: 80’, como escreve, ¢ aproveitando-se do seu conhecimento aprofundado dos filmes assinados por Aurenche ¢ Bost para se aproximar do escritor e bajuli- lo, pegando inclusive quatro roteiros emprestados. Dentre estes, figura um documento inédito, suscetivel de constituir uma prova material com vistas ‘10 processo que ele pretende impetrar: a adaptagao escrita por Aurenche € Bost do Didrio de um paroco de aldeia, de Bernanos, adaptagdo recusada pelo autor ainda em vida e evocada pelo proprio Bazin sem que este jamais tenha conseguido consulté-la, Manifesta-se entio o oportunismo do critico, em sua ‘maneira de se aproveitar de Pierre Bost, esse comportamento to desclegante de confiscar documentos para depois volté-los contra quem os emprestou. Ainda assim, a despeito do jogo duplo que manteve em suas relagdes com Pierre Bost, Truffaut acredita sinceramente ~ seu didrio intimo o comprova ~ nas acusagdes que profere. Logo, uma atenuante a seu favor. Esse trabalho de documentacio, de leitura, de revisio, dé seus frutos, ¢ em dezembro de 1952, Francois Truffaut pode propor a André Bazin uma primeira versio de um longo artigo intitulado “O tempo do desprezo, Notas sobre uma certa tendéncia do cinema francés’? Trata-se de um longo texto de trinta ¢ uma laudas, provavelmente 0 mais longo texto crtico jé escrito por ‘Truffaut, misturando, de maneira as vezes bem canhestra, reflexes tiradas de seu didrio ¢ exemplos de adaptagées literirias comentadas com severidade. ‘A meio caminho entre o didrio intimo de um cinéfilo e a ficha de leitura, esse texto, embora canhestro, é de uma sinceridade absoluta. A principio, mostra-se extremamente violent, atacando, muitas vezes pessoalmente, os roteiristas ¢ cineastas visados. Aurenche é visto como um “sobrevivente da mise en scéne que realizou em um ou dois curtas-metragens comerciais’; Janson como “baixo ¢ igndbil’, Francoise Giroud como dotada de um “incomensurivel mau gosto”... Da mesma forma, os enredos dos “fil- ‘mes da qualidade” sio denunciados com inerivel viruléncia, Amor de outono [Le Blé en herbe, 1954], de Autant-Lara, tornando-se uma “infame historia de Lésbicas” e Les Orgueilleux (Les Orgueilleux, 1953], de Yves Allégret, gera um chiste revoltado: ‘A sra. Morgan vorita diante da cimera,vomito que constitu um patamar impor tante na libertagdo das vigilancias burguesas ao cinematégrafo. Se Yves Allégret ‘Quer realmente permanecer honesto consigo mesmo estéintimado a antes de trés ‘anos nos mostrar a sra, Morgan posando de caleinha na Austriliacercada por Gan surus dizimados pelo tio transformado por raz0es locais em hemorragia nasal.Se + tere tido razd0 em acusar os ‘meu vaticinio ndo se realizar ~ 0 que é provavel Allégret de ser 0 mais conformista dos cineastas. Em seguida o texto se torna extremamente minucioso e documentado, com ‘Truffaut analisando alguns didlogos até o exagero da erudiglo: cerca da meta- de do artigo composta de citagdes de didlogos, espécie de “bestidrio da infimia” que Truffaut quer por sob os olhos do seu leitor para convencé-lo. ‘Todas as fichas elaboradas pelo critico sobre os principais roteiros franceses 7 “Le‘Temps du mépris, Notes sur une certain tendanceyls cinéma frangals texto dato ‘talado/ manuscrto,conservado nos arguivos dos Films Wy Carzose,dosie“Archives tres rivées 2 169 wo do momento sio convocadas: A sinfonia pastoral, Adiltera, Didrio de um ‘proce de aldeia, Amor de outono, Brinquedo proibido [Jeux interdits, de René Clément, 1952}, Les Orguellewx passaram, um a um, pelo crivo, que denuncia “principio da equivaléncia” desenvolvido por Aurenche e Bost em seu tra- batho de adaptagéo,“pedra angular do sistema’. ‘Num romance, explica Truffaut, existem cenas filmaveis e nao filmaveis. © papel do roterista, segundo Aurenche, é selecionar as boas e, sobretudo, substituir as ndo filmaveis por equivaléncias, ‘como se 0 autor do romance as tivesse escrito para o cinema” Inventar sem trai’ eis a palavra de ordem reivindivada por Jean Aurenche, "Canosa fidelidade’, em que Truffaut vé sobretudo 0 produto de uma “trucagem de escrita” Essa sistematizacdo de tum procedimento de escrita incomods o critic, pois ela confere a0s roteris- tas um papel determinant, em prejuizo da “mise en seine” ou da “dregs de atores":€ assim que eles reescrevem a literatura ~ "comportam-se em relacéo a0 romance assim como julgamos reeducar um delinquente oferecendo-Ihe trabalho, sempre acham que fizeram 0 méximo' por ele enfeitando-o com as" ~€ confinando 0 cineasta num calabougo ~“o diretor francés € um simplério que insere enquadramentos sobre um roteiro...” Esse texto é permeado por um moralismo severo. Truffaut fica in do com 0 desprezo dos roteiristas “literatos e arrogantes” pelo corriquei- ro € com os personagens sempre estipidos e ridiculos: em nome de uma certa ética, 0 critico denuncia o “conformismo esnobe” e a “complacéncia antiburguesa” dos “pseudointelectuais anarquistas ¢ anticlericalistas” do cinema francés, essa inclinagao pela blasfémia, pela profanacdo sisteméti- ca dos valores, das “vilezas e infimias’, denincia que, em contrapartida, 0 leva a fazer o elogio da censura, da familia ou do casamento, valores tradi- ionais que ele coloca, de forma bastante provocadora, do lado da inocén- cia preservada ou redescoberta. O proprio titulo do artigo ~ “Le temps du mépris” -j"a violéncia geral do tom, bem como a posicio bastante moralista ese titulo violent, que continha grave juizo moral nso agradava a Bazin, que oflgava demasiado polémico eo substitu pelo subtitulo original, mais neutro:"Une certaine te ‘dance du cinéma frangais” ("Uma certa tendéncia do cinema francis ‘| da abordagem, assinalam explicitamente que se trata de acusagao longa e deveras pessimista. ‘Truffaut, aos vinte anos, depois de uma penosa experiéncia de confinamen- to,escreve seu texto mais desesperado, como se visse na tradigo de“Qualidade” do cinema francés uma reminiscéncia do estado de espirito tipico da Ocupacio. Primeiro leitor, coeditor-chefe dos Cahiers du Cinéma e pai espiritual do jovem que recolheu em sua casa, André Bazin ndo fica insensivel a esse ensaio? Em instante algum pensa em publicé-lo sem restrigées, e, de ime- diato, diante da insisténcia de Truffaut, tenta fazé-lo retrabalhar o texto. Em primeiro lugar, é a forma que deve ser retocada: menos exemplos, menos citagdes, menos ataques pessoais ¢, sobretudo, uma escrita mais elabora- da ~ ndo resta divida de que, entre a primeira versio do texto, justaposicao de imprecagoes fichas cinéfilas, ¢ 0 artigo publicado em janeiro de 1954, dois anos mais tarde, nos Cahiers du Cinéma, Francois Truffaut amadureceu, encontrou um estilo, deu mais corpo a sua escrita.” André Bazin exige, em seguida, modificagdes de fundo, principalmente o acréscimo de uma parte “positiva’, uma espécie de contraponto ao cinema denunciado por Truffaut, (© que o jovem critico designaré na versio final do seu artigo pelo nome de “autores” e organizaré em seguida em uma “politica” Munido desses conselhos, Truffaut reescreve, durante cerca de um ano, ‘um artigo que, anunciado no sumario desde a revista de setembro de 1953 sob 6 titulo “Carta provinciana acerca de uma certa tendéncia do cinema fran- cts, € adiado de més para més, Para fazer isso, Bazin Ihe oferece um valioso 9 Dudley Andrew, André Bazin opt 10. Este amadurecimento aparece mit claremente numa nota que atesta as profnda refle 60s do cindflo a respito do status da excria critica: "Como estadar um text, um filme? ‘Como escrever” eso titulo e o tema dessa fcha datada de novembro de 1952, em que “Truffaut descreve seu aprendizado em quatro pontos:", Descobiro centro de gravidade do texto ou do filme, exo em torno do qual gravita 0 pensamento do autor: uma palavra, tum sentimento, uma metifoa; 2. Todo o resto parecerd em seguida ganhar nova signif «agto, onganizando-se em torno desta palara escolhida em fungdo do sentimento que ela evoca; 3, Nao explcar 0 texto ou 0 me, mas revive; 4. Substitulr a descrigdo externa ela comho interior m wa terreno de testes: as proprias paginas dos Cahiers du Cinéma, em que 0 jovem critico estreia no nimero a1, de marco de 1953. Ali, as colunas reservadas a notinhas e as criticas curtas permitem a ‘Truffaut se aguerrir e trabalhar o estilo. Consolida-se entio um auténtico talento de narrador, « aptidio a fazer uso da forma breve, a verve matizada de humor ou ferocidade. Truffaut parece ter abandonado a prosa egocéntri ca e fragmentada do diério intimo em beneficio de uma escrita ndo menos pessoal, mas aberta aos leitores, tomando-os como testemunha com uma cumplicidade real: [As veces filmam pelas ruas de Paris. Critico transeunte, mas preacupado em 0 ser confundido com os beécios, voce avista um assistente. Voce explica a ele que ndo é 0 que ele pensa: voctdirigiu um debate publico ro Cineclube de Chamalie res (Puy-de-Déme) sobre o cinema puro diante de oitenta pessoas (pelo menos), vocé sabe tudo sobre o tema do fracasso em John Huston ota misoginia do cinema americano, Finalmente, voce faz a esse asistente a pergunta ritual: © que esto filmando? Ao que ele responde ~ que mais ele responderia? ~“Estamos filmando ‘um plano de raccord”. Pois 0 cinema francés ¢ isto: trezentos planos de raccord ppedacinho por pedacinho, cem vezes por ano, Se Aurerache e Bost adaptassem Le Voyage au bout de la nuit" e cortassem as frases. as proprias palavras:o que soba ria? Alguns milhares de rticéncias isto 6, angulos raros, iluminagées rebuscadas em enguadramentos eruditos." © critico também reavalia, nessas breves notas, 0 teor de seu artigo, propon- do uma alternativa, uma espécie de antidoto, ao cinema dos roteiristas fran- ceses. Essa alternativa é dupla: alia, paradoxalmente, os “autores” europeus americanos ao cinema hollywoodiano B ou Z,0 que Truffaut explicita em sua 1 Louls-Ferdinand Céline, Le Voyage au bout de la mui, Pais: Deno & Stele, 1932 led brass Viagem ao fim da noite trad, Rosa Freire d'Aguir S80 Paulo: Compantia das Le 351994) 12 FTruffat, “Les Extrémes se touchent Cahiers du Cinéma,n.2, mar. 1953. terceira nota escrita para os Cahiers, sobre o Delirio de wm sébio (Dr. Cyclops, 1940] de Ernest B. Schoedsack, publicada em julho de 1955: E por intermédio de duasideias - certa candura nao desprovide de generosidade iante dos grandes assuntos ou da vida como ela é¢ orespeito pela mulher ~ que os ‘modestos filmes Z juntam-seao grande cinema adulto representado por Hitchcock, Hawks, Renoir e Rossellini, sem nunca passar pelos vis intermedideios que Jean Pierre Barrot chama sem rir de“ tradigio da Qualidade’, que considero a era las de mau gosto ou hipécritas ingrata do cinema, com 0 que isso comporta de pi perfdias para com uma arte e seus personagens. Nessas notas criticas, descobrimos, antecipando o ensaio, todos os temas que sero objeto de “Uma certa tendéncia do cinema francés’, inclusive a inci tagdo langada na diregao dos novos cineastas para filmarem na rua, para registrarem ali néo mais planos de raccord, mas a prépria vida, inclusive as Primicias de uma “politica dos autores”: "Na verdade, nao existem diretores de atores na Franga, afora esses quatro nomes a quem nunca é demais elogiar, Renoir, Bresson, Leenhardt e Cocteau’, escreve Truffaut em marco de 1953. Descobrimos ai acima de tudo um tom, que faltava a0 ambicioso, mas pesado ensaio febrilmente escrito em dezembro de 1952 e que permitiré ao critico conquistar instantaneamente os seus leitores. ‘Truffaut pode agora tentar reescrever a historia do cinema francés. Em 5 de novembro de 1953, por exemplo, envia a André Bazin ¢ Jacques Doniol: Valcroze, seus dois editores-chefes, uma versio revisada de “Uma certa ten- déncia do cinema francés’, aquela que, dois meses mais tarde, seré publicada no mimero 31 dos Cahiers du Cinéma, Truffaut devolve entao a Pierre Bost, em 7 de novembro de 1953, 05 roteiros que este Ihe havia emprestado, anexan. do a essa remessa um bilhete ndo destituido de malicia, que antes se verifica até mesmo mal-educado quando se conhece o texto que vir: ‘Em primeiro lugar, peso desculpas pelo atraso com que Ihe restituo as decupagens de sinfonia pastoral, Deus precisa dos homens [Diew a besoin des hommes, de Jean Delannoy, 950], Amor de outono e Didrio de um pédroco de aldeia. Eu no esperava 73 14 em absoluto que a leitura desses roteiros fosse tio frutifera e reveladora. Eis por- tanto minhas desculpas e também a vontade que me animou de no deixar nada ‘a0 acasoe realizar um trabalho bem completo. Espero nio ter feito um uso muito desastroso desses documentos, ,exprimindo-Ihe minha gratiddo, pego que aceite, cavalheiro, meus sentimentos mais respeitosos. Pierte Bost reagiy com muita dignidade a essa tragto, Em 7 de fevereiro de 1954 aps ter ido o artigo de Truffaut que ointerpelaa, ele Ihe escreve: “Caro senhor, hi em seu artigo nos Cahiers du Cinéma coisas inteligentes,outas que sio injustaseoutras ainda que sto Inexatas. Mas hd também o seguinte ~ endothe flarei de outra coisa hoje. que,na mina epoca, nio iamos até a casa dos outros pegar textos emprestados para depos fazer dees ‘um extenso uso pblico, e para nels pingar elementos pars uma critica veement, Princ palmente textos em peineiplo confidencal, uma ver que a trata de um roteir ainda nko ‘mado. Confeso que osenhor me surpreendeu,obrigando-me,a partir de agora, uma Aesconfianga que nto ¢ da minha natureza~a prova. Noo censuro, caro, por nenhuma de suas crftcas. Apenasdesjo que, dos incontives deta que o senor fornece enum e- ‘ha vindo de mim (final de contas, pode ser que tenhamos conversado;e seu texto parece &s vezes uma ocorréncia poliil).Em todo caso, flt-Ihe elegincia, échato Ihe dizer isso, ras é0 minimo que lhe posso dizer Segundo o depoimento de Rertrand Tavernier, Trifau teria respondido esa carta, Inelizmente, nao existe nenhun vestigio dela nos arquivos dos Films du Carrosse Nea, ‘Truffaut teria sdmitido seu jogo duplo eo teria explicado pelos "costumes jornalistico? na época que os teria adotado para dar impulso & carrera Aqui est titulo document, 0 Aepoimento de Tavernier: "Tie uma deeep¢io com Truffatlendo as Meméras de Hench Jeanson, que revelaram que, para escrever seu célebre e mil vetes reproduzido desancs- ‘mento de Aurenche e Bost, ce foi se encontrar com Bos eo encheu de elogios fim de pega emprestados os documentos necesirios para ese ariga Bost me confirmou esis histéria, quando eu trabahave em L'Horlger de Saint-Paul com elee Aurenche, chegando Inclusive a me mostrar uma carta de Truffaut qu diala:"Voct deve te fcado surpreendido ‘com 0 tom violento do meu artigo. Compreenda, sou um jovem jornalistae para me fazer notar tenho que adotar um tom polémicoe nto dizer necessarlamente 0 que pease... Cox- tinuo a sentir grande admiracdo pelo senhor Era Aurenche que eu visava Quando eu Ihe disse que ele teria podido wilizar a carta de Truffaut para se defender, ele me espondes “Nilo, Truffaut fo muito mal-educado comigo.“Nao quero utilizar as mesmas armas" E Bost crescentou: "Nunca mostrei esa carta a Aurenche (Bertrand Tavernier, Questce qu'on attend? Paris: Sexi 1993.p.79), ‘amine opinito,embora ej evidente a estratgia do jogo duplo de Truffaut om rs- Peto Bost, nem por iso pbe-t em questo sinceridade profunda de um texto pensado, cscito ereesrito 0 longo de quate trs anos 0 eitico decerto adota um tom polémico, Aelberadamente exacerbado, contudo dz 0 que pens $ Guerra a “Qualidade francesa” Jacques Doniol-Valcroze tem consciéncia de que a publicagio do artigo de Frangois Truffaut vai abalar a filosofia dos Cahiers du Cinéma. A origem dessa revista ndo ¢ exatamente polémica, 0 texto de Truffaut, atacando fron- talmente 0 cinema francés mais estabelecido, pode surpreender, irritar os cineastas e desorientar os leitores. Entretanto, “Uma certa tendéncia do cine- ‘mua franc@s” nfo 6 0 primeiro panfleto lancado contra a “Qualidade francesa” nna revista de capa amarela, Sem falar das exaltagdes do jovem Truffaut, 0 primeiro panfleto contra o filme francés é publicado no niimero 16, em outu: bro de 1952, propésito de Mulheres (Adorables créatures, 1952], de Christian- Jaque, tealizador operando no seio da tradigéo da qualidade. O artigo é escrito por Michel Dorsday, um jovem que assina seu segundo texto na revista, O titulo de sua eritica de Mulheres€ significativo, préximo da constatacio estabelecida por Truffaut em seu difrio:“O cinema esté mort” © corpo do texto é um longo libelo: (O cinema esti morto, morto sob a qualidade, o impecivel, o perfeito ~ perfeito como essas grandes lojas onde tudo é limpo, bonito, organizado, imaculado, Se excetuarmos os inevitiveis vaudeviles e dramas para os caipitas, na Franca sé se fazem agora bons filmes, fabricados, rococés,apresentaclos com elegincia, E 0 desastre & justamente esse. A constatagiio final desemboca num apelo & cruzada critica, a0 soerguimento da opiniso: ‘Vamos chegando bem aos pouguinhos a um cinema que no seria mais temido por ninguém, que seria bem-comportado e bonito, e todo mergulhade no riso ou na cultura, pois 0 riso ea cultura foram os grandes argumentos... Chegamos 20 puro estado da mistifcacio. O mundinho de Don Camillo as histérias de Auren- che, eas aventura de Fanfan la Tulipe (Fanfan la Tulipe, de René Leprince, 1952] ostigsrop cit 14 Ade Baccque, Les "Calers du Cinéma”. Histoire dune revue, 75, 76 entusiasmam as multid0es e provocam longas fils nas bilheteras. A vit6ria parece certa: a mistficacio foi atingir 0s que achavamos os menos corruptos, as excelén-

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