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Do Que Eu Não Abriria Mão

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3B Thomas H. Ogder tologia; uma concepeio do modo no qual o desenvolvimento das capacidades de simbolizagao e aucoconsciéncia sfo insepardveis do desenvolvimento das relagoes bjs neras exeras Cockle peter ‘maternal e triangulagéo edi- piang 7. Osnomes que damos aos sentimentos - por exemplo, sentirse 6, sentr-sesolitério, senti-se amedrontado ~ sio categorias genéricas amplas que no expressam mais, sobre os sentimentos do que a palavra “chocolate” expressa a experiéncia de sentir fo sabor de chocolate, Nao é possivel comunicar com palavras 0 sabor de chocolate ‘a uma pessoa que nunca o sentiu. O paladar, como qualquer outra experiéncia senséria e emocional, nfo pode ser expresso em palavras. 8, Minha experiéncia de devaneio no trabalho com o Sr. A tinha sido extremamente cesparsa e dificil de utilizar no primeiro ano ou algo assim de andlise. Do que eu nao abriria mao | could give oll to Time except ~ except What | myself have held. But why declare ‘The things forbidden that while the Customs slept | have crossed to Safety with? For | om There, ‘And what | would not port with | have kept.” (Frost, 1942b, p. 304-305) Paradoxalmente, no setting analitco, o analista tenta néo ser critico; ain- daassim, ele deve trazer situacdo valores que deem sustentacéo ao trabalho ‘analitico, valores dos quais “ele nao abriria mo". Quando falo de valores ‘anallticos, ndo me refiro a moralidade psicanalitica nem a um eédigo ético de conduta; tampouco estou me referindo a um conjunto de conceltos que acredito serem essenciais & psicandlise (por exemplo, a nogdo de inconsciente dinamico, transferéncia e defesa). Ao falar de valores psicanaliticos, estou, isto sim, me referindo aos modos de ser e modos de ver que caracterizam a maneira especifica na qual cada um de nés pratica a psicandlise. Neste capi- tulo, tentarei transmitir 20 leitor os valores que esto no cerne de meu modo de praticar psicandlise e de quem sou enquanto psicanalista. gis, Ser humano Cada elemento de um sistema de valores analiticos é insepardvel de todos os outros, e mesmo assim, a meu ver, existe uma hierarquia de impor- tdncia entre os elementos deste sistema. Para mim, o que é imprescindivel & psicandlise é o principio de que o analista trata seu paciente ~e todos aqueles que sao afetados pela vida do paciente - de uma forma humanitéria, de uma forma que sempre honre a dignidade humana. Este principio é a estrela guia da psicandlise; é um ponto de referéncia em torno do qual tudo o mais € si- TN. de. Bu poderia dar tudo a0 Tempo exceto exceto/O que eu mesmo guardei. Mas por que eclarar/As coisa proibidas com as quais, enquanto dormis a Alfindega/ Bu atravessei para & Seguranga? Poi eu cheguel Li,/E aquilo de que no abiria mio, eu guarde 40 Thomos H. Ogden tuado. Quando um analista ndo esta sendo humano, o que ele esté fazendo com o paciente no é para mim reconhectvel como psicanzlise. [0 significado de] ser humano no setting analitico € mais facilmente ilustrado por sua violagao do que por sua efetivagao. Por exemplo, acredito que é desumano quando um analista interrompe abruptamente a andlise de um paciente explicando a ele que, por ele ter desenvolvido uma grave enfer- idade fisica, seus problemas tornaram-se “reais” e, portanto, nao tratéveis por psicandlise. Outra forma de comportamento desumano por parte do ana- lista envolve tratar a doenga psicolégica do paciente como uma falha moral que merece o desprezo do analista (como expressado, por exemplo, ao abrir ler sua correspondéncia enquanto o paciente esta falando). © analista reconhece que o comportamento desumano de um paciente (muitas vezes dirigido contra si mesmo) geralmente é um reflexo da doenca psicol6gica para a qual ele procurou a ajuda do analista. O analista nfo descul- a 0 comportamento desumano do paciente (por exemplo, os pensamentos € as aes autodegradantes implacdveis do paciente, ou seu ato de queimar-se com cigarros), nem responde ao paciente com uma expresséo de repulsa. Em ver disso, ele trata 0 comportamento como um apelo urgente pela ajuda do analista. Até certo ponto, o analista responde envolvendo-se em uma elabo- racdo psicol6gica consciente e inconsciente na qual 0 comportamento desu- ‘mano do paciente € tratado como uma comunicagao inconsciente. Contudo, chega um momento em que o modo como o paciente est comunicando seu sofrimento é tao cruel (consigo mesmo, com 0 analista ou com os outros) que seria um despropésito se o analista prosseguisse com a “andlise costumeira”. Acredito que nao existe uma entidade tal como a psicandlise sob con- digdes nas quais o analista permite que o paciente pratique atos de extre- ‘ma desumanidade, como, por exemplo, deixar criangas muito pequenas sem atencdo por longos perfodos de tempo ou torturar animais até a morte. Nes- sas circunsténcias, o dever do analista nao é deixar de ser psicanalista, mas tornar-se um psicanalista que faz algo mais (Winnicott, 1962). Quando 0 comportamento desumano do paciente atinge um nivel inaceitavel, o analista deve tratar a situacéo como uma emergéncia que exige uma agio decisiva. Comportando-se dessa maneira, o analista mostra ao paciente, sem preten- sbes de superioridade, quem o analista é, ¢ 0 que Ihe é mais importante (e, por implicacao, o que é importante para os valores intrinsecos & psicanélise). Agir humanamente no ambiente analitico nao ¢ sindnimo de diminuir © sofrimento psicolégico do paciente (a menos que 0 sofrimento atinja pro- porgées ou duracao insuportaveis); o sofrimento psicolégico € necessério a0 proceso analitico. © sofrimento marca o caminho e determina a sequéncia do trabalho psicolégico que precisa ser feito. O esforgo do paciente para efe- tuar uma mudanga psicoldgica é intrinsecamente assustador e doloroso, pois isso significa abrir mao de modos de protecdo que na infancia mostraram-se criticos para seu esforgo em manter sua sanidade (e, consequentemente, sua Esta arie de psicandlise = AT prépria sobrevivéncia). Esses modos de ser que o paciente sentiu, ¢ continua inconscientemente sentindo, serem necessérios para sua sanidade/sobrevi- ‘véncia também so o que limita seriamente os modos nos quais ele & capaz de viver sua vida, Muitas vezes o paciente, de modo inconsciente e ambivalente, consulta 0 analista em busca de ajuda para este dilema —a incompatibilidade entre seguranca e criatividade. ‘A meu ver, um analista continua sendo um analista quando engajado em formas de rélacionamento com o paciente que nao so vistos como “psi- candlise padrao”, por exemplo, visitando um paciente gravemente doente no hospital ou indo a uma ceriménia fiinebre em meméria & esposa do paciente. (live a oportunidade de experimentar este primeiro evento analitico.) Tais intervengées, quando precedidas de ponderacéo e (quando possivel) discus: so com 0 paciente, constituem ~ em minha experiéncia como analisando, analista e supervisor - alguns dos eventos mais importantes na andlise. Essas intervengées nao tém valor analitico apenas porque séo humanas; elas tém valor analitico porque so tanto humanas quanto facilitadoras de elaboracao psicolégica consciente e inconsciente. M1 Encarar a mésica Entre os modos de ser que valorizo no setting analitico, talvez. apenas menos importante do que o analista ser humano, o esforco, por parte do analista e do paciente, de encarar a verdade, de serem honestos consigo mes- mos em face da experiéncia emocional perturbadora, Essa é uma das tarefas humanas mais dificeis. O esforco para enfrentar a verdade esté no mago do processo analitico e Ihe dé direcao. Na auséncia de um esforco por parte do paciente e do analista para “encarar a mtisica’, 0 que ocorre na andlise tem ‘uma qualidade rasa, desconexa, simulada. \Vejo a psicandlise mais fundamentalmente como um esforco do pacien- te e do analista de colocar em palavras 0 que verdade para a experiéncia emocional do paciente. Essa articulagdo possui tamanha importéncia porque © préprio ato de pensar e dar “forma” ao que é verdadeiro para o paciente altera esta verdade. Tal perspectiva fundamenta minha concepcéo da acao terapéutica da interpretacao: ao interpretar, o analista simboliza verbalmente o que ele intui ser verdadeiro para a experiéncia inconsciente do paciente e, ao fazé-lo, altera o que é verdade e contribui para a criagao de uma expe- rigneia potencialmente nova com a qual o par analitico pode fazer trabalho psicolégico. Paciente e analista nao esto em busca da verdade por seu préprio méri- to; eles estdo, sobretudo, interessados no que é verdadeiro em relacao ao que esté acontecendo na transferéncia-contratransferéncia. O par analitico esta fazendo isso com o prop6sito de criar um contexto humano no qual 0 pacien- 42 Thomas H. Ogden resent (em. te possa ser capaz de viver sua experiéncia emoci oposicao a evacué-la ou anestesiar-se para ela) ‘Ao ajudar o paciente a enfrentar a verdade de sua experiéncia emocio- nal, o analista € respeitoso com os modos que o paciente (desde a inféncia) encontrou para proteger sua sanidade. A velocidade e o ritmo dos esforgos do paciente para encarar a verdade de sua experiéncia emocional so determi- nados pelo préprio paciente. Uma boa parcela do papel do analista envolve sustentar a tensao entre a necessidade de seguranca do paciente ¢ sua neces sidade de conhecer a verdade. Il Ser responsével © analista se responsabiliza por seu proprio comportamento ¢ respon- sabiliza 0 paciente pelo dele (do paciente). A responsabilidade néo termina no limite de nosso controle consciente sobre nés mesmos. Isto é, 0 analista se responsabiliza por comportar-se de forma sedutora, ciumenta, competitiva ou atrogante com o paciente independentemente de estar consciente de fazé- lo no momento ou de se tinha o poder de abster-se de fazé-lo. Além disso, pedimos de nds mesmos (e do paciente) que, no decorrer do tempo, ocorra lum aumento no grau de controle exercido sobre este comportamento € um aumento no grau de consciéncia do contexto anteriormente inconsciente para © comportamento. A responsabilidade do analista nao é com a “psicandlise”, mas com 0 bem-estar do paciente. O paciente o procurot ~ ainda que com frequéncia inconsciente disso - néo “para ser analisado", mas para ajudé-lo a fazer 0 trabalho psicolégico que ele precisa fazer a fim de viver sua vida de maneira diferente. Viver de maneira diferente pode significar viver de um modo me- hos atormentado, ou menos solitério, ou menos vazio, ou menos destituido de identidade, ou menos destrutivo, ou menos egoista. O objetivo do analista no é executar os ditames de um conjunto de regras analiticas (com frequén- cia codificadas pela escola analitica & qual ele “pertence"), mas atentar anali- ticamente para o dilema humano do paciente. © analista nao apenas vive e trabalha nos termos da situacéo analitica, le também vive ¢ trabalha no contexto da situagao social/politica de seu tempo. (O trabalho analitico de David Rosenfeld [2004] durante e depois dos “desaparecimentos” na época das ditaduras militares na Argentina € 0 regime de Pinochet no Chile prestam um testemunho ao peso suportedo pelo analista em reconhecer e estar vivo tanto para o estado psicoldgico individual do paciente como para 0 contexto social externo,) O analista é responsével no apenas por permanecer receptivo e responsivo para a verdade do que estd acontecendo no consultério, mas também para o que € verdadeiro no que esta acontecendo no mundo externo, analista ndo necessariamente abor- Esta arte da psicanélise = 4B da diretamente a realidade sociopolitica da época e, com certeza ndo tenta convencer, debater ou fazer proselitismo; mas existe um “instinto ético (uma sensago de] quando devemos fazer 0 bem?” (Borges, 1975, p. 412) que ele jincorpora & andlise. © que Robert Pinsky (1988) escreve sobre as responsabi- lidades do poeta tem importante relagdo com as formas de responsabilidade do psicanalista. O poeta, para Pinsky, no precisa tanto de uma plateia quanto de sentir uma necessidade de responder, uma promessa de resposta. A promessa pode ser uma con- tradigdo, ela pode ser indesejavel, ela pode passar despercebida... mas ela & uma divida, e a sensagio de que ela ¢ uma divida é um requisito bsico para que o poeta se sinta bem em relagfo & arte. A necessidade de responder, to firme quanto um objeto tomado emprestado ou uma divida em dinheiro, ¢ 0 cho onde o centauro (a imaginacdo] anda, (p85) Ainda que o analista normalmente néo revele ao paciente suas opiniges sociopoliticas, sua “promessa (a si mesmo] de responder”, seu “instinto ético” 6 uma presenca sentida na andlise enquanto o paciente lita com seu préprio conjunto complexo de promessas cumpridas e nao cumpridas a si mesmo, re- ferentes a seus esforcos de encarar e responder (tanto em pensamento quanto ‘em agio) 20 que € verdade a seus mundos interno e externo. IV Sonhar-se sendo © crescimento psicolégico do paciente, a meu ver, envolve a expansao de sua capacidade de experimentar o espectro completo de sia experiéncia ‘emocional, suas “alegrias e tristezas, e... também naufrégios” (Goethe, 1808, p. 46). Randall Jarrell (1955) descreve este espectro de sentimentos na poe- sia de Frost: Ter a distncia das partes dos poemas mais horriveis e mais préximas do insuportavel, as mais delicadas, sutis¢ adordveis, uma distancia tio grande; ter todo este espectro do ser tratado com tanto humor e tristeza e tranquilidade, com tio clara verdade; ver que um homem ainda pode indluis, unir e tornar humanamente compreensivel ou humanamente incompreenstvel tanto ~ esta é uma das mais novas e mais velhas das alegrias. (p.62) © psicanalista deve ser capaz de teconhecer com tristeza e compaixio que entre as piores e mais debilitantes perdas humanas ¢ a perda da capac 4A Thomas H. Ogden dade de estar vivo para nossa prdpria experiéncia ~ em cujo caso perdemos ‘uma parte de nossa qualidade humana. A terrivel realidade (que nunca é inteiramente uma realidade psiquica) que esté na origem de tamanha catés- trofe pode envolver o fato de o paciente ter sido privado da oportunidade de receber e dar amor nos primeiros anos de vida. Para outros, a origem pode estar em experiéncias de inimaginavel, indizfvel sofrimento, tais como as ex- perimentadas nos campos de concentragao ou na morte de um filho ~ um sofrimento tao terrivel que esta além da capacidade de um ser humano de assimilé-lo e ainda assim permanecer emocionalmente vivo de forma plena. Estar vivo para viver a propria experiéncia é, em minha concep¢ao, sin6- nimo de ser capaz de sonhar nossa experiéncia emocional vivida. Estou aqui utilizando o termo sonhar de um modo que proposto pelo trabalho de Bion (1962a), Na medida em que somos capazes de sonar nossa experiéncia, s0- mos capazes de gerar uma resposta emocional a ela, aprender com ela ¢ ser mudado por ela. ‘Como diseutido no capitulo anterior, acredito que central & psicandlise a participacéo do analista em sonhar os sonhos “nao sonhados” e “inter rompidos” do paciente. Sonhos interrompidos (pesadelos metaféricos) séo experiéncias emocionais com as quais o paciente é capaz de realizar um tra- balho psicol6gico inconsciente genuino. Entretanto, 0 sonhar do paciente (Gua elaboracao psicolégica inconsciente) é interrompido em um ponto onde 2 capacidade para sonhar é sobrepujada pela natureza perturbadora do que esté sendo sonhado. Nesse ponto, o paciente “desperta”, isto é, deixa de ser capaz de continuar empreendendo uma elaboracio psicoldgica inconsciente. Observamos este fenémeno na stibita ruptura que ocorre quando uma crian- ‘ca estd brincando ¢ o contetido da brincadeira torna-se tio perturbador que supera a capacidade de brincar (a crianga varre da mesa todas as figuras com ‘as quais ela estava envolvida). Em contraste com os sonhos interrompitios, os sonhos nfo sonhados so experiéncias emocionais com as quais 0 paciente é incapaz de realizar traba- Iho psicolégico inconsciente. Experiéncias insonhdveis ocorrem em estados psicologicamente dissociados, tais como momentos de autismo ou psicose, transtornos psicossomdticos perversbes graves. Sonhos nao sonhados sto comparaveis a terrores noturnos no sentido de que estes tltimos néo sto sonhos genuinos (eles ocorrem em sono no REM) € nao realizam trabalho psicolégico; o “sonhador nao desperta deles e, em certo sentido, somente desperta se fururamente for capaz de sonhar a experiéncia emocional ante~ riormente insonhdvel. Os sonhos no sonhados permanecem como ameacas de experiéncias amorfas, sinistras, inimaginaveis, que ameacam nossa sani- dade e nosso préprio sex. (Winnicott [1967] descreveu esta sensagao de mau pressigio como um “medo de colapso”.) Esta orte do psicondlise — 4 Sonhar nossa prépria experiéncia é adquirir a posse dela no processo de sonhé-la, pensé-la ¢ senti-la. A nossa continuidade de ser - 0 “zumbido” de fundo de estar vivo ~ é 0 “som” continuo de sonhar-se sendo. A psicanélise, desta perspectiva, é uma forma de relacionamento psicolégico na qual o ane: lista participa do sonhar os sonhos anteriormente nao sonhados e interrompi- dos do paciente. A meta da psicandlise néo é simplesmente sonhar os sonhos pio sonhados e interrompidos do paciente no setting analitico. A participagao do analista no sonhar a experiéncia anteriormente insonhvel do paciente 6 um meio para um fim: 0 paciente desenvolver sua capacidade de sonhar sua experiéncia sozinho. O fim da experiéncia analitica € medido nfo tanto pelo grau de resoluco do conflito intrapsiquico quanto pelo grau em que 0 paciente tornou-se capaz. de sonhar sua experiéncia sozinho. \V Pensar em voz alte: (0 desenvolvimento do uso da linguagem adequado & tarefa de comu- nicar a si préprio e a outrem algo do que estamos sentindo e pensando é fundamental para uma experiéncia analitica bem-sucedida. Nao existe forma ideal para o didlogo analitico, Pelo contrario, a forma como analista e anali- sando falam entre si ¢ algo que eles devem inventar para si mesmos. Quando a andlise é uma “busca constante” (Winnicott, 1964, p. 27), esta invengiio é tinica. Quando analista e analisando so capazes de pensar e falar por si mes- ‘mos, eles nao utilizam “linguagem emprestada”, por exemplo, jargoes, clichés termos técnicos. Sua linguagem tende a ser viva, suas metéforas tém um frescor despreocupado de menta. O uso da linguagem serve para comunicar, nao para obscurecer; gerar compreensio, nao confuséo; dizer o que é verda- deiro em nossa experiéncia emocional, no perverter a verdade. © analista, quando fala com o paciente com sua propria voz, néo soa “como um analista”; sua voz é a de uma pessoa comum falando com outra pessoa comum de um modo que é pessoal para a outra pessoa e para a hist6- ria de seu relacionamento. Uma qualidade que muitas vezes caracteriza este tipo de dialogo analitico € 0 sentimento de que o analista eo analisando esto cada um por seu lado descobrindo o que pensam no préprio ato de falar. Eu constato que raramente sei como vou terminar uma frase ou qual sera a prd- xima frase quando comego a falar com um paciente. Embora a psicandlise dependa fortemente do uso da linguagem, a fala € 0 pensamento reflexivo nao so suficientes para sustentar uma experiéncia analitica criativa. O que o paciente e o analista pensam e devem dizer precisa estar direta ou indiretamente ligado ao crescimento emocional do paciente, 46 Thomas H. Ogden crescimento que se reflete na aco, isto é, em mudancas reais no modo como © paciente vé sua vida, no modo como ele se conduz no mundo. De outra forma, pensar e falar ~ por mais penetrantes que sejam ~ nfo passam de sgindstica mental; paciente e analista ficam envolvidos em uma simulagio de psicandlise, VI Nao saber A psicandlise ~ significativamente moldada por Bion durante o tiltimo quarto de século ~ passou a dar grande valor & capacidade do analistae do analisando de nao saber. Nesse estado de espfrito, somos capazes de nos ma- ravilhar com 0 mistério, com a total imprevisibilidade e com o poder do in- consciente que pode ser sentido, mas nunca conhecido. O inconsciente é uma imanéncia, no um ordculo. Quando o analista é incapaz de sustentar um estado de passado eclipsa o presente, e o presente é projetado no futuro. Um analista incapaz de tolerar néo saber pode “saber” até antes do analisando chegar para sua sessio de segunda-feira que o paciente ~ como tantas vezes ocor- eu no passado — sentiu-se solitério e intensamente ciumento em relagdo & esposa (imaginada) do analista. E, ainda por cima, 0 paciente mais uma vez vai sentir que o analista alardeta com crueldade a exclusio do paciente de sua familia pelo fato de ter o consultério em sua residéncia. O paciente pode realmente ter sentido tudo isso, mas para que seja possivel conversar sobre esta gama de sentimentos de um modo que seja significativo para 0 paciente, a experiéncia deve ser sentida pelo analista e ele deve falar sobre ela como se fosse a primeira vez. Pois o evento esté na tealidade ocorrendo pela primeira vyez no contexto tinico do momento presente da andlise. (© analista deve ser capaz de ndo se conhecer téo bem. Por exemplo, © filho de 8 anos do analista pode ter softido um acidente de bicicleta e que- brado 0 braco no dia anterior. A percepgio do analista do fato de que ele ainda est reagindo intensamente a este acontecimento é apenas um ponto de partida, uma vez que os significados sto muitos e ainda esto no processo de serem gerados. Somente por nao saber 0 significado de seus pensamentos sentimentos sobre 0 acidente de seu filho é que o analista ser capaz. de discernir 0 modo no qual sua experiéncia daquele acontecimento é diferente com cada paciente e que seus pensamentos ¢ sentimentos sobre seu filho sao produzidos de uma nova maneira com cada paciente e moldados pelo que estd acontecendo em cada sesso. Por exemplo, com um paciente, os deva~ neios do analista podem girar em torno de uma conversa com 0 ortopedista, na qual o analista sentiu-se envergonhado de set desejo de ser tratado como um colega médico pelo doutor. Com outro paciente, os devaneios do analista podem assumir a forma de medos sobre a possibilidade de que a fratura de saber”, o Esto one do piconsise | AT seu filho vai acarretar uma limitacio permanente do movimento do brago: ainda, com outro paciente, o analista pode sentir um misto de tristeza e admi- ago 20 lembrar da coragem que seu filho demonstrou ao contar ao médico (de uma maneira muito meiga) sobre como tomou a deciséo de ir para casa e nfo para a casa de seu amigo depois do acidente, ainda que a casa de seu ‘amigo fosse muito mais préxima, ‘Cada um desses diversos devaneios inconscientemente faz, uso da expe- riéncia emocional do analista com seu filho de um modo que é produto do que est acontecendo em um nivel inconsciente (em um dado momento) en- tre ele e um determinado paciente. A experiéncia do acidente e suas sequelas io so mais de posse tinica do analista. Elas se tornaram uma experiéncia do ‘*eerceiro analitico” (Ogden, 1994a, 1997), um sujeito criado conjuntamente por paciente ¢ analista cujos pensamentos e sentimentos s4o experienciados pelo analista na forma de um sonho acordado (isto é, seus devaneios).. [No saber é uma precondicSo para ser capaz de imaginar. A capacidade imaginativa no setting analitico é nada menos do que sagrada. A imaginacao mantém aberta miltiplas possibilidades de experimentagdo na forma de pen- sat, brincar, sonhar e em todos outros tipos de atividade criativa. A imaginacao coloca-se em contraste com a fantasia, 2 qual tem uma forma fixa que se repete vrias vezes e ndo leva a parte alguma (como se vé, por exemplo, na impotén cia sexual proveniente de fantasias de que 0 sexo ¢ letal para si mesmo ou para co parceiro sexual). Imaginar ndo ¢ descobrir uma solucéo para um problema emocional; é mudar os termos do préprio dilema. Por exemplo, um paciente pode sentir que precisa escolher entre manter sua prépria sanidade e ser amado por sua mie. Alterar os termos deste dilema humano pode tomar a forma de reconhecer que um amor que requer abrir mao das préprias ideias € uma forma de amor que ¢ impessoal no sentido de que destréi quem se é. Os valores analiticos que eu discuti num todo constituem, para mim, um fun- damento, aquilo “do que eu nao abriria mao” em meu exercicio da psicandli se. 0 leitor terd seus prdprios valores analiticos oriundos de sua experiéneia Para mim, estes valores sao “o préprio chao onde o centauro [psicanalitico] anda” (Pinsky, 1988, p. 85), a alma viva da psicandlise

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