0 notas0% acharam este documento útil (0 voto) 69 visualizações5 páginasA Idéia de Museu Na Cultura Ocidental Cícero de Almeida
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seus nunca estiveram tio sintonizados com a contemporaneidade como nos dias
atuais. Prestigiados e reconhecidos atualmente como instrumentos de afirma-
cio identitéria e de valorizagao da diversidade étnica e cultural, os museus sio,
incontestavelmente, um dos principais territérios simb6licos do mundo oci-
dental. Neles estio configuradas questdes tipicas da modernidade, como o di
reito a informagao e a meméria, esse Giltimo cada vez mais uma necessidade das
sociedades contemporaneas, parte insepardvel do conjunto dos direitos huma-
nos ja consagrados.
Mas nem sempre foi assim. Ainda é comum as-
A idéia de museu na sociar © museu ao espago sonolento, frio e distante,
cultura ocidental
das “coisas velhas” e dos objetos “encantados” que
Cicero Anténio F. de Almeida nao podem ser tocados. Se alguns museus persistem
nessa idéia (e muitos persistem), esto fora de sin-
tonia, longe dos desejos do mundo contemporaneo,
¢ distantes das experiéncias inovadoras que prati-
camente o reinventaram ao longo das quatro iiltimas décadas. Para entender,
portanto, a complexa transformagao dos museus ¢ sua posi¢io no mundo em
que vivemos, € preciso observar sua trajetoria, analisar suas “tradigdes” e suas
“contradigées”, reconhecendo, evidentemente, avangos e retrocessos
A idéia de museu como a conhecemos atualmente comegou a ser desenhada a
partir do Renascimento, impulsionada pelo Humanismo ¢ sua “cultura da curiosida-
de”, Uma febre colecionista se difundiu por todo o Velho Continente no periodo,
quando membros de familias abastadas reuniam “raridades” em suas residéncias, es-
pecialmente os vestigios da Antiguidade Classica, as “antiqualhas”. Se a pritica de
reunir colecdes nao era uma novidade, foi durante o apogeu do Humanismo que se
tornou bastante usual, na medida em que os objetos de uma colegio, para além de
representar 0 gosto e a posigtio social de seu proprietério, passaram também a signi-
ficar a busca pela compreensio cientifica dos fendmenos da natureza.
Ma
des comegaram a se formar na Europa a partir de 1550. Ao lado das chamadas cu-
jestagbes primitivas dos museus, os chamados Gabinetes de Curiosida-
riosidades naturais, estavam pecas etnogréficas reunidas por viajantes, vindas de
todas as partes do planeta, algumas até com poderes magicos, segundo crenga da
época, Os gabinetes materializavam no perfodo aquilo que Pomian chama de *in-
tercimbio que une 0 mundo visivel e 0 invisivel”.!
Vale lembrar que a origem do termo museu provém do grego mouseion, que
denominava o Templo das Musas, especialmente aquele constr
antes de Cristo sobre a colina de Helicao, em Atenas, ou o espago edificado pela
dinastia dos Ptolomeus em Alexandria (séc. IV), onde se encontravam sabios, a
jo no século II
55 AREA DE ATUAGAOmaioria da Escola de Aristételes, que para ld se deslo-
caram para ajudar na educagfo do futuro Prolomeu
Filadelfo. Recuperar o termo fazia parte inseparével
da cultura humanista.
Um dos mais antigos usos conhecidos do termo
latino musaewm foi aplicado a sala dedicada as Musas
€a Apolo, na residéncia construfda entre 1537 e 1543
pelo médico italiano Paolo Giovio, para abrigar o
conjunto de suas colegdes, formadas, sobretudo, de
antiguidades e de medathas. No século seguinte, a
Universidade de Oxford criou o Musaeum Ashmolia-
num (1683), a partir da doagio de Elias Ashmole, es-
tudioso de genealogia, astrologia e alquimia. A iniciativa consagrava a importén-
© fisio di
‘Worm (1588 ~ 1654) crow no
séeulo XVI um epaso cia do contato direto com objetos e testemunhos cientificos como parte essencial
destinado sss colegdes de S es .
Histéia Notun, chamadode 1 formagao do conhecimento. £ interessante observar que a “rezio iluminista” con-
Nee eae tribuiu para reforgar a idéia de que o conhecimento estava baseado no exercicio
sendo conserado um dos, intelectual, tendo a experimentago € a observacio como ferramentas, o que pode
precursores do museu
contemporineo,
__explicar o grande impulso sofrido pelo museu no perfodo.
No final do século XVIII os gabinetes e museus estavam jé consagrados ao de-
senvolvimento das Ciéncias Naturais, e assim permaneceriam por mais um século.
A experiéncia revolucionéria francesa, entretanto, além de firmar definitivamen-
te 0 termo museu, acrescentou-lhe um novo “sabor”, servindo-se de suas colegdes
como representantes da unidade “espiritual” ou da “tradigao" da nagdo. Isso fica
bem claro no contexto do confisco dos bens da Igreja (1789), da nobreza e da Coroa
(1792), quando os membros da Assembléia passaram a discutir o papel do Estado
na escolha dos bens de propriedade publica que deveriam ser conservados, e os
que deveriam ser destrufdos.
A criago do Museu do Louvre (10/10/1793) e do Museu dos Monumentos
Franceses (21/10/1795) foram bastante emblematicas. O primeiro foi resultado
do processo de apropriagao dos tesouros artisticos acumulados pela coroa fran-
cesa, instalados no proprio palacio que abrigara a corte francesa. O segundo foi
iniciativa de Alexandre Lenoir, guardiio de um depésito de pegas confiscadas
da Igreja, que sugeriu a construgo de “um asilo para os monumentos de nossa
histéria”.
‘Como fendmeno decorrente do proceso colonialista, a criagtio de museus nos
paises nao europeus seguiu basicamente os mesmos princfpios consagrados pelo Ilu-
minismo. Segundo Hugues de Varine, “foram os pafses europeus que impuseram
aos nio europeus seu método de ansllise do fendmeno e do petriménio culturais,
obrigando as elites e os povos destes patses a ver sua prépria cultura com olhos
56 CADERNO DE ENSAIOSceuropeus. Assim, os museus da maioria das nagGes so criagdes da etapa histérica
colonialista”.”
No Brasil, ainda sob o impacto das politicas ilustradas de Portugal, foi criada
a Casa de Histéria Natural no Rio de Janeiro. Enquanto se construfa o prédio, um
barracto foi improvisado, que serviu de depésito de animais empalhados, predo-
minantes aves, razio que levou a populagio a chamé-lo de Casa dos Passaros, ex-
tinta em 1810. Por iniciativa do principe regente D. Joao VI, jé em solo brasileiro,
foi criado o Museu Real (06/06/1818), atual Museu Nacional, formado basica-
mente por exemplares mineralégicos da Colegio “Werner”, por objetos herdados
da Casa dos Passaros, além de doagdes do principe regente,
Os museus no século XIX no Brasil confirmaram a vocagio, iniciada no Re-
nascimento, de instituigdes de produgao e disseminagao de conhecimento. Em 1870,
Ladislau Netto assim se referia & importancia dos museus: “Se em outros ramos de
conhecimento (...) nfo nos basta muitas vezes o estudo do gabinete e a consulta-
so das bibliotecas, nas cigncias naturais especialmente torna-se indispensdvel a
ita constante das coleges piblicas. (...) Daf procede, pois, a necessidade dos
museus de historia natural (...)."*
No mesmo perfodo merecem destaque as primeiras experiéncias no sentido de
valorizar o papel educativo dos museus, especialmente nos EUA, onde diretores
de instituigdes museolégicas ligadas & Historia Natural entendiam que as exposi-
ges eram instrumentos eficazes para difundir as ciéncias. A valorizagdo das agdes
educativas foi cada vez mais se intensificando, tornando-se indispensdveis para a
sobrevivéncia dos museus e para sua popularizagao.
Foi, no entanto, ao longo do século XX, especialmente a partir de sua segun-
da metade, que os museus passaram a sofrer bruscas transformagdes, preparando ©
terreno para as miltiplas experiéncias encontradas atualmente. Durante as primei-
ras décadas do século, os museus continuavam a se concentrar nas tarefas de cole-
cionar, conservar e apresentar ao piiblico seu acervo, naquilo que Hugues de Va-
rine chamava de “museu fechado” ou “banco de objetos", em grande parte refle-
tindo apenas as camadas sociais mais favorecidas economicamente.
Nas décadas de 1960 e 1970 esse modelo passou a ser contestado, atendendo
&crescente demanda de populagdes marginalizadas pelos “museus fechados”. Como
paradigma de mudanga temos 0 conceito de “Museu Integral”, preocupado com a
totalidade dos problemas da sociedade e com a insergiio crescente da diversidade
das expressdes culturais, difundido na chamada “Mesa Redonda de Santiago do
Chile” (1972).
As teses ali apontadas germinaram de forma mais contundente nos anos de
1980, através das experiéncias de “museu aberto”, de “museu de vizinhanga” ou do
“ecomuseu”, movimento que se convencionou chamar de “Nova Museologia”. A
57 AREA DE ATUAGAOpartir de entdo, 0 museu rompeu com a imagem do prédio que servia de abrigo €
conservagio de colegdes e passou a se preocupar com a “musealizagio” como uma
qualidade distintiva dos testemunhos materiais da humanidade, preservados ou no
dentro de suas salas. A preocupacio da Museologia deslocou-se do “objeto” para o
“sujeito” e a sociedade a qual ele pertence, valorizando a cultura nfo apenas en-
tendida como trago de erudig2o, mas como marca da trajetéria humana, transfor-
macao continua da realidade, registro elogiiente de identidade dos povos.
Assim chegaram os museus ao século XXI. Diferentemente de tantos outros sub-
produtos da globalizagio, os museus na atualidade estio baseados na formulagao
de intimeros conceitos, de intimeras possibilidades, e mesmo das préprias diver-
géncias e contradigbes contempordneas. Uma das marcas dos museus hoje € tornar-
se 0 contraponto necessério ao global, ao transnacional, ¢ evocar 0 patriménio
cultural como um fendmeno local, de base comunitéria. Esto nas favelas do Rio
de Janeiro, nas periferias exclufdas das grandes cidades, e convivem com os “su-
permuseus”, também igualmente importantes, revestidos de titdnio ou do velho
marmore renascentista.
Notas.
SPOMIAN, Kreystof. “Colegdes. In: Encilopda Einaudi, v1, meméria-hstria, Porto: Imprensa Nacionl/Casa da Mo-
eda, 1984 p54,
SCHAER, Roland. L'intention des musdes. Pars: Déeouvertes Gallimard/Réunion des Musées Nationaun, 1993. V. 187
P68
" VARINE-BOHAN, Hugues de."Maseus no Mundo”. Biblioteca Salat de Grandes Temas, v.26. Rio de Janeiro: Salvat
Editora do Brasil, 1979. p. 12
‘NETTO, Ladislau,“InvestigagGes Histovicas e Scientifics sobre a Museu Imperiale Nacional do Rio de Jani.” Riowe
Janeiro: Instituto Philomatico, 1870. p 2.
io. de Almeida Muse6logo, Mestre om Meméria Soci-
al, Professor da Escola de Museologis da UNIRIO @ Diretor Executive |
do Conto Cultural Justiga Federal |
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