VC no Brasil
Relato sobre a evolução do
ecossistema e
perspectivas para o futuro
Guilherme
Lima
Vitor
Pajaro
Sumário
Introdução 03
Flywheel de Prosperidade de um
04
Ecossistema de Venture Capital
Antes de tudo começar 06
Anos 2000: A intenção de construir o 07
ambiente de VC no Brasil
2005 - 2009: A construção da base para o
lançamento 08
2010 - 2014: A validação do mercado de VC 09
no Brasil
2015 - 2017: Headwind macro e a resiliência
dos empreendedores
14
2018 - 2022: Surfando a onda 15
2023 e o que podemos esperar do futuro 17
do Venture Capital no Brasil
Em relação a talentos 17
Construção de alpha no mercado 20
Em relação ao capital financeiro 22
O que acontecerá com os fundos de 24
venture capital?
| Introdução
03
Nas últimas duas décadas, o ambiente de empreendedorismo
nasceu, floresceu e deu frutos no Brasil. Isso graças a
diferentes agentes desse ecossistema, desenvolvidos
principalmente por pessoas e pela iniciativa privada com uma
visão de longo prazo. Esse movimento permitiu que
florescesse um ambiente próspero de talentos e criação de
valor. No empreendedorismo brasileiro, se no início dos anos
2000 jogávamos futebol de várzea com bola de meia, hoje
podemos dizer que já estamos competindo na Champions
League, enquanto polimos os alicerces necessários para a
disputa de uma eventual Copa do Mundo.
A base de um ecossistema empreendedor, como o nome
supõe, é a sua comunidade de talentos. São fundadores e
fundadoras ou colaboradores com experiência em empresas
de alto crescimento, que constroem as organizações e as
startups e o capital empreendedor, ou investidores, sejam
gestores profissionais ou pessoas físicas, que impulsionam e
fomentam a construção dessas empresas emergentes.
Junto a isso, no mesmo ambiente, existem diversos outros
agentes - como hubs e espaços de inovação, aceleradoras,
governo, advisors, entre outros. São personagens-chave para
que as conexões e a construção de valor entre investidores e
empreendedores aconteçam.
Conforme o ecossistema vai maturando e acontecem os
primeiros casos de sucesso por meio da distribuição de valor a
partir de saídas de sucesso e solidificação do conhecimento de
construção de startups, os fundadores acabam se tornando
investidores e mentores de uma nova geração ou decidem
criar novas empresas, se tornando os chamados
empreendedores seriais. Da mesma forma, os colaboradores
dessas empresas da primeira geração usam a sua experiência
para fundar novas empresas, criando o que chamamos de
mafias de colaboradores de empresas de tecnologia, ou de
mafia-tech.
| Flywheel de Prosperidade de um Ecossistema de Venture Capital 04
Essas conexões geram loops que se retroalimentam, criando
um ciclo de prosperidade para o ecossistema, como
visualmente apresentado na imagem abaixo.
Flywheel de Prosperidade de um Ecossistema de
Venture Capital
Ainda nesta linha, essa prosperidade inspira e atrai novos
empreendedores, investidores e agentes para impulsionar
ainda mais essa força motriz.
O gráfico abaixo demonstra bem como funciona o efeito
cascata que o ciclo de maturação de um Flywheel de geração
de valor promove em um ecossistema de startups. No
exemplo, Paulo Veras, cofundador da 99, fundada em 2012,
seguiu suportando com investimentos, mentorias e inspiração
para outras diversas iniciativas que surgiram nos anos
subsequentes deste ciclo.
| Flywheel de Prosperidade de um Ecossistema de Venture Capital 05
Fonte: Endeavor
O intuito deste artigo é trazer um pouco da nossa visão, como
uma gestora de fundo especialista em Brasil, sobre como a
história subsidiou o desenvolvimento do ambiente de capital
empreendedor no Brasil, como chegamos a tal maturidade e o
que podemos esperar para os próximos anos.
|"Antes" de tudo começar 06
"Antes" de tudo começar
Há poucos registros sobre o cenário de VC antes da década de
90. As operações de investimentos privados eram
concentradas em fundos de Private Equity tradicionais e
alguma participação do BNDES em iniciativas de
investimentos. Na década de 90, com a estabilidade monetária
no Brasil, o ambiente macroeconômico favorável e as
primeiras instruções da CVM (Instrução CVM 209, em 1994)
para regulamentar a gestão de fundos de investimentos em
empresas emergentes, o país se tornou mais amigável para
comportar iniciativas de gestão de investimentos em Venture
Capital, mas ainda era algo muito novo aqui.
A partir disso, e com a bolha da internet que inflava nos EUA, o
país começava a ser mostrar um campo para o surgimento de
ondas de tecnologias e de negócios na internet, seguindo as
tendências globais.
| Anos 2000: A intenção de construir o ambiente de VC no Brasil 07
Um exemplo de uma forte onda foi o surgimento das
empresas de leilões virtuais, como Arremate.com,
MercadoLivre, Lokau.com, iBazar entre outras, que acabou em
um grande movimento de consolidação tornando, hoje, o
MercadoLivre um claro vencedor, sendo uma das empresas
mais valiosas da América Latina.
Outra onda foi a de provedores de internet, com o surgimento
de empresas como UOL e Terra, e de serviços de busca com o
lançamento da Cadê?, vendida para o Yahoo, e Akwan,
vendida para o Google. Outras rodadas de investimento que
começava a dar os primeiros impulsos para empresas
notáveis foram: TOTVS, investida pela Advent, Submarino,
investida por um grupo de instituições financeiras, Movile,
investida pela Rio Bravo, e o Buscapé, pela Merrill Lynch.
Essas ondas já demonstravam a capacidade dos
empreendedores brasileiros de desenvolver negócios no
mercado de internet, criando novas tecnologias que se
ornavam cada vez mais relevantes e formavam a base para a
criação de grandes negócios no país.
Anos 2000: A intenção de construir o ambiente
de VC no Brasil
Nessa época, a palavra “empreendedor” ou
“empreendedorismo” ainda não existia no dicionário no Brasil.
Na nossa visão, o surgimento da Endeavor, em 2000, com o
propósito de impulsionar o empreendedorismo brasileiro, foi
um ponto de inflexão relevante para pavimentar o
ecossistema brasileiro. Em um momento onde ainda não
existiam agentes de apoio ao empreendedorismo inovador, a
Endeavor foi chave para o movimento, sendo então um
catalisador de talentos e empreendedores da comunidade,
com trocas e compartilhamento de conhecimento de nível
global. Leia mais sobre a história da Endeavor no Brasil em: 20
anos de Endeavor.
| 2005 - 2009: A construção da base para o lançamento 08
Outros agentes importantes desta época foram o surgimento
das associações de gestores e investidores, como a ABVCAP
(Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity), em
2000, e a LAVCA (Latin American Venture Capital Association),
em 2002, que conectou a rede de investidores e trouxe
organização e troca de conhecimento para o desenvolvimento
da prática de investimentos na região.
Em 2004, graças ao esforço da Endeavor e de sua
comunidade, finalmente a palavra empreendedor passou a
fazer parte do dicionário de língua portuguesa.
2005 - 2009: A construção da base para o
lançamento
Como Anderson Thees, VC no Itaú, mencionou no podcast
Astella Playbook, que na época trabalhava na Naspers, alguns
investidores globais estavam vendo o Brasil como um novo
case de abertura de mercado, à la China, graças ao grande
sucesso da Tencent.
O tailwind positivo da economia do país fez com que o Brasil
recebesse um olhar de oportunidades. Em 2007, o país teve 36
IPOs, recorde anual até então e que durou até 2021. Em 2006
e 2007, empresas como TOTVS e B2W abriram seu capital.
Com tal liquidez e cenário positivo, grandes fundos de Private
Equity como General Atlantic, SilverLake, Warburg Pincus,
entre outros, aqueceram a sua atividade de investir no Brasil.
No ambiente de investimento local, a primeira safra de
grandes gestoras nacionais começava a surgir: Monashees,
Astella, DGF e Investech. Paralelamente, iniciativas de fomento
do setor, como o programa do Criatec I, pelo BNDES, e da
FINEP, Fundo Inovar, também ajudaram no surgimento e
impulsionamento de gestoras como Inseed e Bozzano (atual
Crescera).
| 2010 - 2014: A validação do mercado de VC no Brasil
09
Paralelamente, do lado empreendedor, com a onda de
compras coletivas, na esteira do case global da Groupon no
país, surgiu um incentivo ao empreendedorismo digital, com
cases de relevância como Peixe Urbano, ClickOn, Groupalia,
entre várias outros.
Em 2009, aconteceu um fato muito relevante para o mercado
de tecnologia: a venda do Buscapé para a Naspers por U$342
milhões. Essa transação foi importante porque, para muitos,
foi o primeiro case claro de sucesso de uma startup no Brasil,
em uma jornada de 10 anos, que trouxe retorno relevante
para seus investidores. Depois de algum tempo, seus
fundadores se tornaram gestores de venture capital em firmas
como a Domo Investimentos e a Redpoint eventures que foi a
junção de dois fundos internacionais icônicos (Redpoint e a
e.ventures).
2010 - 2014: A validação do mercado de VC no
Brasil
O mercado brasileiro passava por um vento de popa global,
com a consolidação do modelo de SaaS e cloud computing,
graças a maturação da tecnologia Cloud, e a onda mobile que
vinha surgindo, com a penetração das redes sociais no país.
Do lado do ambiente de negócios de venture capital, no
período de 2010 a 2014 começa a se intensificar o ciclo, graças
a solidificação e multiplicação dos agentes nas mais diversas
áreas de suporte.
Em nossa análise, dois grandes marcos trouxeram pontos de
inflexão relevantes para destravar e acelerar o
desenvolvimento de novas tecnologias localmente nesse
período. 1) os programas de iniciativas do Banco Central
brasileiro para modernizar o sistema financeiro e 2) a chegada
das empresas de infraestrutura de cloud no País.
| 2010 - 2014: A validação do mercado de VC no Brasil
10
O primeiro ponto de inflexão foi em relação à mudança clara
de postura do Banco Central brasileiro, a partir do início da
década de 2010, que iniciou diversas iniciativas regulatórias
para democratizar e modernizar o sistema financeiro para
destravar a construção de novas soluções financeiras no País.
Essa mudança para uma postura mais aberta permanece no
Banco Central, o que já se tornou uma cultura organizacional
dentro da instituição, e que acaba estimulando outras
entidade e órgãos do governo.
Entre os destaques estão a Resolução de 3.954/201, que
estabeleceu as regras para a atuação das instituições de
pagamento, que são empresas que prestam serviços de
pagamento sem oferecer crédito, e, posteriormente em 2018 a
Resolução 4.656/2018 do Banco Central que criou a figura das
Sociedades de Crédito Direto (SCD) e das Sociedades de
Empréstimo entre Pessoas (SEP), que permitiram que as
fintechs de crédito pudessem atuar de forma mais
regulamentada.
Essas iniciativas criaram novas infraestruturas financeiras mais
ágeis para a própria construção de novas startups, assim
como novas soluções que destravaram ofertas diferenciadas
de serviços financeiros e a inclusão financeira no país.
O segundo ponto de inflexão ocorre em 2012 quando as
principais empresas de infraestruturas de Cloud chegam ao
Brasil, como a Amazon AWS e Google Cloud. Com a chegada,
são proporcionadas melhores ofertas e maior suporte local ao
desenvolvimento de software em nuvem, o que antes exigia
alto investimento de CAPEX, com aquisições de mainframe e
estruturas físicas. Isso foi tão importante, não só pela drástica
redução do custo de investimento para desenvolvimento de
software, mas também, para uma mudança de estrutura de
capital das empresas, habilitando maior velocidade e,
consequentemente, competitividade para empresas
insurgentes frente às incumbentes, rearranjando o cenário
competitivo local com novos players e novas aplicações.
| 2010 - 2014: A validação do mercado de VC no Brasil
11
Do lado do capital e apoio, algumas iniciativas e fatos que
valem mencionar dessa época são a fundação da Anjos do
Brasil, maior rede de investidores anjo no país. O lançamento
do fundo da Kaszek de U$96M, levantado em 2011, e
chancelado por Doug Leone e Sequoia Capital. Outro
importante player que surgiu nesta época foi a Spectra
Investimentos, gestora de fundos de fundos de investimentos
alternativos, que viria a ser uma peça importante para a
alocação de capital nas gestoras de venture capital no país e
fomento de gestores emergentes.
Esse período também foi de consolidação dos espaços de
conexão entre empreendedores, mentores e advisors, que
trouxe, de forma mais intencional e profissional, mais troca de
conhecimento e redes de contato para quem empreendia em
tecnologia.
Um exemplo foi o BR New Tech, liderado pela Bedy Yang, da
500Startups, que tinha a missão de conectar a cultura e
pessoas do Vale do Silício com o ecossistema brasileiro. Nesse
mesmo período, houve a chegada do Startup Weekend no
Brasil, que hoje faz mais de 100 eventos anuais. Vale
mencionar também empresas que participavam desses
movimentos de trazer e educar empreendedores em
melhores práticas, como era o caso da RD Station (Resultados
Digitais) no assunto de marketing digital e SaaS em seu evento
RD Summit.
Outro movimento importante da época foi o surgimento das
principais aceleradoras do país, entre 2011 e 2013, como a
21212, Aceleratech (ACE), WOW Aceleradora, StartupFarm e
outras. A iniciativa Startup Brasil do Governo do Brasil
também ajudou a impulsionar os investimentos por meio das
aceleradoras, dando bolsas adicionais para os
empreendedores investidos.
| 2010 - 2014: A validação do mercado de VC no Brasil
12
Também vale mencionar que nesses anos duas importantes
venture builders globais atuavam no Brasil. É o caso da
RocketInternet e da Project-A, ambas alemãs, que foram
responsáveis por investimentos em Intellipost, Dafiti, Evino,
Mobly entre outras. Além disso, em 2014, surge o Cubo,
apoiado pela RedPoint Ventures e Itaú, como um hub para
esse terreno que florescia. Espaços similares surgiam em
outras cidades do país, como o espaço ACATE em Florianópolis
e o Porto Digital em Recife.
Durante o período, empresas relevantes do setor de software
iniciavam suas estratégia de consolidação, como Linx e Sinqia,
que fizeram seus IPOs em 2013, e TOTVS, com aquisição da
Bematech. Outros players consolidados também aumentaram
seu apetite por M&As: UOL, Movile, Buscapé, entre outras.
Porém, do lado da liquidez e saídas para fundadores de
startups, esse foi um período onde aconteceram muitos early-
exits, ou vendas de empresas que não maturaram em uma
trilha de VC ou adquiriram um tamanho relevante. Isso
aconteceu, na nossa visão, porque os fundadores dessas
startups que surgiram em época anterior, em que ainda não
tinham uma visibilidade clara de trilha de venture capital para
seus negócios e um ecossistema de capital e apoio para
estágios seguintes da jornada no Brasil. Por exemplo, no caso
da Astella, em nosso primeiro fundo, de 2010, todos os
investimentos foram liquidados até 2014.
Com isso, todavia, o mercado começava a ter mais solidez,
liquidez e track record, o que capacitou as gestoras de venture
capital da região a captarem seus novos fundos, maiores que
os anteriores para seguir investindo nos founders que, mais
capacitados e experientes, entrariam em novas jornadas
empreendedoras.
| 2010 - 2014: A validação do mercado de VC no Brasil
13
Isso tudo de fato fechava um ciclo bem-sucedido que trazia
confiança a todos para seguir construindo a geração de valor e
prosperidade do ambiente de venture capital e startups.
Dado essa maturação, surgia a mais relevante safra de
empreendedores de startups que viriam formar o nosso
"Brazilian Storm", os maiores cases de empresas VC-backed e
unicórnios no Brasil, como: Nubank, QuintoAndar, 99,
Gympass, Stone, entre outras. No caso da Astella, por
exemplo, nesse período investimos em empresas líderes das
suas categorias no Brasil como a Omie e a RD Station, além de
conhecer uma grande leva de outros fundadores que
acabamos investindo posteriormente.
Fonte: Market Data
| 2015 - 2017: Headwind macro e a resiliência dos empreendedores
14
Em suma, como podemos ver no gráfico acima, os casos de
maior sucesso no Brasil foram fundados na primeira metade
da década passada, sendo marcados pelo: 1) avanços em
infraestrutura tecnológica, especialmente para mobile e cloud,
2) aumento da penetração de uso da internet e 3) aumento da
taxa de juros.
Ao mesmo tempo, no ambiente interno, recentes casos de
sucesso de empresas de tecnologia, e uma nova safra de
fundos de venture capital emergentes locais e de fundos
internacionais apostando na região, junto a um ecossistema
de apoio, suportavam esses fundadores de startups para
jornadas bem sucedidas. Foi uma época próspera para o
empreendedorismo e para a safra de fundos de venture
capital no Brasil.
2015 - 2017: Headwind macro e a resiliência dos
empreendedores
Esse foi um período em que o ecossistema local teria que se
comprovar.
O Brasil enfrentava um momento de dificuldade econômica,
taxa de juros em crescimento, e o cenário político incerto com
o impeachment da Presidente Dilma Rousseff, que ocorreria
em 2016. Empreendedores não esperam decretos
presidenciais, muito pelo contrário: o abismo atravessado
durante este período fez com que boa parte das empresas
fossem colocadas à prova de fogo ao lidarem com a escassez
que por sua vez serviu para fortalecer as que viriam a ser
consagrados como os primeiros unicórnios brasileiros nos
anos subsequentes.
| 2018 - 2022: Surfando a onda
15
Portanto, o flywheel de prosperidade do ecossistema seguiu
tracionando, apesar do lado institucional que , em geral, via o
país com maior aversão ao risco. O mercado de venture
capital global seguia aquecido, com startups se tornando mais
relevantes e, no Brasil, grandes cases de startups começavam
a mostrar sucesso levantando rodadas subsequentes de
growth-stage como as Series B da 99 e Nubank.
Esse período foi marcado por iniciativas de pessoas físicas
investindo, sejam por meio dos diversos grupos anjos ou
plataformas de equity crowdfunding, regulamentadas em
2017, que começavam a surgir nessa época. Nesse mesmo
período, single e alguns multi family offices que já tinham
exposição na classe no exterior procuravam “experimentar” a
oferta de fundos nacionais principalmente à procura de
oportunidades de co-investimento e aprendizado para
investimento anjo, começando assim, a ter mais relevância
como cotistas de fundos de venture capital.
2018 - 2022: Surfando a onda
O período mais recente, de 2018 a 2022, foi quando muita
coisa aconteceu e transformou o mercado como conhecemos.
O mercado brasileiro, assim como o mercado global, passou
por diversos eventos, como a queda brusca da taxa de juros,
assim como eventos "cisne negro" como a pandemia, que
acelerou a transformação digital, e, juntos, foram a chave para
a construção de um ecossistema pujante.
Mas, um marco relevante dessa nova era foi, no início de 2018,
o surgimento do primeiro unicórnio nacional: a 99, fundada
pelo Paulo Veras. Esse foi um marco emblemático que
mostrava o resultado da maturação e força dos ciclos. Nesse
mesmo ano, Nubank e Ifood alcançaram o status de empresas
avaliadas em mais de U$ 1 bilhão. Cases fortes com taxas de
juros baixas formaram a tempestade perfeita e trouxeram
grandes investidores internacionais de volta para o Brasil.
| 2018 - 2022: Surfando a onda
16
Com o sucesso e vários casos de inspiração, um fenômeno de
duas vias criou ventos ainda mais positivos para uma elevação
de nível para os ativos de investimento em empresas de alto
crescimento. Em primeiro lugar, um grande grupo de
empreendedores experientes, ou de "segunda viagem", que
fracassaram ou tiveram sucesso em empreendimentos
anteriores, mais capacitados, voltando para iniciar novas
empresas com ideias maiores e mais ousadas. Segundo, as
oportunidades de investimentos em startups davam um
grande salto como classe de ativo com novos investidores, de
investidores anjo a gestores institucionais, diversificando seus
portfolios de investimentos.
Em 2019, o Softbank, maior investidor global de VC, dedicava
uma porção de U$5B dos seus fundos para a região (que no
mesmo ano registrou U$6.6B de investimento total), o que
levou outras empresas relevantes ao patamar de unicórnio,
como QuintoAndar, Gympass, MadeiraMadeira e
MercadoBitcoin.
Nesse período alguns dos primeiros casos de empresas
financiadas por VC chegavam à bolsa por meio de IPOs, como
é o caso da Nubank, Zenvia, Vasta e Afya.
Vale a menção também para o MercadoLivre, que chegou a
valer mais de U$100 bilhões.
A partir de 2020 também foi visto uma disparada na criação de
novas iniciativas de Corporate Venture Capital por grandes
empresas brasileiras. Segundo o relatório da ABVCAP, mais de
70% das iniciativas de CVCs foram criadas entre os anos de
2020 e 2022.
| 2018 - 2022: Surfando a onda
17
Fonte: Pesquisa Corporate Venture Capital - Brasil 2022
Ainda, não só por CVC, com o seu tamanho e relevância de
suas plataformas, diversas empresas no Brasil se tornaram
grandes consolidadores de novas tecnologias e novos
negócios, como mostra o gráfico abaixo.
Fonte: Exit in Public
| 2023 e o que podemos esperar do futuro do Venture Capital no Brasil
18
Do lado dos investidores e LPs de fundos, foi um período
marcado pela construção de programas de alocações em
venture capital pelas principais instituições brasileiras, desde
private banks, multi family offices a gestores especializados na
classe contemplando também os mais diversos formatos de
distribuição como fundos de fundos que provém maior
diversificação ou via acesso direto que fornece maior
concentração a um gestor específico. Alguns nomes relevantes
que se posicionaram dentro da classe de ativos no período
incluem: Itaú, UBS, Safra, Credit Suisse, XP, Reliance/Julius
Baer, G5 Partners, Portofino e Pipo Capital.
2023 e o que podemos esperar do futuro do
Venture Capital no Brasil
Na próxima parte, revisaremos alguns dos itens abordados em
ciclos anteriores na tentativa de avaliar em que ponto estamos
em termos de maturidade e momentum. Também
forneceremos algumas reflexões sobre os principais
elementos que temos à nossa disposição para avaliar o que a
próxima década nos reserva. Até hoje, como descrito até aqui,
o Brasil já conta com um ambiente de talentos e suporte
estruturado, com grandes casos de sucesso construídos nessa
espiral de geração de valor. Agora, apesar de um novo ciclo
macroeconômico de escassez de liquidez e grandes incertezas,
acreditamos que o ecossistema empreendedor, bem como os
avanços e capacidade de absorção de tecnologia pela
população e companhias está mais fortalecido do que nunca.
Em relação a talentos
Como já foi apresentado, o ciclo de prosperidade se fortalece
à medida que os fundadores e talentos de ciclos anteriores
renovam suas apostas e, com mais experiência, começam
novos negócios.
| 2023 e o que podemos esperar do futuro do Venture Capital no Brasil
19
O gráfico abaixo mostra que houve um grande aumento de
startups vendidas o que apresenta uma oportunidade após
lock-up/earn-out de fortalecer as novas safras de marinheiros
de segunda ou terceira viagem que tendem a voltar ao D0 com
ideias maiores e mais ousadas. É possível fazer uma
comparação com outros países que passaram por tal inflexão,
como Israel, em 2009, - chamada de “Startup Nation” - quando
o número de novas startups recebendo funding tinham mais
fundadores de segunda viagem que os de primeira.
Fonte: Distrito
Vale lembrar também, que, no caso de exits bem sucedidos, as
pessoas envolvidas, além da experiência adquirida que
compartilham em hubs e conexões, tendem a participar como
investidores, seja anjo ou investidores de fundos, promovendo
o fortalecimento do ecossistema como um todo.
Em paralelo, há um número crescente de "mafia-techs", que
são funcionários de empresas de tecnologia que passaram
pela rota de empresas financiadas por VC e experimentaram
em primeira mão o que parecia ser o crescimento acelerado.
Dado o cenário macroeconômico e a abundância dos anos
anteriores, temos visto diversas empresas corrigindo suas
rotas e executando demissões em massa.
| 2023 e o que podemos esperar do futuro do Venture Capital no Brasil
20
Aproximadamente 40% das startups tiveram que demitir parte
da sua força, sendo que o montante médio ficou entre em
25% dos colaboradores (Mckinsey Startup Study 2023). Apesar
de um momento difícil para essas pessoas e o clima
pessimista, alguns autores descrevem que em momentos de
dificuldade, como em crises econômicas, mais
empreendedores surgem simplesmente porque muitos desses
talentos possuem o playbook operacional e a vontade de
impactar por si mesmo.
Com um grande número de empreendedores de alto nível
buscando suas novas empreitadas e uma provável onda
positiva de novos talentos de empresas de tecnologia, se torna
um momento próspero para investidores apoiarem e subirem
a bordo desse novo ciclo.
Para ilustrar o impacto de uma empresa que constrói talentos
e mafias, incluímos um exemplo do efeito Nubank no
ecossistema da América Latina:
| 2023 e o que podemos esperar do futuro do Venture Capital no Brasil
21
O crescimento de ambos perfis (mafias-tech e
empreendedores seriais) é uma demonstração tangível da
evolução na maturidade do ecossistema. Dos investimentos
feitos por fundos brasileiros, 46% dos negócios feitos em 2019
e 68% em 2022 tinham como fundadores mafia-techs ou
empreendedores de segunda viagem (Crunchbase com análise
da equipe da Astella). Esperamos ver neste próximo ciclo um
número ainda maior de ambos perfis.
Construção de alpha no mercado
Estamos atualmente no auge da revolução dos
microprocessadores iniciada em 1971, e começaremos a ver
os últimos grandes deslocamentos de plataforma que estão
apenas começando a aparecer. À medida que nos
aproximamos do restante do período de ouro da
produtividade, novas tecnologias têm um ciclo mais curto de
maturidade à medida que a experiência acumulada leva a uma
aprendizagem rápida, curvas de saturação e taxas de
globalização. Em outras palavras, temos a vantagem no Brasil
de ver o futuro com antecedência, pois há um certo atraso na
implantação de novas tecnologias em comparação com outros
países. Como exemplo, a computação em nuvem (AWS) levou
8 anos para se expandir para o Brasil e, consequentemente,
lançar a "revolução" de SaaS que vimos na última década. No
entanto, como o acesso ao hardware não é mais uma barreira
para acessar novos softwares em desenvolvimento como era
antigamente, esperamos ver avanços na região vindo
principalmente de duas mudanças de plataforma para esta
geração.
A inteligência artificial (IA) é esperada para vir primeiro, já que
os modelos da Chat GPT e dos LLMs em geral têm adotado
rapidamente, como visto abaixo.
| 2023 e o que podemos esperar do futuro do Venture Capital no Brasil
22
E o impacto é duplo, do ponto de vista da plataforma,
tornando mais fácil para outras empresas aproveitá-la, bem
como conscientização do público em geral promovendo uma
comercialização mais rápida. Com isso, há uma infinidade de
casos de uso específicos que se encaixam melhor no Brasil do
que em outros lugares. Um exemplo são aplicativos
relacionados à educação que podem depender do currículo do
Ministério da Educação (MEC) brasileiro ou relacionados a
impostos que dependeriam de fontes da Receita Federal
brasileira. Além disso, deverá impulsionar um impacto
profundo na produtividade do software, enfrentando
diretamente um problema de escassez de meio milhão de
desenvolvedores que se espera para os próximos 3 anos
(Brasscom).
Fonte: Kyle Hailey
A Web3 é algo que esperamos ansiosamente, e embora possa
levar mais tempo para a adoção em nível de consumidor,
como a IA teve, a Moeda Digital do Banco Central Brasileiro
(BACEN) deve acelerar esse processo principalmente
educando a população sobre o assunto e tem previsão de
lançamento em 2024.
| 2023 e o que podemos esperar do futuro do Venture Capital no Brasil
23
O sucesso do PIX e, mais recentemente, do open-finance
provaram a capacidade do Banco Central do Brasil de
impulsionar novos projetos que aprimoram a inclusão
financeira, o acesso a produtos e serviços com custo menor e
maior disponibilidade. E com isso, esperamos ver casos de uso
da Web3 começando a se tornar mais comuns no Brasil.
Em relação ao Capital Financeiro
Apesar de todas as incertezas atuais e da expectativa de que o
capital seque principalmente devido a fatores
macroeconômicos, ainda há muitos outros fatores que
devemos considerar e que terão papel fundamental no
ecossistema brasileiro no futuro.
Em primeiro lugar, há uma "guerra fria silenciosa"
impulsionada pelo capital, em que os investidores procuram
diversificar de certos mercados, mas ainda desejam se expor a
mercados emergentes, e o Brasil tem sido uma alternativa
sólida. Segundo, a maturação do ecossistema de VC no Brasil
demonstra, além de tudo, uma autossuficiência do capital
local para atravessar a fase atual. Em 2022, de acordo com o
relatório da Endeavor e Glisco Partners, os investidores locais
no Brasil foram responsáveis por mais de 60% dos
investimentos.
Fonte: Relatório Endeavor e Glisco Partner: "Venture Capital and Growth Equity
Ecosystem in Latin America 2022".
| 2023 e o que podemos esperar do futuro do Venture Capital no Brasil
24
Com o crescimento das oportunidades do ecossistema e da
maturação das gestoras de investimento em VC no Brasil,
ainda há muito espaço para LPs brasileiros. Esse próximo ciclo,
contará com o número crescente de alocadores via oferta de
fundo de fundos (FoFs), que trazem diversificação e um ticket
de entrada menor, bem como o surgimento de novos gestores
de FoFs que ainda contam com uma alta concentração.
As instituições detentoras da oferta de capital como bancos,
multi-family offices e afins também deverão seguir com a
atuação de forma mais direta na indústria via acesso direto no
mid-late stage onde há uma escassez de capital maior e via
fundos early-stage principalmente para diversificação e acesso
a deal flow.
A pergunta que resta é se há muito capital procurando poucas
empresas ou, em outras palavras, o Brasil consegue absorver
mais capital. Acreditamos que sim, que há espaço para capital
de risco e o aumento na relevância de empresas de tecnologia,
como consequência. O valor de alocação em venture capital
relativo ao PIB do país em 2022 foi de 0.26%, enquanto Israel
com 1.66%, Estados Unidos com 1.01% e Índia em 0.76%
(OECD e Banco Mundial).
Quando olhamos a penetração de empresas de tecnologia no
mercado como um todo, o impacto que o ecossistema de
startups teve no mercado de capitais brasileiro ainda é pouco
expressivo. Em parte, pela falta de maturidade do mercado de
capitais local em si, ocasionando uma fuga de IPOs para o
exterior, vide Stone, Pagseguro, VTEX, Nubank e outros mas
também pelo alto volume de aquisições estratégicas como
exit, tendo M&As representando 78% vs 10% em IPOs (Spectra
2022 Report). Conforme vemos abaixo, em termos de
penetração de tecnologia no PIB, o Brasil se encontra 10 anos
atrás da China que por sua vez está 8 anos atrás dos Estados
Unidos.
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Ao mesmo tempo que as maiores empresas de capital aberto
seguem sem representatividade de empresas de tecnologia.
Fonte: Atlantico LatAm Report
Fonte: Bloomberg
O que acontecerá com os fundos de venture capital?
Acreditamos que os mercados são eficientes e a sobrevivência
dos mais aptos deverá ser o resultado inevitável no longo
prazo. Neste último ciclo de alta, muitos, se não todos, os
fundos participaram da prática de momentum investing. Isso
significa mais demanda por negócios específicos e maiores
taxas de coinvestimento entre os fundos, levando a preços de
entrada mais elevados.
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Isso pode levar a uma suposição de que o alpha de mercado
pode ter sido, na verdade, beta de mercado, o que, por sua
vez, faz com que os retornos de curto prazo pareçam outliers.
No entanto, o que veremos a seguir é o quanto o dinheiro
virtual (TVPI) se converterá em retornos reais (DPI). Isso não é
exclusivo do Brasil, mas os gerentes com exposição na região
certamente participaram do mesmo comportamento neste
último ciclo, e algumas de suas consequências devem surgir
nos próximos anos. Uma parte significativa dos fundos
existentes estará sob pressão. Além do ciclo típico de 10 anos,
a indústria de capital de risco tem uma distribuição
assimétrica de retornos, em que 10% dos fundos representam
mais de 75% dos retornos do setor. Os gerentes que
investiram a maior parte do capital de seus fundos durante o
último ciclo estão especificamente em risco aumentado,
carregando um risco de preços por estar no mesmo ciclo,
juntamente com um acesso reduzido ao capital. E isso pode
significar que eles perderão as oportunidades que essas
quedas podem proporcionar.
No entanto, há muitas oportunidades a serem esperadas
neste próximo ciclo. Preços, termos e condições mais
saudáveis, juntamente com a necessidade de as empresas
se tornarem mais eficientes em termos de capital, são o
que deve estar reservado para este próximo período. Ao
dar um passo atrás para fazer uma comparação com vintages
passados (globais), há quatro outliers específicos: 2007, 2008,
2011 e 2012.
Nossa principal hipótese é que 07' e 08' foram anos de
correção causados pela grande crise financeira, com preços
voltando ao normal, o que causou um viés seletivo positivo,
onde apenas negócios e empreendedores A+ foram capazes
de obter financiamento. E para 11' e 12', além de preços
ajustados após a recessão, houve uma mudança de
plataforma causada pela tecnologia móvel, que principalmente
iniciou uma revolução do consumidor que criou grandes
empresas como Uber, Airbnb e outras.
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No gráfico abaixo, destacamos tanto os vintages outliers quanto
o risco de vazamento de TVPI para DPI mencionado
anteriormente.
Fonte: Pitchbook
Em resumo, estamos diante de um efeito lollapalooza que
provavelmente favorecerá a próxima safra de investimentos,
que será uma mistura de 07/08 e 11/12. As principais variáveis
que favorecem isso são: 1) preços, termos e condições voltando
a um estado saudável; 2) novas mudanças na plataforma de
tecnologia; 3) um aumento na qualidade dos empreendedores
por meio de "mafia-techs" e fundadores de segunda vez. Em
resumo, este próximo ciclo deve ser memorável e a curva J
acaba de começar.