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br/rbect

Educação do campo e ensino de ciências no


Brasil: uma revisão dos últimos dez anos
RESUMO
Francislene Neres Santos Silva O objetivo deste trabalho consiste em analisar como o ensino de ciências tem sido difundido
[email protected]
0000-0002-0938-7761 e abordado na Educação do Campo, verificando sua relevância nas pesquisas acadêmicas
Universidade Estadual de Santa publicadas em quatro periódicos nacionais sobre Educação do Campo, nos últimos 10 anos.
Cruz, Ilhéus, Bahia.
Para isso, através de uma abordagem qualitativa, os artigos publicados no período de 2007
Luiza Renata Felix de Carvalho a 2016 foram analisados de modo a compreender o que tem sido apresentado
Lima
[email protected]
contemporaneamente sobre o ensino de ciências. Utilizamos a Análise Textual Discursiva
0000-0002-9424-1520 (ATD) para identificar os principais focos temáticos apresentados pelos trabalhos. Assim, a
Universidade Federal da Bahia,
Salvador, Bahia.
partir dos referenciais da Educação do Campo, elegemos uma categoria a priori, a saber:
“articulação entre o Ensino de Ciências e os saberes do campo”. Os resultados apontaram
Edilson Fortuna de Moradillo uma lacuna de trabalhos no que tange a área do ensino de ciências, como também a
[email protected]
0000-0001-5457-3718
discussão empobrecida de referenciais que abordam sobre a temática Educação do Campo
Universidade federal da Bahia, e ensino de ciências.
Salvador, Bahia.
PALAVRAS-CHAVE: Educação do campo. Ensino de Ciências. Contextualização.
Elisa Prestes Massena
[email protected]
0000-0002-7670-0201
Universidade Estadual de Santa
Cruz, Ilhéus, Bahia.

Página | 221

R. bras. Ens. Ci. Tecnol., Ponta Grossa, v. 12, n. 1, p. 221-239, jan./abr. 2019.
INTRODUÇÃO

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) destacam que o Ensino de


Ciências Naturais tem sido conduzido de maneira desinteressada e pouco
compreensível. A complexidade das diversas teorias científicas é tratada de
maneira abstrata tomando como base um ensino propedêutico (BRASIL, 1998).
Diversos autores apontam, a partir de pesquisas, que o conhecimento na área de
ciências tem sido marcado pela disciplinaridade, fragmentação, linearidade e
descontextualização (MALDANER; ZANON, 2004; MEINARD, 2010), necessitando
de uma reestruturação e organização curricular e metodológica.
Segundo os PCN, “[...] o processo de ensino e aprendizagem na área de
Ciências Naturais pode ser desenvolvido dentro de contextos social e
culturalmente relevantes, que potencializam a aprendizagem significativa”
(BRASIL, 1998, p 28). Nesse sentido, para o desenvolvimento cognitivo dos
estudantes, é necessária uma articulação entre saberes e experiências dos alunos,
privilegiando, dessa maneira, o trabalho pedagógico por meio de temas. No
entanto, ainda que os PCN destaquem o ensino contextualizado, não aparece de
forma explícita a definição de contextualização em que se embasam.
No que tange à Educação do Campo, os seus documentos bases defendem que
não pode existir uma separação entre o que se trabalha em sala de aula com o
modo de vida do assentamento. Não se trata apenas de uma articulação entre
conteúdo e experiência, mas desta por meio de situações concretas que permitirão
o aprendizado dos educandos (MST, 1991). Nesse sentido, a proposta da Educação
do Campo se pauta em uma concepção de ensino voltada para a realidade dos
sujeitos campesinos e está ancorada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9.394/1996) e nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica
das Escolas do Campo. Esses documentos ressaltam um ensino articulado com os
saberes e as experiências dos povos do campo, considerando as peculiaridades e a
identidade rural e promovendo adaptações necessárias (BRASIL, 1996; 2002).
Outrossim, o Ensino de Ciências no campo deve estar articulado ao modo de
vida campesina e isto implica na valorização da realidade em que os alunos estão
inseridos, articulando os conteúdos com os saberes do campo em um movimento
dialético de problematização e dialogicidade que envolva comunidade e escola.
Cabe ressaltar que a temática da Educação do Campo é recente e, portanto,
pesquisas apontam a insípida produção de trabalhos científicos (NOVAIS, 2015;
SOUZA, 2008) voltados para o Ensino de Ciências do Campo. Em relação à Souza
(2008), a mesma realizou uma pesquisa sobre teses e dissertações em Programas
de Pós-Graduação em Educação no Brasil que foram defendidas entre 1987 e 2007.
A mesma evidenciou um número expressivo de publicações em educação do
Campo, mas não houve trabalhos voltados para o Ensino de Ciências. Nessa mesma
perspectiva, Novais (2015) realizou um levantamento das produções acadêmicas
em teses e dissertações que foram publicadas nos períodos de 2010 a 2013, como
também um mapeamento dos estudos publicados nos Anais do VIII e IX Encontro
Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC) nos anos de 2011 e 2013.
Os resultados apontaram poucas produções acadêmicas no que tange ao Ensino
de Ciências e Educação do Campo.

Página | 222 Decorrente das lacunas apresentadas acima, propomos, por meio do presente
estudo, analisar como o Ensino de Ciências tem sido difundido e abordado na

R. bras. Ens. Ci. Tecnol., Ponta Grossa, v. 12, n. 1, p. 221-239, jan./abr. 2019.
Educação do Campo, verificando sua relevância nas pesquisas acadêmicas
publicadas em quatro periódicos, nos últimos 10 anos. Assim, este se constitui
como uma pesquisa bibliográfica do tipo estado do conhecimento.
Para o desenvolvimento deste trabalho, primeiramente, situamos como o
Ensino de Ciências tem sido trabalhado nos estudos de Educação do Campo.
Posteriormente, a partir da leitura dos artigos e por meio da Análise Textual
Discursiva (ATD), estabelecemos categorias com a finalidade de responder a
seguinte questão da pesquisa: Como o Ensino de Ciências tem sido difundido e
abordado nas revistas de Educação do Campo?

O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Nos últimos anos, as discussões referentes à temática Educação do Campo


têm se ampliado e ganhado maior espaço no cenário brasileiro. Este debate gira
em torno de políticas de educação que estejam voltadas às especificidades do povo
do campo, uma vez que a história do Brasil aponta para a exclusão e segregação
dessa população, principalmente no que se refere aos processos educacionais.
Este processo de exclusão educacional se revela desde o período colonial, pois,
para o Estado, aqueles que realizavam o trabalho agrário não necessitavam de
escolarização (SANTOS; SOUZA, 2015; SANTOS, 2016).
Regularmente, o ensino rural iniciou-se no final do 2º Império, entretanto, em
um período anterior, ainda quando D. João XI governava, foi incluído no Plano de
Educação um dispositivo que estabelecia que no 1º grau de Instrução seriam
ensinados os conhecimentos fundamentais também para agricultores. Este
mesmo Plano passou por uma reforma e incluiu no 2º grau os conhecimentos
relacionados aos produtos naturais que eram úteis para a vida, assim como
também introduziu o conhecimento sobre os terrenos. O Decreto de nº 7247 de
1870 introduziu também no ensino de 1º grau noções de horticultura e lavoura
(SANTOS, 2016).
Conforme Santos (2016), é na primeira metade do século XX, período que o
modelo agroexportador entra em crise, surgindo a primeira tentativa de uma
modernização do campo, que se começa a pensar numa educação rural. Em 1930,
com o manifesto dos pioneiros, defendia-se uma educação voltada para o povo do
campo. Entretanto, este modelo de educação denominado de “ruralismo
pedagógico” tinha como objetivo conter o êxodo rural decorrente da crise cafeeira.
Neste cenário, necessitava-se de uma educação centrada no trabalho do campo, a
fim de evitar o inchaço nas cidades. É nesta perspectiva que surge o viés ideológico
da concepção de educação rural. Assim, toda a proposta dos ruralistas pedagógicos
não reconhecia o campo em sua diversidade. Era uma formação construída para o
povo do campo, não era pensada por/com eles.
Segue-se então um contexto de educação para a população do campo
excludente, com elevadas taxas de analfabetismo, falta de políticas públicas
específicas, condições de trabalho precárias, desvalorização da cultura e do modo
de vida peculiar ao povo campesino (SANTOS, 2016). Cabe destacar que a partir da
Constituição de 1988, a qual trouxe o respeito às especificidades da educação rural
e da LDBEN 9394/96, que a educação para o povo do campo encontra espaço para
Página | 223 se desenvolver. É importante ressaltar que neste cenário nasce a luta por uma
educação que seja no/do campo, ou seja, o povo tem direito a uma educação que

R. bras. Ens. Ci. Tecnol., Ponta Grossa, v. 12, n. 1, p. 221-239, jan./abr. 2019.
aconteça no espaço geográfico campesino e que seja contextualizada à sua
realidade, como conceitua Caldart (2005, p. 27) [...] uma educação que seja no e
do campo. No: o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive; Do: o povo
tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação,
vinculada à sua cultura e as suas necessidades humanas e sociais.
Assim, foi, a partir do final da década de 1990, que a concepção e o
pensamento sobre a educação destinada para o homem do campo se firma, por
pressão dos movimentos sociais, especificamente do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), universidades e instituições públicas e
privadas (ANTUNES-ROCHA, 2010; SANTOS, 2016). Assim, a 1ª Conferência
Nacional Por uma Educação Básica do Campo, em 1998, foi o marco dessa
discussão e formalização. Desta Conferência em parceria com o MST, UNB, UNICEF
e outros movimentos sociais do campo, resulta a criação da Resolução 01/2002, a
qual versa sobre as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do
Campo, que aponta preceitos e critérios que auxiliam na orientação para a
organização das escolas do campo. É uma política pública que reconhece as
especificidades do modo de vida do campo, assim como a identidade dos sujeitos
campesinos e traça estratégias apropriadas para que sejam garantidas a essa
população o acesso à educação básica e profissional (BRASIL, 2002). Dessa forma,
fica claro que os movimentos sociais não lutaram apenas por escolas públicas e
gratuitas, mas também reivindicaram um projeto educativo que estivesse
vinculado às questões do campo e aos conjuntos de processos formativos que
foram constituídos historicamente. Trata-se de um projeto educativo para os
trabalhadores e trabalhadoras campesinos que vai de encontro ao modelo
pragmático de educação que fragmenta o conhecimento em cursos, áreas e
disciplinas. (CALDART, 2005; MOLINA; FREITAS, 2011).
Diante disso, as escolas do campo, ao desenvolverem seu projeto
institucional, devem ter como base norteadora as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo, que, no Art. 4º, afirmam que este projeto
se constitui como um espaço público de experiências, investigações e estudos que,
além de ser direcionado para o mundo do trabalho, direciona-se, também, para o
desenvolvimento social, econômico, justo e ecologicamente sustentável. Já no Art.
13º, inciso II, este documento evidencia que a escola do campo, em suas propostas
pedagógicas de ensino, deve valorizar também o avanço científico e tecnológico
(BRASIL, 2002).
Portanto, a escola do campo é o espaço em que se produz o conhecimento a
partir da cultura e do modo de vida. Sendo assim, o ensino de ciências deve estar
estruturado e pautado em uma perspectiva que valorize o contexto da
comunidade. A partir dessa perspectiva, as instituições de educação do campo
devem ter suas propostas pautadas em um ensino que atenda as especificidades e
valorize a identidade do povo campesino. Nesse sentido, o Artigo 2º da Resolução
01/2002 que institui as Diretrizes ressalta que esta identidade se define através da
vinculação com as questões que são da realidade e ancora-se nos saberes
inerentes dos alunos, como também “[...] na memória coletiva que sinaliza futuros,
na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais
em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à
qualidade social da vida coletiva no país” (BRASIL, 2002, p. 1). Assim, as
Página | 224 experiências vivenciadas pelos estudantes representam o ponto de partida para
todo ensino, sendo este, consequentemente, feito a partir da teoria e prática,

R. bras. Ens. Ci. Tecnol., Ponta Grossa, v. 12, n. 1, p. 221-239, jan./abr. 2019.
aproximando o contexto do aluno com o da escola para que o mesmo se aproprie
do conhecimento científico da realidade (LINDEMANN, 2010; MST, 1996, 2005).
Dessa forma, o contexto será a premissa principal para a construção de práticas
pedagógicas de ensino e aprendizagem.

PERCURSO METODOLÓGICO

O presente estudo se caracteriza como uma abordagem qualitativa (MINAYO,


2010). Geralmente, as pesquisas que possuem esse caráter qualitativo respondem
a questões muito particulares, que se caracterizam em um universo de significados
que não podem ser reduzidos a operacionalização de variáveis, portanto, não pode
ser quantificado (MINAYO, 2010). Constitui-se como uma pesquisa bibliográfica,
do tipo estado do conhecimento, desenvolvida com base em materiais já
elaborados (GIL, 2002). Consideramos, especificamente, no presente estudo, os
artigos científicos.
Tendo em vista o objetivo desta pesquisa, o escopo deste estudo compete-se
à análise de artigos publicados em quatro periódicos nacionais sobre Educação do
Campo, no período entre 2007 a 2016, de modo a compreender o que tem sido
apresentado contemporaneamente a respeito dessa temática.
Os periódicos foram selecionados pelo fato de estarem direcionados à
educação do Campo. Dessa forma, os periódicos consultados foram:
• Revista Extensão Rural: n° 14 - 2007 ao Volume 23 n° 04 - 2016;
• Revista Estudos Sociedade e Agricultura: Volume 1 – 2007 ao Volume 2 -
2013;
• Revista Brasileira de Educação do Campo (RBEC): Volume 1, n° 1 - 2016 ao
Volume 1, n° 2 – 2016;
• Revista Nera (MST): Número 10 – 2007 ao Número 34 - 2016.
Como critérios para mapeamento dos artigos, buscamos em todos os números
dos periódicos consultados identificar através dos títulos, resumos, palavras-
chave, os artigos direcionados ao Ensino de Ciências. Para análise dos artigos
identificados, no que compete às tendências apresentadas pelos estudos,
baseamo-nos na adaptação de alguns dos descritores apresentados por Teixeira e
Megid Neto (1999; 2001), como forma de compreender as influências. São eles:
 Instituição de ensino superior e unidade acadêmica responsável pelo
trabalho (IES);
 Ano de publicação do artigo;
 Nível escolar: modalidade de Ensino para qual o trabalho está direcionado.
 Área de conteúdo do currículo escolar abrangida pelo estudo: ciência,
biologia, física e química.
No que compete à compreensão de como o Ensino de Ciências tem sido
difundido e abordado na Educação do Campo, utilizamos a ATD como instrumento
de análise para categorizar, por meio das unidades de sentido, os principais focos
Página | 225 temáticos apresentados pelos trabalhos. Com base nos referenciais adotados
sobre Educação do Campo, elegemos “Articulação entre o Ensino de Ciências e os

R. bras. Ens. Ci. Tecnol., Ponta Grossa, v. 12, n. 1, p. 221-239, jan./abr. 2019.
saberes do campo” como categoria a priori. No que compete às categorias
emergentes, no presente estudo, não foram identificadas.
Baseando-se na ATD, primeiramente, foram selecionadas as unidades de
sentido a partir das leituras dos trabalhos na íntegra que tratavam sobre Ensino de
Ciências e Educação do Campo. Foram destacados e selecionados os elementos
constituintes e que são pilares na Educação do Campo, o que nos subsidiou
reafirmar a categoria a priori apresentada anteriormente, que discutiremos mais à
frente e comporá a parte da ATD, denominada de metatexto.
Durante as discussões apresentadas nos metatextos, os artigos são
identificados como artigo 1 - que se refere ao artigo escrito por FONSECA, E. M. e
KRAUSE BIERHALZ, C. D.; e artigo 2 – desenvolvido por OLIVEIRA, J. S; CAMARGO,
T. S; SANTOS, R. B.

ANÁLISE DOS PERIÓDICOS

Por meio do mapeamento dos periódicos analisados, obtivemos um panorama


que nos permitiu verificar a importância direcionada aos trabalhos que envolvem
o Ensino de Ciências na Educação do Campo. Na Tabela 1, apresentamos o
mapeamento realizado neste estudo, em que podemos observar a produção
científica publicada nos últimos 10 anos em quatro periódicos nacionais sobre
Educação do Campo.

Tabela 1 - Produção Científica apresentada nas quatro revistas analisadas, nos últimos
dez anos.

Total
Período/
2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016
revista

Extensão
05 11 10 10 11 12 19 24 27 29 158
Rural
Revista Estudos
Sociedade e 14 13 12 15 13 19 18 - - - 104
Agricultura
RBEC - - - - - - - - - 27 27
NERA 15 19 14 16 14 17 16 18 42 49 220
Total 15 19 14 25 60 65 75 42 69 101 509
Observamos, por meio da Tabela 1, que durante 10 anos foram publicados um
total de 509 artigos, no entanto, nem todos os periódicos possuem publicações
recorrentes nesse período. A revista RBEC teve seu primeiro número em 2016 com
um total de 27 artigos. A revista Estudos Sociedade e Agricultura apresentou
produção até o período de 2013, somando um total de 104 publicações. Dentre as
revistas analisadas, apenas a NERA com 220 artigos e a Extensão Rural com 158
artigos tiveram produções recorrentes nos últimos 10 anos em que foram
publicadas.
Apresentamos, na Tabela 2, a frequência em que foram publicados estudos
direcionados ao Ensino de Ciências nas revistas de Educação do Campo.
Página | 226

R. bras. Ens. Ci. Tecnol., Ponta Grossa, v. 12, n. 1, p. 221-239, jan./abr. 2019.
Tabela 2 - Trabalhos direcionados ao Ensino de Ciências publicados em revistas da
Educação do Campo.
Total de trabalhos Porcentagem em relação
Total de
Revista relacionados ao Ensino ao número de total de
trabalhos
de Ciências trabalhos
Extensão Rural 158 - -
Estudos
Sociedade e 104 - -
Agricultura
RBEC 27 2 7,4

NERA 220 - -

Total 509 2 0,3

Por meio dos dados apresentados na Tabela 2, podemos observar a relação


existente entre as publicações apresentadas nos periódicos e a incidência de
trabalhos voltados ao Ensino de Ciências. Verificamos que a RBEC apresenta 7,4%
da sua produção na área, enquanto nas revistas Extensão Rural, Estudos Sociedade
e Agricultura e NERA não foram identificados trabalhos direcionados à temática
em estudo. Dessa forma, constatamos uma lacuna nos periódicos de Educação do
Campo analisados, no que compete à produção científica voltada para o Ensino de
Ciências, confirmando com os estudos desenvolvidos por Novais (2015). A seguir,
apresentamos o título e autoria dos artigos que possuem como temática o Ensino
de Ciências identificados na REBEC:
Revista Brasileira de Educação do Campo
1.Discutindo articulações entre ensino de Ciências e Educação do Campo
através da análise dos cadernos - FONSECA, E. M.; KRAUSE BIERHALZ, C. D.; v. 1, n.
2, 2016.
2.Escola do campo: uma visão dos jovens sobre as aulas de Biologia de uma
comunidade rural do município de Cunha/SP – OLIVEIRA, J. S; CAMARGO, T. S;
SANTOS, R. B.; v. 1, n. 2, 2016.
Para melhor entendimento das tendências dos artigos provenientes dos
resultados obtidos nesta busca, apresentamos, por meio da Tabela 3, as
informações dos trabalhos, com base na adaptação de alguns dos descritores
apresentados por Megid Neto (2012). A numeração que identifica os artigos segue
a ordem da lista de nome e autoria citados anteriormente.

Tabela 3 - Características dos trabalhos direcionados à Educação do Campo.


Ano de Área do
Artigos IES Modalidade
Publicação Conteúdo
Universidade
1 Federal do Ensino
2016 Ciências
Pampa Fundamental II
(UNIPAMPA)
Universidade
Ensino
2 Federal Rural do
2016 Fundamental II e Biologia
Rio de Janeiro
Ensino Médio
(UFRRJ)
Página | 227

R. bras. Ens. Ci. Tecnol., Ponta Grossa, v. 12, n. 1, p. 221-239, jan./abr. 2019.
Por meio dos dados apresentados na Tabela 3 referentes às características dos
estudos identificados que possuem como escopo a Educação do Campo,
observamos que estes foram oriundos do mesmo periódico e no mesmo
número/ano de publicação. No entanto, foram produzidos por autores e
universidades distintas, sendo o artigo 1 relacionado ao Ensino Fundamental I e ao
Ensino de Ciências da Natureza e o Artigo 2, aos anos finais do Ensino Fundamental
II e Ensino Médio, abrangendo como área do conteúdo a Biologia.
Teremos como foco, a seguir, a discussão de algumas características gerais
dos artigos.

AS PROPOSTAS DOS ARTIGOS E SUAS RELAÇÕES COM A CONTEXTUALIZAÇÃO

O artigo “Discutindo articulações entre o Ensino de Ciências e Educação do


Campo através das análises dos cadernos”, de Fonseca e Krause Bierhals (2016, p.
258), tem como objetivo:

[...] analisar a consideração do contexto do campo, da realidade e da cultura


local no processo de ensino e aprendizagem de Ciências da Natureza, através
da análise dos cadernos dos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental.

Os autores desenvolveram uma pesquisa do tipo explicativa e documental e


embasaram-se em três concepções teóricas: Ensino de Ciências, Educação do
Campo e formas de articulação com o meio. Inferimos, por meio das concepções
adotadas pelos autores, uma atenção especial direcionada à contextualização do
Ensino de Ciências na Educação do Campo, o que compete à compreensão de
como essa articulação tem sido estabelecida no contexto analisado.
Para tanto, os autores analisaram três cadernos de cada turma do 6º ao 9º
ano do Ensino Fundamental das disciplinas de Ciências Naturais. A exploração
desse material se deu a partir da codificação de Bardin (2009). Transformou-se os
dados em unidades de registros, depois codificou-se as informações que seriam
analisadas. As categorias que surgiram para análise foram: abordagem conceitual
e forma de apresentação de conteúdo.
O artigo escrito por Oliveira, Camargo e Santos (2016), intitulado “Escola do
campo: uma visão dos jovens sobre as aulas de Biologia de uma comunidade rural
do município de Cunha/SP”, busca como objetivo:

[...] compreender, através do olhar dos jovens filhos de agricultores familiares


agroecológicos, as relações (in)existentes entre as aulas de Biologia de escolas
localizadas em zona rural do município de Cunha/SP e os assuntos cotidianos
dos alunos e suas famílias (2016, p. 344).

Como percurso metodológico para alcançar tal objetivo, Oliveira, Camargo e


Santos (2016) elaboraram entrevistas orais semiestruturadas que foram realizadas
com três alunos. Estes responderam algumas perguntas guias e relataram suas
rotinas na escola, especialmente nas aulas de Biologia. Além dos alunos, os autores
entrevistaram também dois familiares, a fim de compreender o contexto em que
os alunos se encontram. Nesse sentido, observamos a importância direcionada
pelos autores na compreensão do cotidiano e sua relação com os conteúdos de
Página | 228 Biologia estudados na escola.

R. bras. Ens. Ci. Tecnol., Ponta Grossa, v. 12, n. 1, p. 221-239, jan./abr. 2019.
Posteriormente, evidenciaremos a categoria a priori identificada por meio da
ATD.

ARTICULAÇÃO ENTRE O ENSINO DE CIÊNCIAS E OS SABERES DO CAMPO:


CONTEXTO X CONTEXTUALIZAÇÃO

A escola do campo é caracterizada pela valorização ao contexto social,


político, econômico e cultural em que está inserida. Dessa forma, um ensino
contextualizado com as questões que são inerentes ao modo de vida peculiar dos
povos campesinos está ancorado na Resolução CNE/CEB 1, de 3 de abril de 2002,
que institui as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do
Campo, a qual em seu parágrafo único define que:

A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões


inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios
dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência
e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de
projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade
social da vida coletiva no país (BRASIL, 2002, p. 1).

Diante disso, é perceptível a busca por uma escola que em seu projeto
institucional valorize o reconhecimento da população campesina como
construtora da educação do campo. Um projeto educativo que esteja vinculado às
experiências dos educandos, ofertando-lhes os direitos a uma educação que esteja
pautada nas peculiaridades do povo campesino. Desse modo, o ensino
contextualizado passa a ser o eixo fundamental presente nas propostas
pedagógicas das escolas do campo.
Não se trata de troca de saberes, nem de trazer para o currículo temáticas do
cotidiano, mas, para além disso, a contextualização resulta na problematização e
transformação da realidade, envolvendo comunidade e escola. Partindo dos
pressupostos apresentados pelas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica
das Escolas do Campo referente à necessidade de propostas de ensino que prezem
pelo desenvolvimento de atividades contextualizadas e através das formas como
o contexto tem sido evidenciado nos artigos que tratam do Ensino de Ciências na
Educação do Campo, percebemos a necessidade de explicitar as diferenças entre
os termos cotidiano e contextualização no ensino.
Outrossim, o Ensino de Ciências no campo deve estar articulado ao modo de
vida campesina e isso implica na valorização da realidade em que os alunos estão
inseridos, articulando os conteúdos com os saberes do campo em um movimento
dialético de problematização e dialogicidade que envolva comunidade e
escola, sempre procurando ir além do cotidiano, da imediaticidade pragmática que
as relações sociais vigentes estabelecem entre homem/natureza e
homem/homem. Defendemos que os saberes do campo precisam ser valorizados
como ponto de partida da prática pedagógica, tendo como objetivo maior a
superação do mesmo, na busca das máximas generalizações da ciência, filosofia e
artes conquistadas pela humanidade, potencializando os sujeitos do campo com
relação à sua capacidade interventiva e transformativa da realidade social.
De acordo com o dicionário HOUASSIS (2011, p.242), o termo cotidiano
Página | 229
significa “que é comum a todos os dias; diário; dia a dia”. Enquanto

R. bras. Ens. Ci. Tecnol., Ponta Grossa, v. 12, n. 1, p. 221-239, jan./abr. 2019.
contextualização significa “ato ou efeito de contextualizar; integrar no contexto;
prover de contexto" (2011, p.228).
Relacionando os significados de tais termos ao ensino, podemos verificar, de
acordo com um estudo desenvolvido por Wartha, Silva e Bejarano (2013, p. 83),
que o termo cotidiano no Ensino de Química “vem se caracterizando por ser um
recurso com vistas a relacionar situações corriqueiras ligadas ao dia a dia das
pessoas com conhecimentos científicos”. Os autores enfatizam que o propósito
das disciplinas ao evidenciar o contexto restringe-se à aprendizagem de conceitos.
Nessa perspectiva, o cotidiano passa a ser considerado um instrumento
motivacional, cujo objetivo é direcionar a atenção dos alunos para algo que é da
convivência deles, por meio da exemplificações e ilustrações.
Por outro lado, a contextualização, segundo os PCN, constitui-se um recurso
que busca ressignificar o conhecimento escolar, de modo que a aprendizagem
aconteça de forma significativa. Para isso, o docente leva em consideração a
relação entre sujeito e objeto no desenvolvimento das atividades (BRASIL, 1998).
Frequentemente, os termos cotidiano e contextualização são utilizados como
sinônimos, o que provoca uma confusão entre eles e um reducionismo em seus
significados, levando-se, consequentemente, à compreensão de que tanto o
cotidiano como a contextualização sintetizam-se na busca da explicação dos
conhecimentos nos fatos do cotidiano (BEJARANO, 2013; SANTOS, MORTIMER,
1999; WARTHA, SILVA).
A escola do campo busca ir além do cotidiano, pois está centrada em uma
concepção de educação que está para além dos muros da escola. O seu projeto
educativo está pautado na emancipação humana e isto implica uma relação de
experiências vivenciadas entre escola e comunidade. Assim, coadunamos com a
afirmação de Caldart (2009, p. 43) quando ressalta que a escola do campo deve ser
pensada “[...] com prioridade, mas sempre em perspectiva, para que se possa
transformá-la profundamente, na direção de um projeto educativo vinculado a
práticas sociais emancipatórias mais radicais”.
A mesma autora, citada acima, partilha de uma concepção de educação do
campo que esteja vinculada às questões inerentes da vida, porém não no sentido
de trabalhar o cotidiano linear e superficial, mas “[...] como síntese de múltiplas
relações, determinações, como questões da realidade concreta” (p. 46). Diante
disso, a partir das análises dos artigos, observamos que, no artigo 1, os autores
destacam, ancorados na atual LDB e nas DOEBEC, a relação que deve existir entre
o que se ensina na escola do campo com o que os estudantes vivenciam no dia a
dia. Sendo assim, o Ensino de Ciências não pode estar desconectado da realidade
da comunidade em que os alunos estão inseridos, como apontam os trechos
abaixo:

Pensar o Ensino de Ciências perpassando pela discussão das questões locais,


da cultura regional e dos aspectos pertinentes às vivências dos sujeitos
pertencentes ao campo, significa reconhecer que o Ensino e a Educação do
Campo ocorrem por meio de seu contexto, dos sujeitos, das histórias de vida
e de luta (Artigo 1, p. 261).

Esta reorganização deve valorizar a participação ativa de professores e


comunidade, as vivências dos sujeitos, bem como os aspectos sobre a
Página | 230 realidade local, perpassando a abordagem dos conceitos científicos e

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favorecendo um ensino significativo, que contempla o local onde se vive
(Artigo 1, p. 276).

Tais concepções encontram-se pautadas na proposta da educação do campo


referenciadas por Caldart (2004), em que a escola é o lugar que se produz o
conhecimento, considerando sua relação com o meio, valorizando a realidade que
está inserida e os saberes do campo. Contraditoriamente, o artigo 2, apesar de
referenciar a LDB, a qual estabelece no Art. 28 a contextualização entre saberes e
peculiaridades do modo de vida do campo, e compartilhar das ideias de Arroyo,
Caldart e Molina (2004) sobre contextualização, traz como objetivo a ideia de
cotidiano, ou seja, de relacionar as aulas de Biologia com as temáticas presentes
na comunidade. Os resultados apontam que “[...] há um distanciamento entre o
cotidiano escolar e o cotidiano do aluno” (Artigo 2, p. 359).
Compreendemos a importância diante das relações estabelecidas entre as
aulas de biologia e as temáticas vivenciadas pelos estudantes; no entanto,
defendemos que estas necessitam ir além da exemplificação, de modo que
possibilitem ao aluno a compreensão da relevância de se aprender sobre sua
realidade e que, por meio dessa relação, o professor pode problematizar
diferentes situações que demandam conexões com os conhecimentos estudados.
O estudo sobre a realidade constitui-se uma premissa essencial para a
educação do campo. Entretanto, compreendemos que essa realidade não pode
ocasionar um esvaziamento de conhecimentos relevantes para a formação
humana. Assim, coadunamos com os ideais do MST ao ressaltar que ao estudar a
realidade “[...] não estamos nos referindo apenas à realidade que nos cerca, a que
vivemos ou enxergamos. A realidade é o mundo! É tudo aquilo que existe [...] só
que não tem sentido conhecermos todo o mundo sem conhecermos o nosso
assentamento (MST, 1996, p. 13 e 14).
Sobre isto, Antunes-Rocha (2009) afirma que a proposta pedagógica da escola
do campo deve estar articulada com os projetos sociais e econômicos de seu
espaço geográfico, estabelecendo uma conexão entre os processos formativos
com o que se produz no campo, entre educação e compromisso político. Ademais,
“[...] uma escola que, em seus processos de ensino e aprendizagem, considera o
universo cultural e as formas próprias de aprendizagem dos povos do campo, que
reconhece e legitima os saberes construídos a partir de suas experiências de vida”
(2009, p. 40).
Ao considerar que o Ensino de Ciências deve perpassar por discussões das
questões locais, estabelecendo relações com o modo de produção campesina, com
os aspectos econômicos e sociais, os autores do artigo 1, por meio dos resultados
apresentados referente às análises nos cadernos dos alunos, constataram a
discrepância existente entre os conteúdos de Ciências desenvolvidos em sala de
aula e as relações estabelecidas por estes com o contexto dos alunos. Assim:

Constatou-se que os conteúdos de Ciências são trabalhados de forma


mecânica, seguindo a sequência definida no livro didático e não se evidenciou
nenhuma relação entre os conteúdos de Ciências e o contexto local, mesmo
com possibilidades evidentes, tais como o Bioma Pampa, plantas da região:
Guatambu, Araucária, Eucalipto, Aroeira, e animais típicos da região da
Campanha do Rio Grande do Sul (Artigo 1, p. 255).
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Dos 16 (dezesseis) conteúdos trabalhados no caderno C8, evidencia-se uma
similaridade na ordem dos conteúdos expostos com os tópicos apresentados no
livro didático Ciências novo pensar: corpo humano, de Gowdak e Martins (2012)
(Artigo 1- 267).
Nesse sentido, os autores destacam a similaridade entre a organização e
apresentação dos conteúdos e a forma como os mesmos estão estruturados no
Livro Didático (LD). Podemos inferir que o LD, nesse contexto, assume um papel
norteador na prática pedagógica desses docentes, influenciando diretamente na
dinâmica do processo de ensino e aprendizagem. Entretanto, sua influência
restringe-se apenas à seleção e organização dos conteúdos, não se estendendo a
pensar em um ensino contextualizado.
Diante disso, com base nas influências apresentadas pelo LD adotado pela
escola, constatamos que o mesmo não é específico do campo, pois não se encontra
na lista das coleções aprovadas pelo Plano Nacional do Livro Didático-PNLD
Campo. De acordo com Brito e Rodrigues (2014), uma das exigências das coleções
para o campo é apresentar uma estrutura que possibilite e estimule o processo da
contextualização dos conteúdos com a realidade dos alunos.
Na defesa de um ensino que valorize o cotidiano dos estudantes, os autores
do artigo 2 evidenciam o distanciamento entre o que se ensina na escola com o
que os alunos vivenciam, como afirma o fragmento abaixo:

Considerando os relatos dos jovens, posteriormente reforçados pelos relatos


dos pais e familiares, acredita-se haver um distanciamento entre o cotidiano
escolar e o cotidiano do aluno, de forma que as temáticas que visam
relacionar a realidade do campo e do aluno, tratadas dentro das aulas de
Ciências/Biologia, por vezes, ficam restritas à alimentação saudável e
agricultura sem agrotóxicos, o que nos aponta a necessidade de uma maior
comunicação entre escola e a comunidade (Artigo 2, p. 359).

Assim, por meio do discurso apresentado, percebemos a necessidade da


valorização do saber social da comunidade com o cotidiano escolar refletida no
discurso dos autores, de modo que o contexto sócio histórico seja considerado
para a promoção de uma Educação do Campo compromissada com o
desenvolvimento sociocultural e econômico, e que, por meio desta, os alunos
permaneçam e conquistem uma melhora da qualidade de vida para o homem do
campo.
Nesse sentido, a relação estabelecida entre o Ensino de Ciências e a Educação
do Campo, no artigo 2, pleiteia-se pelo esclarecimento e valorização das questões
oriundas do cotidiano, para que, por meio da reflexão dessas no contexto escolar,
o modo de vida e as singularidades dos sujeitos que no campo residem sejam
valorizados, bem como sejam potencializadas a atuação dos jovens e a sucessão
familiar dos homens do campo.
Ao analisar os cadernos dos alunos, os autores do artigo 1 constataram que
uma das turmas foi contemplada com a participação do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), a exemplo:

O conteúdo de fungos visto no C7 não faz nenhum tipo de relação com o


contexto. No C8 há o registro do mesmo conteúdo, mas, trabalhado pelo
Página | 232 PIBID, através de uma reportagem que relaciona predadores naturais – vírus,
fungos e bactérias – no manejo integrado de pragas nas plantações,

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articulando a prática do campo aos conceitos teóricos estudados (Artigo 1, p.
274).

Percebemos que, por meio do apoio dos alunos da graduação envolvidos no


PIBID, o processo de contextualização foi contemplado na prática pedagógica
adotada para explicação do conteúdo de fungos. No entanto, nas turmas que não
tiveram o apoio do PIBID, esse conteúdo foi apresentado de forma
descontextualizada e fragmentada, não estabelecendo qualquer tipo de
vinculação com o contexto sócio histórico dos estudantes.
Levando em consideração tais aspectos, os autores do artigo 1 realçaram a
necessidade de Formação dos Professores para atuar na Educação do Campo,
como aponta o fragmento abaixo:

[...] salienta-se que é necessário a qualificação destes profissionais, uma vez


que a Educação do Campo é uma área nova de ensino e pesquisa no cenário
da Educação brasileira e demanda docentes preparados para trabalhar nesta
realidade, que saibam relacionar o estudo teórico com vivências práticas e
reinterpretar os modelos tradicionais de ensino, utilizando diferentes
metodologias (Artigo 1, 271).

Tal necessidade é evidenciada por meio da análise dos cadernos dos alunos
ao perceber a disparidade entre os conteúdos de Química, Física e Biologia na
prática pedagógica dos professores. Outro ponto observado pelos autores refere-
se à necessidade de um aprofundamento conceitual pelos professores e um
preparo profissional da área para o trabalho pedagógico direcionado à Educação
do Campo, considerando as especificidades desse contexto, bem como as
múltiplas relações que são possíveis de serem estabelecidas entre os conteúdos
científicos de Ciências e o contexto sócio histórico da população do campo.
É importante destacar que a formação de professores tanto inicial quanto
continuada está formalizada por meio de decretos e resoluções, como, por
exemplo, o Decreto 7.352/2010 que dispõe sobre a política de educação do campo
e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). Este Decreto
institui que a formação de docentes deve observar os aspectos da identidade dos
sujeitos do campo e a mesma poderá acontecer concomitantemente ao exercício
de docência, atendendo as especificidades deste espaço geográfico (BRASIL, 2010).
Entretanto, pesquisas apontam uma lacuna na formação de professores do
campo, a exemplo de Santos e Souza (2015), as quais constataram, a partir de
investigações realizadas na Bahia e no Paraná, que mais de 70% dos professores
não têm formação específica para atuar em escolas do campo. Lindemann (2010)
destaca também a necessidade de processos formativos para educadores do
campo.
Dessa forma, justifica-se a necessidade de formação de professores na área
de ciências, apontada pelos autores do artigo 1, para que os mesmos estejam
preparados a relacionar o estudo teórico com as vivências práticas dos estudantes.
Para além disso, os autores defendem que é preciso uma reorganização do
currículo para que os conteúdos possam se articular com as questões presentes na
comunidade em que os alunos estão inseridos. Já no artigo 2, os autores apontam
que são poucas as temáticas da comunidade que são abordadas na disciplina de
Página | 233
Ciências e defendem um Projeto Político Pedagógico (PPP) em que suas práticas
estejam voltadas para as necessidades do campo.

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Acerca da discussão sobre cotidiano e contextualização já apresentada,
percebemos que, no artigo 1, existe uma discussão acerca da contextualização
ainda que insípida. Os autores defendem uma articulação entre conteúdos e
saberes dos alunos, mas defendem também uma relação com a escola e com a
comunidade. Entretanto, a discussão acerca da contextualização não é rica de
referenciais que defendem a temática em educação do campo. Já no artigo 2, os
autores usam o termo cotidiano como se este fosse sinônimo de contextualização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há que se discutir que não se pode implementar uma proposta de educação


que esteja voltada a realidade do campo sem que haja um projeto educativo
vinculado ao modo de vida e produção campesina, à cultura e às necessidades
humanas. Sendo assim, as escolas do campo devem pensar o seu projeto político
educacional articulado ao mundo do trabalho, assim, a contextualização passa ser
a principal base de ensino que se amplia para além dos muros da escola.
Dessa forma, ao se pensar no Ensino de Ciências em escolas do campo, este
não pode estar desconectado das questões sociais, culturais, políticas e
econômicas presentes na comunidade. Entretanto, isso não significa que o
conhecimento científico universal deixará de ser trabalhado. Este necessita ser
relacionado ao contexto dos alunos, de modo a adquirir significado e sentido no
processo de aprendizagem.
Nessa perspectiva, por meio do estado de conhecimento realizado no
presente estudo, delineamos um panorama para compreender como o Ensino de
Ciências tem sido difundido e abordado nas revistas de Educação do Campo. Por
meio deste, foi possível identificar uma lacuna existente entre trabalhos
direcionados ao Ensino de Ciências nas revistas de Educação do Campo.
Em um total de 509 trabalhos publicados nos periódicos analisados nos
últimos 10 anos, apenas 2 destes são direcionados ao Ensino de Ciências. Isso
representa 0,3% da produção total, que consiste em índice muito baixo e revela
uma necessidade de desenvolvimento de estudos que se dediquem a
compreender e potencializar o Ensino de Ciências na Educação do Campo.
Nos dois artigos que têm como foco Ensino de Ciências, percebemos poucas
discussões com referenciais da área de Educação do Campo. Além disso, a
articulação entre o Ensino de Ciências e os saberes do campo apresenta, em alguns
momentos, uma tendência restrita ao cotidiano. Esta articulação, por muitas
vezes, é utilizada como sinônimo de uma prática contextualizada, o que vai de
encontro às propostas de um ensino contextualizado.
Assim, por meio dos resultados apresentados ao presente estudo,
defendemos um Ensino de Ciências que vá além das relações entre os conceitos
científicos e o cotidiano dos alunos. Ou seja, por meio da problematização de
situações cotidianos, levar o aluno a refletir as relações universais que estes
conceitos estabelecem como composição da área de Ciências, para além do
cotidiano, como superação deste.

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Field education and science education in
Brazil: a state of knowledge of the last ten
years
ABSTRACT

The objective of this work is to analyze how science education has been disseminated and
approached in Field Education, verifying its relevance in the academic research published in
four national periodicals on Field Education in the last 10 years. For this, through a
qualitative approach the articles published in the period from 2007 to 2016 were analyzed
in order to understand what has been presented at the same time on science teaching. We
used Textual Discursive Analysis (ATD) to identify the main thematic focuses presented by
the works. Thus, from the Field Education referential we choose an a priori category,
namely: "articulation between the Teaching of Sciences and the knowledge of the field".
The results pointed out a lack of work in the area of science education, as well as the
impoverished discussion of references that deal with the field education and science
teaching.
KEYWORDS: Education of the field. Science teaching. Contextualization.

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R. bras. Ens. Ci. Tecnol., Ponta Grossa, v. 12, n. 1, p. 221-239, jan./abr. 2019.
AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem as agências de fomento FAPESB e CAPES pelas bolsas


concedidas.

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Recebido: 2017-12-20
Aprovado: 2018-07-13
DOI: 10.3895/rbect.v12n1.7547
Como citar: SILVA, F. N. S.; LIMA, L. R. F. C.; MORADILLO, E. F.; MASSENA, E. P.
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Correspondência: Francislene Neres Santos Silva - [email protected]
Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative
Commons-Atribuição 4.0 Internacional.

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