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a entender do que se trata o racismo estrutural, é preciso dar
um passo atrás. Entender, antes de tudo, o que é racismo — e o
lugar que ele ocupa na formação da sociedade brasileira. Pois
bem:
O que é Racismo?
Vamos pensar nos materiais usados para a construção de uma
casa. São necessários cimento, vergalhões, tijolos, areia e água
para a construção do alicerce. Ao subir os vergalhões, os tijolos
são sobrepostos um ao outro, fixados sobre camadas de
cimento. Isso dará sustentação a toda construção.
Conseguiu imaginar a construção desse alicerce? E o que essa
história toda tem a ver com a definição de racismo?
Na construção da sociedade brasileira, o racismo é o cimento.
Ele é o elemento que sustenta a estrutura social, política e
econômica da sociedade brasileira.
O Brasil carrega uma história de 300 anos de escravidão. Dentre
os países da América, o nosso foi o último a abolir a escravidão
negra formalmente, em 1888.
Depois de mais de um século, ficou enraizado no inconsciente
coletivo da sociedade brasileira um pensamento que
marginaliza as pessoas negras, as impede de se constituírem
como cidadãs plenas.
Esse impedimento está expresso em números: pretos e pardos
representam 56% da população. Mesmo assim, são minoria nos
espaços de decisão: ocupam pouco mais de 29% dos cargos de
gerência nas empresas brasileiras. Entre os mais pobres, os
negros são muitos: dentre os 10% dos brasileiros com menor
renda familiar mensal, 75% são negros. Entre os que morrem,
eles são maioria: uma pessoa negra tem 2,7 vezes mais chances
de ser vítima de homicídio que uma pessoa branca.
O que é racismo estrutural?
É essa naturalização de ações, hábitos, situações, falas e
pensamentos que já fazem parte da vida cotidiana do povo
brasileiro, e que promovem, direta ou indiretamente, a
segregação ou o preconceito racial. Um processo que atinge tão
duramente — e diariamente — a população negra.
>> Novas demarcações serão principal desafio dos povos
indígenas
No cotidiano da sociedade brasileira estão normalizadas frases e
atitudes de cunho racista e preconceituoso, é o que chamamos
de racismo cultural. São piadas que associam negros e
indígenas a situações vexatórias, degradantes ou criminosas. Ou
atitudes baseadas em preconceitos, como desconfiar da índole
de alguém pela cor de sua pele.
Outra forma comum de racismo é a adoção de eufemismos para
fazer referência a negros ou pretos, como as palavras “moreno”
e “pessoa de cor”. Essa atitude evidencia um desconforto das
pessoas, em geral, ao utilizar as palavras “negro” ou “preto”
pelo estigma social que a população negra recebeu ao longo dos
anos.
Essas ações reverberam nas instituições públicas e privadas
como no mercado de trabalho, por exemplo.
No Estado e nas leis que alimentam a exclusão da população
negra. Elas se materializam, por exemplo, na ausência de
políticas públicas que possam promover melhores condições de
vida a esses grupos étnicos.
Dizemos que o racismo brasileiro é estrutural porque toda a
nossa sociedade se formou assentada em bases racistas. Por
aqui, esse fenômeno é tão naturalizado que chega a constituir o
funcionamento normal da sociedade.
O professor Silvio Almeida, filósofo e atual ministro dos
Direitos Humanos, explica que, quando a sociedade brasileira
funciona dentro da sua normalidade, o resultado é o racismo.
Por que essa discussão importa?
As questões raciais são estruturantes porque fazem parte da
construção das nossas sociedades. As subjetividades que nos
compõem — os nossos preconceitos, por exemplo — acabam
construindo as relações sociais que estabelecemos. E essas
relações estão impregnadas de uma construção histórica
equivocada, que mantém a população negra em posição de
subalternidade.
>> "Guia para Comunicadores" traz dicas para falar sobre
direitos humanos
Como explica Silvio Almeida, autor de “O que é racismo
estrutural”, longe de ser uma anomalia, o racismo é “o
normal”: “Independentemente de aceitarmos o racismo ou não,
ele constitui as relações no seu padrão de normalidade”.
Esse equívoco de narrativa resulta na desvalorização da cultura,
intelecto e história da população negra. Mina suas
potencialidades e, principalmente, aumenta o abismo criado por
desigualdades sociais, políticas e econômicas.
É um problema evidenciado por números. No Brasil, pessoas
negras são mortas com mais frequência que pessoas não
negras: os negros representam 75% das vítimas de homicídio,
segundo o Atlas da Violência de 2019.
São maioria, também, em meio à camada mais pobre da
população: dos 10% de brasileiros mais pobres, 75% são
negros, segundo o IBGE.
Para falar sobre os efeitos do racismo na sociedade
brasileira é preciso encará-lo como um fenômeno
essencialmente transversal e como racismo institucional:
É preciso entender que ele forma uma teia de violências que afeta jovens,
homens e mulheres encarceradas e encarcerados;
Que define os mecanismos que regem o tráfico de mulheres e meninas;
Que afeta a vida da população LGBTQI+, da população quilombola e ribeirinha;
e
Que explica o preconceito contra as religiões de matriz africana, ameaçando seu
direito de existir.
Como acabar com o racismo?
A filósofa negra estadunidense Angela Davis disse, certa vez,
que numa sociedade como a nossa, não basta não sermos
racistas: é preciso sermos anti-racistas.
Isso significa que, frente à naturalização do racismo, devemos
combatê-lo ativamente, ou seja, com ações afirmativas.
Esse é um compromisso diário, e que se expressa de diferentes
formas:
Na cobrança de políticas públicas que combatam a exclusão da população negra;
na valorização do conhecimento gerado por intelectuais negros;
Na valorização da beleza da negritude. E
Na compreensão urgente de que a luta antirracista não pode ser exclusiva da
população negra.
Ela cabe a todos e todas, e é essencial para a construção de
sociedades justas e democráticas.
Quer saber mais? Brasil de Direitos conversou com quatro
ativistas de direitos humanos que contam como ser antirracista.