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Catalogo Mostra 3m Largo Do Batata

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Ministério da Cidadania

apresenta

Curadoria 
Daniel Lima

Artistas selecionados
Lucimélia Romão
Minimum - David da Paz e Patricia Passos
Naine Terena
Projeto Matilha - Fafi Prado e Pedro Guimarães
Renato Atuati
largo da batata | 2

Fotografia: André Veloso


apresentação
Fotografia: André Veloso

3M
A 9ª edição da Mostra 3M de Arte, edição A 3M, como empresa inovadora, está ciente
2019, acontece pelo terceiro ano consecutivo de que é fundamental apoiar a diversidade e
no Largo da Batata, um dos espaços mais inclusão, em total sinergia com a moldura desta
democráticos da cidade de São Paulo. Mostra. Dentre suas iniciativas internas está a
criação, em 2016, de programas de Diversidade
Nesta edição, a Mostra tem como tema & Inclusão, com o apoio de mais de 100
Manifestos por Outros Mundos Possíveis, funcionários voluntários que atuam em quatro
e busca discutir a estética e a proposta grupos - LGBT+, Raça & Etnia, Pessoas com
de ações que aceitem e englobem as Deficiência e Liderança Feminina - com pleno
diferenças. Diversidade para dialogar com engajamento das lideranças da empresa.
todos, visando expressar dentro da arte Com o objetivo de promover o respeito
contemporânea e debater de maneira poética no ambiente corporativo e fora dele, a 3M
um novo mundo para além do político, social e tem realizado ações de sensibilização,
econômico. A ativação promove a participação educação, valorização e inclusão, por meio
do coletivo em espaço público, com cinco obras de campanhas internas, promoção de talk
de caráter de denúncia e anúncio, estimulando shows e palestras, com comunicação intensa e
a observação das nossas próprias contradições, engajamento constante.
relações, dinâmicas de inclusão e exclusão.
Que todos possam se inspirar com mais uma
Ao apoiar a realização desse projeto Mostra 3M e espalhar empatia, cooperação
criado por nove edições, nossa empresa e criatividade para construirmos melhores
mostra consistência em contribuir para a mundos todos os dias.
transformação social do país também pela
ação cultural e artística. Neste ano em especial, LUIZ EDUARDO SERAFIM
o tema da Mostra está plenamente alinhado Head de Marketing Corporativo da 3M do Brasil
aos pilares da 3M, que valorizam a criatividade,
o respeito, a colaboração, a diversidade e
inovação permanente.

3
Fotografia: André Veloso
Elo3
A busca por outros mundos possíveis nos faz
refletir a respeito da nossa caminhada, uma
trajetória que muito conquistou em busca da
democratização do acesso à arte, mas há ainda
muito a realizar.

Ao longo de 9 edições, a Mostra 3M de Arte


apresentou cerca de 166 artistas brasileiros
e internacionais e percorreu importantes e
diversos equipamentos culturais de São Paulo
e Rio de Janeiro até se instalar no espaço
público, aproximando-se mais de seu objetivo
de colocar a arte no convívio das pessoas,
provocando-as em suas reflexões e percepções
da vida contemporânea.

A partir de agora, a responsabilidade por


valorizar a produção artística diversa, inclusiva,
sem preconceitos é um valor e um compromisso.

Tão forte como nosso desejo de levar cultura


para todos os cidadãos é nossa vontade de
habitar um mundo de respeito e convivência
com as diferenças.

FERNANDA DEL GUERRA


Diretora da Elo 3 Integração Empresarial

apresentação | 4
Fotografia: Tainã Moreno
mil litros de preto: o largo está cheio | 5
curadoria

Manifestos por outros


mundos possíveis
Nesta 9a edição da Mostra 3M de Arte para as formas de proteção e contenção; de Daniel Lima é artista, curador, editor
adotamos um projeto curatorial em torno fechamento e abertura. Armam um puxadinho
das artimanhas de sobrevivência na urbanidade
e pesquisador. Bacharel em Artes
do conceito de Manifesto. Manifesto como
configuração de um discurso estético, como avassaladora, cochicham sobre devires do Plásticas, Mestre em Psicologia e
proposição e ação por outros mundos mundo. Relações que constroem obras em
palavras ditas e escritas, ativadas pelos
doutorando em Meios e Processos
possíveis. Manifesto como meio de expressão
de coletividades e redes de identidades artistas, educadores e vocês. Uma seleção Audiovisuais pela Universidade
diversas que constroem outras perspectivas de diversidades – conjunto criado por uma
de São Paulo. Desde 2001 cria
de existência. Um dizer público que age e um comissão de diferentes – que aposta num
gesto que diz não! Desesperadamente legítimo esgarçamento geográfico e identitário. Um investigações-ações em pesquisas
e fictício, o conceito “manifesto” aqui citado discurso sobre o presente de transbordamentos
relacionadas a mídia, questões
é uma referência abrangente, uma inspiração do passado. Riscos no Largo POR OUTROS
para um recomeço. MUNDOS POSSÍVEIS. raciais, resistências coletivas,
Entre os cinco artistas e coletivos selecionados,
presente colonial e análises
DANIEL LIMA
Lucimélia Romão, Naine Terena, MINIMUM, Curador da 9ª Edição da Mostra 3M de Arte geopolíticas. Dirige a produtora
Projeto Matilha e Renato Atuati, temos junções
de natureza estética, política e relacional. Obras
e editora Invisíveis Produções.
que se apresentam como denúncias de uma (+) www.danielcflima.com.br
situação de opressão e controle, mas também
anúncios de prosperidade e cura. Trabalhos
que circulam e circundam o Largo da Batata
com olhares para constituição urbanística tão
paulistana, e, ao mesmo tempo, tão comum
no sul global. Obras processos que atentam

6
7

Fotografia: André Veloso


artistas

lucimélia romão
Mil Litros de Preto: O Largo Está Cheio

projeto matilha | Fafi Prado e Pedro Guimarães


Puxadinho

naine terena
Prosperidade

minimum | David da Paz e Patrícia Passos


Monolítico Mnemônico

renato atuati
Entre

8
artistas

Quando eu penso no “Mil Litros”, eu não penso


lucimélia romão no “Mil Litros” fazendo só arte, eu penso no
Mil Litros de Preto: O Largo Está Cheio
“Mil Litros” como tática de guerra.

Lucimélia Romão, acordeonista, com Mobilidade Acadêmica, em


artista de rua e performer. Vive 2017, na UFMG, começando sua
e trabalha em São João Del Rei- pesquisa sobre instalações, teatro
MG. Começou a desenvolver negro e performance negra. Desde
trabalhos ligados ao teatro aos 16 então, desenvolve trabalhos de
anos de idade. Aos 21 cursou Artes perspectiva político-social voltados
Dramáticas na Escola Municipal para a denúncia da mortandade da
Maestro Fêgo Camargo, em Taubaté, população negra brasileira.
e teve seu primeiro contato com
arte performática. Em 2014, inicia a
graduação em Teatro na UFSJ-MG,
e inserida em projetos de pesquisa
e extensão passa a desenvolver
trabalhos performativos. Durante
sua graduação é contemplada

9
COnVERSA
DANIEL LIMA Eu começo te perguntando:
como a sua história de vida te levou à proposta
é uma universidade federal. Isso me dá um
susto, mas eu também levo um tempo para
Os amigos, a família agiram muito rápido, para
não criminalizarem ele, mas o que vimos foi:
A minha família é toda negra,
artística “Mil Litros de Preto”? perceber isso. Eu falei: “nossa, eu chego dentro morreu dentro da periferia, é bandido. Foi bem dentro da minha casa. Eu tenho
da universidade, cadê os pretos? Não tem na época que eu estava lendo o Genocídio do
LUCIMÉLIA ROMÃO Bom, eu sou do interior de preto”. E aí, quando eu percebo isso, eu começo negro brasileiro, do Abdias Nascimento, e o irmãos que têm a pele clara, que
São Paulo, de Jacareí. Eu cheguei em São João a estudar, eu começo a entender um pouco Racismo estrutural, do Silvio Almeida, então
del-Rey [MG] sem muita noção do que era o como vai funcionar o racismo, porque eu não eu pude comparar essa realidade, e foi muito são por parte de pai, mas ali na
racismo. Eu já passei por várias situações que eu
mesma não tinha reconhecido como situações
entendia até os meus 23 anos. Em São Paulo a
gente costuma − pelo menos na minha região
forte isso para mim, porque eu tinha acabado
de chegar de mobilidade acadêmica, eu vindo
minha família todo mundo é preto
racistas, porque não estava simplesmente
habituada a pensar sobre isso, porque ainda
− mascarar isso muito bem. Aqui, dentro da da UFMG, e lá é um ambiente extremamente e a gente não falava sobre isso,
universidade, não tem essa máscara, você vê o racista, muito esquisito. Então, essa diferença
temos essa ideia de democracia racial que racismo nu e cru. Eu caí em certas situações que de classe e raça estava muito latente quando já que todo mundo vive nessa
plantaram no Brasil. A minha família é toda eu nunca tinha caído, como a negra agressiva, eu vi o assassinato do Marcos. Fiquei muito
negra, dentro da minha casa. Eu tenho irmãos eu nunca tinha ouvido isso em São Paulo, aqui incomodada com a situação, e falei: “nossa,
rotina de estudar, trabalhar,
que têm a pele clara, que são por parte de pai,
mas ali na minha família todo mundo é preto
foi o que eu mais ouvi dentro da universidade.
E, apesar de eu ser direta, eu não sou uma
preciso falar sobre isso, porque antes eu
tinha uma viseira”. Eu estava conversando,
trabalhar e trabalhar.
e a gente não falava sobre isso, já que todo pessoa encrenqueira; não deixo passar as coisas, inclusive, com uma prima minha, que agora
mundo vive nessa rotina de estudar, trabalhar, mas não sou uma pessoa que fica provocando está morando nos Estados Unidos com o DANIEL Só em pensar, além da vivência
trabalhar e trabalhar. Quando eu chego aqui e caçando. E fui colocada em situações que marido dela, e aí eu estava falando para ela individual, que é estrutural, é outro salto,
em São João del-Rey, eu começo a me deparar eu não me imaginava, por conta da cor, e, sobre a minha pesquisa de iniciação científica, a gente entende: “caraca, o Brasil viveu a
com várias questões que não tinha percebido. até então, eu me imaginava meio invencível. e ela falou assim: “nossa, mas ainda existe maior escravidão do planeta”, eu não tinha
Por exemplo, no Estado de São Paulo, eu não A partir dos estudos, eu comecei a ver: “opa, não racismo no Brasil? Eu achei que ruim mesmo ideia disso quando eu estudei na escola, nem
morava dentro da periferia, então, a região sou tão invencível assim”. E quando o Marcos era aqui nos Estados Unidos, porque teve mais quando comecei a trabalhar com a Frente 3
onde eu morava e a escola onde eu estudava Vinícius1 morreu... Ele levava a vida mais ou enfrentamento”. Eu respondi: “nossa, tem!”. de Fevereiro. A noção de que o Brasil recebeu
tinham muitas pessoas brancas. Quando eu menos como eu levava: era um menino que Ela é mais velha que eu pelo menos uns 7, 8 quase metade dos povos escravizados da
chego aqui, na primeira ligação que fiz para estava estudando, estava indo para a escola, anos, e ela não tinha enxergado isso até o final África, que tivemos dez vezes mais escravizados
a minha mãe, falei: “caramba, mãe, aqui tem não estava fazendo nada. E aí ele é assassinado do ano passado, que foi quando eu conversei do que nos Estados Unidos. Então a nossa
preto para caralho”. Tinha muito preto e eu não e marginalizado. Foi um caso muito chocante. com ela, explicando a minha pesquisa. sociedade está baseada nisso. É tão eficiente
estava acostumada a ver, a não ser os da minha E completei: “nossa, a gente passou mesmo o discurso de democracia racial que impera a
família. Ela: “que legal”. Isso na rua, só que despercebido por isso”. Não que ela não tenha
1 http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/ afirmação de que não existe racismo no Brasil.
quando eu entro para a academia, realmente sofrido, sofreu para caramba, mas não conseguiu
noticia/2018-06/familia-acusa-policia-pela-morte-de-
não tem preto dentro da universidade. Aqui reconhecer que isso estava dentro da estrutura. LUCIMÉLIA ROMÃO É muito doido isso.
marcos-vinicius-na-mare

lucimélia romão artistaS | 10


DANIEL Como você, diante de todo esse isso. Eu tenho uma amiga que é da biologia, e fui bater nas portas para pedir patrocínio. Cheguei nesse formato do balde com a piscina.
incômodo no corpo, na mente, nas percepções… a Lili, e ela resolve minha vida em questões A primeira foi o Café Soberano, é uma empresa Antes, eu queria uma estrutura que eu pudesse
chega a esse formato do “Mil Litros de Preto”? matemáticas, aí eu falei para ela: “Liliane, que faz café aqui em São João del-Rei. Uma amarrar os baldes, foi a minha primeira ideia, e
Ou seja, como aciona a inteligência estética, a quanto sangue, mais ou menos, tem no corpo das donas que me atendeu. Eu falava para eu subiria os baldes em vez de virá-los, só que
inteligência conceitual para chegar à obra? de uma pessoa?”. Ela falou: “tem, em média, ela da situação e ela ia arregalando o olho: era uma engenharia muito complexa. Gastei
sete litros”. Em quanto tempo eu encheria uma “meu Deus, explica de novo, morre a cada mais um tempo pensando em uma coisa mais
LUCIMÉLIA ROMÃO Quando eu estava piscina com esse sangue? A gente fez o cálculo 25...”. Falei: “... consegui nome de criança de simples, que era eu mesma virar os baldes no
fazendo essa pesquisa, abriu um edital aqui da juntas e ela falou: “precisamente, cinquenta até dois anos de idade”. O que uma criança de chão. Porque também dá ideia de cemitério, se
universidade, que é um edital de artes visuais. e nove horas”. Para entender melhor sobre 5 anos fez para ser assassinada pela polícia? eles estão no chão, em vez de pendurados, sem
Eu tinha feito uma performance anterior, que se isso, a ideia de materializar faz com que as Porque nada justifica assassinato, assassinato é contato com a terra, fica uma coisa flutuando,
chamava Marcos, no momento que ele morreu. pessoas tenham a noção da violência. Porque assassinato. Quando alguém faz alguma coisa eu chego em outro signo. A piscina sempre fica
Aqui tem um mezanino na sala de teatro, então eu sempre soube que a polícia matava preto e errada, socialmente, ela tem que ser punida; no centro e os baldes pelo espaço. Uma coisa
era uma estrutura que contava com um balde pobre, não é uma novidade para mim. Só que por exemplo, ser presa, fazer algum trabalho muito legal que me aconteceu na primeira vez
pendurado em cima com um líquido vermelho não conseguimos entender isso, como isso social... Agora, não tem como você falar que que eu fiz essa performance foi que eu falei
descendo e eu lá embaixo sentada em uma acontece. Porque quando eu entendo as coisas uma criança de cinco anos está associada para a minha mãe: “mãe, fui aprovada em um
cadeira, e um amigo meu raspava minha cabeça do racismo eu fico chorosa, fico dolorida, e acho com o tráfico. Aí eu percebi que as pessoas edital e vou fazer uma performance”. Ela tinha
e escrevia o nome dele nela e eu deixava até o que não posso ficar assim. Tenho que expurgar começavam a entender mesmo sobre o que era acabado de se aposentar e respondeu: “se
nome sumir. Levou, mais ou menos, uns quinze isso. A ideia é dividir a dor que a gente tem, isso, que era a partir da ação. você conseguir passagem para mim − dessas
dias para sumir, que é, mais ou menos, o tempo porque se sento, fico vendo, fico lendo, se eu passagens de idoso −, eu vou assistir você”.
que o homicídio policial some também da mídia. não expurgar, o máximo que vai me acontecer Fiz um corre para conseguir a passagem para
é um câncer, uma depressão, alguma coisa do ela e para minha tia. Quando ela chegou
Continuei pensando na estrutura do balde,
tipo… Eu fui pesquisar na internet e me deparei aqui em casa, na semana da performance, eu
porque esse edital exigia apresentar a
performance e manter uma instalação dentro
com as Mães de Maio: “meu Deus, esse negócio Eu fui olhar no mapa da falei: “olha, mãe, as meninas vão ficar com a
é muito triste”. Não é que eu quero que todo senhora − porque minha mãe tem 61 anos e
do centro cultural. Então, ou eu ficaria indo
mundo sinta a dor que elas sentiram e o medo violência de 2017 e falava minha tia tem 69. Vocês vão lá para o espaço,
lá todo dia, o que não dava, ou criava uma
instalação. Um professor meu me falou: “eu vi
que eu tenho... eu já não quero mais por filho no
mundo, eu desisti quando eu comecei a ver isso.
que a cada 25 minutos que é relativamente longe, e quando for à noite
vocês vêm e as meninas ficam aqui com vocês,
um trabalho que disparavam tiros; a cada 23
minutos morria um jovem negro e essa pessoa
Mas se mais pessoas percebem isso, a gente estava morrendo um jovem vão dar comida e tudo mais”. Minha mãe falou:
consegue compartilhar essa dor e não fica tão “não, eu quero assistir lá, eu quero ficar lá com
dava um tiro, a gente ouvia o som do tiro
para marcar o tempo”. Eu fui olhar no mapa
pesado. Eu fazia isso, e me inscrevi num edital negro. Se a cada 25 minutos você”. Eu falei: “não, mãe, vão ser 60 horas, eu
e fui aprovada. Eu fui pedir patrocínio, porque vou dormir lá, vou ficar os três dias lá”. Ela falou:
da violência de 2017 e falava que a cada 25
não tinha dinheiro para fazer a performance morre um jovem negro, “mas eu vim para assistir você, eu vou ficar lá
minutos estava morrendo um jovem negro. Se a
cada 25 minutos morre um jovem negro, isso é
e o edital só pagava depois. Peguei o projeto,
imprimi, levei todo o material numa pasta
isso é muita gente com você”. Eu convivo com a minha mãe faz 30
anos, não vai adiantar eu falar para ela ficar em
muita gente. Fiquei pensando um pouco sobre

lucimélia romão artistaS | 11


casa que ela não vai ficar. Vamos montar um QG detalhe é muito importante. Essa performance, viajar por esse trabalho também, fazendo um levantando da cama. Sei que uma das mães
para ela ficar lá. Ela e a minha tia foram para o eu acho que não é só uma cura para mim. Eu processo de cura. E as Mães de Maio agregam abdicou do cachê para que a Iara − que é essa
centro cultural comigo. Eu coloquei o colchão a enxergo como uma cura social mesmo, todo uma camada ao núcleo duro do trabalho. Novas mãe que acabou de ter o filho assassinado −
delas lá e o meu ficou no espaço mesmo, e elas mundo deve participar dela. Desde que eu a fiz, camadas vão sendo adicionadas: o espaço pudesse participar. Porque quando ela falou da
ficaram comigo na performance durante os três eu tinha o intuito de chamar mais pessoas para público; a ideia de ser no meio de uma praça, performance para a Iara, ela se animou e quis
dias. Chegava a noite, uma dormia e a outra participar. Eu não enxerguei tão longe quanto de ter um mastro com bandeira do Brasil; de ter participar e saiu da cama para fazer a ação. A
ficava comigo. Então, eu não fiquei sozinha em essa mostra enxergou, de convidar as Mães de as Mães de Maio... cada camada vai dando mais Miriam, que teve três filhos assassinados, falou
nenhum momento e pareceu mesmo uma coisa Maio para fazer, comigo, a performance. Acho densidade e sentido ao trabalho. que dava o cachê para ela. Olha, essa é a ação
de velar essas pessoas. que esse foi, para mim, o maior presente, de de impulsionar uma outra mãe, falar “olha,
tê-las fazendo comigo. Não sei se eu não me LUCIMÉLIA ROMÃO É legal fazê-la nessa escala, vamos juntas!”. O que a gente está fazendo com
DANIEL Fantástico. Tem vários pontos que achava capaz, mas eu não consegui pensar porque quando eu a faço no formato de meia a nossa sociedade? Por que a gente sabe como
você coloca. Primeiro, essa relação familiar, nessa possibilidade. Quando eu fiz pela hora, as pessoas ficam muito agoniadas. Elas cuidar do nosso? Não sei se sabe, mas a gente
a importância desse trabalho de cura tem a primeira vez, eu falei: “nossa, seria interessante vêm, elas ficam agoniadíssimas, porque é tem uma noção do que queremos para nós, para
ver, também, com o nível familiar, que é um se tivesse alguma mãe aqui”, antes da minha morte atrás de morte. Então, quando se dá a os nossos, mas que noção você tem para os
processo que a arte possibilita, que nenhuma mãe chegar. Eu até cheguei a chamá-las para possibilidade de a pessoa fazer isso também, outros, para os filhos dos outros? A gente sabe
outra terapia possibilita. É como se você assistir quando eu apresentei em São Paulo em eu deixo ela expurgar. Quando eu a faço nessa que não quer o nosso filho morto, mas a gente
inventasse a sua cura em relação a isso; é julho, mas não tive resposta. escala, em que a pessoa também pode virar o pensa que não quer o filho do outro morto?
você não adoecer com a situação que é de um balde junto comigo, ela sente isso e ela também Porque a polícia só mata porque ninguém faz
adoecimento social. O Brasil está num processo Mas essa coisa de cura social, de fazer isso despeja. Sem contar que as Mães de Maio... nada. Se a polícia matasse um jovem negro e a
de adoecimento social evidente, então é muito numa escala grande para que mais pessoas cidade inteira, o Brasil inteiro parasse, a polícia
potente ver esses paralelos. Agora, falando pudessem perceber essa realidade, que Eu converso com a Débora Silva e ela vai
não matava, só que: “ah, morreu o filho dela,
também sobre essa questão de corporificar acontece, que a gente sabe, mas não entende falando o que as Mães estão achando, eu achei
não morreu o meu, então isso não é problema”.
esse massacre, esse extermínio… pensando a dimensão... A performance, nesse tamanho, fantástico. Porque elas ficaram muito felizes
sobre essa questão da escala, como você vê seria impossível eu fazer sozinha, até dá, mas com a ideia de poder fazer a performance. DANIEL Sim, a naturalização da violência é a
isso, partindo de uma escala individualizada, levaria muitos dias. Três dias já foi bastante principal ferramenta do conservadorismo, de
DANIEL A Débora, como vi em vários debates
em que você fazia performance fechada, exaustivo. Para cinco horas, eu precisaria de conservar as coisas como estão.
que participei com ela, acredita que é a partir
dentro de um espaço de uma instituição, para mais três pessoas fazendo comigo. Então, essa
das Mães que vai vir uma revolução. As Mães LUCIMÉLIA ROMÃO É, e aí eu acho que o problema
essa transferência de um novo trabalho, que escala me ultrapassa, ela me atravessa.
vão parir um outro país, como ela fala. maior é a gente não pensar na realidade do outro.
agora acontece num espaço público e com a
participação das Mães de Maio? DANIEL Esse processo de cura é individualizado, Quando eu penso no “Mil Litros”, eu não penso no
LUCIMÉLIA ROMÃO Mas é, não tenho dúvida
mas é transferido para o outro também, essa “Mil Litros” fazendo só arte, eu penso no “Mil Litros”
de que seja isso, porque a partir do momento
LUCIMÉLIA ROMÃO Então, eu fui um pouco que é uma potência da arte mesmo. Quando a como tática de guerra.
que ela muda, que ela mexe a estrutura, tudo
megalomaníaca, mas eu acho que, quando gente trabalha isso, trabalhamos sempre num
mexe, não tem como. Tem uma mãe que perdeu
falamos de temas reais na arte, quando a gente sentido coletivo, sempre no sentido de uma
o filho faz um mês e essa mãe não estava
não está fazendo arte pela arte, todo mínimo coletividade que é ultrapassada e que pode

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lucimélia romão artistaS | 13
MIL LITROS DE PRETO: O LARGO ESTÁ CHEIO
Luciméia Romão; 2019
Fotografia: André Velozo
Largo da Batata, SP

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artistas

as plantas estão presentes, esse espaço


projeto matilha | Fafi Prado e Pedro Guimarães também como um lugar onde se celebra,
Puxadinho
onde se senta em roda, um espaço para diálogo.

Radicado em São Paulo, o PROJETO FAFI PRADO atua como performer e artista PEDRO GUIMARÃES atua como performer e
educadora. É formada em Dança pela Escola educador. É graduado em História pela UNESP
MATILHA é um coletivo dedicado Klauss Vianna, em Comunicação Social pela da cidade de Assis, em São Paulo. Desde 1989
a ações artísticas em espaços FAAP-SP e é pós-graduada pelo CEUMA/USP atua como professor e educador social em
em Linguagens da Arte. Realizou trabalhos escolas públicas e projetos socioeducativos,
públicos, com foco na construção de autorais em performance e videoarte. Fundou além de participar de coletivos de criação
experiências relacionais. O público o grupo de criação coletiva Cia.Cachorra, que artística na cidade de São Paulo. Como
posteriormente passou a denominar-se Projeto performer atuou em trabalhos diversos
é convidado a participar somando Matilha, tendo realizado importantes trabalhos como “Zona de Ação” (Sesc) e o projeto
depoimentos pessoais e estados de intervenção urbana, entre eles “Liberte-se”; audiovisual “Cubo” (CCBB-SP). É integrante e
“Zona de Poesia Árida” e o projeto audiovisual cofundador da Frente 3 de Fevereiro, grupo
afetivos às temáticas propostas. “Cubo” (CCBB-SP), circulando por festivais de pesquisa e criação artística acerca do
Neste projeto, compartilham a no Brasil e na América Latina. Participou racismo na sociedade, tendo participado
como artista brasileira da residência artística com o grupo de diversos festivais e mostras
concepção Fafi Prado, criadora do Vheículo SUR, itinerando por países da América no Brasil e na Alemanha. É autor da obra de
coletivo, e Pedro Guimarães. Latina e Europa (Chile, França e Alemanha). literatura expandida “Cachorrio” e coautor de
Atualmente é articuladora artístico-pedagógica “Transcendentidade”, intervenção artística junto
do Programa de Iniciação Artística (PIÁ) da ao Projeto Matilha.
Secretaria Municipal de Cultura e coordenadora
do Projeto Matilha.

16
CONVERSA
DANIEL LIMA Quais são os desafios de
construção conceitual e técnica do
Achamos que conseguimos desmembrar isso,
nos libertar disso, e estamos vendo que não.
Mas vocês me chamaram a atenção: “E a figura
feminina?”, então chegamos num consenso:
O que você vê nesse espelho?
“Puxadinho”? Que o colonizador volta, põe suas unhas de a gente abre isso para um período posterior Você vê quem? Você vê: o índio, o
fora novamente e diz: “Quem manda aqui sou que é o período do fim da colonização. Do fim
FAFI PRADO Então, eu penso assim: bem difícil, eu, os interesses, os meus interesses, estão da colonização, período pós-ciclo do ouro, português, o negro, o senhor de
porque como a gente vai tratar de um assunto acima dos de vocês”. império e república para introduzir outras
tão amplo e genérico, que é história do Brasil figuras como a esposa do senhor de terra, a terra, o jesuíta e o bandeirante.
da perspectiva escolarizante, uma vez que nós Bom, a princípio o que eu havia pensado? parteira, a benzedeira...
todos fomos educados por essas imagens e Que essa pergunta disparadora, esse espelho para
narrativas? Como é que pegamos uma coisa tão o qual a pessoa vai olhar, que vai ter a imagem FAFI PRADO Começam a surgir essas figuras FAFI PRADO Inclusive o mito da miscigenação,
grande e transformamos num jogo que seja de dela distorcida, que trouxesse somente as figuras específicas na sociedade ali, na organização. da democracia racial já começa ali, quando
síntese, entende? Como é que se faz síntese com desse período de maior crueldade do país. O tem essa ideia de: “Ah, não, a gente é tudo isso”.
essas palavras com todo o significado que está período que é anterior ao humanismo, iluminismo, PEDRO GUIMARÃES Esse tipo de coisa, esse tipo Então pensamos em brincar com a palavra,
atribuído? E como isso vive no imaginário das marxismo, onde tudo era pontuado por uma de preocupação em um momento onde não há colocar a palavra mestiço para justamente
pessoas? É uma brincadeira também. Dá para grande desumanidade que é: a apropriação da nenhum tipo de pensamento humanista, o que medir o quanto as pessoas correm para esse
a gente inverter, ainda que poeticamente, terra indígena, o africano sendo trazido para existe é o poder fálico, o poder patriarcal. lugar, que de alguma forma é um conforto
essa educação, esse modo, essa narrativa, esse ser escravizado, o jesuíta vindo catequizar para aqueles que se consideram mestiços.
FAFI PRADO Patriarcal, as sociedades matriarcais
discurso passado para nós? Já que ele está na aculturando. Porque não viramos nem uma coisa, Principalmente para as pessoas que não
já tinham também sido exterminadas.
gente! Então nos arriscamos a falar. Porque nem outra, somos somente aculturados. Porque a querem se dizer brancas ou negras.
queríamos começar falando desde a colonização. gente não tem nem a cultura europeia totalmente PEDRO GUIMARÃES Então o que eu coloco é:
PEDRO GUIMARÃES E para se dizerem não
e também perdemos a cultura ameríndia e do lado de fora do “Puxadinho” eu quero que
PEDRO GUIMARÃES Para mim, o constitutivo racistas também.
africana. Então, viramos esse limbo, que em o questionamento seja algo mais incômodo.
é a colonização. Não conseguimos avançar grande parte é responsável por essa situação A possibilidade de você mudar, de você criar FAFI PRADO E não racistas, exatamente!
do que nos foi dado durante a colonização. horrorosa que a gente vive desde o início. uma narrativa utópica está no manifesto. É ali
Tanto é que hoje todo mundo está falando em PEDRO GUIMARÃES O mestiço é confortável
dentro, com as várias opções de sujeitos, que as
descolonização. O que a gente está vivendo Pensei, num primeiro momento, uma coisa que nesse sentido, porque quando a pessoa se
pessoas vão ter com o jogo de dardos e com a
politicamente não é a recolonização do país? criasse um desconforto muito grande. Então, declara mestiça e ela tem apreensão, ela
reescrita. Mas do lado de fora, eu insisto, do lado
Até em termos mundiais, toda essa onda de o que tem para buscar como identidade nesse tem domínio racional do que isso significa,
de fora o impacto inicial tem que ser a partir
fundamentalismo, de conservadorismo que espelho? Você olha para esse espelho, o que eu respeito. Mas na maioria das vezes esses
desse incômodo mesmo, de não oferecer muitas
está tomando, que tomou conta do mundo, está você vê? O que você vê nesse espelho? Você vê termos relacionados à mestiçagem são sempre
opções, porque não houve muitas opções...
muito ligada à relação internacional que havia quem? Você vê: o índio, o português, o negro, o subterfúgios que as pessoas usam para fugir do
entre as metrópoles e as colônias. senhor de terra, o jesuíta e o bandeirante. racismo mesmo que elas têm e não aceitam.

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DANIEL Nesse sentido, mesmo as pessoas FAFI PRADO E a não continuidade da a ver com essa ideia da escolha dos verbos, PEDRO GUIMARÃES É uma coisa que eu
que têm essa racionalidade e que sabem se encenação da desgraça. É mudar, na verdade, que é tão interessante. Mais do que adjetivos comentei com o Daniel há pouco, a maioria das
movimentar conceitualmente podem usar isso a chave, entende? E não dizer: “Vou devolver e advérbios, verbos constituem ações. Como a pessoas não tem segurança na escrita.
exatamente a seu favor, para não se sentirem isso”, porque não é simples assim, é de uma ideia de manifesto alimentou a concepção do
parte de um sistema opressor, colocando um pé complexidade muito maior do que apenas “Puxadinho”? DANIEL Exatamente, escrever de próprio
do outro lado. inverter os sujeitos das orações. Então que punho? A proposta já está cortando grande
verbos são esses? Pensando em um futurismo FAFI PRADO Eu via mais como uma ideia para um parte do público.
PEDRO GUIMARÃES Se até essas pessoas podem afro-ameríndio… livro. O que seria um livro escrito nessa costura?
usar nesse sentido, imagina os tantos outros... Porque pode vir uma pessoa que escreva uma PEDRO GUIMARÃES E as pessoas não saberem
PEDRO GUIMARÃES Tupi Nagô. frase totalmente literal, que entenda dessa escrever não é somente culpa delas, porque o
DANIEL Só para contextualizar que a gente maneira o manifesto. Eu tenho liberdade para saber é dominar toda uma cultura que foi imposta,
está falando então da parte cênica do FAFI PRADO Tupi Nagô, para o futuro. Se a escrever, e vou escrever o que eu acho que é. como cultura elevada, como cultura superior,
“Puxadinho”, que envolve tanto palavras gente fizesse esse exercício utópico e poético, E a outra vem e escreve um rabisco, outra vem, como cultura bela... É difícil escrever. Na rua, a
quanto imagens para a sua constituição. principalmente, de um manifesto que também e vem uma criança, e vem um historiador... Então, gente vai estar fazendo uma intervenção na rua,
Talvez aí a questão da escolha dessas palavras vai se escrevendo, mas ao mesmo tempo é um que escrita é essa? Mas agora, nessa altura do as pessoas vão ter dificuldade para escrever.
seja, pensando numa pretensão de síntese da exercício enquanto ele acontece. Por quê? É processo, também me pergunto se a palavra
história, quase fadada ao fracasso ou fadada nesse momento que a gente precisa mais desse FAFI PRADO Quem é que escreve? Eu escrevo
escrita, se esse domínio da língua portuguesa,
ao autoritarismo, versões do Brasil impostas comprometimento histórico, das pessoas se pelo outro, eu transcrevo o que o outro falou?
também não é uma forma de recolonizar, não é?
por esses livros de história. Talvez seja sempre vendo nesses livros de história, para recontar Vão entrando todos esses conceitos, ou vira um
Dizer: “Escreve num livro!”.
uma escolha cartográfica, não é? Seja sempre algo que não é mais aquilo que já esgotou. livro de visita e você escreve livremente…
uma escolha de alguns pontos que podem No sentido que dessa matriz a gente não
DANIEL A releitura que vocês fizeram em
abrir ou fechar visões. E a história do Brasil consegue mais extrair uma imaginação política.
trabalhos anteriores também me leva a outra
carrega conceitos abertos que podem ser
DANIEL Exatamente, uma imaginação política. pergunta: como eles dialogam com essa nova
ressignificados. Estamos atrás desses conceitos
o tempo todo, por exemplo: quilombo, Zumbi, Pensando na ideia de manifesto, que foi uma É muito difícil você criação? Aquela máquina de escrever, por
provocação que fiz na proposta da Mostra, a exemplo, era uma mediação de releitura.
cangaceiro, o que é imaginar o quilombo
gente sabe que ele é datado historicamente,
reconfigurar um termo Era claramente uma releitura.
urbano. Ou seja, são conceitos históricos,
mas que conseguem ser esgarçados para e que era uma afirmação de homens brancos que carrega uma violência PEDRO GUIMARÃES É, porque é impossível, eu
engolir outras realidades, assim como existem sobre a vanguarda do mundo, sobre a ideia do
conceitos que reafirmam estereótipos e que futuro do mundo. Mas como provocação vemos e um rótulo. Então está não tenho a rapidez de escrivão, eu não consigo
escrever na rapidez que a pessoa fala.
que ele foi utilizado nas últimas décadas, desde
não têm muita potência em ser ressignificados.
É muito difícil você reconfigurar um termo que Dogma Feijoada, Dogma 95, Black Panthers... em jogo a delicadeza DANIEL E mesmo quando consegue, você
carrega uma violência e um rótulo. Então está Quer dizer, recuperam a ideia de quando existe
uma necessidade da palavra afirmar. Ser mais
dessa movimentação. estaria eliminando, na sua erudição, todas as
em jogo a delicadeza dessa movimentação. práticas populares da fala e a tornando erudita,
do que um raciocínio, ela é uma ação que tem ou seja, colocando em “palavras corretas”...

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FAFI PRADO A máquina de escrever é incrível certidão é completamente postiça, qualquer consulta energética ali, para algumas, espiritual.
porque ela é errorista mesmo, ela vai errando pessoa vê que é uma brincadeira. Mesmo assim É de intimidade, é dessa escala relacional de um
e você não consegue voltar, você põe aquele X as pessoas, principalmente o pessoal de rua, para um mesmo. É a questão identitária que a
em cima… Então tem uma materialidade. pegavam a certidão e guardavam como um
documento. Aquelas duas meninas que pediram PEDRO GUIMARÃES A gente adoecia, sempre gente provoca desde o início.
DANIEL Daí a coisa da referência da máquina que a gente fazia, principalmente quando
de escrever: um mundo arcaico, um mundo que
para a gente casá-las? Teve duas meninas que
pediram uma certidão de casamento, elas a gente fazia muito tempo, a gente sempre Estamos sempre perguntando a
não se usa mais e que vai perdendo o sentido,
mas que é recuperado na brincadeira.
vieram e a gente fez uma certidão. E a certidão adoecia. Agora que a gente começou a fazer
com as plantas não adoecemos mais. Porque
identidade das pessoas.
que era de nascimento virou uma certidão de
casamento. Fizemos e as meninas levaram pode parecer um grande delírio, uma coisa,
FAFI PRADO A nossa brincadeira, nos trabalhos enfim, mas a gente adoecia, durante o processo FAFI PRADO A coisa do espaço, do puxadinho,
superfelizes, e elas não eram moradoras de rua.
anteriores, era a desse escritório poético, de ou quando acabava. quando a gente pensou era um grande terreiro,
pegar a burocracia e transformar em poesia. FAFI PRADO É, e era no Itaú Cultural, não era não é, Pedrão? A gente queria fazer uma mini
Então é sempre uma certidão poetizada, um nem em um espaço público, já tinha um recorte. FAFI PRADO Ainda que a gente não se mata, uma ambientação que fosse esse lugar
certificado de doação de lembranças, um papel Muito disso eu acho que é uma continuação, envolvesse. Tem uma coisa que é da rua mesmo. que você já entra para sair transmutado e tal,
carbono. É um pouco esse imaginário do arcaico acho que a questão identitária a gente continua como também um desejo. E aí, assim, as plantas
para o presente e essa temporalidade: “Senta, DANIEL Eu estava discutindo com a Lucimélia
provocando. estão presentes, esse espaço também como um
toma uma água, agora fala, conta”, você precisa esse aspecto da cura no trabalho. Porque o
lugar onde se celebra, onde se senta em roda,
de tempo para isso. No baralho também, você PEDRO GUIMARÃES É a questão identitária trabalho dela vai envolver as Mães de Maio, tem
um espaço para diálogo. É um terreiro-escola.
senta, joga, depois você vai para um escritório. que a gente provoca desde o início. Estamos toda a ideia dessa dor e dessa dor transformada,
Estávamos muito inspirados no Pedagogia das
Houve lugares em que as pessoas em situação sempre perguntando a identidade das pessoas. politizar a tristeza. E ela também fala sobre o
Encruzilhadas, do Luiz Rufino, que é uma obra
de rua perguntavam pra gente: “Aqui que A pergunta, seja de uma forma ou de outra. adoecimento e como o processo performático
fantástica dentro da educação. De pensar, de
tira o documento?”, porque elas ouviam falar E isso acaba vindo, mesmo que a gente não catalisa uma espécie de cura coletiva. E não
retomar tudo isso, desde o Paulo Freire até o
“certidão” e achavam que era um Poupatempo. pergunte de forma direta. As pessoas acabam uma cura como uma resolução, “Estou curado”,
Milton Santos. Como é que a gente se reinventa
revelando coisas, inclusive até esta é a razão da como um final feliz. Porque não tem, nos
numa educação partilhada? Porque ele traz
PEDRO GUIMARÃES Um cartório. dificuldade que temos em filmar. A gente tem nossos processos nem na nossa sociedade vai
isso, ele traz o elemento do Exu, do Orixá, da
uma dificuldade muito grande em filmar porque ter esse final feliz. Mas como um processo em
FAFI PRADO ...um cartório itinerante. raiz Iorubá do Exu como essa possibilidade do
vamos quebrar uma confiança estabelecida das que, sim, você se recupera de certas dores,
brincante, do malasarte, de uma ginga como
pessoas para com a gente. faz novas alianças afetivas, reconstrói certos
PEDRO GUIMARÃES E por mais que a gente metodologia. É muito maravilhoso, porque
caminhos psicológicos. Então em parte também
dissesse que a certidão era falsa, que era uma isso é o que a gente vai ter em comum: um
FAFI PRADO Quando a gente introduziu as é terapêutico. Como é que vocês pensam isso?
certidão inventada, elas pediam: “Não, mas faz desejo dessa decolonidade, de recontar essas
plantas, essa intimidade também com a Como vocês abrem os corpos dessas pessoas
uma para mim porque a polícia pegou a minha narrativas e de alternar esse narrador.
natureza, de ter a planta como um outro através de todos esses dispositivos e como
e rasgou, a polícia pegou meus documentos e
elemento, começa um lugar da cura. fecham depois quando a pessoa vai sair?
rasgou”. Então a gente fazia certidões, e a nossa
Imediatamente as pessoas também fazem uma

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PUXADINHO
Projeto Matilha; 2019
Fotografia: André Velozo
Largo da Batata, SP

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artistas

queria manifestar a minha proposta, que se desenha


naine terena e que se materializa a partir da mandala,
Prosperidade
que é uma mandala aeronave.

Curadora, educadora, artista e da Cultura, está entre os projetos


pesquisadora, vive e trabalha em elaborados sob sua coordenação.
Cuiabá-MT. É docente na Faculdade Graduada em Comunicação Social,
Católica de Mato Grosso e no Itaú é mestre em Artes e doutora em
Cultural, na Especialização em educação, desenvolve trabalhos
Gestão Cultural Contemporânea: diversos, especialmente ligados aos
da Ampliação do Repertório movimentos sociais e minorias, dos
Poético à Construção de Equipes quais é oriunda. Acompanha as ações
Colaborativas. Coordena o projeto de do movimento indígena, sobretudo
pesquisa Lab Gente, desenvolvido na a produção de alimentos saudáveis,
UFMT, dentro do grupo de Pesquisas geração de renda dos povos
Multimundos Brasil (UFMT). O indígenas, memória e resistência.
Aplicativo para ensino da língua (+) www.oraculocomunica.wordpress.com

Terena (2018), contemplado pelo


Edital App para cultura – Ministério

22
CONVERSA
DANIEL LIMA Como o trabalho atual se Acredito que esse não é o caminho, isso pode ser Mas permaneceria a hipótese de que, ao NAINE É, porque também, a gente, quando
relaciona com a história de outros trabalhos excludente, também, para outro tipo de produção colocar todos juntos, existiriam elos, existiriam faz a arte ativista, esfrega na cara do público
poéticos que você criou? indígena. Algo que aconteceu agora no curso que certas temáticas, certas formas de construir a algumas coisas. Minha obra é mais sublime
estou lecionando. Eu mostrei esse último desenho obra e construir a perspectiva da obra, que seria desse ponto de vista, porque ela não está
NAINE TERENA Ele se relaciona no sentido do técnico da obra porque as pessoas estavam interseccionada com a dos outros. E, de fato, jogando uma coisa na sua cara, ela é leve, no
percurso mesmo, da construção. Para mim, o muito curiosas. Tem 38 alunos e eles queriam quando eu coloquei todas as obras juntas, elas sentido de estar te mostrando algumas coisas,
percurso é bastante forte, porque se constitui ver e entender o que vou apresentar na Mostra. poderiam ter diferentes configurações, mudar a mas eu não vou te bater com a obra. Então eu
sempre de algumas memórias ou de alguns E falaram assim: “é uma hipermandala”, e então, ordem facilmente, e, de fato, todas dialogavam acho que essa perspectiva é de algo que está
pensamentos instintivos que me surgem, até automaticamente, perguntaram: “mas o que é com todas. Então, existia algo em comum subjetivo, às vezes está subliminar, que não
visualmente mesmo; todos surgiram de algumas mandala na cultura indígena? O que tem a ver?”. que eu acho que tem a ver com a perspectiva precisa dos elementos indígenas expostos ali
imagens que brotam na minha cabeça, mas Eu falei: “não tem a ver”. Uma outra pessoa se mesmo, que é a ideia de ser uma perspectiva para dizer que é um artista indígena ou é uma
que eu sei que tem uma relação com o que eu levantou e disse: “mas por que o artista branco não hegemônica. Essa perspectiva que a gente obra indígena.
faço, com o que eu vivi e vivo no meu dia a dia pode fazer qualquer coisa e ninguém questiona o constrói a partir da nossa própria visão. E, em
em todos os planos. O viés ativista é algo que local identitário dele, e para o negro e o indígena parte, junto com a comissão julgadora desta Acredito que isso é algo para se pensar, não
reconheço muito forte na trajetória, nessas existe sempre esse questionamento, se é ou se Mostra 3M de Arte, a minha defesa do seu categorizar e dizer que é melhor ou que não é
construções. Então, acredito que o mais forte, não é relacionado?”. trabalho, assim como, de outros membros da melhor, se o que foi feito há 1.500 anos é arte
talvez, seja a indagação sobre essa coisa do comissão, era de que temos que trazer novas mais do que o que a gente está fazendo agora,
artista indígena: o que é? onde vai? onde se Eu penso, também, que a gente não pode querer mas que todas perpassam essa subjetividade,
perspectivas, que alimentam novos mundos.
encaixa? E ele não se encaixa. fazer muitos conceitos nesse momento, porque que é a nossa formação. Não essa formação
Se a gente não fomentar novas perspectivas,
senão vamos colocar em algumas caixas que hegemônica, que, embora a gente esteja dentro
não tem como alimentar a imaginação política,
DANIEL Sim, vamos pensar sobre a figura do talvez não sejam necessárias. Por exemplo, do sistema, conseguimos dar uma escapulida de
social, de novos mundos.
artista indígena. Como você elabora essa ideia tem artista indígena dessa arte que toma um algumas coisas, de alguns pensamentos.
de pensar fora da representação construída pouco dessas ferramentas não indígenas, como
de um mundo branco sobre o que seria arte a instalação, propriamente dita, que diz que a DANIEL Dentro desse processo micropolítico de
negra e arte indígena, e, sim, através da principal característica é o senso de ativismo. construção de uma subjetividade, que a gente
autorrepresentação e de uma representação expressa publicamente, através dos recursos
contemporânea? Como você elabora essa ideia DANIEL Eu fiz uma exposição como curador em estéticos, poéticos, terminamos carregando
de artista indígena? 2017 que era só com artistas negros: mulheres, por que o artista branco a nossa subjetividade. Quando esse processo

NAINE Então, Daniel, eu procuro não teorizar,


homens, artistas trans e de diferentes gerações.
Chamava-se Agora Somos Todxs Negrxs? E era
pode fazer qualquer coisa é feito de maneira honesta consigo mesmo,
termina carregando as nossas urgências,
não estou teorizando e não estou elaborando exatamente essa aposta que você coloca: de e ninguém questiona o local reflete e pode apresentar esse mundo que
um local, uma categoria ou uma linha do tempo que não existem, a priori, características que não está sendo visto, que foi historicamente
para essa figura entrar na história da arte. unificam essa produção, como num manual. identitário dele
naine terena artistaS | 23
invisibilizado, silenciado, dentro da arte DANIEL Naine, deixa eu perguntar uma outra NAINE É muito tenso, é uma linha muito fina
contemporânea, e dentro da cultura de uma coisa, como equacionar o espaço público entre o que sou eu, o que é o outro e o que eu
forma mais ampla. nessa obra? Na trajetória das suas obras, como O artista indígena não deixou de proporciono. Mas eu coloquei na obra o que,
equacionar a ideia de estar no espaço público, para mim, foi próspero, foi muito sincero. Desde
NAINE O artista indígena não deixou de ser numa praça de uma das maiores metrópoles do ser durante esse tempo todo, as relações com os livros, principalmente,
durante esse tempo todo, só ficou invisível mundo, a maior da América do Sul, pensando
dentro de uma construção da história da arte, que, provavelmente, depois da primeira semana
só ficou invisível dentro de uma eles foram muito prósperos para mim,
principalmente em relação às pessoas que
da crítica da arte, talvez. Essa produção mais
tradicional, que é feita dentro das aldeias
ou depois do primeiro dia, podem acontecer construção da história da arte, me proporcionaram ter acesso a eles. Então,
intervenções, interferências de várias espécies é uma relação que não é uma ciranda, não é
até hoje, sobreviveu, e isso é importante, ter na obra que a gente não tem domínio? Como da crítica da arte, talvez. um abraço, é o livro, porque a gente está tendo
sobrevivido, é um registro de resistência e arte você vê essa interação com a cidade? muito, também, esse discurso da empatia pelo
ativismo total, só o fato de sobreviver. toque, mas eu acho que eu tenho uma empatia
NAINE Então, em termos de construção mesmo, possível nessas relações que se constroem pela obra, porque elas me foram oferecidas por
E aí, a minha preocupação é sempre a de que essa é a primeira grande obra que realizo. nesse grande espaço público. Precisamos saber pessoas que me deram o toque, entende?
a gente, que está se apropriando dessas outras Embora eu tenha engavetado, tenha guardado e precisamos ter uma maneira de medir isso.
linguagens, não abafe esse pessoal que está várias grandes obras − a gente sabe que é muito Quantas pessoas vão chegar perto e vão, positiva DANIEL E nesse momento do Brasil, que pulsa
na base, a base que são as aldeias, que estão difícil conseguir montar essas grandes obras ou negativamente, interferir, porque isso reflete uma força de morte muito grande, um certo
fazendo essa produção diária. Não podemos em escala maior − é a primeira vez que eu o nosso estado; a mim, me parece que vai refletir, adoecimento, que não é só da ascensão de
abafar isso. Eu não posso abafar isso. estou conseguindo montar algo grande assim, um pouquinho, nosso estado de humanidade, de uma direita radical e fascista, é um processo
embora o meu pensamento, das minhas obras, convivência, que a gente tira de dentro da nossa que, na verdade, vem de mais de uma década.
DANIEL Exato, eu acho que é nessa linha,
fosse sempre coisas grandes. E também foi a casa e leva para o espaço público. Vivemos num dos países que mais toma
também, que eu penso e acredito que essa
primeira vez que eu arrisquei construir algo antidepressivos do mundo. São Paulo é a
forma de ativismo é a sobrevivência mesmo. DANIEL Fantástico. Eu acho que é isso
nessa escala, porque eu vi o Largo como espaço cidade que mais toma remédios desse tipo em
O nosso maior ativismo é estar vivos, não mesmo, essa interação, como você falou, um
ideal para arriscar. Então, acho que vislumbrei todo o mundo, ou seja, é uma ascensão dessa
no sentido de sobreviver, no sentido de vida termômetro do quão destrutiva ou construtiva
essa importância do local e o encaixe da pulsão de morte, que tenta ser controlada de
plena. É nesse sentido que o maior ativismo pode ser essa relação, o quão violenta pode
obra nele. A gente vai ter um termômetro de qualquer forma. Também a pulsão de morte
é lutar por essa vida plena, em que a gente essa intervenção, ou acolhedora. A gente, às
como as pessoas vão perceber a obra. Assim, de assassinatos, e que tem a ver, também,
tenha expressão − e que pode não ser, como vezes, imagina que tem essa força destruidora,
se danificarem, vamos ter um termômetro do com a pulsão de morte de suicídios. E como,
você colocou, a principal expressão mundial, mas, na verdade, podem ser forças construtivas
porquê, ou, se as pessoas interferirem, também nessa lógica, demonizar o livro, demonizar
negra, indígena − mas é o ato de abrir o espaço, que ajudam a trazer mais camadas de sentido
teremos um termômetro do porquê elas se a agricultura familiar, demonizar a ideia
cotidianamente, fazer esse espaço ser potente e para dentro da obra. Sobre isso, como você
sentiram à vontade para interferir naquilo. de comunidades, de território indígena,
ser inclusivo da nossa própria história. equaciona essa proposição de “prosperidade”, de território quilombola, de comunidades
Não me preocupo com o quanto vai interferir na título da obra e o atual momento do Brasil? tradicionais faz parte de um mesmo quadro,
NAINE Sim, é por aí.
obra, porque, para mim, vai ser um termômetro Colocar a obra no espaço público, exatamente faz parte de uma mesma lógica?
do nosso momento atual e do que está sendo com os livros, com as cartas, com as sementes...

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NAINE Sim, porque daí vira uma sub- com todas essas pulsões de morte, precisa dizer
humanidade que não vale para essa não e precisa de expressões nesse sentido. E aí
humanidade que domina, e eu acho que eu te pergunto: como esse conceito, essa ideia
prosperidade é a gente saber de onde a gente do manifesto pôde provocar a construção do
veio e manter isso numa linha de equilíbrio projeto para a nossa exposição?
mental, porque senão a gente vira só massa de
manobra, ou vira só mão de obra. NAINE Eu acho que estamos categorizados
nessa periferia de pensamento de mundo.
DANIEL Exatamente, uma mão de obra não só A gente tem uma proposição, um manifesto
desqualificada, mas desumanizada, colocada para a vida. Eu te falei que quando eu li o edital
nesse aspecto da sobrevivência; damos o pensei: “eu quero me inscrever”. Era justamente
mínimo para sobreviver e não para viver e ter a por isso, queria manifestar a minha proposta,
sua plenitude dentro dessa passagem na Terra. que se desenha e que se materializa a partir
da mandala, que é uma mandala aeronave,
NAINE Sim. como eu fico falando para vocês o tempo todo,
ela é uma nave espacial. É muito forte para
DANIEL Naine, a ideia do manifesto aparece
mim que ela é uma nave espacial, justamente
na proposição do edital, uma proposição
por esse ocultismo que a gente tem com os
curatorial, no sentido de uma provocação, a
extraterrenos, de que eles são outros, são outros
gente sabe que os manifestos são datados
seres. Esses outros seres que não temos deixado
historicamente, final do século XIX, começo
chegar perto da gente, e esses outros seres
do século XX, criados por uma centralidade
somos nós. Assim, o manifesto, em si, da obra
europeia, masculina, branca, mas que
é isso: falar que temos outras possibilidades
acreditava ser a ponta de lança da história e
de pensamento e de uma autonomia de quem
ser o futuro da humanidade, se propunham
está dentro dos seus territórios e quer viver com
a futuro da humanidade. Mas, nas últimas
essa autonomia. E para quem está fora desses
décadas, mesmo em meados do século XX em
territórios, quem está nesse grande território,
diante, essa ideia dos manifestos retorna com
numa cidade como São Paulo, é de que precisa,
força para dar voz a grupos minorizados e para
também, tomar a rédea desse mundo possível,
dizer “não”. O que eu acho interessante do
individual e coletivo.
manifesto é essa perspectiva, essa característica
de ser uma fala que é ação, uma fala que
não se pretende dentro de uma frieza da
racionalidade, mas, sim, chama a ação. E, nesse
sentido, cada vez mais, a nossa humanidade,

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PROSPERIDADE
Naine Terena; 2019
Fotografia: André Velozo
Largo da Batata, SP

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artistas

O que nossa caixinha de diálogos vai dizer?


minimum | David da Paz e Patrícia Passos Quais são as possibilidades de conversa
Monolítico Mnemônico
que ela vai permitir?

Dupla formada por David da Paz PATRÍCIA PASSOS vive em Fortaleza-CE, DAVID DA PAZ vive e trabalha em Fortaleza-CE.
trabalha na cidade e em São Paulo-SP. É artista, educador, analista e desenvolvedor de
e Patrícia Passos. Seus trabalhos É arquiteta, mestre em Arquitetura, Artes e sistemas. Trabalha com creative coding e usa
são fruto das intersecções entre Espaços Efêmeros pela Universidade Politécnica a programação de computadores como uma
da Catalunha e pós-graduada em Design de disciplina criativa para gerar sons, imagens,
corpo, arte, espaço, novas e velhas Interiores pelo Senac São Paulo. Dedica-se animações e criar instalações artísticas e
tecnologias, ciências e nomadismos, a projetos de direção de arte e cenografia interfaces interativas. Já desenvolveu inúmeras
voltados ao teatro, ao cinema, à televisão e experiências artísticas e educativas em suas
cultivando uma sensibilidade voltada a instalações em espaços públicos. Em 2015 incursões por diferentes cidades. Atualmente,
à escuta, à preservação e à ativação foi contemplada com a residência artística do coordena o Jardim Lab., laboratório maker e de
MIS de São Paulo, com o projeto da instalação tecnologia educacional, onde além de diversas
da história oral. sonora Indentifo-meXENO. De 2008 a 2010 práticas com cultura digital e aberta, ministra
integrou o coletivo Sudacas, em Barcelona, aulas de smart city, internet das coisas, robótica
realizando instalações nos espaços públicos da e dispositivos móveis.
cidade. Estuda e pesquisa antropologia visual.
(+) https://www.medialab-prado.es/personal/david-
(+) http://oitopassos6.wix.com/setdesigner>. da-paz>.

27
CONVERSA
DANIEL LIMA Gostaria de perguntar, primeiro, entre esses novos modos de comunicação,
A gente tem isso da escuta, PATRÍCIA PASSOS ...milhões de possibilidades,
sobre a criação da dupla MINIMUM: como ela se que a galera vai desenvolvendo através das e juntar com os recursos não é?
formou? Qual é a ideia do coletivo MINIMUM? tecnologias, e como isso também pode gerar
outras sensibilidades num espaço público. tecnológicos. A escuta do DAVID DA PAZ E acaba gerando também
DAVID DA PAZ Foi bem um encontro mesmo. outros circuitos, outras economias, que, de fato,
A Patrícia viu os projetos que eu estou fazendo e PATRÍCIA PASSOS A interatividade. Fomos outro transformando-se descolonizam essas significações dominantes.
soube do edital, e a gente começou essa conversa. bem para esse lado da interatividade, uma
forma de resgatar a escuta, o diálogo. Você em linguagem tecnológica. DANIEL Aproveito para perguntar sobre as
PATRÍCIA PASSOS A gente pesquisava coisas está dialogando com um sistema tecnológico, nossas contranarrativas a essas significações
separados, mas eu sempre estava antenada nas mas tem uma coisa por trás, tem pessoas que dominantes. Conheço o David desde o projeto
pesquisas que ele desenvolvia. Eu vi esse edital muitas vezes, serve para manter um sistema Copas, no qual trabalhamos. Um projeto que
foram ouvidas, que tiveram expressão, e a gente
e troquei ideia com ele para a gente fazer uma de exploração, controle, opressão – como pensou a alteração das cidades para o projeto
transformou isso nesse lugar da tecnologia.
coisa juntos. você falou, essa ideia de minerar dados. Hoje dominante que era a Copa do Mundo. Nos
DAVID DA PAZ Eu gosto de dizer que a em dia, a mineração desses dados pessoais encontramos pensando sobre, exatamente,
DAVID DA PAZ Então, a gente não é bem um tecnologia nem é boa, nem é má, mas talvez seja o commodity mais valioso de esses desvios a narrativas dominantes. A minha
coletivo nesse sentido. Na realidade, a gente se também não é neutra. Então, a gente tem todos: informação sobre as pessoas permite pergunta é: como esse trabalho, do “Monolítico”,
formou como um coletivo a partir desse projeto. uma escolha que é, por exemplo, gerar o controle de política, do comportamento de se relaciona com os trabalhos anteriores que
Então, no projeto a gente teve oportunidade de um tipo de inteligência artificial baseada consumo e assim vai. Como vocês pensam essa vocês desenvolveram?
pensar nessa relação do estudo do espaço, que em direitos humanos, baseada em poesia, ideia de descolonizar a tecnologia? A gente
a Patrícia tem, da arquitetura. baseada em valores humanos que, diante das poderia usar um termo como esse? DAVID DA PAZ Já tem alguns anos que eu venho
políticas atuais, a gente vê que estão sendo trabalhando com essas ideias de narrativas,
PATRÍCIA PASSOS Da escuta. A gente tem DAVID DA PAZ Eu creio que sim, eu acredito narrativas sensoriais, narrativas não lineares.
confrontadas. Então, tem uma escolha, um
isso da escuta, e juntar com os recursos nisso também. Se você pensar, por exemplo, Então, como eu já tive essa questão da escolha,
direcionamento, uma postura também política
tecnológicos. A escuta do outro transformando- quando você usa um GPS, o GPS foi utilizado essa possibilidade de falar, de ver o mundo, de
ao utilizar essas tecnologias. Então, a gente
se em linguagem tecnológica. para guerra, enquanto você está usando para praticar sutilezas e trazer através de narrativas
está minerando dados para fazer uma política
ajudar a encontrar água numa travessia México- das quais não domino a matriz interpretativa.
DAVID DA PAZ E o MINIMUM, esse nome surgiu que vá contra essa maré também de terror que
Estados Unidos... Então é um tipo de guerra Então, para mim, tudo isso é política. Quando
porque a gente uma hora falou: “e agora, o está acontecendo no Brasil, desses governantes
ainda, mas jogada pelo outro lado, não só pelas você não escolhe exatamente como o público
nome?”. Eu já vinha usando. Talvez escolhemos atuais. Quer dizer, a política partidária sempre
significações dominantes. Você está gerando deve pensar, mas só lança... Acho que este
porque já tinha uma história, porque eu já vinha foi isso, mas não vamos entrar nessa.
outras significações também, que vão permitir trabalho se relaciona bastante com essas
usando esse nome quando desenvolvia alguma outras comunicações ou gerar embates. Quando
DANIEL Mas a gente pode pensar essa ideia de trajetórias. Quando eu fui para o Copas, eu fui
coisa relacionada a essas novas tecnologias eu penso tecnologia e arte, esse é um fator
descolonizar a tecnologia. A tecnologia que, como coletivo Curto Circuito. Com o coletivo
e à arte. Mas a pesquisa é a mesma, a relação importante, pensar: quais são essas...

minimum | David da Paz e Patrícia Passos artistaS | 28


Curto Circuito foram dez anos de arte urbana, que as pessoas resgatem esse hábito de tentar elitização estão em disputa naquele espaço
de intervenção urbana, sempre pensando um interagir através da escuta e experimentar todo. Deixa eu aproveitar para perguntar: como
modo de ver mais anarquista. Esses parâmetros, essa escuta. Minha vontade é realizar algo é que vocês imaginam essa história do Largo realizar algo que faça com que
em cada trabalho, sempre estiveram presentes. que faça com que as pessoas consigam parar, e a história do Brasil no “Monolítico”? Como a
Quando a gente estava fazendo o edital, fizemos escutar, interajam no espaço público, alcancem Patrícia estava falando, a estruturação racial as pessoas consigam parar,
uma pesquisa sobre o Ocupe a Batata. Então a
gente tem essas informações como referência.
esse lugar, de quem está despercebido no seu
caminho. Não estar ali porque “estou indo ver
do Brasil é socialmente exclusora. Como vocês
imaginam essa história na obra mnemônica,
escutar, interajam no espaço
Por exemplo, eu tenho como referência a uma obra de arte”; estou ali ligando o meu como uma ideia da memória coletiva? público, alcancem esse lugar,
experiência que eu tive no Largo da Batata, vendo caminho e, de repente, eu acho alguma coisa
uma intervenção do Bijari. Então, isso sempre interessante, me aproximo e me permito ali DAVID DA PAZ A nossa ideia é cruzar essas de quem está despercebido
abriu muito o entendimento desse lugar (do trocar uma ideia ou não, interagir, gostar ou não histórias, esse passado, esse presente, e misturar
Largo da Batata) como um lugar que geralmente gostar. Ter as múltiplas interpretações. isso com a obra. Tem a ideia de trabalhar essa no seu caminho.
tinha intenção. Intenções relacionadas a memória e, enfim, fazer um cruzamento, de fato,
especulação imobiliária, a gentrificação, a um Junto com o David, que tem esse lado poético e com o que está acontecendo na atualidade. é isso que está vindo na sociedade. A história
tipo de comercialização do espaço... tecnológico, conseguimos dialogar nesse lugar. Aproveitar essa oportunidade também e tentar, dos alimentos também, a questão do MST
Também a gente está no lugar de trocar, com através dessa obra, tensionar esses pontos. produzindo mais produtos orgânicos, neste
PATRÍCIA PASSOS A minha pesquisa vem da outras pessoas, experiências… vamos fazer uma momento em que estamos com cada vez mais
arquitetura, urbanismo, da vivência da cidade. triagem para ver o que vai entrar. O que nossa PATRÍCIA PASSOS A gente já entrou, de uma agrotóxicos. Então estamos juntando várias
E, ao longo do meu processo, fui sentindo um caixinha de diálogos vai dizer? Quais são as forma também digital, captando. Porque, na informações, e aí vamos peneirar isso para
certo incômodo por esse bombardeamento de possibilidades de conversa que ela vai permitir? minha outra experiência sonora, eu realmente expor poeticamente. Fazer com que a nossa
imagens que nos constitui. Todas as informações fui lá, eu entrevistei. Agora está sendo mais caixinha cante essa música...
são muito imagéticas. Daí, a oralidade foi, DANIEL A Mostra terá painéis colocados lá no tecnológico porque eu estou aqui, o David
a certo ponto, perdendo esse espaço de Largo, que conta a história do Largo da Batata. está aí, a gente está coletando de pessoas que DANIEL Entrando também nessa linha do
comunicação, de diálogo, de troca, por escutar Tem desde a expulsão indígena do local. Depois, estão longe também, então a tecnologia já remotamente, sempre foi uma das intenções
o outro. Então desenvolvi uma pesquisa de quando os imigrantes japoneses usam aquele está aí também. que a gente pudesse tensionar um pouco
escutar as pessoas. Esse foi o meu projeto no espaço para comercializar, e aí se torna Largo essa centralidade do eixo Rio-São Paulo, já
da Batata, porque eles vendiam batatas. Até DAVID DA PAZ Remotamente. que a Mostra, ao ser aqui no Largo, cria essa
MIS, onde fiz um soundspace acionado no
piso; era um campo minado: a pessoa entrava a disputa contemporânea que existe, desde centralidade. Como poderíamos tensionar isso
PATRÍCIA PASSOS Estamos fazendo entrevistas
na sala e disparava frases. No momento que os coletivos Ocupe a Batata, a Batata é nossa, com outras participações e outras partes do
remotas. E isso está virando desde poesia até
ela ia pisando, as frases que eu coletei eram Batatas Jardineiras, Batatas Batuqueiras, que Brasil, inclusive sugerindo que essas conexões
uma entrevista que precisaremos lapidar e
disparadas. Acho que entrevistei 30 pessoas, ocuparam depois da reforma, até a notícia que acontecessem remotamente? E aproveito para
dizer o que queremos falar disso. Só que são
falando sobre preconceitos, sobre racismo, sobre saiu este ano, que vão construir num dos últimos perguntar: quais são os desafios conceituais e
assuntos que estão permeando o que a gente
sexualidade. Estou muito ligada à pesquisa do terrenos vazios uma torre gigantesca para o técnicos que vocês encontraram nessa obra?
está vivendo agora. A questão da sexualidade,
outro, do ouvir o outro. E proponho isso, para público AAA, o triple A. Sei lá o que eles estão
de aceitar mulheres trans, homens trans, o que PATRÍCIA PASSOS Técnico, me dá a lista. (risos)
imaginando ali, mas forças de gentrificação e

minimum | David da Paz e Patrícia Passos artistaS | 29


DAVID DA PAZ A pessoa fala às vezes: “eu funcionando bem, pelo menos dentro do meu DAVID DA PAZ Agora dei aquela respirada...
podia estar roubando, eu podia estar matando, cronograma. Mas é isso: pensar essa relação
mas eu estou aqui programando...”. Eu podia entre a cidade, pensar um objeto que vai ficar DANIEL Eu queria fazer uma última
estar dançando... ali, que tem uma vida própria, que funciona por pergunta. Na proposição da mostra, eu fiz
esse tempo todo, 24 horas por dia. essa provocação dos manifestos. Com a
PATRÍCIA PASSOS Podia estar na farra, não é, importância de carregar sempre o plural junto
David? Podia estar na praia. De técnico, eu estou DANIEL Tem muito trabalho, imagino, na com o manifesto. São manifestos de mundos
abrindo, está difícil. O que me deixa insegura estabilidade toda do sistema, mas tem também possíveis, ou seja, carregamos coletividades.
é que eu não estou perto da pessoa que está aguentar muito sol e muita chuva. A força da Pelo artista passam coletividades, não como
construindo. Eu queria estar aí, queria ver. Essa natureza que também é complexa. afirmação de um mundo a ser vendido, e, sim,
dificuldade de mão de obra, de orçamentos, isso como vários mundos que podem ser criados.
foi difícil. E também o desafio de remotamente PATRÍCIA PASSOS Mas as escolhas dos materiais E nos manifestos, essa intenção da força da
me aproximar dessas pessoas que são dessas foram justamente nesse sentido, para aguentar palavra. Eu queria saber se a ideia de manifesto
histórias, para trocar essa ideia, porque também isso. Está rolando. provocou vocês e como provocou?
tem uma certa resistência. A humanidade ainda
DAVID DA PAZ Eu fico com uma ansiedade DAVID DA PAZ Eu diria que provavelmente
é importante quando você quer escutar e ser
louca de “pronto, agora, sim, está rodando, provoca para uma certa sensualidade
escutado, falar para uma máquina ainda é uma
agora vamos ver”, aí, depois de 30 dias, vemos o do manifesto. Os manifestos sempre me
dificuldade. Precisa dessa escuta, desse momento
que acontece. provocaram dessa maneira. Uma certa forma
corpo a corpo para, daí, gerar o que queremos. E
técnico, o pobre do David tem que me liberar um de, em vez de limitar a vida, você elevasse a
DANIEL Eu acho que nesses trabalhos que
monte de informação ainda. vida através dessas ideias. Então, de fato, me
têm uma estrutura inaugural, que foi criada,
provoca principalmente por isso, por uma certa,
inventada, sempre temos que ter consciência
DAVID DA PAZ Cara, eu estou muito digamos assim, atração, quase uma paixão,
que estamos fazendo o que não existe, e
preocupado com a chuva. Então a gente pensou quando eu penso nisso.
fazer o que não existe tem um risco, tem uma
algumas estratégias, mas você só sabe depois
carga experimental que todo mundo que está PATRÍCIA PASSOS Eu vejo como uma
que chover. Quando você começa a pensar
envolvido tem que entender. É experimental, possibilidade, uma possibilidade de a gente
essa coisa, de fato, eu fiz muito trabalho com
não só no sentido de estar experimentando se manifestar, claro, buscando vozes e se
arte urbana e com tecnologia, mas tecnologia
contranarrativas, novas formas de ver o mundo, fortalecendo de outras pesquisas, de outras
móvel. Está sendo um desafio, mesmo, pensar
mas é experimental também porque nunca vozes. É como se déssemos vozes a muitos. Eu
uma estrutura dessa, com todo o ruído da
existiu isso. E vai ser criado nesse prazo que tem vejo assim. Multiplicando esse lugar de estar ali.
cidade, para que ela funcione perfeitamente,
um orçamento. Então não se preocupem. É óbvio Mas a gente não está num palanque, a gente
como a gente quer. Então, eu também estou
que queremos sempre ver tudo funcionando, está lá da nossa forma, permitindo um pouco de
aprendendo muito para fazer isso acontecer,
mas a gente também tem que aceitar o que é o escuta para quem quiser escutar.
estou pesquisando bastante, estudando
desafio, mesmo, de inventar o que não existe.
bastante e testando muita coisa aqui, e está

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MONOLÍTICO MNEMÔNICO
MINIMUM; 2019
Fotografia: André Velozo
Largo da Batata, SP

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artistas

os portões provocam visualmente esse espaço


renato atuati entre alguma coisa, você ainda vê o que está do
Entre
outro lado, mas tem o portão entre as duas coisas.

É formado em Design Gráfico pela pensadas para contextos específicos,


Escola Panamericana de Arte e que passam pela relação entre
Design, graduado em Artes Visuais espaço público e privado nas cidades
pelo Centro Universitário Belas Artes com operações em distintas escalas.
de São Paulo e pós-graduando em Participou de diferentes contextos
Geografia, Cidade e Arquitetura em residências artísticas na cidade
pela Associação Escola da Cidade de Buenos Aires, Argentina, e na
– Arquitetura e Urbanismo (AEC). cidade do Porto, Portugal, além de
Atualmente, desenvolve trabalhos outras no bairro da Vila Madalena e
que buscam deslocamentos, fricções no centro de São Paulo.
e conexões possíveis entre o campo (+) www.atuati.com

da arte, arquitetura e práticas que


visem uma atuação sobre o cotidiano
da cidade. Sua produção se dá por
instalações, intervenções e inserções

32
CONVERSA
DANIEL LIMA Quais foram os maiores desafios RENATO Eu comecei a pensar em portas, o DANIEL Sim. Você citou os outros trabalhos
Eu quis pegar um elemento
técnicos para a construção da obra? projeto começou não só com portões, mas que já fez. Como vê essa relação com os outros que reforçasse esse elemento
também tinha algumas portas. O início partiu trabalhos? Como vê o “Entre” nessa trajetória
RENATO ATUATI Particularmente, essa proposta disso. Então comecei a fazer um desenho bem dos seus trabalhos? individual e a junção deles
no Largo foi um desafio. Primeiro porque é uma livre, assim, de posicioná-las em um círculo, na
praça aberta. E tendo como exemplo meus verdade. Depois passei a dispor uma porta ao RENATO Olha, eu já trabalhei a questão de formasse um campo coletivo.
trabalhos anteriores, em que às vezes o lugar lado da outra, com portões, com portas. Era um portas e janelas de edifícios, isso já uma
me informa como utilizar um suporte, às vezes conceito circular. Desde o começo tinha esse temática que apareceu no meu trabalho em
eu me amparo na arquitetura do espaço que ideia de usar um elemento que é privado ou outras cidades. Inclusive, intervenções que
eu estou dialogando, pode ser uma instituição que esteja no limite entre público e privado, eu fiz tocando essa questão de gentrificação. limitação de movimentação na interação com
que tem uma parte externa e eu me apoio e fazer dele um conjunto para explorar essa Passei por intervenções e performances que eu a obra. Como você vê essa interação? O que
na arquitetura dela, ou eu vou para um outro questão pública, de coletividade, do individual fechava edifícios. Fechei uma galeria, em uma você vê como potência nessa possibilidade de
estabelecimento, como um estacionamento, e lá e do coletivo. residência que eu fiz. Também fiz projeções em manipular a obra?
também eles me informam, eu acabo utilizando janelas em um edifício que estava vazio. Essa
os espaços como suporte. Assim, muito do meu Eu quis pegar um elemento que reforçasse esse questão do dentro e do fora ela reapareceu RENATO Essa é uma questão que também
trabalho dialoga com o lugar em si, com a elemento individual e a junção deles formasse agora, mas é frequente, como tenho percebido. vem aparecendo um pouco mais no trabalho,
arquitetura dele. Neste caso, por ser em uma um campo coletivo. Comecei a juntar esses que é a participação do público de diferentes
praça, para mim foi bem desafiador porque eu portões até chegar a um hexágono. Foi um Neste caso, especificamente, eu estou muito maneiras. Neste caso, acho interessante a
não podia me fixar em algo. Foi um desafio para exercício em diálogo com arquitetos com quem ansioso para ver esse trabalho funcionando, percepção de que os portões são elementos
mim nesse sentido. Acabei me amparando nos estudei, amigos, colegas de trabalho a quem fui porque ainda está tudo no projeto. Mas eu gosto fixos, muito pesados na cidade. Às vezes vai ter
portões... eu estava com essa ideia dos portões, é mostrando e perguntando: “Gente, esse projeto do resultado, que é um lugar entre uma coisa leveza numa portinha ou outra que abre, ou se
um tema que já apareceu na minha pesquisa em fica de pé?”. Aquela coisa da ideia do artista e a e outra, de você abrir e ele não te levar a lugar ele é manipulado por máquinas (quando aberto
tempos anteriores. Então, criei um projeto com ideia que funciona. nenhum. Eu estou bem curioso para ver como pelo controle remoto). Eu acho que pode ser
os portões que compõem o entorno do Largo. será a dinâmica, mas acho que essa questão bem interessante no trabalho que as pessoas
Assim fui desenvolvendo essa estrutura. Foi parece recorrente em meu trabalho. os movimentem com as próprias mãos. Pelo
DANIEL Eu acredito que tem esse desafio meio que uma resposta que tive da arquitetura. fato de ter as rodinhas, pela estrutura que o
mesmo, de pensar a obra como autônoma, Precisava sustentar esse trabalho. Inicialmente DANIEL É interessante perceber que este trabalho proporciona, você pode movimentar
ela está no espaço público. Ela tendo uma era um decágono, tinha mais portas. Eu fui trabalho também dialoga com a história dos esses portões que, geralmente, são elementos
própria sustentação autônoma. Assim como um simplificando, fui ajustando até virar esse objetos e esculturas que foram criados desde o muito estáticos, que segregam o espaço urbano.
funcionamento que também é um desafio técnico. hexágono. Mas foi uma resposta muito da Neoconcretismo, com a ideia de você manipular A relação corporal da pessoa com um portão.
E como você chegou ao desenho do hexágono? arquitetura, de como sustentar esse trabalho, de a obra. Os “Bichos”, da Lygia Clark, por exemplo. Ela poder mover esse portão, eu acho que pode
ele ficar, como você disse, autossuficiente. Lembra essa proposição que tem uma certa ser interessante isso.

renato atuati artistaS | 33


DANIEL Como você imagina essa força da da vida contemporânea e das contradições que DANIEL É interessante, também, como a nossa
cidade também, que é uma força de subversão a cidade oferece. sociedade tenta, por muitas vezes, invisibilizar
das regras estabelecidas pelo próprio trabalho?
E falando a respeito da pesquisa sobre a cidade,
esse muro, essa cerca, essa grade. Atualmente, Eu acredito que a manipulação
Por exemplo, é possível que já na primeira os condomínios exibem os muros de vidro,
semana tenha pichações sobre os portões. como foi a escolha iconográfica dos portões? cercas elétricas com seus fios mais sutis, desses portões pode abrir
Como é que você vê esse tipo de interação que Os portões de metal são algo tão paulistano, mas muito mais perigosos... construções em
vai além do limite do que a própria Mostra ou mas talvez, também, algo tão do sul global; condomínios fechados sem nenhum tipo de possibilidades tanto de
a ideia de portões e grades como dispositivos
artista propõe como limites de interação?
para proteger a casa, o espaço doméstico.
grade nas residências, mas porque já existe uma
imensa grade do lado de fora protegendo. Então
configuração, (...), de estar
RENATO Eu acho que esse limite está aberto.
Uma vez que o trabalho está em um espaço
Como esses portões começam a se tornar também
elementos estéticos com diferentes escolhas
é interessante como isso revela a contradição todo mundo dentro, como
inerente da nossa sociedade: a história da
público ele está sujeito a essas interações e de serralheria, com pontas, sem pontas, com colonização de separar, dividir para garantir estar todo mundo fora.
eu vejo com curiosidade. Tento até não prever espaçamento e com seus diversos desenhos… que uma pequena parte possa usufruir desses
muito, mas eu acho que essas coisas estão aí. Como se deu essa pesquisa iconográfica? direitos plenos de cidadania, os direitos do lazer
Está na rua, pode acontecer. Meus trabalhos e da vida segura. Mas perguntando também um como estar todo mundo fora. A minha ideia
são assim, muitos trabalhos duram bem poucos RENATO A escolha por esse tipo de portão com o é que isso seja realmente retrabalhado, pois
pouco a partir dessa história da colonização
dias porque estão na rua. Eu gosto muito dessa qual finalizei o trabalho foi uma escolha estética nesse sentido o trabalho não apresenta uma
e da ideia das grades: tem uma configuração
situação de estar no mundo da “vida real”. Isso foi também. Esses portões são vazados. “Entre”, que resposta direta. Estou interessado nesse
possível nas grades do “Entre” que é virar uma
uma coisa que me incentivou muito a inscrever o é o nome do trabalho, remete tanto ao entre, do trabalho justamente por isso, por esse espaço
jaula, ou seja, tudo fechado e com as pessoas
projeto na Mostra, justamente por causa disso. verbo entrar, quanto ao entre, preposição − entre entre uma coisa e outra, pelo que ele pode
dentro. O que remonta a ideia do corpo como
alguma coisa, esse lugar entre uma coisa e outra. gerar de sensação corporal, de experiência
objeto, o ser humano como mercadoria. Como
DANIEL Sim, eu também acredito nesse E os portões provocam visualmente esse espaço no corpo mesmo. O trabalho é flexível nesse
você vê o seu trabalho dialogando com essa
adicionamento de camadas ao trabalho. entre alguma coisa, você ainda vê o que está sentido, ele pode tanto te proporcionar
temática? Com essa temática que implica
Como se tivessem outras camadas que não do outro lado, mas tem o portão entre as duas uma experiência aberta de acordo com a
também uma discussão sobre a questão
foram previstas sendo adicionadas ao trabalho coisas. Quando um portão estiver na frente, outro manipulação, se você abrir as portas para todos
racial, étnica e os processos de exclusão que a
e ganhando outros usos, outros significados, vai estar atrás. Acho que podem ter diferentes os lados, como se você o fechar ou se colocar
sociedade brasileira montou?
outra apropriação estética do trabalho. E camadas de sobreposições. todas elas para dentro.
é interessante como a cidade proporciona RENATO Como você comentou, esses portões
isso. A nossa geração é muito marcada pela A escolha também é de entender que o portão estão, visualmente ou não, muito presentes em Assim, o trabalho pode realçar, por vezes,
ideia dessa interação com a cidade. Numa é realmente o primeiro elemento divisório de alguns lugares. Pensando até em instituições essa questão do enjaulamento e por vezes
cidade como São Paulo, uma das maiores uma suposta segurança. Elemento que compõe como museus e tudo o mais, muitas vezes as ele pode, também, explorar essa questão do
metrópoles do mundo, a gente se fechar a cerca. Antes da porta tem o portão, que é de pessoas não se sentem autorizadas a entrar. que é de fato estar aberto. Acho que esse
dentro de galerias, museus e acreditar que ferro, um material mais rígido. A minha ideia era Eu acredito que a manipulação desses portões trabalho pode ser interessante exatamente
nosso trabalho está ali, para existir dentro retrabalhar isso e tentar deixar o portão mais pode abrir possibilidades tanto de configuração, por esse lugar não muito definido, ele está em
daquelas condições, é quase alienante diante flexível. Desfazer um pouco dessa estabilidade. como você falou, de estar todo mundo dentro, constante transformação.

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DANIEL Sim, genial, Renato. Acredito que é poder dialogar com essas contradições como a vanguarda do mundo, tentando apontar a me guiar no trabalho. Porque, no fundo, tinha
essa é de fato a potência: ele carregar essa sem chegar propriamente numa afirmação o que seria o futuro da humanidade. Mas um pouco da ideia de desfazer essa questão dos
contradição, carregar essa mesma contradição sobre o que é isso, mas sim nessa dialética da ao mesmo tempo uma urgência que hoje se portões fechados, que é uma situação que a gente
que existe dentro das nossas cidades. A movimentação do dentro/fora, do fechar e abrir. coloca de propormos outros mundos possíveis, vê não só aqui em São Paulo, é uma questão da
gente pode até relacionar isso com a ideia imagináveis e até impossíveis. Como você vê sociedade de um modo geral, global, não é?
do encarceramento em massa, crescente Nesse sentido, eu faço a última pergunta, o manifesto dentro da sua obra, seja como
encarceramento que o Brasil vem vivendo, a com relação aos manifestos. Eu coloquei a afirmação, seja como interrogação? Eu acho que o trabalho partiu um pouco daí, dessa
quarta maior população carcerária do mundo... ideia de manifestos como uma provocação. questão de retrabalhar essas definições, esses
É o público exercitando tanto o fechar como o Obviamente a gente sabe que manifesto tem RENATO A verdade é que a convocatória em torno fechamentos que existem e essas tentativas de
abrir. Então, certamente a potência do trabalho uma datação histórica, essa ideia de manifesto do manifesto, de alguma maneira, ajudou também fechar ainda mais. Foi um motor para começar.

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ENTRE
Renato Atuati; 2019
Fotografia: André Velozo
Largo da Batata, SP

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Fotografia: André Veloso
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educativo

Ser educador
por Victoria Oliveira | Coordenadora Educativo Ao visitar uma exposição ou mostra de

O educativo não está dentro de uma caixinha,


arte, um museu ou instituição museológica
nos deparamos com algumas pessoas que
Há uma troca de vivências,
e imagino que ainda não haja uma definição
categórica do que de fato um educador realiza.
trabalham nesses ambientes e fazem uma na qual todos os lados
contextualização das obras expostas. Dessas
O educativo é algo amplo e vasto. Penso nele como pessoas, recebemos orientações, explicações contribuem e constroem
um mundo, um aglomerado de possibilidades. e, em boa parte das vezes, elas nos fazem
enxergar determinada peça com outro olhar,
juntos os saberes.
Numa exposição de arte, qual é o papel
outro viés. É o educador quem responde pela
desempenhado pelo educador? Seria ele
função de comunicar as exposições do Museu.
um guia? Um monitor? Há uma diferença para fluir esse conhecimento. Há uma troca de
discrepante entre essas funções/profissões Mas como essa equipe de educadores é vivências, na qual todos os lados contribuem e
e suas atribuições. O educador pode ser um preparada para receber o público? Quais os constroem juntos os saberes.
guia/monitor, mas um guia/monitor, muitas diálogos entre o público e os educadores?
vezes, pode não ser um educador. É uma O educador não é somente aquele que nos guia
E quando o educador está diante do público
relação complicada, e tentar ver isso fora de dentro da exposição ou aquele que monitora,
escolar, existe algum trabalho específico para
uma prática a torna ainda mais confusa, mas que guarda o espaço expositivo, as obras e o
o trato com os alunos?
acredite: a relação é exatamente essa. visitante, educador é aquele que através da
O contato com o público vem da formação que mediação consegue te acessar. Um educador
esse educador recebe. O visitante é visto como cativa, propõe, dispara questões. Um educador
um indivíduo que tem uma experiência e um é um mediador que cria pontes, conexões,
Equipe Educativo caminhos entre o visitante e a obra.
conhecimento, e o educador é quem contribui
Largo da Batata, SP

38
Ficha Técnica | Imprint
CURADORIA | CURATORSHIP Daniel Lima; DIREÇÃO
GERAL | DIRECTION Soraya Galgane e Fernanda Del
Guerra; PRODUÇÃO EXECUTIVA | EXECUTIVE PRODUCER
Marcela Ribeiro; ASSISTENTE DE PRODUÇÃO | ASSISTANT
PRODUCER Fabiana Prieto; ASSISTENTE FINANCEIRO | FINANCIAL
ASSISTANT Regina Freitas; IDENTIDADE VISUAL E WEBSITE
| VISUAL IDENTITY Oz Estratégia + Design; ASSESSORIA DE
IMPRENSA | PRESS Agência Lema; MÍDIAS SOCIAIS | SOCIAL
MEDIA Letícia Gouveia; FOTOGRAFIA | PHOTOGRAPHY André
Velozo; REGISTRO VIDEOGRÁFICO | VIDEOGRAPHIC RECORD
F2 Media; EXPOGRAFIA | EXPOGRAPHY Oz Estratégia
+ Design; CENOTECNIA | SCENOGRAPHY Water Vision;
PROJETO E INSTALAÇÕES ELÉTRICAS | ELECTRICAL PROJECT AND
INSTALLATIONS Grupo Forte; SEGURANÇA | SECURITY FAQUI
Group; LIMPEZA | CLEANING STAFF Limpidus; CONTÊINER
| CONTAINER Locamex; COORDENAÇÃO EDUCATIVO | ART
EDUCATION COORDIANTION Victoria Oliveira; EDUCADORES
| EDUCATORS Aline Souza Oliveira, Amanda Dias, Andre
Carlos, Bianca Sant’angelo, Tayná Araújo, Tomás Maciel,
Veronica Cristina, Yara Alves; ACESSIBILIDADE | ACCESSIBILITY
Sondery Creative Accessibility

39
Artistas e Obras | Artists and Artworks
(01) PROSPERIDADE Naine Terena; COORDENAÇÃO E PROJETO (03) ENTRE Renato Atuati; PRODUÇÃO E EXECUÇÃO |
EXECUTIVO | MANAGEMENT AND EXECUTIVE PROJECT Thiago PRODUCTION AND EXECUTION Maurício Zatti Arquitetura;
Guimarães; PRODUÇÃO E EXECUÇÃO | PRODUCTION AND CÁLCULO ESTRUTURAL | STRUCTURAL CALCULATION Valdemir
EXECUTION EPROM; APOIO E PESQUISA | SUPPORT AND Lúcio Rosa; AGRADECIMENTOS | AKNOWLEDGEMENTS Daniel
RESEARCH Letycia Rendy Yobá Payayá Regis – Criativa Produções, Joaquin Gak e Lucas Bueno;

(02) MIL LITROS DE PRETO – O LARGO ESTÁ CHEIO Lucimélia Romão; (04) MONOLÍTICO MNEMÔNICO MINIMUM – David da Paz e
BIÓLOGA E CONTRA-REGRA | BIOLOGIST AND STAGEHAND Liliane Patrícia Passos; PESQUISA E DESENVOLVIMENTO | RESEARCH
Crislaine; SONOPLASTA E DJ | SOUND MIXER AND DJ Matheus AND DEVELOPMENT David da Paz e Patrícia Passos;
Correa; FOTOGRAFIA | PHOTOGRAPHY Priscila Natany; APOIO PROGRAMADOR | PROGRAMMER David da Paz; CENÓGRAFA | SET
TÉCNICO | TECHNICAL SUPPORT Junio de Carvalho; ORIENTADORA DESIGNER Patrícia Passos
| ADVISOR Juliana Monteiro; MÃES DE MAIO E PERFORMERS
Adriana Santos, Alessandra Damas, Aparecida Gomes da Silva (05) PUXADINHO Projeto Matilha – Fafi Prado e Pedro
Assunção, Benedita de Fátima Rodrigues, Carol Zeferino, Guimarães; CONCEPÇÃO E ATIVAÇÃO | CONCEPTION AND
Claudete Rodrigues Espírito Santo, Cristiane Damasceno da ACTIVATION Projeto Matilha; PRODUÇÃO | PRODUCTION Paula
Silva, Débora Silva Maria, Hilda Maria Azevedo, Iara Oliveira Maia; CENOGRAFIA | SET DESIGNER Julio Dojcsar; PAISAGISMO |
de Souza, Ilza Maria de Jesus Soares, Joseane dos Santos, LANDSCAPING Marina Alegre; VÍDEO | VIDEO: Fernando Coster
Josefa Ambrozia de Souza, Jucelia Maria dos Santos, Juliana
Cavalcante Salvador, Lucimara Santos, Marcia Yara Conti da
Silva, Maria Aparecida Alves Marttos, Maria Eva de Souza, Catálogo Digital | Digital Catalog
Maria José Lima da Silva, Maria Lucia de Souza, Maria Luciene
EDIÇÃO E TEXTOS | EDITING AND TEXTS Daniel Lima; PESQUISA |
de Caldas, Marina Affarez, Mayrini Correa, Miriam Duarte
RESEARCH Daniel Lima; PROJETO E DESENVOLVIMENTO | DESIGN
Pereira, Nadja Caroline dos Santos, Regina Aparecida Simão
AND DEVELOPMENT Oz Estratégia + Design; REVISÃO | REVIEW
Sarchi, Rosana Barros Ortega, Roseli Aparecida Florêncio,
Thais Totino
Rosilene Florêncio Barros, Tânia Regina Alves de Souza,
Vanessa Aparecida Gomes, Zilda Maria de Paula; DIREÇÃO DO
PATROCÍNIO | SPONSORSHIP 3M do Brasil Ltda;
VÍDEO E DE FOTOGRAFIA | VIDEO AND PHOTOGRAPHY DIRECTION
GERENCIAMENTO DE PATROCÍNIO | SPONSORSHIP MANAGEMENT
Tainã Moreno; MONTAGEM, EDIÇÃO E CINEGRAFISTAS | EDITING
Luiz Serafim​, Denis Barba e Layza C.P.Virginio Mesquini;
AND CAMERAMEN Glauco Rossi e Tainã Moreno; PRODUÇÃO DO
REALIZAÇÃO | PRODUCED BY Elo3 Integração Empresarial
VÍDEO | VIDEO PRODUCTION Ivani Melo; ASSISTENTE | ASSISTANT
Jade Mali; FOTÓGRAFA | PHOTOGRAFER Maria Eduarda Rezende;
TRILHA AUTORAL | SOUNDTRACK Glauco Rossi

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@mostra3mdearte
www.mostra3mdearte.com.br

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