Essas Mulheres
Sustentáveis
Volume 2
EDIÇÃO INDEPENDENTE
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO
NA PUBLICACÃO (CIP)
Essas Mulheres Sustentáveis
Coletânea de reflexões das integrantes
do grupo Mulheres Sustentáveis
Organizadora: Velma Gregório
2ª edição – São Paulo: Independente. 2023
Vários autores
ISBN: 978-65-00-62965-1
1.Administração 2.Equidade 3.Gênero
4.Feminismo 5.Sustentabilidade 6.ESG
02-2023/ CDD 305.42
Sumário
Prefácio, 5
Consciência, 7
Direção, 51
Responsabilidade, 85
Urgência, 117
Tempo feminino
No compasso incessante do tempo,
damos continuidade à jornada inicia-
da em 2022, quando Essas Mulheres
Sustentáveis desdobrou-se em um
compêndio inspirador de visões e vo-
zes femininas comprometidas com a
VELMA GREGÓRIO
construção de um futuro sustentável.
CEO da ÓGUI
Agora, apresentamos o segundo volu-
linkedin.com/in/velmagregorio/
me desta obra, uma sinfonia aprimo-
rada das narrativas de mulheres que
desafiam as fronteiras do possível.
Desde sua concepção, este pro-
jeto foi mais do que uma simples
publicação; é uma iniciativa espontâ-
nea, uma celebração colaborativa da
sabedoria e engenho femininos para
a regeneração necessária. Essas Mu-
lheres Sustentáveis é um testemu-
nho vivo de como as mulheres não
apenas ocupam espaços neste diá-
logo vital, mas moldam ativamente
os destinos de nossas comunidades
e do nosso planeta.
O primeiro volume foi um marco,
revelando as histórias de mulheres
cujas vidas são dedicadas à causa da
transformação. Agora, no Volume 2,
avançamos para além das narrativas
individuais e mergulhamos em quatro
pilares essenciais: Consciência, Di-
reção, Responsabilidade e Urgência.
PREFÁCIO 5
Cada seção é uma peça única do quebra-cabeça, contribuindo para uma
compreensão mais abrangente e aprofundada das complexidades e desafios
que enfrentamos.
Consciência é uma reflexão sobre os temas associados ao desenvolvimen-
to sustentável, Direção explora caminhos para integração da sustentabilida-
de ao processo rotineiro de gestão corporativa, Responsabilidade avança nos
comprometimentos individual, coletivo e empresarial e, finalmente, Urgência
reforça a necessidade de aceleração pois o tempo certo já passou.
Este não é apenas um livro; é um convite para explorar as múltiplas
possibilidades da sustentabilidade através dos olhos, mentes e corações de
mulheres excepcionais. Aqui, encontramos textos técnicos entrelaçados com
reflexões inspiracionais, formando uma teia de conhecimento que transcen-
de barreiras e conecta leitores a um mundo de possibilidades.
Essas Mulheres Sustentáveis Volume 2 é mais do que uma sequência; é uma
evolução natural, uma resposta à fome crescente por perspectivas diversifica-
das e soluções práticas. Este livro é o resultado da dedicação apaixonada de
especialistas em sustentabilidade que, mais uma vez, uniram forças para criar
uma obra que ressoa com a urgência do nosso tempo. Também é a confirmação
de que é possível colaborar radicalmente e fugir das pegadinhas de governança.
Criamos uma rotatividade na gestão do projeto criando oportunidade a
todas de tomar a frente, homenageamos a liderança garantindo seu espaço
no holofote do prefácio e cada escolha respeita o consenso, criando um am-
biente democrático no exercício cotidiano de lembrar que somos um grupo.
Ao folhear estas páginas, convido você a se perder nas narrativas inspira-
doras, a absorver as lições contidas em cada palavra e a se deixar guiar por
essas mulheres extraordinárias em direção a um mundo mais consciente,
direcionado, responsável e urgente.
Que este volume seja um farol de inspiração e uma chamada à ação, re-
forçando a ideia de que a sustentabilidade é um compromisso coletivo que
transcende gênero, cultura e fronteiras.
Boa leitura e que as vozes destas mulheres ressoem em nossas cons-
ciências, cotidianos e ações orientando-nos na construção de um futuro
sustentável.
6 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Cons.ci.ên.ci.a
(s.f.)
1. Percepção dos fenômenos próprios
da existência: oposto de inconsciência.
2. Capacidade de discernir;
discernimento, bom senso.
CONSCIÊNCIA 7
Da responsabilidade social à
regeneração, passando pelo
ESG, 9
Relato de sustentabilidade
pessoal?, 12
Da responsabilidade social
corporativa à governança
sobre a pauta ESG, 15
Lições aprendidas sobre
diversidade, equidade e
inclusão, 18
O desafio das mulheres em
engajar a alta liderança, 21
Gestão ESG: erros, acertos
e crenças, 24
Três dias para mudar
o mundo, 27
Diversidade, equidade e
inclusão: temas fundamentais
na agenda ESG, 30
A sua indústria também
desmata, 33
O desafio da circularidade, 37
O que torna uma empresa
mais sustentável?, 41
Sustentabilidade 4.0, 45
Nessa história toda:
as pessoas, 48
8 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Da responsabilidade
social à regeneração,
passando pelo ESG
Compreender que a humanidade está
em evolução e que tem aprendido com
seus erros e acertos já é um importan-
ANDREIA AMORIM te sinal do período atual de transição
Diretora de Estratégia paradigmática ligada ao entendimento
e Gestão na
ÓGUI Consultoria sobre modelos conceituais de mundo
e sobre como as relações entre hu-
linkedin.com/in/andreiaamorim/
manidade e seu meio estão sendo
moldadas.
Os teóricos definem que a desco-
berta de um novo paradigma inicia-se
com o reconhecimento de um grave
equívoco ou de uma falha fundamen-
tal que viola, de modo significativo, as
expectativas paradigmáticas vigentes.
Desse modo, um novo paradigma acei-
ta o que existia como verdade parcial,
admitindo que outras coisas ocorram
também, de forma diferente.
De acordo com Fritjof Capra, o
atual Paradigma Dominante (também
chamado de newtoniano, cartesiano,
tradicional, racional, fragmentário, he-
gemônico, analítico) está fundamenta-
do em grandes cientistas que viveram
e trabalharam entre os séculos XVIII
e os primeiros vinte anos do séc. XX.
No entanto, equívocos e anomalias
CONSCIÊNCIA 9
começaram a provocar um “mal-estar” generalizado sugerido por Edgar Mo-
rin e que vêm levando um grupo de cientistas a buscar novos modelos, pro-
vocando o surgimento de um Paradigma Emergente (também denominado
de moderno, da complexidade, ecológico, sistêmico e/ou integrador).
Nesse novo contexto, entendimentos sobre alianças, redes, conexões,
flexibilidade, simbiose e, principalmente, o funcionamento de sistemas in-
terconectados alimentam um outro entendimento da relação do ser humano
com o planeta e com outros humanos, bem como a implementação de seus
novos projetos de crescimento econômico, em que a ciência econômica e a
ciência administrativa também evoluem e devem aprender a compreender e
incorporar outras linguagens uma vez que o entendimento clássico segundo
a qual a atribuição “da firma” era promover apenas desenvolvimento econô-
mico é inconcebível na atualidade.
De modo resumido e na tentativa de esclarecer sobre o papel das em-
presas no contexto da promoção do desenvolvimento, alguns autores ini-
ciaram classificações conceituais estabelecendo um paralelo entre teoria
acadêmica e prática de gestão das empresas, que remonta às origens da
responsabilidade social corporativa, à evolução para o conceito de sustenta-
bilidade e aos aspectos ESG e arrisca-se dizer para a possibilidade de re-
generação. De modo prático, a seguir apresenta-se um quadro1 que contém
papel a ser exercido pelo setor empresarial dentro do contexto da sociedade.
Entre os cinco blocos conceituais, o quarto foi um importante marco e
diz respeito à incorporação da sustentabilidade nas políticas e práticas dos
negócios baseados na inclusão de aspectos sociais, ambientais e econômi-
cos, tendo o entendimento de que sustentabilidade e principalmente o ESG
não dizem respeito a ações periféricas, mas à estratégia da organização. É
nas principais características de seu negócio principal – sua atividade bá-
sica – e nas estratégias desenvolvidas para ter sucesso neste negócio que
se encontra a responsabilidade primordial da empresa. Isto porque é nelas
que reside a grande força motriz em torno da qual se reunirão esforços e
consequentes desdobramentos em seu sistema de gestão (objetivos, metas,
planos de ação, indicadores, mecanismos de recompensa, etc.), e é deles
1. Elaborado pela autora, baseada em Callembach (1995), WBCSD, (2000), John Elkington (2001), Sachs (1986, 1993,
2008, 2008b), Almeida (2007), Boechat e Paro (2007), Faria e Sauerbronn (2008), Montibeller-Filho (2008), Capra
(2014), Roland e Landua (2017), Wahl (2020), Alves, Santos e Penha (2022).
10 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
que resulta, no final das contas, o impacto maior da empresa na sociedade.
Se essa força motriz aponta para uma direção oposta ao que se considera
desejável para a sustentabilidade, pouco efeito fará tentar neutralizá-la com
ações compensatórias periféricas.
PRIMEIRO BLOCO SEGUNDO BLOCO TERCEIRO BLOCO
Business Ethics Business & Society Social Issues Management
Abordagem – normativa, Abordagem – social ou Abordagem – prescritiva
julgamento moral contratual de obrigações e instrumental
Perspectiva – vê as empresas com a sociedade Perspectiva – vê oportunida-
como agentes morais e Perspectiva – visão des estratégicas de negócios
portadores de uma ética sistêmica com a participação no processo
de stakeholders
QUINTO BLOCO QUARTO BLOCO
Business Regenerative Business Systemic
Abordagem – de saúde, resi- Abordagem – sustentável,
liente, adaptativa e regenerativa sistêmica e multidisciplinar
Perspectiva – vê o desenvolvi- Perspectiva – vê desenvolvi-
mento como estado de mento equilibrado entre
mudança e transformação em social, econômico e ambiental
um sistema dinâmico complexo
No entanto, o ritmo atual das mudanças climáticas, as altas taxas de
esgotamento dos recursos naturais e o aumento da população mundial, tor-
nam a sustentabilidade insuficiente para lidar com esses problemas e desa-
fios globais em curso.
Neste sentido, o surgimento do quinto bloco conceitual leva em consi-
deração o desequilíbrio entre a redução do impacto indesejável das ati-
vidades humanas e a aceleração das taxas de degradação do ecossistema
propondo que, ao invés de aumentar a quantidade, o valor ou o volume de
uma determinada forma de capital, os sistemas regenerativos desenvolvam
a qualidade, a complexidade e a conectividade dos capitais.
Assim como em ondas, é possível identificar tentativas para “dar no-
mes” às mudanças e às novas compreensões sobre como fazer um mundo
dos negócios diferente do modelo clássico de origem, que já foi chamado
de responsabilidade social e está avançando em direção à regeneração, pas-
sando pela sustentabilidade e que vê, atualmente, a valorização da sigla ESG
pelo setor financeiro, investimentos e de mercado de capitais.
CONSCIÊNCIA 11
Relato de
sustentabilidade
pessoal?
Quando comecei a trabalhar com re-
lato de sustentabilidade, eu tinha tra-
balhado e convivido um bom tempo
GLAUCIA TERREO com os Indicadores Ethos de Res-
Especialista em ponsabilidade Social, a primeira ou
Sustentabilidade/ segunda versão deles. Eu sentia os In-
Materialidade ESG
dicadores Ethos como algo vivo, com
linkedin.com/in/glauciaterreo/ personalidade e tudo. Então o desafio
era conseguir sentir a GRI dessa mes-
ma forma, entender seu propósito e
personalidade. Nessa época, por mais
que eu estudasse a metodologia, cap-
tasse seu conteúdo e na época ten-
tando conectá-la aos Objetivos do
Desenvolvimento do Milênio, não ti-
nha uma visão clara sobre sua função
no contexto geral.
Um dia, numa simples conversa,
consegui entender para que serve um
relato. Foi uma conversa casual que
tive com James Heffernan (1956-2014)
da Aberje na época. Ele me contou que
para entender de fato a função da GRI
e poder ensinar a metodologia, ele
ele começou a acompanhar, siste-
matizar e relatar – para si mesmo
– seus indicadores pessoais como
consumo de energia, água, resíduos
etc. Simples e genial. Ele me disse
12 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
que começou a economizar energia e água, e diminuiu a produção de seu
próprio resíduo! Nesse momento lembrei de uma conversa – de corredor
– que tive com o Sr. Oded Grajew quando entrei no Instituto Ethos. Eu
perguntei sobre livros e artigos para melhorar meu aprendizado em res-
ponsabilidade social e ele me sugeriu que escrevesse meu próprio código
de ética! Demorei esse tempo todo para a deixar a ficha cair (risadas).
A partir desse momento, percebi que relato pode ajudar a jornada de
qualquer pessoa – física ou jurídica – seja ela megaempresa ou um indiví-
duo, ou empresa de porte médio, pequeno, uma ONG etc. Se uma pessoa
pode criar seu próprio relato de sustentabilidade, refletindo sobre seus
impactos neste mundo, por que uma empresa pequena não poderia fazer
o mesmo? A questão reside na decisão de como seguir nesse caminho,
buscando seu propósito.
Empresas geralmente têm sua missão, visão e políticas, mas um indiví-
duo também pode ter as suas. É absolutamente possível que uma pessoa
estabeleça seu próprio código de ética para embasar suas decisões do dia
a dia e elaborar seu próprio relato de sustentabilidade para compreender
seu impacto no mundo, identificar áreas onde pode melhorar e, sobretudo,
refletir sobre o legado de sua própria existência. Como as orientações para
relatos de empresas já existem, deixo aqui uma contribuição para as pesso-
as. Afinal, sem as pessoas, nada acontecerá em qualquer lugar.
Para fazer um relato de sustentabilidade pessoal, é preciso considerar
os seguintes aspectos: sua missão, visão, suas partes interessadas e suas
políticas para lidar com as partes interessadas. Também é preciso fazer-se
perguntas: quer um futuro com mais ódio ou menos ódio? Começa com
você, certo? Mais respeito, mais amor e humanidade nas decisões do dia
a dia para um futuro melhor. Se as pessoas não melhorarem, o futuro e o
presente nunca serão melhores.
Para além dessas questões mais filosóficas, tem as mais concretas:
• Aspectos ambientais: Como você impacta o meio ambiente? Quais são
suas fontes de consumo de energia e água? Como você descarta seus
resíduos? Crie indicadores e estabeleça suas metas;
CONSCIÊNCIA 13
• Aspectos sociais: Como você impacta a sociedade? Como você trata seus
colegas de trabalho, familiares e amigos? Você ajuda seus amigos? Como
você contribui para sua comunidade? Crie seus indicadores e metas.
• Aspectos econômicos: Como você impacta a economia? Como você gasta
seu dinheiro? Como você investe seu tempo e talento?
Ao considerar esses aspectos, você pode começar a identificar áreas
onde você pode melhorar. Por exemplo, se você perceber que você desperdi-
ça água, você pode começar a tomar medidas para economizar água. Se você
perceber que você produz muito lixo, você pode começar a reciclar e com-
postar. E vejam, é isso que deve acontecer ao aplicar qualquer metodologia
de relato em empresas – ela deve melhorar a cada aplicação.
Um relato de sustentabilidade pessoal é uma ferramenta poderosa para
promover a mudança no nível micro e impactar o macro! Ao fazer um relato,
você pode começar a viver de forma mais sustentável e contribuir para um
mundo melhor. E pode ajudar também a lidar com as frustrações – pois
poderá identificar progressos e mudanças factíveis diante de desafios gigan-
tescos que nos desanimam muitas vezes.
Não peço que sejamos perfeitas, mas que busquemos melhorar a cada
dia. Ainda teremos momentos em que teremos raiva pois não temos sangue
de barata. Mas essa reflexão ajudará a enfrentar os momentos de desânimo
e até depressão. Mas, esse processo vai ajudar a fortalecer sua convicção e
até mesmo a entender as direções quando estiver no processo de relato de
sua empresa – grande ou pequena.
Termino com a mensagem de Gandhi que resume tudo isso: “Seja você
mesmo a mudança que quer ver no mundo.”
14 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Da responsabilidade
social corporativa à
governança sobre a
pauta ESG
Fé e coragem. Esses são meus prin-
cipais valores e que me guiaram na
minha jornada até aqui.
GRAZIELA PONTES
Especialista em Antes mesmo de dar início à traje-
Responsabilidade Social tória profissional, sempre fui orienta-
Empresarial
da pela fé que me lembrava o tempo
linkedin.com/in/grazielaaraujopontes todo de continuar fazendo o certo,
ainda que os resultados não tenham
acontecido no tempo que quis. Contu-
do, sempre acreditei que as oportuni-
dades aparecem aos que têm mente e
olhos bem abertos para enxergar.
A coragem é um valor que sem-
pre me direcionou. E ter coragem diz
muito sobre colocar a minha voz para
ser ouvida em vez de escolher ficar
na minha zona de conforto. Esses va-
lores explicam muito sobre meu amor
em trabalhar com gestão ESG, sus-
tentabilidade, governança e respon-
sabilidade social.
Em dezembro de 2012, quando
entrei na área de responsabilidade so-
cial de uma grande empresa do setor
automotivo, meu escopo inicial era
cuidar da comunicação da área. Mas,
para comunicar, precisava entender
os projetos com mais profundidade.
CONSCIÊNCIA 15
E tive a felicidade de ter pessoas que me inspiraram e me inspiram até
hoje. Uma delas é a Margareth Goldenberg, uma grande especialista em inves-
timento social privado no Brasil, reconhecida pela sua atuação e que, atual-
mente, também domina a pauta de diversidade de inclusão no setor privado.
Aliada à benção de ter pessoas inspiradoras nessa jornada, também sempre
fui muito curiosa. Em uma de nossas conversas, comentei que estava gostan-
do muito do meu trabalho e que gostaria de ser uma especialista. Nessa hora
ela deu um conselho valioso que talvez nem se recorde, mas que me marcou
(e foi o sinal que eu precisava para entender que eu estava na boa direção):
“Se você está gostando, especialize-se neste tema. Hoje (o ano era 2012), se
tem poucas referências principalmente dentro deste setor, que parece peque-
no e de pouca importância, saiba que, no futuro, a responsabilidade social e
a sustentabilidade serão uma questão de sobrevivência para as empresas”.
As coisas mudaram desde 2012. Hoje, existem muito mais referências
do que no ano em que comecei. Hoje, a agenda faz parte da estratégia da
empresa onde atuo, que vem se transformando numa área de negócios im-
portantíssima para o desenvolvimento sustentável.
A partir de 2019, tomando cafezinho com uma amiga, que me veio uma
luz sobre o tema da sustentabilidade. Percebi que o que eu fazia era uma
parte do desenvolvimento sustentável da empresa. Comecei, então, a buscar
mais conhecimento sobre o assunto.
Dentro da companhia vi uma oportunidade de abraçar a agenda. Primei-
ro, porque já era responsável pela produção do relatório de sustentabilidade
e tinha noção dos indicadores necessários para responder no documento.
Saber disso facilitava para que eu pudesse disseminar e fortalecer, ainda
mais, que a sustentabilidade é uma pauta transversal. E permitia manter o
diálogo com as principais áreas o tempo todo.
Na ocasião, outro fator me deu ainda mais motivação: a sede da empresa,
que ficava em outro continente, tinha acabado de criar uma vice-presidência
de sustentabilidade. Dali em diante, entendi que cada país poderia (ou
deveria) ter uma líder da pauta para fazer gestão estratégica local, ater-
rizando as metas globais, implementando e acompanhando o desempenho
dos resultados.
16 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Com a criação do comitê de sustentabilidade, comecei junto um time
técnico de meio ambiente a desenvolver a pauta. Apesar de já realizarmos
muitas ações, agora, tínhamos um comitê formalizado (o que trazia mais
peso e demonstrava o nível de maturidade que a empresa se encontrava).
Desde março de 2022, temos oficialmente um comitê de sustentabilidade
liderado por mim e por outros profissionais da companhia.
O que aprendi desde que decidi ampliar o escopo de responsabilidade
para ESG e Sustentabilidade (e que considero ainda pouca experiência) foi que:
• A nossa rede de relacionamento tem muito valor, muito mais do que
se imagina. E foi em função de uma rede valiosa chamada “Mulheres
Sustentáveis” que me inspiro todos os dias e que me dão força para
seguir este caminho.
• Cada passo na sustentabilidade é um passo importante para se chegar
às metas estabelecidas.
• O G (governança) é o mais importante para ser estabelecido. Sem
ela, a estratégia não existe, as ações não acontecem e os resultados
nunca chegam.
• O S (social) é a grande oportunidade de as empresas atuarem forte-
mente na agenda. Muito se fala em direitos humanos, mas ainda vemos
a saúde mental dos colaboradores em risco; as questões de segurança
e saúde no ambiente; a cadeia de valor. As questões relacionadas ao S
são bem mais profundas.
• Quem está disposto a atuar nesta área tem que ter muita resiliência e
amor pela causa. Então, posso afirmar: é só pela causa! É pelo afeto que
se gera a verdadeira transformação.
Quando se desafia um sistema, uma proposta, um negócio, a gente sabe
que está pronta para enfrentar. A gente já começa sabendo que vai ganhar.
Isso é a fé, coragem e confiança.
Sejamos corajosas para chegar onde queremos!
CONSCIÊNCIA 17
Lições aprendidas
sobre diversidade,
equidade e inclusão
Nos últimos anos, a busca pela di-
versidade nas empresas tem aumen-
tado, com esforços para promover
HELOÍSA AMUROV ambientes inclusivos e valorizar di-
Líder de Diversidade ferentes grupos de diversidade. Me-
didas concretas, como programas de
linkedin.com/in/heloisa-
predomo-amurov/
recrutamento diversificados, equi-
dade salarial, grupos de afinidade
e treinamentos sobre diversidade,
estão sendo adotadas. A conscien-
tização sobre a importância de lide-
rança diversificada também cresceu,
mas ainda existem desafios a serem
superados, como preconceitos, mu-
danças culturais e estruturais. Por
isso, compartilho com vocês algu-
mas lições aprendidas em 6 anos
nessa jornada contínua em direção a
uma cultura de diversidade, equida-
de e inclusão.
Diversidade é sobre todas as
pessoas – é sobre incluir, e não ex-
cluir –, embora muitas pessoas acre-
ditem que só possa ser falada por
e feita para grupos de diversidade
comumente conhecidos (mulheres,
pessoas negras, LGTBQIAPN+, gera-
ções e pessoas com deficiência).
18 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Algumas pessoas podem temer se aproximar da agenda de diversidade,
achando que seus próprios privilégios serão ameaçados, e isso pode criar re-
sistência dentro das organizações. Promover a conscientização, a educação,
o diálogo aberto e uma abordagem empática pode ajudar a superar esses
obstáculos e cultivar uma cultura de aceitação, igualdade e inclusão.
Nos últimos anos, esses grupos de diversidade foram os grandes res-
ponsáveis por fomentar ações de inclusão nas empresas; porém, é es-
perado que todas as pessoas assumam um papel ativo nessa liderança.
Coletividade e responsabilidade compartilhada são métricas de sucesso da
agenda de diversidade.
Empresas sustentáveis entendem seu papel na promoção da igualdade e
na construção de uma sociedade mais justa, percebendo que a diversidade,
a equidade e a inclusão são princípios fundamentais para cumprir essa res-
ponsabilidade de geração de valor. Ao promover a diversidade, as empresas
podem contribuir para a redução das desigualdades sociais e econômicas,
promovendo um impacto positivo em suas comunidades e na sociedade
como um todo. Além disso, também impulsionam o sucesso organizacional,
a satisfação de funcionários e a reputação perante o mercado.
Criar metas de representatividade de grupos de diversidade é um cami-
nho, mas não a única solução. É necessário identificar e remover barreiras
estruturais que perpetuam a exclusão. É essencial criar um ambiente onde
todas as pessoas se sintam valorizadas, respeitadas e incluídas. Isso requer
uma cultura de pertencimento, o estímulo à construção conjunta, a escuta
ativa e a celebração das diferenças.
Uma cultura de diversidade não existe sem uma boa gestão de dados.
A diversidade e a percepção de inclusão de uma empresa devem ser da-
dos mensuráveis e monitoráveis, apesar da sensibilidade de informações.
Acompanhar o progresso da diversidade e inclusão é essencial para identi-
ficar gaps e oportunidades de melhoria. De onde partimos? Onde estamos?
Para onde vamos?
Diversidade não é moda. A diversidade nas empresas é mais do que
uma moda passageira, é uma tendência reconhecida e valorizada. Vai além
CONSCIÊNCIA 19
de uma estratégia reputacional, trazendo benefícios tangíveis, já que em-
presas que promovem diversidade e inclusão se destacam, estimulando
inovação, tomada de decisões robusta e engajamento de stakeholders. Isso
melhora a reputação e amplia o alcance de mercado. A diversidade é uma
tendência duradoura.
Sim, todas as pessoas têm preconceitos e estereótipos internalizados,
até eu. Nossas experiências e ambientes nos moldam, e temos vieses in-
conscientes que influenciam nossa percepção sobre diferentes grupos. Por
isso, é necessária a busca constante pelo autoconhecimento e capacitação
no tema. Isso envolve desafiar estereótipos, mudança de mentalidade e ati-
tudes discriminatórias.
Por fim, acredito que cada pessoa possa promover mudanças genuínas e
influenciar a cultura organizacional, independentemente de posição hierárqui-
ca. A criação de um ambiente inclusivo começa por nós. Busque conhecimen-
to, vivemos na era da informação e conteúdos educativos sobre diversidade
podem ser facilmente acessados. As pessoas têm medo do desconhecido.
Cada pessoa tem uma história, uma vivência. Tenha empatia e promova a es-
cuta ativa, acolhendo diferentes ideias, realidades e preocupações.
100% dos clientes são pessoas. 100% dos funcionários são pessoas.
Se você não entende de pessoas, você não entende de negócios.
Simon Sinek (2009).
20 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
O desafio das
mulheres em
engajar a alta
liderança
Já são 36 anos desde o que Relatório
Brundtland2 foi publicado, dissemi-
JULIANA SOARES
nando o conceito de desenvolvimen-
Gestora de Engajamento to sustentável. O setor empresarial
linkedin.com/in/julianasoares-jsbs/
passou a se envolver nas discussões
e ser cobrado pela sua responsabili-
dade a partir da década de 1990, e em
pleno 2023 ainda precisamos conven-
cer as lideranças empresariais do que
precisa ser feito e a sua urgência.
O trabalho de convencimento
tem sido feito, em sua maioria, por
mulheres que atuam nas áreas de
sustentabilidade e ESG, responsa-
bilidade social empresarial. Elas en-
frentam o desafio de serem ouvidas
e consideradas mesmo quando estão
sendo porta voz de assuntos estraté-
gicos e que tratam da sobrevivência
do negócio e da própria humanidade,
considerando que já estamos con-
vivendo com as consequências da
emergência climática.
2. Relatório Brundtland é o documento intitulado Nos-
so Futuro Comum (Our Common Future), publicado em
1987, que elaborou a primeira definição do conceito de
desenvolvimento sustentável: “o desenvolvimento que
satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer
a capacidade das gerações futuras de suprir suas pró-
prias necessidades.”
CONSCIÊNCIA 21
Se as mulheres são a maioria tentando convencer sobre o óbvio, os
homens seguem sendo a maioria nos principais cargos de decisão das em-
presas. Esses dias em um evento ouvindo alguns CEOs num painel, todos
homens brancos de classe alta, falando dos compromissos com o desen-
volvimento sustentável das empresas que representam, a minha expectativa
era que trouxessem suas visões de mundo, assumindo a responsabilidade
em fazer o que precisa ser feito com o senso de urgência motivado pela
emergência climática. Esperava falas que demonstrassem compromisso pes-
soal e que pudesse inspirar para a ação outros homens que têm o poder
econômico e político nas mãos. Para a minha decepção, só ouvi dados de
projetos que “mostram como as empresas são boas”, lendo seus briefings
falando dos investimentos baixíssimos que realizam, mas que garantem boas
fotos para o relato de sustentabilidade.
Sai com a sensação de que era muito pouco perto do poder e respon-
sabilidade de cada um ali e do potencial das empresas que eles dirigem.
Com os ganhos anuais, as conexões e poder de influência que esses cargos
garantem, deveriam ser agentes de mudança em uma sociedade tão desigual
como a nossa, uma vez que não é mais o tempo de fazer o mínimo. Devería-
mos estar regenerando ecossistemas e relações, e ainda tem representante
de alto escalão de empresa com lucros milionários se gabando de dar uma
dúzia de bolsa de estudos. É pouco.
Sai do evento me perguntando sobre como engajar esses homens. Enten-
di que parte da visão de mundo de cada um, vêm das experiências que tive-
ram. Dizem que só dados convencem esse público – fiquei pensando sobre
quais dados mais precisamos, diante de tudo que já está posto. Falar sobre a
sobrevivência do próprio negócio ou da humanidade não tem sido suficiente,
talvez porque nas experiências pessoais, o conceito de sobrevivência não seja
tão cotidiano considerando o ponto de partida da maioria deles.
Entendi recentemente, como pessoa periférica que sou, que nem toda
história de vida é de sobrevivência e superação. A da maioria dessas lideran-
ças provavelmente não é. Assistindo uma apresentação de ballet do projeto
“Na ponta dos Pés”, de meninas periféricas do Rio de Janeiro, saí emocionada
e indignada, porque o foco da apresentação era a dor, a força e a história de
22 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
superação delas – mas deveria ser só sobre talento beleza e arte. Pensei em
tantas outras meninas que podem simplesmente apresentar um espetáculo
apenas com foco em seu talento, sem uma história triste por trás.
Tudo isso tocou diretamente na minha própria história, filha de mãe
solo, periférica, beneficiada por projetos sociais e com perdas familiares sig-
nificantes na família, que moldaram meu jeito de ver o mundo e de ver as
pessoas, e me trouxeram certa sensibilidade e senso de urgência. Ouvindo
a Thuane Nascimento do PerifaConnection falando sobre justiça climática,
ancestralidade e um olhar descolonizado sobre o território, as reflexões se
conectaram e me levaram a pensar no desafio de engajar a alta liderança de
empresas que tem pouco contato com essas experiências.
Então, se nem toda história é de superação e sobrevivência, se esses
homens brancos não tiveram trajetórias reais de superação, como criar em-
patia, envolvimento real, responsabilização e engajamento?
Pelo tamanho do problema que precisamos enfrentar coletivamente, é
decepcionante ver tanto potencial de impacto positivo desperdiçado e pou-
ca responsabilização demonstrada.
Estou em busca de respostas e encontro inspiração naquelas mulheres
que comentei no início, que seguem resilientes nas empresas tentando fazer
com que suas lideranças não precisem de briefing, que entendam suas res-
ponsabilidades e tragam soluções que promovam impacto positivo. Talvez
a urgência da emergência climática ajude, ou quem sabe tudo só irá mudar
quando essas mulheres estiverem nos cargos de decisão, ocupando o lugar
daqueles que não conseguiram se importar e agir.
CONSCIÊNCIA 23
Gestão ESG: erros,
acertos e crenças
Estou chegando aos 15 anos de ex-
periência em sustentabilidade, e vou
compartilhar aqui alguns aprendiza-
dos que tive ao longo do tempo, e
LIGIA CAMARGO que podem ajudar na jornada da ges-
tão de sustentabilidade e ESG das
Executiva de ESG
e Comunicação empresas. Também divido minhas
crenças sobre o tema, que são con-
linkedin.com/in/ligia-
camargo-a7a766b/ dutas que fui reconhecendo e sofis-
ticando ao longo do tempo, e ainda
carrego comigo para onde eu for.
O primeiro dos erros que vi (e
até cometi) nesta trajetória, é que em
grande parte das empresas, o signifi-
cado de sustentabilidade se dá por
meio de projetos. E como se trata de
um tema complexo, explicá-lo por
alguma iniciativa facilita o entendi-
mento. Porém, muitas vezes, esse
recurso deixa a impressão de que o
significado do conceito se esgota na
atividade. A reciclagem, por exemplo.
Ações de separação de lixo no escri-
tório ou um convite para as pessoas
separarem seu lixo em casa acabam
por tornarem-se sinônimos de sus-
tentabilidade. Independente da in-
tensidade da ação e da boa gestão
do tema considerando resíduos de
suas operações, a correta separa-
24 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
ção, o destino às cooperativas, o design das embalagens que eventualmen-
te produza ou compre, muitas vezes, as áreas de sustentabilidade gerenciam
atividades que ganham o significado de sustentabilidade. E neste momento, a
sustentabilidade perde significado. Se torna a “ação de reciclagem”, ou o “vo-
luntariado”. A área de sustentabilidade geralmente tem um interesse genuíno
de promover consciência, engajamento e informação, mas perde a oportuni-
dade de mostrar a verdadeira abrangência e importância que a área pode vir
a ter. Com isso, desperdiça-se a oportunidade de usar o tema para promover
transformações culturais e estratégicas, usando-o superficialmente.
Já entre os acertos, compartilho uma dica importante (e polêmica) com
os executivos da área: criar novos fóruns específicos sobre sustentabilidade
não funciona no longo prazo. Muitas vezes, levados pela onda e pela energia
da criação de uma área exclusiva para o tema, tendemos a criar comitês,
eventos, reuniões e, ao invés de chamar atenção para a importância estra-
tégica do conceito, os integrantes dos demais departamentos da companhia
acabam por não priorizar a agenda, e consideram ser esta mais uma tarefa
ou ocupação. Encontros específicos tendem até a gerar curiosidade e ren-
der boas discussões no início da jornada da empresa, mas após um certo
período de tempo, perdem importância em meio aos compromissos e, con-
sequentemente, senioridade entre os participantes. Pela minha experiência,
posso afirmar que os resultados são mais significativos se o tema da susten-
tabilidade estiver inserido na pauta de reuniões habituais da empresa, e ain-
da, se geridos por pessoas de cargos mais elevados, as decisões tornam-se
mais rápidas e os projetos, mais exitosos. Além disso, se discutida nas reuni-
ões como tema estratégico, não como um projeto à parte, a sustentabilidade
tende a se manter na agenda das companhias e passar a promover resul-
tados reais. Quanto mais o tema estiver ligado ao negócio, mais resultados
impactará e menos vulnerável a empresa ficará às intempéries do mercado.
E minha mais importante crença é que sustentabilidade é um valor –
assim como o respeito, a cooperação, a responsabilidade, a ética e outros
princípios corporativos que se misturam com valores pessoais. Ela abrange
uma série de temas e comportamentos que podem e devem estar no dia
a dia das pessoas, sem necessariamente se amparar em objetivos, metas
e indicadores de longo prazo. Questões como trabalho escravo ou infantil,
CONSCIÊNCIA 25
redução de impactos ambientais, promoção da diversidade, inclusão finan-
ceira, higiene, nutrição, saúde e bem-estar, compõem o leque de temas
estruturantes da sustentabilidade pelo simples fato de influenciarem na
construção de uma sociedade que supra suas necessidades da sociedade
de hoje, sem comprometer a capacidade de as gerações futuras suprirem as
suas próprias necessidades.
No entanto, para garantir sua relevância e prioridade nas empresas, sus-
tentabilidade deve, sim, ser um direcional com metas e indicadores, a fim
de garantir sua tangibilidade para o negócio e aumentar o poder de conven-
cimento frente a todo o corpo de colaboradores. Portanto, acredito que o
tema da sustentabilidade deva ser elevado aos mesmos patamares dos va-
lores da empresa e, ao mesmo tempo, estar também no nível das atividades
e das metas da companhia. Somente assim ele terá perenidade o suficiente
para transformar gerações e a prioridade necessária para promover resulta-
dos sólidos no curto prazo.
Sustentabilidade não se toca, se faz. Não se define, se vive.
26 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Três dias para
mudar o mundo
Março de 2020: início da pandemia
do Covid-19. Os primeiros dias foram
de puro caos. Pouco se sabia sobre o
vírus; portanto, nada podia ser feito
LILIAN MEDEIROS naquele momento para controlá-lo.
Resultado: o mundo foi enviado para
Servidora Pública
Federal casa. Negócios fecharam as portas,
empresas migraram para o regime de
linkedin.com/in/lilian-c-medeiros/
home office, hospitais lotaram, pes-
soas começaram a morrer e o medo
tomou conta da sociedade mundial.
Aqui no Brasil, mais especifica-
mente em SP, na comunidade de Pa-
raisópolis, duas mulheres receberam
essa notícia atônitas: Sueli e Nilde,
gestoras da Costurando Sonhos, ini-
ciativa criada em 2017 com o objetivo
de viabilizar a autonomia financeira
de mulheres em situação de vulnera-
bilidade social. Assim como todos os
demais cidadãos do mundo, elas se
recolheram em suas casas. Contudo,
a insônia das duas não se devia so-
mente ao medo decorrente da pan-
demia, mas também à preocupação
com as mulheres da comunidade.
No Brasil, onde a população fe-
minina sofre uma violência a cada
quatro minutos e em que 43% dos ca-
sos acontecem dentro de casa, essa
CONSCIÊNCIA 27
preocupação era real. Dados do Observatório de Igualdade de Gênero da
América Latina e do Caribe dão conta de que o Brasil é o país com o maior
número absoluto de feminicídios na região. A violência letal contra as mulhe-
res apresentou crescimento de 34,5% em 2020. Isso significa que a cada seis
horas uma mulher foi morta pelo simples fato de ser mulher.
Além disso, dados da ONU Mulheres mostram que as mulheres são as
mais afetadas pelo trabalho não remunerado, principalmente em tempos de
crise. Devido à saturação dos sistemas de saúde e ao fechamento das es-
colas, as tarefas de cuidado recaem principalmente sobre as mulheres, que,
em geral, têm a responsabilidade de cuidar de familiares doentes, pessoas
idosas e crianças. Isso significa que são as mulheres as que correm maior
risco de não poder garantir sua segurança alimentar e a de seus depen-
dentes após os desastres. Em muitos casos, frequentemente perdem seus
meios de subsistência ou têm que dedicar-se à atenção de seus filhos e
filhas, e de pessoas feridas ou doentes em seu núcleo familiar.
A paralisação das atividades da Costurando Sonhos durou três dias. Repi-
to: TRÊS DIAS. Tempo necessário para que elas reagissem e tomassem uma
decisão: a de fazer máscaras para distribuir para a comunidade, gerando
renda para as costureiras que estavam sem trabalho naquele momento. O
pensamento delas era o seguinte: “se a gente não se mexer, o poder público
não vai fazer nada. Já não faz. Então, perderemos várias vidas para a pande-
mia e/ou para a violência doméstica”. Assim, não havia opção: foram à luta.
Colocaram-se em risco para terem a chance de sair inteiras. E saíram. E
fizeram acontecer. E foram incríveis!
A Costurando Sonhos deu início a um movimento potente de geração de
renda e assistência à comunidade. Foram confeccionadas mais de 2 milhões
de máscaras e distribuídas mais de 250 mil gratuitamente para pessoas
da comunidade. Elas não somente movimentaram as costureiras de Parai-
sópolis, mas também de vários outros estados, gerando renda para várias
comunidades. E tudo feito a partir da casa dessas mulheres, que puderam
compatibilizar a geração de renda com os cuidados com a família naquele
momento de crise.
Muitos parceiros institucionais se juntaram a elas nesse movimento.
Algumas empresas que, claro, não possuíam eventos à vista, fizeram várias
28 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
compras com prazo de entrega para o fim da pandemia. E com pagamento
adiantado, forma que encontraram para contribuir para a sobrevivência de
muitas famílias.
Ao conhecer a iniciativa, ouvi de Sueli e Nilde que seu grande sonho
era empoderar o maior número possível de mulheres. Se não diretamen-
te, que fosse servindo de inspiração, a fim de que as pessoas olhassem e
pensassem: “caramba, se elas conseguiram, eu também posso conseguir.
E fizessem isso!”.
O que eu percebi, na verdade, é que elas já alcançaram essa meta! O
ciclo virtuoso criado por essas duas é infinito, porque não se passa incólume
por esse exemplo: a cada vez que titubearmos após conhecermos essas
duas mulheres e a revolução que fizeram na vida de milhares de famílias,
certamente nos lembraremos de que elas precisaram apenas de três dias
para começar a mudar o mundo. E de que juntas foram imbatíveis! E, sim,
se elas puderam, todas nós podemos. Basta começar. Obrigada por nos fa-
zerem acreditar nisso!
CONSCIÊNCIA 29
Diversidade,
equidade e inclusão:
temas fundamen-
tais na agenda ESG
Nunca se falou tanto em diversidade,
equidade e inclusão nas empresas. A
MARINA diversidade, caracterizada pela mul-
MATTARAIA
tiplicidade e pluralidade, ou falta de
linkedin.com/in/marina- homogeneidade, pode ser pensada
mattaraia-1a13bb25/?
originalSubdomain=br como uma contribuição para o su-
cesso dos negócios. Pesquisas sobre
o tema, como a do World Economic
Forum, mostram que 85% das com-
panhias com estratégias de DEI (di-
versidade, equidade e inclusão) têm
maior lucratividade. Apesar disso, e
de 87% dos CEOs participantes da
pesquisa reconhecerem a importância
de estratégias DEI, ainda há dificulda-
de em priorizar esses temas devido à
pressão por resultados imediatos.
Empresas têm adotado práticas
de inclusão desde os anos 1960 para
promover igualdade nas oportunidades
de trabalho e crescimento profissional.
Essas práticas incluem treinamentos
compulsórios, testes de recrutamento,
avaliações de desempenho e sistemas
de denúncias. Embora essenciais e
quase obrigatórias atualmente, algu-
mas dessas ferramentas foram criadas
principalmente para cumprir requisitos
30 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
de conformidade, sem necessariamente alcançar uma inclusão efetiva de grupos
minoritários ou marginalizados no ambiente de trabalho. A realidade, destacada
pela Harvard Business Review, é ainda mais preocupante no Brasil.
Essas constatações explicam por que muitos dos treinamentos que vi-
sam a introdução de diversidade e inclusão no ambiente corporativo fracas-
sam. Pesquisadores que vêm examinando essa questão com dados, desde a
Segunda Guerra Mundial, em mais de mil estudos, notaram que as pessoas
são facilmente “ensinadas” a responder corretamente a um questionário so-
bre viés de comportamento na mesma medida em que rapidamente esque-
cem as respostas certas. Os efeitos positivos decorrentes da maioria dos
treinamentos de diversidade ou inclusão raramente são duradouros. Ainda
assim, apresentam-se como as práticas mais encontradas dentre as empre-
sas integrantes do Fortune 500, segundo relatório da Deloitte.
Atualmente, não é possível falar sobre diversidade e inclusão sem
mencionar a equidade, que adapta as regras para situações concretas, ob-
servando critérios de justiça. No ambiente corporativo, segundo o código
de conduta do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) regras
contra discriminação são claras, mas é importante considerar sua aplica-
ção prática e os efeitos desejados para promover diversidade e inclusão na
cultura corporativa.
De acordo com a iniciativa Impulso Beta, introduzir processos que ga-
rantam equidade é fundamental para tornar os ambientes de trabalho ver-
dadeiramente diversos e inclusivos. O investimento social privado pode
desempenhar um papel relevante ao promover a diversidade e inclusão na
sociedade, refletindo-se na cultura corporativa e fortalecendo a mensagem
sobre a importância desses temas para o sucesso dos negócios.
O processo de diversidade, equidade e inclusão é contínuo, dependendo
da vontade das lideranças e da adaptação constante às melhores práticas e
necessidades. O investimento social privado, alinhado à agenda ESG, desem-
penha um papel crucial ao promover diversidade e inclusão, fortalecendo a
cultura corporativa. Ao financiar iniciativas para a sociedade, as organizações
também promovem um ambiente inclusivo em suas dependências e mos-
tram aos stakeholders a importância do tema para o sucesso dos negócios.
CONSCIÊNCIA 31
Um exemplo é o Girls4Tech, uma iniciativa de investimento social de
uma empresa multinacional. Esse programa foca em ensino STEM (Ciência,
Tecnologia, Engenharia e Matemática) interativo para impactar 1 milhão de
meninas de 8 a 16 anos em 40 países até 2025. Com 80% dos empregos da
próxima década exigindo habilidades em ciências aplicadas, apenas cerca de
30% dessas posições são ocupadas por mulheres atualmente.
O Girls4Tech ilustra um investimento social alinhado a objetivos de ne-
gócio, promovendo diversidade, equidade e inclusão. Organizações devem
direcionar seu investimento social para atividades alinhadas aos objetivos
estratégicos, gerenciando-o com eficiência através de critérios transparen-
tes e avaliações de impacto. Isso aprimora o retorno do investimento e con-
tribui para alcançar os objetivos, ampliando a agenda ESG.
32 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
A sua indústria
também desmata
Enquanto o mundo se preocupa com
a preservação da Amazônia, do Cerra-
do e outros biomas, e com os impac-
tos do desmatamento nas Mudanças
MONIQUE CARDOSO Climáticas, é crucial lançar luz so-
bre as cadeias de suprimentos que,
Gerente de Sustentabilidade
Corporativa silenciosamente, podem contribuir
para agravar esse problema. Seto-
linkedin.com/in/moniquede
oliveiracardoso/ res industriais diversos, nem sempre
associados a um impacto ambiental
significativo, precisam identificar e
assumir a responsabilidade pela ori-
gem de suas matérias-primas e insu-
mos, envolvendo stakeholders, como
financiadores e consumidores, na bus-
ca de soluções.
A expansão das lavouras tem sido
associada ao desmatamento, espe-
cialmente da Amazônia e do Cerrado.
No entanto, nem sempre commodi-
ties como a soja, a carne, café, cacau,
o óleo de palma, madeira, borracha
e carvão são identificados como in-
sumos na produção e embalagem de
produtos comuns e indispensáveis no
dia a dia dos brasileiros.
Como resultado, financiadores
não sabem avaliar se seus investi-
mentos podem fomentar a perda
da biodiversidade e o aquecimento
CONSCIÊNCIA 33
global. Tampouco consumidores imaginam que o carrinho do supermer-
cado, a despensa, as prateleiras das suas lojas favoritas estão cheias de
produtos contaminados pelo desmatamento. Diante de compromissos glo-
bais, como o Acordo de Paris, e legislações como o European Green Deal e
suas políticas específicas, torna-se imprescindível tornar essas conexões
transparentes e visíveis.
Por aqui, o País precisa fortalecer a legislação, retomar a agenda e os in-
vestimentos em mecanismos de controle e punição para aqueles que violam
as leis ambientais. O envolvimento de estados subnacionais, o fortalecimen-
to de instituições de proteção ambiental e a promoção de parcerias entre o
setor público e privado são essenciais nesse contexto.
É responsabilidade das empresas, por sua vez, agir de maneira ética e
sustentável, considerando não apenas seus próprios lucros, mas também
os ecossistemas e comunidades afetadas por seus impactos. A boa notícia
é que existem soluções possíveis para diversos setores da economia ma-
pearem suas cadeias de fornecimento e deixarem de financiar o desmata-
mento ilegal. A primeira etapa é a conscientização e a compreensão do risco
associado às matérias-primas, empresas devem entender as origens dos
produtos que estão adquirindo e exigir transparência de seus fornecedores.
Outra medida importante é comunicar de forma clara e transparente sobre
as ações que estão sendo tomadas para evitar o desmatamento.
É hora de reconhecer que a sua indústria também desmata e tomar
medidas concretas para interromper o ciclo do Comigo Ninguém tá. Aqui
está uma lista de até 50 produtos e derivados de uso diário que podem estar
contaminados pelo desmatamento ilegal3:
1. Chocolate, achocolatados e chocolate em pó
2. Biscoitos, bolos, pão de forma, misturas para bolo e pão
3. Margarina
4. Shampoo, sabonetes, creme dental, desodorantes e condicionador
5. Ração animal
6. Cosméticos, cremes, hidratantes, séruns, maquiagens
3. Considera matéria prima/componente/ingrediente principal; ou processo produtivo direto e indireto.
34 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
7. Pincéis e escovas
8. Leite, Iogurte, creme de leite, leite condensado, sorvete queijo,
manteiga e derivados
9. Leites vegetais e processados
10. Salgadinhos, snacks e batata frita industrializada
11. Lanches como: hambúrguer, nuggets, salsicha, linguiça, salames
e empanados
12. Creme de cacau e avelã (tipo Nutella)
13. Óleo vegetal
14. Maionese, molho de soja, molho de tomate e molhos diversos
15. Cereal matinal, barra de cereal
16. Massas alimentícias, macarrão instantâneo
17. Suplementos alimentares
18. Sabão em barra, detergentes
19. Chá, suco de frutas
20. Energéticos
21. Gelatinas, balas de goma
22. Pão de queijo
23. Azeite de dendê
24. Papel, papelão, caixas e embalagens
25. Móveis
26. Calçados, bolsas, cintos, malas e acessórios
27. Tintas e vernizes
28. Papel higiênico, fraldas descartáveis e absorventes
29. Pneus
30. Produtos de limpeza
31. Produtos farmacêuticos
32. Roupas, tecidos, cortinas, têxteis em geral
33. Sacolas plásticas
34. Materiais de construção, laminados de madeira
35. Embalagens de papelão
36. Celulares e eletrônicos
37. Colas e etiquetas adesivas
38. Fios e cabos elétricos
CONSCIÊNCIA 35
39. Copos descartáveis
40. Brinquedos
41. Instrumentos musicais
42. Utensílios de cozinha e artigos de decoração
43. Tubos e conexões
44. Vidros, lâmpadas
45. Eletrodomésticos
46. Papel fotográfico
47. Isolantes térmicos
48. Filtros de ar e óleo
49. Artigos esportivos, automotivos, de jardinagem e de manutenção
50. Espumas
Este texto foi criado pelo ChatGPT. A intenção de terceirizar a demanda
para a máquina foi entender a qualidade do conteúdo que a inteligência
artificial ajuda a propagar sobre o tema do desmatamento, sob o prisma
das cadeias produtivas. O briefing precisou ser refinado três vezes para
que o chat retornasse um texto com menos lugar comum. A máquina deu
uma preciosa contribuição para identificar 150 itens cuja matéria prima
ou processo produtivo incluam os produtos alvo da EU Deforestation-free
Regulation. A versão final tem edição humana.
36 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
O desafio
da circularidade
A busca pela sustentabilidade – de
uma sociedade ou uma economia – é,
em sua essência, uma busca por sua
permanência. Walter Stahel e Gene-
PATRÍCIA MONTEIRO vieve Reday detalharam suas visões
MONTENEGRO
de uma economia de ciclo fechado
Sócia da Combustech ou circular, e de seu impacto positivo
e Consultora ESG
na criação de empregos, competitivi-
linkedin.com/in/patricia-montenegro/ dade econômica, economia de recur-
sos e prevenção do desperdício.
Anualmente, o circularity gap re-
port mede a circularidade da econo-
mia global e identifica oportunidades
em várias indústrias e geografias
para acelerar essa mudança. Atual-
mente, a economia global é apenas
7,2% circular, reduzindo de 9,1% em
2018 para 8,6% em 2020. Isto signi-
fica que mais de 90% dos materiais
são desperdiçados, perdidos ou per-
manecem indisponíveis para reuti-
lização por anos, pois estão presos
em estoques duradouros, como edi-
fícios e máquinas.
Operamos num sistema linear
sustentado nos princípios: extrair,
fabricar e desperdiçar. Consideran-
do nossos limites planetários, pre-
cisamos de um modelo circular que
CONSCIÊNCIA 37
feche o ciclo e trabalhar em direção a uma economia circular pode nos aju-
dar a lidar com 45% das emissões globais de gases de efeito estufa, além
de oferecer uma oportunidade econômica de US$ 4,5 trilhões. PACE (The
Platform for Accelerating the Circular Economy), 2023.
Os sistemas globais que mais sobrecarregam o planeta (sistema alimen-
tar, setor de construção, produção de bens de consumo e mobilidade e trans-
porte) podem ser mais circulares combinando quatro estratégias:
Estratégias para a economia circular. Fonte: The Circularity Gap Report 2023.
Tanto o modelo de consumo como a forma como definimos o funciona-
mento da nossa economia, são desafios atuais e é por isso que a economia
circular pode ajudar a resolver ambos os problemas, como veremos a seguir.
Caso de negócios: agricultura orgânica Jalles
77% de circularidade na cadeia produtiva
A Jalles é uma empresa brasileira do setor sucroenergético com operações
em Goiás e Minas Gerais que, em 2022, atingiu 40% de produção orgânica
certificada, conforme a imagem a seguir:
38 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Modelo de Produção Orgânica Jalles. Fonte: Relatório de Sustentabilidade Jalles 2022/2023.
A Jalles utiliza quatro estratégias fundamentais para a economia circular:
Balanço de Massa da Jalles. Fonte: The Circularity Gap Report 2023 (modificado pela autora).
Fluxos estreitos: 40% da produção orgânica tem uma redução da quan-
tidade de matéria-prima, a produção do açúcar orgânico não utiliza in-
gredientes artificiais, adubos ou produtos químicos.
CONSCIÊNCIA 39
Fluxos lentos: Devido à maior diversidade da macrobiota do solo e pre-
servação de insetos, o solo torna-se mais fértil ao longo dos ciclos da
cultura sem a utilização de insumos químicos para mantê-lo fértil.
Fluxos circulares: vinhaça, torta de filtro, cinzas e bagaço de cana são
reintroduzidos no processo de geração de energia elétrica e fertilizantes
naturais.
Fluxos regenerativos: 55,67% das matérias primas virgens e 77% dos
resíduos utilizados como matérias-primas secundárias na produção são
renováveis. Ou seja 99,07% das matérias primas utilizadas sejam virgens
ou secundárias são de origem renovável.
Apesar dos indicadores de circularidade mundial estarem piorando, este
caso demonstra índices de circularidade muito maiores do que os valores
globais na média de 7,2% variando em um range de menor circularidade, na
Escócia com um índice de 1,3% e maior, na Holanda, com um índice de 25,4%.
Desta forma, fica evidente a importância da gestão e do reaproveita-
mento de resíduos para fins energéticos no contexto de sustentabilidade
e de uma nova economia, mais circular, e que contribua com a redução de
emissões de GEE estabelecidos no acordo de Paris. Ao mesmo tempo, a reci-
clagem minimiza a necessidade de extração de matéria-prima e proporciona
uma considerável economia de energia.
40 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
O que torna
uma empresa mais
sustentável?
Nos últimos três anos, o mundo cor-
porativo e o setor financeiro se en-
gajaram de forma mais efetiva na
PAULA CARVALHO integração dos aspectos ambientais,
Especialista em ESG e sociais e de governança nas decisões
Finanças Sustentáveis
de estratégia e investimento. Diversas
linkedin.com/in/paulascarvalho/ empresas vêm buscando ajustar suas
práticas à nova realidade de transição
para uma economia de baixo carbono.
Muitas estão avançadas e maduras na
agenda de sustentabilidade, enquan-
to outras ainda engatinham, tentan-
do surfar a onda. Todas elas buscam
se tornar mais atrativas aos investi-
dores, alegando serem sustentáveis.
Mas quais atributos seriam conside-
rados legítimos para um negócio se
autodenominar sustentável?
ESTELA KURTH
O conceito de Triple Bottom Line4
Especialista em
Divulgações (TBL), ou tripé da sustentabilidade,
e Métricas ESG foi estabelecido por John Elkington
linkedin.com/in/estelakurth/ na década de 90. O próprio autor
superou esse trabalho com o lan-
çamento de Green Swan; contudo,
o TBL permanecerá na trajetória da
4. Conduzir os negócios de forma a equilibrar os as-
pectos de pessoas (people), meio ambiente (planet)
e resultados (profit).
CONSCIÊNCIA 41
sustentabilidade como um momento de inflexão sobre o entendimento do
setor privado sobre sua responsabilidade com uma agenda socioambiental.
A partir desse conceito, surgiram certificações, índices e selos, tentan-
do estabelecer requisitos e critérios para definir e enquadrar uma empresa
como “sustentável”. No Brasil, entre os mais conhecidos para empresas de
capital aberto, temos o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3.
Contudo, o caso recente da Americanas, uma empresa listada no ISE em
2022, expôs a fragilidade sobre as informações apresentadas pelas próprias
organizações e suas qualificações. A dúvida é até que ponto uma boa pon-
tuação desses índices ou uma certificação seria o bastante para assegurar
quais empresas são sustentáveis.
Esse ambiente de inquietação e transformação também fez surgir diferen-
tes movimentos. Um deles, o Sistema B, vem impulsionando um movimento
global que busca redefinir o sucesso econômico, considerando fundamental
incluir, além do êxito financeiro, o bem-estar da sociedade e do planeta.
Surgiram, também, os conceitos de capitalismo consciente e capitalismo
de stakeholder5 em oposição ao shareholder. Todos têm em comum o esta-
belecimento de um padrão em que as empresas busquem a geração de valor
para todos os seus stakeholders, e não apenas o lucro para seus acionis-
tas. Esses movimentos ganharam aceleração com a pandemia de Covid-19,
porque, pela primeira vez, constatamos nossa vulnerabilidade global para
enfrentar crises sanitárias, ciberataques e mudanças climáticas, para citar
apenas alguns riscos eminentes.
Mas em um mundo com interesses tão diversos, como assegurar que to-
dos os negócios andem no mesmo compasso e sigam os mesmos princípios
éticos? Alguns modelos incorporados do sistema financeiro vêm apoiando a
classificação de empresas a partir de critérios ESG, trazendo maior trans-
parência e segurança sobre as decisões de investimentos, com diferentes
abordagens. Há ratings que buscam olhar exclusivamente para gestão de ris-
cos, outros para impacto e outros que fazem um mix desses dois conceitos.
5. Capitalismo em que as organizações procuram criar valor a longo prazo, considerando as necessida-
des de todas as partes interessadas e a promoção do bem-estar social.
42 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Por outro lado, essas classificações dependem da transparência sobre as
divulgações ESG, que, com base em frameworks e padrões reconhecidos
internacionalmente, permitem a comparabilidade entre setores e empresas.
Com a crescente necessidade de atingirmos a neutralidade de carbono
até 2050 e reduzirmos as emissões globais em pelo menos 50% até 2030,
considerando a imbricada rede de conexões entre questões sociais, econô-
micas e ambientais, o que seria factível para classificar uma empresa como
sustentável? Sugerimos algumas reflexões sobre aspectos que devem ser
considerados por empresas que têm essa ambição.
Impacto: uma empresa sustentável precisa ter como objetivo e propósito
a geração de valor e impacto positivo para a sociedade. Além disso, deve
estar comprometida em ajudar a sociedade a superar desafios globais,
como a questão climática e a perda da biodiversidade, alinhando suas
estratégias corporativas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentá-
vel (ODS) da Agenda 2030 da ONU. Assumir compromissos setoriais e
subscrever iniciativas globais, incorporando-as por meio de políticas e
programas, fazem parte dessa gestão de riscos e impactos.
Governança: estruturar sua governança, focando a condução dos ne-
gócios de forma ética e considerando que a transparência se tornou
um ativo que suporta a reputação. Estar em conformidade, mais do
que seguir leis, é agir com integridade, tomando decisões coerentes e
alinhadas ao propósito.
Responsabilidade: uma empresa sustentável entende que consome re-
cursos naturais e sociais e, como contrapartida, deve devolver produtos,
serviços e impactos positivos, mitigando os negativos, para contribuir
com a prosperidade e a preservação do planeta.
Cadeia de valor: não basta olhar apenas para suas operações; é preciso
agir em rede. Uma empresa sustentável precisa olhar para toda a sua
cadeia, upstream e downstream, para apoiar e garantir que todos compar-
tilhem desses valores e pratiquem as melhores práticas socioambientais.
A rastreabilidade e as cadeias de custódia, apoiadas por certificações e
assegurações, passam a gerar restrições a mercados ou vantagens com-
petitivas para quem se antecipar.
CONSCIÊNCIA 43
Economia circular: a visão de ciclo de vida de produtos e serviços, con-
siderando todo o caminho “do berço ao túmulo”, é obrigatória para sua
contribuição para a economia circular. Olhar os produtos do ponto de
vista da circularidade contribui para o atendimento dos ODS.
Políticas atreladas a KPIs: o desempenho precisa ser medido de forma
que reflita processos seguros de produção e forte gestão ESG em toda
cadeia de valor. Devem estar associados a critérios técnicos baseados
na ciência, porque o desenvolvimento sustentável é balizado por metas
científicas, e a gestão deve demonstrar evolução nos desempenhos am-
biental e social.
A grande variedade de aspectos ESG e a interconectividade entre eles
ampliam a complexidade dessa agenda e impedem um modelo único. Por
isso, cada empresa deve encontrar o seu. Contudo, o estudo “The Decar-
bonization Imperative”, lançado pelo The SustainAbility Institute (novem-
bro, 2022), sugere um modelo de como lidar com o cenário de transição
para uma economia de baixo carbono. O “BluePrint for Action” sugere ca-
minhos de relevância universal para serem adotados por empresas de
qualquer porte e localizadas em qualquer lugar do mundo, oferecendo
seis recursos para empresas navegarem as incertezas: refletir, implemen-
tar, redesenhar, digitalizar, reimplantar e transformar a cultura. O plano
oferece um mergulho profundo no modelo de negócio para identificar as
lacunas e construir um novo processo de trabalho. Isso envolve estraté-
gia e inteligência; porém, como o próprio estudo destaca, a mudança de
mindset só ocorre pelas pessoas.
44 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Sustentabilidade
4.0
A Sustentabilidade 4.0 representa a
fusão da tecnologia e sustentabilida-
de, transformando a maneira como
lidamos com os desafios ambientais.
ROBERTA De acordo com o último relatório da
CIPOLONI TISO Cisco6, até 2023, 66% da população
Diretora de Sustenta- mundial estará conectada à internet,
bilidade e Comunicação o que deixa a porta aberta para a uti-
da green4T
lização de tecnologias digitais para
linkedin.com/in/roberta- enfrentar problemas como a mu-
cipoloni-tiso/
dança climática e a gestão eficiente
dos recursos. Neste contexto, é pos-
sível promover um novo paradigma
para o enfrentamento dos desafios
ambientais.
A IA e o Big Data, por exemplo,
possuem o potencial para melhorar
a eficiência energética ao possibilitar
análises preditivas que otimizam o
uso de energia. Em matéria de julho
de 2022 do IPNews7, o relatório da
aliança AI For The Planet (Inteligên-
cia Artificial para o Planeta, na tra-
dução livre), feito em parceria com
o Boston Consulting Group e com
o BCG GAMMA, aponta a mitigação
6. Fonte: https://www.cisco.com/c/en/us/solutions/
collateral/executive-perspectives/annual-internet-
report/white-paper-c11-741490.html
7. Fonte: https://ipnews.com.br/inteligencia-artificial-
pode-reduzir-ate-10-das-emissoes-de-gases-de-
efeito-estufa/
CONSCIÊNCIA 45
como um dos principais usos de IA para a medição, redução e remoção de
emissões de gases de efeito estufa. Se essas medidas forem aplicadas glo-
balmente, o relatório prevê que a IA pode gerar reduções de 5% a 10% nas
emissões de GEE, ou 2,6 a 5,3 gigatoneladas de CO2.
A IoT e o blockchain também têm contribuído para aprimorar a rastrea-
bilidade e transparência nas cadeias de suprimentos. No caso do blockchain,
ele tem sido utilizado em projetos de grandes instituições brasileiras, como
o banco Santander, em parceria com o governo do Amapá e o Sebrae do
Mato Grosso8, que estão ajudando a mudar a realidade ambiental do Brasil
por meio de um programa no qual os empreendedores são motivados a ado-
tar práticas sustentáveis que minimizam a pegada de carbono e, em troca,
ganham UCSs (Unidades de Crédito de Sustentabilidade) que podem ser
trocados por recursos financeiros.
Aplicações práticas da tecnologia na sustentabilidade
A aplicação do blockchain está se mostrando útil para rastrear a origem dos
alimentos, permitindo monitorar cada etapa da produção e todo o percurso
percorrido pelo produto. Isso possibilita um comércio justo, incentiva a agri-
cultura sustentável e ajuda a reduzir o desperdício de alimentos. Segundo
dados de 2020 da Fundação Cargill9, o Brasil está na lista dos dez países que
mais desperdiçam alimentos no mundo, gerando descarte de aproximada-
mente 30% de tudo que é produzido para o consumo, o que gera um prejuízo
econômico de quase 940 bilhões de dólares por ano.
Já a análise de Big Data10, por exemplo, está possibilitando a modela-
gem de estratégias contra as mudanças climáticas e a obter uma previsão
de seus impactos com maior precisão. Além disso, entre outros avanços
importantes, está o de economia circular que, ao ser adotada para produtos,
serviços e sistemas, é capaz reduzir os 45% restantes das emissões, segun-
do a Fundação Ellen MacArthur11.
8. Fonte: https://br.cointelegraph.com/news/santander-brasil-helps-fight-deforestation-in-the-country-
with-blockchain-and-carbon-token
9. Fonte: Combate ao Desperdício de Alimentos no Brasil – Fundação Cargill (fundacaocargill.org.br)
10. Fonte: https://www.publico.pt/2021/12/03/tecnologia/noticia/big-data-salvar-planeta-onu-sim-1987261
11. Fonte: https://ellenmacarthurfoundation.org/pt/temas/clima/visao-geral
46 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Desafios e oportunidades
Ainda que avanços significativos estejam sendo alcançados, existem desa-
fios consideráveis a serem superados. Preocupações com a privacidade dos
dados, a inclusão digital e o consumo energético da infraestrutura digital
são questões críticas. A energia necessária para alimentar os data centers
é outra preocupação importante. A indústria de tecnologia da informação e
comunicação (TIC) é responsável por entre 3% e 4% das emissões globais
de CO2, segundo relatório do Boston Consulting Group (BCG) de 202112. O
documento aponta ainda que, nesse ritmo, as TICs devem chegar a ser res-
ponsáveis por 14% do CO2 emitido globalmente até 2040.
No entanto, se esses desafios forem devidamente abordados, as opor-
tunidades para uma transição justa e verde são vastas. No fim de 2022, a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicou que a economia verde
tem o potencial de criar 24 milhões13 de novos empregos até 2030. Portanto,
as tecnologias emergentes têm o potencial de revolucionar a forma como
abordamos os desafios ambientais. Precisamos garantir que a revolução di-
gital seja inclusiva e que não amplie as disparidades existentes, mas, sim,
que promova a equidade.
12. Fonte:https://itforum.com.br/noticias/cop26-tic-responde-por-ate-4-das-emissoes-globais-de-co2/
13. Fonte: https://g1.globo.com/economia/noticia/economia-verde-deve-criar-24-milhoes-de-novos-
empregos-ate-2030-diz-oit.ghtml
CONSCIÊNCIA 47
Nessa história
toda: as pessoas
Não há prosperidade em um país de-
sigual. A frase já é um jargão, cheia
de contexto e simbologia, 518 anos
separam os brasis, aquele original,
TATIANA MONTÓRIO integral e humano, onde o som das
florestas tem a mesma frequência do
Gerente de
Responsabilidade Social som do coração, do Brasil explorató-
rio, conflitivo e dizimador.
linkedin.com/in/tatiana
-montorio-78b03222/
O ano: 2023, parece mesmo ser
um suspiro daqueles profundos, onde
entra mais oxigênio em nossas men-
tes e com clareza voltamos a pensar o
futuro. Tá interessante, com avanços
e milhares de desafios que não só co-
nectam o país em toda a sua potência
para frente, mas com um olhar no re-
trovisor, onde possamos romper com
estruturas patriarcais desiguais.
Os debates são muitos... agen-
da climática, agenda migratória, pla-
nos emergenciais, agenda social,
agenda transparente, agenda coe-
rente, agenda diversa, agenda justa,
a agenda da economia circular, do
impacto social, da inclusão, do en-
frentamento ao feminicídio, da to-
lerância, da democracia... agendas
urgentes e cada qual em seu melhor
lugar vem e colabora um pouqui-
nho. É isso, mais pessoas, em rede,
48 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
cooperando horizontalmente, coloca uma semente, rega, avança uma casa,
coloca outra semente e rega de novo.
Múltiplas faces da urgência do mundo
em que vivemos. E, as pessoas?
Onde está a voz das pessoas que não estão no debate acadêmico, nos even-
tos globais, na ponte aérea, no business, na imagem “perfeita” das redes?
Cadê a Dona Maria que ontem mesmo estava puxando a lama de sua casa
com o rodo? Cadê o seu Antônio que atravessou a nado a rua de sua casa
pra buscar seu único bem material: sua geladeira?
Em tempos antidemocráticos nós nos fechamos nas bolhas que nos
protegem. E, quem não tem onde se proteger? Ficou onde? Exposto a re-
ceber a empatia vinda da internet, mas em outro lugar. O relatório da quarta
pesquisa “Nós e as desigualdades”, da OXFAM de setembro de 2022, mostra
que 70% dos brasileiros se consideram pobres ou classe média baixa e que
está mais difícil acreditar em sua mobilidade social. A principal preocupação
demonstrada é a manutenção do emprego e renda.
A pesquisa deflagra um ceticismo generalizado quando o assunto é
educação e 21% dos entrevistados colocam como prioridade quando o as-
sunto é melhorar de vida, ter fé religiosa. Também há por parte de 65% da
população a certeza de que as mudanças climáticas e a tecnologia vão am-
pliar ainda mais as desigualdades no país.
Isso não é pouca coisa. Não acreditar no futuro ou depositar no invisível
a redução das desigualdades, denota incerteza, ausência de diálogo e es-
paços de formação crítica. As Políticas Universais são fundamentais nesse
avanço, enfrentar as desigualdades é materializar a retomada da participa-
ção cidadã. É garantir comida na mesa para que a Dona Maria e o Seu Antô-
nio vejam além do que seus olhos podem ver.
A perspectiva do amanhã passa invariavelmente pela nossa capacidade
cognitiva e precisamos ampliá-la, disseminá-la e gerar condições de igual-
dade nos debates, nas proposições, nas rodas de conversa. É sair do unila-
teral e mensurável, para o pluralismo de ideias em um mundo instável. As
CONSCIÊNCIA 49
pessoas importam. As pessoas decidem. As pessoas inovam. Não é enviar o
convite do baile, mas ensinar os passos, aprender de outra forma e incor-
porar novos padrões.
Estar em posições de privilégio é ter na mão a chance de gerar oportu-
nidades, de expandir, de provocar. Estar algumas casas na frente é chegar
lá e fazer o exercício do pescoço e se incomodar. Ter voz e ser ouvida é luta
diária e é coletiva. Nessa história toda é preciso construir junto, solidificar.
Enfrentar as desigualdades é traduzir a ambição das agendas globais em
ações locais concretas, é medir ESG com quem está sendo impactado, é tra-
çar metas ouvindo as pessoas. O mar é o mesmo, uma tormenta que assusta,
são as mudanças climáticas, o desemprego, a falta de comida. Estamos, nós,
as pessoas, no mesmo lugar, mas nesse mar cada um está como pode... a
nado, com uma tábua, de barco, no veleiro, barco a remo, de iate, no navio.
Só sairemos desse lugar com as pessoas. Então, onde estão todas e
todos? A voz que ecoa não é pluri, nem harmônica, as cores são monocro-
máticas. Falta entender que as mudanças que vão reduzir as desigualdades
e fazer nossa sociedade avançar são feitas pelas pessoas e para as pessoas.
Vamos, é só praticar!
50 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Di.re.ção
(s.f.)
1. Lado para onde se dirige; rumo;
sentido; caminho.
2. Indicação de orientação geográfica,
artística ou estratégica.
A Agricultura
Regenerativa: o olhar
ao futuro, 53
A essencial habilidade
de adaptação ao ESG, 56
A simbiose para a
transformação social, 59
Aprendizagem como elo
para a sustentabilidade, 61
De shareholders para
stakeholders: o valor de
uma empresa, 64
Cultura organizacional
e o futuro coletivo, 67
Conversa com Anita
Roddick, 70
Amazônia Viva: uma
narrativa ampliada, 72
Graduação da Pobreza:
remédio ideal para matar
a fome, 75
Mercado de Carbono,
e eu com isso?, 79
Por um futuro circular
e consciente, 82
A Agricultura
Regenerativa: o
olhar ao futuro
Minha paixão e dedicação pela agricul-
tura começou há muito tempo. Formei
Engenheira Agrônoma na ESALQ-USP
ALESSANDRA FAJARDO em 1995 e desde sempre a importân-
Food Value Chain cia de produzir mais com menos sem-
Partnerships Director pre esteve latente.
linkedin.com/in/alessandra-
A enorme pegada global da agri-
fajardo-317716/
cultura significa também que ela tem
um enorme potencial transformador.
Embora muitos setores trabalhem
apenas para reduzir emissões ou
tornarem-se neutros, a agricultura
pode se valer da capacidade do solo
de sequestrar carbono, removendo-o
efetivamente da atmosfera. Ao au-
mentar esse potencial, podemos tor-
nar a agricultura não apenas neutra,
mas também uma contribuição posi-
tiva para nossos ecossistemas.
Na realidade, os efeitos poten-
ciais são muito mais amplos, quando
consideramos a capacidade do solo
de armazenar e filtrar água, limitar as
inundações, sustentar culturas e uma
grande variedade de plantas e vida
selvagem, proporcionando subsistên-
cia e meios de sustento aos agricul-
tores e suas comunidades. Visto sob
essa lente, o desafio do carbono da
DIREÇÃO 53
agricultura está integrado a muitos outros desafios: saúde, resiliência, equi-
dade econômica, biodiversidade, desertificação e muito mais. Obviamente,
não haverá uma única solução "fácil" para essa situação complexa – será
necessário dispor de um conjunto completo de tecnologias e práticas.
Nas esferas do agronegócio e da política, há uma discussão crescente
sobre a Agricultura Regenerativa: uma nova visão para se alcançar resulta-
dos positivos progressivos nos campos de cultivo, pastagens e florestas em
todo o mundo. Este pode ser o princípio orientador que temos buscado: um
novo nível de ambição que vai além do princípio da neutralidade ou "não
fazer mal" e reconhece nossa responsabilidade de continuar melhorando e
fazendo mais com menos.
Há questões em aberto quanto à definição exata de Agricultura Rege-
nerativa, ou quais produtos e técnicas estão incluídos. Mas um elemento
chave é consenso: o solo é o ponto central. Adequadamente mantido, o solo
é organicamente rico, combinando partículas minerais com plantas, fungos,
minhocas, micróbios e outras espécies.
Esforços para se alcançar uma agricultura sustentável estão em anda-
mento há anos e deram origem a diferentes escolas de pensamento. O que
diferencia a Agricultura Regenerativa e por que agora é a hora certa para isso?
A chave é que a Agricultura Regenerativa se concentra nos resultados
e não apenas nos insumos. Naturalmente, ela se relaciona com as práticas
que podem levar a esses resultados – mas pode incluir qualquer produto
ou método agrícola, desde que contribua para os resultados desejados (solo
saudável, plantas saudáveis, ecossistemas e pessoas saudáveis).
Esta é uma grande mudança na ambição e no direcionamento de nossos
esforços. O sucesso de qualquer área depende de muitas variáveis (tipo de
semente, produto de proteção da cultura, volume e cronograma, práticas
agrícolas, dados climáticos, variações climáticas, pressão de pragas e doen-
ças, e mais) que, historicamente, tem sido difícil comprovar exatamente o
que causa um determinado resultado no final da safra. Isso está finalmente
mudando. A revolução digital chegou à agricultura, e as ferramentas digitais
estão nos fornecendo uma grande quantidade de dados sobre os produtos
e práticas que os agricultores utilizam. As soluções de IA podem analisar
54 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
esses dados e resolver diferentes variáveis. Por fim, estamos conseguindo
obter uma compreensão comprovada de como os métodos e resultados es-
tão ligados em diferentes culturas, países e campos.
Isto viabiliza uma abordagem centrada nos resultados que realmente fun-
ciona. E mantém toda tecnologia em jogo. A proteção sintética de culturas
pode desempenhar um papel na Agricultura Regenerativa, pois os dados nos
permitem utilizá-la de forma dirigida com o menor impacto possível e, ao
mesmo tempo, maximizar o uso de tecnologias biológicas que mantêm as
pressões baixas por mais tempo. Uma solução flexível e centrada no agricultor.
A Agricultura Regenerativa é particularmente importante para a Améri-
ca Latina, uma região com enormes áreas de terras agrícolas, importância
global para as exportações e grande potencial para aumentar sua adoção
de tecnologia agrícola. O agronegócio tem um papel a desempenhar aqui, e
muitas empresas do setor de alimentos e agricultura já estão investindo em
iniciativas para promover modelos regenerativos de agricultura.
DIREÇÃO 55
A essencial
habilidade de
adaptação ao ESG
Eu costumo dizer que fui treinada
pela vida a ser uma espécie de ca-
maleão, um animal conhecido por
ANA CAROLINA sua característica de camuflagem
OLIVEIRA
em meio à natureza para se proteger
Gerente ESG de ameaças e se adaptar a variadas
linkedin.com/in/ana-carolina-osg/ situações. Após morar em muitas
cidades, lidando com pessoas, am-
bientes e culturas diferentes desde
cedo, fui aprendendo sobre como
me integrar, respeitando o ambiente
em que eu estava chegando e, aos
poucos, ir conquistando a confiança
e meu espaço. Em 2012, aos 23 anos
de idade, já estava no Rio de Janeiro,
última cidade carimbada, até agora,
no meu passaporte da vida. Dessa
vez a mudança ocorrera para dar iní-
cio a uma das trajetórias mais desa-
fiadoras com a qual já tive contato
na vida: a profissional.
O desafio de se adaptar, de de-
monstrar sua habilidade de cone-
xão, de entendimento da situação,
de empatia e de ajudar na solução,
sempre me atraiu. E como boa parte
das questões que envolvem minha
vida, eu entendo que isso tem tudo
a ver com o ESG. O que mais o ESG
56 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
representa hoje do que a própria mudança? Mudança de mindset, desafio de
pensar diferente, de entender o outro e as novas demandas, de buscar novas
soluções para problemas comuns ou antigos, ou a oportunidade de repensar
todo o ciclo, do início ao fim e por um propósito muito maior: a geração de
valor e impacto positivo para toda a sociedade.
O novo assusta e as mudanças causam mais desconforto do que moti-
vação na maioria das pessoas. Segundo um estudo conduzido por Gilbert,
Pinel, Wilson e Blumberg (2018), intitulado "Psychological Comfort: A Resis-
tance to Change?", cerca de 85% das pessoas apresentam algum nível de
resistência à mudança devido à sensação de conforto associada à rotina e
familiaridade. O estudo também destaca que a zona de conforto está rela-
cionada à estabilidade emocional, mas não necessariamente à satisfação
pessoal ou profissional.
A zona de conforto é um local de estabilidade, mas também o local de
maior concentração de pessoas insatisfeitas com seu momento atual em
determinado projeto profissional ou até mesmo em sua vida pessoal. Um ou-
tro estudo realizado por Agho, Price, and Mueller (2017), intitulado "Exploring
the Relationship Between Comfort and Life Satisfaction," revelou que 63%
dos participantes que se encontravam em sua zona de conforto manifesta-
ram insatisfação com sua situação profissional, enquanto 58% mostraram
insatisfação com sua situação pessoal.
A adaptação às mudanças é um fator crucial para o sucesso individual
e organizacional. Um relatório da Harvard Business Review intitulado "Ac-
celerating Success in Large Scale Change" destaca que cerca de 70% das
iniciativas de mudança nas organizações falham, principalmente devido à re-
sistência das pessoas envolvidas. Isso indica que a aceitação e adaptação às
mudanças são desafios significativos que precisam ser abordados de forma
eficaz. Muito mais do que simplesmente se desafiar a sair da sensação de
estabilidade da já conhecida zona de conforto, é preciso se desafiar a pensar
e fazer diferente do que comumente vem pensando e fazendo nos últimos
ciclos. E isso não quer dizer que você não obteve sucesso em como desen-
volveu seu trabalho nos últimos tempos, e sim que as prioridades mudam,
as metodologias se atualizam, e o mercado demanda novas perspectivas
de soluções para antigas e novas situações. O próprio ESG chegou “recen-
DIREÇÃO 57
temente” com mais força trazendo uma urgência para assuntos que foram,
na maioria das vezes, despriorizados na agenda corporativa e governamental
nas últimas décadas em todo o mundo.
O ESG demanda um olhar holístico, uma nova análise do cenário atual,
uma grande provocação onde não mais é aceito somente “falar que fez” ou
“fazer o básico”. É essencial a definição da estratégia de atuação, do posicio-
namento e forte engajamento de todas e todos, desde a liderança até chegar
à sua cadeia de valor. A orientação para os próximos anos deve ser dada de
forma clara, baseada em indicadores e compromissos que façam sentido
para o contexto de cada empresa e setor de forma que sua materialidade
seja respeitada. O mais importante agora não é o “fazer por fazer” e sim
“medir seu impacto”. Trivial? Nem um pouco. Isso possui uma complexidade
alta, porém permite que a empresa consiga avaliar seu impacto em suas
áreas de influência e enxergar de forma estruturada se alguma ação pode
ser reformulada ou até potencializada, ganhando escalabilidade e gerando
maior impacto positivo.
Tudo isso ocasiona, inevitavelmente, uma grande mudança. Ser adaptá-
vel a esses novos desafios vem se tornando uma característica de destaque,
ou até mesmo essencial, dentre os profissionais que se propõem a trabalhar
em um cenário corporativo em constante transformação. Que sejamos mais
camaleões, que consigamos ver mais o lado positivo que o negativo das mu-
danças e que, principalmente, façamos parte dela, priorizando aquelas que
geram valor não apenas para a empresa onde trabalhamos e sim para toda a
sociedade. É preciso ser “a mudança que você quer ver no mundo”.
58 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
A simbiose para
a transformação
social
Embora o capitalismo moderno tenha
raízes no feudalismo da Idade Mé-
dia, seu desenvolvimento significativo
ANA LUIZA ROQUE ocorreu a partir do século XVIII, com
Head de Desenvolvimento o avanço do comércio e das rotas
Sustentável
comerciais internacionais. Na era in-
linkedin.com/in/analuizaroque/ dustrial, a sociedade ocidental pas-
sou a produzir mais intensivamente,
com a introdução de novas tecnolo-
gias, como a máquina a vapor e a ma-
nufatura mecanizada, transformando
a fabricação de bens. Essa mudança
criou uma demanda crescente por
capital e investimento, resultando
no surgimento de um sistema eco-
nômico baseado no lucro e proprie-
dade privada, acarretando impactos
significativos no meio ambiente e nas
relações sociais.
Ambientalmente, testemunhamos
a maior poluição, desmatamento, es-
gotamento de recursos e aumento
das emissões de gases de efeito estu-
fa. Socialmente, ocorreu uma urbani-
zação desordenada, intensificaram-se
condições de trabalho degradantes e
houve um aumento das desigualda-
des socioeconômicas. Essa dinâmica
DIREÇÃO 59
ampliou as oportunidades para práticas corruptas, com benefícios individu-
ais prevalecendo sobre o bem comum.
No século XIX, a interpretação distorcida da teoria de Darwin, conhecida
como "darwinismo social", foi utilizada para justificar desigualdades, explora-
ção e exclusão social. Essa narrativa fortaleceu a competitividade e o indivi-
dualismo, apesar de ter sido amplamente refutada e criticada. Vale ressaltar
que Darwin, em sua obra "A Origem das Espécies", enfatizou a importância
da cooperação, sociabilidade e empatia para a sobrevivência e evolução das
espécies, reconhecendo que a evolução humana abrange fatores complexos
além da seleção natural, tais como a cultura, a capacidade de raciocínio, a lin-
guagem e outros elementos que influenciam o comportamento e a sociedade.
Dessa forma, os fundamentos da vida revelam que a sobrevivência e a
prosperidade não são exclusivamente determinadas pela competição, mas
sim pela interação, conexão e simbiose. Aqui refiro-me especificamente às
simbioses mutualística e comensalística, em que ambas as espécies se be-
neficiam, desempenhando um papel importante na evolução e na manuten-
ção da biodiversidade.
É imprescindível ressaltar que a sustentabilidade não é intrinsecamente
incompatível com o sistema capitalista. Um reconhecimento crescente tem
surgido em relação à necessidade de abraçar um capitalismo consciente e não
exploratório. A sustentabilidade fundamenta-se na busca pela integração de
práticas, no desenvolvimento organizado e em uma economia circular.
Isso demanda a adoção de práticas de produção e consumo mais res-
ponsáveis, o investimento em energia limpa e tecnologias sustentáveis, a
preservação dos ecossistemas, promoção da equidade social e o combate à
corrupção. É essencial alcançar um equilíbrio cuidadoso entre o crescimento
econômico, a justiça social e a preservação ambiental, baseado em estrutu-
ras éticas, para alcançar uma forma mais sustentável de capitalismo.
Portanto, por meio de relações simbióticas, baseadas na confiança e no
compromisso com o interesse coletivo, a partir de uma abordagem coletiva
e holística, é possível desencadear uma transformação social que combata
a corrupção e promova uma sociedade mais colaborativa, equitativa, sus-
tentável e justa. Afinal de contas, como Lynn Margulis afirma, “somos seres
simbióticos em um planeta simbiótico”.
60 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Aprendizagem
como elo para a
sustentabilidade
Com o crescimento e a complexida-
de das crises socioambientais e dos
movimentos de pressão social, desde
BRUNA RIBEIRO a década de 1980, a discussão sobre
sustentabilidade integrou-se à agen-
linkedin.com/in/ribeirobruna/
da empresarial e se fez mais presen-
te nos estudos acadêmicos. Apesar
disso, diferentes estudos sustentam
que as práticas implementadas pelas
organizações são insuficientes, pois
são em boa parte superficiais e não
conduzem a uma evolução que as
permitam ser consideradas efetiva-
mente sustentáveis.
Desde o início dos anos 2000,
pesquisas científicas sobre as dificul-
dades das organizações em responder
inteiramente aos desafios ambientais
e sociais, e a necessidade de passarem
por significativas mudanças e transfor-
mações culturais para esta superação,
se avolumaram. Mesmo com a per-
cepção de que o discurso das orga-
nizações vem avançando, os desafios
persistem em relação à implementa-
ção da sustentabilidade na prática,
de modo a fazer parte dos processos,
bem como dos valores e tomadas de
decisão dos membros da organização.
DIREÇÃO 61
Para alguns estudiosos, pode ser difícil supor que a simples inclusão de
objetivos de sustentabilidade nas estratégias e políticas da empresa levará
aos comportamentos e resultados desejados. Ou seja, integrar objetivos de
sustentabilidade na estratégia geral da empresa e seguir, ao mesmo tempo,
uma abordagem prática de conformidade em suas operações pode não sus-
tentar o cumprimento absoluto e eficiente dessas metas.
Romper os desafios para o desenvolvimento da sustentabilidade nas
organizações demanda uma mudança de perspectiva em relação a crenças,
hábitos e comportamentos. É preciso que as pessoas, de maneira geral, de-
senvolvam uma nova consciência com novos valores.
Por outro lado, mudar crenças acomodadas ao longo de séculos exige
que todos os atores sociais envolvidos na rede do desenvolvimento susten-
tável reaprendam uma nova maneira de partilhar seus interesses para criar
sociedades mais sustentáveis. E são esses mesmos atores sociais, nos seus
múltiplos papéis e visões de mundo, que compõem as organizações.
Sob esta visão, ainda especialmente no campo das organizações, ter um
olhar intencional sobre o desenvolvimento de pessoas, por meio de proces-
sos de aprendizagem para a sustentabilidade, passa a ser preponderante. In-
clusive, nesse sentido, historicamente a aprendizagem organizacional foi se
fortalecendo como um meio essencial para alcançar mudanças estratégicas.
Ao focar nos membros da organização como catalisadores da mudança, os
processos de aprendizagem passam a ser um elo central para o desenvol-
vimento da cultura organizacional, orientada pela experiência e destinada à
geração do conhecimento necessário.
Nesse sentido, de forma prática, a implementação de programas de
educação corporativa à luz da sustentabilidade é essencial e deve ser con-
tínua. Este processo depende de uma nova forma de educação que passa,
necessariamente, também por processos de treinamento, capacitação e de-
senvolvimento de pessoas, com o fomento de ações e atitudes comprome-
tidas com a sustentabilidade.
Também, nesse aspecto, é necessária a incorporação de traços culturais
diversos, espaços seguros para o diálogo e a exigência de competências
62 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
alinhadas aos atuais desafios sociais e ambientais, em todos os níveis hie-
rárquicos de uma organização.
Finalmente, é preciso reforçar que tais esforços rompem as fronteiras
departamentais e os cargos funcionais, sendo responsabilidade de toda
a liderança, de modo a constituir um forte e integrado consenso entre os
colaboradores e a organização, assim como um senso de identidade e com-
promisso com suas metas para a sustentabilidade. Responder às demandas
de sustentabilidade, cada vez mais consiste em encorajar as pessoas, inde-
pendente do papel que elas exercem, a pensarem sobre a razão das decisões
tomadas e quais são as alternativas disponíveis para essas demandas.
DIREÇÃO 63
De shareholders
para stakeholders:
o valor de uma
empresa
Faltando oito anos para atingirmos os
ODS, as organizações começam a per-
DENISE HILLS
ceber a importância de achar o equilí-
UN SDG Pionner e brio entre gerar valor para o acionista
Conselheira em ESG
e, ao mesmo tempo, compartilhar va-
linkedin.com/in/denise- lor com toda a sociedade.
hills-9095638/
Costumo dizer que a “lista de ta-
refas” da humanidade está expressa
nos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável da ONU. Os 17 ODS fo-
ram estabelecidos em 2015 e com-
põem uma agenda mundial para a
implementação de novas práticas
empresariais e de políticas públicas
que visam guiar a humanidade até
2030. Desde que foi lançado o ter-
mo ESG (Environmental, Social and
Governance), em 2015, no relatório
intitulado Who Cares Win, do Pacto
Global, temos vivido uma crescente
geração de conhecimento, ciência,
práticas, métricas e novos padrões.
No centro do debate empresarial,
o senso de propósito das empresas,
além de ser determinante para se
conectar à sociedade, influencia a
forma como investidores avaliam as
64 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
carteiras de investimentos. O sucesso de longo prazo do negócio, portanto,
é ter estratégia integrada às temáticas de ESG, atendendo às necessidades
dos stakeholders.
Os princípios ESG vão acelerar a busca da governança corporativa, da
prosperidade econômica e do respeito com as pessoas e o planeta. Os de-
safios são sistêmicos e complexos, mas a inspiração central para mover o
mundo empresarial é lembrar que seu desenvolvimento econômico deve
ter conexão com um propósito maior: ser uma solução para a sociedade.
Sabemos que tudo gera impacto. Todas as empresas geram as chamadas
externalidades a partir de suas operações, mas o foco deve ser alcançar um
modelo de negócios que promova o maior impacto positivo possível. Os indi-
cadores de sucesso dessas organizações são transformar os ODS em gestão
e estratégia pela consolidação de seus propósitos. Por isso, acredito ser
importante que empresas passem a identificar, gerir e entender os valores
econômicos de seus impactos, assim como os de suas atividades diretas,
sejam eles positivos ou negativos – sendo transparentes no reporte e com-
partilhamento de seus avanços. Um dos elementos-chave para esse avanço
é a adoção de métricas que permitam comparar os resultados dessas ações,
como hoje fazemos com receita, lucro e outros indicadores.
O impacto que geramos no mundo e na sociedade precisa ser parte da
decisão e gerido em todas as suas dimensões. O Integrated Profit and Loss
(IP&L), por exemplo, é uma ferramenta inovadora desenvolvida pela Natura
para garantir que a gestão e a tomada de decisão estejam, de fato, conduzin-
do a empresa a seguir gerando impacto positivo por sua operação. Criamos
um modelo de avaliação de resultados que mensura o potencial da natureza
e das pessoas, um “capital invisível” para mudar o futuro do planeta, atual-
mente subestimado pelo sistema econômico.
Ao atribuir a mesma métrica a tudo o que possui valor é possível compa-
rar a importância relativa de atividades muito diferentes, visando potenciali-
zar os efeitos positivos, ao mesmo tempo que mitigar os negativos. “Impacto
é o novo lucro”, pois a sociedade vê valor em quem, de fato, gera valor para
todos. O grande desafio aqui é não simplificar questões complexas, porque
a vida não é sobre dinheiro ou balanços.
DIREÇÃO 65
Certas questões, como as sociais e de direitos humanos, não podem
ser reduzidas a uma métrica, mas o que precisamos é um esforço coletivo
para medir e contabilizar também o impacto do que é gerado por uma em-
presa e compartilhado com todos. Cada um de nós deixará um legado para
a sociedade. Para que seja positivo e contribua para ser uma das respostas
à crise global, o mundo precisa avançar e prestar contas conjuntamente –
pois a transição para um modelo realmente sustentável deve ser feita de
forma sistêmica.
66 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Cultura
organizacional e o
futuro coletivo
Falar de cultura é falar de um sistema
simbólico que determina relações,
conexões, interações não só nas or-
EVELYN DIOGO ganizações, mas em toda a socie-
Coordenadora de Cultura dade. O comportamento humano é
Corporativa e Especialista
fator fundamental na criação e im-
ESG
plementação de modelos de negócios
linkedin.com/in/evelyn-
diogo-77aba920/ sustentáveis. As empresas são com-
postas por pessoas, e as decisões e
ações delas possuem um impacto
significativo nas práticas da empresa.
A cultura de uma organização
marca e define os valores para to-
das as suas estratégias. Os pilares
devem ser um mantra na construção
e condução no dia a dia, expressar
aquilo que se acredita ser o principal
caminho para embasar, sustentar e
conduzir os negócios.
Quer ver a cultura na prática em
prol da perenidade do mundo através
dos negócios, produtos e serviços
da organização? Pois bem, primeiro
observe os artefatos e os comporta-
mentos vivos na dinâmica organiza-
cional. Somente com o diagnóstico
de qual é a cultura atual, se pode
traçar os valores que irão, junto com
DIREÇÃO 67
a estratégia, mover a organização na jornada dos novos comportamentos da
liderança e dos colaboradores.
Olhar para a cultura institucional e desenhar estímulos para transfor-
mar atitudes com objetivo de avançar de maneira consistente, não só nas
práticas ESG, mas também na aprendizagem contínua da organização a
favor do futuro coletivo pelos negócios. Mais uma vez, o entendimento
do comportamento humano é uma ferramenta importante na gestão da
mudança, visto que é um processo desafiador mudar atitudes que já se
tornaram hábitos, ao longo da carreira e que moldam o modelo mental na
vida e no ambiente corporativo.
Há vários passos para uma jornada de transformação cultural e o primei-
ro deles é traçar a estratégia única com metodologia para que a mudança
possa avançar. A cultura não só evolui, como ela é constituída por uma força
que está em constante movimento, alimentada pelas dinâmicas políticas,
econômicas, sociais e microssociais.
A questão é: qual movimento cultural, totalmente alinhado com as prá-
ticas ESG e com a sustentabilidade, que poderá facilitar a convergência es-
tratégica da organização?
O conceito de sustentabilidade, que engloba os pilares ambiental, social
e econômico, é mais amplo do que o ESG, que se concentra na gestão am-
biental, nas relações sociais e na governança ética das empresas. Enquanto
a sustentabilidade abarca a vida dos indivíduos, as decisões coletivas da
sociedade, a operação dos governos e o funcionamento dos demais sistemas
econômicos. Práticas ESG representam critérios para tomada de decisão nos
negócios, com a sustentabilidade sendo o objetivo final. Nesse contexto, a
distinção clara entre sustentabilidade e ESG é importante na estratégia de
comunicação e aprendizagem, pois define o escopo e as responsabilidades
das instituições e dos colaboradores.
Essa distinção permite à empresa estabelecer metas eficazes, imple-
mentar iniciativas relevantes e comunicar aos stakeholders que seu com-
promisso vai além dos padrões mínimos de ESG, abrangendo um impacto
positivo amplo em busca de soluções para os desafios econômicos, sociais,
ambientais e climáticos atuais.
68 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Transformações culturais representam um investimento significativo no
desenvolvimento de um ambiente corporativo que realmente seja mais se-
guro e saudável, inclusivo e alinhado não só com os princípios ESG, mas
com a perenidade do mundo. Através desse processo, é necessário trabalhar
para construir uma cultura de inovação social real de “dentro para fora”, que
não apenas permita ao negócio prosperar, mas que também gere impacto
positivo na vida dos colaboradores, clientes, fornecedores, acionistas e na
sociedade em geral.
Outro fato é: não se muda o mundo sozinho. Quando o assunto é pere-
nidade, transparência e jornada de aprendizagem contínua precisamos que
a liderança avance no exemplo e prática, nas decisões e no modo como os
mais diversos negócios devem ser conduzidos.
Alguns líderes de várias indústrias já defendem a ideia de que ESG não
é apenas uma área, filantropia ou gestão de riscos: é estratégia de negócio.
Alguns já sabem, inclusive que se trata de uma prática diária da cultura ins-
titucional a ponto de se tornar driver de inovação.
Deve-se então, organizar de maneira estratégica o propósito, a cultura
institucional, as práticas de gestão de pessoas com as ambições dos negó-
cios para que o impacto positivo almejado seja eficiente. Tudo isso contribui
para que seja mais simples atender as reais necessidades dos clientes aju-
dando-os na construção de futuros prósperos e regenerativos, ampliando a
rentabilidade através da responsabilidade para seguir atraindo investimentos
com convicção e consistência.
Vivemos um momento decisivo, por isso, a prática da cultura e dos com-
portamentos esperados que visam o impacto positivo através dos negócios é
um reflexo do compromisso da organização com a necessidade emergencial
da humanidade: a criação de um presente sustentável, inclusivo e com a
capacidade de se regenerar para não deixar ninguém para trás.
DIREÇÃO 69
Conversa com
Anita Roddick
Cara Anita1, resolvi retomar a nos-
sa conversa depois de um ano, no
volume 2 do livro “Essas Mulheres
Sustentáveis”. Uma das coisas boas
da vida, é jogar conversa fora com
FERNANDA
GABRIELA BORGER mãe, irmãs, primas, amigas e contar
Pesquisadora (FIPE), as histórias e novidades. Dessa vez,
Professora e Consultora (FIA) vou falar mais das minhas preocu-
linkedin.com/in/fernanda-
pações do que contar novidades.
gabriela-borger-26242b4/
A conta está chegando, consu-
mimos 70 % a mais da capacidade
do planeta em se restaurar, estamos
muito próximos do aumento de 1,5
graus do clima, os eventos extremos
como chuvas, enchentes, inundações,
queimadas, secas estão cada vez
mais frequentes. No Brasil ocorre-
ram inundações e enchentes de nor-
te a sul do país, com consequências
graves para a população local, como
sempre os mais pobres foram os
mais afetados.
Como mencionou Jeffrey Sachs,
os mais pobres do planeta são co-
brados para reduzir as emissões de
1. Anita Roddick é ativista, empresária, mãe e avó. Em
1976, fundou a marca de cosméticos The Body Shop,
um sucesso empresarial que na década de 1990 tinha
2.000 lojas em 24 países. Famosa pelo seu modo de
gerenciar os negócios, colocou a ética, o relaciona-
mento com a comunidade, a proteção aos animais,
o respeito ambiental e aos direitos humanos como
valores da empresa acima dos lucros e rentabilidade.
70 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
carbono, proteger a biodiversidade, oferecer serviços de saúde universais,
mas sem crédito, pagando juros. O avanço comemorado na COP 28 do Egito,
é que os países desenvolvidos reconheceram que devem financiar a redução
das emissões de carbono, porque são os maiores causadores da emergência
climática, entretanto não sabemos como e quando. A conversa ficou para
as próximas COPs. (28, 29, 30, 31…100), como se tivéssemos muito tempo!
Os mais ricos ainda discutem se ESG é ideologia, reclamam que não
existem métricas para avaliar as práticas de sustentabilidade. O movimento
continua, é irreversível, ocorreram avanços, mas ainda são tímidos, perto do
que precisamos. No início de março deste ano (2023), senadores republi-
canos aprovaram a retirada de uma resolução que os gestores de fundo de
pensão deveriam privilegiar práticas ESG na escolha de seus investimentos.
O argumento para a retirada da resolução foi de que a norma obrigava a
politização dos investimentos! O que demonstra que o mercado ainda não
entendeu as implicações de ESG para os negócios.
Primeiro, integrar as práticas sustentáveis a estratégias corporativas,
significa avaliar os riscos e oportunidades que ESG traz para os negócios,
analisar a taxa de retorno dos investimentos e quais são os parâmetros de
análise. O que está longe do argumento da falta de métricas, você se es-
pantaria com a quantidade de normas, certificações e métricas que existem
para avaliar a sustentabilidade dos negócios, a questão não é a falta, mas
entender o que medem, como e porque a empregamos.
O mercado financeiro ainda cobra os mesmos juros de quem emite mais
GEE e de quem não emite, as empresas que já incorporaram ESG na sua es-
tratégia, ainda não captaram o valor das suas contribuições para a sociedade
nos negócios. Ainda são avaliadas da mesma forma que outras empresas que
contribuem muito pouco. A agenda financeira corporativa ainda não mudou o
suficiente para trazer o ESG para o cerne dos negócios. Nos dá a sensação de
que o esforço para fazer o certo é enorme, parecendo trazer poucos resultados.
O mais difícil é mudar o modelo de negócios, de forma a incentivar a
preservação ambiental, reduzir a pobreza e promover a equidade para todos.
Temos um longo caminho a percorrer, mas está na hora de deixarmos de
usar os mesmos mapas do passado!
DIREÇÃO 71
Amazônia Viva:
uma narrativa
ampliada
Qualquer pessoa envolvida com sus-
tentabilidade já sabe que a Ama-
zônia é central na agenda de mi-
GEORGIA CUNHA
tigação da crise climática, não só
Facilitadora de jornadas
de transformação para o Brasil, mas para o mundo.
Agora com o anúncio de que a COP
linkedin.com/in/georgiacunha/
30 será em Belém em 2025, tere-
mos cada vez mais investimentos
voltados para essa região. Enquan-
to escrevo esse artigo, a cidade de
Manaus está coberta de fumaça
das queimadas, o Rio Amazonas
está na maior seca já registrada
na história, as comunidades ri-
beirinhas estão completamente
isoladas, e os garimpeiros seguem
desmatando, agora com a internet
Starlink do Elon Musk dando su-
porte para a ilegalidade.
Nesse contexto, e considerando
que sou paraense, nascida e criada
na Amazônia urbana de Belém, te-
nho a intenção aqui de contribuir
com os meus dois centavos para
esse tema propondo uma reflexão
sobre a narrativa que escolhemos
usar ao falar da floresta.
72 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
A Importância de manter a Amazônia de Pé: para além do óbvio
Sim, a floresta amazônica atua como um sumidouro de carbono, absorvendo
dióxido de carbono da atmosfera e ajudando a mitigar as mudanças climá-
ticas. Sim, essa região influencia os padrões climáticos regionais e globais,
contribuindo para a formação de chuvas na própria região e também em
outras partes do Brasil. Sabemos que a preservação da floresta pode gerar
créditos de carbono que podem ser vendidos no mercado internacional de
carbono. Mas o que mais a floresta oferece? Sob a perspectiva do valor
econômico, manter a “floresta de pé” já seria crucial por várias razões, que
incluem, por exemplo:
Biodiversidade e pesquisa científica: lar da maior biodiversidade do pla-
neta, a Amazônia é fonte inestimável de conhecimento científico e con-
tém segredos valiosos que podem levar a descobertas a inovação na
medicina, biologia e outras disciplinas;
Bens de extrativismo sustentável: se manejados de forma sustentável,
os produtos florestais não madeireiros como frutas, castanhas, óleos e
plantas medicinais são uma fonte importante de renda para comunida-
des locais e matéria prima para indústrias;
Turismo regenerativo: aquele que se propõe a promover um impacto
positivo de longo prazo nas áreas visitadas, revitalizando comunidades
e ecossistemas enquanto promove a conscientização dos viajantes que
vivem a experiência da floresta, é outra fonte de receita e de desenvol-
vimento socioeconômico local ganhando destaque;
Polinização de plantações: a Amazônia também suporta uma variedade
de polinizadores, como abelhas e borboletas, essenciais para a reprodu-
ção de muitas plantas, incluindo aquelas consideradas de importância
econômica, como frutas e o café.
Valores intangíveis: o conceito de "Floresta Viva" equatoriano
Mas a Amazônia não cabe em números. A maior floresta tropical do mundo
tem valor intangível maior do que somos capazes de vislumbrar no atual
estágio de consciência da humanidade. Podemos falar de valores culturais
e históricos da preservação, do contato com a natureza como necessidade
DIREÇÃO 73
básica para nosso bem-estar, mas ainda estamos arranhando a superfície
quando o assunto é compreender a sabedoria ancestral ainda viva nos povos
tradicionais da floresta. O futuro é ancestral, como diz Ailton Krenak.
No livro “Pluriverso: um dicionário do pós-desenvolvimento”, em um ca-
pítulo escrito por Paty Gualinga (indígena do povo Kíchwa) me encantei com
o conceito de "Floresta Viva" – uma filosofia originária de tradições dos po-
vos indígenas equatorianos e de outras regiões da América Latina que vê a
floresta como um organismo vivo onde cada elemento, seja ele uma árvore,
um animal ou uma planta, possui alma e está interligado em uma rede com-
plexa de relações. A natureza não como um recurso a ser explorado, mas sim
como um ser que transmite conhecimento.
Depois de ter vivido a minha própria experiência de contato profundo
com a Amazônia, ressoou em mim a pergunta: e se a floresta for uma exten-
são de nós mesmos como esses povos sugerem? Por essa perspectiva, qual-
quer dano infligido a ela é também um dano a nós mesmos. Aí tudo muda.
Reconhecer esse ecossistema como um ser vivo que deve ser respeitado e
protegido é tão importante que pode até entrar na Constituição.
O Equador já deu esse passo. Em 2008, tornou-se o primeiro país do
mundo a incluir os direitos da natureza em sua Constituição, que hoje reco-
nhece a natureza como “sujeito de direitos” com o “direito ao respeito inte-
gral à sua existência" e isso tem tido implicações significativas em políticas
públicas e decisões judiciais a favor da proteção dos ecossistemas.
Amazônia Viva: por uma narrativa mais holística
Concluo fazendo um convite para ampliarmos a narrativa do movimento pela
“Amazônia de pé” incluindo o conceito de "Amazônia Viva", que na minha
opinião representa uma visão mais holística da floresta por levar em conta a
interdependência entre os seres humanos, as outras formas de vida e o am-
biente natural. Assim reconhecemos não só o valor tangível da floresta, mas
também seu valor intrínseco como um ecossistema vivo e sagrado.
74 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Graduação da
Pobreza: remédio
ideal para
matar a fome
— Ganha Bolsa Família e ainda pede
esmola.
JULIANA SÁ
— Tinha curso gratuito, mas desistiu.
Especialista em Depois reclama que não tem opor-
Sustentabilidade
tunidade.
linkedin.com/in/julianasaesg/ — É difícil trabalhar com esse pes-
soal. Não sabem nada!
No dicionário, vergonha é um
“sentimento penoso de desonra, hu-
milhação ou rebaixamento diante de
outrem”. Para Brené Brown, pesqui-
sadora da Universidade de Houston,
vergonha é algo que TODOS nós expe-
rimentamos. Apesar de conviver cons-
tantemente com ela, é quase um tabu.
A vergonha é universal, um dos
sentimentos mais primitivos. Mas
quando pensamos ou ouvimos frases
como estas acima, a vergonha – da
gente mesmo ou do outro – aflora,
ou deveria aflorar urgentemente.
Frases recheadas de pré-concei-
tos e puro preconceito que são di-
tas ou pensadas sem filtros quando
precisamos enfrentar o que sai do
habitual. O que de uma maneira ou
de outra incomoda.
DIREÇÃO 75
E incomoda porque – gostemos ou não – vivemos em um país que,
apesar de tanta riqueza, ainda chafurda na pobreza. Aqui vive muita gente
desprovida do básico.
Há gente que se importa com isso – outras nem tanto, ou absolutamente
nada. É que aquilo que não nos atinge, não incomoda.
Mas a pobreza deveria incomodar, porque ela é insistente – com ela
nasceu a fome e sua aparente imortalidade.
Segundo a Organização das Nações Unidas, em 2030, mais de 670 mi-
lhões ainda enfrentarão insegurança alimentar, em patamares semelhantes
aos de 2015.
No Brasil, a fome também é antiga e longeva. Atualmente, são 33 milhões
neste desalento coletivo.
Há mais de 70 anos, o médico e cientista social Josué de Castro – quatro
vezes indicado ao Prêmio Nobel da Paz – decidiu estudar a fome e a dor de
seu impacto. Constatou que ela se perpetua pela desigualdade de distribui-
ção de renda, não pela escassez de alimentos.
Castro descreveu que a fome muda a fisionomia das pessoas. A falta
de vitamina B2 provoca congestões na córnea e deixa os olhos vermelhos,
“dando um ar de maldade à expressão fisionômica”. A fome provoca uma
irritabilidade nervosa, tornando seus portadores mais irascíveis e descon-
trolados, portanto meio irresponsáveis. A sua valentia traduz muitas vezes,
paradoxalmente, a sua fraqueza nervosa e o estado de miséria de seus ner-
vos desvitaminados e superexcitados”.
É aí que muda o jogo. Quando a valentia do esfomeado incomoda e do
incômodo vem a ação dos de barriga cheia.
Mas acabar com a fome exige esforços coletivos e simultâneos.
Tentar combatê-la doando alimentos, gera um mecanismo de secar gelo
que não atinge sua causa raiz.
A fome tem CPF e se instala na casa de quem convive com a extrema
pobreza. Segundo o Banco Mundial, são 700 milhões de pessoas no mundo
nestas condições, sobrevivendo com menos de US$2,15 ao dia.
76 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Mas como erradicar a extrema pobreza?
Após testemunhar inúmeras tentativas frustradas, pesquisadores do
Massachusetts Institute of Technology (MIT), Abhijit Banerjee e Esther Duflo,
estudaram a fundo o tema. Após um longo trabalho de campo, concluíram
que a compreensão e a abordagem inadequadas da pobreza contribuíram
para o fracasso na batalha contra ela.
Entretanto, observaram mudanças significativas na realidade de pessoas
que passavam por intervenções que ocorriam simultaneamente de várias
maneiras em suas vidas. Era como dar-lhes uma espécie de passaporte para
a saída definitiva da pobreza. Esta lógica foi denominada ‘Graduação da Po-
breza’, estudo que lhes rendeu o Prêmio Nobel de Economia, em 2019.
Na prática, é sair do assistencialismo e oferecer microcrédito ou doa-
ção de um ativo para iniciar um pequeno negócio (máquina de costura, por
exemplo). Além disso, dar noções básicas de gestão, bem como treinamento
de corte e costura, orientação e suporte contínuo (verba para comida en-
quanto o lucro não chega). É incentivar que crianças estudem pois há uma
relação direta entre a educação e aumento de renda - a cada ano de estudo,
a renda aumenta 10,56%, em média.
Educação financeira também é primordial. Dar crédito a quem não tem
nada, pode ser uma armadilha para o endividamento. Mas como conseguir
dinheiro para iniciar um negócio se nem CEP existe no barraco onde se
mora de favor?
Oferecer alimentação é a melhor estratégia contra a evasão de cursos
de capacitação, evitando que uma mãe solo precise escolher entre colocar
comida em casa ou terminar a formação gratuita.
Entender como as pessoas tomam suas decisões é fundamental para
a elaboração de políticas públicas e ações que promovam mudanças sis-
têmicas. Ao sermos empáticos para compreender a luta diária de quem
vivencia a pobreza, acionamos a vergonha pelos vieses inconscientes das
frases do início do texto.
Entender os mecanismos de quem sobrevive um dia de cada vez, aliado a
estas ações simultâneas, é o remédio mais certeiro para acabar com a fome.
DIREÇÃO 77
Não é sobre dar o peixe ou ensinar a pescar. É sobre fazer os dois e ainda
doar a vara, oferecer crédito para comprar o barco e a rede, e ainda garantir
comida na mesa enquanto a maré está baixa.
Enquanto isso, lá de longe, a fome e a pobreza ficam a ver navios. E o
mar, cheio de esperança.
78 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Mercado de
Carbono, e
eu com isso?
O que o mercado de carbono tem a ver
comigo? Diretamente pouco, indireta-
mente muita coisa! Por quê? Desde
LAURA ALBUQUERQUE 1992 a comunidade científica sabe que
Diretora em consultoria no longo prazo a sociedade e ecossis-
e Professora em Transição
temas seriam impactados fisicamen-
para baixo carbono
te por eventos climáticos extremos, e
linkedin.com/in/lauraalbuquerque/
não se sabia quando nem quanto, mas
que o impacto aconteceria, sim, exa-
tamente como vivemos hoje.
Para evitar a magnitude desse
impacto as nações acordaram cole-
tivamente em primeiro reduzir emis-
sões de gases de efeito estufa (GEE)
em países desenvolvidos, que vinham
emitindo há muito mais tempo e pos-
suíam maior responsabilidade nesta
conta. Isso foi registrado no Protoco-
lo de Quioto em 1997. Quase 20 anos
depois, munidos de novas e robustas
evidências científicas, esses mesmos
países acordaram (no sentido duplo,
de despertar do sono, e também con-
cordar entre si) que todos deveriam
reduzir emissões de GEE e determina-
ram nacionalmente suas reduções de
GEE (as NDCs). Isso foi registrado no
Acordo de Paris em 2015.
DIREÇÃO 79
Dado o volume de investimento necessário para a redução dessas emis-
sões, tanto em Quioto quanto em Paris foram pensados mecanismos de
mercado para incentivar e facilitar a redução de emissões, pois, no final das
contas, a forma mais inteligente de reduzir as emissões planetárias é de uma
que seja custo efetivo para o globo. Grosso modo, esse seria o conceito do
mercado de carbono. Temos um limite de emissão global, cada país possui
sua contribuição para cumprir o limite, o país que consegue avançar reduzin-
do de forma mais barata pode fornecer para o país que possui alto custo de
redução sob critérios e metodologias específicas e acordadas coletivamente.
E é essa uma das grandes expectativas da COP 28 em Dubai este ano.
Quando colocamos o mercado de carbono no âmbito da Convenção Qua-
dro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas nos encontramos em um
momento de definição de quais serão esses critérios e metodologias e como
a transição regulatória do mecanismo de mercado do Protocolo de Quioto
(Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) irá se adaptar ao Acordo de Paris
(Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável e Transferência Internacionais
de Resultados de Mitigação). Anualmente nas COPs os países avançam nas
negociações dessas regras, critérios e metodologias, e os principais avanços
recentes nesse tema se deram na COP 26 em Glasglow, quando definiram os
critérios de contabilização das reduções de GEE dentro do mecanismo, e na
COP 27 em Sharm el Sheik quando houve avanço em processos e fluxos para
a transição desse mecanismo para o Acordo de Paris (o famoso Artigo 6).
Espera-se ansiosamente para COP 28, especialmente o setor privado
brasileiro – que possui 83 milhões de tCO2e em créditos de carbono no MDL
estacionados, e deseja ser investidor em projetos de redução de emissão
que possam gerar receita acessória – que se produzam as definições de (i)
se os tipos de projetos que geraram esses créditos no Protocolo de Quioto
poderão entrar no MDS; (ii) quais serão os novos critérios, metodologias e
tipos de projetos elegíveis no mecanismo.
Vale dizer que há uma demanda altíssima por essa definição pois a
partir dela há sinalização positiva para investimento nesses tipos de pro-
jeto, o que movimentará o mercado de carbono no âmbito da ONU e do
mercado voluntário.
80 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
E como essa agenda multilateral da ONU se conecta com a agenda do
mercado voluntário? Respeitando cada um dos critérios e regras definidas
de contabilização, processos, fluxos e metodologias. A função de cada mer-
cado é complementar e é possível que ambos operem gerando oportunida-
des para o país nacionalmente e internacionalmente.
A mesma lógica se aplica para o mercado regulado nacional no Projeto de
Lei 412 em tramitação no Senado. É uma oportunidade de incluir a redução
de emissão dos agentes regulados desse mercado na contribuição nacional
(NDC). Para o tamanho do desafio da redução de emissão necessária, to-
dos os instrumentos serão necessários. Ainda, a velocidade de tomada de
decisão para implementação de projetos no setor privado é infinitamente
mais rápida que no setor público. Portanto, entendendo essa necessidade
e urgência da redução de emissão, o papel do setor privado acelerando o
mercado voluntário é complementar à agenda de mitigação das emissões de
GEE e absolutamente necessário.
O que o mercado de carbono tem a ver com você? Ele resulta em redu-
ção de emissão, que resulta na redução dos impactos físicos da mudança
climática no seu dia a dia. Acorde!
DIREÇÃO 81
Por um futuro
circular e
consciente
Estudos recentes apontam que me-
didas urgentes precisam ser tomadas
para reverter o quadro de degradação
SUELEN JONER ambiental, principalmente no que
Head de Sustentabilidade tange o clima, para evitar os efeitos
potencialmente catastróficos e que
linkedin.com/in/suelen-joner/
irão impactar a produção de alimen-
tos, economia, saúde, e muito mais,
se nada de efetivo for feito imediata-
mente. Neste cenário, dois conceitos
se unem para guiar esse processo de
mudança tão necessário e acelerar o
desenvolvimento sustentável: Econo-
mia Circular e o Consumo Consciente.
A economia circular baseia-se na
ideia de que os recursos naturais são
finitos e precisam ser utilizados de
maneira mais eficiente e responsável.
Em vez de seguir um modelo linear
de extração, produção, consumo e
descarte, a economia circular propõe
um ciclo fechado de produção e con-
sumo, em que os materiais são con-
tinuamente reutilizados e reciclados.
O consumo consciente, por sua
vez, é uma resposta a um modelo de
consumo baseado no descarte e na
obsolescência programada (econo-
mia linear). O consumo consciente
82 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
é uma abordagem que encoraja as pessoas a pensar em suas escolhas de
consumo e a considerar os impactos sociais e ambientais dessas escolhas.
A economia circular e o consumo consciente são dois conceitos interde-
pendentes que se relacionam na busca por um modelo de desenvolvimento
sustentável. Um retroalimenta o outro num círculo virtuoso de ganha-ganha.
De um lado é preciso que empresas desenvolvam produtos e serviços ba-
seados nos conceitos da circularidade considerando materiais de menor
impacto ambiental, uso de energia renovável, com práticas regenerativas,
produtos mais duráveis, que possam ser reaproveitados e/ou reciclados no
fim de vida, que não contenham produtos químicos nocivos e que valorizem
a diversidade. Por outro, é importante que consumidores tenham consci-
ência do impacto das suas escolhas priorizando e dando preferência para
empresas, produtos e serviços alinhados à circularidade.
Para quem ainda não se convenceu que o futuro será circular, basta
analisar o perfil da geração Z, composta pelos jovens nascidos entre 1995
e 2010, que é conhecida por sua consciência social e ambiental e por suas
demandas por mudanças na sociedade.
A economia circular e o consumo consciente têm uma relação importan-
te com o comportamento de consumo desta geração, pois ela se demonstra
cada vez mais preocupada com a sustentabilidade e preservação do meio
ambiente e, por isso, tende a valorizar empresas que adotam práticas e
produtos eficientes que têm um menor impacto ambiental. Essa geração va-
loriza a sustentabilidade, a qualidade dos produtos, o compartilhamento de
recursos, a transparência e a ética nas relações de negócios, práticas essas
totalmente alinhadas aos princípios da economia circular.
À medida que a geração Z cresce em tamanho e poder de compra, a pres-
são para as empresas adotarem essas práticas em seus processos, produtos
e serviços será cada vez maior e aquelas que não conseguirem se adaptar a
essas mudanças do comportamento de consumo, não conseguirão se manter
competitivas no mercado.
Essa mudança no comportamento de consumo vai afetar toda a cadeia
de produção e a economia global. Segundo o Fórum Econômico Mundial, a
transição para uma economia circular pode gerar um valor anual de bene-
DIREÇÃO 83
fícios econômicos na ordem de até US$ 4,5 trilhões até 2030, e segundo
relatório de 2019 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ela pode
criar 18 milhões de empregos no mundo todo. Uma pesquisa, conduzida pelo
Instituto Akatu, revelou que o consumo consciente pode gerar uma econo-
mia de até 40% nos gastos das famílias brasileiras, além de reduzir a emis-
são de gases de efeito estufa em até 50%. Em outra pesquisa realizada pela
Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019 mostrou que a adoção de
práticas circulares poderia reduzir em até 90% a emissão de gases de efeito
estufa em alguns setores da economia, como o de materiais de construção
e de alimentação. Esses são alguns dados que sustentam a tese de que um
futuro sustentável é circular e consciente.
A cooperação e a colaboração são palavras-chave para a transição para
uma economia circular. Governos, empresas e consumidores têm respon-
sabilidade compartilhada nesta transição. É preciso criar políticas públicas
que incentivem e apoiem a circularidade, é preciso o comprometimento e
ações efetivas do setor empresarial e responsabilidade dos consumidores
para escolhas melhores e mais conscientes. Somente juntos e em rede con-
seguiremos construir um futuro sustentável para todos.
84 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Res.pon.sa.bi.li.da.de
(s.f.)
1. Dever de resposta pelo próprio
comportamento, pelas ações de outras
pessoas ou instituições; obrigação.
2. Comportamento da pessoa sensata;
sensatez; comprometimento.
Os advogados e a agenda
ESG, 87
Licença Social para Operar
é reputação, 90
Impacto social, moradia
digna & empresas, 93
Na trilha ESG, você é pedra,
atalho ou ponte?, 96
KMGBF – Marco Global da
Biodiversidade, 99
Tudo começa com a cultura
organizacional, 102
IFRS, uma alternativa de
integração de relatórios, 105
Governança “com ESG”, 108
Tu não te moves de ti:
literatura e gestão de
indicadores, 111
Liderança feminina:
remando contra a maré, 114
Os advogados e
a agenda ESG
Dezenove anos se passaram desde
que foi publicado o whitepaper “Who
Cares Wins”1, que introduziu o concei-
to de ESG, mas o tema tem ganhado
ANA CHAGAS cada vez mais relevância na pauta das
organizações nos últimos 4 anos.
Consultora Jurídica – ESG
e Mudanças Climáticas
Se inicialmente a jornada ESG
linkedin.com/in/anapaulachagas/ trilhada por uma organização se pau-
tava essencialmente em frameworks
e standards voluntários, hoje temos
nos deparado com um aumento da
regulação, na tentativa de se estabe-
lecer uma “régua única” e requisitos
mínimos a serem atendidos.
Navegar nesse oceano de normas
e regulações não é uma tarefa fácil
para aquelas organizações que real-
mente querem integrar o ESG na sua
estratégia. Por outro lado, cria-se um
ambiente favorável para aquelas que
utilizam o discurso ESG apenas como
uma mera promessa.
Nesse ambiente dinâmico, o pa-
pel do advogado na implementação
de uma cultura ESG também precisa
evoluir rapidamente, saindo de uma
abordagem de guardião do cumpri-
1. Publicação do Pacto Global em parceria com o
Banco Mundial em 2004.
RESPONSABILIDADE 87
mento de requisitos legais, para um papel de conselheiro legal, avaliando de
maneira proativa e estratégica os desafios do advindos da agenda ESG, auxi-
liando na identificação de riscos e criação de oportunidades para o negócio.
Mas apenas a mudança na forma da abordagem de atuação não é sufi-
ciente. Os temas ESG normalmente perpassam diversas áreas, tanto áreas
de suporte quanto áreas de negócios, além de atravessar os diversos níveis
da empresa, incluindo a alta direção e o Conselho de Administração.
Essa permeabilidade representa um desafio principalmente no momento
de se realizar os reportes públicos. A falta de coordenação entre os depar-
tamentos envolvidos dificulta a obtenção das informações necessárias, que
precisam ser divulgadas de acordo com o nível de transparência que a orga-
nização almeja. Assim, o advogado se torna uma peça importante, auxiliando
a organização a colher todas as informações necessárias, divulgar correta-
mente onde ela se encontra em sua jornada ESG, além da sua evolução e os
riscos que podem vir a afetar o seu negócio.
Um outro desafio relacionado ao ESG é a diversidade de temas – due
diligence, ética, mudanças climáticas, direitos humanos, diversidade, inclu-
são, biodiversidade, economia circular… esses são apenas alguns dos temas
que poderão ser tratados. Para endereçar corretamente os riscos inerentes a
esses temas, é imprescindível que o advogado trabalhe em conjunto com ou-
tras áreas da organização, o que faz com que a capacidade de se avaliar o ce-
nário como um todo e de relacionamento se tornem habilidades essenciais.
Combater o greenwashing2 e evitar que a organização figure como ré em
uma eventual ação judicial, ainda mais considerando que cada vez mais se
discute a possibilidade da responsabilização da alta direção das organiza-
ções em razão dos deveres fiduciários relacionados à essas funções, e que
tenha a sua reputação abalada, passa a figurar no topo da lista de priorida-
des do advogado.
Nesse sentido, os compromissos públicos voluntários assumidos pelas
organizações são relevantes, e não podem ser negligenciados. Metas que não
são ambiciosas o suficiente, ou ausência de divulgação do plano de ação para
2. Prática de camuflar, mentir ou omitir informações sobre os reais impactos das atividades de uma
empresa no meio ambiente.
88 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
o seu atingimento, representam um grande risco de imagem e reputação. E
esses riscos transbordam também para a cadeia de valor. Como se declarar
uma organização cumpridora dos princípios de direitos humanos, se o for-
necedor não aderiu a esses princípios e não cumpre o mínimo necessário
relacionado ao tema? Se o fornecedor pratica uma cultura discriminatória e
machista, como posso declarar que a organização respeita a diversidade?
O advogado precisa ser capaz não só de transitar nas diversas esferas da
empresa, mas de adequar o seu discurso, de forma a sensibilizar a todos da
necessidade de se olhar não só para as suas atividades, mas para a atividade
de terceiros prestadores de serviços e fornecedores. E ele também precisa
ser capaz de ler o cenário todo, antecipando os movimentos de mercado, e
de transmitir essa visão dentro de sua organização.
Outra contribuição dos advogados quando falamos de cadeia de valor é
a capacidade dos profissionais de incorporarem aos contratos cláusulas que
reforcem o respeito aos temas ESG que foram identificados como materiais
para a organização. Claro que a incorporação de questões ESG às cláusulas
contratuais não pode ser uma estratégia isolada. Ela precisa fazer parte de
uma estratégia ampla, envolvendo outras áreas da organização, para tratar
do tema junto aos fornecedores/prestadores de serviços, muitas vezes auxi-
liando-os a se adequarem a essa nova realidade.
Considerando todo o exposto, fica claro que os advogados têm um papel
relevante na implementação da agenda ESG pelas organizações, indicando
de maneira clara e objetiva os riscos e oportunidades que essa agenda car-
rega, antecipando inclusive a evolução do cenário regulatório. O advogado
somente contribuirá efetivamente na concretização de uma cultura ESG se
ele for capaz de conjugar essas informações com a capacidade de transitar
nas diversas esferas das organizações.
RESPONSABILIDADE 89
Licença Social
para Operar
é reputação
Todos fazemos parte de um ecossis-
tema, entendendo este como uma
rede de vínculos, de interações, de
ANDREA SANTORO confiança e de apoio mútuo. Uma
Gerente de ESG conexão e interdependência. Nossa
família, nossos amigos, o ambiente
linkedin.com/in/profileandreasantoro/
escolar fazem parte do nosso ecos-
sistema pessoal. Para uma empresa
não é diferente. Chamamos de stake-
holders. São todas as pessoas físicas
e jurídicas com as quais a empresa
se relaciona, para as quais ela pres-
ta um serviço ou vende seu produto,
quem ela emprega, quem ela contra-
ta como parceiro de negócios, quem
a regula, aqueles que são impacta-
dos pelas suas atividades, que são
as “comunidades vizinhas às opera-
ções”. Notem que não falo em comu-
nidades do “entorno”, pois a meu ver
este termo colocaria a empresa no
centro e não é assim que vejo.
Quando uma empresa inicia suas
operações em uma localidade ela é
o agente externo que está chegando
e que precisa entender o contexto
local, a dinâmica de vida, a cultura, o
relacionamento entre os moradores,
quais as expectativas de quem vive
90 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
na localidade, quais são as fragilidades e quais são as fortalezas, para então
traçar um plano de atuação. As empresas precisam mapear e conhecer os
impactos de curto, médio e longo prazos que podem ser causados por suas
atividades, tanto os negativos para que sejam evitados e mitigados com me-
didas compensatórias, quanto os positivos para que sejam potencializados.
Um termo que muito se usa é a Licença Social para Operar, que é uma
“licença” informal. Não é um documento e nenhum órgão público a concede,
assim como a licença ambiental. Ela é uma anuência social, a aceitação da
comunidade em relação àquela operação e é essencial para que a empresa
possa conduzir suas atividades. É a legitimidade de uma operação perante a
comunidade. Respeitando as comunidades, os benefícios mútuos são mui-
tos e deve ser uma relação ganha-ganha. As empresas possuem a vantagem
dos capitais financeiro, humano e intelectual que podem ser extremamente
úteis para solução de problemas locais. O meu olhar aqui é para transfor-
mação positiva do território, desenvolvimento local, melhoria das condições
de vida e redução de desigualdades.
Um elemento chave que deve permear todas as etapas do relaciona-
mento é a boa comunicação, que vem a partir de uma escuta ativa e não
um processo mecânico de ouvir o que o outro tem a dizer, mas sim a ação
que vem a partir do desejo genuíno de refletir sobre o que está sendo falado.
Uma empresa que incorpora os princípios e práticas ESG (sigla em inglês
para Environmental, Social e Governance) em seu modelo de negócios, en-
tende que o S é tão importante quanto os outros dois pilares.
É fato que a presença empresarial gera mudanças no ambiente das co-
munidades locais. Essas mudanças impactam, positiva ou negativamente, as
pessoas no território. Dependendo de como esses impactos são tratados, as
pessoas reagem positiva ou negativamente.
Em resumo, estou falando do pilar Social para além de fazer filantropia.
Estou me referindo a respeito e proteção aos Direitos Humanos, que exige
que as empresas:
• Evitem causar ou contribuir para impactos adversos por meio de suas
próprias atividades;
• Enfrentem esses impactos quando eles vierem a ocorrer;
RESPONSABILIDADE 91
• Busquem prevenir ou mitigar impactos negativos que estejam direta-
mente relacionados às suas atividades e operações;
• Se coloquem como corresponsável quanto a qualquer impacto ocorrido
no território decorrente do seu empreendimento, inclusive, em decor-
rência de ação direta de seus prestadores de serviços.
A Licença Social para Operar vem a partir da boa reputação, da cons-
trução de uma relação de confiança e deve ser renovada constantemente.
É um pacto informal que garante que aquele relacionamento seja saudável,
sustentável e benéfico para todos.
92 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Impacto social,
moradia digna &
empresas
O tema reforma de casas sempre
atraiu telespectadores. Hoje temos
disponíveis diversas opções de pro-
CECÍLIA MICHELLIS gramas nos sistemas de streaming,
Especialista como o “Irmãos à Obra”, “Reformas
de Sustentabilidade
Inacreditáveis”, “Mulheres à Obra”
linkedin.com/in/cecilia- e, na TV aberta, relembramos o
michellis-93358726/
programa “Lar Doce Lar”, que fazia
sucesso como um dos quadros do
“Caldeirão do Huck”.
O que atrai pessoas a assistirem
esses programas? A vontade de ver
o antes e o depois? A felicidade dos
moradores no pós-reforma?
Fora das telas, as pessoas estão
dispostas a investir todas as suas eco-
nomias em suas casas dos sonhos.
Seja um apartamento nos grandes
centros, casas luxuosas nos subúrbios
ou aquela reforma no banheiro que já
devia ter sido feita há anos.
Junto com a casa dos sonhos,
vem também o pesadelo da reforma.
Muitos postergam fazer as mudan-
ças necessárias devido ao alto grau
de incerteza sobre custos, imprevis-
tos que surgem a cada momento e,
principalmente, muito trabalho.
RESPONSABILIDADE 93
Para pessoas de baixa renda, a casa dos sonhos muitas vezes nunca
chega a se concretizar. Reforma exige investimento, tempo e conhecimento
técnico, que muitas vezes não são acessíveis para essas pessoas.
Em uma era de digitalização, somos levados a crer que as grandes trans-
formações vão ocorrer por meio das mídias sociais, da inovação e soluções
digitais escaláveis. Mas, se desligarmos o celular e olharmos ao redor, vemos
que, na realidade, o que cresce em ritmo exponencial e escalável é a pobreza
e a precarização da vida nos grandes centros urbanos.
Para transformar a realidade de milhares de pessoas que vivem em favelas,
além da inovação e soluções digitais, será necessário muita “mão na massa”.
Um levantamento do projeto MapBiomas, divulgado em 2021, mostra que,
nos últimos 35 anos, as favelas aumentaram o equivalente ao território de
11 cidades de Lisboa ou 95.000 campos de futebol3. Diante desses números
assustadores, e pesando no papel de empresas socialmente responsáveis,
surgem algumas questões: Qual o papel do setor privado e das grandes em-
presas em relação ao tema? Seria uma questão sujeita apenas a políticas
públicas ou o setor privado poderia contribuir de alguma forma?
Setor privado: por que investir em moradia digna?
A reforma de moradias de baixa renda tem se mostrado uma ótima estraté-
gia de engajamento em regiões de complexidade social. Em particular para
empresas concessionárias, como por exemplo de água, energia ou telefonia,
as quais muitas vezes têm dificuldade de operar em regiões de complexida-
de social, que envolvem desde a segurança dos colaboradores que realizam
serviços nessas regiões, até a proliferação do uso irregular dos serviços, os
famosos “gatos”.
Ao beneficiar moradias em situação de vulnerabilidade com reformas
nessas regiões, a empresa consegue engajar a comunidade e alertar sobre
os riscos envolvidos nas construções irregulares. Uma reforma tem o po-
tencial de comunicar mais que mil palavras! A notícia da reforma se espalha
rapidamente pela vizinhança, mudando a visão das pessoas sobre a empresa
3. Disponível em: https://mapbiomas.org/o-projeto
94 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
e abrindo portas para campanhas de engajamento e conscientização sobre
consumo consciente. Por exemplo, somente consumidores “regularizados”
estariam aptos a participar do programa de benefício de reformas.
Diferentemente das reformas nos programas de TV que visam ambientes
luxuosos, as reformas com fim social têm como objetivo trazer conforto aos
ambientes, sustentabilidade e impacto social. Entram ações com foco na
eliminação de insalubridades (mofos e infiltrações), melhoria da iluminação
e ventilação e redução de riscos, como quedas e choques elétricos.
Embora os custos possam variar, é possível beneficiar uma moradia a
partir de R$5 mil. Além de casas, é possível realizar reformas também para
pequenos empreendedores locais, como mercados, salões de beleza, lan-
chonetes, empoderando o comércio local e a geração de renda.
O desafio está em trazer escala para essas iniciativas e, para isso, é ne-
cessário mobilizar um “Ecossistema de Transformação”.
Além de parcerias com o setor público, as empresas podem mobilizar
empresas do setor de materiais de construção e construção civil para “aju-
dar” nos esforços, reduzindo o custo unitário de reforma de cada moradia.
O terceiro setor pode ser engajado para ajudar na identificação dos bene-
ficiários, priorizando por exemplo, grupos minoritários, empreendedoras mu-
lheres e chefes de família ou pessoas em situação de vulnerabilidade social.
As startups também não ficam de fora. Alguns negócios de impacto como
o Moradigna e o Programa Vivenda possuem modelos de negócio focados em
tornar a reforma de moradias de baixa renda uma realidade.
O Brasil conta com uma mão de obra no setor de construção civil abun-
dante, grandes empresas nos segmentos de construção e uma necessidade
gritante de melhoria nas regiões periféricas. Mais do que isso, mora no cora-
ção de todo Brasileiro o sonho de ter sua casa reformada e de vivermos em
uma cidade menos “cinza” e mais alegre.
RESPONSABILIDADE 95
Na trilha ESG,
você é pedra,
atalho ou ponte?
Se a sustentabilidade é um caminho,
e aplicar os fundamentos ESG, uma
jornada, qual pode ou deve ser o nos-
CHRISTIANE CRALCEV so papel individual nesse processo
Especialista em dentro das empresas?
Sustentabilidade
e Impacto Social “Empresas são movidas por pes-
soas” e “Pessoas são o nosso maior
linkedin.com/in/christianecralcev/
ativo” são expressões que costumam
abrir os capítulos de Capital Humano
nos relatórios de sustentabilidade.
Ambas representam um coletivo de
indivíduos. Indivíduos únicos, mas
agrupados por motivos e necessi-
dades diversas, cuja combinação de
comportamentos, ações individuais e
outros elementos corporativos com-
põem o que chamamos de cultura
empresarial. O ideal dos mundos
seria que, conforme as empresas
investissem em melhores práticas
para formação de uma cultura exem-
plar, os processos, as relações e o
ambiente fossem ficando cada vez
melhores e mais colaborativos.
Mas não é bem assim que funcio-
na na prática. A construção da cultu-
ra da empresa é sim uma junção de
esforços coletivos, mas cada indiví-
duo dá o tom sobre como exerce o
96 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
seu papel nessa engrenagem e nas suas relações. Pessoas têm diferentes
motivações, ambições, desejos e valores. Diferentes vivências pessoais e pro-
fissionais, níveis de entendimento sobre diversos assuntos e, principalmen-
te, a liberdade de escolher como compartilhar informações, pensar junto,
compartilhar ideias ou não, seguir exemplos e diretrizes, ou não. Existem
muitos desafios e oportunidades no mundo empresarial. Em sustentabili-
dade não é diferente, mas temos uma lente maior, mais crítica e atenta. Ter
uma boa gestão ESG envolve ter profundo conhecimento sobre o negócio,
seus riscos, fragilidades e impactos, oportunidades e perspectivas, e manter
um compromisso genuíno de fazer melhor e, no dia a dia, cada um lida com
essas informações de uma forma diferente. Envolve habilidades, vulnerabili-
dades, adaptação a mudanças, entre outros elementos que a cultura empre-
sarial nem sempre alcança, mas deve ter mecanismos de desenvolvimento e
verificação dessas condutas esperadas entre suas equipes.
Em minha jornada que já passou de 20 anos nesse caminho, interagi com
pessoas de diferentes perfis, e hoje, como consultora, convivo com hierar-
quias inteiras de mais de uma empresa de forma simultânea, e os bastido-
res da sustentabilidade trazem particularidades sobre como cada pessoa
influencia nesse processo, positiva ou negativamente. Tomei a liberdade de
agrupá-las em três perfis, fazendo aqui uma analogia com os caminhos que
percorremos: pontes, pedras e atalhos.
As pessoas que atuam como pontes sabem estabelecer todo tipo de
conexões, tendo a capacidade de unir diferentes grupos, ideias e iniciativas
em prol de um objetivo comum. São indivíduos que incorporaram o ESG
na prática, facilitando a cooperação e a colaboração, construindo relações
saudáveis e duradouras. Como pontes, elas ajudam a superar obstáculos e a
unir esforços, impulsionando ações positivas que conectam desafios a solu-
ções que muitas vezes nem são atribuições suas. Pessoas-ponte conectam
tudo o que pode facilitar o diálogo, a troca de conhecimento e a construção
de soluções conjuntas mesmo quando as coisas ainda parecem longe de
estar se encaixando. E, às vezes, pelo simples prazer de fazer o que é certo.
Por outro lado, há pessoas que são como pedras no caminho. Essas pes-
soas podem representar obstáculos e resistência ao avanço da sustentabili-
dade. Podem ser indiferentes, desinformadas ou até mesmo opositores das
RESPONSABILIDADE 97
mudanças necessárias para um modelo de gestão mais sustentável. Suas
atitudes e comportamentos contaminam ambientes, provocam a perda de
talentos e, a depender da posição que ocupam, criam barreiras para a imple-
mentação de soluções, minimizando a relevância de temas críticos e indica-
dores que irão suportar a tomada de decisões estratégicas. Elas podem ser
indivíduos céticos ou até mesmo empresas e governos que priorizam o lucro
imediato em detrimento do desenvolvimento sustentável.
Mas até mesmo as pedras podem ser contornadas ou removidas. Com
empatia, diálogo e conscientização, é possível engajar esses públicos, trans-
formando-os em aliados, lembrando que não deve haver espaço para com-
portamentos antiéticos, assédio, discriminação ou quaisquer condutas que
não representem um ambiente saudável.
Por último, existem pessoas que são como atalhos, que buscam solu-
ções rápidas e imediatas. Essas atitudes até podem ser positivas quando en-
curtam caminhos para resolver desafios de curto prazo, mas também podem
gerar respostas aparentemente fáceis e convenientes ao invés de medidas
duradouras. Embora pareçam atraentes a curto prazo, esses atalhos podem
gerar consequências negativas e comprometer a gestão futura, sendo funda-
mental educar e conscientizar essas pessoas sobre a consequência de suas
escolhas e da importância de tomar decisões suportadas pela avaliação de
impactos, riscos e cenários de longo prazo.
Todos já tivemos a oportunidade de conviver com algum ou com todos
esses perfis em nossa jornada até aqui. O mais importante é saber: qual
deles escolhemos ser no caminho coletivo e como queremos ser lembrados
quando as coisas derem certo, ou errado?
Boa jornada!
98 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
KMGBF – Marco
Global da
Biodiversidade
Um novo acordo internacional passou
a ser destaque nas pautas dos ne-
gócios sustentáveis. "Kunming-Mon-
FRANCINE LEAL treal Global Biodiversity Framework"
GSS Carbono Bioinovação (Marco Global da Biodiversidade ou
VBIO | Repenso KMGBF) com 23 metas a serem cum-
linkedin.com/in/lealfrancine/
pridas até 2030. O KMGBF conside-
ra metas, objetivos e financiamento
mais ambiciosos.
O acordo "30x30" avalia que a
conservação e gestão devem abran-
ger pelo menos 30% das terras,
águas continentais, zonas costeiras
e oceanos do mundo. Assim como a
restauração deve cobrir pelo menos
30% dos ecossistemas terrestres e
marinhos degradados, respeitando os
territórios indígenas e tradicionais na
expansão de novas áreas protegidas.
É neste ponto que percebemos
uma oportunidade única de inversão
da lógica dos mercados financeiros
relacionados a créditos de carbono
e os novos "biocréditos". Se, como
sabemos, os povos originários e co-
munidades tradicionais (IPLC) são os
maiores responsáveis pela preserva-
ção de áreas naturais e conservação
de florestas, devem ser também os
RESPONSABILIDADE 99
beneficiários diretos dos recursos necessários para garantir o cumprimento
das metas de conservação. Possibilitando, inclusive, sua permanência na
floresta com um potencial fomento da bioeconomia. Como alguns estudos
demonstram, embora representem apenas 5% da população mundial, pode
ser atribuída a eles pelo menos 80% das áreas ainda conservadas do mundo.
Não é à toa que os povos indígenas e comunidades tradicionais são mencio-
nados repetidas vezes no documento final da conferência, o que representa
um grande avanço e que também pode ser visto pela expressiva participação
dos IPLCs e sociedade civil nesta última conferência.
Mesmo assim, estamos longe de um consenso. Um dos pontos mais po-
lêmicos das negociações foi a definição sobre quem vai pagar a conta. Ainda
no período "pré-quito", quando se discutia os projetos de Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo – MDL, era voz corrente a responsabilidade comum,
porém diferenciada. Em outras palavras, quem "chegou para o cafezinho"
não vai dividir a conta como quem aproveitou o jantar por inteiro.
Nesse cenário, o acordo final prevê meios adequados de implementação,
incluindo recursos financeiros, capacitação, cooperação técnica e científi-
ca, e acesso e transferência de tecnologia, fechando progressivamente uma
lacuna de financiamento da biodiversidade, estimada em US$ 700 bilhões
por ano. Trata-se da Meta 19 que aborda a operacionalização deste objetivo
mais amplo, que considera um aumento substancial e progressivo do nível
de recursos financeiros, incluindo participações nacionais, internacionais,
públicas e privadas, na implementação de estratégias conjuntas e planos de
ação, mobilizando pelo menos 200 bilhões de dólares por ano.
Um dos temas mais relevantes foi a viabilização de novos formatos para
o financiamento e estímulo a metodologias inovadoras, tais como pagamen-
to por serviços ecossistêmicos, títulos verdes, compensações e créditos de
biodiversidade, mecanismos de repartição de benefícios, e salvaguardas am-
bientais e sociais. Identifica-se nesses formatos uma relação direta com a
Meta 8, que prevê a interrelação entre biodiversidade e mudanças climáti-
cas, já que os mecanismos de financiamento incentivam também a otimiza-
ção de cobenefícios e sinergias de financiamento, visando à biodiversidade
e as crises climáticas.
100 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Considerado mandatório, relacionado ao "Nature Positive", o tema ocu-
pou grande parte das discussões. A Meta 15 exige a adoção de medidas
legais, administrativas ou políticas para garantir que grandes empresas e
instituições financeiras monitorem, avaliem e divulguem com transparên-
cia seus riscos, dependências e impactos sobre a biodiversidade, inclusive
com requisitos relacionados às suas operações e cadeias de valor. Com isso,
espera-se um marco legal para que empresas forneçam informações neces-
sárias que levem à promoção de padrões de consumo mais sustentáveis,
somados a informações sobre o cumprimento de medidas de acesso e re-
partição de benefícios, além da redução progressiva de impactos negativos
sobre a biodiversidade.
Por fim, o que percebemos como a principal conexão neste livro, para
além da sustentabilidade, é que entre as 23 Metas, os países concordaram
em incluir uma Meta própria para as questões de gênero. A Meta 23 tem
como premissa zelar pela igualdade de gênero ao aplicar as novas diretrizes
de uma abordagem com a perspectiva na qual todas as mulheres e meninas
tenham as mesmas oportunidades e capacidades para contribuir com os
três objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB. Nos quais
se incluem o reconhecimento de sua igualdade de direitos e acesso à terra
e aos recursos naturais, sua participação e liderança plenas, equitativas,
significativas e informadas a todos os níveis de ação, compromisso, política
e tomada de decisões relacionados com a biodiversidade.
Nosso deadline é 2030, mas já começamos atrasados, portanto, a efici-
ência do KMGBF será medida pelo nosso progresso rápido e consistente na
implementação do que foi acordado.
RESPONSABILIDADE 101
Tudo começa
com a cultura
organizacional
Dizer que a cultura é o denomina-
dor comum de valores e crenças das
muitas pessoas que pertencem a um
GISELE RAMOS determinado contexto. São eles que
Fundadora do FutureSe direcionarão como as pessoas irão
se comportar e interagir entre si, e
linkedin.com/in/giribeiro/
de qual ambiente elas vão criar a
partir disso.
É muito provável que os funda-
dores criem a empresa sob os seus
valores e crenças pessoais e, ao longo
do tempo, atraiam pessoas que co-
munguem com esses valores. Quan-
to maior a empresa, mais difícil fica
manter a coesão nessas contratações.
E a cultura original da organização vai
se transformando.
Quanto ao ESG, podemos observar
que as empresas estão se movimen-
tando. Segundo pesquisa realizada
pela Russell Reynolds, 50% da lideran-
ça de empresas brasileiras disseram
estar preocupadas com essa pauta e
esperam que práticas sustentáveis
estejam incorporadas aos negócios
nos próximos cinco anos.
Porém uma outra pesquisa, reali-
zada pela PwC, em 2020, o Brasil está
102 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
décadas atrasado nessa agenda. E, por mais que as lideranças queiram, as
agendas estratégicas de sustentabilidade se mostram lentas.
Mas por que isso acontece? Devido à cultura organizacional! As práticas,
valores e crenças individuais – que compõem os aspectos coletivos – impac-
tam diretamente os resultados da agenda de sustentabilidade corporativa.
Em outras palavras, a cultura de uma empresa se relaciona àquilo que
os colaboradores consideram importante e aplicam no seu cotidiano de ma-
neira geral. Então, se a sustentabilidade não é um valor praticado genuina-
mente pelos colaboradores, a estratégia ESG pode não sair do papel e, pior,
encontrar resistências. A sustentabilidade precisa permear e inspirar uma
transformação individual, para que a estratégia coletiva não se dissipe.
Peter Drucker disse que “a cultura devora a estratégia no café da manhã”.
Ou seja, as lideranças não podem construir as suas estratégias desconsi-
derando os aspectos culturais – não há estratégia inovadora que sobreviva
a uma cultura estagnada e comportamentos individuais não sustentáveis.
A agenda ESG é uma agenda financeira, sim, mas cuja base é a inovação.
Trata-se de uma pauta complexa e sistêmica, que envolve diferentes áre-
as de uma organização e que visa a transformação em diferentes esferas,
criando pessoas melhores para o mundo e, consequentemente, mudando a
maneira como elas fazem negócio.
Para construir uma cultura organizacional pautada pela sustentabilidade
é preciso que a alta liderança esteja alinhada quanto aos objetivos e resul-
tados esperados. É ela que vai inspirar, orientar, defender, patrocinar e criar
um ambiente propício às inovações que se fazem necessárias, no qual as
pessoas não tenham medo de errar.
Essa mudança cultural precisa ser feita do topo para baixo em uma or-
ganização, iniciando com os acionistas – que precisam ter claro que as am-
bições de um negócio precisam ir além do lucro. É preciso intencionalidade
em qualquer transformação. É preciso construir uma estratégia onde a lu-
cratividade ande de mãos dadas com a sustentabilidade.
Os executivos e gestores precisam entender o valor que essa agenda
entrega para a organização, para que direcione recursos e aprove projetos.
RESPONSABILIDADE 103
É preciso que a sustentabilidade seja um pilar estratégico do negócio e não
uma estratégia paralela.
E, somente após a construção dessa agenda estratégica, será o mo-
mento de engajar as demais pessoas que fazem parte do negócio – em
todos os setores – para que, naturalmente, alinhem seus ideais individuais
aos ideais coletivos. É preciso realizar uma gestão dessas mudanças, pois
o ESG precisa fazer sentido para que todos se sintam motivados a viver
essa sustentabilidade.
Mudar uma cultura leva tempo? Sim. Algumas pessoas serão expelidas
da empresa por falta de aderência à cultura da sustentabilidade? Sim, tam-
bém. Mas se não for feito, as empresas não sairão do lugar.
Dizem que a adesão a uma agenda sustentável se dará por convicção,
por conveniência ou pelo constrangimento. Acredito que aquelas que tinham
que aderir por convicção, já o fizeram. Agora estamos na fase das que bus-
cam implementar o ESG por conveniência, para acessar investimentos, juros
menores ou agregar valor à marca, por exemplo. Poderá ser tarde demais para
aquelas que esperarem pelo constrangimento.
A agenda ESG não pode ser deixada para depois, visto que está direta-
mente relacionada com o futuro dos negócios (e do planeta): neste novo
capitalismo, nenhuma empresa sobreviverá se não estiver empenhada em
ser um negócio melhor para o mundo.
104 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
IFRS, uma
alternativa de
integração
de relatórios
As Normas Internacionais de Relató-
rios Financeiros, chamadas de IFRS,
INGRID CICCA são padrões globais de divulgação
Gerente de contábil emitidas pela Fundação IFRS
Sustentabilidade
(International Financial Reporting
linkedin.com/in/ingridcicca/ Standards Foundation), uma organi-
zação sem fins lucrativos de interes-
se público constituída no Estado de
Delaware, EUA. A contabilidade como
área do conhecimento humano exis-
te há décadas, no entanto, pautado
na produção de informações sobre
questões patrimoniais. Mundialmen-
te, o movimento mais recente, sendo
amplamente discutido nos mercados
de capitais, é uma nova era de divul-
gações contábeis relacionadas com a
sustentabilidade.
Analisando a trajetória do IFRS ao
longo do tempo, percebe-se que esse
movimento de inclusão de questões
sociais e ambientais nos demonstrati-
vos financeiros pode ser considerado
como uma evolução da contabilidade
ao longo da história, notadamente a
partir da década de 60, quando sur-
giu nos EUA, por uma demanda da
sociedade da época, revoltada com a
RESPONSABILIDADE 105
Guerra do Vietnã, o Balanço Social na regulação contábil. Most (1982), reno-
mado autor em teoria da contabilidade, ao traçar uma evolução da Conta-
bilidade no período de 200 anos, especificamente entre os anos de 1775 a
1975, destaca que o próximo passo da contabilidade seria abarcar com mais
profundidade o pilar social.
Na década de 70 começa a evoluir um outro conceito na contabilidade
almejando uma contabilidade globalizada. Ainda na década de 70, em 1973,
órgãos de classe de profissionais de contabilidade de países como Austrália,
Canadá, França, Alemanha, Japão, México, Holanda, Reino Unido/Irlanda e
Estados Unidos se unem e formam o Comitê Internacional de Normas Con-
tábeis (IASC) objetivando o desenvolvimento de normas contábeis básicas e
promover sua aceitação mundial.
No Brasil, a questão envolvendo a inclusão de indicadores socioambien-
tais na contabilidade chegou nos anos 80, quando o sociólogo Herbert de
Souza, o Betinho, criou o Ibase. O modelo Ibase de balanço social, conso-
lidou-se, na época, como um instrumento conhecido e utilizado pelas em-
presas brasileiras para a divulgação das informações sobre responsabilidade
socioambiental de maneira voluntária.
Com o avanço das discussões internacionais envolvendo padrões de con-
tabilidade, em 1998, o IASC propõe e submete para discussão pública uma
ampla gama de normas contábeis acordadas internacionalmente e no ano
2000 surge a Fundação IFRS. Passados cinco anos, as normas contábeis IFRS
passam a ser adotadas massivamente ao redor de todo o mundo. Na ocasião
7.000 empresas em 25 países mudam das normas contábeis nacionais para
as normas IFRS. Posteriormente, outros países como Austrália, Hong Kong,
Nova Zelândia, África do Sul também passaram a adotar o padrão IFRS.
Em 2021, a Fundação IFRS anuncia, na COP 26 – Conferência das Partes
(COP), encontro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança
do Clima, realizado anualmente, a formação do Conselho Internacional de
Padrões de Sustentabilidade (ISSB), ampliando ainda mais o seu escopo de
atuação. Essa criação fez com que o ISSB incorporasse entidades que já
atuavam no âmbito da sustentabilidade, como por exemplo, o Climate Dis-
closure Standards Board (CDSB) do CDP.
106 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
No ano seguinte, em 2022, o ISSB lança consulta sobre suas duas pri-
meiras normas propostas, uma sobre os requisitos gerais de divulgação
relacionados com a sustentabilidade e outra sobre os requisitos de divul-
gação relacionados com o clima. Em 2023, tais normas são emitidas de-
finitivamente pelo ISSB, sendo as normas de Divulgação de Informações
Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade (IFRS S1) e as de Divulgação
Relacionada ao Clima (IFRS S2), inaugurando uma nova era de divulgações
relacionadas com a sustentabilidade nos mercados de capitais em todo o
mundo. O IFRS S2 pode ser considerado como um protótipo de norma do
Task Force on Climate Related Financial Disclosures (TCFD) – em português,
Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima. Os Pa-
drões SASB (Sustainability Accounting Standards Board, na sigla em inglês)
também foram usados para o desenvolvimento dos Padrões de Divulgação
de Sustentabilidade IFRS, enquanto a Estrutura de Relato Integrado, forne-
cendo conectividade entre demonstrações financeiras e divulgações finan-
ceiras relacionadas à sustentabilidade.
A consolidação e a publicação das normas IFRS S1 e IFRS S2, referencia-
das acima, vem atender à demanda e expectativas do mercado, de empre-
sas, investidores e reguladores com mecanismos que possam simplificar o
cenário de divulgação de sustentabilidade. Não poderia deixar de comentar,
que tal avanço atende também aos anseios dos profissionais que atuam na
área de sustentabilidade ao lidar com os mais variados tipos de frameworks
de reporte de sustentabilidade e o quanto essa integração envolvendo pa-
drões de relato de sustentabilidade corroboram ainda mais com a gover-
nança ESG dentro das organizações, considerando que com os padrões de
contabilidade de sustentabilidade estabelecidos mundialmente, a informa-
ções tornam-se muito mais comparáveis, consistentes e confiáveis.
RESPONSABILIDADE 107
Governança
“com ESG”
Nos tempos atuais, muito tem se fa-
lado da pauta ESG (Ambiental, Social
e Governança) para nortear as recen-
tes estratégias de mercado. Para os
JUSSARA ROCHA pilares Ambiental e Social, as práti-
TIBÉRIO cas desenvolvidas no âmbito do ESG
Gerente de Compliance no possuem um traçado mais definido,
Estaleiro Atlântico Sul considerando as políticas, legisla-
linkedin.com/in/jussarartiberio/ ções e regramentos já existentes
nessas temáticas. Além disso, estes
pilares são frequentemente discuti-
dos em fóruns, haja visto os impac-
tos que a ausência destas práticas
causa na sociedade local e global.
Mas e o pilar da Governança? Ao
mesmo tempo que este pilar possui
um importante papel para sustentar
uma gestão ESG, este terreno ainda
é nebuloso devido à ausência de re-
gulamentos e/ou práticas universais
aplicáveis às Governanças Corpora-
tivas das organizações. A dificulda-
de de se ter diretrizes homogêneas
para este pilar também se dá pelo
fato das empresas terem suas parti-
cularidades de gestão, considerando
o perfil de suas lideranças.
Segundo o Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa (IBGC), este
sistema chegou ao Brasil como um
108 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
caminho para que empresas e demais instituições pudessem ser dirigidas
e monitoradas de forma transparente. Essa dinâmica corporativa engloba
aspectos como o relacionamento entre sócios, conselho de administração,
diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas.
Ainda segundo o IBGC, a governança corporativa está baseada em qua-
tro princípios de boas práticas, sendo: transparência, equidade, prestação de
contas (accountability) e responsabilidade corporativa.
Para entendermos a importância do pilar de Governança para o ESG, to-
memos como base o princípio da responsabilidade corporativa. Este princí-
pio diz respeito à obrigação que os agentes de governança têm em zelar pela
viabilidade econômico-financeira das organizações, reduzir as externalida-
des negativas de seus negócios e suas operações e aumentar as positivas,
levando em consideração, no seu modelo de negócios, os diversos capitais
(financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacio-
nal etc) no curto, médio e longo prazos.
Ou seja, pela responsabilidade corporativa, os membros da Alta Lide-
rança devem se comprometer em zelar pela viabilidade do negócio, obser-
vando os impactos que o mesmo causa em diversas vertentes, entre elas
a ambiental e social. Porém, o que temos visto na prática, na maioria das
organizações, é o descolamento da Alta Liderança com a efetividade das
práticas ambientais e sociais desenvolvidas no âmbito do ESG, deixando
este “tripé” desequilibrado.
Sem o comprometimento da Alta Liderança, não temos práticas ESG
sólidas e perenes, mas sim o famoso greenwashing e exigências de Recursos
Humanos mais elaboradas.
E como as Lideranças podem se comprometer com uma Governança “com
ESG”? O primeiro passo seria entender a importância dessas práticas para a
continuidade do seu negócio e da sociedade como um todo. A partir deste
entendimento, isto se tornará um valor aplicável a todas as ações da Alta
Liderança, como, por exemplo: definição de um planejamento estratégico
englobando ações de desenvolvimento social e ambiental no mesmo pata-
mar que o de negócios; implantação e continuidade de uma arquitetura de
Governança (ainda que a empresa não tenha natureza societária que assim
RESPONSABILIDADE 109
exija como, por exemplo, uma empresa do tipo Sociedade Anônima); criação
e manutenção de um Programa de Compliance, com políticas e controles
internos que apoiem a transparência e ética de seus processos; e definição
de alçadas de aprovações com base em uma análise de riscos ESG.
Nesse sentido, vemos que o pilar da Governança se torna o norteador
da gestão ESG (mas não o mais importante, pois cada item desta tríade tem
a sua relevância), considerando o papel que a Alta Liderança tem no “fazer
acontecer” dentro das organizações. Ou seja, se a Alta Liderança não tiver
uma Governança alinhada com os preceitos trazidos pela agenda ESG, as
ações ambientais e sociais também não seguirão em frente, por falta de en-
gajamento e investimento que devem ser destinados a essas ações.
110 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Tu não te
moves de ti:
literatura e gestão
de indicadores
Tu não te moves de ti, tu não te mo-
ves de ti, ainda que se mova o trem,
RACHEL ÁVILA tu não te moves de ti...
Consultora ESG Este é o trecho que dá título à
linkedin.com/in/rachel- obra mais densa da escritora brasilei-
avila-8375b05b/?locale=pt_BR
ra, Hilda Hilst, “Tu não te moves de
ti”. A obra, bastante complexa, ficou
na minha cabeça de estagiária de
comunicação por muito tempo e na
ocasião não consegui ter um enten-
dimento sobre o que o trecho queria
dizer. Talvez por ser ainda jovem e
com pouca bagagem.
Depois de conversar com alguns
especialistas sobre Hilst, levo comi-
go esta passagem do livro para a vida
pessoal, acadêmica e profissional.
Obviamente, obras literárias condu-
zem o leitor a diversas interpretações,
pessoais inclusive. Porém, essa fra-
se, na interpretação de estudiosos da
autora, quer dizer que, por mais que
você mude de lugar, relações, empre-
sa, você não se afasta da sua essên-
cia e dos seus problemas. Portanto,
é fundamental o autoconhecimento.
Conheça sua luz e a sua sombra. Re-
conheça o bem e o mal executado.
RESPONSABILIDADE 111
Perceba que a jornada não é linear e que haverá erros, acertos e que contigo
nessa trajetória, te acompanha seu verdadeiro eu.
Você deve estar se perguntando o que essa obra literária complexa e sub-
jetiva, que aborda três distintas novelas tem a ver com a Sustentabilidade?
Saindo do campo da Literatura e adentrando as corporações, quando se
começa a jornada de sustentabilidade – longa e intensa, é importante que
o primeiro passo para a verdadeira introjeção dos valores que essa temáti-
ca sugere, é começar pelo autoconhecimento da organização. E, por mais
que as empresas sejam CNPJs, são formadas por pessoas. O mergulho para
dentro de si, mesmo que não pessoal, é trabalhoso, complexo e dificilmen-
te profissionais e áreas inteiras estarão genuinamente abertos e aptos ao
exercício. Esse que nos apresenta, assim como o processo de autoconhe-
cimento pessoal, joga luz para aquilo que fazemos e que o trabalho pode
estar seguindo direção contrária ao que o mundo pede. Não cabe mais a
frase “sempre foi feito assim”. Isso é desconfortável, gera atritos internos e
rejeições. A fotografia que se apresenta nem sempre é satisfatória e aponta
erros do passado e má gestão de dados e processos. Porém, quando feito,
uma empresa inteira tem a ganhar. E como iniciei o texto: Tu não te moves
de ti! Ainda que esse “Tu” seja uma organização.
Neste contexto, entra um dos processos fundamentais da sustentabili-
dade que é a gestão de indicadores. Neste momento, a organização, de forma
humilde, deve estar aberta a se autoconhecer e reconhecer que muitas vezes,
o passado teve problemas, o presente requer rearranjo, a gestão não está tão
bem-organizada e alinhada e que algumas áreas estão muito automatizadas
em rotinas que não fazem mais sentido. No entanto, ao se propor incorporar
critérios de sustentabilidade, o futuro de uma organização pode mudar e
boas oportunidades surgirão. Esse exercício interno é fundamental para que a
sustentabilidade se incorpore no dia a dia das pessoas de forma que nenhum
projeto, ação ou meta deixem de lado aspectos ambientais, sociais e eco-
nômicos. Sustentabilidade é responsabilidade de todos e não de uma área.
Atualmente existem muitas referências e frameworks sendo utilizados. A
mais conhecida de todas, a Global Reporting Initiative, a GRI é um bom come-
ço. Os indicadores da GRI são um bom referencial, global e multidisciplinar.
112 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Muitos questionários de agências de rating e instituições financeiras, refe-
renciam a GRI ao criar seus mecanismos de avaliação. Por meio dos indica-
dores, áreas conseguem se olhar, se (re)conhecer e, a partir dessa fotografia
do seu passado e presente é possível focar em ações de forma inteligente
para o que precisa ser trabalhado. A gestão de indicadores é como o termô-
metro para que você avalie a gestão e predisposição que a empresa terá para
cada tema proposto pelos protocolos. O mais importante neste caso não é
a ferramenta ou o framework que você escolhe e sim propor a conhecer a
organização, seu valor para a sociedade, seus impactos e suas deficiências.
Para você, profissional que está iniciando agora sua carreira ou a sua
jornada na sustentabilidade, comece pelo autoconhecimento. E sobretudo
insista! Não é em uma primeira abordagem que as áreas te receberão e te
passarão as informações necessárias, ainda que você tenha o apoio da alta
liderança. Também recomendo que seja curioso, avalie outras versões dos
fatos, fale com muitas pessoas, fale com lideranças e times das pontas. Este
movimento e este perfil de trabalho são fundamentais para que a Sustenta-
bilidade comece a fazer sentido na organização.
Quando relacionamos o trecho literário ao dia a dia das organizações,
compreendemos que não cabe mais resistir ao movimento, evitar os temas
sensíveis, não olhar para os processos, ainda que você faça parte de seg-
mentos impactantes. A sustentabilidade já alcançou a todos, inclusive o
mercado financeiro. As redes sociais também contribuíram bastante para
o movimento, pois possuem alcance exponencial e pouca coisa passa des-
percebida hoje. Portanto, comece do começo e invista nesta jornada de
autoconhecimento.
RESPONSABILIDADE 113
Liderança
feminina: remando
contra a maré
O tema da sustentabilidade segue
cada vez mais atual e urgente, e as
lideranças empresariais cumprem
SUELI MENDES um papel de extrema importância na
Gerente de Relações propagação de ações para um de-
Institucionais do CEBDS senvolvimento sustentável. Estamos
vivendo um momento de sofisticação
linkedin.com/in/sueli-
mendes-a8219b29/
do setor empresarial, e temas como
empoderamento feminino e equidade
de gênero, seguem ganhando escala,
embora haja alguns desafios a serem
superados. Cada vez mais interligados,
os temas de desenvolvimento susten-
tável e liderança feminina seguem la-
do-a-lado como forças motrizes para
mudanças significativas na sociedade
e no mundo corporativo.
Mais do que um objetivo para um
futuro melhor, a liderança feminina,
através da equidade de gênero e re-
dução das desigualdades, são alguns
dos pilares para a criação do desen-
volvimento sustentável participati-
vo, relevante, justo e socialmente
referenciado, refletindo a realidade
brasileira.
No CEBDS (Conselho Empresa-
rial Brasileiro para o Desenvolvimen-
to Sustentável) coordeno o Prêmio
114 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
CEBDS de Liderança Feminina, que segue na sexta edição, uma ação que
tem por objetivo destacar o papel de mulheres líderes em sustentabilidade,
assim como o papel das empresas que estejam dedicando esforços ao ODS
(Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) 5, que visa alcançar a igualdade
de gênero e capacitar todas as mulheres e meninas até 2030. O Prêmio é
uma oportunidade para reconhecer as muitas mulheres líderes que traba-
lham pelo avanço dos ODS da ONU. Por vezes, não é fácil convencer a par-
ticipação delas, pois temos a síndrome de impostora, que só nos atirarmos
quando nos sentimos 100% preparadas. São os atos simbólicos e que se
reverberam em transformações reais que ajudam a impulsionar o Brasil no
cumprimento do ODS 5.
Inserir medidas de igualdade de gênero no mercado de trabalho, e em
áreas como a política, educação, saúde e tecnologia são fundamentais para
o cumprimento não só do ODS 5, mas para o desenvolvimento sustentável e
a realização de todos os outros 16 ODS.
A valorização e incentivo de mulheres em todos os setores da sociedade
é de suma importância, para que mulheres tenham voz e representatividade
também em posições de poder e influência. Ser mulher é ter que provar
sempre que estamos preparadas – cercadas por vieses inconscientes, não
costumamos aceitar novos desafios sem ter certeza de que iremos dar con-
ta, ao contrário do gênero oposto. O diálogo é fundamental para esse avanço,
e é preciso cuidado e empatia para não pararmos de buscar soluções e ini-
ciativas que nos colocam em um caminho para um futuro sustentável para
essas e para as próximas gerações.
Promover o acesso à educação e o desenvolvimento de habilidades de li-
derança em meninas e mulheres desde o início de sua formação são essenciais
para atingir um patamar de equidade de gênero. A liderança é uma habilidade
que deve ser desenvolvida e aprimorada ao longo da vida, e se começarmos
hoje, poderemos moldar um futuro mais justo. Além disso, o compartilhamen-
to de experiências e conhecimento das líderes de hoje, podem inspirar outras
mulheres a se tornarem líderes em suas próprias áreas de atuação.
É fundamental que mulheres e homens trabalhem juntos para criar am-
bientes mais inclusivos e equitativos, firmando compromissos em diversas
RESPONSABILIDADE 115
instâncias, setor empresarial, governos, sociedade civil e dentro de casa para
promoção da igualdade de oportunidade e valorização da diversidade.
Precisamos pensar conjuntamente em como reduzir as desigualdades de
gênero e ressaltar o papel da mulher na sociedade brasileira, levando a discus-
são também para os homens, para que todos sejam parte efetiva de mudanças.
E por que ainda estamos remando contra a maré? Dados recentes pu-
blicados pela ONU, estima que serão necessários 300 anos para o mundo
atingir a igualdade de gênero. As mulheres ainda ocupam menos de 20% dos
cargos na Alta Liderança. Isso é remar contra a maré. Se quisermos que seja
mais rápido do que isso, teremos que remar muito mais forte, com aumento
da educação, renda e emprego para mulheres, até a promoção da participa-
ção na ciência e tecnologia.
Esse é um dos grandes desafios da nossa sociedade que deve ser as-
sumido por todos!
116 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Ur.gên.ci.a
(s.f.)
1. Característica ou estado do que é
urgente; crítico.
2. Circunstância ou situação grave,
que requer ação imediata.
Descarbonização
da cadeia de valor, 119
Mudança climática,
um problema de
circularidade, 122
Precisamos falar sobre
mudanças climáticas e justiça
ambiental, 125
Impacto positivo através da
economia circular, 128
NetZero: de meta
às ações concretas, 131
Greenwish e os riscos
das boas intenções, 134
Bioeconomia Circular,
um meio para Net Zero, 137
Sofrimento psíquico
e crise climática, 140
Rastreabilidade, a chave
para a União Europeia, 143
Transição energética:
o único caminho viável, 146
ESG na Cadeia de Valor –
Escopo 3, 149
Descarbonização
da cadeia de valor
Escutamos falar sobre o aquecimen-
to global faz muito tempo, mas nun-
ca com tanta frequência como agora.
Os primeiros estudos sobre a reação
ALINE TADANO do carbono na atmosfera datam 1824
Analista de realizados por Jean-Batiste-Joseph
Sustentabilidade Sênior Fourier e os primeiros experimentos
em laboratório ocorreram em 1856 por
linkedin.com/in/aline-tadano/
Eunice Foote. Desde então o tema foi
estudado e confirmado por muitos
cientistas, apesar dos esforços dos
negacionistas. O mais recente relatório
do IPCC (Intergovernmental Panel on
Climate Change), o AR6 (Sexto Rela-
tório de Avaliação – Synthesis Report),
divulgado em março de 2023, traz o
resumo dos estudos anteriores sobre
as causas das mudanças climáticas,
impactos gerados por elas, adaptação,
vulnerabilidade e mitigação.
Com o planeta já 1,1°C mais quen-
te, pode-se já notar as mudanças nos
regimes de chuvas, eventos extremos
mais frequentes, derretimento de ge-
leiras, etc. De acordo com o relatório,
quase 1 bilhão de pessoas terão pro-
blemas com estresse hídrico, térmico
e desertificação. O relatório também
traz “uma luz no fim do túnel”, com
alguns exemplos de resiliência, mas
URGÊNCIA 119
deixando claro que as ações de mitigação das emissões de gases do efeito
estufa (GEE) devem ser tomadas o mais rápido possível.
A descarbonização, redução das emissões de GEE, é um tema que está
sendo discutido pelas empresas, e de uma forma muito positiva, virando
uma competição entre players, onde quem ganha é o Planeta e a população!
Para se prepararem para esta corrida, as empresas precisam entender a
grandeza de suas emissões de GEE. As emissões são separadas em escopo
1 (diretas), aquelas controladas e de responsabilidade da companhia, uma
vez que ela que escolhe o tipo de combustível utilizado nas combustões
estacionárias e móveis, por exemplo. E emissões indiretas (escopos 2 e 3),
aquelas que os fornecedores emitem para produzir o que a companhia con-
some ou utiliza (como por exemplo a emissão para geração de eletricidade
– escopo 2 / a emissão pela produção dos plásticos e produtos químicos -
escopo 3), e as emissões pela utilização, consumo e descarte dos produtos
pelos clientes (escopo 3). A contabilização destas emissões na pegada de
carbono das empresas faz com que as tornem cada vez mais responsáveis
por toda a sua cadeia de valor.
Um bom termômetro para identificação das maiores fontes de emissão
de GEE indiretas é a ferramenta Quants®, disponibilizada no website do GHG
Protocol. Nela é possível estimar a quantidade de emissões de GEE baseada
em itens comprados e serviços pagos. Assim a companhia pode ter uma
base de qual tema focar em seu mapeamento, gestão, e principalmente,
metas de redução.
Para a mensuração de emissões de GEE para todos os escopos pode-se
usar a ferramenta disponibilizada no website do Programa Brasileiro GHG
Protocol. Esta ferramenta elaborada pela FGV auxilia as empresas na con-
tabilização das emissões diretas e quase todas as categorias das emissões
indiretas com fatores de emissões regionais, quando existentes.
As empresas que possuem fornecedores ligados à pecuária ou ao varejo,
por exemplo, possuem seu escopo 3 muito maior que os demais escopos.
E, consequentemente, seu maior desafio de descarbonização. Pode-se citar
as dificuldades na contabilização das emissões de GEE, tanto na parte ope-
racional (disponibilidade de informações) e quanto a indisponibilidade de
fatores locais de emissões nas bibliografias reconhecidas.
120 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Um ponto indispensável é a elaboração do plano de mitigação. Para o
escopo 3 pode-se construir parcerias entre fornecedores e clientes (ferra-
menta chave para a transição para a economia de baixo carbono), desen-
volvimento de novos produtos, alterações em processos e redução de uso
de recursos naturais e matéria-prima em geral. Essas iniciativas beneficiam
o Planeta, reduzindo o consumo de recursos naturais, emissões de GEE e
resíduos dispostos no ambiente, e para a companhia, na redução de custos.
Campanhas envolvendo clientes, incentivando-os ao não desperdício,
reutilização, descarte correto e reciclagem também é uma alternativa para a
redução das emissões de GEE indiretas. Um exemplo que pode ser citado é o
aluguel das garrafas plásticas na Alemanha. Ao comprar uma bebida deve-se
pagar pela embalagem (“Pfand”) e este valor é devolvido quando a garrafa é
inserida nas máquinas de coleta disponibilizadas em mercados. Isso incenti-
va a destinação ambientalmente correta, reduzindo as chances da poluição
de rios e solo, ou o descarte em aterros.
Alternativas para a descarbonização já existem, outras estão em desen-
volvimento. O mais importante nessa jornada é não ficar de braços cruzados!
URGÊNCIA 121
Mudança climática,
um problema de
circularidade
Não canso de ouvir a mídia falar: “A
emissão de gases tóxicos, como o
CO2, decorrente de ações humanas,
AMANDA BALDOCHI como atividade industrial e trans-
Consultora de porte, é responsável pelo fenômeno
Novos Negócios das mudanças climáticas”. Vou divi-
linkedin.com/in/amanda-
dir essa frase em duas partes. A pri-
baldochi-souza/
meira: sim, a emissão de gases de
efeito estufa, como o CO2, metano
e outros gases formam uma camada
na atmosfera que retém calor, o que
faz com que a temperatura global
média da Terra venha aumentando
ao longo do tempo, e de maneira
bastante expressiva depois da revo-
lução industrial, quando começamos
a usar em larga escala combustíveis
fósseis como o carvão.
O segundo ponto que queria tra-
zer para reflexão é que o CO2 não é
um gás tóxico! Todos os seres vivos,
ao respirarem, absorvem o oxigênio
da atmosfera e, por meio do proces-
so de respiração celular, eliminam
CO2. Ou seja, se o CO2 fosse tóxico,
nós estaríamos nos envenenando
simplesmente por respirar. Fazendo
o ciclo inverso, as plantas e algas,
no processo de fotossíntese, retiram
122 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
o CO2 da atmosfera e o fixam em seus tecidos, enquanto eliminam, como
“resíduo”, o oxigênio que respiramos. A natureza, em seus ciclos perfeitos,
promove a recirculação desses elementos químicos de maneira contínua.
Por isso falamos que as florestas e as compensações de emissões por meio
de projetos de reflorestamento são uma ferramenta importante para absor-
ver parte desses gases e retê-los na forma de matéria orgânica.
Então, qual o problema do CO2? O problema é que os combustíveis fós-
seis são formados a partir da deposição de matéria orgânica (ou seja restos
de plantas, algas e animais) no fundo de mares e lagos, e da sedimentação
desse material sob altas pressões e temperaturas ao longo de milhões de
anos, dando origem a moléculas químicas que contém diversos átomos de
carbono e muita energia em sua estrutura, os hidrocarbonetos. E a queima
desses combustíveis no mundo, principalmente nos motores dos carros a
combustão e para a geração de energia, está fazendo com que essa quan-
tidade gigantesca de carbono que ficou armazenado por milhões de anos,
agora esteja sendo lançada na atmosfera, causando aumento expressivo e
contínuo desse gás na camada gasosa da terra.
De acordo com a publicação “A Atmosfera: Conhecendo o Dióxido de
Carbono” (tradução livre) de Alan Buis, do Laboratório de Propulsão a Jato da
NASA, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera da Terra estava,
no ano de 2019, em quase 412 partes por milhão (ppm) e aumentando. Isso
representa um aumento de 47% desde o início da Era Industrial, quando a
concentração se aproximava de 280 ppm, e um aumento de 11% desde 2000,
quando estava perto de 370 ppm.
Importante mencionar também que o desmatamento, que estamos ven-
do de forma cada vez mais acentuada na Amazônia e em outras regiões do
globo, seja por meio de queimadas ou pelo corte raso, também faz com que
todo o carbono que estava armazenado nos galhos, folhas, troncos e no solo
(sim, tem muito carbono armazenado nos solos de áreas florestadas!) seja
emitido para a atmosfera, o que diminui a capacidade das florestas de atua-
rem como depósitos naturais de carbono e de regulação do clima.
Assim, o que nós, seres humanos, estamos fazendo é rompendo o equi-
líbrio biogeoquímico do planeta ao emitirmos muito mais CO2 do que a
URGÊNCIA 123
natureza é capaz de armazenar. Ou seja, ao queimarmos, seja um recurso
fóssil não renovável ou florestas, estamos transformando um processo cir-
cular (ciclo do carbono), em um processo linear, com o esgotamento desse
recurso em uma ponta (reservas de combustíveis fósseis ou estoque de
biomassa de nossas florestas) e acúmulo na outra (aumento da concentra-
ção de CO2 na atmosfera).
E então, o que podemos fazer para minimizar esse quadro? O desen-
volvimento de novas tecnologias para retirar o carbono da atmosfera e ar-
mazená-lo é importante, mas no momento são tecnologias caras e pouco
escaláveis. O que precisamos fazer, o quanto antes, é substituir o consumo
de combustíveis fósseis por fontes renováveis, especialmente nos processos
de geração de energia e no setor de transportes, maiores contribuintes de
emissões de gases de efeito estufa.
Também precisamos parar, ou diminuir ao máximo com os desmatamen-
tos e promover a regeneração de áreas naturais, que têm a capacidade de
não só retirar o carbono da atmosfera, mas trazer muitos outros benefícios,
como água em mais quantidade e qualidade, diminuição da erosão e perda
de solos, além da manutenção da biodiversidade e de diversos outros ser-
viços ecossistêmicos.
Em 1777, o químico Lavoisier cunhou a frase “Na natureza nada se perde,
nada se cria, tudo se transforma”, e para mim essa frase sintetiza uma ver-
dade absoluta. Que possamos aprender com a natureza a realizar atividades
humanas de maneira cíclica, equilibrada e harmoniosa.
124 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Precisamos falar
sobre mudanças
climáticas e justiça
ambiental
No eco silencioso da natureza, onde
segredos dos antigos se entrelaçam
ANA CAROLINA BAREZI com as incertezas do futuro, Ailton
Especialista Krenak nos lembra que o caminho a
em Sustentabilidade
seguir é trilhado pelas pegadas dos
linkedin.com/in/anacarolinabarezi/ nossos ancestrais. Em um mundo
mergulhado em desafios climáticos
e desigualdades ambientais, é impe-
rativo aprendermos com a sabedoria
dos tempos passados para pisarmos
suavemente na Terra e resgatarmos
a justiça que há muito tem sido ne-
gligenciada.
A vida, em sua complexa teia in-
terconectada, sustenta-se na har-
monia das contribuições sistêmicas,
onde cada ser ou elemento, desde
os microrganismos até a vastidão da
estratosfera, desempenha um papel
essencial. Entretanto, nossas ações
humanas desenfreadas, baseadas no
modelo de “progresso” infinito e pela
busca incessante por produção e
consumo, desequilibra o sistema na-
tural que nos acolhe.
A economia conhecida hoje – li-
near – polui a atmosfera, contami-
na o solo, desmata florestas e afeta
URGÊNCIA 125
oceanos. Ela intensifica as mudanças climáticas, tornando-as cada vez mais
perceptíveis em decorrência de secas, alagamentos, furacões e ondas de
calor, e acentuam cada vez mais problemas de ordem social. Por isso o
debate sobre justiça climática é planetário e urgente – afeta todos os seres
viventes, mas de maneiras diferentes.
A justiça climática surge para reconhecer que são aqueles que menos
contribuíram para essa crise que sofrem suas consequências mais severas.
Não há como ignorar as diferenças sociais e suas (in)capacidades de se-
rem resilientes diante de desastres. Dados da PNAD Contínua (IBGE,2019),
indicam que 90% dos brasileiros têm renda inferior a R$ 3,5 mil por mês e
70% ganham até dois salários mínimos (R$ 1.871,00), isto demonstra que a
concentração de renda, proteção e privilégios para um pequeno grupo de
pessoas em detrimento da qualidade de vida de muitos cria uma espiral ne-
gativa que se retroalimenta e segrega. Reformulando a analogia popularizada
na pandemia de CoViD-19: a tempestade pode até ser a mesma, mas não
estamos todos no mesmo barco e não somos atingidos da mesma maneira.
Enquanto lidamos com as dimensões ecológicas e humanas desse de-
safio, devemos nos voltar para os princípios da sustentabilidade e usar a
ciência e soluções baseadas na natureza a nosso favor. São essas ferramen-
tas humanas, aliadas à inspiração dos processos naturais aprimorados pela
evolução ao longo de milhões de anos, que podem contribuir para a pre-
servação da vida, tanto para as gerações presentes quanto para as futuras.
Investimentos em adaptação e mitigação dos impactos ambientais devem
ser direcionados especialmente para os mais vulneráveis, que enfrentam de
forma desproporcional as mudanças climáticas. A adaptação deve ir além,
deve repensar como fazemos nossos negócios, como exigimos retorno de in-
vestimentos (enquanto pessoas físicas e jurídicas) e a qual custo buscamos
o famoso “progresso”.
No entanto, a resposta não se limita apenas a ações econômicas e po-
líticas. Devemos repensar nossos estilos de vida e questionar modelos de
produção e consumo que nos levam a um ciclo insustentável (aquela espiral
negativa citada antes). Podemos aprender com os povos originários, que há
séculos se aprimoram para harmonizar-se com a natureza, evitando emis-
sões e protegendo os ecossistemas – usando o laboratório da natureza. A
126 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
biomimética é um exemplo que traduz isso, e envolve o estudo e a aplicação
dos princípios e estratégias encontrados nos sistemas biológicos para pro-
jetar e aprimorar produtos, processos e tecnologias. Se aprendermos com
a natureza, não precisamos despender tempo e recurso inventando regras,
sistemas e máquinas que já existem há milênios, basta mudarmos a lente.
As soluções criadas devem ser desenvolvidas e viabilizadas sem deixar
ninguém para trás, já que é direito de todo ser humano ter um meio ambien-
te equilibrado, e, portanto, soluções não devem ser seletivas ou priorizadas
para alguns grupos. A dignidade hídrica, por exemplo, deve ser garantida a
todos os seres humanos, no entanto, estimativas indicam que 60,9 milhões
de pessoas vivem em risco hídrico no Brasil, enfrentando escassez de água.
Além disso, cerca de 15 milhões de mulheres brasileiras não têm acesso a
água tratada, o que corresponde a 1 em cada 7 mulheres do país1. Números
que evidenciam a disparidade no acesso aos recursos naturais e destacam
a necessidade de abordar as questões socioambientais de forma inclusiva
e justa. Como será que a natureza teria resolvido esse “desvio” no sistema
natural e encontrado um novo equilíbrio?
Nessa jornada que permeia o diálogo entre mudanças climáticas e jus-
tiça ambiental, devemos nos lembrar que utilizamos elementos construídos
pelo pensamento humano, mas a serviço de todas as vidas existentes na
terra, e que nossa sobrevivência está intrinsecamente ligada ao equilíbrio e à
harmonia de uma ampla teia de vida. Vamos buscar em nossas antigas vozes
a sabedoria necessária para moldar um amanhã mais justo, equilibrado e
harmonioso para todos os seres que compartilham deste mundo.
1. BRK AMBIENTAL; INSTITUTO TRATA BRASIL. Mulheres & Saneamento. Brasil, 2019, 89p. Disponível em:
https://tratabrasil.org.br/o-saneamento-e-a-vida-da-mulher-brasileira-2022/. Acesso em: 28 maio.2023
URGÊNCIA 127
Impacto positivo
através da
economia circular
Vivemos em tempos de mudanças.
Positivas ou não, a verdade é que,
impulsionada pelos impactos am-
ANDIARA DRUZIAN bientais já causados ao planeta, a
Especialista em sustentabilidade começa a ganhar
Sustentabilidade e ESG dimensão e ultrapassar muros. Em
linkedin.com/in/andiaradruzian/ um andar tímido, o termo galga ca-
minhos para além de espaços com
chaminés e fumaças pretas, che-
gando a corporações com negócios
diversos como varejo, imobiliário,
serviços de saúde, etc.
A sustentabilidade abrange to-
dos os atributos que garantem o fu-
turo e, em um recorte corporativo,
é tudo aquilo que garante a pereni-
dade do negócio. E para que possa-
mos compreender as oportunidades
que a sustentabilidade oferece no
espaço e tempo atuais, é necessá-
rio expandirmos nossa atenção para
novas conexões.
Entre causas e efeitos, entradas
e saídas, fica claro que os temas am-
bientais, sociais e de governança, se
cruzam e são interdependentes.
Um exemplo prático é imaginar-
mos uma cooperativa de reciclagem,
128 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
onde um processo de segregação garante a destinação ambientalmente cor-
reta para os resíduos, mitigando o impacto ambiental. Porém, se as pessoas
envolvidas não tiverem um salário digno, não terão acesso a moradia digna
com saneamento básico, alimentação e tampouco lazer. O resultado dessa
equação deve ser positivo para todos, e para isso, os valores distribuídos
pela cadeia devem ser igualitariamente respeitados.
Para além da visão míope de custo que o termo “sustentabilidade” des-
perta, essa é uma aliada transversal de crescimento e geração de valor. De
maneira coordenada, projetos, pessoas, objetivos estratégicos e obstáculos,
podem elevar a geração de impacto positivo dentro da companhia, valorando
e atribuindo papéis importantes a esses elementos.
Atualmente, a economia é praticada de forma linear, um caminho com
começo e fim, na extração de matéria-prima para o descarte, no qual produ-
tos e materiais não são usados em todo o seu potencial.
Para atingir a sustentabilidade na sua amplitude, é necessária uma tran-
sição para um modelo mais regenerativo, circular, baseado em três princípios:
eliminar o desperdício e a poluição, circular produtos e materiais e regenerar
a natureza (Fundação Ellen MacArthur, s.d.).
A circularidade, muitas vezes, está em conectar a saída de um processo
com a entrada de outro. Essas vinculações também equacionam a questão
financeira, pois há economia de recursos e matérias a partir do reaproveita-
mento e/ou redução. Ou seja, é uma economia pautada na máxima valoriza-
ção dos capitais envolvidos, incluindo o capital humano.
Identificar a sinergia entre desafios e oportunidades para garantir a cir-
cularidade não é um exercício fácil, já que nem sempre se trata da mesma
matéria, mas as soluções podem estar conectadas. Mapeio abaixo três fer-
ramentas de facilitação para a geração de impacto positivo nos processos e
dinâmicas corporativas, a partir da economia circular:
Intraempreendedorismo: processo de empreender internamente, que
incentiva e dá voz aos talentos internos, valorizando as habilidades e
criatividade dos colaboradores. Os intraempreendedores de impacto
podem auxiliar na identificação de oportunidades que reduzem custos,
promovem diferencial da companhia no mercado ou até mesmo novas
URGÊNCIA 129
receitas (SPITZECK et al., 2023). Componentes essenciais para o surgi-
mento e fortalecimento do intraempreendedorismo de impacto são os
perfis dos colaboradores, um ambiente favorável que acolhe, incentiva e
promove um democrático para tentativas e erros (SPITZECK et al., 2023).
Olhar sistêmico: há de se colocar em cima da mesa todas as dores le-
vantadas e entender onde elas se conectam. A elaboração de mapas
sistêmicos é uma ferramenta provocativa, que permite compreender a
completude, formas de retroalimentação do processo, fatores que apoiam
o balanceamento e a resolução de problemas, apoiando também a trans-
missão de forma clara do negócio de impacto pretendido.
Articulação dos stakeholders: é necessário identificar os stakeholders
que podem se somar ao projeto, sejam estes internos ou externos. A
circularidade só atinge seu objetivo se for pensada e executada por vá-
rias mãos, garantindo a integração dos seus interesses. Permite também
olhar para fora, pois muitas das vezes a solução das dores identificadas
podem estar em outros setores. Além disso, a mobilização em cadeia
provoca o famoso “efeito cascata”, fazendo com que novas demandas
gerem inovação nos processos codependentes.
Não me arrisco a dizer que esses são os únicos fatores de sucesso, porque
para atingir esse patamar é necessário paixão, e esse ainda é um indicador
difícil de se contabilizar nas métricas ESG, mas são três passos que antece-
dem os conhecidos planejamentos de projetos e que podem influenciar no
resultado gerando, de fato, impacto positivo para toda cadeia.
A busca pelo impacto positivo é um caminho sinuoso, mas é um processo
que nos auxilia a olhar para o mundo com lentes otimistas, partindo do prin-
cípio de que tudo pode sempre ser e estar melhor, para todos os seres em
todos seus espaços. Perenidade e prosperidade andam juntas nesta busca.
130 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
NetZero: de meta
às ações concretas
A Mudança Climática é um dos maio-
res desafios globais da atualidade, sen-
do necessária uma redução drástica de
emissões de gases efeito estufa (GEE)
BRUNA S. DIAS para limitar o aquecimento global em
1,5°C. As metas NetZero nasceram para
Gerente em consultoria
estratégica tangibilizar, tanto para instituições do
setor privado quanto para o setor pú-
linkedin.com/in/brunasilvadias/
blico e governos, o nível de descar-
bonização que deve ser alcançado.
Entretanto, considerando a análise de
viabilidade das tecnologias conheci-
das hoje, ainda não encontramos o
caminho para superar tal desafio.
O consumo energético é a princi-
pal causa das emissões globais, com
mais de 70% de representatividade.
No Brasil, esse perfil é diferente de-
vido às emissões provenientes de
desmatamento e do agronegócio, e
também do grande potencial de pro-
dução de energia a partir de fontes
renováveis. Ainda assim, o foco em
transição energética é muito impor-
tante para colocar o país em trajetó-
ria NetZero e posicionar o Brasil como
exportador de descarbonização.
A capacidade de geração de ener-
gia renovável no mundo tem aumen-
tado, como observado no Brasil, em
URGÊNCIA 131
2022, em que 83% do aumento do potencial elétrico foi renovável. A velo-
cidade de adoção de renováveis globalmente, entretanto, não é suficiente.
Entre 2021 e 2022, a pandemia e conflitos globais inseriram complexidade
adicional para a transição energética, com a disrupção da oferta de gás na-
tural na Europa e processos inflacionários e de alta de juros globais, que
diminuem a liquidez internacional e pressionam os custos de capital. Assim,
vimos diversos países europeus religando usinas a carvão, retrocedendo em
avanços já alcançados, e vivemos um momento de cautela em relação a in-
vestimentos, incluindo aqueles necessários para descarbonização.
Outro fator que coloca em xeque a capacidade de limitar as mudanças
climáticas é a dificuldade de estabelecimento de acordos globais que sejam
efetivos para viabilizar a tomada de ações coordenadas e custo-efetivas, le-
vando em consideração as capacidades, fortalezas e vulnerabilidades de cada
nação. Em 27 edições das Conferência do Clima das Nações Unidas (COPs),
tenta-se chegar a acordos entre os países para colocar o planeta numa traje-
tória de segurança climática. Sem o sucesso esperado, em 2020, o Protocolo
de Kyoto foi substituído pelo Protocolo de Paris, introduzindo a lógica de
Contribuições Nacionalmente Determinadas (do inglês, NDC), segundo a qual
cada nação estabelece qual será a sua redução de emissão almejada.
Hoje, 128 países já estabeleceram NDCs, representando 85% das emis-
sões. Entretanto, diversos especialistas afirmam que, em geral, tais compro-
missos não são suficientes, e seguimos na expectativa de avanços.
Apesar dos desafios, é possível dizer que a agenda de descarboniza-
ção seguirá avançando, e será necessário que todos os negócios estejam
preparados e comecem a tomar ações para limitar riscos e aproveitar opor-
tunidades da transição para uma economia de baixo carbono. Porém, al-
gumas questões-chave ainda devem ser respondidas. Afinal, como superar
os desafios impostos pela mudança climática e prosperar em um mundo
em constante evolução? Como viabilizar ações efetivas de descarbonização,
incluindo inovação? Qual o papel de governos, setor financeiro e da gover-
nança corporativa?
A transição energética dependerá da implementação de tecnologias como
hidrogênio verde, sistemas de captura de carbono, além da viabilização em
132 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
escala de produção de biogás e outros biocombustíveis. Um dos instrumen-
tos que atuará para viabilidade das ações é o mercado de carbono. Inserir
um sinal de preço para carbono fará com que as análises de viabilidade de
projetos passem a considerar emissões como um dos elementos da mode-
lagem econômica, sendo necessário preço maior do que 150 dólares para
atingimento de meta NetZero.
Assim, o papel dos governos e políticas públicas passa por desenhar
maneiras em que empresas devam considerar os preços de carbono, evitan-
do dupla contagem de ações e garantindo segurança. Acordos e mercados
internacionais podem alavancar resultados, com a possibilidade de extração
do maior valor de cada região, com custo-efetividade. A pressão do setor
privado e sociedade será essencial para que tais medidas sejam adotadas
com celeridade necessária.
Para empresas, a descarbonização deve ser pensada como um novo ne-
gócio em que seja possível capturar oportunidades e melhorar resultados da
companhia. Elaborar roadmaps de redução de emissão e calcular os investi-
mentos necessários e retornos esperados são só os primeiros passos da jor-
nada. Esses processos devem ser incorporados nas diversas áreas por meio
de modelos de governança construídos com foco em resultados sustentá-
veis. A solução é intersetorial, e a busca por parceiros nunca foi tão importan-
te. A jornada é longa, e nosso tempo é curto. Então, a hora da ação é agora.
URGÊNCIA 133
Greenwish e os
riscos das boas
intenções
Em muitas salas de reuniões ao redor
do mundo, as pessoas discutem um
dos maiores compromissos globais,
CHRISTIE BECHARA a sustentabilidade. Organizações, de
Especialista em Estratégia todos os portes e setores e, repre-
e Gestão ESG sentantes de diversos países estão
linkedin.com/in/christie-bechara/
aliados aos compromissos públicos
para a sustentabilidade, como sugere
a Agenda 2030 e os 17 Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS),
promovidos pela ONU e, comprome-
tidos com questões de uma agenda
comum de ESG.
A lista das pautas ESG é exten-
sa e ambiciosa, segue mais intensa,
emergente e evidente ano após ano
e, não pode ser tratada ou abordada
de modo aleatório. Contudo, muitas
vezes, na efervescência de promo-
ver a sustentabilidade, erros graxos
são cometidos ao pactuar e divulgar
compromissos, ações ou até mesmo
resultados, sem considerar o crivo da
boa governança, que zela pela audi-
toria e transparência.
E, o quê essa falta significaria?
Riscos! Desde financeiros até riscos
legais, sociais e, obviamente, de go-
vernança – afinal, uma informação
134 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
distorcida ou inconsistente que chega ao mercado, abala a reputação e ima-
gem não só dos negócios da organização, mas de todo um setor, ou até mes-
mo de um país. Por isso, é preciso ter muito cuidado ao divulgar um “desejo
ESG” e assim, gerar expectativas que não serão cumpridas junto aos stake-
holders – tanto internos, quanto externos. Para compreendermos melhor, o
conceito greenwhishing define bem este tipo de situação.
Ele foi cunhado em julho de 2019, pelo pesquisador e especialista em sus-
tentabilidade, Ducan Austin, quando publicou o artigo “Greenwish: The Wishful
Thinking Undermining the Ambition of Sustainable Business”. Em livre tradução,
digo que é "o desejo de ser sustentável”. E, é aí que está o grande risco, nesse
tal ‘wish’ que nada mais é, do que o fato de gerar expectativas em possuir ou
alcançar algo – no caso, a sustentabilidade, mas não chegar lá!
Ao longo de minha trajetória profissional (são mais de 20 anos atuando
com sustentabilidade), faço análises de riscos ESG e noto que é comum
acontecer o greenwish quando representantes da organização agem por im-
pulso, desejando que a sustentabilidade aconteça prontamente e, tomando
decisões repentinas e unilaterais, ou, quando ocorre a publicação de comu-
nicados (relatórios) sobre compromissos que ainda não têm como alocar
orçamentos e/ou recursos para dar continuidade a conversa ou ao projeto,
também ocorre greenwish quando analisam o posicionamento de concor-
rentes e tendências mercadológicas e, se antecipam em propagar campa-
nhas sem metas, com objetivos inalcançáveis e não mensuráveis; ou ainda,
infelizmente, o mais comum de todos os riscos, quando representantes da
organização estabelecem conversas com stakeholders (internos e externos)
sobre questões de ESG que não foram pactuadas ou não estão aderentes à
estratégia do negócio.
Vale lembrar que essa condição de desejar fazer, mas, não fazer, pode
ser tão prejudicial quanto o greenwash, outro termo usual no mundo do ESG
e que, basicamente, significa: comunicar que faz, mas não faz!
De fato, existem poucos mecanismos internos e externos que auxiliam
na identificação de riscos e que impedem as organizações de ir além das
apenas desejosas iniciativas, antes que se transformem em falsas divulga-
ções. Alguns estudos e especialistas internacionais em riscos e regulação
de ESG apelam aos órgãos reguladores e supervisores de que é preciso
URGÊNCIA 135
desenvolver abordagens para mitigar tais riscos. Então, deixo aqui alguns
pontos de atenção e insights que podem ser considerados por quem ‘deseja’
combater as práticas de greenwishing e, também de greenwashing...
• Os compromissos e metas de sustentabilidade da sua organização estão
baseados em quais parâmetros e/ou referências? Quais dados ESG são
levados em consideração dentro de critérios e seleção de segurança?
• A estratégia ESG foi implementada? Os gestores e porta-vozes pactua-
ram compromissos de integridade e compliance?
• Existem formas de evidenciar e mensurar os dados e informações que
serão divulgados?
• As políticas organizacionais, em especial – comunicação e sustentabi-
lidade, abordam os riscos de greenwashing e greenwishing? Há diretri-
zes e abordagens para desenvolver uma estrutura anti-greenwashing e
greenwishing holística?
Sim! São muitas questões e riscos a considerarmos e, ao meu ver, o
maior risco é que o GREENWISH é muito mais difundido e implícito do que
o greenwash pois, como surge das boas intenções, é possivelmente mais
prejudicial e certamente mais difícil de contestar.
Por isso, é preciso trazer luz a estas questões e fazer com que todos
entendam a seriedade com que a Agenda ESG, bem como, os temas de sus-
tentabilidade devem ser tratados e comunicados.
Por fim, o intuito dos trabalhos com ESG não é incitar sobre quem pode
fazer mais, produzir mais conteúdos, com as maiores promessas, mas, sobre
como entregar soluções concretas e consistentes e, como reportá-las de
forma transparente, responsável, auditável e genuína.
136 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Bioeconomia
Circular, um meio
para Net Zero
Estamos vivendo uma nova era geo-
lógica, o antropoceno, marcada pelo
impacto do homem. O termo foi po-
DANI PEREIRA pularizado em 2000, por Paul Crutzen
Empreendedora de (Prêmio Nobel de Química 1995).
negócios de impacto
socioambiental Nesse sentido, um estudo da re-
vista Nature revelou em 2020 que
linkedin.com/in/daniela-
pereira-circulagem/ pela primeira vez a massa dos objetos
construídos pela humanidade (1,1 tera-
tons) superou a massa dos seres vivos
e isso sem incluir a massa do lixo. Em
1900, a massa antropogênica era de 35
gigatons, sendo 3% do peso atual, ou
seja, tem dobrado a cada 20 anos.
Esse impacto causado pelo ho-
mem tem maior intensidade e velo-
cidade graças ao crescimento popu-
lacional e o aumento do consumo.
Segundo André Trigueiro, esse modelo
é considerado “ecologicamente pre-
datório, socialmente perverso e poli-
ticamente injusto”, um ecocídio, onde
o homem está causando o extermínio
das condições que suportam a vida.
Esse modelo de extração dos re-
cursos, consumo e descarte é nome-
ado como economia linear. Ele não
considera as externalidades, que são
URGÊNCIA 137
os efeitos que uma atividade econômica tem sobre terceiros que não estão
diretamente envolvidos na transação. As externalidades podem ser negativas
ou gerar benefícios, e devem ser refletidas nos preços de mercado.
As externalidades ambientais são os impactos negativos sobre os recur-
sos naturais, como a degradação do ecossistema, a poluição do ar, da água,
do solo e a perda de biodiversidade. As externalidades sociais, englobam os
efeitos negativos sobre as comunidades locais, como deslocamentos força-
dos, perda de cultura e conhecimento tradicionais, impactos na saúde e na
qualidade de vida.
As externalidades da economia linear resultam em sobrecarga da Terra,
já que este modelo não considera que os recursos do planeta são limitados
e promove o seu esgotamento acelerado, desequilíbrio ambiental, aumento
das emissões dos gases que causam o efeito estufa e, consequentemente,
as mudanças climáticas, sem considerar nos custos de produção os proces-
sos para prevenir e reverter esses impactos.
Nesse contexto, é imprescindível adotar novos modelos econômicos, que
visam maximizar o uso eficiente de recursos, reduzir os impactos ambien-
tais, promover a equidade social, impulsionar a regeneração e criar mecanis-
mos para diminuir, ou neutralizar, as emissões de carbono.
A bioeconomia circular é um conceito inovador que propõe uma mu-
dança de paradigma na forma como produzimos, consumimos e descar-
tamos produtos. Ela impulsiona a circularidade dos materiais, isso porque
incorpora os princípios da economia circular, como redução, reutilização,
reciclagem e regeneração dos ambientes. Ainda, está baseada nos ciclos
biológicos, onde ocorre o uso eficiente dos recursos, tanto renováveis
quanto não renováveis, e na criação de cadeias de valor fechadas, onde
os resíduos e subprodutos são reciclados, reutilizados ou reintegrados de
forma eficiente nos sistemas produtivos. Essa abordagem busca maximi-
zar o valor dos recursos biológicos, minimizando o desperdício e promo-
vendo a sustentabilidade ambiental e econômica.
Além disso, essa nova economia promove o desenvolvimento local em
detrimento da economia de escala. Ao fortalecer as cadeias de suprimentos
locais, ela estimula a produção e o consumo regional, reduzindo as distân-
138 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
cias percorridas pelos produtos e minimizando a pegada de carbono asso-
ciada ao transporte. Essa abordagem contribui para a resiliência econômica
das comunidades, gerando empregos e renda digna, além de combater as
mudanças climáticas.
Para garantir que a bioeconomia circular ocorra, existe uma jornada entre
a descoberta de um potencial ativo ou produto que a comunidade tem co-
nhecimento e costume de consumir, até efetivamente criar um produto com
valor de mercado. Para isso é necessário desenhar um modelo de negócio, que
garanta o aumento da renda, sem promover o extrativismo, pois isso retor-
naria a exploração intensiva de recursos. É preciso destacar a importância do
design de produtos realizado na concepção do modelo de negócio, que deve
considerar todo o ciclo de vida do produto, desde a seleção de materiais sus-
tentáveis, até o seu descarte adequado, assegurando que os recursos sejam
aproveitados de forma eficiente e evitando o desperdício na produção.
Alguns exemplos: alimentos funcionais, biomateriais para embalagens,
biocosméticos, bioplásticos e biofertilizantes. Muitos produtos são originá-
rios da floresta, chamados de produtos florestais não madeireiros, frutos
de palmeiras (açaí), castanhas e óleos. O foco sempre é criar alternativas
para gerar uma economia da floresta em pé, ou com o manejo sustentável.
Em suma, a bioeconomia circular representa uma abordagem holística,
definida como a aplicação de conhecimentos biológicos em um ambiente
sustentável para produtos competitivos e operações econômicas. Ela pro-
põe uma transição para uma economia regenerativa, que promove serviços
ecossistêmicos nos territórios, conservando o capital social (populações tra-
dicionais) e o natural (solo, água e ar).
URGÊNCIA 139
Sofrimento
psíquico e crise
climática
Como psicanalista em formação e
jornalista por atuação, trago aqui um
pouco das reflexões que habitam
ELIANE DAL COLLETO
minha mente e me instigam a pes-
Jornalista, psicanalista, quisas e leituras transformadoras,
consultora
que não raro estabelecem conexões
linkedin.com/in/elianedalcolleto/
entre saúde mental e sustentabilida-
de. Na verdade, entre o sofrimento
psíquico e o capitalismo com suas
vertentes mais cruéis: neoliberalis-
mo, destruição do meio ambiente e
das espécies viventes.
Vivemos numa sociedade entor-
pecida por ansiolíticos e antidepres-
sivos para suportar nossa precária,
senão desprezível, existência. Tomo
isso como fato. E me pergunto em que
medida essa falta de saúde mental é,
em parte, oriunda da crise climática.
Apesar de acharmos que estamos
sofrendo calor excessivo, frio exces-
sivo, perda de florestas, enchentes
e secas, ainda não sabemos as reais
consequências da crise climática em
nossa saúde mental. O fato é que
estamos vivendo essa crise climáti-
ca e isso está sendo introjetado em
nossa subjetividade.
140 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Seguimos vivendo, ocupados com as rotinas e os compromissos assumi-
dos. Mas nada passa despercebido. Estamos em sofrimento. Eu me pergunto
que memórias estão sendo formadas em minha mente? E na mente das
crianças do nosso tempo? Quais os sintomas e experiências de sofrimen-
to vamos experimentar daqui para frente? Li recentemente o livro Múltipla
Personalidade e as Ciências da Memória, de Ian Hacking, um rico estudo
histórico e epistemológico sobre transtornos de personalidade, e na leitura
me marcou a referência de que uma pessoa seja suas memórias e não que
uma pessoa tenha suas memórias. Nesse sentido, que ser humano somos
nós? Que conjunto de memórias nos constitui?
Judith Herman, psiquiatra e pesquisadora norte-americana, defende que
o Transtorno de Estresse Pós-Traumático pode ser explicado de duas formas:
a partir de situações traumáticas únicas e de curta duração ou a partir de
vivências traumáticas repetidas e prolongadas que desencadeiam sintomas
mais graves e crônicos. Eu penso que a crise climática está atuando em nossa
memória dessa forma: em doses repetidas e prolongadas de sofrimento.
Também faz parte das pesquisas de Judith Herman, que cito livremente
sem rigor acadêmico, a constatação de que, ao longo da história, emergem
casos de sofrimento psíquico em associação com momentos de grande trans-
formação política. Ela defende, e eu concordo, que lembranças e traumas são
eventos que estabelecem essa junção política. Vemos isso todos os dias: crise
climática como pauta de disputas geopolíticas. Crise climática monetizada,
para o bem e para o mal. Crise climática como consequência e também como
instrumento do capitalismo. Como equacionar essa condição dialética?
Eduardo Giannetti, economista, expõe de forma didática o flagelo da eco-
nomia de mercado com a qual convivemos, que é regida pelo sistema de
preços. Esse sistema não contabiliza os impactos no meio ambiente e não
podemos nos supor incautos sobre isso. Ele cita um bom exemplo, que ater-
riza, com o perdão do trocadilho, a situação para entendimento de qualquer
pessoa: a passagem aérea. Pagamos um ticket aéreo por sua composição de
preço, ou seja, pelo custo do combustível, pelo desgaste da máquina, pelo
serviço de bordo, pelo piloto, pelo uso dos aeroportos e outros, mas não pa-
gamos pelo CO2 emitido no trajeto. Gosto de explicações simples, capazes
de atingir a compreensão de forma massiva e em linguagem coloquial.
URGÊNCIA 141
Para Christian Dunker, psicanalista e instigador de minhas inesgotáveis
reflexões, o capitalismo transformou nossos desejos em metas, métricas,
objetivos e resultados esperados, em geral no curto prazo. E quanto mais
eu penso sobre isso, mais angustiante se torna viver. Não tenho respostas
prontas ou fáceis para enfrentar a crise climática, o capitalismo, os sofri-
mentos psíquicos e os desafios políticos. Sei que tem muita gente tentando
vários caminhos. E costumo ter mais perguntas do que respostas. Mas uma
coisa eu sei: se sobrevivermos por mais alguns séculos, a civilização atual,
tal qual a conhecemos, será motivo de muita vergonha e revolta, especial-
mente pela forma como nos relacionamos com o meio ambiente e com os
seres sencientes.
142 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Rastreabilidade,
a chave para a
União Europeia
O regulamento que obriga a compro-
vação de origem de seis importan-
tes commodities: soja, gado, cacau,
MAUREM ALVES café, madeira e óleo de palma, assim
Consultora de como seus subprodutos foi recen-
Sustentabilidade temente aprovado pelo Parlamento
linkedin.com/in/maurem-alves/
Europeu. Isso significa que começa
a contar o prazo de 18 meses para
efetividade das regras e para que
produtores e responsáveis pelo co-
mércio destas commodities e vá-
rios de seus subprodutos passem a
comprovar que os mesmos não têm
relação com situações de desmata-
mento ou degradação florestal.
O objetivo do Regulamento (UE)
2023/1115 é garantir que produtos
consumidos na União Europeia – pro-
duzidos em qualquer parte do globo
– não contribuam para qualquer des-
matamento (mesmo os considerados
legais, em determinadas regiões). A
tendência é que lógicas similares
ganhem escala, e isso merece ser
celebrado. Porém, a implementação
destas regras traz desafios de diver-
sas ordens.
Uma das exigências da norma é
que cada lote de produto seja acom-
URGÊNCIA 143
panhado de informações geográficas dos locais de obtenção do insumo. Não
apenas uma coordenada de referência, mas os polígonos precisos onde o
rebanho foi criado, onde a lavoura foi cultivada ou onde a madeira foi colhida.
Para fornecedores de pequeno porte (área inferior a quatro hectares, tendo
em mente que um hectare costuma ser comparado a um campo de futebol)
serão aceitas informações simplificadas contendo apenas uma coordenada.
Para alguns segmentos de negócios, com elevado rigor de controle na
localização das unidades produtivas, como o setor de plantações florestais,
por exemplo (responsável pelo abastecimento da produção de celulose e
papel, chapas e uma infinidade de outros produtos a base de madeira) esse
controle já faz parte da rotina, assim como uma série de auditorias feitas por
organismos independentes para verificação das práticas de manejo à luz de
padrões de referência globais. Possuir o controle e a informação, no entanto,
não basta. As próprias certificações socioambientais, por mais rigorosas que
sejam, não serão um passe livre ou uma garantia automática de aceitação do
produto, embora sejam reconhecidas como boas práticas.
O desafio de fato começa na gestão do fluxo de dados em sistemas que
ofereçam segurança suficiente. Para isso, novos procedimentos, ferramentas
e estruturas serão demandados. Ainda pensando no exemplo do setor de
plantações florestais, que conheço mais profundamente, há diversos produ-
tos que incluem na sua produção o aproveitamento de resíduos de serrarias,
por exemplo (o que é uma excelente prática, alinhada com a demanda de
circularidade), mas a serragem que é aproveitada, pode ter origem de toras
oriundas de muitos distintos locais. Ao longo de um determinado período,
pode-se ter um cenário em que alguns milhares de polígonos precisariam ser
rastreados para fornecer a informação de um determinado produto. Quan-
do o fornecedor desse resíduo-insumo é um negócio pequeno, dificilmente
contará com sistemas e estruturas para coleta e armazenamento desses
dados. A adequação demandará recursos e tempo para implementação.
O Brasil é um fornecedor relevante para várias das commodities cobertas
por esse regramento. No caso de produtos originados da madeira, respon-
demos por 38% do consumo da União Europeia; fornecemos quase 52% da
soja; 45% da carne consumida pelo bloco provém do Brasil; e quase 30% do
café importado pela Europa é brasileiro.
144 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
Diversos países, incluindo Brasil, fizeram duras críticas à postura imposi-
tiva da União Europeia. Crítica esta que se repete em organizações engajadas
com pequenos produtores de regiões como a África e a América Latina. As
manifestações da Comissão da União Europeia vão no sentido de defender a
relevância do objetivo e manifestar abertura para apoio aos países e setores
que dependam de construção de capacidade para atendimento da lei.
O caminho a ser trilhado para assegurar espaço neste mercado passa
por abraçar a visão estratégica de que há valor em demonstrar a não asso-
ciação com o desmatamento. Isso implica em diálogo e construção de solu-
ções práticas, envolvendo tanto os diferentes segmentos produtivos como
o Estado. Importante saber que esta é primeira regra a entrar em vigor, mas
Estados Unidos já discutem mecanismos similares e estes são mercados
que, somados, respondem por um percentual muito expressivo da balança
comercial brasileira.
Por fim, o cenário abre um terreno de oportunidades para mentes e ne-
gócios criativos que ajudem essas cadeias de valor a construir soluções ca-
pazes de otimizar o custo e os processos para assegurar a credibilidade e
transparência que se espera destas commodities (e na verdade de qualquer
tipo de atividade econômica).
URGÊNCIA 145
Transição
energética: o único
caminho viável
Os efeitos devastadores das mudanças
climáticas são cada vez mais eviden-
tes em todo o mundo. Particularmente
MAYARA RIBEIRO no Brasil, eles afetam desde a dispo-
Coordenadora nibilidade de energia elétrica, devido
de Sustentabilidade à dependência da geração hídrica no
linkedin.com/in/mayararibeiro/ país, até o setor agrícola que enfrenta
secas prolongadas, chuvas intensas e
alterações drásticas de temperatura
que podem ocasionar problemas de
segurança alimentar para a população.
Nas áreas urbanas, as inundações re-
correntes e os deslizamentos de terra
graves, como os ocorridos no litoral
de São Paulo em 2023, resultaram em
perdas humanas significativas. Esses
impactos alarmantes evidenciam a
necessidade de combater as mudan-
ças climáticas por meio de transição
energética urgente e efetiva.
A diversificação da matriz ener-
gética, com base em fontes renová-
veis, é um dos pilares fundamentais
para essa transição. Energia solar,
eólica, hidrelétrica, biomassa e ou-
tras fontes limpas têm o potencial de
fornecer energia de forma sustentá-
vel e a custos competitivos. Mesmo
considerando a natureza variável e
146 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
não controlável dessas fontes – o que significa que a geração de energia está
sujeita a fatores ambientais imprevisíveis, como a disponibilidade de chuva,
sol ou vento – podemos aumentar consideravelmente a participação dessas
fontes no mix energético, reduzindo não só as emissões, como também nos-
sa dependência de combustíveis fósseis que possuem preços dolarizados e
voláteis. Ao combinar várias fontes de energia renovável com fontes de ener-
gia convencionais e com menor impacto socioambiental, é possível criar um
sistema de energia mais estável e confiável. Dessa forma, durante períodos
de baixa geração de energia renovável, as fontes convencionais podem entrar
em ação, garantindo um suprimento contínuo e reduzindo a dependência ex-
cessiva de uma única fonte. Um mix diverso de energia também permite uma
melhor integração das fontes renováveis de forma descentralizada na rede
elétrica, equilibrando a oferta e a demanda em diferentes momentos do dia
e maximizando a eficiência geral do sistema.
Adicionalmente, a transição energética também tem um impacto social
significativo, ao criar oportunidades de emprego local e qualificado em diver-
sos setores como pesquisa e desenvolvimento, fabricação de equipamentos
e instalação e manutenção de infraestrutura. Até 2021, estima-se que o setor
de energias renováveis tenha empregado mais de 11 milhões de pessoas em
todo o mundo, com previsões de crescimento contínuo nos próximos anos.
Só no Brasil, foram criadas quase 115,2 mil vagas entre 2020 e 2021, como
mostra relatório da Irena (Agência Internacional de Energia Renovável) e OIT
(Organização Internacional do Trabalho), divulgado em setembro de 20222.
A transição também é uma oportunidade econômica, uma vez que im-
pulsiona a inovação tecnológica. Avanços em tecnologias fotovoltaicas, tur-
binas eólicas, armazenamento de energia e outras áreas têm contribuído
para a redução significativa dos custos de implantação e operação de proje-
tos de energia limpa. No Brasil, os leilões de energia têm demonstrado uma
tendência marcante de queda nos preços das fontes renováveis, inclusive
com preços mais competitivos do que as fontes convencionais. Ao promo-
ver políticas de incentivo e facilitação para uma energia de baixo carbono,
o Brasil pode se posicionar como um líder global nesse setor, aproveitando
2. Fonte: irena.org/publications/2022/Sep/Renewable-Energy-and-Jobs-Annual-Review-2022
URGÊNCIA 147
os benefícios econômicos e consolidando sua posição como uma potência
energética sustentável. Ainda, ao adotarmos soluções que também sejam
descentralizadas, como sistemas de geração distribuída e microgeração de
energia, promovemos a inclusão social, permitindo que comunidades e in-
divíduos tenham acesso a fontes de energia limpa e de baixo custo, o que
torna o acesso à energia mais equitativo e justo.
Portanto, ao promover a transição energética por meio da diversificação
da matriz, investimento em fontes renováveis e incentivo à inovação tecnoló-
gica, podemos mitigar os impactos ambientais, alcançar a segurança energé-
tica e reduzir os custos associados à produção de energia. É hora de agirmos
coletivamente, com governos, setor privado e sociedade civil, para acelerar
a adoção de fontes de energia renováveis e construir um futuro melhor para
as gerações presentes e futuras. Com uma abordagem estratégica, visão de
longo prazo e comprometimento com a sustentabilidade, podemos moldar
um mundo mais limpo, seguro, acessível e justo, impulsionado pela energia
renovável e alinhado com os desafios e oportunidades do século XXI.
148 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
ESG na Cadeia de
Valor – Escopo 3
A pergunta que sempre ouço é se o
ESG gera valor e como? Existem di-
versas pesquisas que já conseguem
ONARA LIMA traduzir através de dados, que os
Executiva de esforços para implementar de for-
Sustentabilidade ESG ma consistente processos que levem
linkedin.com/in/onaralima/ em consideração a geração de valor
sustentável, é um caminho assertivo
que possibilita resultados positivos
podendo ser uma característica ca-
paz de diferenciar empresas de su-
cesso com olhar no longo prazo, sem
perder de vista as necessidades do
curto prazo.
A fala que inicialmente parece
clichê, onde a afirmativa que além de
beneficiar o planeta e a sociedade,
as medidas de sustentabilidade já
podem ser correlacionadas com o
desempenho financeiro, é possível
encontrar conexões diretas nessa
equação onde o Valor Presente Lí-
quido – VPL verde já é uma reali-
dade, por exemplo quando falamos
dos Títulos Sustentáveis que podem
ser um incentivo se pensarmos que
o acesso e custo de capital poderão
estar cada vez mais atrelados a per-
formance dos aspectos ESG. Aqui
URGÊNCIA 149
vale mencionar as regulamentações do setor financeiro quanto ao tema: CMN
(Conselho Monetário Nacional), BACEN (Banco Central), CVM (Comissão de
Valores Mobiliários). Nessa equação, não podemos deixar de falar sobre re-
sultados dos negócios na gestão da cadeia de suprimentos e extrapolar para
a cadeia de valor, o que traz maior complexidade e/ou oportunidades.
Quais são os desafios corporativos de Governança sobre os aspectos
socioambientais ESG dos portões para fora?
A gestão da cadeia de fornecedores exerce um papel central na perfor-
mance dos aspectos ESG. Segundo uma pesquisa3 publicada pela Bain&Com-
pany e Ecovadis, o tema Cadeia de Suprimentos Sustentável trouxe números
demonstrando que as empresas que estão na vanguarda da aquisição sus-
tentável, tem uma margem de lucratividade podendo chegar em até 3 pon-
tos percentuais acima daquelas que não levam em consideração os aspectos
ESG, especialmente sobre as práticas trabalhistas de seus fornecedores.
O famoso Escopo 3, não se aplica apenas quando falamos do tema Emis-
sões de GEE, mas sim, o enorme elefante na sala que podemos chamar de
“Cadeia de Valor”, quando se trata de mudanças climáticas, onde incluem
todas as emissões indiretas que não são de propriedade ou controladas por
uma empresa, com o mesmo esmero dos Escopos 1 e 2. Isso abrange tudo,
desde produtos e serviços que uma empresa compra, até investimentos
que ela faz. Dada essa ampla variedade e potencial de fontes, as emissões
do escopo 3, geralmente contribuem com a maior parte das emissões cor-
porativas, que precisam/devem ser um indicador útil para examinar o risco
climático e a verdadeira ambição climática das empresas. Com o olhar de
investidores, somente dessa forma é possível a avaliação quanto a exposição
que as empresas podem ter em atividades intensivas em carbono, dentro
das cadeias de valor e produtos (ciclo de vida).
Nos relatórios públicos das empresas que o fazem (GHG Protocol), é per-
ceptível a fatia que todas tem dentro do escopo 3, que normalmente são mais
altas, onde certamente estão os verdadeiros riscos de transição e passivos,
podendo afetar os valores dos ativos e os custos operacionais se não forem
3. Fonte: https://www.bain.com/insights/do-esg-efforts-create-value/
150 ESSAS MULHERES SUSTENTÁVEIS
reconhecidos e tratados. Os investidores já estão atentos, examinando e
solicitando essas divulgações em grau mais alto de transparência e com-
promissos, a esse cenário quanto a famosa “batata quente”. As cadeias de
fornecimento representam um alto risco, onde o pilar de governança é o que
permitirá uma boa gestão, e podendo até mesmo transformar em oportuni-
dade, garantindo maior resiliência a riscos sociais, ambientais e climáticos e,
sobretudo, a mudança que poderá aumentar a competitividade dos negócios.
De acordo com a McKinsey, até 2/3 dos impactos ambientais, sociais
e de governança de uma companhia, podem estar ligados à sua cadeia de
suprimentos, e devem ser tratadas como temas materiais com o risco do
ponto de vista dos direitos humanos, licença social para operar, questões
reputacionais, valor e credibilidade da marca. Alguns casos recentes de
grande repercussão, com implicações jurídicas (co-responsabilidade) na
cadeia de fornecedores, trouxe de forma mais latente a realidade de que,
as grandes companhias terão que cada vez mais identificar quais são os
possíveis impactos, trabalhar preventivamente para mitigá-los, seja através
de due diligence, estruturação de iniciativas e investimentos para rastreabi-
lidade em cadeias críticas, reduzindo vulnerabilidades.
O sarrafo deve só aumentar, e as empresas de grande porte tendem a ser
responsabilizadas, dado o seu poder de influência para induzir boas práticas,
inclusive, sendo cláusulas contratuais, que não deve ser apenas pró-forma.
A atuação responsável e justa é sobre valorizar as relações comerciais, indo
além da simples cobrança (check the box) por indicadores socioambientais,
mas que fomentem na prática o desenvolvimento sustentável, colocando na
mesa de negociação as necessidades de cada organização parceira, apoian-
do o desenvolvimento e construindo relações de confiança.
URGÊNCIA 151
Créditos
Os textos são de autoria das
mulheres que os assinam e
suas visões individuais não
exprimem necessariamente a
opinião do grupo.
CONCEPÇÃO
Velma Gregório
ORGANIZAÇÃO
Christiane Cralcev
e Lilian Medeiros
REVISÃO
Christiane Cralcev, Lilian
Medeiros, Estela Kurth,
Fernanda G. Borger, Mayara
Ribeiro, Aline Tadano, Bruna
Ribeiro, Heloisa Amurov e
Maurem Alves
CAPA E DIAGRAMAÇÃO
Juliana Dischke
LANDING PAGE
Ana Barezi