Caso clinico sobre a Neurose Obsessiva
Aluna: Thatiana Jouvin
A paciente a qual chamarei de Elizabeth me procurou em março de 2018. Nesse
primeiro contato, ela me disse que fazia análise em grupo há uns dois anos, mas que o
valor das sessões estava ficando um pouco pesado no seu orçamento e por isso,
resolveu tentar terapia pelo plano de saúde. Elizabeth é enfermeira, funcionária publica,
atualmente com 57 anos, casada e com dois filhos. A filha mais velha que chamarei de A e o
mais novo que chamarei de B. No ano passado os dois filhos decidiram morar fora do país.
Na primeira sessão Elizabeth me fala sobre os filhos, que na primeira gravidez, teve
depressão pós-parto, fala também sobre seu casamento, dizendo que seu marido nunca foi o
homem da sua vida, que eles são muito diferentes e isso sempre lhe incomodou. Falou
também que a relação com sua mãe é muito complicada. Elizabeth diz sentir muita culpa em
relação ao nascimento de sua filha e em relação a sua própria mãe. Durante anos, diz ter vivido
o impasse: me separo do meu marido ou não? Decidiu seguir com o casamento, mas sempre
se queixando que o marido não é e nem faz o que ela quer.
Elizabeth casou com 22 anos e decidiram ter o primeiro filho alguns anos depois.
Quando A nasceu, Elizabeth diz ter tido depressão pós-parto. No hospital a mãe de Elizabeth
disse que eles iriam para a casa dela e que ela ajudaria a cuidar da neta, Elizabeth aceitava
todas as ordens da mãe e foram ela, o marido e a filha recém nascida. Permaneceram 3 meses
na casa da mãe quando Elizabeth decidiu que já era a hora de voltar para casa.
Elizabeth tem uma culpa terrível em relação a filha mais velha, diz que nunca teve
nenhuma paciência com a menina e que quando ela nasceu não conseguia dar banho e mal
dava o seio. Foi a mãe da minha paciente quem cuidou de tudo nesses 3 primeiros meses. Ela
não gosta de tocar nesse assunto, evita sempre falar sobre isso nas sessões e o pouco que fala
se enche de tanta emoção que não consegue dar continuidade.
Elizabeth é filha mais velha, tem um irmão com idade de 54 anos, funcionário publico
de um órgão importante, mas mora com a mãe até hoje. Segundo minha paciente, seu irmão
sempre foi diferente, tinha claras limitações, mas que seus pais nunca quiseram dar atenção a
isto, sempre agindo com muita negação, pois segundo minha paciente, aos olhos da mãe, seus
filhos eram sempre os melhores. A relação de Elizabeth com o irmão nunca foi boa e ela
também se recente por isso.
Elizabeth não consegue lembrar muito de sua infância, diz que sua mãe sempre foi
uma pessoa muito mandona, extremamente zelosa com os filhos e muito controladora, nas
palavras de minha paciente “tudo tinha que ser do jeito que ela queria”, e acrescenta “ minha
mãe vivia para cuidar da casa e de nós”. Sobre o pai, Elizabeth diz não ter muito o que falar, ele
era tranquilo e tinham uma boa relação.
Todas as sessões da Elizabeth são sobre a relação dela com a mãe que atualmente está
com 89 anos à qual chamarei de Doris. Minha paciente descreve sua mãe como uma pessoa
muito difícil de lidar, não aceita pessoas cuidando dela em casa, não gosta de sair pra rua, ir à
médicos é sempre uma dificuldade, esconde comida para a cuidadora não comer e ainda trata
mal as pessoas que trabalham para ela. Isso deixa Elizabeth cheia de raiva, pois detesta ter que
viver em função da mãe, mas vive uma culpa imensa, segundo ela, quando decide deixar isso
tudo um pouco pra lá.
Elizabeth diz que sente muita raiva da sua mãe e que às vezes chegou a pensar que se
ela morresse tudo isso iria acabar e que ela poderia viver um pouco mais em paz, o que a faz
se encher de culpa novamente por desejar a morte da mãe. Elizabeth não se permite fazer o
que gosta, nos tempos livres tem sempre que cuidar da casa ou cuidar da mãe. Acredita que se
ela não fizer as coisas, não sairão bem feitas. Parece que para ela também, tudo tem que ser
do jeito que ela quer, o marido, a mãe, o irmão, controla e critica o jeito de viver de todos eles.
Elizabeth tem um dilema atual, não sabe se da entrada em sua aposentadoria ou se faz
o doutorado. Diz que se ela se aposentar, terá a obrigação de ter que dedicar mais tempo em
cuidar de sua mãe e ainda terá que dar suporte para sua sogra, ou seja, seu tempo livre terá
que ser dedicado para cuidar dos outros só que agora, sem receber pelos seus honorários. Ao
mesmo tempo que quer se aposentar para poder ter mais tempo de aproveitar a vida com o
marido, acredita que não conseguirá fazer isto.
Ao longo do nosso tratamento, embora a culpa e a necessidade de Elizabeth controlar
as coisas e as pessoas ainda estejam bastante presente, ela parece estar um pouco mais
flexível! Respeita melhor as escolhas e forma de viver do marido, está conseguindo delegar pro
irmão que ele auxilie ela nos cuidados com a mãe. Se permite hoje se jogar no sofá e ver a vida
passar, porem não sem alguma culpa. Além disso, Elizabeth está podendo enxergar as
limitações da mãe por conta da avançada idade e tudo o que emocionalmente os impactos das
mudanças físicas podem acarretar no emocional de alguém como Doris, que sempre teve tanta
autonomia. Elizabeth está podendo ter um olhar de ternura por sua mãe apesar da grande
ambivalência de amor e ódio que existe entre elas. Seguimos com nossas sessões.
Diante do caso clinico exposto as características predominantes em minha paciente me
levaram ao estudo das Neuroses Obsessivas que foi caracterizada por Freud no ano de 1896
aonde ele descreve as ideias obsessivas como autocensuras transformadas que reermegiram
da repressão e que invariavelmente se referem a algum ato sexual praticado com prazer na
infância. E ainda acrescenta que as ideias obsessivas podem ser classificadas como desejos,
tentações, impulsos, dúvidas, ordens ou proibições. (pag, 193, 1909).
Na neurose obsessiva, a ideia recalcada fica reprimida, mas o afeto é deslocado para
uma outra ideia substitutiva. Freud nos fala que o recalque não se opera por meio da
amenésia, mas sim, mediante a uma ruptura de conexões causais devidas a retirada do afeto.
Essas conexões recalcadas persistem em algum tipo de configuração muito vaga e por meio do
processo de projeção, são transferidas para o mundo externo, aonde dão testemunho daquilo
que foi apagado da consciência. (Freud, 1909)
Uma característica presente na Neurose Obsessiva que podemos identificar na
paciente são as ideias que lhe atormentam em torno da morte da pessoa amada no caso a
mãe de Elizabeth. De acordo com (Ribeiro, p.23, 2003), essa ideia é uma formação de
compromisso, uma ideia substitutiva da representação intolerável do trauma que provocou
gozo e culpa. No caso de minha paciente, a morte de sua mãe, poria um fim na sua obrigação
de cuidá-la. No entanto, lidar com esse desejo gera um sentimento de culpa, e por meio da
formação reativa, Elizabeth cuida excessivamente de sua mãe.
Doris sempre foi uma mãe muito zelosa, colocava os filhos em primeiro lugar, oferecia
o melhor que podia e só enxergava as qualidades boas dos filhos. Elizabeth ao mesmo tempo
que experimenta o peso desse lugar idealizado por sua mãe, também não consegue abrir mão
deste prestígio e onipotência , pois afinal, a seu ver, ela continua sendo imprescindível para o
outro, mas também vive atormentada com tantas obrigações e um sentimento de dívida com
esta mãe.
Podemos perceber que Doris também representa na vida de Elizabeth, “o capitão
cruel”, aliás, um elemento estrutural próprio da neurose obsessiva. Uma mãe que apesar de
ter oferecido e amado tanto, cobrava para que tudo sempre fosse do jeito que ela queria, e
até hoje cobra, cobra que a filha lhe dê atenção e cuidado pois de forma bastante irônica, não
se cansa de fazer de conta que não lembra da Elizabeth quando esta fica alguns dias sem
aparecer, deixando-a coberta de culpa e totalmente subjugada a esta mãe.
Toda esta trama na relação entre elas, gera um sentimento ambivalente em minha
paciente, ao mesmo tempo que ama, ela sente muita raiva desta mãe e quanto maior este
sentimento, mais ela se vê na obrigação de cuidá-la. Penso eu que pela própria onipotência do
pensamento obsessivo, Elizabeth precisa cuidar muito desta mãe para impedir que seu desejo
de morte se concretize. Ela vive de fato um tormento em pensar que por um “descuido” a mãe
venha falecer.
O pensamento de ambivalência e duvida também aparecem em seu casamento, no
dilema entre permanecer casada ou se separar, e também aparece na duvida em se aposentar
ou seguir com o doutorado. Freud nos diz que a criação da duvida pelo neurótico obsessivo é
uma maneira de atraí-lo para fora da realidade e isolá-lo do mundo, fazendo com que o
obsessivo viva num eterno protelamento das coisas, mantendo assim, tudo impossível! (Freud,
1909)
Essas foram algumas das características escolhidas para tratar o meu caso clinico
enquadrado na Neurose Obsessiva, mais penso que o exposto aqui, não se limita à diversidade
e complexidade dessa estrutura clinica.
Referencias Bibliográficas:
Obras Psicológicas completas de Freud, vol X – ed imago 1969
A Neurose Obsessiva, Maria Anita Carneiro Ribeiro, 2003 2ed Jorge zahaar