VERSÃO - REVISÃO 2020-2021
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MÓDULO I – A HISTÓRIA E OS CONCEITOS
FUNDAMENTAIS DA PSICANÁLISE
Índice
1. O que é a psicanálise? 5
2. A gênese da psicanálise e o percurso inicial de Sigmund Freud 8
2.1 Um olhar à histeria 11
2.2 Conceitos fundamentais da psicanálise freudiana 13
2.2.1 O inconsciente e a primeira estrutura do aparelho psíquico 14
2.2.2 Fases de desenvolvimento psicossexual 15
2.2.3 Conceitos sobre o funcionamento psíquico 18
2.2.4 A segunda estrutura do aparelho psíquico 20
3. Os contemporâneos a Freud 24
4. O panorama da psicanálise até os dias de hoje 31
5. Referências bibliográficas 35
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IMPORTANTE
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material. Você está recebendo esta que é a nova versão da
apostila do Módulo 1.
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Introdução
Este é a apostila de base referente ao módulo I da parte teórica do
curso. Nele você irá encontrar um panorama geral sobre o entendimento do
conceito da psicanálise, a trajetória história de sua criação como a
conhecemos, bem como os grandes nomes que contribuíram e/ou
influenciaram para o desenvolvimento dessa ciência, campo de estudo e
prática clínica.
Ao longo da apostila, logo ao final de alguns capítulos, estão indicadas
leituras, vídeos e/ou filmes que são considerados obrigatórios para o curso de
formação, haja vista a importância e relevância desses conteúdos no
desenvolvimento profissional.
Dedique-se ao máximo às leituras e demais materiais. Embora a
formação on-line possibilite uma autonomia de tempo e andamento para a
compreensão dos conteúdos, a qualidade da absorção e entendimento das
temáticas, fundamentais à formação e prática profissional, dependem muito
mais do comprometimento e seriedade com a qual você irá se dedicar.
Aproveite bem os materiais e bons estudos!
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1. O que é a psicanálise?
Embora não haja um consenso sobre a gênese exata do conceito dentro
do contexto histórico, coube a Sigmund Freud a titulação de fundador da
Psicanálise na passagem do século XIX para o século XX. Seus feitos,
conceitos e ideias estão presentes nas discussões do campo psicanalítico até
hoje, o que trouxe profunda influência para o desenvolvimento de inúmeras
linhas de estudos desde sua concepção.
Conceitualmente o termo psicanálise é utilizado para se referir a um
constructo teórico baseado nos preceitos da hermenêutica (campo de estudo,
que tem por referência, a explicação que compreende os sentidos implícitos, ou
seja, possuI um caráter investigativo que busca a interpretação do que está
além do objeto). Nesse sentido, a psicanálise pode ser considerada um campo
teórico e um método de investigação, que culminam em uma prática clínica
dotada de técnicas específicas.
Enquanto teoria pode ser caracterizada por um conjunto de
conhecimentos sistematizados sobre a estrutura e o funcionamento da vida
psíquica, bem como sua repercussão na vida do sujeito. Como método
investigativo, busca a interpretação de conteúdos que são ocultos e/ou
inacessíveis às manifestações e ações do indivíduo em sua relação com o
meio.
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Segundo Laplanche e Pontalis (1996), essa disciplina fundada por Freud
pode ser dividida em três níveis:
a) Um método de investigação que consiste essencialmente em evidenciar o
significado inconsciente das palavras, ações, das produções imaginárias
(sonhos, fantasias, delírios) de um sujeito. Este método baseia-se
principalmente nas associações livres do sujeito, que são a garantia da
validade da interpretação. A interpretação psicanalítica pode estender-se a
produções humanas para as quais não se dispõe de associações livres.
b) Um método psicoterápico baseado nesta investigação e o especificado pela
interpretação controlada da resistência, da transferência e do desejo. O
emprego da psicanálise como sinônimo de tratamento psicanalítico está ligado
a este sentido; exemplo: começar uma psicanálise (ou uma análise).
c) Um conjunto de teorias psicanalíticas e psicopatológicas em que são
sistematizados os dados introduzidos pelo método psicanalítico de investigação
e de tratamento.
À prática profissional, portanto, coube a alcunha de análise, ou seja,
uma forma de tratamento que se utiliza de técnicas investigativas específicas
para o tratamento daqueles que buscam seu autoconhecimento e/ou
resoluções e entendimentos das perturbações que assolam a psique humana.
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Ou, nas palavras de Freud (1922), “chamamos de psicanálise ao trabalho
pelo qual levamos à consciência do doente o psíquico recalcado nele” .
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INDICAÇÃO DE LEITURA:
1.1 - Que tipo de ciência é, afinal, a Psicanálise? (MEZAN, 2001) [40
páginas]
Clique aqui para ler, ou acesse http://bit.ly/2EtmAxp
----------------
OBSERVAÇÃO IMPORTANTE, VÁLIDA PARA TODAS AS "INDICAÇÕES
DE LEITURA":
Em "materiais complementares", você tem uma pasta com MATERIAIS
OPCIONAIS (para você baixar e ler no longo prazo) e outra pasta de
INDICAÇÕES DE LEITURA (nos quadrinhos "INDICAÇÃO DE LEITURA", ao
longo da apostila de cada módulo), que podem ser cobrados em prova e que
precisam ser lidos para que os conceitos do Módulo façam sentido.
Os links de "indicação de leitura" estão inclusos no corpo da Apostila, como é
o caso do material acima, e também podem ser achados na pasta
INDICAÇÕES DE LEITURAS, na pasta "Materiais Complementares" de cada
módulo.
Observe que alguns materiais na pasta INDICAÇÕES DE LEITURA não
precisam ser lidos inteiros. Para saber quais páginas ler, veja na apostila de
cada módulo.
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2. A gênese da psicanálise e o percurso inicial de
Sigmund Freud
Toda a conceituação de base da psicanálise como a conhecemos se
remete, indiscutivelmente, ao final do século XIX, por meio de Freud e seus
tutores e colaboradores. Portanto, é necessário que se remonte a trajetória do
fundador da psicanálise, considerando os personagens históricos que o ajudou
no desenvolvimento das ideias iniciais de sua ciência.
Médico de formação pela Universidade de Viena, em 1881, Freud se
especializa em psiquiatria, mostrando-se um renomado neurologista. E, em
meio a sua clínica médica, passa a se deparar com pacientes acometidos por
“problemas nervosos”, o que lhe suscitava certos questionamentos, visto a
“limitação” do tratamento convencional oriundo da medicina.
Com isso, entre 1885 e 1886, Freud vai à Paris para realizar um estágio
com o neurologista francês Jean-Martin Charcot, que parecia demonstrar
sucesso no tratamento de sintomas de doenças mentais por meio do uso da
hipnose. Para Charcot esses pacientes, ditos histéricos, eram acometidos por
distúrbios mentais causados por anormalidade no sistema nervoso, uma ideia
que influenciou Freud a pensar novas possibilidades de tratamento.
De volta à Viena, Freud passa a tratar seus pacientes com sintomas de
distúrbios nervosos através da sugestão hipnótica. Nessa técnica, o médico
induz uma alteração no estado de consciência do paciente e, então, realiza
uma investigação entre as conexões e condutas do paciente que poderiam
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estabelecer qualquer relação com o sintoma apresentado. Nesse estado,
percebe-se que, por meio de sugestão do médico, é possível provocar o
aparecimento e o desaparecimento desse e outros sintomas físicos.
Contudo, Freud se vê ainda imaturo em sua técnica e, então, busca
entre 1893 e 1896, aliar-se ao respeitado médico Josef Breuer, que descobrira
ser possível reduzir os sintomas da doença mental apenas pedindo para que
os pacientes descrevessem suas fantasias e alucinações. Com a utilização das
técnicas de hipnose era possível acessar mais facilmente as lembranças
traumáticas e, ao dar voz a esses pensamentos, as memórias ocultas eram
trazidas ao nível consciente, o que possibilitava o desaparecimento do sintoma
(COLLIN et al., 2012). Emblematicamente essa ideias foram possíveis de
serem desenvolvidas através do tratamento de uma paciente conhecida como
Anna O., a primeira experiência de sucesso por esse sistema de tratamento
psicoterápico.
Desse modo, Freud e Breuer passam a trabalhar juntos, desenvolvendo
e popularizando uma técnica de tratamento que possibilitava a liberação de
afetos e emoções ligadas aos acontecimentos traumáticos do passado por
meio da rememoração das cenas vivenciadas, o que culminava no
desaparecimento do sintoma. A essa técnica deu-se o nome de método
catártico. Toda essa experiência possibilitou a publicação conjunta da obra
Estudos sobre a histeria (1893-1895).
Em 1896, Freud emprega, pela primeira vez, o termo Psicanálise, com
o intuito de estudar os componentes que formam a psique. Nesse sentido,
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fragmentar o discurso/pensamento do paciente para poder captar os conteúdos
latentes e, a partir daí, destrinchar melhor os significados e implicações
presentes na fala do paciente.
À medida que a técnica se avançava, alguns pontos de discordância
apareciam entre Freud e Breuer, sobretudo na ênfase que Freud estabelecia
entre as memórias do paciente e as origens e conteúdos sexuais da infância.
Desse modo, em 1897 Breuer rompe com Freud, que segue desenvolvendo as
ideias e técnicas da psicanálise, abandonando a hipnose e utilizando a técnica
de concentração, na qual a rememoração era realizada por meio da
conversação normal, dando voz ao paciente de forma não direcionada.
“Quando, em nossa primeira entrevista, eu perguntava a meus pacientes se
recordavam do que tinha originalmente ocasionado o sintoma em questão, em alguns
casos eles diziam não saber nada a esse respeito, enquanto, em outros, traziam à
baila algo que descreviam como uma lembrança obscura e não conseguiam
prosseguir. [...] eu me tornava insistente - quando lhes asseguravam que eles
efetivamente sabiam, que aquilo lhes viria a mente - então, nos primeiros casos, algo
de fato lhes ocorria, e nos outros a lembrança avançava mais um pouco. Depois disso
eu ficava ainda mais insistente: dizia aos pacientes que se deitassem e fechassem
deliberadamente os olhos a fim de se “concentrarem”—o que tinha pelo menos alguma
semelhança com a hipnose. Verifiquei então que, sem nenhuma hipnose, surgiam
novas lembranças que recuavam ainda mais no passado e que provavelmente se
relacionavam com nosso tema. Experiências como essas fizeram-me pensar que seria
de fato possível trazer à luz, por mera insistência, os grupos patogênicos de
representações que, afinal de contas, por certo estavam presentes” (FREUD, 1996, p.
282-283).
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Toda essa trajetória permitiu que Freud desenvolvesse e aprimorasse
sua técnica psicanalítica. Desde a hipnose, passando pelo método catártico e,
por uma prática provisória conhecida como “técnica da pressão”, na qual Freud
pressionava a testa dos pacientes na tentativa de trazer ao consciente os
conteúdos inconscientes, mas logo é abandonado por identificar resistências e
defesas por parte do paciente. Até o surgimento da associação livre, na qual o
indivíduo trazia para a sessão seus conteúdos, sem qualquer restrição ou
julgamento e, a partir desses, Freud os investigava, analisava e interpretava,
graças à atenção flutuante (conceito empregado pelo autor para a técnica da
escuta), na tentativa de relacionar a fala aos conteúdos submersos no
inconsciente.
2.1 Um olhar à histeria
Em virtude do contexto histórico apresentado até aqui, a histeria acaba
ganhando uma determinada centralidade nos estudos iniciais da psicanálise.
Afinal, foram através dessas queixas clínicas que o tratamento desenvolvido
por Freud, e influenciados por seus pares, pode seguir evoluindo dentro do
arcabouço teórico e prático da psicanálise. Nesse sentido, cabe-se reservar um
espaço importante dentro da formação para o entendimento dessa patologia,
sua etiologia, desdobramentos, formas de intervenção e interpretação, além do
tratamento.
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Pode se dizer que o livro Estudos sobre a histeria (1893-1895)
publicando conjuntamente entre Freud e Breuer, foi à obra fundadora da
psicanálise, embora os escritos contidos em A interpretação dos sonhos (1900)
sejam considerados, por Freud, como sendo o grande livro de fundação da
psicanálise.
Assim, em Estudos, os autores discutem e introduzem a ideia sobre a
doença “(...) como sendo originária de uma fonte da qual os pacientes relutam
em falar, ou mesmo não conseguem discernir sua origem. Tal origem seria
encontrada em um trauma psíquico ocorrido na infância, em que uma
representação atrelada a um afeto aflitivo, teria sido isolada do circuito
consciente de ideias, sendo o afeto dissociado desta e descarregado no corpo”.
(REVISTA CIÊNTIFICA ELETRÔNICA DE PSICOLOGIA, 2009).
Essa descarga referida está relacionada à formação do sintoma que, em
função de um trauma infantil, apresentaria um correspondente na ordem do
simbólico, separando o afeto de sua representação. Desse modo, a repressão
dos afetos ligados à realização de um desejo provocaria um impedimento que,
em virtude da dificuldade de elaboração psíquica em atribuir um sentido à
experiência, manifestaria o sintoma no plano somático (corpo), caracterizando
o conceito de conversão histérica.
Nesse sentido, apresenta-se a ideia de recalcamento (barreira), que
isolaria as representações desvinculadas dos afetos em uma “segunda
consciência”, subordinada à consciência normal, o que provocaria, dentro de
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uma cadeia associativa, a transformação dos afetos em sintomas somáticos,
daí a denominação conversão.
Sendo assim, a utilização do método catártico como forma de tratamento
se mostrava eficiente, uma vez que a rememoração das representações
isoladas do afeto (evento traumático) era realizada, sendo possível a descarga
desse afeto, causando alívio e eliminação do sintoma. A esse movimento de
descarregamento deu-se o nome de Ab-reação que, segundo Laplanche e
Pontalis (1996), consistiria em um processo de descarga emocional que,
liberando o afeto ligado à lembrança de um trauma, anule seus efeitos
patogênicos.
2.2 Conceitos fundamentais da psicanálise freudiana
“O eu não é mais senhor em sua própria casa” .
(Sigmund Freud)
Os escritos de Freud certamente mobilizaram a sociedade de sua época
na direção da ruptura de paradigmas tão estruturados quanto o próprio
contexto histórico vivido na transição entre os séculos XIX e XX. Pelas palavras
do próprio autor, seus achados constituiriam a terceira ferida narcísica da
humanidade:
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1ª Através dos estudos de Nicolau Copérnico, pode-se ter o
entendimento de que a Terra, e simbolicamente o homem, não é o centro do
universo, como se acreditava até então.
2ª Coube à teoria evolução das espécies de Charles Darwin a
responsabilidade pelo intenso duelo ideológico entre criacionistas e
evolucionistas, colocando em questão os dogmas da instituição religiosa cristã.
3ª Então, Sigmund Freud com a construção conceitual de inconsciente,
sugere que as ações do homem são fortemente influenciadas por uma
instância que foge ao entendimento racional e, que em si, apresentam
características primitivas.
Nesse sentido, Freud dedica sua vida a desenvolver uma teoria que
buscasse compreender os mecanismos que estão por trás do funcionamento
da mente. A partir do desenvolvimento de sua técnica e da aplicação clínica, o
cientista passa a versar sobre conceitos e ideias que sustentariam sua nova
forma de tratar patologias da mente. E, são exatamente esses conceitos
fundamentais que apresentaremos nesse capítulo, abordando-os com mais
detalhes e profundidade em outros módulos do curso.
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2.2.1 O inconsciente e a primeira estrutura do aparelho
psíquico
Segundo Laplanche e Pontalis (1996), “se fosse possível concentrar
numa só palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria
incontestavelmente o inconsciente”. Não por acaso esses autores tocam na
importância desse conceito em como, de fato, a nominação por Freud desse
termo revolucionou o entendimento sobre a psique humana.
De modo geral o inconsciente é constituído por conteúdos que não estão
presentes no nível consciente e são, por censuras internas, mantidos
reprimidos. Trata-se, portanto, de uma estrutura dentro aparelho psíquico que
dispõe de leis próprias, a exemplo da comunicação por imagens mnêmicas
(lembranças), dentro de uma rede de simbolização. Ou ainda, sua
atemporidade, ou seja, para o inconsciente não existe passado ou presente,
nem tão pouco a dualidade “sim ou não”.
O entendimento desse conceito possibilita a Freud à organização do
aparelho psíquico em três instâncias psíquicas, conforme descreve em sua
primeira tópica: o sistema Ics/Pcs/Cs.
- Inconsciente (Ics): Constituído por conteúdos reprimidos e que não
têm acesso direto ao sistema Pcs/Cs.
- Pré-consciente (Pcs): instância que mantém conteúdos acessíveis ao
nível consciente, ou seja, disponibiliza os conteúdos, mas não pertence à
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consciência no atual momento. Mantém parte de sua estrutura ligada tanto Ics
quando ao Cs.
- Consciente (Cs): Instância que se relaciona os estímulos/informações
provenientes do mundo externo e do mundo interno. É responsável pela
percepção, atenção e raciocínio.
2.2.2 Fases de desenvolvimento psicossexual
As investigações na prática clínica de Freud, bem como sua
estruturação teórica, abordam, em grande parte, as causas e funcionamentos
das neuroses. Segundo Laplanche e Pontalis (1996) a neurose pode ser
definida como “afecção (doença) psicogênica em que os sintomas são a
expressão simbólica de um conflito psíquico que tem raízes na história infantil
do sujeito, e constitui compromissos entre o desejo e a defesa” .
Desse modo, por meio de seus estudos, Freud concebe que a maioria
dos desejos reprimidos possuem referências nos conflitos de ordem sexual,
vivenciados na tenra infância, na qual as experiências traumáticas
configuravam a origem dos sintomas atuais.
Esse pensamento gera a ruptura de um paradigma na época, uma vez
que as ideias relacionadas ao “sexual” estariam associadas apenas à
reprodução. Isso coloca o desenvolvimento sexual, desde o início da vida,
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como parte fundamental da evolução psíquica da vida humana. E, à energia
associada aos instintos sexuais recebe, por Freud, o nome de libido.
Nesse sentido, o entendimento de uma evolução psicossexual a partir
do nascimento e orientado pelo direcionamento da libido, passa pela busca do
prazer no próprio corpo. Sendo assim, Freud postula fases de desenvolvimento
sexual, as quais tem o direcionamento dos instintos sexuais a determinadas
áreas do corpo e que promovem prazer:
- Fase oral: zona erotizada é a boca.
- Fase anal: zona erotizada é o ânus.
- Fase fálica: zona erotizada é o órgão genital.
- Período de latência: interesses sexuais são sublimados, direcionados
a outras áreas, culturais, sociais, etc.
- Fase genital: zona erotizada encontra-se externa ao corpo.
É importante colocar que essas fases de desenvolvimento não são
lineares e/ou estanques, nem tão pouco acontecem em períodos exatamente
como a idade cronológica. Há sim um entendimento de uma evolução de cada
fase dentro de uma zona esperada, contudo longe de ser preconizada ou
descrita com total exatidão. Aliás, as consequências provenientes de cada fase
podem (e vão) deixar marcas permanentes no funcionamento psíquico do
sujeito.
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Um processo muito importante e marcante, e que permeia essas fases
de desenvolvimento, é o complexo de Édipo. Trata-se de um conceito tão
complexo quanto à referência ao seu nome. Sua origem tem referência no mito
grego de Édipo, o qual, em linhas gerais, é responsável por matar seu pai e
casar-se com sua mãe. Essa analogia descreve o comportamento infantil, a
nível simbólico, no qual o menino tem a mãe como objeto desejado, e seu pai
como seu rival. Desse modo, ele quer ser como o pai e ter sua mãe.
Caso o desenvolvimento ocorra de forma saudável, o menino perceberá
a possibilidade da perda do amor do pai e, então, desinveste a mãe como
objeto de desejo, e passa a buscar outro objeto desejado, podendo assim,
ingressar no mundo cultural e social.
Considerando a figura da menina as figuras parentais são invertidas, há
o desejo pelo pai e a competição com a mãe, caracterizando o Édipo feminino
ou, segundo o psicanalista Carl Jung, complexo de Electra.
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2.2.3 Conceitos sobre o funcionamento psíquico
Alguns conceitos são fundamentais para que se tenha embasamento e
entendimento dos constructos teóricos de Sigmund Freud. Esses e outros
conceitos serão tratados de maneira mais detalhada em outros módulos,
contudo, para que possamos evoluir na compreensão da teoria, é fundamental
que algumas questões sejam postas.
A existência da pulsão na teoria freudiana pode ser traduzida como um
“(...) representante psíquico das excitações provenientes do interior do corpo”
(ZIMERMAN, 1999). Ou seja, há uma tensão somática que busca sua descarga
por meio de um objeto. A pulsão pode ser pensada sobre quatro aspectos:
- Fonte: parte corporal de onde advém o estímulo.
- Magnitude: quantidade energética (força) da descarga.
- Finalidade: objetivo e/ou necessidade da busca pela satisfação.
- Objeto: o qual ou pelo qual a pulsão atinge sua finalidade.
Freud ainda caracteriza a pulsão de acordo com o entendimento do
aparelho psíquico, enunciando que é possível uma configuração na qual,
“(...) as pulsões do ego (também denominadas como de “autopreservação”, cujo
protótipo é o da “fome”) e as sexuais (ou de “preservação da espécie”), sendo que,
após sucessivas modificações, mais precisamente a partir do clássico trabalho Além
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do princípio do prazer, de 1920, ele estabeleceu de forma definitiva a dualidade de
Pulsões de Vida (ou Eros) e Pulsões de Morte (ou Tânatos), que, em algum grau,
coexistem fundidos entre si” (ZIMERMAN, 1999, p.77).
Outro importante entendimento é que o funcionamento psíquico pode
ser pensado sobre três pontos de vista:
- Econômico: no que se refere à quantidade energética que alimenta os
processos psíquicos.
- Tópico: entendimento de um conjunto de lugares, ou seja, constituído
de sistemas diferenciados quanto à natureza e ao funcionamento (Ics e
Cs).
- Dinâmico: justamente por transmitir forças e afetos dentro dos sistemas.
Ainda em relação ao funcionamento psíquico, a percepção e/ou a
relação com as experiências do mundo externo, e interno, pode ser altamente
perturbadora e desorganizadora. Em função disso, a psique cria mecanismos
para lidar com essas moções dolorosas, e assim, proteger o aparelho psíquico
contra as diversas formas de sofrimento, em prol da sobrevivência. Criam-se,
assim, os mecanismos de defesas. Eis alguns dos mecanismos utilizados por
subjetividades neuróticas.
- Recalcamento: determinados conteúdos (produtos das experiências
vividas de modo desorganizador) são reprimidos ao nível inconsciente, ficando
limitados pela barreira do recalque.
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- Formação reativa: na tentativa de proteção do ego em virtude de uma
sinalização de desejo, o indivíduo age de maneira oposta àquilo que deseja,
justamente para não confrontar-se com esse aspecto que, a nível consciente,
pode ser fortemente atacado. Exemplo de alguma pessoa extremamente doce,
terna, quando na verdade esconde uma agressividade muito grande.
- Regressão: trata-se do retorno a algum ponto regresso que demonstra
uma expressão mais primitiva, ou seja, determinada reação que vai além das
consequências esperadas. Isso ocorre devido ao fato de que a motivação da
regressão é acompanhada de um significado passado.
- Projeção: como nome diz, o indivíduo projeta seus conteúdos que não
são aceitáveis em si (de modo inconsciente) no mundo externo e, em geral os
ataca, sem perceber que aquelas questões são, de fato, suas.
- Racionalização: há a construção de um discurso argumentativo
puramente racional, na tentativa de lidar com as angústias que assolam o ego.
Ou seja, a toda ação que não é passível de explicação, coloca-se uma
justificativa com uma racionalização muito precisa que valide o comportamento
do indivíduo.
Como posto, essas defesas são encontradas em sujeitos que possuem
um desenvolvimento egóico mais consistente, considerando-se uma forma de
funcionamento neurótica. Existem outros mecanismos mais arcaicos e que
remetem a um desenvolvimento mais primitivo, portanto, psicótico. Como por
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exemplo, a cisão, idealização, identificação projetiva, entre outros que serão
discutidos com mais detalhamento nos outros módulos.
2.2.4 A segunda estrutura do aparelho psíquico
Com o avançar de seus estudos e de sua clínica, Freud propõe uma
reestruturação do aparelho psíquico, implicando em uma dinâmica de
funcionamento diferente daquela proposta em sua primeira tópica (Cs, Pcs,
Ics).
Primeira Tópica: primeira fase da obra de Freud, em que ele dividia as
instâncias do aparelho psíquico em Consciente, Pré-Consciente e
Inconsciente.
Segunda Tópica: segunda fase da obra de Freud, em que o autor estabelece
as instâncias do aparelho psíquico como sendo Id, Ego e Superego.
Vamos detalhar a seguir as três instâncias da Segunda Tópica:
- ID: instância psíquica mais profunda e vasta, a qual contém reservada a
energia psíquica, ou seja, as pulsões que, aqui, se configuram regidas
pelo princípio do prazer, em busca da satisfação do desejo, alheios à
realidade e à moral.
- EGO: instância psíquica que tem como principal função buscar um
equilíbrio entre as descargas de excitações. Orientado pelo princípio da
realidade, o ego é um regulador que busca atender os desejos,
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considerando as condições objetivas da realidade. Portanto, situa-se
entre a satisfação do id e as impossibilidades advindas do superego.
Além disso, atua como um supervisor dos processos psíquicos, evitando
um sofrimento psíquico exacerbado que leve à desorganização, a
exemplo das censuras presentes nos sonhos.
- SUPEREGO: instância psíquica que busca a regulação moral
condicionada pelas exigências sociais e culturais. Surge com a
internalização de conteúdos como limitações, proibições e autoridade,
em geral a partir da relação com os pais.
INDICAÇÃO DE LEITURA:
Observe abaixo que alguns materiais abaixo das Obras de Freud estão com o
PDF inteiro da obra disponível. No entanto, você vai ler apenas os textos /
capítulos indicados abaixo (procure pelo título do capítulo ou vá direto às
páginas indicadas)
1.2 - A cura pela fala. (FOCHESSATO, 2011) [material completo, 8 páginas]
Clique aqui para ler ou acesse http://bit.ly/2EVxxFI
1.3 - Publicações pré-Psicanalíticas e esboços inéditos (FREUD,
1886-1899)
MÓDULO 1 - CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE - (C) psicanaliseclinica.com. Pág. 24
Leia apenas os textos:
- Relatório sobre meus estudos em Paris e Berlim (págs. 12 a 20)
- Histeria (págs. 34 a 51);
- Esboços para a comunicação preliminar de 1893 (págs. 108 a 114).
Clique aqui para ler ou acesse http://bit.ly/2nQzQlY
1.4 - Estudos sobre histeria (FREUD, 1893-1895)
Leia apenas o Texto:
- Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: comunicação
preliminar (e "uma conferência") (págs. 19 a 29);
Clique aqui para ler ou acesse http://bit.ly/2BOYI6f
1.5 - O ego e o id, e outros trabalhos (FREUD, 1923-1925)
Leia apenas o Texto:
- Uma breve descrição da Psicanálise (págs. 111 a 125).
Clique aqui para ler ou acesse http://bit.ly/2siaZMQ
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1.6 - Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, técnica e clínica. (ZIMERMAN,
1999)
Leia apenas o Texto:
- Capítulo 1 (págs. 21 a 29).
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Vídeos e filmes:
- Freud além da alma (1962)
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3. Os contemporâneos a Freud
É fato que a psicanálise de Freud influenciou o campo de estudos de
diversos profissionais interessados, e que, essa temática, vinha ganhando
espaço dentro da comunidade científica no início do século XX. Nesse sentido
grandes autores puderam contribuir com o crescimento dessa área do
conhecimento, desenvolvendo visões muito particulares e teorias tão
revolucionárias quanto às presentes na gênese da psicanálise.
Nomes como Karl Abraham, Sandor Ferenczi e Wilheml Reich não são
incomuns de se encontrar na literatura psicanalítica. A passagem desses
autores, embora tímida aos olhos da história, certamente influenciou as ideias
de Freud. Eles foram personagens marcantes dentro do universo psicanalítico
e que subsidiaram a gestação de conceitos presentes nas teorias dos autores
que veremos a seguir.
Carl Jung (1875-1961)
Médico suíço, Jung segue a especialização na área da psiquiatria e, no
início no século XX, tem contato com o trabalho e as teorias de Sigmund Freud,
o qual se alia para o desenvolvimento de diversos estudos no campo
psicanalítico. Freud tinha um apreço muito grande ao jovem, que se mostrava
promissor na área, sendo considerado pelo pai da psicanálise como sendo um
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futuro sucessor de seus feitos, assumindo, inclusive, a cadeira de presidente
da Associação Psicanalítica Internacional (IPA).
Contudo, à medida que os estudos avançam, Jung mostrava alguns
recorrentes desentendimentos com relação à teoria freudiana, principalmente
no tocante às questões relativas ao trauma sexual; enquanto Freud criticava os
interesses do jovem colega a atributos relativos ao campo mitológico, espiritual
que envolvia o indivíduo e a imaginação. Desse modo, Jung rompe com o
grupo psicanalítico e, então, passa a desenvolver seu próprio constructo teórico
conhecido como Psicologia Analítica.
E é nesse sentido que a contribuição da Jung se dá à psicanálise. Por
meio dos estudos de mitos e símbolos, Jung compreende as semelhanças
culturais como sendo resultantes de conhecimentos e experiências
compartilhadas entre a espécie ao longo da história. Desse modo, o autor parte
da ideia de existência de uma memória coletiva que constituía uma psique
humana atemporal, sobre a forma de símbolos, os quais Jung denominou
arquétipos. Com isso desenvolve a ideia de uma parte inconsciente dentro de
cada um de nós que vai além das experiências individuais, a essa atribui o
conceito de “inconsciente coletivo”. Nas palavras do criador,
“O inconsciente individual repousa sobre uma camada mais profunda... Eu a
chamo de inconsciente coletivo” (CARL JUNG).
Melanie Klein (1882-1960)
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Vienense, Klein foi analisanda de Ferenczi e Abraham e, certamente por
influência desses, pode ter embasamento para o desenvolvimento de sua obra.
Com uma trajetória profissional importante na Hungria e na Alemanha, é em
Londres, na Inglaterra, que Klein vai estabelecer seu nome entre os grandes
contemporâneos de Freud.
As principais contribuições de Klein vieram a partir da prática clínica com
crianças e bebês, sendo pioneira, e original, em suas concepções, ideias e
teorias. Desenvolve técnicas psicanalíticas próprias para o manejo com
crianças, introduzindo o conceito do entendimento simbólico nos brinquedos e
jogos. Postula a existência de um ego rudimentar presente em recém-nascidos.
A pulsão de morte, tal qual a pulsão de vida, seria inata e acompanharia o
indivíduo desde o nascimento, marcando sua existência pelo constante conflito
entre essas pulsões.
Ainda, descreve alguns mecanismos de defesa mais primitivos dos
postulados por Freud, mostrando funcionamentos mentais arcaicos, marcados
por regressões ainda mais potentes. Além disso, concebe “(...) a mente como
um universo de objetos internos que estão relacionados entre si através das
fantasias inconscientes, constituindo a realidade psíquica” (ZIMERMAN, 1999).
Nesse sentido, descreve à forma com a qual esses objetos se apresentam à
criança (objetos totais e/ou parciais), e o caráter simbólico que eles podem
suscitar (bom, mau, persecutório...).
Originalmente propõe uma conceituação ao desenvolvimento psíquico
diferente da ideia evolutiva (fases de desenvolvimento psicossexual) de Freud.
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Klein sugere a noção de posição, nominando-as de esquizoparanóide e
depressiva, o que trará grandes repercussões ao entendimento das teorias
psicanalíticas. Soma-se a esses as importantes discussões referentes à inveja
e gratidão, além da culpa e reparação.
Donald Winnicott (1896-1971)
Médico pediatra inglês de renome é o primeiro a receber os conteúdos
psicanalíticos e utilizá-los em sua prática médica. Portanto, é muito influenciado
por Freud e Klein e, em virtude das peculiaridades da sua profissão, acaba por
desenvolver um olhar às crianças, sobretudo na relação com seus pais,
justamente por trabalhar com crianças separadas de suas famílias em virtude
da Segunda Guerra mundial.
Para Winnicott o meio exerce uma influência fundamental para o
desenvolvimento psicoemocional da criança. Nesse sentido, cria e determina
conceitos como integração, como sendo uma tendência que é inata ao
humano, uma busca que vai desde a não-integração (nascimento) – num
estado de dependência absoluta – até a personalização, na qual há o
entendimento de que a pessoa habita seu próprio corpo.
Nesse processo é fundamental que haja uma adaptabilidade ao meio
externo, e para tanto, faz-se necessário à existência de um meio seguro, que o
sustente e possibilite uma maneira de lidar com sua agressividade inata,
promovendo sentido à sua existência. Cabe, nesse contexto, a utilização do
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conceito de mãe suficientemente boa, capaz de fornecer ao bebê tudo aquilo
que é fundamental ao seu desenvolvimento, sem que lhe haja excesso ou falta.
Para auxiliar o bebê dentro desse processo de desenvolvimento,
Winnicott sugere a existência de fenômenos e objetos transicionais, ou seja,
elementos subjetivos ou concretos que possibilitem o bebê a realizar a
transição entre seu universo imaginário e o mundo real externo. E, dependendo
das experiências vivenciadas nessa fase, seria possível a constituição de um
verdadeiro, ou falso, self, termos igualmente desenvolvidos por Winnicott em
sua obra.
Wilfred Bion (1897-1979)
Nascido na Índia desenvolveu praticamente toda sua obra na cidade de
Londres, vivendo seus últimos anos em Los Angeles, nos Estados Unidos.
Médico dedicado especializa-se em psiquiatria, porém é notória sua formação
humanística, desenvolvendo estudos no campo da Filosofia, Teologia e Letras.
Como psicanalista foi igualmente brilhante trazendo contribuições geniais no
tocante ao desenvolvimento do trabalho com psicoterapia de grupos, além de
desenvolver uma teoria do pensamento.
Durante a Segunda Guerra, Bion desenvolve um trabalho experimental
com grupos na ala de reabilitação militar onde tratava seus pacientes. Por
conseguinte estudou grupos terapêuticos em diversas clínicas e em seu próprio
consultório. Consegue, com isso, elaborar a ideia de que no grupo existem
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funcionamentos que vão de encontro às práticas conscientes e inconscientes.
Soma-se a esse a ideia de um funcionamento mental, ou mentalidade grupal,
na qual seria constituída das contribuições individuais de cada integrante.
Desse modo, o grupo poderia ser um lugar de contingências às diversas
reações regressivas vividas no grupo, como a perda do afeto, dependência,
entre outros.
Fortemente influenciado por Klein, Bion acaba por aprofundar parte de
seus estudos na dinâmica dos pacientes psicóticos, demonstrando seu
interesse, nesse contexto, nos distúrbios relacionados à linguagem,
pensamento, conhecimento e comunicação. Desse modo, pôde desenvolver
uma teoria muito própria sobre o pensamento.
Nesse sentido, o pensar, enquanto ação permite que se crie um
mecanismo para lidar com as frustrações primitivas. Sendo assim, se o ódio
resultante desses desapontamentos arcaicos for menor que a capacidade do
ego de suportá-los, haverá um encaminhamento, por meio do pensamento, de
um desenvolvimento psíquico saudável. Caso contrário, o pensamento não
será uma possibilidade, culminando-se em agitação motora e somatização
desse ódio não elaborado.
Jacques Lacan (1901-1981)
Médico psiquiatra nascido na França, Lacan é um fiel contemporâneo de
Freud em sua construção teórica, o que não significa que não tenha proposto
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discordâncias e/ou repensado alguns paradigmas psicanalíticos até então.
Com interlocuções entre a filosofia, arte, literatura e, sobretudo a linguística,
Lacan cria um modo muito próprio de entender a psicanálise, bem como
desenvolver sua prática clínica.
Uma de suas primeiras ideias revolucionárias estaria no entendimento
de que o inconsciente não seria uma manifestação do “Eu”, mas sim do
“Outro”. Ou seja, o sentido de si seria constituído pela percepção do outro,
sendo a linguagem proveniente do outro o agente formador dos nossos
pensamentos mais profundos.
Sendo assim, quando criança, o individuo é exposto a inúmeros
significantes (sinais e códigos) os quais permitem a apreensão e vivências de
sensações que ajudam no desenvolvimento de autonomia para operar no
mundo. Contudo, os significantes são provenientes do mundo exterior, do
outro, o que constitui esse universo interior a partir da linguagem, ou discurso,
do Outro.
Lacan ainda discorre sobre o entendimento do sujeito como objeto de
estudo clínico, como sendo compostos por três ordens, conceitualmente
tratado como imaginário, simbólico e real.
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4. O panorama da psicanálise até os dias de hoje
Passado mais de um século desde a fundação da psicanálise, como
podemos ver, muitos estudiosos dedicaram sua prática e estudos à evolução
dessa ciência, seja pela aplicabilidade em seus universos laborais, seja pela
contribuição teórica prestada. Nessa trajetória, novas concepções foram
aparecendo o que tem um caráter positivo no sentido de relativizar as correntes
existentes, por outro, devido a formulações excessivas sem a devida busca
referenciada na literatura psicanalítica, há algumas distorções e ou
desentendimentos conceituais, o que cabe atenção e cuidado. Posto isso,
Zimerman (1999) propõe um divisão didática a qual divide a evolução histórica
da psicanálise em três categorias: ortodoxa, clássica e contemporânea.
A psicanálise ortodoxa remonta à prática da sua gênese, tendo
referencial na clínica freudiana que privilegiava a investigação dos processos
psíquicos, na qual os elementos provenientes do inconsciente, como os
sonhos, eram tratados com profunda significação a consideração da análise.
Ou seja, analisavam-se os conteúdos reprimidos, os desejos proibidos entre
outras formas de inibição.
A técnica aplicada na clínica era muito rígida e com uma frequência de
encontros terapêuticos elevada, cerca de seis sessões semanais. O intuito da
prática clínica consistia na decodificação das manifestações simbólicas na
tentativa de buscar solucionar os sintomas, através dos postulados freudianos
referentes à teoria do trauma (rememoração das experiências vividas); à
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emersão do inconsciente ao nível consciente; e à regulação egóica sobre as
premissas do id.
Dentro do período da psicanálise clássica houve o interesse em
ampliar o espectro de novas formas de atendimentos e entendimentos sobre a
gênese das constituições psíquicas. Para tanto, além de pacientes neuróticos
(alvo principal da clínica freudiana), pessoas com outras formas de
funcionamento psíquico poderiam ser analisadas, a exemplo dos pacientes
psicóticos. Para tanto, o foco da interpretação analítica passa a ser a
interpretação de emoções arcaicas, fantasias inconscientes e mecanismos de
defesas primitivas.
As análises mudam sua configuração, mantendo sessões mais longas,
com menos rigidez técnica e com encontros entre 4 a 5 vezes na semana. Os
vínculos presentes durante as sessões passam a ter uma atenção maior, ou
seja, o campo transferencial-contratransferencial acaba por considerar os
conteúdos movimentados tanto no paciente quanto no analista. Isso faz com
que o setting analítico se molde com um espaço único, sendo que qualquer
modificação no contrato paciente-analista deve ser evitada e/ou considerada na
interpretação do caso.
No tocante à psicanálise contemporânea há a priorização dos vínculos
estabelecidos entre o par analítico (paciente-analista), tais como amor, ódio,
entre outras relações afetivas. Esse vínculo remete à relação primitiva
mãe-bebê, o que permite a evolução a partir do “psiquismo infantil” do paciente,
fazendo com que o analista exerça uma função marcante. O rigor
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teórico/técnico acaba cedendo a uma determinada naturalidade. E as análises
das funções egóicas ganham um espaço importante dentro da clínica.
Além disso, a psicanálise entra em consonância com outras ciências
como a neurociência, a psicofarmacologia, entre outros. Nesse sentido há que
se entenda que o psicanalista busque uma formação mais pluralista, tendo o
conhecimento de diversas escolas e vertentes psicanalíticas como forma de
atender a demanda emergente da clínica.
Ainda, segundo Zimerman (1999), cabe o entendimento de que a
psicanálise contemporânea
“(...) prossegue conservando os ideais e os princípios básicos concebidos por Freud
(noção do inconsciente, pulsões, ansiedades, fenômenos do campo analítico, etc.),
embora apresente profundas transformações nas concepções teóricas, notadamente
nas que dizem respeito ao desenvolvimento emocional primitivo.
Assim, desde os critérios de seleção dos pacientes para a indicação de análise como
sendo o tratamento de escolha para uma determinada pessoa, passando pelas
características das combinações do contrato analítico e levando em conta os demais
aspectos fundamentais do campo analítico, como o setting, a observância das regras
técnicas legadas por Freud, os fenômenos resistenciais, os transferenciais,
contratransferenciais, as formas de comunicação, interpretação, actings, aquisição de
insights, elaboração e critérios de cura, ficam claramente evidenciadas as profundas
mudanças da técnica psicanalítica da psicanálise contemporânea comparativamente
com a dos períodos anteriores.” (ZIMERMAN, 1999).
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Desse modo, dadas as contribuições e entendimentos sobre os avanços
da concepção psicanalítica ao longo da história, outras vertentes
contemporâneas merecem um destaque importante. É o caso da
psicossomática psicanalítica que se desenvolveu em meados do século XX,
graças a contribuições de nomes como Pierre Marty, Joyce McDougall e Franz
Alexander. Essa temática será aprofundada em outro módulo do curso.
E, um notório e mais recente psicanalista a desenvolver novas e
importantes contribuições foi o psiquiatra e psicanalista, André Green
(1927-2012) [uma introdução ao pensamento de André Green está na pasta
"Materiais Opcionais" do Módulo 1).
Através de uma sistemática muito própria retoma Freud na tentativa de
superação dos impasses e controvérsias geradas na psicanálise pós-freudiana.
Com forte influência da escola francesa, de Jacques Lacan, Green vai à
direção de uma nova síntese tanto em teoria como em clínica, na tentativa de
buscar um novo paradigma à psicanálise contemporânea.
INDICAÇÃO DE LEITURA:
1.7 - Tendências da psicanálise contemporânea (JORNAL DA
PSICANÁLISE, 2010). [28 páginas]
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5. Referências bibliográficas
BOCK, A. M. et al. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia.
São Paulo: Saraiva, 2001.
COLLIN, C.; GRAND, V.; BENSON, N.; LAZYAN, M.; GINSBURG, J.; WEEKS,
M. O livro da Psicologia. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2012.
FREUD, S. A psicoterapia da histeria. In: FREUD, S. Obras completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
LAPLANCHE, J; PONTALIS, J. B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo:
Martins Fontes, 1996.
Um breve histórico de histeria: de Freud a Lacan. In: REVISTA CIÊNTIFICA
ELETRÔNICA DE PSICOLOGIA, ISSN: 1806-0625, Ano VII, Número 13, 2009.
ZIMERMAN, D. E. Fundamentos Psicanalíticos: Teoria, técnica e clínica.
Porto Alegre: Artmed, 1999.
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