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FICHA TÉCNICA
DAS ENTRANHAS
Copyright © 2023 – Maicol Cristian
Capa: Fábio Vermelho
Ilustração da folha de rosto: Fábio Vermelho
Ilustrações internas: Roberto Schima
Diagramação: Maicol Cristian
Revisão: Maicol Cristian
ISBN: 978-65-00-66596-3
Todos os direitos reservados.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens,
lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação do autor. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coinci-
dência.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser repro-
duzida por qualquer meio ou forma sem a prévia
autorização dos autores. A violação dos direitos au-
torais é crime estabelecido na Lei no 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do código penal.
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Maicol Cristian
Das Entranhas
Capa e folha de rosto
Fábio Vermelho
Ilustrações internas
Roberto Schima
Instagram: @maicol.css
e-mail: [email protected]
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SUMÁRIO
SOLIDÃO ....................................................... 8
EQUINÓCIO................................................ 10
GOURMET................................................... 12
MORTIFICAÇÃO ......................................... 14
IMOBILIÁRIA ARIOSVALDO ..................... 16
PREDILEÇÃO.............................................. 26
VINHO ......................................................... 30
DESESPERO ................................................ 34
ONDE JAZO FÉTIDO ................................. 38
SOCORRISTA............................................... 40
METEOROLOGIA ....................................... 44
OU NÃO? ..................................................... 46
TRAGO ........................................................ 48
AO FINAL DO CORREDOR, VIRE À
DIREITA ...................................................... 52
PERFEIÇÃO................................................. 60
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SOLIDÃO
8
as garrafas de vinho estão empilhadas
sobre a mesa
o cinzeiro está cheio de bitucas de cigarro
as cinzas acumuladas transbordam
da existência vazia das
moscas-varejeiras que zunem
presas
contra o vidro da janela
como humanos amordaçados à vida
pelas velhas cortinas manchadas de bolor
o ar empesteado
o telefone toca insistente
ninguém atende
o calor sufoca
as moscas zunem
o sangue coagulado escorre
o gato lambe a fenda
amargo sabor de pólvora
as moscas zunem
a camisa empapada
a vida esgotada
olhos vítreos
anseiam
pela escuridão
e que as moscas o deixem
morrer
em paz
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EQUINÓCIO
10
encontro fatídico que tenho com a morte
ao acordar de um sonho
que sonhei acordado
enquanto dormia no
quarto contíguo
ao meu túmulo
no cemitério da minha alma
oculta pelo invólucro
do meu corpo
atirado
vilipendiado
tragado
pelo fogo urgente
do inferno
que me levou e
devolveu-me transmutado
convertido àquilo que sempre fui
embora não fosse eu
o maquinista da composição
no equinócio da passagem
derradeira pela
desordem total e infinita
mas passageira
durante aqueles anos
surrupiados
tragados
e agora escarrados
na minha cara urgindo
ressurreição
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GOURMET
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carne putrefata que como com gosto
e degusto sem desgosto
o inconfundível sabor
sentido
entre suas pernas
quando tínhamos noites
intermináveis
que terminaram
na sua morte
na sua passagem
na sua queda derradeira
aos mais recônditos confins
do inferno
ah, querida
sempre fui inimigo do
desperdício
enquanto sua alma arde nas chamas
atiçadas pessoalmente por Lúcifer
em grelha inoxidável
asso suas carnes podres
temperadas com sal do Himalaia
devidamente apreciadas e harmonizadas
com o melhor cabernet sauvignon
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MORTIFICAÇÃO
14
feche seus olhos e me acompanhe
funda-se ao meu corpo putrefato
façam seus os meus ouvidos
ouça a batida contumaz do martelo
deite-se aqui e vislumbre o fim
sinta a eternidade dissipar-se
perante sua linda face rosada
que os vermes acintosos hão de devorar
sinta seu mundo fenecer
abandonada em queda livre
rumo aos braços do Anjo da Morte
entregue às chamas eternas
consumida pelas almas vorazes
que pacientemente aguardam por você
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IMOBILIÁRIA ARIOSVALDO
16
malas pesadas
que levam mais um amor eterno de
Ariosvaldo
que esfaqueou Jandira
e eviscerou-a
e desmembrou-a
braços e pernas ternamente
apartados em pedaços eternos
picou em pedacinhos
que encheram vários
sacos de lixo
lixo igual àquela vadia
igual a todas as outras vadias
rosnava Ariosvaldo
enquanto enchia os sacos com a
carne de Jandira
carne que o serviu
carne que serviu a muitos
mas nenhum como Ariosvaldo
nenhum igual ao grande tormento das putas
ele era dono de Jandira
sempre pagou mais que os outros
corno traído por uma puta
inconcebível
picou em pedacinhos
que encheram duas grandes malas
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que desceram pelo elevador
que lotaram o porta-malas
que levam Jandira à sua
sonhada casa à beira das
areias da
praia
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IMPERATIVO
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parta
relegue-me aos ratos desdentados
e cegos e impassíveis que tentam
em sofreguidão
roer-me
deixe-me
à mercê das baratas
as mesmas que outrora
alimentavam-se no seu seio
inebriadas pela sua empáfia gordurosa
invada
o vazio deixado pela sua presença
gerado nas suas entranhas
que agora passeia estupendo
pelos orifícios da minha carcaça
sabote
meu invólucro carnal
silenciosa e impiedosa
tal qual
bacilo botulínico
faça-me
carniça rejeitada pelos abutres
entregue-me
às serpentes
aos porcos
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ao demônio
e, como
sonho que não acaba
ressuscite-me
e mate-me
infinitamente
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INFINIDADE
RESPLANDECENTE
24
à beira do precipício sagrado
de onde provém a luz sombria e
funérea
que encobre a noite e
agride os seres espúrios
aqueles, que um dia, incautos
tiveram a ânsia, a petulância
de querer
matar-me
lá, ceifá-los-ei sem piedade
para que apodreçam eternamente
ungidos pelo óleo da vingança
devorados pelos vermes da revanche
que alimentar-se-ão das suas entranhas
das suas carnes, dos seus olhos e miolos
transformando-os nas mais fétidas fezes
defecados, nas profundezas de ignóbil abismo
servirão tão somente de abominável
piscina de excrementos
onde lúcifer mergulha as almas
daqueles que ousaram subverter
os mandamentos de seu progenitor
então, impassível
saudá-los-ei com o mais puro vinho e
inebriado pelo triunfo
resplandecerei eterno
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PREDILEÇÃO
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sempre fui de pernas
sou louco por elas
compridas
esguias
torneadas
curtas ou
roliças
não importa
há homens com predileção por bundas
outros por seios
alguns até têm tara por pés
eu, prefiro as pernas
acho que tudo começou quando
um primo distante apareceu com
sua nova namorada
eu devia ter uns cinco anos
mas jamais esqueci as pernas daquela mulher:
longas
firmes
grossas na medida certa
ornadas por uma deliciosa
penugem loira
salientada pelo seu lindo
bronzeado
ah, aquela mulher era deliciosa
lembro de ficar horas embaixo
da cama
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desejando tê-las
somente para mim
queria abraçá-las
enchê-las de
beijos
e
mordidas
na minha voraz imaginação
eu tinha somente as suas pernas
que
de um modo
ou de outro
haviam sido extirpadas
do seu lindo
corpo
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VINHO
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ah, sonho que cai de minhas mãos
e se estilhaça no chão de sua tumba
liberando o sangue armazenado
que outrora impelia
seu corpo vil
e infeccioso
agora, bebo-o em taça
feita das suas orelhas
harmonizado com churrasco
de cordeiro com maionese
em prato improvisado com suas mãos
devorado pelos talheres de seus ossos
de sobremesa
seus olhos negros
com calda de sua bile
a mesma que bradava
pelas esquinas vermelhas
quando você regurgitava
com seu vestido pernicioso
almejando prata e ouro
de almas tragadas pelo fogo
de dores infinitas
com vidas perdidas
em prazeres sofridos
deixe-me
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sorver seu vinho
beber seu sangue
desejos impuros
que compartilho
com todos os vampiros
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DESESPERO
34
o garfo ainda penetra
a carne
a colher ainda abriga
o caldo
no entanto
a faca da sua indiferença
deixou de angariar
a atenção dos
meus mais tristes dias
quando penetrei nos seus pensamentos
entendi que o futuro é o passado
das palavras doces e ignóbeis
que você não pronunciou
e ficaram entranhadas na sua magnitude
resplandecente
encarnadas e subjugadas ao mausoléu
dos seus sentimentos
não
eu não sei
para onde irei
mas espero tê-la junto comigo
quando construirmos nosso próprio castelo
de cartas marcadas
pelos seus dentes
vampíricos
que sugaram
não apenas
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o meu
sangue
mas toda a esperança que eu tinha
na morte
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ONDE JAZO FÉTIDO
38
é muito tarde para arrastar-me
volte para o cemitério
onde guarda a culpa
das suas doces mentiras
permaneça na mortalha
embrulhada pela vaidade
de tristes noites
vividas por dias
fique na lúgubre morada
onde desenterrou e se apossou
de fétidos corpos
comungados pela infâmia
na finitude infinita
de falsas verdades
na escuridão da minha existência
abandonado ao túmulo
jazo na esperança
do beijo derradeiro
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SOCORRISTA
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na estrada esburacada
da minha existência
cheia de curvas
como as mulheres do meu
puteiro preferido
sem acostamento
sem rota de fuga
risco total
acendo um cigarro
cai um dilúvio
tomo um gole de uísque
enxugo as lágrimas
ensopado
dilacerado
o tempo escorre l
e
n
t
a
m
e
n
t
e
as lágrimas e a chuva
turvam a visão
curva fechada
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buraco na estrada
o capô se abre
o caixão é arremessado
estrada afora
inferno adentro
a chuva escorre
o medo empoça
abro-o: vazio
como pode?
eu mesmo
matei-a e
joguei-a aí
dentro
transtornado
volto encharcado para o carro
destroçado, o motor não pega
no meu ombro
uma mão que agarra
no retrovisor
um olhar que gela
encara-me
julga-me e
não hesita em perguntar
“quer ajuda, meu amor?”
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METEOROLOGIA
44
venha
funda-se ao meu corpo
mergulhe comigo
na chuva de sangue
que banha
a estiagem da
minha
alma
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OU NÃO?
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amarrada à cama
nua e majestosa
exalando sensualidade
volúpia
tentação
olhos lascivos
imploram conjunção carnal
entre seus tentadores
lábios vermelhos
longos dentes caninos
exigem sangue
há certos desejos pecaminosos
que devem ser rigorosamente
reprimidos
Ou não?
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TRAGO
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o escuro invade a rua
a neblina veste a lua
assombroso véu branco
que insiste em
penetrar
até os ossos
não há uma alma viva na rua
junto todo o lixo da casa
levo para fora
debruçado sobre a lixeira
sinto algo cutucando minhas costelas
uma faca
um papo de “perdeu, passe o celular”
o bafo do sujeito é podre
dou apenas um golpe, a faca voa longe
agarro seu maxilar e cravo
impiedosamente
meus longos caninos
no seu curto pescoço
subjugo-o
sorvo seu sangue
mas
que merda de gosto horrível
de cachaça barata
vendida em garrafa pet
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AO FINAL DO CORREDOR, VIRE
À DIREITA
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o corredor é longo
escuro
gelado
as portas, vermelhas
dispostas em intervalos
simetricamente uniformes
silêncio
começo a caminhar
ouço um gotejar
encosto a orelha na porta
as gotas são insistentes
regulares
levo a mão à maçaneta
sinto-a úmida
está cheia de sangue
as gotas caem na minha mão
o vermelho a tinge
desisto
sigo em frente
água escorre por debaixo de
outra porta
desespero
pessoas gritam por socorro
estão se afogando
tento girar a maçaneta
está emperrada
forço-a
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sem resultado
dou alguns passos
alguém parece falar comigo
“venha
estava esperando por você
amorzinho
posso fazer coisas
que você nem
imagina”
a voz é sedutora
encantadora
consigo abrir a porta
finalmente
ela está nua e sobre a cama
há mais cinco mulheres
todas nuas
belas
sedutoras
ela, a dona da voz
tem chifres de bode
seios enormes
está de pernas abertas
longas
convidativas
as outras a acariciam
sua língua serpenteia para fora da boca e
chega em mim
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me lambe
num beijo infernal
rapidamente
recolhe a língua
e a porta se fecha
volto ao corredor
duas aranhas verdes aparecem no chão
prontamente
tenho um taco de beisebol nas mãos
tento matá-las
elas desviam do golpe
pulam sobre mim
empreendem um ataque
consigo desviar
tropeço em algo e caio
é um pequeno bebê
ensanguentado
ainda está na bolsa amniótica
repentinamente são vários bebês
que avançam contra mim
rastejando
acusando
ensanguentados
natimortos
consigo colocar-me de pé
corro
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chego ao final do corredor
a porta à minha direita
abre-se sozinha
o ar é pesado
cheiro de enxofre
calor
chamas encobrem as paredes da enorme sala
sou arrastado
pequenos demônios me conduzem
Cérbero me recepciona
suas três cabeças se contorcem
elas ladram
sua saliva respinga na minha face
o calor é insuportável
encharco a roupa em segundos
o cheiro de fezes invade as narinas
insuportável
parece que vou derreter e
virar merda
ele está lá
o Príncipe das Trevas
as gargalhadas são tenebrosas
fúnebres
aterradoras
um arrepio atravessa meu corpo
tremendo
sou empurrado em sua direção
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o que faço aqui? por quê?
“ah, você sabe o motivo
não me faça falar
você não vai querer que eu
revele quem você realmente é
posso revolver suas entranhas
mostrar-lhe tudo
mas, você é muito orgulhoso”
“por Deus
por favor
imploro”
nova gargalhada
“não ouse falar esse nome aqui
você lembrou somente agora
do meu impiedoso pai?
nunca acreditou nele!
você acredita que
aqui na minha casa
aqui no meu reino
vai clamar por Ele?”
as chamas encobrem-me
a pele queima
os músculos queimam
dor
desespero
ardor
revolta
silêncio
57
escuridão
senhor, acorde
acorde
o padre aguarda-o
no confessionário
ao final do corredor
vire à direita
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PERFEIÇÃO
60
passos lânguidos
em seu pescoço
uma enorme cobra branca
que se insinua docemente
seu olhar fuzila-me
o cheiro de sexo
inebria-me
e desperto para os desejos
mais luxuriosos
seu corpo transborda volúpia e
os seios
ah, os seios são perfeitos
rijos
firmes
os mamilos
atrevidos e angelicais
apontam para o céu
enquanto me
conduzem
indubitavelmente
para as chamas eternas
do inferno
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