1646 685 PB
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Editoras-chefe
Profa. Dra. Andreia de Souza Ribeiro Rodrigues, Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF, Juiz de
Fora, MG, Brasil
Ms. Ana Carolina de Souza Caetano Oliveira, Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF, Juiz de Fora,
MG, Brasil
Editores Adjuntos
Prof. Dr. Felipe Bastos, Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF, Juiz de Fora, MG, Brasil
Profa. Dra. Laura Assis, Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF, Juiz de Fora, MG, Brasil
Prof. Dr. Leonardo Docena Pina, Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF, Juiz de Fora, MG, Brasil
Equipe Técnica
Ms. Ana Carolina de Souza Caetano Oliveira, Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF, Juiz de Fora,
MG, Brasil
Imagem de capa: Lucas Gabriel Cantarino, estudante do 6º ano do Ensino Fundamental do
Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF. Desenho criado para a Semana de Ciências Humanas.
Conselho Editorial
Nacional Internacional
Prof. Dr. Alfredo Veiga-Neto – URGS Profa. Dra. Ana Maria Costa e Silva –
Prof. Dr. Álvaro Moreira Hypolito – UFPEL Universidade do Minho, Braga, Portugal
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Profa. Dra. Renata Junqueira de Souza – UNESP
Profa. Dra. Tânia Cabral – PUCRS
Pareceristas ad hoc
v. 24 (n. 1, n. 2, n. 3)
Sumário
Artigos
Relatos
Forensic Science in Biology teaching: a Pedagogical Residency’s project with high school
students
André Felipe Moreira Reis ׀ Alexsandra Câmara Paz Lindoso ׀ Érica Brito
Oliveira ׀Mariana Guelero do Valle
Perception of the methodologies used in science teaching in two schools in the city of
Boa Hora, Piauí, Brazil
Leonardo Soares1
Professor da Universidade Estadual do Maranhão, Campus de Coelho Neto/ MA, Brasil
Henrique Oliveira2
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Natureza, Universidade
Federal de Juiz de Fora/ MG, Brasil
Resumo
O ensino de Ciências vem sofrendo mudanças com o surgimento de recursos audiovisuais que auxiliam o
trabalho do professor. Os objetivos deste trabalho foram conhecer o perfil dos professores e as dificuldades
enfrentadas frente os desafios da profissão docente e identificar as diferentes metodologias utilizadas em sala
de aula. A pesquisa teve como público-alvo, professores do ensino fundamental de duas escolas municipais de
Boa Hora, Piauí. A intervenção foi realizada entre agosto e setembro de 2019. Foi aplicado um questionário
estruturado. De acordo com as respostas obtidas, a metodologia mais utilizada foi a aula expositiva. Todos os
professores responderam que gostariam de utilizar tecnologias, porém a maioria alegou falta de recursos e de
tempo. O livro didático é o recurso mais adotado pelos professores e a prova escrita é o método de avaliação
mais utilizado. Vale ressaltar a importância da formação continuada para os professores do ensino básico, além
de um maior engajamento de professores e da gestão da escola no tocante ao planejamento escolar.
Palavras-chave: Educação. Ensino-aprendizagem. Metodologias de ensino.
Abstract
Science teaching has been undergoing changes with the emergence of audiovisual resources that help the
teacher's work. The objective of this work was to know the profile of teachers and the difficulties faced by the
challenges of the teaching profession and to identify the different methodologies used in the classroom. The
research had as target audience, elementary school teachers from two municipal schools in Boa Hora, Piauí. The
intervention was carried out between August and September 2019. A structured questionnaire was applied.
According to the answers obtained, the most used methodology was the lecture. All teachers responded that
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Leonardo Soares, Henrique Oliveira
they would like to use technologies, but most claimed lack of resources and time. The textbook is the resource
most adopted by teachers and the written test is the most used assessment method. It is worth emphasizing
the importance of continuing education for primary school teachers, in addition to greater engagement of
teachers and school management with regard to school planning.
Keywords: Education. Teaching-learning. Teaching methodologies.
Resumen
La enseñanza de las ciencias ha ido sufriendo cambios con la aparición de recursos audiovisuales que ayudan al
trabajo del docente. El objetivo de este trabajo fue conocer el perfil de los docentes y las dificultades que
enfrentan los desafíos de la profesión docente e identificar las diferentes metodologías utilizadas en el aula. La
investigación tuvo como público objetivo, profesores de primaria de dos escuelas municipales de Boa Hora,
Piauí. La intervención se realizó entre agosto y septiembre de 2019. Se aplicó un cuestionario estructurado.
Según las respuestas obtenidas, la metodología más utilizada fue la charla. Todos los maestros respondieron
que les gustaría usar tecnologías, pero la mayoría afirmó falta de recursos y tiempo. El libro de texto es el
recurso más adoptado por los profesores y la prueba escrita es el método de evaluación más utilizado. Vale la
pena enfatizar la importancia de la educación continua para los maestros de escuela primaria, además de una
mayor participación de los maestros y la administración escolar con respecto a la planificación escolar.
Palabras clave: Educación. Enseñanza-aprendizaje. Metodologías de enseñanza.
Introdução
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 761-777, set./dez. 2022
Leonardo Soares, Henrique Oliveira
bem como o fato de que o professor não deve apenas adotar uma metodologia de ensino tradicional,
possibilitando com que dessa forma seus alunos estejam inseridos em aulas mais dinâmicas. Porém, isso
ainda é uma das grandes deficiências no processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos de Ciências
Naturais, pois na maioria das vezes as aulas ainda permanecem apenas sendo tradicionais. Portanto, é
importante o uso de novas metodologias que possibilitem aos estudantes fazer a associação desses
conteúdos com o seu cotidiano (SANTOS et al., 2015).
Para (MERÇON, 2003), a utilização de diferentes metodologias de ensino como experimentos,
jogos e aulas práticas apresentam bom potencial em proporcionar motivação aos alunos. Além disso, o
autor destacou que atividades assim com a inserção de metodologias diferenciadas favorecem a
construção do conhecimento, estimulando o caráter investigativo e a contextualização com o dia a dia
por parte dos alunos, de modo que eles não apenas assistam as aulas, mas que eles também possam
participar de forma mais ativa destas.
Neste sentido, Brasil relata:
Já são bem divulgadas as críticas ao ensino de ciências centrado na memorização dos conteúdos,
ao ensino enciclopédico e fora de contexto social, cultural ou ambiental, que resulta em uma
aprendizagem momentânea, ‘para a prova’, que não se sustenta a médio ou longos prazos. Por
outro lado, é sabido que aulas interessantes de ciência envolvem coisas bem diferentes, como,
por exemplo, ler texto científico, experimentar e observar, fazer resumo, esquematizar ideias, ler
matéria jornalística, valorizar, (...), dessa forma o conhecimento científico, que também é
construção humana, pode auxiliar os alunos a compreenderem sua realidade global ou regional
(BRASIL, 1997, p. 58).
A atuação do educador tem sofrido mudanças no século XXI e, novas maneiras de conduzir as
aulas no ensino de ciências para garantir uma aproximação do estudo com a realidade do educando, são
necessárias, e o método científico é apontado como o mais importante para se aprender conceitos. Um
procedimento testado, aprovado e confiável para se chegar ao conhecimento científico consiste em
reunir fatos através de observação e experimentação e, logo após, aplicando leis e teorias a estes fatos
por meio de processos lógicos (MOREIRA; OSTERMANN, 1993).
Acerca da experimentação, Zechim (2008) aborda que as atividades experimentais podem trazer
uma associação entre teoria e prática, fazendo assim com que se reduza o aprendido em sala de aula
com o reproduzido no cotidiano, principalmente quando se trata do ensino de ciências naturais, que é
uma disciplina que se abordada apenas por meio de aula expositiva, pode dar a sensação para o aluno
de que ele deve apenas memorizar conceitos.
Para se obter conhecimento, são necessárias técnicas e procedimentos adequados, são as
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Leonardo Soares, Henrique Oliveira
De acordo com Tardif (2002), saberes docentes são adquiridos e construídos progressivamente
ao longo do tempo, através de práticas, não sendo, um conjunto de conteúdo definido e imutável.
Tendo em vista as várias metodologias utilizadas nas escolas atualmente, este trabalho é importante
para mostrar os métodos mais utilizados na condução das aulas, evidenciando as explicações dos
professores em relação à utilização mais frequente de uma ou outra metodologia. Desta forma,
(MOREIRA, 2012, p. 02) “relata que a aprendizagem significativa se caracteriza pela interação entre
conhecimentos prévios e conhecimentos novos/adquiridos, e que essa interação é não literal e não
arbitraria”.
Por outro lado, muitos professores apresentam dificuldade em propor essa aprendizagem
significativa em sala de aula, de modo que muitas vezes o aluno se depara com determinado conteúdo
sem saber qual a aplicabilidade deste no seu cotidiano (OLIVEIRA; SOARES, 2021). Nesse processo, os
novos conhecimentos devem adquirir significado para o sujeito e os conhecimentos prévios adquirem
novos significados ou maior estabilidade cognitiva.
Com relação à prática pedagógica, por mais que o processo de ensino aprendizagem sofra
transformações com a utilização crescente de novas metodologias e tecnologias, o professor, através do
seu conhecimento e postura frente a sociedade, é quem realmente aplica a utilização desse aparato
tecnológico e científico. Dessa forma, redimensiona o seu papel, deixando de ser o transmissor de
conhecimento para ser o estimulador. O professor se transforma agora em um motivador da
curiosidade do aluno por conhecer, por pesquisar, por buscar a informação mais relevante (MORAN,
2009).
Atualmente o que se espera é que os professores tenham uma prática pedagógica baseada em
um processo constante de reflexão que os levem a buscar resultados inovadores na educação. Desse
modo, a prática educadora deve “contribuir de maneira efetiva para a instrumentalização,
sensibilização, preparação técnica e política do aluno, capacitando-o a uma postura crítica, que implica
saber dialogar, escutar, e transmitir conhecimentos” (SILVA; MAGALHÃES, 2011, p. 13).
O objetivo deste trabalho foi conhecer o perfil dos professores diante das dificuldades
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Leonardo Soares, Henrique Oliveira
Metodologia
A Escola Municipal Zezinho Dondon, está situada na localidade Seriema, zona rural do município,
funciona nos turnos matutino, vespertino com turmas de Ensino Fundamental I e II com um total de 140
alunos e 20 funcionários. Sendo 01 diretor, 01 coordenador pedagógico, um secretário, quatro auxiliares
de serviços gerais e 13 professores. A escola é constituída por 04 salas de aula, 02 banheiros, 01 cantina,
01 diretoria, 01 pátio e 01 quadra poliesportiva.
Já Escola Municipal Cecília Coelho de Resende, está situada na zona urbana, na Rua Projetada
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S/N, Centro. A escola funciona nos turnos matutino, vespertino e noturno com turmas de Ensino
Fundamental I e II, com um total de 180 alunos e 16 funcionários, sendo 01 diretor, 01 coordenador
pedagógico, 02 secretários, 02 vigias, 04 auxiliares de serviços gerais e 10 professores. Atualmente, a
escola tem 06 salas de aula, 03 banheiros, 01 cantina, 01 diretoria, 01 sala de professores, 01 biblioteca,
01 pátio e 01 quadra poliesportiva.
Este trabalho utilizou a pesquisa de campo onde os campos de pesquisa foram as escolas
supramencionadas. Cardoso e Penin (2009) abordam que as pesquisas de campo criam suas próprias
fontes de dados para resultados, não recorrendo apenas àquelas já criadas por terceiros e publicadas,
como artigos e capítulos de livro. Dessa forma, faz-se necessário, então, elaborar uma quantidade
significativa de tipos de fonte de dados para que o pesquisador de campo possa criar os dados
amparado em fontes de naturezas distintas. Após a coleta dos dados foi feita uma análise gráfica dos
resultados de forma a mostrar os resultados obtidos. Ainda com base nas respostas do questionário foi
possível inferir se estas metodologias ocorrem por vontade do professor ou apenas por falta de opção
de utilização de um recurso ou metodologia diferente.
Resultados e discussão
De acordo com as respostas dos professores sobre a metodologia mais utilizada, 67% dos
professores pesquisados, responderam que utilizam predominantemente aula expositiva e 33%
responderam utilizar predominantemente aula teórica (Gráfico 1). Esses resultados mostram que apesar
da gama de metodologias disponíveis atualmente, os professores das escolas pesquisadas ainda utilizam
como metodologias predominantes aulas expositivas e/ou aulas teóricas. Quanto à temática da
questão, (BENDER; COSTA, 2018) obtiveram os seguintes resultados: 100% dos professores pesquisados
utilizam predominantemente aulas expositivas e com o uso do livro didático.
De acordo com (ESCOLANO et al., 2018, p. 03):
Apesar dos avanços e das tecnologias no campo da educação, percebe-se que o Ensino de
Ciências está restrito às aulas expositivas com pouca participação dos alunos. A utilização de
outras modalidades didáticas para o Ensino de Ciências, quando ocorre, é feita por iniciativa dos
professores por meio de um enorme esforço pessoal.
Inerente às justificativas dadas pelos professores para a utilização desses métodos de ensino,
67% dos professores responderam que é por falta de recurso para planejar outra metodologia e 33%
responderam que utilizam este tipo de metodologia por estás serem de preferência da escola (Gráfico
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Leonardo Soares, Henrique Oliveira
2). Segundo Moreira, (2006) “Não há por que criticar o “método expositivo”, que pode ser ineficiente se
mau empregado, mas pode ser mais eficiente que qualquer outro método ou abordagem instrucional,
no que se refere à aquisição de conteúdo cognitivo”.
Para Madeira (2015)
A aula expositiva não deve ser vista como ineficaz, porém existem situações em que esta
metodologia de ensino ganha mais eficácia, como por exemplo: não a desgastar, lançando mão
de outras estratégias de ensino entremeadas ou então aperfeiçoá-la, aplicando o ensino
dialógico, dando aulas mais leves, menos rígidas, com descrições de casos, passagens e exemplos
introduzidos em conexão com o assunto central. Evita-se dessa maneira que a aula habitual seja a
única opção do professor. É na diversidade que se aprende melhor. Outra ideia é não a substituir,
mas associá-la a novas estratégias, variando assim as formas de comunicação com o aluno e
diminuindo o tempo da aula para 15 ou 20 minutos de exposição contínua” (MADEIRA, 2015, p.
36).
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Leonardo Soares, Henrique Oliveira
Em relação a pergunta sobre qual a metodologia os professores gostariam de utilizar com maior
frequência, 100% dos professores responderam que gostariam de fazer uso de tecnologias. Porém, a
maioria dos professores, 67% dos entrevistados, alegam que não fazem uso de tecnologias como
ferramenta didática por faltam recursos para planejá-las e 33% alegaram falta de tempo para planejá-las.
“Em algumas situações os professores têm o conhecimento das metodologias, mas sentem dificuldade
de aplicá-las em sala de aula, pois precisa-se de tempo para o planejamento e avaliar quais seriam mais
eficazes ao processo de ensino e aprendizagem (BENDER; COSTA, 2018). Não é de hoje que o cotidiano
do trabalho docente é bastante complexo, à medida que este profissional trabalha em várias escolas
ministrando aula para várias turmas, consequentemente, sobra pouco ou quase nenhum tempo para o
preparo das aulas e, assim, estas acabam muitas vezes por serem mais tradicionais, sem muito uso de
metodologias diferenciadas e tecnologias educacionais (FUSARI, 1988).
No tocante a questão que trata sobre qual metodologia é mais eficaz no processo de ensino e
aprendizagem, 67% dos professores responderam que o uso de tecnologias seria a metodologia mais
eficaz e 33% responderam que as aulas práticas são mais eficazes. Segundo (LOPES; RODRIGUES, 2018),
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 761-777, set./dez. 2022
Leonardo Soares, Henrique Oliveira
em uma pesquisa realizada com dois professores de ciências de uma escola pública de Monte
Carmelo/MG, relataram que:
Os jogos foram citados por ambos os professores. O professor P2 acrescentou outras metodologias, mas que,
assim como os jogos têm em comum o fato de promover grande interação entre os alunos, entre os alunos e o
professor e, principalmente, entre os alunos e o objeto de ensino.
Em relação a metodologia em que são menos eficientes no processo ensino aprendizado, 34%
dos professores responderam que os trabalhos individuais é a metodologia menos eficaz e 33%
responderam que seminário e outros 33% dos professores responderam que trabalho em grupo são
menos eficientes no processo de ensino aprendizagem.
Entre os professores que participaram da pesquisa, houve uma predominância em relação aos
recursos utilizados, ao qual o livro didático ainda é uma das ferramentas com maior utilidade, 100% dos
entrevistados ainda utilizam o livro didático como a principal ferramenta nesse processo. Esses
resultados corroboram com (PLIESSNIG; KOVALICZN, 2008), onde os professores apontaram que os
recursos mais utilizados para o desenvolvimento da metodologia, ainda são o quadro de giz e o livro
didático, enquanto vídeos, revistas e jornais são usados, muito raramente.
A falta de conhecimentos teóricos que levem a uma prática pedagógica diferenciada (talvez
influenciadas por uma formação inicial e continuada deficientes) impossibilitam o professor de
desenvolver metodologias alternativas apropriadas ao tempo disponível, e consequentemente,
leva ao desinteresse e falta de participação dos alunos (PLIESSNIG; KOVALICZN, 2008, p. 08).
Nas escolas, o Livro Didático ainda tem sido um fator determinante, de como o ensino de
Ciências é organizado e trabalhado sendo, portanto, o articulador de muitos currículos (MATTOS et al.,
2019). Diante desse contexto, (SELLES; FERREIRA, 2004) apontam que o professor, acaba adotando o
próprio esquema ou projeto pedagógico do livro como currículo e prática em sua docência em Ciências.
De acordo com (SILVA et al., 2012), o docente deve incrementar ao máximo a aplicação dos recursos
didáticos, levando em consideração a adequação em cada momento ou em cada fase do processo de
ensino aprendizagem.
Ainda de acordo com esses autores, para que a aprendizagem tenha significado de fato, não se
pode deixar de considerar a diversidade de alunos no nível de aprendizado. Além disso, é necessário
que o docente conheça seus alunos, de maneira que, ao planejar sua aula, ele possa escolher os
recursos e propostas mais coerentes para aquele determinado perfil de aluno ou turma. Assim, é
importante que o professor adote metodologias que favoreça a maior interação do aluno com as aulas
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Leonardo Soares, Henrique Oliveira
Como forma de avaliação do desempenho dos alunos, 67% dos professores responderam que
usam apenas prova escrita e 33% responderam que usam trabalho individual. Para Oliveira e Zanatta,
(2014) avaliação é um processo de extrema importância no cotidiano escolar, podendo contribuir
significativamente para a aprendizagem do aluno e para, sempre que necessário, a reorganização do
trabalho docente. No entanto, muitas vezes é executada de forma mecânica e classificatória, com o
objetivo de o aluno reproduzir as informações, sem necessariamente compreender o que é importante
e o que se estabelece com relação do conteúdo com a vida cotidiana.
A avaliação da aprendizagem é um processo que necessita estar atrelada à prática metodológica
dos docentes. Avaliação e metodologia são indissociáveis e necessitam estar coerentes e interligadas.
Não há como pensar em avaliação de maneira isolada da metodologia, dos conteúdos ou dos objetivos
de ensino. É a relação existente entre esses elementos que sustenta o sucesso do processo de ensino e
aprendizagem na sala de aula (RAMPAZZO, 2011). Um ensino reflexivo e questionador, que problematize
e proponha desafios, pressupõe uma avaliação coerente com a maneira de se realizar. O ato avaliativo
envolve os tipos de atividades e maneiras de se articular, ou seja, sequências didáticas (ZABALA, 1998).
Desse modo, não se pode pensar que avaliação tem apenas aspecto classificatório e que deve ser
realizado em forma de prova escrita.
De forma geral as escolas vêm utilizando as avaliações como forma de recursos para classificar os
educandos, selecionando-os e os tratando de maneira diferenciada, preocupando-se com os princípios
burgueses da individualidade e da competitividade: De acordo com Gadotti (2000, p. 52) “a avaliação é
essencial à educação, inerente e indissociável enquanto concebida como problematizadora,
questionamento, reflexão sobre a ação”. Educar, fazer ato de sujeito, é problematizar o mundo em que
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Leonardo Soares, Henrique Oliveira
vivemos para superar as contradições, comprometendo-se com esse mundo para recriá-lo
constantemente.
Considerações finais
Pelos dados obtidos por meio das respostas dos professores no questionário aplicado, foi possível
verificar que em ambas as escolas, há uma predominância no uso de aulas expositivas como
metodologia de ensino, tendo como justificativa para o uso desta, a falta de recursos para planejar outra
metodologia. Ficou evidente também, que o uso de tecnologia é o tipo mais almejado pelos professores
para desenvolver as suas aulas, mas, a falta de tempo e de recursos para planejar e desenvolvê-la, são os
fatores que mais as impossibilita.
Para os professores das escolas pesquisadas, as metodologias que surtem um maior e um menor
efeito positivo no processo ensino aprendizagem foram respectivamente o uso de tecnologia e trabalho
individual. O livro didático é o recurso mais utilizado, costumam inovar com metodologias diferentes,
mas, as escolas não dispõem de recursos para tal e, quando dispõem, é de forma insuficiente. A prova
escrita é o método de avaliação mais utilizado.
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Apêndice 1
Questionário
01. Dentre as metodologias de ensino citadas abaixo, qual delas você mais utiliza? Em caso de outra
cite-a.
( ) Aulas práticas
( ) Aulas expositivas
( ) Aulas teóricas
( ) Seminários
( ) Trabalho em grupo
( ) Trabalho individual
( ) Aula de campo
( ) Uso de Tecnologias
( ) Outra __________________________________________________________________
02. De acordo com a resposta da questão anterior, que justificativa você daria para a utilização desta
metodologia de ensino?
( ) Falta de tempo
( ) Falta de recursos
( ) Mais eficaz
( ) A escola tem preferência por esta metodologia
( ) Outro ___________________________________________________________________
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03. Qual metodologia de ensino você gostaria de usar com maior frequência?
( ) Aulas práticas
( ) Aulas expositivas
( ) Aulas teóricas
( ) Seminários
( ) Trabalho em grupo
( ) Trabalho individual
( ) Aula de campo
( ) Uso de Tecnologias
( ) Outra __________________________________________________________________
04. De acordo com a resposta da questão anterior, o que mais lhe impede de utilizar essa metodologia
de ensino?
( ) Falta de tempo para planejá-la
( ) Falta de recursos para planejá-la
( ) Acha que ela não é tão eficaz quanto a que você utiliza
( ) Outro ___________________________________________________________________
05. Qual metodologia de ensino você acha que seja mais eficaz processo ensino aprendizagem?
( ) Aulas práticas
( ) Aulas expositivas
( ) Aulas teóricas
( ) Seminários
( ) Trabalho em grupo
( ) Trabalho individual
( ) Aula de campo
( ) Uso de Tecnologias
( ) Outra __________________________________________________________________
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06. Qual metodologia de ensino você acha que seja menos eficaz no processo ensino aprendizagem?
( ) Aulas práticas
( ) Aulas expositivas
( ) Aulas teóricas
( ) Seminários
( ) Trabalho em grupo
( ) Trabalho individual
( ) Aula de campo
( ) Uso de Tecnologias
( ) Outra __________________________________________________________________
7. Qual recurso didático você utiliza predominantemente para desenvolver a metodologia de ensino
que você mais utiliza?
( ) Livro didático
( ) Lousa
( ) Data show
( ) Televisor
( ) Outros _________________________________________________________________
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Leonardo Soares, Henrique Oliveira
10. Qual o tipo de avaliação você mais utiliza para verificar o aprendizado dos alunos?
( ) Prova oral
( ) Prova escrita
( ) Trabalhos individuais
( ) Trabalhos em grupos
( ) Seminários
( ) Outros ___________________________________________________________________________
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ISSN 1984-5499
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Resumo
O presente trabalho tem o objetivo de identificar e analisar se há concordância entre os conteúdos trabalhados
pela Aula Paraná e pelo professor regente de uma turma do 9º ano do Ensino Fundamental II com a organização
do Currículo da Rede Estadual Paranaense durante o ensino remoto emergencial proposto pelo estado do
Paraná como medida de prevenção do novo coronavírus. Trata-se de um trabalho de cunho qualitativo na qual
os dados foram coletados nas plataformas Google Classroom e site “Aula Paraná” e analisados de acordo com o
objetivo. Os dados demonstraram que durante o período observado nas aulas de Ciências, principalmente, na
plataforma Google Classroom não foram respeitados os princípios da Lei e Diretrizes da Educação Nacional e
nem às orientações do CREP. Sugere-se, portanto, que a Secretaria de Educação do Estado do Paraná com auxílio
dos professores, carecem buscar alternativas para a recuperação paralela dos alunos e de forma contínua a fim
de respeitar os princípios apresentados, bem como as metodologias de ensino e aprendizagem durante o ERE.
Palavras-chave: Ensino de Ciências. Currículo Escolar. Aula Paraná.
Abstract
The present work aims to identify and analyze whether there is agreement between the contents worked by
Aula Paraná and by the teacher in charge of a class of the 9th year of Elementary School II with the organization
1 [email protected]
2 [email protected]
3 [email protected]
Jessica Silva dos Santos, Erika Dayane Cock Batista, José Nunes dos Santos
of the Curriculum of the Paraná State Network during remote teaching proposed by the state of Paraná as a
measure to prevent the new coronavirus. This is a qualitative work in which data were collected on the Google
Classroom platforms and the “Aula Paraná” website and analyzed according to the objective. The data showed
that during the observed period of Science classes, mainly, on the Google Classroom platform, the principles of
the National Education Law and Guidelines and the CREP guidelines were not respected. It is suggested,
therefore, that the Department of Education of the State of Paraná with the help of teachers, need to seek
alternatives for the parallel and continuous recovery of students in order to respect the principles presented, as
well as the methodologies of teaching and learning during the ERE.
Keywords: Science Education. School curriculum. Aula Paraná.
Resumen
El presente trabajo tiene como objetivo identificar y analizar si existe concordancia entre los contenidos
trabajados por Aula Paraná y por el profesor a cargo de una clase del 9º grado de la Enseñanza Fundamental II
con la organización de la Red Curricular del Estado de Paraná durante la enseñanza a distancia propuesta por el
estado de Paraná como medida de prevención del nuevo coronavirus. Se trata de un trabajo cualitativo en el que
se recolectaron datos en las plataformas Google Classroom y en el sitio web “Aula Paraná” y se analizaron de
acuerdo al objetivo. Los datos mostraron que durante el período observado de clases de Ciencias,
principalmente, en la plataforma Google Classroom, no se respetaron los principios de la Ley y Lineamientos de
Educación Nacional y los lineamientos de la CREP. Se sugiere, por lo tanto, que la Secretaría de Educación del
Estado de Paraná, con la ayuda de los profesores, busque alternativas para la recuperación paralela y continua
de los estudiantes a fin de respetar los principios presentados, así como las metodologías de enseñanza y
aprendizaje durante la ERE.
Palabras clave: Enseñanza de la Ciencia. Currículum Escolar. Aula Paraná.
Introdução
Vivenciando uma conjuntura pandêmica pelo SARS-CoV-2 (coronavírus) que provocou uma
transformação de rotina no dia a dia das pessoas, para fugir da disseminação do vírus na população, foi
requerido modificações nos hábitos sociais, profissionais e educacionais. A circunstância de pandemia
foi assumida no início de março de 2020, por meio do surto global de transmissão da doença – a Covid-
19 uma doença causada pelo SARS-CoV-2, que apresenta um espectro clínico variando de infecções
assintomáticas a quadros graves.
Na pandemia, a educação ultimamente enfrenta desafios para admitir um novo procedimento na
maneira de se relacionar socialmente, de ensinar, ou seja, na forma de organizar os processos de ensinar
e de estudar - aprender. Assim, na educação, o coronavírus promoveu conflitos intensos tanto no
trabalho docente quanto para os discentes que estão diretamente relacionados ao processo
educacional, uma vez que as aulas no formato presencial foram interrompidas e, assim, foram inseridos
de maneira emergencial, no ensino remoto, como maneira de continuar com as aulas, possibilitando não
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[...] os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base
nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento
escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade,
da cultura, da economia e dos educandos (BRASIL, 1996, s/p).
Assim, em 2017, ocorreu o lançamento da Base Nacional Comum Curricular – BNCC (2017), já
prevista na Constituição Brasileira e na LDB, homologada pelo Ministério da Educação e obriga estados e
municípios a elaborarem currículos escolares utilizando-se das orientações deste documento e implantá-
los em no máximo dois anos. A Base Nacional Comum Curricular é um documento de modo normativo
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que determina o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os estudantes
devem desenvolver ao longo das fases e modalidades da Educação Básica, de maneira que tenham
garantidos seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em concordância com o que ordena o
Plano Nacional de Educação - PNE (BRASIL, 2017).
No estado do Paraná, por exemplo, o Currículo da Rede Estadual Paranaense (CREP) do Ensino
Fundamental II, iniciou sua elaboração em 2018, finalizando em 2019 e implementado em 2020 com o
objetivo de reorganização dos currículos no Paraná, uma vez que acrescenta as definições da BNCC o
contexto paranaense e aponta os direitos e os objetivos de aprendizagens para os estudantes (PARANÁ,
2018). E ainda, o CREP fornece subsídios aos professores para que revisem suas práticas pedagógicas e
aos estabelecimentos escolares seu Projeto Político Pedagógico (PPP) e Proposto Pedagógica Curricular
das diferentes disciplinas, visando contextualizar a realidade paranaense com os conteúdos comuns a
todos, conforme implementação da BNCC (BRASIL, 2017).
Além disso, a Secretaria da Educação do Estado do Paraná (SEED-PR) possui um programa de
intensificação da aprendizagem chamado “Se Liga - É hora de aprender mais!” que é uma proposta
oferecida pela secretaria de educação nas últimas duas semanas do ano letivo aos alunos que não
puderam participar das aulas e atividades ou que tiveram dificuldade para realizá-las durante o ano
letivo e, assim, possibilitando a aprovação. Conforme as orientações da SEED-PR, a organização para
realizar o programa, horários de aulas e conteúdos a serem aprofundados fica a critério de cada escola e
professor da disciplina. Vale ressaltar ainda, que existem muitas críticas a respeito do programa, visto
que este visa uma recuperação e intensificação de conteúdos considerados essenciais, negligenciando,
de certa forma, os demais assuntos que foram trabalhados durante o ano e que estão presentes no
CREP.
Não obstante, a LDB (BRASIL, 1996) em seu art. 24, inciso V, dispõe que a avaliação escolar deve
ser contínua e cumulativa a fim de verificar o desempenho do aluno no período vigente e, caso o aluno
apresente baixo rendimento, a recuperação deve ser feita com prevalência dos aspectos qualitativos
sobre os quantitativos, preferencialmente paralelo ao período letivo.
O currículo escolar
A palavra currículo provém da palavra latim currere, que significa movimento progressista ou
carreira (SACRISTÁN, 1998; NASCIMENTO; CAVALCANTI, 2018). Na educação, o currículo apresenta os
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conteúdos a serem ensinados, porém são apresentados de uma forma generalizada e, portanto,
desconsideram as peculiaridades de cada região e/ou comunidade. Desse modo, possivelmente,
somente o currículo elaborado pela própria escola, isto é, a Proposta Pedagógica Curricular (PPC) e o
PPP, seriam capazes de abranger a diversidade regional e contextualizá-la a partir do conhecimento
prévio dos estudantes.
O currículo escolar pode ser entendido, portanto, como um documento capaz de modificar a
identidade de quem o segue (ALBINO, 2019) e, ainda, como um documento que irá direcionar os
professores durante o ano letivo (JUNIO; BARRETO, et al., 2019). Desta forma, afirma-se que o currículo
elaborado por cada escola em seu PPP é capaz de desenvolver o pensamento crítico e significativo dos
estudantes acerca das diversidades da comunidade em que ele está inserido.
Ao estudar a literatura da área, Nascimento e Cavalcanti (2018) encontraram diferentes
concepções acerca do currículo escolar, tais como o currículo como roteiro para o professor em sala de
aula e como uma organização da formação cidadã e sua forma de agir no meio em que vive. Já Jesus
(2008) encontrou percepções como - o currículo como saber e poder para formação da identidade
social; como um modo de produzir a sociedade; forma de transmitir a cultura com vínculo político. Em
suma, o currículo pode ser entendido como uma forma de transformar ou manter as relações de poder,
considerando o cultural e o social.
De todo modo, a importância da organização curricular dá-se à medida que este documento é
capaz de nortear o professor em sua prática pedagógica, autoavaliar-se e renovar-se; e à escola garante
a contextualização local e regional em seu PPP, possibilitando uma educação de qualidade, tal como
apresentado por Sacristán (2000, p. 31):
O estudo realizado por Damasceno e Mesquita (2015) corrobora com as afirmações de Sacristán
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(2000), visto que concordam que na melhoria da qualidade escolar pelo currículo, este possibilita a
sistematização dos conhecimentos a serem ensinados. Ainda em seu trabalho, Sacristán (2000, p. 30)
reforça a importância da organização curricular para manter a cultura, visto que “a cultura geral de um
povo depende da cultura que a escola torna possível enquanto se está nela, [...]” e ainda que o currículo
é uma das ferramentas mais eficazes para verificar como se dá a prática em um contexto escolar, pois a
falta de reflexo dos interesses dos estudantes na escola pode ser um motivo de desmotivação para a
aprendizagem.
Portanto, o currículo é necessário não apenas para organizar e sistematizar os conteúdos e
práticas a serem trabalhados, mas também para analisar se as práticas pedagógicas dos professores são
eficazes para conseguir motivar os estudantes.
A pandemia ocasionou diversos obstáculos que dificultaram o processo educacional tanto para os
docentes quanto para os estudantes. Um estudo realizado por Miranda e colaboradores (2020)
apresenta as dificuldades enfrentadas pelos estudantes durante o ensino remoto, dentre essas há a falta
de recursos tecnológicos, tais como, celular, notebook, computador, tablet e internet de qualidade.
Os autores destacam também a falta de um local adequado para estudar, visto que muitas vezes,
os alunos compartilham com seus parentes o espaço de estudo com outras atividades domésticas, e
ainda, podem ter irmãos com idades próximas, que necessitam também realizar as atividades propostas
pelas escolas, ocasionando também na distração que prejudica o aprendizado; e a falta de apoio dos
pais, pois muitas vezes, trabalham fora de casa e estão cansados para incentivarem o estudo dos filhos.
Esta situação tem alterado o interesse dos alunos para a realização das atividades propostas, como
afirma Miranda e companheiros (2020), tais aspectos dificultam a avaliação do rendimento escolar dos
estudantes com o trabalho docente. A partir desta reflexão, acredita-se que esta realidade, em geral,
ocorre com estudantes da educação pública.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que cerca de 4,3 milhões de
estudantes brasileiros entraram na pandemia já sem acesso à internet e destes, 4,1 milhões estudavam
em escola pública, dado que reforça a desigualdade educacional no Brasil e é considerado um dos
entraves para a falta de participação de estudantes nas atividades durante o ERE (UNDIME, 2021).
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(PARANÁ, 2020a).
Deste modo, o estado autorizou também o Ensino Remoto Emergencial (ERE) para suprir a
suspensão das aulas presenciais, medida publicada pela resolução nº 1.016/2020 da SEED-PR,
estabelecendo regime especial para as atividades escolares na forma de aulas não presenciais. Para
tanto, foi criado o aplicativo “Aula Paraná” pela mantenedora, no qual foram disponibilizadas videoaulas
gravadas pelos professores da rede, as quais foram transmitidas também pela televisão aberta,
possibilitando uma maior abrangência de acesso aos estudantes.
Na resolução nº 1.014/2020 foi convocado emergencialmente os professores do Quadro Próprio do
Magistério (QPM) e do Processo Seletivo Simplificado (PSS) para ministrar aulas remotas. No art. 6º da
referida resolução, é orientado aos professores convocados:
I. produzir uma aula que contemple os documentos curriculares orientadores da Rede Estadual
de Ensino para o Ensino Fundamental (Anos Finais) e Diretrizes Curriculares Estaduais para a
Educação Básica;
II. elaborar material de apoio, sugerir links de recursos digitais e produzir questões que poderão
ser disponibilizadas aos estudantes pela web ou por outros meios de divulgação. (PARANÁ,
2020b, s/p.)
Portanto, reforça que mesmo durante o ERE as aulas devem seguir as orientações fornecidas pelo
CREP para que os estudantes não sejam prejudicados quantos aos conteúdos a serem aprendidos. Desta
forma, para a organização do ensino ERE, na resolução nº 1.016/2020, em seu art. 7.º, dispõe que a
SEED-PR que as aulas fossem gravadas utilizando-se de diferentes recursos tecnológicos como um canal
de televisão (TV) aberta e por meio do “Aula Paraná” um aplicativo elaborado pelo estado do Paraná,
disponibilizando o material das aulas e possibilitando uma certa interação em tempo real com
professores da turma a qual o aluno está matriculado. Ressalta-se que as aulas gravadas também foram
disponibilizadas na plataforma Youtube e transmitidas ao vivo.
As atividades realizadas pelos alunos foram disponibilizadas pela plataforma Google Classroom,
conforme disposto na Resolução nº 1.016/2020, art. 10º:
E para os alunos sem acesso a rede de internet, foram orientados a irem à escola buscar as
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Metodologia
Este trabalho configura-se de cunho qualitativo conforme apresentado por Bardin (2011, p. 144-
146), “[...] a abordagem não quantitativa recorre a indicadores não presenciais suscetíveis de permitir
inferências” e considerando que para a análise de dados “[...] a inferência - sempre que é realizada - ser
fundada na presença do índice (tema, palavra, personagem etc.!), e não sobre a frequência da sua
aparição, em cada comunicação individual.” Corroborando com as ideias de Godoy (1995), o método
qualitativo habitua proporcionar a aquisição de dados descritivos a partir da relação direta e interativa
do pesquisador e da circunstância de pesquisa.
Para a coleta de dados (Figura 1), foram observadas nas plataformas “Aula Paraná”, Google
Google Classroom e Youtube, onde foram disponibilizadas as aulas gravadas e conteúdos/atividades
trabalhados da disciplina de Ciências do 9º ano durante o período de 23 de novembro de 2020 a 11 de
dezembro de 2020. Assim, as observações no Google Classroom foram realizadas em uma turma do 9º
ano B de um colégio estadual da região noroeste paranaense pertencente ao Núcleo Regional de
Educação de Maringá (NRE/MGA), devido à distribuição do professor regente e as orientações da SEED-
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PR. Cabe ressaltar que as aulas observadas neste trabalho foram unicamente da turma do referido 9º
ano B da instituição em questão.
Posteriormente, identificou-se quais foram os conteúdos trabalhados no site do “Aula Paraná”, no
Google Classroom (incluindo os conteúdos selecionados pelo professor regente da disciplina para serem
trabalhados durante o programa “Se Liga - é hora de aprender mais!”), plataforma alimentada pelo
professor regente e os conteúdos dispostos no CREP, agrupando-os em quadros a fim de facilitar a
análise.
Resultados e Discussão
Tanto para os estudantes quanto para os professores, não foram fornecidos treinamentos ou
cursos de formação continuada para aprenderem a utilizar tecnologias de informação e comunicação
(TICs) antes da imposição do ERE. Portanto, ambos os grupos precisaram, rapidamente, aprender a usá-
las para suprir a nova demanda online. Para o professor foi obrigatório o uso de tais tecnologias, visto
que a não interação com os alunos por meio da “Aula Paraná” ou “Google Classroom”, acarretaria
automaticamente na falta do docente, levando a pressão e exaustão por parte deste grupo.
No 2º semestre do ano letivo de 2020, a resolução nº 3.817/2020 - GS/SEED, orientou aos
professores que realizassem intervenções online e ao vivo (meet) com suas respectivas turmas em
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horários propostos pela equipe pedagógica de cada escola para revisar o conteúdo trabalhado nas aulas
gravadas, podendo assim, esclarecer dúvidas, curiosidades e permitir uma melhor contextualização dos
assuntos desenvolvidos pelo ensino ERE (PARANÁ, 2020d).
Entretanto, apenas os alunos que tinham acesso à rede de internet conseguiam acompanhar tais
aulas e, logo, teriam a possibilidade de entender melhor o conteúdo a ser contextualizado, o que reforça
ainda mais a desigualdade social entre escolas e alunos, deixando ainda de atender ao princípio de
educação para todos previstos na Constituição Brasileira de 1988 e ao CREP que orienta a
contextualização local e regional dos conteúdos trabalhados.
Ressalta-se que a contextualização no modelo de ERE é dificultoso, visto que as mesmas aulas
foram disponibilizadas à todos os estudantes da rede estadual de ensino e portanto, torna-se falho. Ao
estudar a contextualização no ERE, Santos e colaboradores (2020) apontam que as aulas gravadas não
permitem uma interação professor-aluno e aluno-aluno de forma instantânea, o que pode prejudicar o
entendimento dos estudantes.
No dia 23 de novembro de 2020 o professor regente da turma do 9º ano B postou um
chamamento no mural do Google Classroom orientando os alunos que ainda não haviam nota suficiente
para que realizassem as atividades do terceiro trimestre. O docente também avisa sobre a disposição de
tirar dúvidas, caso necessário. No mesmo dia, a SEED-PR, via site do “Aula Paraná” e Youtube,
disponibiliza a segunda parte da aula do conteúdo de genética sobre “Leis de Mendel”.
Já no dia 24 de novembro, no Google Classroom os alunos foram orientados sobre a “adequação
curricular” que é um nivelamento dos conhecimentos já trabalhados acerca do conteúdo de genética -
núcleo, DNA e genes; cromossomos e cariótipos; e alterações cromossômicas. Já no site do “Aula
Paraná” não houve postagem para a disciplina de Ciências.
No dia 25 de novembro, o professor realizou uma nova chamada aos alunos para realizarem a
“adequação curricular” e a matrícula para o ano de 2021. No site do “Aula Paraná” foi disponibilizada a
terceira parte da aula sobre o conteúdo temático “Leis de Mendel”.
No dia 26 de novembro não houve postagem do professor no Google Classroom, pois
possivelmente não foi um dia de aula para a turma. Já no site do “Aula Paraná” foi disponibilizada a
quarta e última parte da aula sobre as Leis de Mendel.
Na semana seguinte, a partir do dia 30 de novembro, iniciou-se oficialmente as atividades do
programa “Se Liga - é hora de aprender mais” e conforme as orientações da SEED-PR, o professor
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Jessica Silva dos Santos, Erika Dayane Cock Batista, José Nunes dos Santos
regente de sala selecionou os conteúdos considerados essenciais para a progressão de série, dispostos
no quadro 1.
Quadro 1 - Conteúdos essenciais para o programa “Se Liga - é hora de aprender mais!”
Conteúdos
Genética
Fonte: Elaborado pelos autores.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3 p. 778-795, set./dez. 2022
Jessica Silva dos Santos, Erika Dayane Cock Batista, José Nunes dos Santos
Meet, porém nenhum aluno compareceu, reforçando a ideia dos alunos não participaram dos encontros
online por dificuldades tecnológicas ou sociais, ou seja, alguns alunos podem não ter acesso à internet
ou não possuem equipamentos tecnológicos (celular, notebook, computador e tablet) para acessar a
aula, conforme discutido por Miranda e colaboradores (2020). No mesmo dia, foi disponibilizado no site
do “Aula Paraná” a segunda parte da aula “Herança do tipo sanguíneo”.
No dia 09 de dezembro foi a última postagem do professor no período observado, na qual ele
disponibilizou um material de apoio sobre o conteúdo de genética, denominado “Introdução à genética",
e realizou a convocação aos estudantes para participarem da aula via Google Meet, porém novamente
nenhum aluno participou. Essa situação, reforça a ideia de que os estudantes não puderam participar
dos encontros com o professor regente de sala por diversos motivos, entretanto, levando em
consideração que a pesquisa (as observações) foi realizada em uma escola de periferia, infere-se que o
principal motivo que levou à falta de participação decorre da carência de recursos tecnológicos dos
alunos, bem como concluíram Miranda e colaboradores (2020) em sua pesquisa que buscou identificar
quais foram as principais dificuldades que os estudantes e professores enfrentaram durante o ensino
remoto e pela pesquisa do IBGE que apontou a quantidade de estudantes sem acesso às tecnologias
antes mesmo da pandemia de COVID-19.
Além disso, conforme estudado por Kenski (2003) é preciso o conhecimento tecnológico
avançado por parte dos educadores, ou seja, manipular instrumentos tecnológicos que possibilitam
aplicações de metodologias de ensino que aplique para conseguir a participação significativa dos
estudantes, porém ressalta-se novamente que os professores não tiveram preparação, ou seja, formação
continuada oferecida pela mantenedora da educação do estado do Paraná para tal modalidade de
ensino, tal como apontado pelo Gestrado (2020). Portanto, o incentivo e investimento nos estudantes e
nos professores são extremamente necessários para que eles não se desinteressem pelos estudos e
resultem na evasão escolar.
Ainda no dia 09 de dezembro de 2020 foi disponibilizado pelo site do “Aula Paraná” uma aula
sobre Engenharia Genética. Por fim, no dia 10 de dezembro, ocorreu uma retomada de conteúdos sobre
hereditariedade e tipos sanguíneos, disponibilizado no site do “Aula Paraná”.
De acordo com o CREP, os conteúdos do terceiro trimestre devem ser trabalhados na seguinte
ordem: genética, evolucionismo e unidades de conservação, conforme disposto sequencialmente no
quadro 2.
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Jessica Silva dos Santos, Erika Dayane Cock Batista, José Nunes dos Santos
Conteúdos
Genética Mendeliana - Lei da segregação dos fatores; Lei da segregação independente; Lei da
dominância.
Unidades de conservação
Fonte: Elaborado pelos autores.
Por conseguinte, ao analisar os dados, verificou-se que a própria SEED-PR não seguiu a ordem
dos conteúdos, pois iniciou o trimestre com evolucionismo e finalizou com genética, não sendo
trabalhado o tema “unidades de conservação”. Sabendo-se da importância de seguir as orientações do
CREP, ou seja, do currículo norteador, conforme apontam Damasceno e Mesquita (2015) e Sacristán
(2000), observou-se que a SEED-PR, mantenedora da educação no estado, não seguiu tais orientações, o
que pode ter prejudicado no aprendizado dos estudantes.
Diante da discordância existente entre os conteúdos trabalhados nas diferentes plataformas
durante o período observado, questiona-se: será que os objetivos do CREP ou do programa “Se Liga - é
hora de aprender mais!” foram alcançados? Estudos mais aprofundados na área devem ser realizados
para averiguar tal questão. Vale ressaltar que conforme orientações da SEED-PR, os professores não
puderam dispensar os estudantes das atividades letivas mesmo que já tivessem alcançado a nota para
progressão de série, o que culminou em tal discordância.
Embora a proposta do “Se Liga - é hora de aprender mais!” seja diferente das aulas sequenciais
do ano letivo, vale ressaltar que seguir a organização curricular garante a qualidade do ensino, tal como
afirmado por SACRISTÁN (2000) e Nascimento e Cavalcanti (2018), e sabendo-se que tal proposta
abrange apenas alguns conteúdos específicos e escolhidos pelo professor da disciplina, conforme já
explicado, constata-se que o modelo de recuperação adotado pela SEED-PR desconsidera a importância
de seguir o currículo escolar de forma integral, o que pode prejudicar o processo de ensino-
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Considerações finais
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satisfatório, compete à escola realizar recuperação contínua, considerando as reais precisões de cada, de
acordo a diversidade dos que dela precisem. Sugere-se, portanto, que a SEED-PR com auxílio dos
professores, carecem buscar outras alternativas para a recuperação paralela dos alunos e de forma
contínua a fim de respeitar os princípios apresentados, bem como as metodologias de ensino e
aprendizagem durante o ERE.
É possível concluir ainda que, a falta de concordância entre os conteúdos aplicados pelas aulas
do “Aula Paraná” e do “Se Liga - É hora de aprender mais!” pode ter desmotivado os estudantes, visto
que em cada ambiente era aplicado um conteúdo de forma generalizada, ou seja, sem atender as
orientações do CREP (2020) e da LDB (1996), tais como valorizar o conhecimento extracurricular. Além
disso, as propostas do ERE pela SEED-PR pode ter diminuído a qualidade do ensino, pois não conseguiu
atender a todos os estudantes de forma igualitária e, muito menos, ter seguido com as orientações do
CREP (2020), importante para garantir um processo de ensino-aprendizagem eficiente.
No mais, entende-se que a SEED-PR deve investir em recursos tecnológicos e formação para o
uso desses, tanto para estudantes como para docentes, de modo que todos sejam equitativamente
beneficiados por tais recursos e tenham as mesmas oportunidades de aprendizagem perante a
sociedade, independentemente do momento vivido.
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ISSN 1984-5499
The multiple journeys of university women: an analysis from the implications of female
education
Los múltiples trayectos de las mujeres universitarias: un análisis desde las implicaciones
de la educación femenina
Resumo
O estudo teve como objetivo averiguar o discurso das universitárias que são mães, donas de casa, profissionais
e estudantes, tendo como problema de pesquisa a questão de como elas lidam com suas múltiplas jornadas e se
tantas atribuições interferem no desenvolvimento de suas atividades acadêmicas. Para tanto, foi realizada uma
pesquisa com quatro estudantes do curso de Pedagogia, por meio da gravação de entrevistas individualizadas.
Os resultados indicam que: a) ainda, nos dias atuais, a mulher é vista como responsável pelo cuidado dos filhos
e atribuições domésticas; b) o acúmulo de funções resulta em uma sobrecarga de trabalho que acaba por afetar
negativamente a vida acadêmica; c) as estudantes priorizam a universidade, o trabalho doméstico e a
maternidade, em detrimento do cuidar de si mesma. Conclui-se que é preciso pensar em processos educativos
que priorizem a igualdade de gênero, ou igualdade de condições, para que as mulheres tenham as mesmas
oportunidades e não se responsabilizem por tantas jornadas, apenas por pertencerem ao gênero feminino.
Palavras-chave: Relações de gênero. Mulher. Mãe. Universitária.
Abstract
The study aimed to investigate the discourse of university students who are mothers, housewives, professionals
and students, having as a research problem the question of how they deal with their multiple journeys and
whether so many assignments interfere with the development of their academic activities. For that, a survey
was carried out with four students of the Pedagogy course, through the recording of individualized interviews.
The results indicate that: a) even today, women are seen as responsible for the care of children and household
duties; b) the accumulation of functions results in an overload of work that ends up negatively affecting
academic life; c) the students prioritize the university, domestic work and motherhood, to the detriment of
taking care of themselves. It is concluded that it is necessary to think about educational processes that prioritize
1
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2
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Josiane Peres Gonçalves, Júlia Cunha Barboza
gender equality, or equality of conditions, so that women have the same opportunities and are not responsible
for so many journeys, just because they belong to the female gender.
Keywords: Gender Relations. Woman. Mom. Student.
Resumen
El estudio tuvo como objetivo investigar el discurso de estudiantes universitarias madres, amas de casa,
profesionales y estudiantes, teniendo como problema de investigación la cuestión de cómo ellas afrontan sus
múltiples trayectos y si tantos encargos interfieren en el desarrollo de sus actividades académicas. Para ello, se
realizó una encuesta a cuatro estudiantes de la carrera de Pedagogía, a través de la grabación de entrevistas
individualizadas. Los resultados indican que: a) aún hoy, las mujeres son vistas como responsables del cuidado
de los hijos y de las tareas del hogar; b) la acumulación de funciones resulta en una sobrecarga de trabajo que
termina afectando negativamente la vida académica; c) las estudiantes priorizan la universidad, el trabajo
doméstico y la maternidad, en detrimento del cuidado de sí mismas. Se concluye que es necesario pensar en
procesos educativos que prioricen la igualdad de género, o igualdad de condiciones, para que las mujeres
tengan las mismas oportunidades y no sean responsables de tantos viajes, solo por pertenecer al género
femenino.
Palabras clave: Relaciones de gênero. Mujeres. Madre. Estudiante universitaria.
Introdução
Este estudo tem como tema o processo de construção da educação feminina e dos estereótipos
que definem o ser feminino, pensando como isto afeta e é percebido pelas mulheres mães que estão na
universidade e de que maneira estas relacionam sua posição enquanto mulheres e como educam seus
filhos pensando nas relações de gênero.
Além disso, buscamos pensar de que maneira as múltiplas jornadas de trabalho afetam as vidas
de mulheres que são mães, trabalham fora, estudam e são responsáveis pelo lar, e se tais atribuições
afetam a vida dessas mulheres, principalmente em seus estudos.
Outro fator considerado no contexto brasileiro refere-se ao modelo e organização da educação
feminina, pensando na posição das mulheres na sociedade, a fim de refletir de que forma a educação foi
direcionada para elas e como essa educação afeta os papéis e funções atribuídas ao sexo feminino.
Nessa direção, buscamos esclarecer como foi construído no processo histórico e sociocultural o
papel do feminino, e de que forma este é perpetuado, reproduzido, legitimado, remodelado com o
passar do tempo, ainda priorizando a vida das mulheres ao espaço privado, de maneira que se
apresente enquanto um marcador social, onde há implicações distintas para homens e mulheres.
Desta maneira, a problemática aqui apresentada resulta em percebermos que as mulheres mães
universitárias têm uma trajetória mais complexa e com obstáculos a partir do gênero a que pertencem,
pois historicamente foi construído que as mulheres seriam as principais responsáveis pelo lar e a
maternidade, o que as caracterizaram enquanto ser e acarreta uma sobrecarga de funções (BEAUVOIR,
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 796-812, set./dez. 2022
Josiane Peres Gonçalves, Júlia Cunha Barboza
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Josiane Peres Gonçalves, Júlia Cunha Barboza
necessário investigar a construção dos papéis endereçados e diferenciadores dos sexos, ou seja,
masculino e feminino, os quais determinam modos de ser, agir, estar, comportar, pensar etc.
Em vista disso, procuraremos elucidar o caráter construído e não natural dessas relações de
gênero, que aos serem percebidas podem ser ressignificadas e então atribuído um novo olhar dessas
relações entre os sujeitos em sociedade. Assim, podemos perceber como são construídas essas relações
culturalmente, quando vemos o tratamento diferenciado na educação de meninos e meninas, em que
os primeiros têm alguns privilégios, como serem privados das funções domésticas e as meninas são
cobradas para assumirem compromissos, somente por serem mulheres.
Cabe salientar que, conforme Costa e Costa (2019), quando se trata do trabalho doméstico,
predomina no Brasil a superexploração e o desprestígio social de uma função que é realizada
predominantemente por mulheres, sobretudo por aquelas que tem pouca qualificação e baixo nível de
escolaridade. Além disso, as mulheres que trabalham fora de casa, continuam sendo as principais
responsáveis pelas atividades domésticas e essa “domesticação” é aprendida desde a infância, por meio
da educação diferenciada voltada para meninas e meninos.
Esse tratamento desigual acarreta em funções, espaços, atribuições diferentes para os sexos e
implica em obstáculos na vida das mulheres, porque enquanto elas buscam atender a necessidades dos
outros, principalmente dos filhos, elas não têm as mesmas oportunidades para se desenvolverem
pessoal ou profissionalmente.
A pertinência e relevância de discutirmos e refletirmos sobre a educação das mulheres se dá no
sentido de pensarmos em como oferecer as mesmas capacidades e oportunidades para os indivíduos,
pensando em uma educação que fomente a equidade de atribuições de tarefas, incentivando as pessoas
de maneira igual em todos os aspectos sociais, profissionais, domésticos, políticos etc.
As contribuições sociais do trabalho, bem como os resultados buscam conscientizar as mulheres
pesquisadas de sua posição social e desnaturalizar o estereótipo feminino que afeta o cotidiano dessas
mulheres (BADINTER, 1985; LOURO, 1997). Além de contribuir com o campo teórico das pesquisas de
gênero por meio das vivências dessas mulheres correlacionadas com a construção histórico-social que
determina o modo de ser dos indivíduos.
O referencial teórico, norteado por autores que discutem acerca das relações de gênero,
feminino e masculino, encontra-se organizado em dois tópicos: O que define o ser mulher - uma
abordagem sobre a educação feminina; e a posição das mulheres em sociedade a partir da divisão do
espaço público e privado; conforme apresentado em seguida.
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Diante de uma realidade social construída ao longo da história, desde a infância aprendemos que
devemos ter comportamentos vistos socialmente como aceitáveis para o gênero feminino e masculino.
Apoiado nessa ideia, Bourdieu (2012, p. 18) ressalta que “[...] o mundo social constrói o corpo como
realidade sexuada e como depositório de princípio de visão sexualizante”.
A diferença biológica seria um dos fatores fundamentais para reforçar a dominação e
subordinação pelas quais homens e mulheres estão sujeitos na vida em sociedade. Segundo Bourdieu
(2012, p. 20), “[...] a diferença entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o feminino, e,
especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, podem assim ser vista como justificativa
natural da diferença socialmente construída entre os gêneros, e principalmente, da divisão do trabalho”.
As divisões do trabalho, construídas por meio da ordem social, e sendo estas relações sociais de
dominação e exploração, perpetuam-se ao longo do contexto histórico, de modo que todas as coisas do
mundo e todas as práticas seguem distinções redutíveis à oposição entre ser homem e ser mulher.
Geralmente, a exploração do trabalho doméstico ocorre por ser uma função não remunerada, em que se
espera que as mulheres o façam por “amor” ao próximo, como se fosse um ato de doação em prol de
outras pessoas. Para Federici (2018, p. 33), a exploração do “trabalho não remunerado e as relações
desiguais de poder construídas sobre a sua condição de não remuneração foram os pilares para a
organização capitalista de produção”. Também Pena (1981) ressalta que:
O trabalho doméstico está no cerne da opressão feminina e enquanto o casamento incluí-lo como
um mecanismo, através do qual serviços são prestados gratuitamente e crianças geradas e
criadas, tendo uma mulher como responsável, a opressão dessas, com ou sem propriedade, com
ou sem a alternativa de um trabalho assalariado, parece inevitável (PENA, 1981, p. 73).
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desigual. Em outras palavras, as coisas de meninos e de meninas, homens e de mulheres, podem variar
cultural e historicamente, conforme convenções elaboradas socialmente (SANTOS, 2006).
Na educação brasileira, vemos que no período colonial, as mulheres não tinham acesso à
educação, como destaca Pena (1981, p. 85):
O recenseamento mostrava também, como era de se esperar, que não somente o nível de
alfabetização era maior entre a população livre que entre a escrava, como também entre a
masculina que entre a feminina. Assim, pois neste ano foram encontrados 909 escravos
alfabetizados e 429 escravas. Quanto à população livre, aproximadamente 24% dos homens era
alfabetizada, enquanto apenas 13,4% das mulheres sabia ler e escrever.
Essas mulheres que tinham acesso à educação eram em sua grande maioria as da elite e brancas,
as quais estudavam em conventos, que era a única opção para o sexo feminino, pois não tinham escolas
específicas a não ser o estudo informal para aprender a coser, bordar, tricotar etc., relacionados à esfera
doméstica, com a intenção de se tornarem boas esposas.
Posteriormente, no início do século XX, passa a ocorrer uma transformação cultural e o
alargamento da liberdade das mulheres, havendo inclusive escolas para elas frequentarem, como
sinaliza Pena (1981, p. 85):
Com base nessas evidências, percebemos o caminho histórico da educação para as mulheres,
bem como as desigualdades existentes a partir da diferença de acesso e oportunidades de acordo com
os sexos. Assim, percebemos a posição das mulheres na sociedade brasileira no decorrer dos anos.
Por meio de um breve contexto histórico, é possível notar que a inserção feminina em sala de
aula não se dá simplesmente por “livre escolha”, mas sim devido as habilidades que são atribuídas às
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mulheres, tais como: ser mãe e dona de casa. Nesse cenário, desde os primeiros registros históricos, a
mulher tem seu papel definido na sociedade.
Dessa forma, entendemos que foram construídas, a partir do processo histórico-cultural, as
desigualdades existentes entre os sexos e podemos então pensar em como isto implica no lugar social
do feminino, na diferença de oportunidades, de distribuição do poder, dos recursos, das limitações, do
estereótipo criado que taxa, molda, regula, institui, delimita o horizonte de alcance das mulheres a partir
de uma hierarquia desigual.
A divisão dos espaços públicos e privados determinou, a partir de um sistema patriarcal, que as
mulheres seriam restritas ao espaço doméstico e caracterizadas por ele enquanto mães, doces,
emotivas, passivas, submissas. Já os homens seriam os detentores naturais do poder e dos espaços
públicos, pois seriam racionais e autoritários. Nesse sentido, Pena (1981) salienta que:
O capitalismo não gerou o patriarcalismo, mas ele o utiliza e reforça, fazendo-o parte de sua
própria dinâmica. O contrato de casamento que é o mesmo para todos os grupos sociais
(independentemente de propriedade) assegura a dependência da mulher em relação ao homem;
o Estado controla a participação feminina no mundo do trabalho coletivo, em nome dos
interesses da família, reforça a divisão sexual do trabalho e reafirma o papel doméstico e materno
da mulher (PENA, 1981, p. 71).
Essa dinâmica configura a disposição da ordem das coisas e das relações, bem como a
distribuição do poder, perpassando todas as instituições sociais e espaços, acarretando uma posição
inferior para as mulheres neste sistema hierárquico, enquanto submissas aos homens, afastadas dos
postos de poder.
As mulheres ainda são visualizadas como um ‘’objeto’’ e não se mais pode perdurar esse tipo de
visão, tendo em vista que elas têm conquistado o espaço público, mas ainda são maioria no campo da
educação, formadas e com qualidades para ocuparem todos os espaços sociais. Esta situação é
reproduzida com base no enclausuro da mulher ao espaço doméstico, enquanto principal reprodutora
das relações neste meio.
O trabalho doméstico distingue-se dos outros trabalhos uma sociedade por ser auto-definido,
auto-controlado e por ser privado, confundindo-se com o papel da mulher na família. A casa é o
lugar do trabalho; suas fronteiras são as fronteiras da família. Embora seja parte do capitalismo,
seu desempenho ocorre fora das relações capitalistas de produção. Produtos como roupa lavada,
participação em reuniões escolares para avaliação do desempenho de filhos/as, comida etc. não
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são produzidos para o mercado e não são intercambiáveis, senão, talvez, por status de
reconhecimento social. De fato, são produzidos para satisfazer necessidades diretas de quem o
produz e de sua família (PENA, 1981, p. 73).
O que a autora destaca é sobre o status inferior que o trabalho doméstico tem enquanto não
trabalho, por não gerar acúmulo de capital. Porém, há um dispêndio de força, energia e tempo
necessários para a manutenção deste, além de que é fundamental enquanto base para o suporte da
família e dos homens, para estarem no mercado de trabalho, enquanto elas mantêm os lares.
As mulheres buscam seu espaço e esta é uma atividade política, visando a obtenção de direitos e
igualdade social. A reivindicação de seus direitos é um dever social e a mulher não deve abdicar dessa
participação que lhe compete, do contrário, a vida participativa inexiste e tem um caráter monótono,
levando-a a ficar sem sentido a própria existência.
Durante anos as mulheres buscaram um lugar participativo em sociedade, como é o caso da luta
pelo direito ao voto, ocorrida nas primeiras décadas do século XX, em que as mulheres, que se tornaram
conhecidas como as sufragistas, reivindicavam o direito ao voto e, por conseguinte, o direito a igualdade
política (FELGUEIRAS 2017). Além disso, a inserção da mulher em grandes cargos, e até mesmo na
docência como profissão, apresenta problematizações acerca das conquistas realizadas pelas mulheres
no decorrer da história, além de elas terem sido apagadas do contexto histórico e social.
Como contextualiza Almeida (1996, p. 76), a mulher, estabelece o senso comum, deveria cumprir
seus afazeres de mãe e dona de casa, ou seja, “[...] reproduzir e dar homens fortes para a nação”. Por
muitos anos as mulheres eram vistas apenas como reprodutoras responsáveis por afazeres domésticos e
subalternos.
O estudo da construção do papel das mulheres em sociedade é um objeto investigativo que tem
em vista à importância da valorização das mulheres como profissionais, deixando de lado a visão
estereotipada da mulher, como ser frágil que está apta ao cuidar, e não ao ensinar, sendo vista também
como o sexo dominado e inferior da sociedade (ALMEIDA, 1996).
A partir da revolução industrial, a mulher passou a ocupar o mercado de trabalho em maior
concentração, atuando nos espaços públicos, em busca de melhores condições de sobrevivência e
melhores oportunidades. Desta maneira, houve um avanço quando a mulher passou a frequentar os
espaços públicos, porém ela continuou sendo a principal responsável pelos cuidados do lar e da família,
acumulando uma dupla jornada. Elas saíram de casa para trabalhar, mas os homens não dividiram as
tarefas domésticas de forma igualitária, acarretando maiores atribuições para as mulheres. Tal fato é
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reflexo de uma sociedade patriarcal e machista. As mulheres tiveram de se dividir entre tarefas de
reprodução e de produção (COMIN, 2017).
A construção do papel da mulher em sociedade organizou as relações de gênero historicamente e
culturalmente, oprimindo e delimitando as atuações femininas. A mulher, ao nascer, já é condicionada a
um estereótipo de conduta e aparência, sendo vítima das imposições de uma cultura sustentada pela
reprodução desses papéis. Essa construção social se dá por meio de vários acontecimentos no decorrer
da vida feminina, os quais são incorporados a ponto de determinar as atividades, ocupações sociais e
funções, fato este que não costuma ocorrer com as mesmas proporções para o gênero oposto.
Segundo Oliveira (2016), é bastante clara a diferença entre o gênero feminino e masculino nos
mais variados aspectos, desde o estereótipo de estética até as condutas. Neste sentido, destacamos a
importância da conscientização das mulheres enquanto ser social, dotado das mesmas capacidades que
os homens, para que a sociedade seja mais justa e igualitária, no que diz respeito às relações entre os
gêneros feminino e masculino.
Metodologia
Para realização deste estudo, além da pesquisa bibliográfica, foi realizada também uma pesquisa
de campo, de natureza qualitativa, com estudantes do curso de Pedagogia do Campus de Naviraí da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (CPNV/UFMS). Para melhor compreender o estudo
realizado, segue a descrição de cada uma das etapas que foram desenvolvidas.
Primeiramente foi realizado um levantamento de referenciais bibliográficos para realização de
estudos que nortearam a fundamentação teórica desta pesquisa, estes materiais foram selecionados de
acordo com as abordagens direcionadas ao tema da pesquisa, bem como a metodologia que foi
utilizada. A revisão bibliográfica, acerca dos temas acima mencionados, baseou-se nos estudos de: Pena
(1981), Bourdieu (2012), Del Priore (2006), Santos (2006), Beltrame e Dornelli (2012), Oliveira (2016) e
Comin (2017).
Posteriormente, foram escolhidas as quatro participantes da pesquisa, as quais residiam no
município de Naviraí MS e cursavam Pedagogia no CPNV/UFMS. Todas atendiam a alguns critérios
previamente estabelecidos, ou seja: as estudantes eram mães, trabalhavam fora, cuidavam da casa e
cursavam graduação no período noturno. Todas desempenhavam diversas funções sociais,
simultaneamente, a fim de atingir o objetivo de concluir um curso superior.
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Josiane Peres Gonçalves, Júlia Cunha Barboza
Resultados e discussões
M.1 - Quando eu comecei a faculdade, chegava sexta-feira a noite e eu sabia que no sábado a
gente ia ter aula. Eu chegava na sexta-feira entre dez a dez e meia da noite e eu ainda ia lavar
minha roupa. Até duas a três horas da manhã eu ficava lavando roupa, para sábado eu poder
dormir um pouquinho a mais, porque a tarde eu teria aula. Então para mim nunca foi penoso
assim, mas trabalhoso é sim, têm muitas dificuldades sim, mas isso nunca foi um motivo para eu
pensar em desistir.
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M.2 - Ah, é muito difícil, quem tem criança ou filho é muito difícil mesmo, é uma correria
tremenda. Então a gente tenta dividir as tarefas, mas ainda assim é uma correria muito grande.
M.3 - É triste né (risos), se eu não tivesse a ajuda do meu marido, eu já teria desistido.
M.4 – O serviço de casa é só no final de semana. Já trabalhar fora..., como o meu serviço é mais
tranquilo, eu consigo conciliar com as coisas da Universidade. Algumas coisas da faculdade eu
consigo fazer no trabalho, quando não é período de safra né, porque nesse período [de safra] eu
não consigo fazer nada. Mas durante todo o curso eu consegui conciliar bem e eu não peguei
nenhuma DP.
M.4 A maternidade implicou na verdade na minha vida, ou talvez um começo, porque parece que
antes eu não tinha começado nada e quando comecei a faculdade, meu filho tinha dois meses e
ele foi o motivo de eu ter entrado na universidade, para tentar dar um futuro melhor para ele.
Historicamente a mulher vem ganhando cada vez mais espaço no meio em que vive, ela se
destaca em todas as atividades a que se propõe realizar, está sempre disposta a enfrentar obstáculos,
sejam eles quais forem, e essa atitude o que mais encanta e faz das mulheres seres fortes e merecedoras
de suas vitórias (DEL PRIORE, 2006; COMIN, 2017).
Com as respostas obtidas por meio do relato das participantes da pesquisa podemos considerar
que, pelo menos na realidade em que essas mulheres se encontram, elas conseguem lidar muito bem
com suas diversas atribuições. Elas enfrentam dificuldades, mas não desistem e, apesar do cansaço,
parece que essas múltiplas funções não têm afetado a vida acadêmica. Tal fato, contudo, nem sempre
ocorre com todas as mulheres que tentam conciliar as diversas atividades e muitas acabam
abandonando a educação superior para dedicar-se à sua família e trabalho. Um estudo realizado por
Gonçalves e Ternovoe (2017), com cinco mulheres que cursavam o ensino superior e exerciam inúmeras
funções sociais simultaneamente, evidenciou que se fosse para desistir de alguma das atribuições, a
maioria desistiria da universidade, porque precisavam trabalhar fora de casa e enquanto continuavam a
ser mães e donas de casa.
No referido estudo, o motivo pelo qual as estudantes resolveram ingressar na universidade foi
para tentar garantir um futuro melhor para os filhos, logo, elas não buscavam “[...] a realização somente
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para benefício próprio, mas, principalmente, para garantir o conforto de sua família” (GONÇALVES;
TERNOVOE, 2017, p. 117). De forma semelhante, as entrevistadas M.2 e M.4 também apontam essa
preocupação e talvez seja essa a principal causa para que se sintam motivadas a continuar com os
estudos, apesar das múltiplas funções que precisam desempenhar ao mesmo tempo.
O fato de as quatro mulheres serem mães e sair para estudar à noite, demonstra que elas
superaram alguns estereótipos sociais associados à maternidade. Para Beltrame e Dornelli (2012),
historicamente foi exigido da mulher que, ao se tornar mãe, deveria deixar de ter sua vida fora do lar,
para se dedicar somente aos cuidados da casa e tarefas domésticas.
As participantes M.2 e M.4 também comentaram sobre a dificuldade em conciliar todas as
atividades que lhes são atribuídas, mas que se organizam para evitar uma reprovação na faculdade. “A
tripla jornada dificulta muito mais a situação. Nunca cheguei a reprovar, mas muitas vezes cheguei a ter
o limite de faltas, pois não consigo deixar meu filho doente e ir assistir uma aula. Eu prefiro ficar perto
dele, então acredito que o maior desafio é esse” (M.2). Corroborando com tais ideias, a M.4 argumenta:
Eu nunca reprovei no ensino regular, nem na faculdade não tenho DP, com a glória de Deus, pelo
menos não ainda. Assim, cada função que o desempenho exige bastante de mim, né, minha casa,
meu filho, a faculdade, o meu serviço e sempre deixo uma coisa ou outra deixando a desejar e aí
acaba assim: é trabalho entregue em cima de hora, feita as coisas mesmo correndo, sabe? Mas
eu acho que é assim desde que eu me entendo por gente (M.4).
Ambas as participantes também comentaram que tiveram muitas privações depois que entraram
na universidade. “É um caminho muito difícil, tem que abrir mão de muitas coisas e estar
completamente decidida, mas principalmente ter apoio, porque caso contrário eu não conseguiria.
Acabei me afastando de algumas pessoas, de amigos e cuidar de mim sempre fica por último” (M.2). A
M.4 também menciona as privações e conflitos vivenciados, que muitas vezes resultam em choro, por
não conseguir atender a todas as exigências a ela atribuídas.
Olha, já chegou a hora s=de eu sentar e abrir a boca chorar por não consegui terminar algumas
coisas e outras não ficaram tão bem, principalmente na época do TCC. Essas coisas assim são bem
complicadas. Tipo, eu vejo todas as meninas da minha idade com unha bem-feita, mesmo que
sejam mães né, mas eu não tenho esse tempo. Então eu sempre fui assim: se eu tiver que
escolher entre lavar o cabelo e dormir, eu vou dormir, porque eu preciso descansar. Então se for
para eu escolher entre sentar e comer uma pipoca, assistir filme ou pintar minha unha, vou
comer pipoca e assistir filme, eu deixo de pintar a unha (M.4).
É possível perceber que, para tentar conciliar as múltiplas tarefas, as estudantes enfrentam
dificuldades e, mesmo que façam o seu melhor e se dediquem aos estudos e demais compromissos,
parece que sempre fica algo por fazer. Tal fato fica evidente no relato da M.4 que considera não
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conseguir ser mãe, mulher, trabalhar e estudar ao mesmo tempo, resultando muitas vezes em tristeza e
choro, ao ver outras mulheres de sua idade se preocupando com algumas vaidades e ela sequer ter um
tempo para cuidar de si mesma.
Percebemos que há relação nas respostas da M.2 e da M.4, no que se refere às dificuldades para
cuidar de si próprias: ambas mencionam que é difícil conciliar todas as tarefas e acabam por escolher o
que acreditam que lhes trarão maiores benefícios. Consequentemente, deixam de lado outras
necessidades, a vaidade, os amigos e a vida social. Conforme Ávila e Portes (2012), a mulher tem esse
papel de abdicar de suas vontades desde a antiguidade e esta postura foi historicamente construída,
dificultando muitas vezes sua realização pessoal e profissional, como se ambas não pudessem ocorrer
simultaneamente.
As quatro participantes da pesquisa foram indagadas acerca do seu processo educativo no que
tange às diferenças entre homens e mulheres, se elas sentiram essa diferenciação em sua criação. Elas
reconhecem que os meninos tinham privilégios que elas não tinham, por pertencerem ao gênero
feminino.
M.1 - Eu enquanto criança, e designada como mulher, eu tinha a obrigação de lavar, passar,
cozinhar, organizar a comida, levar na roça e servir as pessoas que estavam trabalhando. Em casa
era a mesma coisa. Eu me lembro quando jovem, adolescente, eu já tinha que cozinhar, colocar a
mesa e servir a comida do meu pai no prato e se ele achasse que não estava bom, excomungava.
[...] Já os meninos tinham total liberdade de ir e vir quando queriam, em qualquer lugar. Ele
podiam estudar o que quisesse, eles tinham amigos e eu não tinha amigos e nem amigas, porque
nós não tínhamos tempo, porque as meninas que moravam perto por ali, também trabalhavam e
estudavam e na época não tinha celular. Então, não tinha como ter vínculos e não tinha como ter
contato com outras pessoas, por conta de ser mulher, porque eu mesma tinha a tarefa de cuidar
da casa e cuidar dos irmãos. Essa era nossa obrigação, os rapazes não.
M.2 Eu me lembro de que os meninos não faziam nada de trabalhos domésticos, eles sempre
podiam sair e a menina não porque sempre tinha que ficar cuidando do irmão mais novo e limpar
a casa.
M.3 - Bom, na minha família somos somente duas irmãs. Eu sempre vivi longe de parentes. Não
sei dizer o porquê, mas desde pequena convivo só com mulheres.
M4 - Por parte da minha mãe não havia diferença, a minha mãe sempre me ensinou que tanto
mulher quanto homem tem obrigações domésticas, têm que estudar, têm que trabalhar fora, têm
que cuidar da casa, ter responsabilidade com os filhos. Mas não foi assim na prática, a minha mãe
tentou ensinar, mas não foi assim que aconteceu. Por exemplo, eu e meu irmão não gostamos do
serviço de casa, eu faço porque eu sou obrigada, porque eu moro sozinha, não tem quem que faz,
mas eu prefiro trabalhar fora, se eu tivesse condições, eu pagaria uma pessoa para fazer o meu
serviço. O meu irmão, hoje ele tem 18 anos, mora com meus pais e ele não faz nada em casa, só
que na cabeça do meu pai, hoje ele tem que ajudar, entendeu? Mas antes meu pai não queria
que ele ajudasse [nas tarefas domésticas] porque ele é homem. Na questão de sair, por exemplo,
a primeira vez que eu saí de casa para uma festa eu já tinha 18 anos eu já era casada, já o meu
irmão sai desde, sei lá, 15 anos, ele dorme fora, passa a noite fora e está tudo bem. Ele não
trabalha, então os meus pais bancam a festa dele ainda por cima.
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Algumas participantes da pesquisa também comentaram sobre a educação dos filhos, de estar
mais baseada na maior igualdade entre as relações de gênero, como pode ser visto nos seguintes
relatos:
M.2 - Eu procuro passar ao meu filho a questão da igualdade de direitos e deveres, para ambos
os sexos, porque acredito que isso é fundamental e importante para formação de todo cidadão.
As vezes ele diz que tem coisa que mulher não pode e eu tento explicar a ele que isso não é
verdade.
M.3 - [...] minha mãe, eu lembro disso, minha mãe nunca queria que eu ficasse perto dos
meninos, falava que não, que era coisa de menino, se vai jogar futebol, dizia que eu não podia
estar no meio deles, então eu cresci dessa forma. Agora em questão de serviço doméstico, desde
os 10 anos a minha mãe sempre incentivou a gente a fazer, falava que a gente tinha que ajudar
dentro de casa também, só que até então é isso aí. Eu acho que é válido para os dois, tanto para
mulher, quanto para o homem e que isso tem que ter passado pelos pais, tem que passar isso
para os filhos, né. Mas geralmente não acontece, porque a mulher é a mais cobrada, falo isso no
caso da minha família, que sempre foi assim.
M.4 – Eu acredito que os direitos são iguais, então assim, eu levo muito para esse lado, o meu
irmão podia tudo e eu não podia nada, eu levo para esse lado que o meu filho ele pode fazer o
que é certo, o que for errado ele não vai fazer, independentemente se ele é homem ou mulher,
ou independentemente do que ele vai ser quando crescer. Ele vai ajudar a fazer o serviço de casa,
assim como ele me ajuda recolher roupa, ou enquanto recolho roupa ele guarda os prendedores.
Ao longo de décadas a mulher foi vista como a única responsável pelas atividades domésticas,
aquela que tem por obrigação cuidar do lar, se dedicar à limpeza, alimentação e tudo o que for
necessário, enquanto os homens, que são os seres provedores, trabalham fora e esses costumes foram
transmitidos de geração em geração (DEL PRIORE, 2006). No entanto, com o passar dos anos, a realidade
começou a ser modificada, mas isso, se for considerar a idade das participantes, ainda é algo muito
recente, visto que algumas responderam que faziam serviços domésticos e os meninos não. Lembrando
que a participante mais velha era a M.1 que tinha 32 anos, ou seja, continua predominando em nossa
sociedade o costume de atribuir somente ao gênero feminino inúmeras responsabilidades, enquanto o
gênero masculino tem diversos privilégios sociais que as mulheres não têm. Assim, entendemos há
muito ainda a avançar na sociedade, no que diz respeito a criação das mulheres, porque muitas vezes
acaba-se por reproduzir o que foi historicamente construído, simplesmente por uma ideia equivocada e
ultrapassada de que esse é o melhor caminho.
No que diz respeito a educação que as participantes da pesquisa procuram passar a seus filhos,
podemos observar que as respostas são bem parecidas, elas mencionam que tentam ensinar a igualdade
de gênero, a importância do respeito e tal atitude é muito importante, tanto para as mães que exercem
esse papel de ensinar, quanto para os filhos que recebem essa forma de educação. Entendemos que é
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necessário que as novas gerações compreendam que todos devem ter os mesmos direitos,
independentemente se são pessoas do gênero feminino ou masculino.
Neste sentido com os pressupostos de Beltrame e Donelli (2012), de que a igualdade de gênero
deve ser ensinada desde o início da educação dos filhos e que não deve haver diferenças, uma vez que
meninas e meninos devem e merecem ter as mesmas oportunidades de conhecimento, que serão
importantes para o seu crescimento como ser humano.
Considerações finais
Diante da pesquisa realizada, que buscou averiguar o que dizem as universitárias que são mães,
donas de casa, profissionais e estudantes, acerca de suas múltiplas jornadas e se tantas atribuições
interferem no desenvolvimento de suas atividades acadêmicas, podemos inferir que a desigualdade
entre os papéis atribuídos socialmente às mulheres afeta suas vidas pessoal, profissional e acadêmica.
Atualmente, apesar das conquistas femininas, principalmente na área da educação e no mundo do
trabalho, as mulheres continuam sendo vistas como as principais responsáveis pelo cuidado dos filhos e
atribuições domésticas.
No caso de estudantes universitárias que são mães, observamos que a maternidade é o principal
incentivo para darem continuidade aos estudos, por se preocuparem com o futuro dos seus filhos,
justificando assim o acúmulo de atividades ou de suas múltiplas jornadas desempenhadas
simultaneamente. Porém, esse acúmulo de funções resulta em uma sobrecarga de trabalho que acaba
por afetar negativamente a vida acadêmica, visto que algumas preferem dar atenção aos filhos e
consequentemente faltam na universidade e tiram notas baixas.
Entre as participantes da pesquisa, percebemos que elas priorizam as atividades da maternidade,
o serviço doméstico e as atividades universitárias, em detrimento do cuidar de si mesma, justamente
por não terem condições de assumirem suas múltiplas jornadas e ainda cuidar de suas necessidades
individuais. Trata-se de mulheres que cuidam e se preocupam com os outros e deixam o cuidado de si
para um segundo plano, assim como acontece com inúmeras mulheres brasileiras.
Quanto à educação que as participantes da pesquisa tiveram durante a infância, elas reconhecem
que foram educadas de forma diferente dos homens, por assumirem atribuições sociais somente por
pertencerem ao gênero feminino. Assim, os meninos da família foram privados de alguns trabalhos,
principalmente domésticos, enquanto as meninas tiveram que assumir porque eram mulheres. Contudo,
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essas mesmas mulheres disseram que procuram educar os filhos visando a construção das relações de
gênero mais igualitárias.
Entendemos que para ter uma sociedade mais justa, precisamos refletir sobre nossas práticas,
discursos e o impacto que estes causam na vida dos indivíduos, a fim de entender o porquê de certas
ações de diferenciação de oportunidades que resultam em desigualdades de condições para o gênero
feminino.
Assim, destacamos que é necessário pensar em processos educativos que priorizem a igualdade
de gênero, ou igualdade de condições, para que a mulher seja livre para fazer suas escolhas e ser o que
ela quiser, tendo as mesmas oportunidades e não se responsabilizando por tantas jornadas, apenas por
pertencer ao gênero feminino.
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Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 796-812, set./dez. 2022
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Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 796-812, set./dez. 2022
ISSN 1984-5499
Esther Mendes 1
Graduada em Licenciatura em Educação Física da Associação Caruaruense de Ensino Superior - ASCES-UNITA,
Caruaru/PE, Brasil
Ana Paula Figueirôa 2
Professora Doutora da Associação Caruaruense de Ensino Superior - ASCES-UNITA, Caruaru/PE, Brasil
Eddir Gabriel José da Silva 3
Graduado em Licenciatura em Educação Física da Associação Caruaruense de Ensino Superior - ASCES-UNITA,
Caruaru/PE, Brasil
Roberta de Granville Barboza4
Professora Doutora da Associação Caruaruense de Ensino Superior - ASCES-UNITA, Caruaru/PE, Brasil e
Escola Superior de Educação Física - ESEF/UPE.
Resumo
Esta pesquisa objetivou investigar a memória social e educacional das mulheres que nomeiam as escolas da
rede municipal de Caruaru, compreendendo os processos e as relações de poder presentes nas escolhas dos
nomes dessas escolas. Com abordagem qualitativa, de caráter exploratório, usou fontes documentais para a
coleta de dados e a técnica de análise de conteúdo de Laurence Bardin. Além de embasamentos teóricos em
autores como Bosi (2010), Bergson (1999) e Halbwachs (1990) tratando sobre o fenômeno da memória
individual e social; Freire (2011), Almeida (2007), Mato e Borelli (2013) e Figueirôa (2018) discorrendo sobre a
educação das mulheres e Louro (2008), Rago (1997) e Auad (2006) discutindo a construção da figura menina na
sociedade. Os resultados evidenciaram que os processos de nomeação ocorreram, de maneira geral, por essas
mulheres prestarem um serviço à comunidade local, como a doação de terrenos para a construção das escolas e
se destacarem por sua relevância no exercício da docência.
1 [email protected]
2 [email protected]
3 [email protected]
4 [email protected]
Esther Mendes, Ana Paula Figueirôa, Eddir Gabriel José da Silva, Roberta de Granville Barboza
Resumen
Esta investigación tuvo como objetivo investigar la memoria social y educativa de las mujeres que nombran
escuelas en la red municipal de Caruaru, comprendiendo los procesos y las relaciones de poder presentes en la
elección de nombres para esas escuelas. Con un enfoque cualitativo, exploratorio, utilizó fuentes documentales
para la recolección de datos y la técnica de análisis de contenido de Laurence Bardin. Además de fundamentos
teóricos en autores como Bosi (2010), Bergson (1999) y Halbwachs (1990) que tratan el fenómeno de la
memoria individual y social; Freire (2011), Almeida (2007), Mato y Borelli (2013) y Figueirôa (2018) sobre la
educación de las mujeres; y Louro (2008), Rago (1997) y Auad (2006) discutiendo la construcción de la figura de
la niña en la sociedad. Los resultados mostraron que los procesos de nominación se dieron, en general, porque
estas mujeres prestan un servicio a la comunidad local, como la donación de terrenos para la construcción de
escuelas y se destacan por su relevancia en el ejercicio de la docencia.
Palabras clave: Identidad del maestro. Mujer. Memoria.
Introdução
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 813-831, set./dez. 2022
Esther Mendes, Ana Paula Figueirôa, Eddir Gabriel José da Silva, Roberta de Granville Barboza
Outro autor que traz contribuições relevantes na discussão sobre memória é o sociólogo,
Halbwachs (1990), que compreende os fenômenos da memória, percepção e consciência, submetidos às
relações que os indivíduos estabelecem com as diferentes organizações da sociedade, como família,
classes sociais e instituições religiosas. Há, segundo sua teoria, um predomínio do social sobre o
individual, uma memória coletiva. Um exemplo disso seriam as lembranças dos idosos. Bosi (2010)
comenta que as pessoas velhas são os “guardiões das tradições”, eles já atravessaram um determinado
tipo de sociedade com características marcantes e reconhecíveis, panoramas de referências familiares e
culturais, eles são, portanto, a memória da família, do grupo, da instituição e da sociedade.
Com linhas de pensamento semelhantes às de Halbwachs (1990), o psicólogo, Bartlett (1932),
um dos clássicos sobre a construção social da memória, ao discorrer sobre memória social considera que
as recordações são tratadas do ponto de vista ideológico do grupo onde um indivíduo está inserido,
seria, pois, um elo entre o fato da lembrança e valor atribuído a ela pela pessoa que lembra.
Além disso, ele também distingue a matéria e o modo da recordação, sendo, respectivamente, o
que se lembra (relacionado ao interesse social da lembrança para o sujeito) e como se lembra (a
personalidade e temperamento do recordador). Stern (1957), semelhantemente a Bergson (2011),
admite que as percepções de um sujeito podem estar ocultas na consciência até que por algum motivo
se manifestem. Para esse estudioso, as imagens do passado podem ser conservadas intactas, mas não
inalteráveis pelo indivíduo, que pode modificá-las de acordo com os valores que ele possui atualmente.
Bosi (2010), por outro lado, se detém a falar de memórias na velhice, não somente no sentido de
colhê-las, mas de dar-lhes “existência”. Bosi (2010, p. 18), enxerga os idosos como “[...] fonte de onde
jorra a essência da cultura [...]”, com uma função social significativa que lhe é atribuída: a de lembrar.
Traçar pontes entre o passado e o futuro. Enquanto adultos ocupam-se com os afazeres cotidianos da
sua idade, as crianças ao sentar-se aos pés dos seus avós e ouvir suas lembranças têm a oportunidade
de penetrar nos acontecimentos que as antecederam.
Por isso, a memória está intrinsecamente atrelada aos contextos sociais, às histórias vividas e aos
significados que lhe são atribuídos, pois:
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 813-831, set./dez. 2022
Esther Mendes, Ana Paula Figueirôa, Eddir Gabriel José da Silva, Roberta de Granville Barboza
[...] nos mostra que o modo de lembrar é individual, tanto quanto é social: o grupo transmite,
retém e reforça as lembranças, mas o recordador, ao trabalhá-las vai paulatinamente
individualizando a memória comunitária, e no que lembra e no como lembra, faz com que fique o
que signifique (BOSI, 2010, p. 31).
Sendo assim, a lembrança é desenvolvida num contexto social e é fruto das relações por este
estabelecida, na medida em que se constroem ideias, sentimentos e valores em torno de um grupo de
indivíduos. No entanto, essa reconstrução é realizada sobre o pano de fundo das experiências atuais e
não se limita à mera reprodução de um passado vivido, em outras palavras, quando se pensa no
passado esse tempo histórico envolve também os pontos de vista do historiador, suas concepções e
circunstâncias passadas e presentes.
Refletindo à memória atrelada aos idosos, Bosi (2010) descreve-a como uma “categoria social”,
isso porque cada sociedade tem à sua maneira de tratá-la, e, quando o idoso já não é mais uma força
produtiva, ele é afastado para ceder seu lugar na sociedade aos mais jovens, resta-lhe então a
marginalização, a substituição do antigo pelo mais novo, as exigências que lhe são imputadas, a
dependência e o abandono. A autora escreve que “[...] a sociedade rejeita o velho, não oferece
sobrevivência à sua obra.” (BOSI, 2010, p. 77). Sendo assim, a autora defende que o ser idoso em nossa
sociedade é uma luta contínua contra os mecanismos opressivos, sejam estes institucionais,
psicológicos, técnicos ou científicos, que gradualmente impedem a lembrança e restringem os velhos à
repetição e à monotonia.
Para essa autora a situação do idoso em nossa sociedade foi elevada à condição de oprimida,
excluída e desconsiderada. Esta é, pois, um ato de sobrevivência, uma antítese marcada pelo corpo que
vai se desvanecendo à medida que a memória ganha traços cada vez mais límpidos e vivos. A memória
é, portanto, uma função social para a qual os idosos são colocados a cumprir, é nas lembranças que o
idoso enxerga os desafios que passou em épocas passadas, mostrando sua competência e trazendo
finalidade à sua existência. Suas lembranças puxam outras lembranças que são como fragmentos entre
tantas memórias e momentos, emoções, circunstâncias outrora vividas. É, portanto, para Bosi (2010),
que através das memórias dos idosos que podemos ter acesso a um mundo que não vivemos, onde sua
conversa é uma experiência profunda numa sociedade em que perdeu a arte de trocar experiências.
Diante disso, intencionou-se conhecer a história e trazer à tona a memória social das mulheres
que dão nome às escolas da rede municipal de Caruaru-PE. Nesse sentido, a memória da escolarização
dos nomes dessas mulheres, é trazer o passado, seja ele do tempo presente ou um passado mais
distante, como nos diz Bloch (1941, p. 44) “[...] a história não só deve permitir compreender o ‘presente
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Esther Mendes, Ana Paula Figueirôa, Eddir Gabriel José da Silva, Roberta de Granville Barboza
pelo passado’- atitude tradicional – mas também compreender ‘o passado pelo presente [...]”. Avivar a
memória dessas mulheres é fundamental no sentido do reconhecimento de suas identidades no
contexto da comunidade em que elas construíram suas histórias de vida, e assim compreender, no
tempo presente, as relações de poder estabelecidas na nomeação dessas escolas. Blackburn (1997, p.
301) define poder como “[...] a capacidade de este conseguir algo, quer seja por direito, por controle ou
por influência. O poder é a capacidade de se mobilizar forças econômicas, sociais ou políticas para obter
certo resultado [...]”. As relações de poder, a cultura local e os preceitos de determinada sociedade
induzem a regulamentação e influenciam a escolha da formação. Sabe-se que no plano educacional as
mulheres começaram a conquistar seu espaço inicialmente no magistério primário. É sob essa condição
que elas buscavam sua inserção social fora dos espaços domésticos, estabelecendo indícios de
reconhecimento do seu lugar na sociedade.
O século XIX foi o cenário que marcou a mobilização das mulheres por ocupação do espaço
público, numa sociedade onde o seu ofício era a dedicação ao matrimônio e a maternidade, trazendo-
lhe o entendimento de “bela, recatada e do lar”, e, para o gênero masculino “homem não chora”, e
tantos outros exemplos dicotômicos regados de conceitos e preconceitos, onde para Souza e Mourão
(2011, p. 41), “[...] o conjunto de posições fixadas na sociedade brasileira acerca do papel social
designado para as mulheres – ligado ao comportamento de passividade, submissão e exigência de
padrões de beleza e feminilidade”.
Com a criação das Escolas Normais foi possível para elas o desenvolvimento de sua formação
profissional. Essas escolas foram criadas no Brasil no final do século XIX com o objetivo de formar
educadores para as primeiras letras, embora iniciou-se como espaço de educação estritamente
masculino, com o passar do tempo as mulheres também tiveram seu acesso às Escolas Normais (LIRA;
MESQUITA; SILVA, 2015). Com essas mudanças vieram também as discussões sobre o trabalho da
mulher fora do lar e os possíveis danos que isso acarretaria ao seio familiar. Por outro lado, os que
defendiam a participação da mulher no magistério argumentavam com a ideia de haver uma relação
entre a atividade docente e o cuidado com a família, tendo a perspectiva de que essa profissionalização
também servia para educação dos filhos, dos bons costumes e da organização do lar (FIGUEIRÔA, 2018).
Freire (2011) argumenta que pelo fato das mulheres se direcionarem às ocupações que, segundo
a sociedade, fossem as mais adequadas a elas, o magistério se estabeleceu como uma profissão
feminina. Aos poucos, a admissão de uma passagem de dona de casa, formada para a educação dos
filhos, passa para a condição de formadora, o que era considerado como uma “evolução dos tempos”,
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[...] A emergência dessa nova mulher, necessariamente, deveria vir acompanhada de uma
educação adequada que a preparasse para os cuidados com o lar e lhe possibilitasse uma
inserção no campo profissional. Apesar disso, não foram poucos os que se opuseram à ideia de
mulheres instruídas e profissionalizadas (ALMEIDA, 2007, p. 114).
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pessoas e as ações estão interligadas, pois, os valores de cada pessoa são formados de acordo com as
relações do contexto social em que ela convive, e de acordo com as intenções pessoais e políticas.
Dentre os percursos metodológicos seguidos, a pesquisa tem caráter de estudo exploratório, ou
seja, tenciona obter uma visão geral do fato estudado do tipo aproximativo, realizando descobertas, e
familiarizando-se com o fenômeno, e, assim, obtendo uma compreensão mais detalhada da situação
estudada. Realiza-se especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado, e, por conseguinte, ao
final o problema torna-se mais esclarecido. Assim como as pesquisas exploratórias, muitas vezes, são
um ponto de partida para outras pesquisas mais amplas (GIL, 2008).
Além disto, também se caracterizou por apresentar uma abordagem quali-quantitativa, pois
apresentou tanto dados numéricos tratados por métodos matemáticos e análise de suas variáveis,
quanto procurou uma compreensão e interpretação dos fenômenos estudados. Acredita-se que, como
afirmam Paschoarelli, Medola e Bonfim (2015, p. 70-71), “[...] seu uso conjunto tem demonstrado
resultados confiáveis, que minimizam a subjetividade e que respondem às principais críticas das
estratégias de abordagens isoladamente: qualitativas ou quantitativas”.
Ademais, como método de pesquisa também foi escolhida a pesquisa documental. Esse tipo de
pesquisa é utilizado nas ciências sociais e humanas para buscar compreender uma dada realidade ou
fenômeno por meio da interpretação de informações e dados, e assim, consequentemente possibilitar
uma contextualização histórica, cultural e social de um sujeito, um grupo de pessoas ou um lugar
específico.
Marconi e Lakatos (2003) caracterizam este tipo de pesquisa em que a fonte de coleta de dados
restringe-se a documentos escritos ou não, podendo ser feitos no momento em que o fenômeno ocorre
ou posteriormente. Dentre as fontes de documentos, uma das suas possibilidades podem ser arquivos
particulares que podem se constituir de memórias, diários, autobiografias.
Estes documentos, quando escritos podem ser compilados pelo autor na ocasião ou após os
acontecimentos ou ainda transcritos de fontes secundárias. Fazer pesquisa sobre esta base
metodológica é imprescindível o cuidado no trato com as fontes estudadas, pois:
Para que o investigador não se perca na "floresta" das coisas escritas [...] tem de conhecer
também os riscos que corre de suas fontes serem inexatas, distorcidas ou errôneas. Por esse
motivo, para cada tipo de fonte fornecedora de dados, o investigador deve conhecer meios e
técnicas para testar tanto a validade quanto a fidedignidade das informações (MARCONI;
LAKATOS, 2003, p. 176).
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Desta maneira, faz-se necessário que o pesquisador ao reunir as fontes que encontrar saiba
trabalhar com cada uma delas e assim desenvolver seu processo de pesquisa com base em informações
verdadeiras e confiáveis.
Além disso, na pesquisa, buscou-se clarificar e demonstrar documentos oficiais ou não, neste
caso, biografias e ou quaisquer documentos que relatassem quem são essas mulheres que nomeiam as
escolas da rede municipal de Caruaru, sendo constatado o quantitativo de 145 escolas, das quais 50
possuíam nomes de mulheres.
Para a seleção das fontes, foram consideradas como critério de inclusão as bibliografias que
abordassem a temática da pesquisa como história e memória da inserção das mulheres na educação
brasileira; identidade docente; relação de poder na educação; gênero e educação, como também
documentos que foram encontrados na Secretaria da Mulher de Caruaru e nas respectivas escolas.
Na sequência desse processo, as respectivas escolas foram visitadas no período de janeiro a
novembro de 2019, e, ao longo desta pesquisa, foi necessário realizar também visitas às residências de
parentes dessas mulheres, a fim de encontrar informações que fossem utilizadas como base da
produção investigativa que relatassem quem elas eram e como se deram suas respectivas nomeações,
visto que, não raro os casos, as escolas visitadas não tinham documentos que fizessem qualquer menção
à mulher que deu seu nome à escola, e a comunidade pouco sabia de sua história.
Destaca-se também a insigne contribuição da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres da
cidade de Caruaru-PE, que possuía uma pesquisa análoga a esta. Consequentemente, a aproximação
com esta instituição possibilitou maior coleta de dados e identificação das escolas que ainda não
possuíam biografias de suas patronesses. As informações coletadas foram analisadas e organizadas nas
seguintes categorias: zona territorial das escolas; modalidade de ensino; data de nomeação; atuação
profissional; e processo de nomeação e grau de escolaridade das mulheres, segundo a técnica de análise
de conteúdo de Bardin (2011). Essa técnica de análise foi escolhida por enriquecer o processo de
exploração do material coletado inferindo sobre as causas e/ou consequências da mensagem. Esta
técnica é uma análise de significados implícitos e sua interpretação por trás do sentido das palavras. Nas
palavras de Santos (2012 p. 387) “a análise de conteúdo é uma leitura ‘profunda’, determinada pelas
condições oferecidas pelo sistema linguístico e objetiva a descoberta das relações existentes entre o
conteúdo do discurso e os aspectos exteriores”.
Posto isto, essa técnica se baseia em um
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Sendo assim, essa técnica objetiva focar nas mensagens e a partir delas construir categorias-
temáticas, a fim de confirmar os indicadores que permitem depreender sobre outra realidade que não a
da mensagem propriamente dita, ou seja, obter uma informação não explícita para a compreensão do
todo. Uma análise categorial visa desmembrar um texto em unidades para reagrupá-las, seguindo uma
organização desses elementos. Ao explorar o material, o pesquisador realiza a codificação dos dados, o
que se dará por meio de um recorte do material em unidades de registros que podem ser uma palavra,
uma frase ou um tema.
Discussão teórica
Das cinquenta escolas pesquisadas, foi possível coletar trinta biografias, dentre estas, ressalta-se
que nem todas foram encontradas nas escolas ou tais escolas não possuíam nenhum registro da mulher
nomeada. Algumas destas dispunham de fotografias das patronesses, contudo, não se conheciam a
história da mulher que dava nome à instituição. Constatou-se que os processos de nomeação
aconteceram por diversas razões, dentre elas, podemos evidenciar a prestação de serviços à
comunidade local, como a doação de terrenos para a construção das escolas e o fato de serem as
primeiras professoras da região onde a escola se localizava.
Dentre as escolas pesquisadas 53,3% (16/30) delas pertencem à zona urbana e 46,6% (14/30) são
da zona rural do município de Caruaru. O quantitativo maior de escolas na zona urbana mostrou-se
vantajoso para a coleta de dados da pesquisa, em contrapartida, apesar do número inferior, houve
dificuldades no deslocamento para as escolas de zona rural, ante sua localização muito distante e com
poucas identificações de bairros e propriedades, sendo necessário solicitar informações aos moradores
da comunidade para encontrá-las, muitas dessas também tinham uma estrutura precária, deduzindo
que inevitavelmente, fazem com que os jovens se desloquem para escolas da zona urbana para
estudarem.
Essas informações encontram-se detalhadas na Tabela 1.
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Um aspecto que merece destaque é a distribuição espacial das escolas brasileiras, tendo em vista
a crescente urbanização e o crescimento da população. As escolas da zona rural e urbana se aproximam
no que tange à execução da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2018 no seu ensino, contudo,
essas escolas enfrentam diferentes desafios e necessidades do ponto de vista de sua localização
geográfica. O espaço rural é bem menos diversificado, com um padrão de consumo e nível médio de
vida inferior às pessoas do espaço urbano (DOLLFUS, 1991). Enquanto nas escolas da zona urbana há
uma quantidade superior de escolas que podem apresentar também mais facilidade no seu acesso, às
escolas da zona rural se encontram em um menor número e o acesso dos alunos depende, geralmente,
de transporte escolar.
Com relação às modalidades de ensino dessas escolas 40% (12/30) delas são Centros
Educacionais de Educação Infantil (CMEI) e 60% (18/30) são escolas de Ensino Fundamental. Essas
informações encontram-se detalhadas na Tabela 2.
A respeito da data de nomeação dessas escolas 3,3% (1/30) foi nomeada no ano de 1953, 3,3%
(1/30) foi nomeada no ano de 1969, 3,3% (1/30) foi nomeada no ano de 1983, 3,3% (1/30) foi nomeada
no ano de 1994, 3,3% (1/30) foi nomeada no ano de 1996, 3,3% (1/30) foi nomeada no ano de 2010 e
80% (24/30) dessas escolas são desconhecidas as datas de suas respectivas nomeações. O poder das
mulheres no sistema educacional também se relaciona com a nomeação das escolas com seus nomes,
que podem estar interligadas nas questões políticas e sociais de uma época e das questões da
comunidade escolar.
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Tal poder situado nas relações se perpetua quando é conduzido de forma impositiva nas relações
interpessoais da comunidade escolar. Segundo Silva (2014), é um desafio o diálogo acerca da gestão,
das políticas e da legislação no âmbito escolar. Porém, tal discussão é vital no sentido de estabelecer
uma educação participativa e cidadã. Essas informações encontram-se detalhadas na Tabela 3.
Acerca da profissão exercida por essas mulheres, predominantemente, 63,3% (19/30) era
docente, 29,7% (9/30) exerciam outras profissões, 3,3% (1/30) não possuía nenhuma profissão e apenas
3,3% (1/30) era de profissão desconhecida. Esses dados trazem um panorama pertinente à observação
sobre a profissionalização da mulher na sociedade da época, pois a visão que se tinha da educação
feminina é que esta deveria ser feita para além da mulher e atender à sua função social como mãe,
educadora de filhos e formadora de futuros “bons” cidadãos (LOURO, 2008). Neste sentido de
concepção, tanto o homem quanto a mulher são marcados por estereótipos. Desde a educação familiar
a mulher é condicionada ao lar, sendo direcionada a um ambiente limitado, restringindo que ela explore
seu potencial, excluindo-a dos esportes e de áreas que na época eram denominadas somente aos
homens.
Em meados do século XIX, a sociedade reivindicava uma boa formação docente, e o que
ocasionou como resposta foi a criação das primeiras Escolas Normais, apesar da pretensão destas serem
a formação de professores e professoras. Pelo crescente aumento da urbanização e industrialização os
homens foram aos poucos deixando as salas de aula, enquanto crescia o número de mulheres que iam
sendo formadas. Esse cenário do crescente nível de escolarização das mulheres foi fortemente
influenciado também pela oportunidade de ingresso no mercado de trabalho, o que exigia um certo
nível de escolaridade.
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fábricas, enquanto as instruídas e de boas famílias dominavam o magistério. Com um olhar atento pode-
se perceber que a história das mulheres em sala de aula e no mundo do trabalho está envolvida em
relações sociais de poder (LOURO, 2008) e que se faz necessário compreender os fatores que impediam
ou possibilitavam o avanço social delas nos espaços públicos.
Essas informações encontram-se detalhadas na Tabela 5.
Dentre os seus graus de escolaridade, 43,3% (13/30), com frequência é desconhecida; 13,3%
(4/30) delas cursaram até o ensino primário, esse quantitativo é o mesmo para aquelas que concluíram
a graduação 13,3% (4/30); semelhantemente 10,0% delas cursaram o Ensino Normal e o Magistério,
10,0% (3/30); duas delas não possuíam formação 6,6% (2/30) e apenas uma possuía pós-graduação 3,3%
(1/30). Acerca da escolaridade das mulheres, essa passou, em grande parte, pela história do magistério
e das escolas normais. Almeida (1998) escreve que a ideia existente na instrução dessas mulheres
nessas escolas, estava atrelada à constituição de boa mãe e esposa, o que se manifestava nos currículos
que continham como matéria de aprendizagem os dotes domésticos. Sob essa ótica, percebe-se que as
instituições escolares, além de serem fruto de um determinado panorama social na história, são capazes
de, por meio de seus conteúdos e práticas, construir uma identidade daqueles que a frequentam. Sendo
assim, a concepção de educação da época era aquela que não apresentasse riscos às normatizações da
conduta feminina, que zelasse por preservar certas condutas, comportamentos e valores.
Essas informações encontram-se detalhadas na Tabela 6.
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Ao analisar os dados, pôde-se perceber que grande parte das mulheres que nomeiam estas
escolas já atuaram como professoras, contudo, podemos visualizar também diferentes ofícios que vão
desde cuidados com o lar e a educação dos filhos até posições políticas de destaque na sociedade. Vê-se
também que os processos de nomeação ocorreram, em sua maioria, como um reconhecimento da
comunidade à figura social desta mulher, e, por meio destas nomeações, suas ações junto àquele grupo
de indivíduos são reafirmadas e eternizadas. Esse reconhecimento é essencial na “sobrevivência” das
narrativas históricas passadas, o edifício escolar se torna portanto, um lugar onde a memória se
solidifica e é capaz de transpor o tempo e não ser esquecida numa sociedade moderna marcada pela
efemeridade. Como afirma Berlatto (2009):
[...] o contexto relacional pode explicar, por exemplo, por que num determinado momento uma
identidade é afirmada ou reprimida. Por conseguinte, a sua construção realiza-se no interior de
contextos sociais que determinam a posição dos agentes e, por isso mesmo, orientam suas
representações e suas escolhas [...] (BERLATTO, 2009, p. 142).
Nesse sentido, é visto que as identidades dessas mulheres não foram construídas “do dia para a
noite”, mas se fizeram por um processo de notória atuação, contribuindo para a melhoria do seu
determinado grupo social, trazendo visibilidade e identificação com aquela comunidade local. Do ponto
de vista sociológico, toda identidade é fruto de uma construção que perpassa relações de poder e
origens, e pode ser tanto estabelecida por uma instituição dominante como ser fruto de ações de
resistência por sujeitos desfavorecidos nas relações sociais. De forma semelhante, para Hall (2000), as
identidades são uma construção e é necessário que se possa entendê-las como produzidas em locais
históricos, práticas discursivas, estratégias e iniciativas específicas. Todo o curso de vida dessas
mulheres, seu ofício, sua posição social, suas relações com familiares, amigos e comunidade foram as
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peças que forjaram sua identidade nas escolas da rede municipal e na memória da educação
caruaruense. Por isso, destaca-se que a investigação das nomeações dessas escolas também é ao
mesmo tempo a descoberta do percurso de vida dessas mulheres, de suas funções sociais, seus ideais e
princípios que se entrelaçam com a história dessas instituições educacionais.
Em se tratando das relações de poder, Meyer et al. (2014) entendem que as políticas são
compreendidas como dispositivos de organização social que promovem os seus objetivos através da
administração dos modos de agir e pensar de várias esferas da vida cotidiana, e, portanto, suas funções
e efeitos interagem com as relações de poder nas proposições das instituições e práticas que as
viabilizam. Pode-se dizer, assim, que os símbolos, as instituições, as normas e as políticas de uma
sociedade estão atravessadas por questões de gênero, e este, ao mesmo tempo, opera estruturando o
meio social.
É válido destacar também como parte relevante da sua memória social suas ocupações em
cargos públicos, visto que mais da metade delas atuavam como professoras. Apesar de que em muitos
anos as mulheres estiveram ausentes do espaço público de trabalho, a trajetória das mulheres nesse
âmbito vem mudando e estão progressivamente alcançando posto de destaque ainda que de forma
sutil. Essa ascensão nesses espaços possibilitou que muitas mulheres colocassem expectativas em
relação às suas vidas pessoais e profissionais garantindo autonomia e capacitação para atividades fora
do âmbito doméstico. As necessidades que levaram as mulheres brasileiras às funções produtivas foram
as mais variadas, e neste percurso elas assumiram inicialmente postos considerados por inclinação
“natural”, sua vocação.
Matto e Borelli (2013) afirmam que até a década de 1930, o magistério era umas das poucas
possibilidades que se mostravam atraente às mulheres da classe média e alta da sociedade, por terem
nesta ocupação uma perspectiva de ganho financeiro, status social e uma função em ambientes públicos
e intelectualizados. Esses dados também nos levam a outro ponto de discussão: a escolaridade das
mulheres. A ocupação de um indivíduo está intimamente ligada ao seu grau de escolaridade e, por
conseguinte, quanto maior a instrução melhores são as oportunidades de inserção no mercado de
trabalho e possibilidade de ascensão social. Talvez, mais agora, do que em épocas passadas, a educação
formal tem exercido um papel imprescindível para se chegar a níveis mais elevados no mercado de
trabalho e construir uma carreira sólida.
Sendo assim, é válida uma reflexão acerca do tipo de educação que se necessita oferecer às
meninas e meninos do tempo presente, que segundo Auad (2006), deve formar sujeitos no espaço
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escolar - não somente numa perspectiva de profissionalização - mas numa consciência de emancipação
e mudança que promovam a igualdade, mediante uma postura docente que valorize as oportunidades
iguais e saiba lidar e respeitar as diferenças desses indivíduos. Sem essa concepção de formação, os
espaços educacionais se restringirão a perdurarem uma conduta de discriminação e exclusão.
A escola, por sua vez, pode ser uma ferramenta de conscientização a caminho da igualdade entre
homens e mulheres ou um mecanismo de propagação de comportamentos excludentes. Isso vai
depender do quanto essa escola tem reavaliado seus padrões de ensino, suas práticas pedagógicas e
seus objetivos educacionais em todas as instâncias em que eles influenciam a formação dos estudantes.
Também, pensar nas relações estabelecidas dentro dessas instituições é uma tarefa pertinente porque a
forma como elas são sustentadas demonstram concepções latentes de indivíduos e sociedade.
Sobre a escolaridade das mulheres, os dados apresentados na tabela 6 não significam que a
maior parte delas não possuía uma formação para atuar como professoras, formação esta que abriga
em seu interior as múltiplas diferenças de raça, religião e gênero, entre outras questões sociais que
inevitavelmente acoplam o processo de formação dos professores, mas que os poucos registros que
forneceram as informações a respeito dessas mulheres são limitados e insuficientes para uma
compreensão clara de sua historicidade.
Nesse sentido, a educação dessas mulheres é ponto notável quando colocamos lado a lado com
os cargos ocupados por elas. Como afirma Leite (1994), o conhecimento é o segredo que permite às
mulheres oportunidades consistentes de realização profissional, assim como a oportunidade de
liberdade, mobilidade e ampliação na sua carreira profissional.
Considerações finais
Mediante a pesquisa foi possível resgatar a história das mulheres que dão nome às escolas da
rede municipal de Caruaru e de sua notoriedade na educação deste município, por meio das biografias
apresentadas, além da conscientização das relações envolvidas nos processos de nomeação dessas
escolas. As biografias encontradas demonstraram que essas mulheres foram personalidades destaques
na sua comunidade, quando além de seu prestígio no magistério também se destacaram como
exemplos de caridade, na educação familiar, no empreendedorismo, na política, na fé religiosa, entre
outras áreas.
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Pôde-se perceber a militância dessas mulheres em diversos espaços da sociedade, sua luta em
favor da população e de seus ideais sociais, políticos e educacionais, o que direcionou à escolha dos
nomes das respectivas escolas do município. Ainda que no século XX, marcado pela ocupação do espaço
público primordialmente pelo sexo masculino, elas tiveram na educação o fator que possibilitou sua
ascensão e seu poder social. Escrever sobre a história delas significa trazer fatos relevantes,
considerando-as mediante ideias, concepções sociais, relações de poder e limitações de sua época para
aqueles que desconhecem a trajetória histórica daquelas que marcaram a memória coletiva de uma
população inteira.
A probabilidade da sobreposição entre gênero e o processo de formação docente, permitiu
ilustrar neste artigo, o perfil e as intencionalidades da escolha e a influência da profissão. As relações de
gênero caminham junto com o social e as questões de classe, pois essas afinidades deslizam na
estrutura de todo um arcabouço social. Suas identidades e escolhas se transformam, não são fixas e
podem mudar inclusive pelas questões mercadológicas. As diferenças das escolhas e as influências em
que as meninas e meninos vivenciam, recebem cargas dicotômicas das capacidades e habilidades
corpóreas e das relações de poder, promovendo conhecimentos do corpo e que devem ter a
intencionalidade de dirimir o preconceito.
Embora as mulheres estejam cada vez mais ocupando os espaços públicos da sociedade, ainda
existem muitos desafios no que diz respeito ao seu reconhecimento e visibilidade. Sendo assim, é
necessário promover a valorização da historicidade dessas mulheres, em prol do enriquecimento e
conhecimento cultural da educação da população caruaruense, por meio de discussões, análises e
investigações. Sugere-se a realização de pesquisas mais aprofundadas, visto que muitos dados coletados
apresentam parcas informações acerca da vida e memória dessas mulheres, além de estender esse
trabalho para a identificação daquelas que nomeiam as escolas da rede estadual do município, o que
contribuiria para o enriquecimento dos saberes da história educacional da cidade de Caruaru.
Salienta-se que o conhecimento e propagação da memória da trajetória de vida dessas mulheres
que foram nomeadas representa uma consideração à sua identidade como notáveis figuras na educação
de um povo e a necessidade de não permitir que sua luta e princípios educacionais sejam engavetados e
esquecidos. Dessa forma, as diferentes instituições e as práticas sociais são constituídas e constituintes
de gênero, essas instituições e práticas “formam os sujeitos” entre tênis, chuteiras e sapatilhas.
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Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 813-831, set./dez. 2022
ISSN 1984-5499
Resumo
Ao dialogar com os formandos do Ensino Médio do Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF sobre uma resistência a
determinados temas da cultura corporal, surgiu o desejo de aperfeiçoar as aulas de danças tradicionais da
Educação Física a fim de colaborar com o Projeto Coletivo Pés na Estrada – Paraty/ CAp João XXIII, fato que
culminou na organização do evento “Troca de saberes indígenas e quilombolas” em uma versão presencial, em
2019, e virtual, em 2020. Este relato traz o cotidiano vivido por noventa formandos e duas professoras, registrado
1
O presente artigo faz parte das reflexões do Grupo de pesquisa “Prática Escolar em Educação Física/PPEduFis”.
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Cátia Pereira Duarte, Lílian Gil, Paula da Silva Pires, Laura de Melo Soares.
em diário de campo de estagiários e bolsistas da escola. Concluiu-se que, a partir da interculturalidade crítica, o
grupo foi motivado a repensar o funcionamento do ensino, certos de que a pandemia trouxe desafios e
possibilidades de encontro com comunidades distantes da escola.
Palavras-chave: Troca de saberes. Interculturalidade crítica. Educação Física escolar.
Abstract
The discussion with the high school's graduating students of the Application College John XXIII about their
resistance to certain themes of body culture brought up the desire to improve the traditional dance classes of
Physical Education, in order to collaborate with the "Collective Project Feet on the Road" – Paraty / Cap John XXIII,
leading to the organization of the event "Exchange of indigenous and quilombolas knowledge", which was held
face-to-face in 2019 and online in 2020. This report brings the daily life of the ninety graduating students and two
professors, recorded in the field diary of interns and fellows of the school. It was concluded that, based on the
critical interculturality, the group have been motivated to rethink the functioning of teaching, knowing that the
pandemic brought challenges and possibilities of meeting with communities that are far away from the school.
Keywords: Knowledge Exchange. Critical interculturality. School physical education.
Resumen
Al dialogar con graduandos de la Enseñanza Media del Colegio de Aplicação João XXIII sobre una resistencia a
determinados temas de la cultura corporal, ha surgido el deseo de perfeccionar las clases de danzas tradicionales
de la Educación Física a fin de colaborar con el Proyecto Colectivo Pies en la Carretera - Paraty/ Cap João XXIII,
hecho que culminó en la organización del evento "Intercambio de saberes indígenas y quilombolas" en una
versión presencial, en 2019, y virtual, en 2020. Este relato trae el cotidiano vivido por noventa graduandos y dos
profesoras, registrado em el diario de campo de practicantes y becarios de la escuela. Se ha concluido que, a partir
de la interculturalidad crítica, el grupo se motivó a repensar el funcionamiento de la enseñanza, seguros de que la
pandemia ha traído desafíos y posibilidades de encuentro con comunidades distantes de la escuela.
Palabras clave: Intercambio de saberes. Interculturalidad crítica. Educación Física escolar.
Introdução
Desde 2005, o Colégio de Aplicação João XXIII/UFJF de Juiz de Fora (CAp/JF) desenvolve Projetos
Coletivos de Trabalho (PCT) nos diferentes segmentos. Um dos mais antigos é o dos terceiros anos do
Ensino Médio (EM) que vem aproximando professores de diferentes áreas para abordar temas que
cruzam o cotidiano dos conteúdos curriculares, como, por exemplo, a identidade da cultura corporal
brasileira na região sudeste.
Pela proximidade da cidade com o estado do Rio de Janeiro, professores visitam a região de
Paraty (RJ) ao término de tais discussões. Nessa região, há três usinas nucleares, Angra I, Angra II e Angra
III, estando apenas duas em atividade e sendo ambas responsáveis por 3% de energia consumida no país
(ROSSI, 2019). Considerada patrimônio nacional desde 1965 a cidade é marcada pela sua herança
histórica e colonial, além da sua porção extensa do mar Atlântico, possuindo 65 ilhas, 300 praias e uma
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 832-845, set./dez. 2022
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fauna diversa proporcionada pela Mata Atlântica. Além disso, a cidade possui reservas indígenas
Guarani-Mbya, quilombos e comunidades caiçaras.
A partir dessa riqueza cultural, os professores exemplificavam seus conteúdos com facilidade, no
entanto, nas aulas de Educação Física (EF), devido aos alunos não terem muitas reflexões sobre danças
tradicionais brasileiras em anos anteriores do currículo ou entenderem que território identitário é um
discurso para outras disciplinas que não seja a Educação Física ou Artes, a aprendizagem dos saberes de
origem indígena ou quilombola ficavam comprometidas. Muitos pais não aprovavam a ideia de que seus
filhos dançassem segundo religiosidades distantes da realidade urbana local e começaram a enviar
bilhetes pedindo que o conteúdo fosse reavaliado.
Embora se explicasse que as leis 9.394 (BRASIL, 1996), 10.639 (BRASIL, 2003) e 11.645 (BRASIL,
2008) eram fundamentais para acessar o patrimônio cultural do povo brasileiro, que os Decretos 5.051
(BRASIL, 2004), 6.040 (BRASIL, 2007) e a Resolução n. 8 (BRASIL, 2012) deveriam ser defendidos por
todos e que a PEC 241 (ESTUDO TÉCNICO, 2016) destruiria as organizações dos diferentes grupos sociais,
o retorno era que aula de EF deveria se ater às técnicas corporais de alguns esportes e lutas.
A partir dessa convicção, ponderava-se que a origem das práticas corporais na EF e nas Artes, de
forma que se tornassem culturais e sociais, quando amplamente reconhecida por muitos grupos. Fato é
que, dependendo da história do lugar e das pessoas, muitas práticas não se tornam culturais, passando a
ser sociais quando há interesses globais que fogem dos interesses das culturas que as compõem.
Com o tempo, notou-se a necessidade de discutir os conteúdos curriculares dentro do
Departamento de EF e, com apoio dos estagiários3 e bolsistas4, a ideia dos temas interdisciplinares
começou a fazer sentido para os formandos do EM. Quando os alunos5 começaram a reconhecer que
havia uma grande diversidade6 cultural na própria região, que os professores não tinham o hábito de
ouvir a comunidade escolar para elencar os conteúdos e que, a partir das últimas eleições, os povos
originários e remanescentes da região do seu PCT perdiam direitos a cada mês, entenderam que seria
3
Acompanha as atividades de ensino dos professores do CAp, interage com o ambiente escolar, elabora plano de unidade
para certo conteúdo, planeja e desenvolve três aulas para as turmas que acompanhou.
4
Acompanha as atividades de ensino, pesquisa ou extensão dos professores do CAp, interage com o ambiente escolar da
escola e na rede municipal, bem como nos grupos de pesquisa, desenvolvendo atividades para a comunidade escolar com ou
sem supervisão dos orientadores da escola.
5
Os formandos sempre estimularam o debate com as lideranças e, por isso, vem contribuindo com a organização das versões.
Nesta oportunidade, agradece-se Álvaro Cordeiro Quintella, Ana Júlia Costa Silva, Júlia Alexia Fernandes Barros Reis, Júlia
Ribeiro Lino, Lidimara Aparecida Pereira, Maria Victória Silva Ramos, Mariana de Sousa e Milena Alvim Sevério Abreu pela
organização frente à III Troca de Saberes, dizeres e fazeres, com indígenas, quilombolas e caiçaras no Cap.
6
Segundo Pessoa (2017), a diversidade nasce com o fim dos nacionalismos e o surgimento da mundialização. Na virada do
século XX para o XXI, assistiu-se a uma culturalização generalizada da existência, em que a construção de identidades emergiu
de forma tão pulverizada que seus próprios criadores foram os interessados a lucrar com tal conceituação.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 832-845, set./dez. 2022
Cátia Pereira Duarte, Lílian Gil, Paula da Silva Pires, Laura de Melo Soares.
fundamental exercer uma cidadania para que, por meio da interculturalidade crítica7, reelaborassem as
aulas de dança, ampliassem os conceitos sobre política de identidade8 e de diferença9 no currículo da
Educação Física escolar, e propusessem que os indígenas e quilombolas viessem ao colégio para dialogar
sobre seus saberes com a comunidade escolar.
Assim, em 2019 realizou-se a versão presencial, com mesas que trataram de território e
territorialidade, cuidados com o meio ambiente e currículo escolar. Em 2020 realizou-se a versão
virtual10 em função da pandemia por COVID-19, com mesas que trataram Patrimônio Material dos povos
originários e remanescentes quilombolas: desafios da manutenção da cultura durante e após a
pandemia de Covid-19 e Patrimônio Imaterial dos povos originários e remanescentes quilombolas:
oportunidades educacionais e de saúde em tempos de distanciamento social.
Em 2021, devido à perpetuação da pandemia, realizou-se outra versão virtual com uma mesa
sobre Métodos de ensino que atenderão as demandas de um mundo pós-pandêmico. A mesa abordou o
cenário dos impactos da pandemia no sistema educacional e as possíveis consequências no retorno às
aulas presenciais nas comunidades indígenas, quilombolas, caiçaras e urbanas portuguesas, pois houve a
participação de uma professora que lida com educação especial em Lisboa e de um professor que lida
com a sociologia dos saberes em diversos territórios portugueses em Braga, ambos parceiros do nosso
grupo de pesquisa.
Ambas as propostas desejavam que os alunos conhecessem o patrimônio material e imaterial da
região sudeste; propusessem espaço de discussão sobre diversidade cultural entre professores, alunos,
professores e alunos de outras escolas públicas, povos originários e remanescentes de quilombos em um
evento escolar; e exercitassem a cidadania, de modo a manter o diálogo entre a universidade e as
comunidades indígenas, quilombolas e caiçaras, verificando o que poderia ser feito para ajudá-los
quando o Estado não os protege.
7
Para Candau (2012), essa perspectiva permite que se desconstruam preconceitos em relação aos sujeitos, articulem-se os
saberes para compreender como as pessoas vivem, resgatem-se conhecimentos para criar soluções de problemas sociais, e
promovam-se espaços para o diálogo e a aprendizagem, a partir de reflexões sobre práticas corporais que seguem a Lei
10.639/03.
8
A identidade é híbrida e tem ligação temporária entre os discursos e as práticas, por um lado, e processos de subjetivação
que nos constroem enquanto sujeitos, de outro (HALL, 1998).
9
A diferença é uma construção histórica e social (SILVA, 2000) que, por meio de discussão de etnia, diversidade, dentre outras
nas práticas socioeducativas (CANDAU, 2012), busca consenso e, ao mesmo tempo, reconhecimento e aceitação do dissenso.
10
Ver evento na íntegra no https://www.youtube.com/watch?v=YNtBA-jEtWk&feature=emb_logo.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 832-845, set./dez. 2022
Cátia Pereira Duarte, Lílian Gil, Paula da Silva Pires, Laura de Melo Soares.
Procedimentos metodológicos
Neste relato sobre o cotidiano do trabalho pedagógico realizado em 2019 e 2020, com noventa
formandos do CAp e duas professoras de Educação Física que participam do PCT, registrou-se as
experiências em um diário de campo de estagiários e bolsistas.
Primeiramente, se fez um levantamento dos problemas e soluções que os alunos apresentaram,
por meio dos representantes em conselho de classe11. Nas aulas de EF uma proposta de trabalho foi
discutida e aceita com pontos sugeridos pelos alunos, como: pesquisas com pessoas mais velhas da
comunidade escolar e reestruturação das atividades diárias que visassem à participação dos alunos na
organização, execução e avaliação do processo (estranhamento dos acontecimentos no campo
(FONSECA, 1999)). De posse de alguns relatórios das aulas, definiram-se os tópicos que poderiam ser
discutidos com indígenas e quilombolas, assumindo que se descreveriam as relações dos sujeitos
durante o evento e a organização política dentro da instituição (CAp) (esquematização das
regularidades/irregularidades). Após um tempo de trabalho, realizaram-se os eventos em anos
consecutivos, sendo avaliado o processo de construção da proposta (desconstrução dos estereótipos),
bem como sendo descritas e interpretadas as novas posturas dos envolvidos (comparação com exemplos
antropológicos). A última etapa, produção de material didático a ser usado em escolas públicas
(sistematização do material em modelos alternativos), foi concluída em parceria com professores de
escolas públicas em 2021 e está na página da escola.
Para analisar os registros no diário de campo, seguiu-se a linha interpretativa da Antropologia
Social de Mauss (2003), sobre o que foi observado antes, durante e depois dos eventos, já que as
interações dos sujeitos no CAp têm pressupostos antropológicos e sociológicos diferentes de outros
sujeitos de outras escolas nos mais diferentes espaços. Depois do primeiro evento, os alunos do CAp
demonstraram preocupações com os discursos que representaram sua proposta, a fim de garantir uma
política da diferença para tratar das identidades étnicas no CAp, algo fundamental para tornar seus
corpos12 um fato social total13. Depois do segundo, alunos da graduação demonstraram preocupações
com a prática que representou suas formações acadêmicas, a fim de promover uma metodologia
11
Reuniões entre professores e representantes de turmas para fechar conceitos e notas de um trimestre escolar.
12
Como tempo e espaço, por consequência produtor de sentidos e significados nos diferentes temas da cultura que perpassa
o currículo escolar. Em uma relação social, a corporalidade seria, então, um termo da filosofia para designar a maneira pela
qual o cérebro reconheceria e utilizaria o corpo como instrumento relacional com o mundo (DUARTE, 2019).
13
Maneiras de agir, de pensar e de sentir que exercem determinada força sobre os indivíduos, fazendo-os se adaptarem às
regras da sociedade onde vivem, bem como elaborarem respostas para remodelar a sociedade (MAUSS, 2003).
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 832-845, set./dez. 2022
Cátia Pereira Duarte, Lílian Gil, Paula da Silva Pires, Laura de Melo Soares.
intercultural crítica entre os professores da cidade, capaz de garantir o diálogo da universidade com a
comunidade. Depois da terceira versão, alunos e graduandos demonstraram preocupações com a
continuidade do ensino na possível volta das aulas presenciais, considerando a situação da saúde pública
e a inserção da tecnologia nesta transição de métodos.
Para contextualizar as danças tradicionais na Educação Física enquanto as suas músicas são
desenvolvidas nas Artes, linguagens obrigatórias nos currículos de acordo com a lei 13.278 (BRASIL,
2016), fez-se uma tempestade de ideias com os alunos dos terceiros (EM), momento que se conceituou
o conteúdo; instigaram-se os objetivos do mesmo no currículo; compreendeu-se a relação do tema com
outros conhecimentos presentes em outras disciplinas; sugeriram-se metodologias de trabalho; e
discutiram-se as formas de avaliação. Nas aulas que se seguiram, aspectos históricos14, políticos15,
econômicos16, religiosos17, filosóficos18 e técnicos, da região de origem das danças em questão foram
apresentados, momento em que a cultura virou um território de conflitos pelo seu significado, tanto no
interior do grupo, quanto no contato que estabeleceram com as comunidades (NUNES, 2016).
Especialmente nos aspectos técnicos, vale registrar que durante as práticas de dança da região
sudeste, colocaram-se roupas típicas e acessórios usados pelos indígenas e quilombolas de Paraty (RJ),
respectivamente, no xondaro, no jongo e no caranguejo. Explicou-se que o xondaro é uma dança-luta-
reza, na qual os guerreiros resgatam movimentos de aves como o colibri (maino’i), gavião (taguato),
andorinha (mbyju), sabiá (korosire) e papagaio (parakau ndaje) (TESTA, 2014) para treinar resistência
corporal e espiritual em saltos, rastejos, esquivas, entre outras habilidades que imitam autodefesa,
surpresa e reação imediata na selva (MONTARDO, 2002). Na aldeia, os jovens apresentam-se com
pinturas corporais, calça comprida e pés descalços, brincando, cantando e dançando em compasso
ternário, em círculo e em sentido anti-horário para que todos tenham o mesmo poder de voz. Ao som
14
Nos aspectos históricos, aborda-se a origem de cada aldeia indígena, comunidade quilombola ou caiçara, os hábitos
alimentares e as formas como se organizam e constituem uma família.
15
Nos aspectos políticos, abordam-se os movimentos do passado e da atualidade para garantir a identidade do grupo social;
e, as atuais organizações de luta, através das associações indígenas, quilombolas e caiçaras, para garantir a manutenção dos
seus direitos.
16
Nos aspectos econômicos apontam-se as atividades que as comunidades fazem para sobreviver financeiramente.
17
Nos aspectos religiosos, abordam-se as relações das comunidades com as suas crenças, principalmente a partir do
funcionamento dos rituais.
18
Nos aspectos filosóficos, aborda-se o conceito do corpo, a função da escola e a relação da corporeidade das aulas de
Educação Física com uma formação básica crítica e de qualidade.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 832-845, set./dez. 2022
Cátia Pereira Duarte, Lílian Gil, Paula da Silva Pires, Laura de Melo Soares.
instrumental invocatório às divindades, eles usam idiofone confeccionado com taquaras cortadas em
tamanhos diversos (takuapu); violão com afinação e toques diferenciados da cultura brasileira
(mbaraká); chocalhos globulares (mbaraká miri); membranofone feito com pele de cotia e usado por
mensageiros guarani (angu’apu); flauta (mimby); clave (popygua); cordofone (ravé); e rabeca ou violino
(mbarakapu, mbarakai) (MONTARDO, 2002).
O jongo do Campinho acompanha o jongo do Bracuhy, também da região de Paraty, há dez anos
e é uma dança-canto-música que procura uma identidade própria para valorizar suas manifestações, já
que parecia ter acabado na comunidade. O passo básico é feito de forma alternada, ora o pé direito vai a
diagonal interna, ora o pé esquerdo realiza o mesmo movimento, finalizando a execução com um giro,
permitindo vários deslocamentos em diferentes direções dentro de uma roda. Advindo de Angola, esse
jongo banto tem sido dançado de pés descalços, camisetas brancas, mulheres com saias florais e
turbantes e homens com calça branca e kufi, ao som de puítas (um ancestral da cuíca) e tambores de
diferentes tamanhos e formatos (tambu ou caxambu - tambor maior; e o candongueiro - tambor menor)
(MAROUN, 2013).
O caranguejo é uma ciranda caiçara que imita os movimentos da rede no mar. Os dançarinos
resgatam tais movimentos para comemorar uma boa pesca de caranguejos ou para divertir visitantes da
cidade. Usando roupas de passeio do dia a dia, brincam, cantam e dançam em compasso ternário, em
duas fileiras - festas dos pescadores-, ou em círculo com movimento anti-horário - festas turísticas de
eventos de música, arte, literatura, gastronomia, religião e esporte náutico-, da região de Paraty. Ao som
de cantos e instrumentos como rabeca, violão, viola, timba, pandeiro, caixa de folia, dentre outros, eles
dançam várias cirandas19 até o amanhecer.
Importante refletir que, sem acompanhar a diversidade cultural do país, os alunos não têm
acesso ao patrimônio de seus ancestrais, sendo natural que, para evitar um currículo inchado,
transtornos com supervisores e/ ou familiares dos jovens, alguns aspectos do patrimônio das
comunidades populares sejam apagados. Considerando que a cidadania exige associação entre espaço
participativo e educação política, para se colocar neste tempo escolar, precisou-se ainda da noção de
citacionalidade20 para que a dança tradicional saísse de seus locais de origem e chegasse à escola com
significados originais e ampliação dos mesmos, a partir das mais variadas abordagens sobre o tema, pois
as práticas corporais são artefatos da cultura que significam e são significadas, representam e são
19
Arara, Chibacateretê, Caboclo veio, Cana-verde, Chapéu, Flor do mar, Limão, Marrafa e Tontinha.
20
Propriedade do signo de ser outra coisa na sua mesmice.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 832-845, set./dez. 2022
Cátia Pereira Duarte, Lílian Gil, Paula da Silva Pires, Laura de Melo Soares.
representadas, subjetivam e são subjetivadas, regulam e são reguladas em cada contexto escolar
(NEIRA, 2018).
Ao dançar, também se discutiu a etnicidade na corporalidade enquanto fato social total,
reconhecendo-se que a técnica é um caminho para se colocar no mundo, visto que todos são diferentes
e que, por aceitação de pertencimentos 21 , as identidades são construídas, existindo diferentes
possibilidades que se baseiam em outros aspectos, listados anteriormente, para se obter uma
identidade étnica múltipla, jamais fixa.
Após as vivências, relatou-se a experiência com os diferentes grupos quando se esteve em
contato em 2018, dialogando sobre a dificuldade que eles têm de terem aulas na própria comunidade,
de apresentarem sua cultura nas escolas do município, de estarem em eventos que lhes deem as
mesmas oportunidades de voz e voto quando existe um debate sobre o patrimônio local. Por fim,
contou-se que as trocas de atenção, dinheiro ou comentários positivos sobre as culturas não geram uma
equivalência entre os sujeitos, mas uma assimetria na qual cada um tem uma função e todas são
consideradas importantes em um processo democrático.
A partir do reconhecimento do patrimônio material e imaterial que o PCT poderia explorar,
pensou-se, com alunos e estagiários, na possibilidade de uma realização de troca de saberes com os
indígenas e quilombolas, dentro do CAp, em um primeiro momento, com a participação de outros
professores da rede, bem como professores doutores da UFJF, para depois levar os alunos do colégio até
as duas comunidades que foram estudadas.
Nos meses que antecederam o evento, enquanto estudava outras regiões brasileiras, o grupo fez
reuniões para averiguar como seria a avaliação da disciplina de EF caso optassem por uma mostra
cultural durante o evento. Foi combinado que todos se esforçariam, mas se não fosse possível, após a
entrega do relatório da proposta, ou seja, no primeiro dia útil após o término do evento, todos
apresentariam suas danças tradicionais de forma contextualizada, com bebidas e comidas da região
escolhida. Além disso, organizariam a troca de saberes, preocupando-se com a imagem institucional,
com a alimentação, com o transporte que conduziria os convidados e com os responsáveis que
acompanhariam e dormiriam com os indígenas e quilombolas, bem como com a arrumação do espaço
necessário para o bom andamento do evento.
No evento presencial, observou-se um movimento de reciprocidades entre os alunos que agiam
21
Mais que pertencer a um grupo de negros, indígenas, homens, mulheres, crianças, idosos, gordos, magros etc, a
identidade, segundo Pessoa (2017), dá-se na intersecção de diferentes pertencimentos/ características que empoderam o
sujeito.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 832-845, set./dez. 2022
Cátia Pereira Duarte, Lílian Gil, Paula da Silva Pires, Laura de Melo Soares.
de forma democrática (todos buscavam as soluções e, após amplo debate, tomavam decisões por
votação; cada um se envolvia em uma atividade que lhe fosse familiar, mas quando um não conseguia
resolver um problema, o outro o cobria, trocando de função momentaneamente; mesmo sem
concordar, ninguém expunha o colega fora do espaço de construção das ideias), tocando, positivamente,
os participantes da comunidade que foram à escola.
Alguns professores do PCT, por familiaridade com os temas “Território e territorialidade”, “Meio
ambiente” e “Currículo escolar”, contribuíram coordenando as discussões das mesas. Os estagiários
assumiram diferentes frentes na estrutura22. Os indígenas de Araponga trouxeram seu coral para abrir o
trabalho, enquanto os quilombolas de Bias Fortes (o grupo do Campinho não conseguiu participar desta
versão) suas danças, para fechá-lo. Paralelamente, sem organização pré-definida, houve iniciativa de um
futebol entre indígenas e quilombolas que causou grande comoção, pois as regras eram mais
cooperativas e o gol sofrido era comemorado da mesma forma que o gol feito. A comunidade participou
das mesas, das apresentações culturais, como também adquiriu muitas peças de artesanato.
Com a pandemia em 2020, não foi possível realizar a proposta presencial, nem mesmo discutir
amplamente a ideia com os alunos formandos e professores de outras disciplinas da escola. Assim,
graduandos de Serviço Social, Educação Física e Comunicação organizaram a II Troca de saberes de
forma virtual, a partir da mesa sobre Patrimônio Material dos povos originários e remanescentes
quilombolas: desafios da manutenção da cultura durante e após a pandemia de Covid-19, e da mesa
Patrimônio Imaterial dos povos originários e remanescentes quilombolas: oportunidades educacionais e
de saúde em tempos de distanciamento social. Foi um período difícil em que tudo parecia mais
burocrático, pois dependia de contatos online para acontecer. As trocas de palestrantes foram
desgastantes ao longo da organização, pois muitos tinham problemas tecnológicos para participar do
evento.
O representante Mbyá falou das atividades de artesanato na aldeia em Paraty; a representante
de Araribóia falou do seu trabalho acadêmico; o representante do Campinho falou da sua política
partidária como candidato a vereador; o representante do Capão do Negro falou das suas ações no
movimento negro nacional e o representante do Centro Amazonense dos trabalhos culturais que
22
Essa culminância foi possível porque o Departamento de Educação Física e a Direção do CAp prontificaram-se a fazer
reuniões com gestores, encaminhar documentos e viabilizar a comunicação com a comunidade da cidade; a Pró reitoria de
Extensão dispôs-se a orientar o processo de submissão do projeto de evento e a agilizar os trâmites entre diversos setores da
UFJF, assumindo os gastos das viagens; a emenda parlamentar da Deputada Federal Margarida Salomão permitiu cobrir os
gastos com cachês e alimentação para organizadores e grupos vulneráveis segundo Conselho de Comitê de Ética; e o setor de
Imagem Institucional cobriu o evento, bem como permitiu o acesso da comunidade aos saberes e fazeres que foram
produzidos no CAp, mesmo após o término do evento.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 832-845, set./dez. 2022
Cátia Pereira Duarte, Lílian Gil, Paula da Silva Pires, Laura de Melo Soares.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 832-845, set./dez. 2022
Cátia Pereira Duarte, Lílian Gil, Paula da Silva Pires, Laura de Melo Soares.
desconstruiu preconceitos da vida diária dos indígenas e quilombolas; articulou as experiências dos
grupos vulneráveis às dos alunos e graduandos; resgatou aprendizados do processo de comunicação que
poderiam ser úteis para professores da rede pública; promoveu formação básica, inicial e continuada da
comunidade.
Conclusão
Segundo o professor indígena Denilso, “branco não aprende muito porque morre cedo, mais
cedo do que tem consciência”. Esse comentário fez com que todos pensassem nas diferentes realidades
escolares antes de determinar os conhecimentos fundamentais para os alunos. Qual será a função da
escola frente às demandas sociais pós-pandemia? Que conteúdos deverão ser elencados para respeitar
o patrimônio de cada sociedade? Como construir espaços e tempos que permitam autonomia crítica dos
envolvidos? Se for sabido onde estão os saberes e fazeres, que se busque falar deles na escola, sem
esquecer ‘de estar vivo’ para ouvir a história dos que precisaram, em determinado momento, aprender
os valores dos brancos para sobreviver, e que hoje, avisam os mesmos brancos de que estes precisam
aprender valores elementares para continuar existindo enquanto sociedade.
Muitos jovens da rede pública não percebem a relação entre determinados conteúdos porque
não são ensinados a observar saberes e fazeres cotidianamente, estimulando pouco uma capacidade de
antecipação que é fundamental para agir, com segurança, em seu meio social. No período de
convivência com indígenas e quilombolas, entendeu-se o quanto os conhecimentos são passados de
forma prática, permanentemente repetitiva, até que a pessoa consiga realizar a tarefa sem crítica dos
mais velhos. Com a experiência, teve-se a noção de que acolhendo ideias, desejos, medos e curiosidades
dos discentes, pode-se manter uma espiralidade de saberes, fazeres e dizeres de diferentes realidades
étnicas em prol da construção de conhecimentos nas diversas instituições de ensino da cidade de Juiz de
Fora. Cabem aos professores, por meio da ação tripartida de dar, receber e retribuir, ressignificar as
formas de escolhas de conteúdo, para mostrar ao Estado nacional que apenas uma educação
democrática gera fortalecimento de todos os movimentos sociais, em uma nova perspectiva que almeje
a crítica como algo que beneficiará a todos os cidadãos e não uma ameaça ao poder de seus
representantes.
O bem comum, que foram os eventos, nem sempre representou a identidade coletiva em
detrimento da individual, mas quis evidenciar que a moral individual dos alunos/ graduandos/
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professores advindos de diferentes bairros tinha que ser compatível com a sobrevivência desse coletivo
democrático. Por meio da organização, execução e avaliação dos trabalhos, os corpos moldaram-se e
ganharam sentido para dialogar com outros grupos escolares, para brincar, alimentar-se, rezar, ou seja,
houve uma luta pela fixação de seus signos ou marcas identitárias na história da escola e uma sinalização
de que cada turma de formandos necessitará de sua própria significação cultural.
Pensar uma educação de qualidade implica refletir sobre a superação da obrigação que a
fundamenta nos tempos modernos: direito de retribuição exclusiva. A escola pode ser um espaço de
interrelação contínua entre indivíduos e sociedades, em que os modos de manifestação da cultura
permitam reflexões mais humanitárias nas instituições modernas, desconstruindo preconceitos entre os
patrimônios locais; articulando conceitos nas práticas político-pedagógicas da educação básica da
região; resgatando os códigos identitários de cada grupo social que constitui este país em projetos
coletivos nas escolas públicas; e promovendo encontros, presencial ou virtual, que permitam o exercício
da alteridade porque é um direito e não porque é uma obrigação de retribuição social, conforme
dissipado em muitos discursos governamentais.
Referências
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ISSN 1984-5499
The strategic role of the teacher in Brazilian educational policies from the 1990s
El papel estratégico del docente en las políticas educativas brasileñas desde los años
noventa
Letícia Pereira1
Colégio de Aplicação João XXIII/Universidade Federal de Juiz de Fora
Resumo
O presente artigo busca refletir sobre a influência das orientações dos organismos internacionais para a
construção de políticas educacionais nacionais e a sua relação com a perspectiva teórica que aponta os
professores como colaboradores estratégicos para a difusão de uma pedagogia da hegemonia (NEVES, 2005),
pautada na lógica do neoliberalismo da Terceira Via (LIMA e MARTINS, 2005). O estudo foi orientado pela
perspectiva crítica e, para atingir os objetivos propostos, foi utilizada a pesquisa documental como metodologia.
Foi possível compreender que a direção dada à formação e ao trabalho docentes, desde a década de 1990,
pauta-se na ideia de que o professor deva ser o principal responsável pelo sucesso ou fracasso dos alunos, além
de ser considerado um intelectual com capacidade técnica e ético-política para educar as novas gerações de
acordo com os valores de uma nova sociabilidade.
Palavras-Chave: Organismos internacionais. Professores. Políticas Educacionais Nacionais. Neoliberalismo de
Terceira Via.
Abstract:
This article have as objective to reflect on the influence of the guidelines of the international organisms for the
construction of national education policies and its relation with the theoretical perspective that points the
teachers like strategic collaborators for the Hegemonic Pedagogy (NEVES, 2005), based on the logic of
neoliberalism of the Third Way (LIMA and MARTINS, 2005). The study was guided by a critical perspective and,
to reach the proposed objectives, documentary research was used as methodology. It was possible to
understand that the direction given to teacher training and work is based on the Idea that the teacher becomes
the main responsible for the success or failure of the students, besides being considered an intellectual with
technical and ethical-political capacity to educate the new generations according to the values of a new
sociability.
Keywords:
International Organisms. Teachers. National Education Policies. Neoliberalism of the Third Way.
1
[email protected]
Letícia Pereira
Resumen
Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre la influencia de las directrices de los organismos
internacionales para la construcción de políticas educativas nacionales y su relación con la perspectiva teórica
que apunta a los docentes como colaboradores estratégicos para la difusión de una pedagogia de la hegemonía
(Neves, 2005), basado en la lógica del neoliberalismo de la Tercera Vía (LIMA y MARTINS, 2005). El estudio se
guió por una perspectiva crítica y, para alcanzar los objetivos propuestos, se utilizó la investigación documental
como metodología. Se pudo entender que la orientación dada a la capacitación y el trabajo docente se basa en
la idea de que el maestro se convierte en el principal responsable del éxito o el fracaso de los estudiantes,
además de ser considerado un intelectual con capacidad técnica y ético-política para educar las nuevas
generaciones según los valores de una nueva sociabilidad.
Palabras clave:
Organismos internacionales. Maestros. Políticas educativas nacionales. Neoliberalismo de la Tercera Vía.
Introdução
Surge um novo tipo de capitalismo que se apresenta com uma face mais humanizada e
preocupada com questões de cunho social, assumido e difundido pelos organismos internacionais. Esse
novo capitalismo visa promover o consenso e a conformação social através de uma consciência
individual para situações e problemas coletivos. Dessa forma a partir dos anos de 1990, Oliveira (2011)
assegura que o organismo internacional de maior influência na educação é o Banco Mundial: “não tanto
2
Na construção do conceito neoliberalismo da Terceira Via, Lima & Martins (2005, p. 76) escrevem: “O projeto político da
terceira via representa uma perspectiva de “modernização política”, que procura orientar o ajustamento dos cidadãos, do
conjunto sociedade civil e da aparelhagem de Estado na justa medida das demandas e necessidades do reordenamento do
capitalismo. As referências indicadas pela Terceira Via como de modernização estão ligadas organicamente ao
(neo)liberalismo. Portanto, ela pode ser apresentada como um programa comprometido com a atualização do projeto
burguês de sociedade e pela geração de uma pedagogia voltada a criar uma unidade moral e intelectual comprometida com
essa concepção”.
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Letícia Pereira
pelo volume de financiamento, mas porque se tornou a principal instituição de assistência técnica à
educação nos países periféricos, e fonte e referencial de pesquisa na área de educação no plano
internacional” (OLIVEIRA, 2011, p. 94).
Em 1990, a Conferência Mundial de Educação para Todos (EPT) promovida por BM,
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura(Unesco) e Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF) realizada em Jomtien, reuniu ministros da Educação
de mais de 150 países para consensuar metas para a década seguinte. A educação
tornava-se uma questão supranacional. Os representantes dos países signatários da
Declaração Mundial de EPT assumiram a responsabilidade de implementarem planos
decenais que viabilizassem o alcance de tais metas (SHIROMA; ZANARDINI, 2020, p.
695).
E o projeto iniciado em 1990 continuou sendo implementado nas décadas seguintes, uma vez
que os países signatários assumiram a responsabilidade de implementarem planos decenais que
viabilizassem o alcance das metas. Em 2000, reuniram-se novamente em Dakar para avaliar os
progressos e atualizar as metas. Em setembro do mesmo ano, líderes mundiais reunidos na sede da
ONU, discutiram o crescimento da pobreza no mundo e se comprometeram a construir uma nova
parceria global para atingir oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, dentre eles reduzir a pobreza
extrema num prazo de 15 anos.
Em 2012, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, foram
elencados 17 objetivos para redução da pobreza, promoção social e proteção ao meio ambiente a serem
alcançados até 2030 (SHIROMA; ZANARDINI, 2020). Esse conjunto de objetivos e medidas para
implantação foi publicado em 2016 no documento “Transformando nosso mundo: a agenda 2030 para o
desenvolvimento sustentável” (ONU, 2016).
Em 2015, realizou-se na Coréia do Sul outro Fórum Mundial de Educação promovido pela Unesco,
Unicef, Banco Mundial, Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), PNUD, ONU Mulheres e Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Neste evento, os signatários da
Declaração de Incheon acordaram metas para a Educação. Muito semelhantes àquelas estabelecidas em
Jontiem e Dakar.
Um conceito muito importante para a compreensão dessa reorientação das políticas neoliberais,
segundo Neves (2011, p. 233) foi o de “Estado educador”, que consiste no forte investimento do
mercado e do Estado gerencial, na utilização de estratégias de obtenção do consenso social. Ou seja,
todo o projeto neoliberal para a Educação foi sendo difundido gradualmente através de um forte
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A educação passa a ser concebida como um meio de gerar crescimento econômico aos países
periféricos. Essa mesma concepção é encontrada no documento “Prioridades y Estrategias para la
Educación”, publicado originalmente em inglês em 1995 e reeditado em espanhol em 1996, pelo Banco
Mundial, onde há a afirmação de que investir na educação é necessário para “reduzir a pobreza,
aumentar a produtividade do trabalho pobre, reduzir fertilidade e melhorar a saúde e para equipar as
pessoas para participar plenamente na economia e na sociedade” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 21).
Segundo as autoras Eneida Shiroma e Isaura Zanardini (2020):
3
Expressão usada para designar trabalho sob demanda ou “bicos” decorrente da flexibilização das relações de trabalho na
era digital, incentivando a prestação de trabalhos temporários, de curto prazo, além de profissionais autônomos,
freelancers e trabalhadores de plataformas on-line como uber, entre outros.
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A grande taxa de analfabetismo, repetência e evasão escolar, que caracterizava a crise do sistema
educacional brasileiro, foi creditada à ineficiência e ineficácia da escola. Incentivou-se cada vez mais a
iniciativa privada a assessorar as reformas educacionais, responsabilizando-se, assim, os indivíduos ou
grupos específicos pela qualidade da educação no país. Como consequência dessas ações e orientações,
a “qualidade” da educação e da escola básica torna-se um assunto recorrente tanto nas agendas de
discussões quanto no discurso de amplos setores da sociedade. De acordo com Neves (2011, p. 231), a
“burguesia brasileira passa a assumir diretamente, de modo mais sistemático, as iniciativas de busca de
consentimento, instaurando, a partir daí, uma nova pedagogia da hegemonia4”.
Segundo Neves (2005), a “nova pedagogia da hegemonia”, tem o objetivo de dificultar o
crescimento e avanço intelectual da consciência política e coletiva dos indivíduos, fazendo com que, no
máximo, atinja-se uma consciência de solidariedade, através da mobilização de pequenas organizações
em torno de objetivos pontuais, específicos, sem romper necessariamente com a lógica do capitalismo.
Neves (2011), ao se apropriar do conceito de Gramsci sobre a definição de intelectual, afirma que
“intelectual é aquele que organiza a cultura em diferentes níveis. Alguns são formuladores de
concepções de mundo, outros são divulgadores dessas concepções.” (NEVES, 2011, p. 235). Assim, os
professores da educação superior e também o da educação básica são intelectuais orgânicos de projetos
de sociabilidade. Podendo contribuir para a consolidação de um projeto político conservador
hegemônico, ou para a construção de uma concepção transformadora, voltada a outra direção moral e
intelectual de determinado momento histórico.
De acordo com Neves (2005, p. 27), a escola, “responsabiliza-se pela formação de intelectuais de
diferentes níveis”, e é por isso que a nova pedagogia da hegemonia tem utilizado algumas ferramentas
para convencer os profissionais da educação básica à adesão ao seu projeto de sociabilidade. Ou seja,
conseguir atrair a adesão dos professores – intelectuais estratégicos - a este novo projeto de
sociabilidade, é a garantia de que o mesmo projeto será difundido e assimilado por toda a sociedade. De
acordo com Oliveira (2008):
Para manter a hegemonia, o Estado não recorreu somente à coerção, à força, mas também
procurou obter consenso, a adesão espontânea. A hegemonia, assim, significou um equilíbrio de
compromissos, nos quais a classe dominante fez concessões, não apenas econômicas, mas
também ético-políticas (OLIVEIRA, 2008, p. 29).
4
Segundo Neves (2005, p. 10) a nova pedagogia da hegemonia se caracteriza por “uma educação para o consenso sobre os
sentidos de democracia, cidadania, ética e participação adequados aos interesses privados do grande capital nacional e
internacional”.
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Letícia Pereira
Dessa maneira a escola, principal responsável pela formação de intelectuais, tem desempenhado
um papel muito importante na sociedade do capital, que é o de formar pessoas conformadas com as
ideias e ideologias desse novo projeto neoliberal para a sociedade. Saviani (2005, p. 22) afirma que “a
educação passou, pois, a ser concebida como dotada de valor econômico próprio e considerada um bem
de produção” e com isso, a função social de formar plenamente os indivíduos em suas faculdades mais
elevadas de conscientização social, fica limitada aos princípios do capital.
Parte da tarefa educativa do Estado é a conformação a nova sociabilidade, e é por isso que o
“estado capitalista veio redefinindo suas práticas de forma a formar ética, técnica e politicamente o novo
homem coletivo.” (OLIVEIRA, 2008, p. 22).
Destarte os documentos dos organismos internacionais estudados para a elaboração deste
trabalho corroboram com as perspectivas neoliberais da Terceira Via para a educação, trazendo novas
compreensões sobre o trabalho docente, bem como sobre a sua formação. Para Evangelista e Shiroma
(2007):
[...] a reforma dos anos de 1990, e seu prosseguimento no novo século, atingiu todas as esferas
da docência: currículo, livro didático, formação inicial e contínua, carreira, certificação, lócus de
formação, uso das tecnologias da informação e comunicação, avaliação e gestão (EVANGELISTA;
SHIROMA, 2007, p. 537).
Novas políticas são propostas, visando o aumento dos índices educacionais através da valorização
docente por meio de incentivos, por exemplo. Neste sentido são crescentes as cobranças e necessidades
a que são submetidos os profissionais da educação, levando-os a uma intensificação do trabalho que,
segundo Oliveira (2002), leva à sua precarização. Essa situação afeta diretamente a relação com os
movimentos e organizações coletivas. O que se percebe, de maneira geral, nos documentos dos
organismos internacionais, é a valorização de “grupos ligados às minorias, enfraquecendo as dimensões
da luta de classes e reforçando o individualismo como valor moral radical.” (OLIVEIRA, 2008, p. 55).
Assim, percebe-se que a ideia de Educação para Todos possui viés econômico articulado ao
interesse do Capital e coloca em destaque o papel do professor como principais colaboradores para a
manutenção de uma pedagogia da hegemonia, pautada na lógica do neoliberalismo da Terceira Via.
Desse modo, o presente artigo pretende analisar esse processo a partir dos seguintes
documentos internacionais: Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial (1990), “Prioridades y
Estrategias para la Educación” (1996), Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre
Educação para o século XXI (1998), que aqui chamaremos de Relatório Delors e a Declaração de Incheon
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Letícia Pereira
e Marco de ação da educação: rumo a uma educação de qualidade inclusiva e equitativa e à educação
ao longo da vida para todos (2015).
Desenvolvimento
É sob a égide da teoria do capital humano que se traçam planos, diretrizes e estratégias
educacionais, especialmente para os países de capitalismo dependente, e se afirma a ideia de
que a ascensão e mobilidade social têm um caminho garantido via escolaridade, mediante
empregos bem remunerados (FRIGOTTO, 2011, p. 22).
[...] concepção de sociedade na qual se ignora as relações desiguais de poder, uma concepção de
ser humano reduzida ao indivíduo racional cujas escolhas independem da classe ou grupo social a
que pertence e uma redução da concepção de educação e conhecimento pelo fato dos mesmos
não estarem referidos ao desenvolvimento de todas as dimensões da vida humana e vinculados
às necessidades humanas, mas à esfera unidimensional das necessidades do mercado e do lucro
(FRIGOTTO, 2011, p. 23).
Com o objetivo de aumentar a produtividade e resultados com o menor gasto possível, houve a
formação de uma política voltada para a descentralização de recursos e para uma maior flexibilidade na
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 846-859, set./dez. 2022
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aplicação dos mesmos. Nos documentos encontramos a afirmação de que as escolas podem organizar
sua administração de maneira mais autônoma para que cada uma possa distribuir seus recursos de
acordo com cada realidade:
Em muitos países observa-se que as comunidades que participam na administração escolar estão
mais dispostas a contribuir para o financiamento da educação. Jamaica estabeleceu um
importante programa para estimular esta tendência; a Campanha de Mobilização Social de
Bangladesh, que garante a participação da comunidade na educação, conseguiu reativar as
comissões de administração escolar no país; El Salvador começou a envolver as comunidades na
administração das escolas rurais, com resultados muito bons em termos de assistência aos
professores. Os níveis de rendimento dos alunos são comparáveis aos alunos das escolas
tradicionais, mesmo que eles venham de famílias pobres (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 134-135).
5
In’am Al Mufti (Jordânia), Isao Amagi (Japão), Roberto Carneiro (Portugal), Fay Chung (Zimbábue) Bronislaw Geremek
(Polônia), William Gorham (Estados Unidos), Aleksandra Kornhauser (Eslovênia), Michael Manley (Jamaica), Marisela Padrón
Quero (Venezuela), Karan Singh (Índia), Rodolfo Stavenhagen (México),Myong Won Suhr (Coréia do Sul), Zhou Nanzhao
(China).
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projeto pessoal, cada indivíduo contribui para a conquista de um mundo mais justo.
Nele encontramos o argumento de que a comunidade local, bem como os pais, professores e
empresas devem colaborar com o sucesso e qualidade da educação pautando-se assim numa
determinada lógica de repasse de responsabilidades, tornando as questões educacionais cada vez mais
relegadas ao setor privado.
Não é demais destacar que as reformas educacionais brasileiras desde os anos de 1990 se
apoiaram no tripé formação de professores, gestão da escola e avaliação educacional (MEDEIROS;
OLIVEIRA, 2013). A formação dos professores, considerada insuficiente para dar conta das demandas da
escola contemporânea, teve uma grande inflexão a partir da implementação de políticas de formação
continuada, com ênfase nas atividades práticas, e organizadas em serviço e à distância (OLIVEIRA;
GUEDES, 2014), o que se coaduna com as orientações dos organismos internacionais.
O “Marco de ação”, (UNESCO, 2016) nessa mesma linha, sinaliza a importância de que todos
adquiram competência funcional em leitura, escrita e matemática para se tornarem “cidadãos ativos”.
Para tanto, propõe a Educação a Distância, estímulo à aprendizagem informal por meio de tecnologia de
informação e comunicação (TIC), educação massiva online e até “alfabetização por meio de telefones
móveis” (UNESCO, 2016, p.47).
[...] estratégia para atingir as metas para 2030 requer mobilização de recursos para um
financiamento adequado e estabelecimento de parcerias eficazes e inclusivas. Requer
professores e gestores bem qualificados, treinados, motivados, bem pagos, que usem
abordagens pedagógicas adequadas, apoiem-se em TIC, criação de “ambientes responsivo a
gênero, inclusivo, seguros, saudáveis, equipados que facilitem a aprendizagem”. [...] serão
priorizadas para investimento em TIC, formação técnico-profissional e visam maior participação
do setor privado na educação pública, instituindo uma governança participativa. Para tanto,
ressaltam a necessidade de novos marcos legais e políticos para se fomentar parcerias e
direito à participação de todas as partes interessadas (stakeholders) na questão educacional
(SHIROMA e ZANARDINI, 2020, p. 702-703).
É possível constatar que as propostas para a educação nesse documento são uma continuação
daquelas indicadas desde os anos 1990, “incrementando o incentivo à colaboração mútua para o acesso
à educação inclusiva e equitativa e chamando atenção para a centralidade da educação para o
desenvolvimento sustentável” (SHIROMA; ZANARDINI, 2020, p. 705).
Diante da necessidade de implementar as concepções de sociedade e de mundo em consonância
com o Neoliberalismo da Terceira Via, os documentos consideram a fundamental importância do
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professor como principal difusor desses ideais. O relatório Delors, por exemplo, é enfático ao destacar
importância dos professores para a implantação da reforma educacional: “Seja como for, não há reforma
com sucesso sem a contribuição e participação ativa dos professores.” (DELORS, 1998, p.27).
No documento da UNESCO (2016), está presente a ideia de que os professores são peça chave no
projeto educacional para atingir as metas até 2030, sugerindo a necessidade de tornar a docência
atrativa. O documento afirma que o modelo atual de formação e gestão docente são inadequados,
sugerindo revisão na formação de professores, a partir de certa internacionalização, onde os professores
sejam qualificados por meio de cooperação internacional.
A forte valorização dada à participação dos professores como os principais colaboradores para a
reforma educacional nos documentos do Banco Mundial e da UNESCO foi destacada por Oliveira (2011):
“A importância do professor para a aprendizagem foi ampliada nos documentos dos organismos
internacionais, que passaram a dar ênfase à educação/formação docente, indicando também, de forma
mais objetiva, o perfil do professor que se desejava formar” (OLIVEIRA, 2011, p. 95).
O documento DELORS (1998) afirma que a formação do professor deve ser aperfeiçoada para
que venha a contribuir para a renovação das práticas educativas dadas a partir dos quatro pilares da
educação, que o presente documento propõe. São estes:
O discurso em torno dos pilares fundamenta-se na ideia de uma educação ao longo da vida,
capaz de gerar valores e conhecimentos que formarão o princípio da empregabilidade individual.
Oliveira (2008), considera que os pilares para a educação buscam estruturar a ideia de que o indivíduo
precisa adquirir amplas competências que o permitam enfrentar situações imprevistas, ser tolerante
com os problemas que a sociedade enfrenta, possibilitando-o trabalhar em equipe:
Esta perspectiva traz uma mudança substancial em relação à qualificação profissional, já que as
incertezas quanto ao emprego são fato consumado nesse início de milênio. Dessa forma, a
Comissão indicou que a aprendizagem deva se adaptar às transformações no mundo produtivo,
razão pela qual a aprendizagem permanente ou ao longo da vida pode contribuir para a
“empregabilidade” (OLIVEIRA, 2008, p. 94, grifos da autora).
No Relatório (1998) há uma concepção de ensino em que se deve ampliar a formação dos
sujeitos, para além da transmissão de conhecimentos, objetivando manter, sobretudo, a coesão social.
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Letícia Pereira
Tem como eixo principal a ideia de educação por toda a vida, transferindo aos indivíduos e alunos a
responsabilidade pela sua empregabilidade. Objetiva-se formar cidadãos capazes de mediar conflitos,
desenvolver um espírito de solidariedade e consenso social, desconsiderando qualquer antagonismo ou
luta de classes.
De acordo com Oliveira (2008) essa concepção reforça a ideia de uma nova cidadania a partir da
valorização do individualismo e da cooperação para a criação e manutenção de sociedade. Essa, por sua
vez, deve ser organizada sem conflitos, onde a “capacidade individual é exaltada, numa sociedade que,
por não ter antagonismos, tem igualdade de oportunidades para todos. Através da responsabilidade e
da solidariedade social alcança-se a “utopia” do capitalismo humanizado” (OLIVEIRA, 2008, p. 94, grifos
da autora).
O Relatório Delors (1998) cita as características e qualidades que acreditam ser necessárias a
esses profissionais: “o professor deve fazer da escola um lugar mais atraente para os alunos e devem ser
capazes de enfrentar os problemas de pobreza, violência, fome e drogas e esclarecer sobre o conjunto
de questões sociais, desenvolvendo neles a tolerância” (DELORS, 1998, p. 154). Ainda segundo o
documento quanto maiores as dificuldades que o aluno “tiver que ultrapassar – pobreza, meio social
difícil, doenças” – mais é necessário que o professor possua características como “paciência, empatia,
humildade e autoridade” (DELORS, 1998, p. 158-159).
Tais afirmações passam a justificar o aumento das funções docentes destacadas pelas autoras
Evangelista e Shiroma (2007, p. 537):
[...] atender mais alunos na mesma classe, por vezes com necessidades especiais; exercer funções
de psicólogo, assistente social e enfermeiro; participar nos mutirões escolares; participação em
atividades com pais; atuar na elaboração do projeto político-pedagógico da escola; procurar
controlar as situações de violência escolar; educar para o empreendedorismo, a paz e a
diversidade; envolver-se na elaboração de estratégias para captação de recursos para a escola
(EVANGELISTA; SHIROMA, 2007, p. 537).
A análise feita pelas autoras nos possibilita compreender o forte investimento na formação da
ideologia de que o professor deve ter funções e responsabilidades que na verdade extrapolam o que
realmente lhe compete. Encontramos no documento a seguinte afirmação, sobre a responsabilização
docente: “espera-se que esses profissionais sejam capazes de obter sucesso em áreas nas quais os pais,
instituições religiosas e poderes públicos falharam” (DELORS, 1998, p. 154). Há a descaracterização do
papel e função social docente, uma vez que o responsabiliza por todas as situações de fracassos sociais.
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Letícia Pereira
[...] nas escolas, procura-se passar do ensino centrado nas disciplinas de conhecimento para o
ensino por competências referidas a situações determinadas [...] Com a mencionada
transposição, manifestou-se a tendência a considerar aqueles que ensinam como prestadores de
serviço, os que aprendem como clientes e a educação como produto que pode ser produzido com
qualidade variável (SAVIANI, 2008, p. 440).
Tal concepção mercadológica sobre a Educação prejudica o verdadeiro papel e função social da
escola, enquanto poderoso meio de mudança e transformação social, onde os principais atores
educacionais deveriam contribuir de maneira efetiva para a reflexão sobre as construções políticas, além
de possibilitar um avanço na capacidade de formular essas mesmas políticas. Portanto, diante dessa
realidade, marcada pela imposição da lógica do capital nos sistemas educacionais, cabe questionar a
atual concepção de educação pelo e para o mercado, buscando alternativas de ações pedagógicas que
visem uma transformação social.
Considerações finais
Foi possível compreendermos que o projeto de educação brasileiro, financiado e orientado pelos
organismos internacionais a partir da década de 1990, visa formar professores conformados às
exigências do Neoliberalismo da Terceira Via. Que, por sua vez, assume um caráter mais humanizado e
estabelece a conformação social em torno da ideia, difundida amplamente, de extinção de qualquer
antagonismo ou lutas de classes.
Vimos que para a consolidação desse projeto de sociabilidade, os professores foram
reconhecidos como essenciais para a sua difusão e efetivação, através da educação para o consenso,
além de serem responsáveis por assumirem a transmissão dos valores fundamentais ao mercado:
individualismo, competitividade, empreendedorismo, meritocracia e produtividade.
Sabemos que o atual momento histórico se apresenta com novos desafios para além daqueles
contidos nos documentos analisados, como por exemplo, todo o contexto da pandemia do Covid19,
somado à guerra entre Ucrânia e Rússia. O Brasil conta, ainda, com uma promessa de reestruturação
política, com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito pela terceira vez, rompendo com
quatro anos de governo do presidente Jair Bolsonaro. Mas o que podemos afirmar é que a proposta do
documento de Incheon (2016) com todas as metas para 2030 continuam em vigor e, portanto, a agenda
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Letícia Pereira
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Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 846-859, set./dez. 2022
ISSN 1984-5499
Resumo
A avaliação, no contexto escolar, como tema de pesquisa ganhou destaque na última década do século XX,
alcançando notabilidade, inclusive, no meio acadêmico-científico. Pela amplitude do tema, foi feito, para este
artigo, um recorte com objetivo de discutir sobre a avaliação escolar, na conjuntura da educação básica
brasileira, a partir de duas diferentes modalidades – a avaliação tradicional e a avaliação externa –, tendo por
base estudos realizados em um período de 15 anos. Os caminhos metodológicos da pesquisa, de abordagem
quantitativa e qualitativa, foram: I) aprofundamento da literatura mapeada sobre o tema, por meio de pesquisa
bibliográfica; II) utilização dos dados coletados para pesquisa de Pós-Graduação, através da aplicação de
questionário e entrevista; II) análise dos dados dialogando-os com os autores de referência. Os resultados
encontrados corroboram com o entendimento já apontado por outros estudos a respeito da forte presença e
interferência da avaliação escolar sobre o cotidiano das escolas e sobre o trabalho dos professores.
Palavras-chave: Avaliação Escolar. Avaliação Tradicional. Avaliação Externa. Trabalho Docente.
Abstract
Assessment, in the school context, as a research topic, gained prominence in the last decade of the 20th century,
reaching notability even in the academic-scientific environment. Due to the breadth of the theme, a cut was
made for this article in order to discuss school evaluation, in the context of Brazilian basic education, from two
different modalities - traditional evaluation and external evaluation -, based on studies carried out over a period
of 15 years. The methodological paths of the research, of quantitative and qualitative approach, were: I)
deepening of the mapped literature on the subject, through bibliographical research; II) use of the collected data
for postgraduate research, through the application of a questionnaire and interview; II) data analysis by
dialoguing them with the reference authors. The results found corroborate the understanding already pointed
out by other studies regarding the strong presence and interference of school evaluation on the daily life of
schools and on the work of teachers.
1
[email protected]
Filippe Rocha Dutra
Resumen
La evaluación, en el contexto escolar, como tema de investigación, ganó protagonismo en la última década del
siglo XX, alcanzando notoriedad incluso en el ámbito académico-científico. Debido a la amplitud del tema, se
hizo un corte para este artículo con el fin de discutir la evaluación escolar, en el contexto de la educación básica
brasileña, a partir de dos modalidades diferentes - evaluación tradicional y evaluación externa -, a partir de
estudios realizados durante un período de 15 años. Los caminos metodológicos de la investigación, de enfoque
cuantitativo y cualitativo, fueron: I) profundización de la literatura mapeada sobre el tema, a través de la
investigación bibliográfica; II) uso de los datos recopilados para investigación de posgrado, mediante la
aplicación de un cuestionario y entrevista; II) análisis de los datos dialogándolos con los autores de referencia.
Los resultados encontrados corroboran la comprensión ya apuntada por otros estudios sobre la fuerte presencia
e interferencia de la evaluación escolar en el cotidiano de las escuelas y en el trabajo de los docentes.
Palabras clave: Evaluación escolar. Evaluación tradicional. Evaluación Externa. Trabajo Docente.
Introdução
A avaliação – elaborada e vivenciada por professores em suas salas de aula – adquiriu, enquanto
temática de pesquisa, ênfase nas últimas décadas, levando o despontamento de novos estudos sobre o
assunto. Paralelo a essa questão, há que se registrar que pouca relevância era dada, até então, a esse
instrumento avaliativo, nos cursos de formação de professores (GATTI, 2003).
Falar de avaliação escolar é dizer muito a respeito daquilo que permeia e interfere diretamente
sobre as atividades escolares. O presente artigo tem sua relevância científica pautada na preocupação
em mapear o que parte da literatura publicada nas últimas década tem discutido a respeito do tema e
também dar vozes aos diferentes atores escolares2 que lidam, cotidianamente, com o tema dentro das
escolas, ao mesmo tempo que, sem esgotar as inúmeras possibilidades de debates, busca reunir
informações e discussões desenvolvidas por mim, ao longo de mais de uma década de dedicação e
estudo sobre o assunto, especificamente durante os cursos de graduação e de pós-graduação lato e
stricto sensu.
O objetivo central deste artigo é fomentar discussões e manter vivas algumas reflexões a respeito
da avaliação escolar. Pela extensão do tema, limitou-se por abordá-lo a partir de duas perspectivas: a
avaliação tradicional – um dos modelos mais utilizados nos dias atuais – e avaliação externa, devido seu
impacto sobre o trabalho docente.
Para tanto, optou-se por desenvolver uma pesquisa bibliográfica qualitativa/quantitativa,
preocupada em dialogar com autores que nos últimos anos estudam o tema avaliação escolar. Também
utilizou-se de pesquisa de campo, realizada junto a escolas da rede estadual de ensino de Minas Gerais.
A intenção é perceber, por meio da revisão bibliográfica, o que mais se tem discutido sobre
2
Entenda-se atores escolares como sendo a direção da escola, equipe pedagógica, professores e alunos.
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avaliação escolar e por meio da pesquisa de campo ligar a teoria ao que os diferentes atores escolares
têm vivenciado.
Quando o tema é avaliação escolar, há controvérsias e contrapontos que nem sempre caminham
no mesmo sentido, fato que torna a pesquisa e o seu estudo algo ainda mais desafiador e, ao mesmo
tempo, necessário.
Discutir a temática é também refletir sobre o que acontece nas instituições de ensino do Brasil, é
também debater sobre uma série de questões que envolvem o chão da escola e atores escolares
envolvidos direta ou indiretamente no processo avaliativo.
Os anos de 1990, para os estudos da avaliação escolar, podem ser percebidos como aqueles em
que houve um despontamento significativo de interesse em pesquisas que abordassem o tema. Até
então sem lugar de destaque nos congressos de educação ou mesmo nos cursos de Pedagogia existentes
no Brasil, a avaliação escolar ascende, como objeto de estudos, promovida tanto por gestores quanto
por pesquisadores do campo educacional (ROMÃO, 2007).
Segundo Gatti (2002, p. 17):
Avaliação Educacional hoje não é apenas um campo com teorias, processos e métodos
específicos, mas também um campo abrangente que comporta subáreas, com características
diferentes: avaliação de sistemas educacionais, de desempenho escolar em sala de aula, de
rendimento escolar com objetivo de macroanálises, de programas, avaliação institucional e
autoavaliação. Admite ainda diferentes enfoques teóricos como avaliação sistêmica, avaliação
iluminativa ou compreensiva, avaliação participativa etc. No entanto, geralmente quando se fala
em Avaliação Educacional, o que vem à mente é a de rendimento escolar, ou de desempenho,
confundida com a ideia de medida pontual. Não sem razão visto que esta é a modalidade de
avaliação mais presente no cotidiano das pessoas. Como nossas escolas emergiam sob a égide da
preparação de elites, a avaliação seletiva no cotidiano escolar firmou-se, por centenas de anos,
como cultura preponderante.
Ainda à luz de Gatti (2002), reforça-se o que já foi explicitado há pouco a respeito da amplitude do
tema e, nesse sentido, evidencia-se, mais uma vez, a delimitação de interesse de discussão dentro de
uma das subáreas elencadas pela autora – avaliação de desempenho escolar –, optando-se por
estruturar este trabalho a partir de três questões centrais: o que é avaliar? Como tem sido a prática da
avaliação nas escolas? Quais as interferências sobre o trabalho docente?
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Filippe Rocha Dutra
O que é avaliar?
É creditado ao estadunidense Raphy Tyler o uso, pela primeira vez, da expressão “avaliação
educacional”, no ano de 1934, sendo ele, portanto, considerado o “pai da avaliação escolar” (DIAS
SOBRINHO, 2002; 2003).
Na busca por um melhor entendimento do papel desempenhado pela avaliação no meio escolar,
autores como Perrenoud (1999, p. 10) já se debruçaram sobre essa questão. Para esse autor, a avaliação
está “[...] no âmago das contradições do sistema educativo”, podendo, por assim, assumir papel positivo
ou negativo dentro do processo ensino-aprendizagem.
Avaliar por avaliar pode ser considerado um ato isolado que se resume somente no julgamento de
algo, de alguma proposta ou mesmo de um desempenho esperado. Em uma perspectiva mais
pedagógica, o ato de avaliar deve primar por ser um “[...] julgamento de valor sobre manifestações
relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão” (LUCKESI, 2018, p. 33).
Mesmo levando em consideração a relevância dos testes, Tyler enfatizava que o processo
avaliativo deveria se debruçar para o julgamento do comportamento dos alunos, a partir de objetivos
estruturados, prevendo sua ocorrência, dentro do ambiente escolar, de forma contínua e por meio de
procedimentos diversificados (SOUSA, 1998).
Para Libâneo (2017, p. 195), a avaliação no campo educacional é “[...] uma tarefa complexa que
não se resume à realização de provas e atribuições de notas”. As chamadas provas ou testes escolares
podem ser considerados instrumentos avaliativos, porém todo o processo avaliativo não deve se resumir
a tais práticas.
A partir desse entendimento, a avaliação pode ser vista como um juízo de valor, um julgamento,
um fio condutor na tomada de decisão no campo educacional. É juízo de valor, porque afirma ou
desqualifica o objeto avaliado mediante critérios pré-estabelecidos. É julgamento, porque visa analisar
criteriosamente seu objeto. É fio condutor na tomada de decisão, porque, após o objeto ser avaliado e
de posse dos resultados obtidos, a etapa seguinte está baseada em ações que irão nortear o trabalho do
setor educacional.
Luckesi (2018) chama a atenção para a concepção do ato de avaliar como sendo uma crítica, em
que se deve ser capaz de detectar problemas e propiciar meios para que sejam contornados ou até
mesmo sanados. Há que se enfatizar que, dentro desta concepção crítica, o ato de avaliar está longe da
banal concepção de acusação. Ao contrário, é instrumento que diagnostica, redimensiona, acrescenta
pontos, bem como zela por aquilo que passa pelo seu atento e precioso olhar.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 860-878, set./dez. 2022
Filippe Rocha Dutra
Avaliar pode ser algo que liberta, emancipa, discrimina ou que represente autoritarismo. Tudo
depende da postura do avaliador e do avaliado, bem como por quais caminhos perpassa todo o
processo.
Para Esteban (2002, p. 22), “avaliar é interrogar e interrogar-se”. É buscar compreender os fatos e ir
além do que se apresenta. É interessante perceber que dentro dessa visão, o questionamento, o ato de
avaliar é duplo, uma vez que o avaliador deve ser capaz de trabalhar em um processo que envolve o
outro, o seu ser, bem como todo o contexto externo a eles.
À luz dessa perspectiva e considerando o ambiente escolar, a avaliação adquire uma roupagem
muito diferente e mais ampla do que a presenciada nas instituições de ensino, em que, além de ser
resumida a simples testes, acaba assumindo, muitas vezes, o papel de instrumento repressor e/ou
seletor do que é certo e errado.
O processo avaliativo também pode ser entendido como um elemento de relevância quando se
enverada por analisar o tema a partir do contexto político, seja porque sofre interferência do sistema
político-econômico predominante em boa parte do planeta – o Capitalismo, incluindo aqui as propostas
neoliberais para o campo da educação –, bem como das políticas públicas voltadas para o setor
educacional que estão, muitas vezes, direcionadas por ideologias de governos e/ou pelo próprio sistema
político hegemônico.
Nesse sentido, salienta e, ao mesmo tempo, alerta Freitas (2010, p. 94-95):
Que a forma da avaliação existente nas escolas está intimamente ligada à forma escolar
constituída pelo sistema capitalista a partir de seus objetivos educacionais. Somente uma
alteração nestes objetivos, poderá gerar uma nova concepção de escola e, consequentemente,
uma nova concepção prática de avaliação [...] A associação entre avaliação e poder do professor
(e da escola) joga muitas das propostas ‘inovadoras’ da avaliação em um terreno dicotômico:
formas autoritárias versus formas democráticas de avaliar. Entretanto, a solução para as questões
de avaliação não pode ser pautada como um dilema entre o autoritarismo e o democratismo.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 860-878, set./dez. 2022
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conceito ao aluno. "É ela que permite tomar conhecimento do que se aprendeu e do que não se
aprendeu e reorientar o educando para que supere suas dificuldades, na medida em que o que importa
é aprender" (LUCKESI, 2005, p. 55).
A partir das diferentes percepções e concepções a respeito da avaliação escolar apresentadas,
mesmo que de forma não aprofundada, é possível se perceber que, além de despertar opiniões
diferentes e por vezes não congruentes, é um tema que está diretamente ligado ao ambiente escolar,
capaz de revelar muito sobre esse espaço e também de apontar caminhos e discussões relevantes para
as pesquisas no campo educacional.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 860-878, set./dez. 2022
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predefinido. Essa tendência avaliativa tornou-se mais regra do que opção, mais processo a ser seguido
do uma das várias possibilidades de se conceber e vivenciar a avaliação nas instituições de ensino.
Dentro desse formato avaliativo, fica mais notória a perspectiva de uma relação desigual entre
alunos e professores: estes serão sempre vistos como aqueles que detêm o conhecimento, enquanto os
alunos serão aqueles que não sabem e/ou que sempre têm o que aprender; o ato de avaliar se dá a
partir do fracionamento do conhecimento, desvinculando o que foi transmitido ao aluno daquilo que
este mesmo aluno pode fazer com o que aprendeu (FREIRE, 1987).
A partir de uma análise mais politizada a respeito do contexto pedagógico e levando em
consideração o fato de estar imerso no processo avaliativo – pelo fato de ser professor da educação
básica –, compartilho da percepção de Luckesi (2018, p. 36), no sentido de que há um entendimento de
que “[...] o ritual pedagógico não propicia nenhuma modificação na distribuição social das pessoas e,
assim sendo, não auxilia a transformação social”.
O conceito de “bom”, “médio” ou “inferior”, rotulado ao aluno a partir de um modelo de avaliação
tradicional, refletirá significativamente nesse mesmo aluno enquanto membro da sociedade. O “bom”
aluno da escola tenderá a ser sempre o “bom” na sociedade, o “médio” será sempre o “médio” e o
“inferior” será sempre o “inferior”.
Levando em consideração a denominada avaliação tradicional, percebe-se que a mesma possui um
caráter classificatório, fato que tem corroborado para ratificar os conceitos mencionados no parágrafo
anterior. Nessa perspectiva, ela constitui-se em um instrumento estagnador e manipulador do processo
de crescimento, pouco servindo de objeto auxiliador quando se detecta no aluno alguma dificuldade.
Pelo contrário, pode-se constatar que “as provas escolares que estimulam os alunos a repetir
informações, além de pouco úteis, são frequentemente prejudiciais, pois engessam a inteligência”
(CURY, 2003, p. 78).
A impressão que se tem é de que o processo avaliativo estaria, então, funcionando como ponto
definitivo de chegada, em que não haveria espaço para se fazer mais nada, nem para se almejar novas
perspectivas de aprendizado, nem ao menos para se buscar melhorias. Nessa visão, a avaliação estaria
longe de ser “um momento e fôlego na escalada, para, em seguida, ocorrer a retomada da marcha de
forma mais adequada” (LUCKESI, 2018, p. 34-35).
O que se pode verificar é que a prática da avaliação tradicional é, acima de tudo, antidemocrática e
desestimulante no que toca ao processo de evolução da aprendizagem dentro de novas perspectivas,
visto que, como afirma Cury (2003, p. 142), “há muitas escolas que só se preocupam em preparar os
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As provas são vistas pelos docentes como um instrumento que ‘mede’ a aprendizagem e são
praticamente o único tipo de instrumento de que se valem para a avaliação [...] Varia o grau em
que os professores usam as provas como meio de ensino e também de aprendizagem, como
forma de obter informações relevantes sobre o processo de desenvolvimento escolar dos alunos
e sobre seu próprio processo de ensino. Na verdade, poucos têm em mente estas questões,
ficando a avaliação restrita apenas a um processo de verificação que se baseia em concepções
nem sempre claras sobre o que julga que os alunos devam ter retido, sintetizado ou inferido dos
conteúdos tratados” (grifos nossos).
Com um olhar um pouco mais atento à realidade das escolas brasileiras, a prática da avaliação,
processada no âmbito da sala de aula e inserida no espaço escolar, segue, ainda, uma rotina corriqueira
que pouco se diferencia de uma escola para outra.
Os professores, em linhas gerais, após mais ou menos sessenta dias de aulas, avaliam seus alunos,
formulando provas ou testes que são alicerçados em diversas variáveis: conteúdos ensinados, como
também os que o professor supostamente pensou ter ensinado, fora os conteúdos extras com o intuito
de tornar o processo avaliativo mais difícil.
A essas variáveis somam-se, ainda, questões disciplinares dos alunos e, como bem define Luckesi
(2018, p. 67), uma certa “patologia magistral permanente” que inculcada na mente dos professores e
membros da escola deixa bem claro que nenhum professor ou instituição escolar é capaz de aprovar a
todos.
Ao fazer a correção, o professor atribui a cada aluno uma nota ou conceito que é registrado em um
caderno, boletim, diário físico e/ou digital, que, no final do ano, se converte em uma nota que
representará cada aluno, com base naquilo que supostamente ele aprendeu no decorrer dos dias letivos.
Paralelo a essas provas, existem pequenos trabalhos e questionários, testes intermediários e os famosos
“pontinhos”, que dependerão rigorosamente do comportamento do aluno em sala de aula e da sua
interação com o conteúdo ensinado.
Dentro desse contexto, o raio x que se pode fazer do processo avaliativo que vem sendo
desenvolvido nas escolas brasileiras é de uma avaliação que tradicionalmente mede a aptidão do aluno
em torno de sua capacidade de domínio, memorização e exposição correta de conceitos, fato que revela
a simplificação do processo avaliativo, visto que leva em consideração determinadas competências em
detrimento de outras.
Dessa forma, a avaliação escolar tem se tornado uma prática antidemocrática e também
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efetivamente arbitrária, uma vez que é capaz de sucumbir toda e qualquer criatividade e estímulo tanto
dos alunos como dos professores.
A prática tradicional da avaliação, como já apontava Perrenoud (1999), estaria sustentada em dois
pontos: a criação de hierarquias e a certificação de aquisições em relação a terceiros. No que toca ao
primeiro ponto, há que se considerar que a avaliação tradicional compara alunos e os classifica dentro
de um padrão que deverá ser seguido por todos. Tal hierarquia estabelece relações e rotula condutas a
serem exercidas pelo aluno, seja ele o “melhor” ou o “pior”.
Quanto ao segundo ponto, a certificação de aquisições em relação a terceiros, percebe-se que a
avaliação tradicional cria competências e virtudes a partir do sucesso ou insucesso dos alunos. Se o
indivíduo possuir o título “X”, por exemplo, fruto de um curso ou grau escolar conferido, é certificado a
ele um suposto potencial mediante a observação de terceiros. Porém, o que deveria se levar em
consideração é que “uma certificação fornece poucos detalhes dos saberes e das competências
adquiridos e do nível de domínio precisamente atingido em cada campo abrangido” (PERRENOUD, 1999,
p. 13).
A partir do que até aqui foi discutido, pode-se perceber que a avaliação tradicional peca devido a
diversos fatores. Um deles porque rotula e credencia a partir do geral, do preestabelecido; prevarica
porque não considera a individualidade, a capacidade e o potencial de cada sujeito.
Há ainda, seguindo o caminho proposto por este artigo, espaço para se destacar duas outras
questões que envolvem a prática da avaliação: a partir do quê ou de quais princípios os alunos são
avaliados? E ainda, quais esforços são necessários para a prática de uma avaliação?
Assim, em um alinhamento crítico à forma tradicional de se avaliar, essa prática estaria se
respaldando no princípio de que os alunos “são avaliados em função de exigências manifestadas pelos
professores ou outros avaliadores, que seguem os programas e outras diretrizes determinadas pelo
sistema educativo” (PERRENOUD, 1999, p. 25). O processo de avaliação estaria preso e subordinado a
modelos e a questões técnicas, fator que, muitas vezes, o torna incompatível com a criatividade e com a
possibilidade de inovações.
Estaria esse mesmo processo avaliativo sendo conduzido por perspectivas que ampliam as
desigualdades. Como alerta Bourdieu, citado por Perrenoud (2001, p. 66):
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Filippe Rocha Dutra
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teste estandardizado, destacados por Gatti (2002) como uma das subáreas da avaliação educacional.
Barreto e Pinto (2001, p. 39) apontam para a crescente tendência, já no final do século passado, da
prática de avaliações feitas pelo poder público, respaldada, muitas vezes, pelas “[...] exigências de
organismos multilaterais que vêm tendo papel importante na definição e financiamento das políticas da
área [...]”.
Na segunda década do século XXI, é nítida uma estreita relação – patrocinada por diferentes
governos, redes de ensino, organizações internacionais, profissionais de várias áreas, inclusive da
educação – entre as avaliações externas e a qualidade da educação que é ofertada nas escolas. Há que
se destacar que tal associação costuma ser feita de forma superficial na medida que considera os
exames de larga escala o principal, se não talvez o único, instrumento revelador de qualidade.
Essa associação requer uma análise mais ponderada que não ficasse restrita aos estudos da academia,
mas que alcançasse os diferentes espaços, incluindo as escolas e gabinetes dos governos. Souza (2014,
p. 408), que traz contribuições sobre tal questão, afirma que “sempre que tratamos do tema avaliação
educacional, necessariamente, à abordagem assumida está subjacente uma dada concepção de qualidade
[...]”. Facilmente é possível de se constatar uma forte tendência de implantação das avaliações de larga escala
dentro das redes de ensino, com vistas ao incremento da qualidade (ALAVARSE, BRAVO, MACHADO, 2013),
mesmo que qualidade educacional esteja resumida a boas notas nos testes aplicados.
Alves e Franco (2008) indicam a existência de um sistema de avaliação como instrumento de uma
política pública. No caso brasileiro apontam para o fortalecimento do Sistema de Avaliação da Educação
Básica (SAEB), em especial da Prova Brasil, a partir de um contexto de pesquisas voltadas para a eficácia
escolar e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que, a partir de 2007, também
começa a influenciar na definição de metas bianuais a serem perseguidas pelas instituições e redes de
ensino (BONAMINO, 2013).
Paralelo a esse fato e a partir da realidade que pode ser constatada já nos primeiros anos da
primeira década do século XXI, salientam Alves e Franco (2008, p. 486) que
[...] várias redes de ensino estaduais, municipais e mesmo privadas desenvolveram seus próprios
sistemas de avaliação de desempenho escolar. Em geral são avaliações censitárias, que envolvem
todos os alunos matriculados nas séries selecionadas e incluem todas as escolas das respectivas
redes de ensino”.
Seguindo uma tendência mundial, no Brasil assiste-se, nos últimos anos, a intensificação na
aplicação de exames externos. São avaliações, como afirmam Bonamino e Sousa (2012, p. 375), que [...]
associam-se à promoção da qualidade do ensino estabelecendo [...] novos parâmetros de gestão dos
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sistemas educacionais”.
As experiências vivenciadas por mim enquanto profissional da educação – atuando em diferentes
redes de ensino e funções dos setores do magistério e da administração escolar – e o contato com vários
colegas de profissão corroboram com o que foi exposto até aqui. O testemunho que posso dar é de que
há, no país, a consolidação de todo um arcabouço avaliativo, de toda uma estrutura avaliativa sistêmica
presente nas esferas federal, estadual e até mesmo na municipal.
Pais de alunos, já marcados pelo vício da busca pelo sucesso na vida profissional e social,
entendem que o que realmente importa é que seus filhos sejam aprovados e, para que isso ocorra,
devem perseguir boas notas. Os efeitos desta prática no cotidiano escolar são nítidos – seja pela forte
presença do modelo tradicional de avaliação, seja pelo notório crescimento da avaliação externa como
um instrumento avaliativo da educação –, visto que as escolas e até o próprio sistema social preparam
os estudantes para as provas, para os exames, para a promoção. Em sua grande maioria, nas reuniões de
pais, os assuntos tratados são rendimento e problemas dos alunos com suas notas, o que, algumas
vezes, é ponto de discussão e desentendimento.
O processo avaliativo pode ser visto como uma ferramenta que exerce significativa pressão sobre
todo o sistema educativo. Tal afirmativa pode ser embasada, por exemplo, na própria caracterização
dada, muitas vezes, pelos professores às provas (por vezes utilizadas para amedrontar, inibir, ameaçar e,
em casos mais excessivos, para torturar os alunos). As avaliações se tornariam, portanto, instrumentos
dos professores e estes as utilizariam para provar seus alunos e não para fazê-los crescer.
Como apontam Santini e Coelho (2004, p. 37-38):
Em uma análise sociológica, histórica e cultural, vemos que a avaliação muitas vezes serviu e tem
servido aos professores como forma de controle e poder sobre os alunos dentro da realidade
sistêmica de exclusão em que a escola costuma estar inserida.
Da parte dos alunos, percebe-se que acabam por concentrar suas forças – que tanto seriam úteis
se preocupadas de verdade com a aprendizagem e o crescimento intelectual – em provas com o intuito
de conseguirem bons resultados e, consequentemente, a tão almejada promoção, fato que, inclusive,
corroboraria para a existência da utilização de meios ilícitos por parte dos mesmos, para conseguirem
um bom resultado; afinal, o que vale é uma boa nota e não como se faz para consegui-la.
Luckesi (2018, p. 21) já sintetizava bem toda essa lógica da avaliação como meio de busca pela
nota ao afirmar que:
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O que se percebe pela revisão de literatura feita para este trabalho é que já há algum tempo se
presencia, com frequência, o fato de que “[...] as notas se tornaram a divindade adorada tanto pelo
professor como pelos alunos (LUCKESI, 2018, p. 24) e isso reforça, ainda mais, a preocupante ideia da
prática de uma avaliação que mede, que castiga sutilmente e instiga ao medo e, em muitos casos, ao
fracasso escolar por parte dos alunos.
Há que se destacar que não é objetivo deste artigo demonizar a avaliação, em especial a avaliação
tradicional e a avaliação externa. Mas sim promover uma reflexão acerca de como tem sido o processo
avaliativo nas escolas brasileiras. Uma das formas de fomento à reflexão é dar voz aos diferentes atores
escolares que lidam de forma direta com o sistema avaliativo, buscando saber desses mesmos atores
sobre o que pensam a respeito da ingerência dos processos avaliativos sobre as atividades escolares. E é
justamente isso o que a sessão, a seguir, dedicou-se a fazer.
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resultados obtidos por alunos e escolas; a presença de estratégias desenvolvidas pelos diferentes atores
escolares para conciliarem as diversas demandas da educação com as imposições do sistema avaliativo
(DUTRA, 2018).
Os dados da referida pesquisa apontam que há uma influência da avaliação externa no cotidiano
das atividades desenvolvidas pelos atores escolares, bem como uma relação próxima entre o exame
externo e as avaliações internas, elaboradas pelos próprios professores.
A pesquisa desenvolvida por Borges e Sá (2015)3 aponta que, para a grande maioria (83,7%) dos
professores, as avaliações internas que aplicam a seus alunos possuem o mesmo formato das avaliações
externas e que, para 82,9%, possuem, inclusive, o mesmo conteúdo.
A questão da cobrança e da responsabilização – que também são enfatizadas pela primeira
pesquisa citada e que podem ser consideradas uma realidade nas escolas participantes – tem relação ao
que Sacristán e Gómez (1998) denunciam como sendo a capacidade das avaliações externas em
pressionarem o ambiente escolar, alcançando, como aponta também a pesquisa desenvolvida por
Rosistolato, Prado e Fernandez (2014)4 um efeito dominó, atingindo as diferentes hierarquias do sistema
educacional.
Ainda no campo da responsabilização,
3
Os dados empíricos [...] mobilizados foram recolhidos por meio de questionários encaminhados de forma on line aos
professores que participaram do “III Seminário Prevenção da violência nas escolas e promoção de uma cultura de paz:
buscando caminhos”, organizado pela Escola de Formação e Desenvolvimento Profissional de Educadores
(MAGISTRA/SEEMG), no período de 10 a 14 de novembro/2014. Para este seminário inscreveram- se 594 educadores da
educação básica, de todas as 47 Superintendências Regionais de Ensino (SRE) do estado de Minas Gerais, sendo: 83
representantes das SRE, 317 professores, 78 especialistas em educação básica, 85 diretores de escolas, 26 vice-diretores de
escolas, 03 coordenadores do programa Reinventando o Ensino Médio, 01 secretário escolar e 01 analista educacional. Dos
317 professores que receberam o questionário, 100 fizeram a devolução (BORGES; SÁ, 2015, p. 108)
4
Pesquisa desenvolvida a partir de análise de dados coletados em pesquisa realizada no ano de 2012, por meio de grupos
focais compostos por 12 gestores da rede municipal de educação da cidade do Rio de Janeiro, 11 profissionais que atuam nas
Coordenadorias Regionais de Ensino e 4 profissionais atuando na Gestão Central da Secretaria de Estado de Educação.
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A questão das estratégias adotadas pelos diferentes atores escolares, para conciliarem a demanda
advinda do processo avaliativo com outras atividades próprias da escola, é um outro ponto que foi
levantado pelo estudo a respeito das interferências das avaliações no cotidiano das escolas.
A grande maioria dos professores que responderam ao questionário (72,6%) disseram que o
SIMAVE os tem levado a utilizarem estratégias escolares para responder às demandas do seu
trabalho e à agenda avaliativa do PROEB; 24,2% disseram não saber responder a essa questão e
somente 3,2% afirmaram que o SIMAVE não os tem incitado a buscar por estratégias (DUTRA,
2018, p. 97).
Ampliação da carga horária de trabalho, seleção de atividades prioritárias e trabalho coletivo são
as estratégias apontadas como possíveis alternativas ao aumento das atividades escolares (DUTRA;
FERENC; WASSEM, 2019).
A questão da ampliação da carga horária de trabalho é uma realidade presente na vida de muitos
daqueles que labutam no ambiente escolar e é também indicada na pesquisa desenvolvida por Barbosa
e Vieira (2013)5. As autoras apontam que, para 72% dos participantes, houve um aumento da demanda
de trabalho, envolvendo desde horas para realização de reuniões – que tratam sobre as avaliações
externas e análises dos resultados –, até a elaboração de simulados para preparar os alunos, bem como
a adequação e disposição de atividades e de processos avaliativos de acordo com o que é exigido nas
avaliações externas.
5
Pesquisa realizada com o objetivo de investigar “[...] a avaliação externa estadual em Minas Gerais e fornecer subsídios para
a compreensão de seus efeitos na prática docente. A pesquisa envolveu a aplicação de 102 questionários, entrevistas com a
Diretora da Superintendência de Avaliação da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, com a Coordenadora da
Unidade de Avaliação do CAEd/UFJF, com a ex-secretária adjunta de educação do governo Itamar Franco, a analista
educacional da Superintendência Regional de Passos, responsável pela avaliação, com o Secretário Municipal de Educação de
Formiga, e 81 entrevistas a gestores e professores de cinco escolas públicas do município de Formiga – MG, sendo que três
destas escolas são municipais e duas são estaduais” (BARBOSA; VIEIRA, 2013, p. 419).
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A seleção de atividades consideradas prioritárias frente aos desígnios abrangentes que tomam
conta da educação brasileira também é outra realidade visível. Cabe, por assim, aos diferentes atores
escolares selecionarem e darem preferência àquilo que se coloca como inadiável ou insubstituível.
A questão do trabalho coletivo é uma resposta às múltiplas funções depositadas sobre os
diferentes atores escolares da atualidade. O assunto é abordado por Thurler e Maulini (2012), que
compreendem o mesmo como uma organização do trabalho docente e alternativa para as
particularidades dos tempos atuais, incluindo o fato de ser uma atividade que transcende as limitações
da sala de aula como espaço de aprendizagem.
Nesse sentido, há que se ponderar que existe uma forte interferência do processo avaliativo sobre
o dia a dia das escolas e que tal ingerência, além de melhor compreendida, deve ser mais
constantemente estudada.
Considerações finais
Que a avaliação é uma realidade nas escolas brasileiras e que sua ação sobre o sistema de ensino
não pode ser desconsiderada, é um diagnóstico que boa parte daqueles que estudam o assunto e,
também, dos que estão no cotidiano escolar são capazes de fazer.
Entretanto, ao reafirmar essas questões, deseja-se, justamente, evidenciar que o processo
avaliativo, na atualidade, permite e exige novas práticas e posturas. A escola e a avaliação do século XXI
estão cercadas por um contexto diferente do vivido pelas sociedades pregressas.
Se por um lado ainda se mantêm práticas tradicionais, que reproduzem um passado que não mais
condiz com o contexto societário da atualidade, é possível também vislumbrar a coabitação dessa
realidade a práticas avaliativas muito impregnadas de ideologias que aproximam mais a educação a
ideais econômicos e mercadológicos do que propriamente pedagógicos. Como afirma Furtado (2007), “a
lógica da avaliação por nós praticada é resultante, estejamos ou não conscientes disso, do modelo de
sociedade que apoiamos. Mudar nossa prática avaliativa exige comprometimento com um modelo social
mais justo e incluso”.
Seja por meio da vivência de avaliações nos moldes tradicionais, seja através dos exames externos,
ou até mesmo pelas várias outras maneiras de se avaliar alunos, escolas e redes de ensino, o que se faz
questão de destacar é o fato de que esse valioso instrumento deve estar a serviço da educação,
primando sempre pela busca de melhorias e não subordiná-lo a seus preceitos, conceitos e proposições.
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E, nesse sentido, o presente artigo elucida a necessidade de uma educação transformadora da vida
dos alunos; um processo de ensino e aprendizagem focado não meramente em regras, metas e índices a
serem atingidos ou mesmo diplomas a serem conquistados, mas, acima de tudo, que seja um caminho
marcado por uma aprendizagem efetiva, alcançada de diferentes maneiras, por uma formação-cidadã,
pautada em valores humanos e conceitos científicos aplicados à realidade. Uma prática avaliativa a
serviço da docência e dos processos metodológicos e didáticos e não que se valha de cárcere ao trabalho
a ser desenvolvido pelos professores e escolas.
Dentro dessa perspectiva, a avaliação tem seu espaço, valor e papel a desempenhar, atuando
diretamente como um instrumento da educação.
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ISSN 1984-5499
Resumo
A educação infantil como a primeira etapa do ensino e agora como uma etapa obrigatória, tem como missão o
desenvolvimento integral da criança. E nessa integralidade incluem-se marcos de desenvolvimento e assim, as
habilidades numéricas. O presente artigo esclarece como os documentos oficiais norteadores se referem a
educação matemática e a intrínseca relação com o brincar. Em seguida descreve como a matemática é erigida na
mente da criança ao longo dos primeiros anos de vida, e por fim demonstra uma lista de brinquedos e uma
sequência didática de como aplicar o uso de um deles no espaço pedagógico.
Palavras-chaves: Senso numérico. Educação Infantil. Brinquedo.
Abstract
Early childhood education as the first stage of education and now as a compulsory stage, has as mission the
integral development of the child. And in this integrality are included in developmental milestones and thus
numerical skills. This article clarifies how the official guide documents refer to mathematics education and the
intrinsic relationship with play. It then describes how mathematics is erected in the child's mind over the first
years of life, and finally demonstrates a list of toys and a teaching sequence of how to apply the use of one of
them in the pedagogical space.
Keywords: Numerical sense. Child education. Toy.
1
[email protected]
2
[email protected]
3
[email protected]
Antônio Felipe Pereira da Silva, Andrea Carla Machado, Karina Kelly Borges
Resumen
La educación de la primera infancia como primera etapa de la educación y ahora como etapa obligatoria, tiene
como misión el desarrollo integral del niño. Y en esta integralidad se incluyen los hitos del desarrollo y por lo
tanto las habilidades numéricas. Este artículo aclara cómo los documentos de la guía oficial se refieren a la
educación matemática y la relación intrínseca con el juego. A continuación, describe cómo las matemáticas se
erigen en la mente del niño durante los primeros años de vida, y finalmente demuestra una lista de juguetes y
una secuencia dida de cómo aplicar el uso de uno de ellos en el espacio pedagógico.
Palabras-clave: Sentido Numérico. Educación Infantil. Juguete.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei 9394/96), toda
criança deve ter acesso à educação. Esta mesma lei estabelece que a Educação Infantil seja a primeira
etapa da educação básica. Entende-se esta fase da educação como os primeiros seis anos da educação
escolar. Conforme a presente lei, na intervenção na Educação Infantil consta a seguinte observação: “Art.
31. Na educação infantil a avaliação e intervenção preventiva far-se-á mediante acompanhamento e
registro do seu desenvolvimento sem o objetivo de promoção” (BRASIL, 1996, p. 16).
A educação infantil é considerada a primeira etapa da educação básica (título V, capítulo II, seção
II, art. 29), tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade.
Considerando-se as especificidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas das crianças de zero a seis
anos, a qualidade das experiências oferecidas pode contribuir para o exercício da cidadania e seu pleno
desenvolvimento (BRASIL, 2001a).
De acordo com (CARVALHO; SCHMIT, 2021) a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (2017) é o
documento que norteia os sistemas público e privado de educação na elaboração de seus currículos.
Esse documento estabelece os conhecimentos, as habilidades e as competências (as aprendizagens
essenciais) a serem desenvolvidos pelos estudantes em todos esses níveis de ensino.
O documento reafirma o compromisso brasileiro com a Educação Inclusiva, atribuindo às redes
de ensino e às instituições escolares a tarefa de elaborar currículos que contextualizem os conteúdos
dos componentes curriculares, indiquem formas de organização interdisciplinar desses componentes,
selecionem estratégias e metodologias diversificadas, construam formas de avaliação formativa, dentre
outras.
Assim, os agentes envolvidos nos processos educacionais, e as crianças por eles atendidas,
podem beneficiar-se do conhecimento sobre quais práticas são provavelmente mais capazes de
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 879-898, set./dez. 2022.
Antônio Felipe Pereira da Silva, Andrea Carla Machado, Karina Kelly Borges
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 879-898, set./dez. 2022.
Antônio Felipe Pereira da Silva, Andrea Carla Machado, Karina Kelly Borges
Assim, o Plano decenal de educação para todos (BRASIL, 1993) e como a meta 7 do atual plano
vigente (BRASIL, 2015a) é fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades,
bem como as diretrizes e estratégias e orientações para a educação de crianças com necessidades
educacionais especiais4 em creches e pré-escolas orientam a criação de programas de identificação
precoce em escolas ou instituições especializadas públicas ou privadas, estabelecendo convênios e
parcerias para avaliação, identificação das necessidades específicas, apoio, adaptações,
complementações ou suplementações que se fizerem necessárias, tendo em vista o desenvolvimento
das potencialidades e o processo de aprendizagem dessas crianças com necessidades educacionais
especiais
Nesta perspectiva, pesquisas com resultados robustos como Mazzoco e Thompson (2005)
apontam que o senso numérico, avaliado na educação infantil, é um forte preditor de desempenho na
matemática nas séries iniciais. Por exemplo, Jordan e Hanich (2003) examinaram o desenvolvimento do
senso numérico em 411 crianças de educação infantil, considerando as seguintes habilidades:
contagem, princípios de contagem, conhecimento de número, transformação de número, estimativa e
padrões numéricos. As mesmas crianças foram testadas em desempenho em matemática no final do 1°
ano. Análises preliminares apontam que as habilidades testadas têm forte validade preditiva, mesmo no
início da educação infantil, quando as crianças tinham uma limitada instrução formal em matemática
Os estudos sobre o impacto da matemática apresentados na revisão sistemática de Nelson
(2018) indicam que a participação da criança pequena é variável chave e ela depende de atividades
direcionadas que são dirigidas ou mediadas pelo professor. Assim, é preciso lançar mão de materiais
que auxiliem de forma sistemática, para que os professores possam ter de fato quais habilidades
numéricas, intervir.
4Os termos “crianças com necessidades educacionais especiais” e “crianças público-alvo da Educação Especial” neste estudo referem-se às
crianças com atraso desenvolvimento e que apresentam dificuldades no aprendizado considerando sua faixa etária e escolaridade.
Necessitando assim, oportunidades de identificação precoce pois caracterizam-se crianças de risco, segundo a Política da educação especial
na perspectiva da educação inclusiva (2008).
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De acordo com Carey (2009) após a explosão lexical em que a criança adquire várias palavras em
seu repertório, ela começa a distinguir as palavras que se referem ao indivíduo (um só) e as que se
referem ao grupo de elementos (múltiplos). Essa interpretação semântica não é baseada em nenhum
dos dois processos de cognição numérica inatos (Magnitude paralela e Individualização paralela) e sim
em uma Quantificação Baseada em Grupos, relacionada a experiência vivenciadas no cotidiano fazendo
parte do dispositivo de aquisição de linguagem (LAD em inglês), que são competências de aprendizagem
que um ser humano tem e que é manifestado ao longo do segundo e terceiro ano de vida.
Apesar da presença de três dispositivos cognitivos citados anteriormente, magnitude paralela,
individualização e quantificação baseada em grupos, a percepção da matemática ao longo nos primeiros
anos de vida, quando a criança vai aprender os numerais, logo aprende a contar, e ocorre uma
descontinuidade. Todo os aparatos numéricos ainda utilizados, entretanto todos os conceitos de
algarismo e quantidades exatas fornecidas pelo sistema numérico decimal é estruturado culturalmente
por meio de experiências.
Nessa direção, mesmo após aprender a recitar os números a criança fica cerca de um ano e meio
sem atribuir cardinalidade aos números e conjuntos de números aos quais recita. A construção dessa
habilidade ocorre resumidamente da seguinte forma: a) a criança em consequência da Quantificação
Baseada em Grupos consegue distinguir o “UM” dos outros numerais, porque em situações que usamos
um, toda a estrutura linguística é expressa no singular. E a criança equipara “um” com a quantidade de
magnitude análoga correspondente ao um. Nesse estágio a criança é categorizada como Um-conhecedor
(CAREY et.al. 2017).
Logo em seguida a criança adquire o valor cardinal da palavra DOIS, ela reconhece que dois
sempre é indicado quando se refere ao número UM acompanhado de outro UM. A criança leva cerca de
seis meses, para assimilar que a presença de dois grupos UM formam o valor cardinal da palavra DOIS. E
nesse estágio ela se chama Dois-conhecedor, de acordo com Carey (2017).
Com o TRÊS é o mesmo sistema, a criança reconhece o grupo DOIS com a adição do grupo UM de
objetos e percebe que o número três é composto no número 2 mais 1. Aqui se faz uso da versão
enriquecida da individualização paralela, quando a criança contrasta o grupo de 2 e 3 objetos. E ela
atinge o estágio de Três-conhecedor. E nesse mesmo esquema ela reconhece o 4.
A partir do numeral 4, a criança descobre que as palavras números sempre terão um sucessor
que nada mais é que número mais 1. E assim, ela será considerada conhecedora do princípio cardinal.
Diante disso, torna-se importante a discussão sobre os currículos de matemática (HAASE; FRITZ;
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RASANEN, 2020), pois além das diferenças estruturais, há uma discrepância enquanto a realidade das
conquistas de aprendizagem nas salas de aula. Os materiais apresentados na etapa da educação infantil,
por exemplo, merecem ter um papel na representação e na tradução do currículo pois, de acordo com o
desenvolvimento de estratégias e seu ensino podem fornecer diferentes interpretações e intenções
pedagógicas diferindo, assim, muito em seu conteúdo e forma de apresentação para os pequenos,
podendo criar barreiras para aprendizagem de alunos com necessidade educacionais especiais.
Tratando-se do entendimento e da importância do conhecimento sobre essa temática pelos
professores da educação infantil, Dehaene (2011), aponta que para ocorrer a aquisição lexical de
palavras-números que ocorre a partir dos 18 meses de vida da criança é preciso ser precedida pelo
estabelecimento de um módulo protonumérico, ou seja, conhecimento anterior ao reconhecimento do
número. O primeiro ano de vida é onde há a maior plasticidade cerebral que o ser humano usa para
compreender o mundo exterior e suas regras físicas e lógicas, estando inclusa o conhecimento
aritmético. Usar de recursos não verbais, como os brinquedos, para estimular o aprendizado das
habilidades matemáticas torna-se necessário. O presente artigo ilustra como é possível trabalhar
conceito de número com crianças pré-verbais, fazendo o uso de brinquedos estruturados e não
estruturados que podem ser encontrados em salas de aula da educação infantil.
Diante do exposto, e seguindo a contextualização sobre o senso numérico a sua conceitualização
torna-se de fundamental importância para a área de aprendizagem da matemática, tanto no que diz
respeito à intervenção como à prevenção. Um crescente corpo de pesquisas aponta que as crianças com
problemas na matemática apresentam dificuldade central no senso numérico, a qual pode ser
identificada desde tenra idade e observadas na educação infantil (JORDAN, et al. 2006; MAZZOCO;
THOMPSON, 2005).
Um senso numérico pouco desenvolvido pode ser decorrente de uma representação e/ ou
processamento imaturo dos números, que ocasiona defasagens na compreensão e flexibilidade no uso
do sistema numérico e acarreta problemas para o desenvolvimento de habilidades do tipo contagem,
realização de operações, estimativas e cálculo mental, aspectos estes fundamentais para o
desenvolvimento da fluência em matemática (GEARY, 2004).
Os fundamentos para um bom desempenho em Matemática são estabelecidos antes do ingresso
no ensino fundamental. A identificação dos principais preditores de resultados em Matemática fornece
apoio para análise, intervenção e acompanhamento do progresso da criança antes que ela apresente um
atraso acadêmico importante (RIBNER et al., 2022).
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Alguns trabalhos destacaram fatores internos da criança que contribuem para as diferenças
individuais, incluindo habilidades cognitivas gerais de domínio, como inteligência geral (HART et al.,
2009; XENIDOU-DERVOU et al., 2018), linguagem (LEFEVRE et al., 2010; SLUSSER et al., 2019) e função
executiva (BULL; LEE, 2014; CRAGG; GILMORE, 2014; RIBNER et al., 2018). Além disso, as habilidades
numéricas básicas como a contagem, por exemplo, contribuem de maneira significativa para o
desenvolvimento das habilidades matemáticas requisitadas em anos posteriores (HALBERDA et al.,
2008; LIBERTUS et al., 2013; SLUSSER et al., 2019; VAN MARLE et al., 2014).
Os estudos longitudinais das características da criança com dificuldades em matemática
permitiram identificar objetivos importantes para intervenções. Ao ingressar na escola na fase inicial da
infância, a maioria das crianças tem um senso de número que é relevante para a aprendizagem da
matemática, com componentes pré-verbais do número – por exemplo, as representações de números
inteiros de pequenas quantidades, 1 a 4 (CAREY, et al. 2017) e as representações aproximadas de
quantidades maiores.
Assim, estudos longitudinais de curta duração – do início até́ o final da Educação Infantil –
revelam que indicadores de habilidades em operações com números associados a contas, discriminação
de quantidades e nomenclatura numérica são moderados e fortes preditores para o desempenho
acadêmico em Matemática. O desempenho nos indicadores de habilidades em operações com números
em programas de educação infantil prediz o desempenho em medidas similares na idade pré-escolar.
Esses estudos abrangendo múltiplos momentos no tempo, do início da Educação Infantil até́ o final do
terceiro ano do ensino fundamental, sugerem que a consciência da noção de número apoia a
aprendizagem da Matemática complexa associada à computação e à matemática aplicada à resolução de
problemas (JORDAN, 2010).
Portanto, operações com números aprendidas na Educação Infantil e que estão relacionadas a
contas, comparações numéricas de grandezas, cálculo mental e aritmética predizem o nível de
conhecimento matemático e a capacidade de realização do primeiro ao terceiro ano do ensino
fundamental (ASSIS; CORSO, 2019). Uma vez que a maioria das crianças conseguem adquirir
competências numéricas iniciais, os efeitos intermediários de tal aquisição fornecem o direcionamento
para o desenvolvimento de intervenções precoces.
É preciso desenvolver e validar ferramentas para a análise de competências numéricas básicas
em programas de educação infantil, para que possam ser utilizadas em escolas, clínicas e outros
ambientes educacionais para elucidar intervenções para crianças que apresentam dificuldades de
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aprendizagem em Matemática, ou que estão em risco de apresentar dificuldades, as quais devem ser
observadas e avaliadas. Tendo em vista tais argumentos, se faz necessário trabalhar uma sequência
didática relacionada a aprendizagem de elementos que contribuem para o ensino de habilidade
matemáticas tornam-se singulares.
Nessas condições, na perspectiva da educação inclusiva o desafio atual na Educação Infantil
consiste em tornar os materiais de levantamento de repertório pedagógico para atenção à criança,
inclusive para aqueles que apresentem necessidades educacionais especiais, este ponto é visto na
atualidade como imperativo.
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O Brincar para Todos (2006) um documento publicado pela extinta Secretaria da Educação
Especial fez uma reinterpretação expressiva e inclusiva do que é o brincar, ao elaborar uma
completíssima lista de brinquedos e sugestões de brincadeiras focando no aprender e no
desenvolvimento motor e cognitivo de crianças público-alvo da educação especial (PAEE). Nesse
sentido, esse documento se configurou como modelador dos materiais manipuláveis apresentados na
sequência didática desenvolvida e demonstrada nesse texto.
Muitos pesquisadores (MARTINELI et al., 2009; BAROODY; CLEMENTS; SAMARA, 2019) tem
focado seus estudos para revelar a importância do brinquedo na educação de crianças pequenas,
especificamente, na relação entre o brinquedo e as diferentes áreas do desenvolvimento. Atividades
envolvendo brinquedo facilitam interação social, atenção, resolução de problemas, desenvolvimento
motor, linguagem, e auxiliam o desenvolvimento senso numérico (CARVALHO et al., 2002; SINGER et al.
2006).
Ambiente e recursos podem ajudar as crianças a desenvolver habilidades matemáticas por conta
própria. Nos primeiros anos de vida, as crianças descobrem fatos matemáticos por meio de jogos. Por
exemplo, eles comparam o número de frutas em pratos ou alturas de torres de blocos, descobrem
padrões e criam padrões usando objetos analisando suas formas com situações da vida real, como
compartilhar uma tigela de biscoitos com um amigo nas brincadeiras (SEO; GINSBURG, 2004;
KARADEMIR; AKNAN, 2021).
Embora a pesquisa (CARVALHO et al., 2002) sublinhe a importância da matemática precoce no
jardim de infância, os profissionais precisam de abordagens pedagógicas eficazes e inovadoras.
Atualmente, abordagens muito diferentes são implantadas, desde uma abordagem instrucional, liderada
por educadores, com base em programas de treinamento, até uma abordagem baseada em brincadeiras
(VOGT, et al. 2018).
Apesar da educação matemática em ambientes naturais seja útil em idades precoces, ainda é
limitada. As crianças precisam mais do que configurações naturais para aprender matemática e
pensamento um mais elaborado. Em outras palavras, crianças precisam de programas de educação
matemática sistemáticos e preparados por adultos para ajudá-las a desenvolver habilidades
matemáticas e aprender conceitos matemáticos (LEWIS; PRESSER et al., 2015; KARADEMIR; AKNAN
,2021).
Macdonald e Murphy (2019) realizaram uma revisão sistemática com o objetivo de verificar o
ensino de matemática de crianças menores de quatro anos. Os estudos referentes aos resultados foram
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desenvolvidos em creches e escolas infantis e verificaram que o foco das pesquisas foi no conhecimento
atitudinal e de estratégias dos professores. Diante do exposto na literatura enfatizando que crianças se
envolvem com habilidades matemáticas desde tenra idade adquirindo competências os dados da revisão
sugerem que os professores têm um papel fundamental em contribuir na promoção da aprendizagem
matemática por meio de brincadeiras, apontando assim uma lacuna significativa na compreensão sobre
o ensino da matemática para crianças pequenas.
O estudo de Clements e Colab (2020) avaliaram que o formato de intervenção com brincadeiras
pode ser menos desafiador de implementar e mais eficazes quando sistematizado com o currículo dos
pequenos.
No mesmo formato Vogt e Colab (2018) examinaram os efeitos de um programa de treinamento
de jogos e a opinião dos seus professores, as quais foram reunidas em entrevista semiestruturada, cujos
resultados indicaram ganhos de aprendizagem com abordagens lúdicas. Sendo assim, ambos estudos
citados ressalvam o brincar como meio efetivo para aprendizagens de conceitos.
Sob esse prisma Emore e Vail (2011) apontam que o brinquedo é um poderoso mediador para
aprendizagem porque é prazeroso, ativo e implica aprender por meio da descoberta em situações que
são pessoalmente significativas. Tanto a linguagem quanto o jogo estão relacionados a uma base de
conhecimento cognitivo compartilhado. Nessa direção, as crianças com necessidades educacionais
especiais (muitas vezes têm repertório de brincadeiras menos desenvolvidos em comparação com seus
pares com desenvolvimento típico (SOUZA; BATISTA, 2008).
Considerando que a brincadeira fornece um contexto social para interação da aprendizagem, a
linguagem fornece ferramentas pois a criança pode assumir papeis de faz de conta, mudando a
identidade de objetos e narrando eventos durante a brincadeira e nas habilidades matemática
fornecendo experiências de estimativas numéricas e de magnitude referente as coisas contáveis no
mundo real.
. Visto que o desenvolvimento cognitivo pré-verbal nos dois primeiros anos de vida, é o que
torna possível a aprendizagem de palavras e números nos anos seguintes como explicitada
anteriormente (GEARY, 2004; CAREY, 2017) apontamos uma lista de brinquedos com características
importantes para que o profissional possa utilizá-la e aplicá-la, bem como um diagrama para auxiliar no
desenvolvimento de um plano de ensino que poderá ser construído no contexto da sala de aula, por
exemplo. A seguir apresentamos um quadro com algumas sugestões de brinquedos que podem ser
trabalhados na educação infantil sob a perspectiva apresentada.
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Quadro 1 - Sugestões de brinquedos para educação infantil envolvendo tarefas de senso numéricos
Classificação
Função do Princípio Explicação para
Nome Ilustração dos
brinquedo Matemático hierarquização
materiais
O brinquedo não
exige uma
consciência de
Encaixar os quantidade nem
objetos entre singular, nem de
Pré-
Construção si, Estruturado grupos. Porém é
numérico
construindo clara a relação de
algo maior. quanto maior o
número de peças,
maior o tamanho
da construção.
Classificar por
identidade (cor) os
Classificar os ursos permitindo a
ursinhos em criança estabelecer
Ursinhos
seus potes de Estruturado Contagem relações de
contáveis
respectivas quantidade entre
cores. grupos, como
quem tem mais ou
menos.
Os objetos são
Comparar e
únicos, mas a
interagir com
criança pode
os objetos em
Não- Pré- estabelecer
Miniaturas relação as
estruturado numérico algumas
suas
classificações
propriedades
referentes a cor,
físicas.
tamanho, forma.
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O brinquedo
precisa da função
da martelada para
exibir seu potencial
Correlação de ensino. Com a
Averiguar o entre o martelada a criança
efeito das número em averigua o efeito
Cilindros e
marteladas Estruturado diferentes som com o número
martelo
sobre o sentidos de batidas, e a
cilindro. (som, visual, relação
tato). inversamente
proporcional do
número de batidas
e o tamanho dos
cilindros.
O objeto necessita
que a criança
estruture uma
Separar e magnitude análoga
Bolinhas classificar as entre os quatros
(ordem de bolinhas de Estruturado Contagem. tubos e prosseguir
cores) acordo com com a atividade até
suas cores. que os quatro
tenha o mesmo
número de
bolinhas.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Legenda: Material Estruturado = apresenta previamente maneiras de ser utilizado; Material Não-estruturado =
apresenta maneiras flexíveis de ser utilizado.
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estruturadas e articuladas para a realização de certos objetivos educacionais que tem um princípio e um
fim conhecido”. Para haver sequência didática é necessário apresentar ao aluno atividades práticas
lúdicas com material concreto e diferenciado apresentando desafios cada vez maiores aos alunos
permitindo a construção do conhecimento (PERETTI; COSTA, 2013).
Por meio da sequência didática com foco também em atividades investigativas, a construção
desse conhecimento pode acontecer de modo a possibilitar a experimentação, generalização e formação
de significado (LINS; GIMENEZ, 2001).
Passo 1. Habituação ao brinquedo: o primeiro contato da criança com o brinquedo deve incitar a sua
curiosidade. . Assim,esse momento não pode ser suprimido, devendo a criança observar o brinquedo de
todas as formas manuseando-o para reconhecer seu formato, textura, estrutura .
Passo 2. Exibição do movimento “martelada”: o movimento de martelada é natural entre as crianças
por se assemelhar com o movimento de chocalho, mas exibi-lo pareado com o som da palavra BATE
causará uma interconexão das duas ações no chão.
Passo 3. A criança reproduz o movimento martelada sobre o chão: a criança executará o movimento
martelada no chão, até dominar esse movimento de coordenação motora global.
Passo 4. Exibição de movimento de martelada sobre os cilindros: Exibição novamente do movimento,
agora sobre o brinquedo, mostrando a reação do brinquedo à martelada.
Passo 5. Treino Conduzido do movimento Martelada: A criança em posse do martelo deverá repetir o
movimento, entretanto o que pode ser atraente para a criança é aquisição de ação singular pareada com
o comando único BATE, ou seja, executar apenas uma martelada quando ouvir apenas um BATE.
Passo 6. Exibição do movimento martelada sobre os cilindros: Somente quando a criança dominar o
pareamento de BATE com um único movimento, poderá ser treinado a ação dupla com comando duplo
BATE BATE. O professor ao repetir duas vezes a palavra “bate”, terá um reforço analógico sonoro para a
aplicação de duas ações redundantes ao som, sendo assim, duas palavras logo duas marteladas. O
professor exibirá para o aluno repetindo BATE BATE e em seguida duas marteladas sobre o cilindro.
Passo 7. A criança reproduz o movimento de marteladas sobre o cilindro: E em seguida entrega o
martelo para a criança e testa parear o som com o novo número de marteladas.
Passo 8. A criança reproduz o movimento marteladas sobre o cilindro: Após o pareamento de BATE
BATE com as duas marteladas, deve ser testada com três vezes a palavra BATE seguindo o protocolo já
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estabelecido.
Essa atividade extraí as habilidades de percepção números abstratos presentes no repertório das
crianças desde o nascimento (IZARD et al., 2009) e o contextualiza com as habilidades linguísticas e
motoras. Nesse propósito, as crianças desenvolvem a habilidade de paralelização individual das
quantidades, BATE BATE BATE à quantidade icônica de três sem mencionar o número em si (CAREY et al.,
2017).
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Considerações finais
Este trabalho teve como objetivo apresentar a partir de alguns documentos relacionados a
inclusão escolar os desdobramentos que incidem sobre educação matemática e a intrínseca relação com
o brincar, assim, foi delineado uma lista de brinquedos e uma sequência didática passo-a-passo de como
aplicar, sistematicamente, uma atividade relacionada ao ensino do senso numérico podendo ser
desenvolvida em uma sala da educação infantil.
Nessa direção, torna-se urgente auxiliar os professores a promoverem ações pedagógicas que
favoreçam os todos os alunos no processo de aprendizagem. A proposta deste texto pode auxiliar não
apenas os alunos com necessidades educacionais especiais, por meio da organização de uma sequência
didática específica em princípios da contagem, mas também os professores, a partir de sugestões de
estratégias práticas de ensino, de baixo custo e possíveis de serem incorporadas em seus planejamentos
pedagógicos.
Sendo assim, é importante lembrar que a especificação das condições de ensino não pode ser
realizada de forma automática, simplesmente relacionando, tudo o que é possível indicar ou repetindo
as mesmas indicações para todos os objetivos. É imperativo examinar condições de ensino que possam
efetivamente aumentar a probabilidade de aprendizagem dos objetivos previstos pelos alunos e, mais
importante ainda, aumentar a probabilidade de que essas aprendizagens se mantenham,
posteriormente, nas situações naturais, haja vista a proporção que as habilidades matemáticas
apresentam para o desenvolvimento das competências aritméticas futuras.
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ISSN 1984-5499
Business games, Experiential Learning, Flow Theory and Problem-Based Learning: the
student as protagonist.
Resumo
No ensino da administração os jogos de empresas são aplicados para oferecer aos alunos uma experiência de
administrar uma empresa fictícia, tomando suas próprias decisões. Na psicologia, existe a teoria da
Aprendizagem Vivencial que estuda o processo de “aprender fazendo” e os estilos de aprendizagem de cada
aluno; também há a teoria do estado de Fluxo, que analisa o grau de envolvimento do aluno com a atividade.
Na área de educação, estes temas aparecem algumas vezes relacionados com as metodologias ativas de ensino,
como por exemplo a ABP (Aprendizagem Baseada em Problemas). Este trabalho se propõe a identificar através
de uma revisão da literatura, um estudo descritivo e qualitativo dos temas supracitados visando compreender
como as diferentes linhas de pesquisas estão buscando dar mais protagonismo ao aluno em seu aprendizado. A
sinergia entre os temas apresentados contribui para que professores e pesquisadores ampliem o leque de
métodos de ensino e teorias de aprendizagem para suas pesquisas centradas no aluno.
Palavras-chave: Jogos de empresas. Aprendizagem Vivencial. Teoria do Fluxo. Aprendizagem Baseada em
Problemas.
Abstract
Teaching administration, the business games are used to offer an experience of managing a fictitious company
to the studentes, making their own decisions. In psychology, there is the Experiential Learning theory that
studies about process of “learning by doing” and the learning styles of each student; there is also the Flow’s
theory, which analyzes the engagement of the students with the activity. In education, these themes sometimes
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Paulo Henrique Pinho de Oliveira, Daniel Guilherme Gomes Sasaki
appear related to active teaching methodologies, such as Problem Based Learning. This work proposes to
identify, through a literature review, a descriptive and qualitative study of these themes, aiming to understand
how the different lines of research are trying to give more protagonism to the students in the learning process.
The synergy between the themes helps teachers and researchers to expand the range of teaching methods and
learning theories for their student-centered research.
Keywords: Business game. Experiential Learning. Flow theory. Problem Based Learning.
Resumen
En la enseñanza de la administración, los juegos de negocios se utilizan para ofrecer a los estudiantes una
experiencia de gestión de una empresa ficticia, tomando sus propias decisiones. En psicología, existe la teoría
del Aprendizaje Experiencial que estudia el proceso de “aprender haciendo” y los estilos de aprendizaje de cada
estudiante; también está la teoría del Flujo, que analiza el compromiso de los estudiantes con la actividad. En
educación, estos temas aparecen en ocasiones relacionados con metodologías de enseñanza activa, como el
Aprendizaje Basado en Problemas. Este trabajo se propone identificar, a través de una revisión de la literatura,
un estudio descriptivo y cualitativo de estos temas, con el objetivo de comprender cómo las diferentes líneas de
investigación están tratando de dar más protagonismo a los estudiantes en el proceso de aprendizaje. La
sinergia entre los temas ayuda a los profesores e investigadores a ampliar la gama de métodos de enseñanza y
teorías de aprendizaje para su investigación centrada en el estudiante.
Palabras clave: Juegos de negocios. Aprendizaje Experiencial. Teoria del Flujo. Aprendizaje Basado en
Problemas.
Introdução
No contexto da educação superior no Brasil, considerando que MEC recomenda que cada vez
mais as universidades busquem meios de integrar os conteúdos teóricos com a prática, as metodologias
ativas de ensino-aprendizagem oferecem ao aluno maior protagonismo em seu processo educacional.
Uma destas metodologias ativas são os jogos educacionais, que ao utilizar a dinâmica de um jogo
oferece ao aluno uma experiência lúdica a respeito do conteúdo abordado em sala de aula.
Os jogos de empresas são os simuladores utilizados para ensinar administração, proporcionando
aos alunos a experiência de tomar decisões gerenciamento uma empresa fictícia. Segundo Santos-Souza
e Oliveira (2019), os jogos de empresas representam uma opção mais moderna e inovadora do que os
métodos de ensino tradicionais por permitir o desenvolvimento de práticas gerenciais e tomada de
decisão.
Quase metade dos cursos do cursos de administração no Brasil já utilizavam os jogos de
empresas quatro anos atrás (LACRUZ, 2018 apud ARAÚJO et. al, 2015). Certamente os jogos
representam uma alternativa para atender a recomendação do MEC na DCN dos cursos de graduação
em administração:
Recomenda-se estimular as atividades que articulem simultaneamente a teoria, a prática e o
contexto de aplicação, necessárias para o desenvolvimento das competências estabelecidas no
perfil do egresso, incluindo ações de extensão e integração entre a instituição e o campo de
atuação dos egressos (BRASIL, 2021, §4º VII, art. 4º, Cap. III).
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Paulo Henrique Pinho de Oliveira, Daniel Guilherme Gomes Sasaki
Em geral, os cursos de administração no Brasil preparam seus alunos para o mercado de trabalho
em grandes empresas, ou para empreender com seu próprio negócio (ROCHA; FREITAS, 2014), e poucos
consideram como alternativa de carreira ser professor ou pesquisador. No entanto, este panorama
parece estar mudando segundo Imasato, Perlin e Borestein (2017), que apresentaram uma evolução
significativa da quantidade de novos doutores, que em 1990 eram apenas 8, passando para os 159
formados em 2014. O principal benefício desta evolução é ter mais pesquisas acadêmicas sobre o tema,
e considerando que boa parte dos doutores se dedicam à docência, existe uma tendência de que as
pesquisas sobre administração apresentem maior preocupação sobre o processo de ensino e
aprendizagem.
Como por exemplo Motta, Quintella e Melo (2012) que apresentaram teorias e metodologias
conhecidas na área de educação e que podem facilmente ser associadas aos jogos de empresas: a da
Teoria da Aprendizagem Vivencial (KOLB, 1984), que estuda os benefícios se aprender fazendo; a Teoria
do Fluxo (CSIKSZENTMIHALYI, 2003), que enfatiza os benefícios de se realizar uma atividade durante o
estado mental de fluxo; e a metodologia ativa da Aprendizagem por problemas - ABP (RIBEIRO, 2010),
onde o professor apresenta um problema estruturado para que os alunos busquem uma solução e
sejam protagonistas daquele processo de aprendizado.
O que Motta, Quintella e Melo (2012) fizeram ao apresentar de que forma estes temas se
associavam aos jogos de empresas, foi estimular que pesquisadores sobre jogos ampliem seus
conhecimentos para aprimorar suas pesquisas. Inspirado por estes autores, este trabalho se propõe a
responder à seguinte questão: Quais são as características em comum entre os jogos de empresas com
a teoria da Aprendizagem vivencial e Teoria do Fluxo e com a metodologia da Aprendizagem Baseada
em Projetos?
Compreender as conexões presentes na literatura entre jogos de empresas e os temas supracitados
pode oferecer novos caminhos para as pesquisas sobre os jogos educacionais. Viana et. al (2015)
corroboram com a ideia de que observar os jogos de maneira mais pedagógica pode oferecer novas
oportunidades, e afirmam ainda que os jogos podem melhorar a aprendizagem na escola e no trabalho.
A suposição inicial que norteia esta pesquisa é que se for possível um jogo de empresas aplicar a
teoria da Aprendizagem Vivencial (KOLB, 1984), estimulando que o aluno alcance o estado de Fluxo
(CSIKSZENTMIHALYI, 2003), através de aulas estruturadas na metodologia ABP (RIBEIRO, 2010),
acredita-se que o aluno terá uma experiência educacional mais completa do que se tem atualmente. O
objetivo desta pesquisa é investigar as características onde os jogos de empresas podem se associar à
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 899-919, set./dez. 2022
Paulo Henrique Pinho de Oliveira, Daniel Guilherme Gomes Sasaki
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 899-919, set./dez. 2022
Paulo Henrique Pinho de Oliveira, Daniel Guilherme Gomes Sasaki
• Jogos competitivos ou não competitivos: neste caso o autor se referia aos jogos individuais ou
aqueles onde existe a competição, ou seja, o resultado de uma empresa influencia o das outras.
O RPG Didático de Aragão (2009) é um exemplo de um simulador individual, onde o resultado de
um aluno não interfere no resultado dos demais alunos.
• Interativos ou não interativos: a diferença está relacionada aos caminhos possíveis que o aluno
tem ao longo do jogo. Ou seja, o jogo interativo não tem como prever o que vai acontecer nas
rodadas seguintes, porque depende das decisões do aluno. Já nos jogos não interativos, as
decisões dos alunos estão mapeadas dentre possibilidades previamente planejadas, e sendo
todos os caminhos possíveos podem ser mapeados antes. Para citar dois exemplos, o jogo de
Pretto (2007) dependia das decisões dos alunos, e o de Aragão (2009) tinha características de um
RPG livro-jogo com todos os caminhos possíveis previamente mapeados.
• Genérico ou de indústria específica: a definição já se explica por si mesmo, existem jogos em que
os alunos produzem um produto indefinido (ou genérico) e suas matérias primas, enquanto que
em outros jogos foram escolhidos setores de produção, como no caso do Beer Game (Jarmain,
1963 apud Piana e Erdmann, 2013)
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Além disso, é importante destacar que os jogos de empresas podem ser usados com dois focos
bem diferentes no ensino, na aplicação do jogo e na integração dos conteúdos (Motta, Quintella e Melo,
2012). Em outras palavras, a simulação pode ser encarada como objeto ou ambiente de pesquisa.
(GENTRY, 1984 apud MRTVI; WESTPHAL; MELLO; FELDMANN, 2017)
Um game permite um grau de imersão e controle ao jogador, propiciando que ele, como
aprendiz, tenha muitas opções de interação e oportunidade de guiar parcialmente sua aprendizagem.
Também permitem pensar a partir de uma perspectiva de dentro do jogo. Gee (2009) propõe que ao se
oferecerem diversos “mundos” para o jogador, diversas oportunidades de aprendizagem são
propiciadas, e ele faz tal proposta em um diálogo social, demonstrando o valor cognitivo dos videogames
e seu potencial para desenvolver o letramento digital do aprendiz. O poder dos games não se baseia no
uso de um avatar ou personagem, como o agente das ações do jogador, mas na possibilidade de situar a
mente ou percepção do jogador em perspectiva daquele personagem (seja atuando como um técnico de
futebol, general, cavaleiro, guitarrista ou qualquer outro, de acordo a temática particular do game).
Portnow e Floyd (2008) apresentaram o conceito de Aprendizagem Tangencial, que é quando o
aluno aprende determinados conhecimentos de forma natural, sem perceber a intenção de ensiná-lo, o
importante é promover o interesse do aluno por aquele assunto. Analisando a experiência de aplicar
jogos de empresas em sala de aula sob a ótica da aprendizagem tangencial, é possível identificar uma
situação que ocorre com frequência e que pode limitar a experiência dos alunos durante a simulação: a
obrigatoriedade de se tomar as decisões dentro do período pré-determinado para tomar decisões em
cada rodada. Para esclarecer melhor, se o aluno tem a obrigação de tomar determinadas decisões até
um certo dia e horário, nem toda decisão dentro do jogo será tomada como consequência de uma
situação que o aluno percebeu a necessidade de intervir para resolver um problema (ou aproveitar uma
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Paulo Henrique Pinho de Oliveira, Daniel Guilherme Gomes Sasaki
oportunidade); e sendo assim, pode se dizer que as regras do jogo estariam eliminando a aprendizagem
tangencial.
Pretto (2007), apresentou diversos argumentos sobre a possibilidade de se ter um aprendizado
maior utilizando-se um novo modelo de jogo que não fosse baseado em rodadas de decisões. O autor
teve alunos bastante motivados com o jogo, mas os resultados mensurados sobre o conteúdo
apbordado no jogo não apresentaram um ganho significativo. Em outras palavras, os alunos gostaram do
novo jogo mas a pesquisa não comprovou ser melhor do jogo anterior.
6 6 6
4 4 4
3 3
1 1 1 1 1
2006 2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
Figura 1 - Quantidade de artigos por ano, que contenham jogos de empresas e Aprendizagem Vivencial. Fonte:
Portal Periódicos CAPES
Dos 48 artigos localizados, 9 artigos foram publicados em períodicos A2, 18 artigos em períodicos
B1, 10 artigos em periódico B2, 7 artigos em periódicos B3, 4 artigos em periódicos B4 e 1 artigo em
periódico B5. Sobre os periódicos, o destaque fica para “Administração (São Paulo) – ISSN: 2358-0917”
que teve 11 publicações nesta amostra. A tabela 1 apresenta a relação de periódicos encontrados e suas
respectivas classificações:
3
https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php?
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 899-919, set./dez. 2022
Paulo Henrique Pinho de Oliveira, Daniel Guilherme Gomes Sasaki
Tabela 1 - Relação de periódicos e suas respectivas classificações no QUALIS CAPES. Fonte: elaboração
própria, com base no Portal CAPES
Períodico Classificação
Cadernos EBAPE.BR A2
Revista de gestão B1
Elo (Viçosa) B4
Em geral, uma publicação sobre o ensino baseado em jogos descreve resumidamente uma
sequência básica: 1) O professor apresenta a dinâmica da aula e contextualiza para os alunos o ambiente
inicial que será simulado; 2) Os alunos passam por um aprendizado, que costuma ser rápido, sobre as
regras e as variáveis que dependem de uma intervenção; 3) iniciam-se as rodadas de decisão, que
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 899-919, set./dez. 2022
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normalmente começam de uma maneira mais fácil de ser absorvida pelos aluno, deixando os problemas
mais complexos para as rodadas finais; 4) para cada rodada os alunos seguem a lógica de avaliar os
resultados obtidos na rodada anterior e projetar decisões para a próxima; 5) em alguns casos,
dependendo do professor, ao final das rodadas pode ser realizado um fechamento da disciplina com as
lições aprendidas. Algo bem similar aparece na teoria sobre Experiential Learning (Kolb, 1984), que em
português é conhecida como aprendizagem vivencial, e por este motivo não é difícil encontrar
publicações que associem os dois temas.
Segundo Gencel et. al (2021), a teoria da aprendizagem vivencial surgiu utilizando alguns
conceitos apresentados por autores de diversas áreas (Piaget, Vygotsky, Dewey, Rogers e Freire). No
entanto, foi Kolb (1984) quem conseguiu reunir de uma forma mais holística e concreta o que os
pesquisadores da época estavam fazendo sobre a aprendizagem vivencial.
Em poucas palavras, a ideia principal sobre o aprendizado vivencial é que tudo está baseado em
um ciclo em que constantemente o aluno vive certas experiências numa dinâmica (ou simulação
controlada), passa pelo processo de assimilação do problema e solução, aprendendo a lidar com
situações similares no futuro. Naturalmente por ser considerado um ciclo, este processo vai se
repetindo, gerando novas experiências e novas situações de aprendizado (BAKER; JENSEN; KOLB, 2002).
Segundo Kolb e Kolb (2005), esta teoria possui as algumas afirmações básicas:
• O aprendizado está baseado na teoria do construtivismo ao considerar que o aluno é protagonista
de seu aprendizado, mas diferente do ensino tradicional onde há uma transferência de
conhecimentos e ideias já prédefinidas;
• O aprendizado deve ser considerado com um processo contínuo, e não como um produto final;
• Todo aprendizado é uma forma de reaprendizagem, pois durante o processo as ideias que surgem
são analisadas, testadas, validadas e integradas com novas ideias que vão surgindo, provocando
assim novas lições aprendidas;
• O processo de aprendizagem deve considerar que existem diferentes estilos de aprendizagem dos
alunos, e isso interfere na forma em que cada um passa pelo ciclo “ideia-reflexão-solução do
problema”;
• O aprendizado ocorre essencialmente quando o aluno assimila novas experiências e consegue
relacioná-la com conceitos obtidos em experiências anteriores;
O ciclo de aprendizagem vivencial (Kolb, 1984) sugere que o processo de aprendizagem passa por
quatro etapas: Vivência concreta, Observação reflexiva, Conceituação abstrata e esperimentação ativa.
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Sauaia (2010) fez uma adaptação do ciclo, inserindo informações que traduzissem melhor a experiência
do aluno durante uma simulação com jogos de empresas. A figura 1 demonstra esta associação, onde o
autor incluiu o ciclo: Avaliação dos resultados, Discussão dos resultados com base nas teorias, Revisão
do plano de gestão, e a tomada de decisão.
Uma das aplicações possíveis da aprendizagem vivencial em artigos sobre jogos de empresas, é
analisar a relação entre os participantes e sua equipe sob a ótica dos estilos de aprendizagem (Oliveira
et. al 2019). Outra linha de pesquisa que se encontra são análises sobre a aprendizagem percebida pelos
alunos (LACRUZ; AMÉRICO, 2018). Vale a pena destacar uma publicação recente elaborando uma
ferramenta para que educadores possam identificar o grau de aprendizagem vivencial em suas aulas e
treinamentos (GENCEL et. al, 2021).
4
https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php?
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 899-919, set./dez. 2022
Paulo Henrique Pinho de Oliveira, Daniel Guilherme Gomes Sasaki
Figura 2 - Quantidade de artigos por ano, que contenham jogos de empresas e Aprendizagem
Vivencial
2 2 2
1 1 1 1 1
Dos 16 artigos localizados, 2 artigos foram publicados em períodicos A1, 1 artigo em períodicos
A2, 1 artigo em periódico B1, 1 artigo em periódicos B5 e 7 artigos em periódicos não localizados na
base QUALIS CAPES. Sobre os periódicos, quase metade não foi localizado na base mas o que teve mais
publicações desta amostra foi “Simulation & gaming - ISSN:1046-8781” que teve 3 publicações. A tabela
2 apresenta a relação de periódicos encontrados e suas respectivas classificações:
Periódico Classificação
British journal of educational technology A1
Simulation & gaming, A1
Computers in human behavior A2
Psicologia, teoria e pesquisa, B1
International journal of computer games technology B5
ADVANCES IN HUMAN-COMPUTER INTERACTION NL
Behaviour & information technology NL
Journal of computer assisted learning NL
Journal of international education in business NL
Journal of leadership studies NL
Open Access Journals NL
Revista de contabilidade NL
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 899-919, set./dez. 2022
Paulo Henrique Pinho de Oliveira, Daniel Guilherme Gomes Sasaki
Ainda falando sobre a experiência vivenciada pelos alunos durante uma aula com jogos de
empresas, a “Teoria do Fluxo” (CSIKSZENTMIHALYI, 2003) pesquisa sobre a experiência vivida pelos
indíviduos, mas diferente de Kolb que foca no processo, na teoria do Fluxo o foco é sobre o estado
mental que um indivíduo se encontra em situações de profundo envolvimento pessoal com determinada
atividade. Em outras palavras, o conceito principal é: “O fluxo é um estado de espírito que se caracteriza
pela elevada concentração e foco em atividades que promovem elevado prazer e motivação intrínseca
intensa” (SHERNOFF; KRATOCHWILL; STOIBER, 2003 apud SILVA, 2019).
A associação entre a teoria do fluxo com jogos de empresas não é unanimidade, alguns estudos
que conseguiram comprovar uma relação entre a aplicação de jogos no ensino com experiências de fluxo
interferindo positivamente no aprendizado dos alunos (Hamari & Koivisto, 2014). No entanto, outros
pesquisadores não conseguiram encontrar impactos significativos em suas pesquisas sobre esta relação
entre o estado de fluxo com um ganho no aprendizado de seus alunos (HUNG; SUN; YU, 2015).
Independente de ter comprovação científica de que o estado de fluxo influencia positivamente o
aprendizado dos alunos, o fato é que já foi observado que o aprendizado baseado em jogos tem
influência sobre o estado de fluxo, na satisfação dos alunos e consequentemente do aprendizado
(HUNG; SUN; YU, 2015). Ou seja, utilizar jogos em sala de aula pode estimular os alunos a alcançar o
estado de fluxo.
Para ilustrar melhor a utilização prática da teoria do Fluxo, vale a pena complementar que os
estudos sobre o estado de fluxo analisam a experiência do aluno sob diversas dimensões que auxiliam o
educador a compreender melhor como está sendo a experiência do aluno com a aula. Um exemplo
destas dimensões, segundo Silva et al (2019) são: concentração, clareza dos objetivos, feedback, desafio,
autonomia, imersão, interação social, evolução do conhecimento, distorção do tempo, experiência
recompensadora, jogabilidade, perda da autoconsciência, senso de controle.
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agora são mediadores que tem como função intermediar o conhecimento disponível na literatura com a
busca do aluno por solucionar as questões apresentadas (SINGER; MOSCOVICI, 2008). Em outras
palavras, o professor passa a ser um orientador que está ali para ajudar o aluno a encontrar o caminho,
para que este possa “seguir seu caminho”.
Apesar de as metodologias ativas já estarem presentes na literatura há alguns anos, é muito
comum ainda se encontrar escolas e universidades utilizando o método tradicional de ensino em suas
aulas. Arbelaitz et. al (2015) destacou que os estudantes costumam se interessar mais por aulas que
utilizem métodos “não tradicionais” e que associam o aprendizado às situações reais, em especial
quando são identificadas situações interdisciplinares que integram conhecimentos. Marques et. al
(2021) ao realizarem uma revisão sistemática da literatura encontraram diversas metodologias ativas de
ensino e aprendizagem. Algumas delas são apresentadas a seguir:
• Aprendizagem cooperativa: Neste método, os alunos se reúnem em pequenos grupos estimulando
a criatividade e a discussão do tema proposto dentro do grupo. Este método possui benefícios em
relação ao aprendizado e relacionamento social entre os alunos, mas seria mais difícil aplicar em
um jogos de empresas porque a maioria dos jogos colocaria os alunos como concorrentes;
• Aprendizagem baseada em equipe: é um método que se assemelha bastante da aprendizagem
cooperativa, mas neste caso não existe nenhuma intervenção do professor, que apenas
supervisiona a discussão.
• Aprendizagem baseada em casos: neste método, os alunos são apresentados a problemas reais
para que sejam analisados, para que os alunos busquem soluções de forma autônoma. Silva,
Oliveira e Motta (2013) aplicaram esta metodologia em conjunto com jogos de empresas, mas não
obtiveram resultados que comprovassem um incremento no aprendizado com esta combinação;
• Aprendizagem colaborativa baseada em casos: reúne características da aprendizagem baseada em
casos por utilizar casos reais e tentar solucioná-los, mas também agrega ao método momentos de
discussão em grupos menores e outros momentos numa discussão maior com a turma em busca
de consenso. Não se aplica facilmente aos jogos de empresas pelo mesmo motivo que a
aprendizagem colaborativa.
• Aprendizagem baseada em projetos: nesta metodologia o professor atua como um guia ajudando
os alunos no desenvolvimento de um projeto que tenha sua aplicação no mundo real. Em geral,
neste método os alunos planejam, implementam e avaliam o projeto. Seria difícil incorporar
dentro desta dinâmica de projeto a administração de uma empresa.
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https://www-periodicos-capes-gov-br.ezl.periodicos.capes.gov.br/index.php?
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Figura 3 - Quantidade de artigos por ano, que contenham jogos de empresas e PBL
Dos 14 artigos localizados, 3 artigos foram publicados em períodicos A2, 5 artigos em períodicos
B1, 1 artigo em periódico B2, 4 artigos em periódicos B3 e 1 artigo que não foi localizado na base
QUALIS-CAPES. Sobre os periódicos, o destaque fica para “Administração (São Paulo) – ISSN: 2358-0917”
que teve 3 publicações nesta amostra. A tabela 1 apresenta a relação de periódicos encontrados e suas
respectivas classificações:
Quaestio iuris B2
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Originalmente o PBL (Problem Based Learning) surgiu no Canadá em cursos de nível superior da
área de saúde, mas hoje em dia é utilizado em diversas áreas de conhecimento (RIBEIRO, 2010). A
aprendizagem baseada em problemas (PBL) tem sido bastante utilizada em diversos níveis educacionais
por integrara teoria com a prática de uma forma que dá mais autonomia ao aluno em seu aprendizado.
Um dos principais benefícios deste método de ensino é estar focado no estudante, provocando-o a uma
reflexão sobre quais conhecimentos possui, ou precisa descobrir, para solucionar um determinado
problema.
Segundo Ribeiro (2010), PBL é considerado uma metodologia colaborativa de aprendizagem,
onde as situações problema são utilizadas para dar o contexto inicial aos alunos, estimulando a
aprendizagem dos conceitos e o desenvolvimento de habilidades que se deseja trabalhar na ocasião.
Alarcão e Tavares (2013) afirmam ainda que o PBL proporciona que o conhecimento seja assimilado de
forma mais autônoma e colaborativa, não como uma transferência de conhecimento através de uma
aula expositiva tradicional, mas com a construção do conhecimento através da experiência vivenciada
pelo aluno.
Certamente um dos elementos mais importantes da metodologia PBL é o problema, pois é a
partir dele que os alunos vão buscar o conhecimento necessário para encontrar uma solução. Em uma
aula tradicional o problema pode ser apresentado em forma de exercício a ser resolvido em sala de aula,
ou uma dinâmica, ou até mesmo um trabalho em grupo para ser solucionado durante algumas semanas.
No entanto, no âmbito dos jogos de empresas os problemas vão surgindo naturalmente com o
desenvolvimento do jogo e das decisões do aluno. Ou seja, a interligação do ensino baseado em jogos
com a metodologia PBL é fácil de ser executada uma vez que os problemas já existem, então o desafio
dos educadores está concentrado em como os problemas serão tratados ao longo da simulação do jogo.
Segundo Delisle (1997), o método PBL obedece o seguinte ciclo: (1) Contextualização do
problema; (2) brainstorming; (3) organização e seleção das ideias; (4) definição da questão problema
que origina a discussão; (5) metas de aprendizagem para próximos encontros; (6) avaliação do processo;
(7) análise das lições aprendidas e resultados obtidos. Este ciclo estimula não somente o protagonismo
dos alunos na busca pelo conhecimento, mas também valoriza a interação e o diálogo entre os alunos, o
que se destaca com um outro ponto extremamente positivo para aplicação do método PBL junto com os
jogos de empresas, isto porque a maioria dos simuladores utilizados são aplicados em equipes.
Para o ensino da administração, é muito útil um método que trabalhe a capacidade de analisar o
problema de forma estruturada e a habilidade de se comunicar de forma eficaz com seus pares. Fazendo
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uma adaptação do ciclo apresentado por Delisle (1997) para as aulas com jogos, pode-se estruturar da
seguinte forma:
1. O início do jogo apresenta uma grande contextualização para os alunos compreenderem a dinâmica
da aula, as regras do jogo, seus objetivos de médio e longo prazos. Esta etapa não configura a
apresentação do problema citado no ciclo do PBL, mas como já foi dito anteriormente, nos jogos de
empresas o problema surge naturalmente com base nas decisões anteriores dos alunos, então basta
que o aluno esteja engajado na aula que ele compreenderá o contexto do problema quando surgir;
2. As etapas de brainstorming, organização das ideias e definição da origem do problema são atividades
que ocorrem (ou deveriam ocorrer) dentro das equipes durante toda a simulação quando os
problemas surgirem. O papel do educador neste método de ensino baseado em jogos é ser um
facilitador, e por este motivo deve estar atento ao que acontece nas equipes e sempre que
necessário ajudar os alunos a iniciar a discussão, ou direcioná-la melhor ao problema que deve ser
analisado.
3. As metas de aprendizagem do ciclo podem ser compreendidas como o processo de aprendizado que
os alunos passam de acordo com a evolução do jogo. Ou seja, enquanto no início do jogo muitas
dúvidas estão relacionadas ao “como fazer” alguma coisa no jogo, depois de algumas aulas as
dúvidas ficam cada vez mais complexas e passam a ser mais sobre os riscos e benefícios de uma
possível decisão do grupo. Sendo assim, para garantir que esta etapa seja realizada com sucesso
pelos alunos, o professor deve estimular uque os alunos tenham um trabalho estruturado e
organizado para suas decisões durante o jogo, evitando que decisões sejam tomadas sem critério.
4. As últimas etapas do ciclo, avaliação do processo e as lições apreendidas, devem ser planejadas com
bastante atenção pelo professor para o final da simulação. Ou seja, a aula é baseada em um jogo mas
ainda é uma atividade acadêmica, e sendo assim, ao final da simulação não é adequado dar foco
apenas no resultado do jogo e seus vencedores. Para garantir que estas etapas estejam presentes
sugere-se considerar a aplicação do debriefing conforme Lacruz (2018).
Considerações finais
Considerando a relevância de se buscar continuamente métodos ativos de ensino que ofereçam
ao aluno novas experiências, preparando-o adequadamente para seu futuro profissional, os jogos de
empresas têm se difundido pelo mundo inteiro como uma forma de se integrar de forma prática
conteúdos associados aos negócios e ao empreendedorismo. Assim como, os jogos de empresas
apresentam o potencial para desenvolver habilidades que não são abordadas nas aulas tradicionais, as
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ARBELAITZ, Olatz et. al. Analysis of introducing active learning methodologies in a basic computer
architecture course. IEEE Transactions on Education, London, v. 58, n. 2, p. 110-116, 2015.
Baker, Ann C., Jensen, Patricia J. and Kolb, David A. (2002) Conversational learning: An experiential
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BEPPU, Clóvis I. Simulação em forma de “jogo de empresas” aplicada ao ensino da Contabilidade. 200 p.
Dissertação (Mestrado em Administração) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade,
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ISSN 1984-5499
Aline de Moraes1
Professora efetiva da rede estadual, Carazinho/RS, Brasil
Luiz Henrique Ferraz Pereira2
Professor do PPGECM da Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo/RS, Brasil
Resumo
Esse texto trata de um relato de experiência, decorrente da aplicação de um produto educacional, e tem como
objetivo sugerir possíveis associações de aspectos da Educação Financeira com as aulas de Matemática
Financeira no Ensino Médio, para propiciar aos estudantes, deste nível de ensino, conhecimentos que possam
dar-lhes autonomia e segurança em relação a sua vida financeira. É uma pesquisa qualitativa, apoiada na
metodologia de pesquisa da Engenharia Didática e embasada teoricamente em Paulo Freire. Sendo assim, os
resultados obtidos apontam à relevância de se trabalhar a temática com os alunos adolescentes, oportunizando
aos mesmos, conhecimentos para ter uma vida tranquila financeiramente.
Palavras-chave: Paulo Freire. Educação financeira. Ensino médio.
Abstract
This writing is an experience report, resulting from the application of an educational product, and aims to show
possible associations of aspects of Financial Education with Financial Mathematics classes in High School, to
provide students of this level of education, knowledge that can give them autonomy and security in relation to
their financial life. It is qualitative research, supported by the Didactic Engineering research methodology and
theoretically based on Paulo Freire. Thus, the results obtained point to the relevance of working on the theme
with adolescent students, providing them with the knowledge to have financially peaceful life.
Keywords: Paulo Freire. Financial education. High school.
Resumen
Este escrito es un informe de experiencia, resultante de la aplicación de un producto educativo, y tiene como
objetivo mostrar posibles asociaciones de aspectos de Educación Financiera con clases de Matemática
Financiera en la Escuela Secundaria, para proporcionar a los estudiantes de este nivel de educación. ,
conocimiento que puede darles autonomía y seguridad en relación con su vida financiera. Es una investigación
cualitativa, apoyada por la metodología de investigación de Ingeniería Didáctica y teóricamente basada en Paulo
1
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2
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Freire. Por lo tanto, los resultados obtenidos apuntan a la relevancia de trabajar en el tema con estudiantes
adolescentes, brindándoles el conocimiento para tener una vida financieramente pacífica.
Palabras-clave: Paulo Freire. Educación financeira. Escuela secundaria.
Introdução
Este relato de experiência é um recorte com adaptações da dissertação de mestrado profissional
em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade de Passo Fundo, intitulada: “Educação Financeira
no Ensino Médio: Uma proposta para as aulas de matemática”, de um dos autores desta escrita. A ideia
desenvolvida aqui é dar ênfase ao legado de Paulo Freire atrelado à Educação Financeira nas escolas,
através de um produto educacional que foi aplicado em três turmas de Ensino Médio de uma escola
pública estadual.
Desta forma, o objetivo principal foi associar ações de Educação Financeira com as aulas de
Matemática Financeira no Ensino Médio, para propiciar aos estudantes, deste nível de ensino,
conhecimentos que possam dar-lhes autonomia e segurança em relação a sua vida financeira. Para isso,
o legado de Paulo Freire foi explorado e no próximo tópico aprofunda-se essa questão.
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estatísticas são não neutras, mas por que e no interesse de quem” (FRANKENSTEIN, 1983, p. 119).
Assim como Frankenstein (1983) fez relações da Estatística com as pedagogias de Freire, na
dissertação, que é base deste texto, também se pretendeu relacionar a Educação Financeira Escolar com
algumas de suas prerrogativas, tais como: respeito aos saberes dos educandos e sua autonomia,
reflexão crítica sobre a prática, conscientização da realidade, consciência do inacabamento, convicção
de que a mudança é possível, curiosidade, comprometimento, compreender que a educação é uma
forma de intervenção no mundo, tomada consciente de decisões, saber escutar, reconhecer que a
educação é chave para as transformações sociais, disponibilidade para o diálogo e querer bem aos
educandos.
Ainda em Frankenstein (1983), a autora cita alguns exemplos de matemática básica ligados a
ideologias hegemônicas2:
Uma população matemática analfabeta pode ser convencida, por exemplo, que programas de
bem-estar social são responsáveis por seu decadente padrão de vida, porque tais programas não
pesquisam os números para revelar que bem-estar para o rico faz parecer menor qualquer parco
subsídio dado para o pobre. Por exemplo, em 1975, o máximo pagamento para um Auxílio por
Crianças Dependentes numa família de quatro era $5.000 e a média de juro em imposto para
cada um dos 160.000 contribuintes mais ricos era $45.000 (Babson & Brigham, 1978, p. 37).
Também em 1980, $510 milhões de nosso dinheiro de imposto pagaram por novos aeroportos
para que pilotos privados não aterrissassem seus aviões em grandes aeroportos comerciais (Judis
& Noberg, 1981, p. 22) (FRANKENSTEIN, 1983, p. 122-123).
Esses exemplos das décadas de 1970 e 1980, nos Estados Unidos da América, poderiam ser
considerados fora de época e fora de contexto, mas não o são. Se pensarmos um pouco no nosso país (o
Brasil) acontecem inúmeros fatos parecidos com os citados acima, só para exemplificar, mais
especificamente no estado do Rio Grande do Sul, nos anos de 2015 até atualmente (2020) os
funcionários públicos estaduais estão recebendo seus salários atrasados, e o governo justifica que não
há dinheiro para pagamento em dia. Enquanto isso, existe a estimativa de que o estado está perdendo
mais de seis bilhões de reais com a sonegação de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS)3 de 01 de janeiro de 2020 até 07 de agosto do mesmo ano.
Esses fatos cotidianos que impactam as vidas de pessoas próximas aos educandos ou deles
mesmos devem servir de exemplificação e norte para o trabalho em sala de aula, pois em conformidade
com Freire é essencial “discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina
2
O político e cientista italiano chamado Antônio Gramsci formulou o conceito de hegemonia como sendo o domínio de uma
classe social sobre as outras, em termos ideológicos, em especial da burguesia com as classes de trabalhadores.
3
Conforme informações da página da internet do Afocefe Sindicato – Sindicato dos Técnicos Tributários da Receita Estadual
do Rio grande do Sul. Disponível em:<http://sonegometro-rs.org.br/>. Acesso em: 27 ago. 2020.
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cujo conteúdo se ensina” (FREIRE, 1996, p. 33). Na Matemática Financeira pode-se explorar tais fatos e
fazer com que os alunos pesquisem e reflitam sobre os dados. É fundamental, não apenas calcular por
calcular, mas apresentar problemas contextualizados com informações verídicas acerca do país, cidade,
ou mesmo bairro onde moram. Pois, “o conhecimento não existe separado do como e por que é usado,
no interesse de quem” (FRANKENSTEIN, 1983, p. 106).
Além de apresentar situações, é papel do professor dialogar com os educandos para que eles
apresentem situações de suas vidas, algo que vivenciaram ou escutaram nos meios de comunicação e
que chamou a sua atenção, promovendo, deste modo, uma relação dialógica. Já dizia Freire: “Debater o
que se diz e o que se mostra e como se mostra na televisão me parece algo cada vez mais importante”
(FREIRE, 1996, p. 157). Na Educação Financeira pode ser trabalhada as questões que envolvem as
estratégias de marketing das grandes empresas, que visam, na maioria das vezes, manipular para atrair
e reter consumidores, através de seus anúncios muito bem pensados e elaborados.
Freire traz também a importante noção de que uma educação de qualidade só é possível quando
o professor conhece seu educando, onde está inserido e qual é a sua realidade. Assim, o conteúdo
proposto será adequado e fará sentido para ele, que por sua vez poderá aprender com interesse. E para
que isso ocorra, para conhecer os estudantes, é imprescindível ouvir e respeitar os seus saberes e sua
autonomia.
Ao abordar o termo autonomia o filósofo Immanuel Kant o associa à liberdade de pensamento e
ao processo de tomada de consciência, se aproximando das ideias defendidas por Freire (PINTO, 2017,
p. 24). Na Educação Financeira a autonomia tem o caráter de tomada de decisão, partindo do
pressuposto de que o indivíduo vai utilizar algum recurso para pensar na melhor decisão a tomar, seja
através da matemática ou não.
Assim como os pais devem desafiar seus filhos nos processos de decisão, os professores devem
oportunizar aos seus educandos autonomia na condução das atividades em sala de aula, pois “é
decidindo que se aprende a decidir. Não posso aprender a ser eu mesmo se não decido nunca” (FREIRE,
1996, p. 119). “A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão
sendo tomadas” (Ibidem, p. 120). Na prática docente, mais especificamente na disciplina de
Matemática, é importante deixar que o aluno pense e tente resolver as questões por si mesmo,
apresentando situações que o façam tomar decisões baseados nos cálculos e conceitos propostos.
Ainda sobre a autonomia, Freire (1996, p. 121) menciona que:
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Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente,
aos 25 anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto
amadurecimento do ser para si é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste
sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras
da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade.
Por isso, um dos fatores determinantes na docência é que ensinar exige querer bem aos
educandos:
Se não posso, de um lado, estimular os sonhos impossíveis, não devo, de outro, negar a quem
sonha o direito de sonhar. Lido com gente e não com coisas. E porque lido com gente, não posso,
por mais que, inclusive, me dê prazer entregar-me à reflexão teórica e crítica em torno da própria
prática docente e discente, recusar a minha atenção dedicada e amorosa à problemática mais
pessoal deste ou daquele aluno ou aluna. Desde que não prejudique o tempo normal da
docência, não posso fechar-me a seu sofrimento ou à sua inquietação porque não sou terapeuta
ou assistente social. Mas sou gente. O que não posso, por uma questão de ética e de respeito
profissional, é pretender passar por terapeuta. Não posso negar a minha condição de gente, de
que se alonga, pela minha abertura humana, uma certa dimensão terápica (FREIRE, 1996, p. 163).
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Além disso, Freire coloca que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p. 52). Portanto, cabe ao professor
estar sempre atento e aberto às indagações dos alunos, provocando a curiosidade e as perguntas,
estando predisposto a mudanças e a aceitação do diferente. “Nada do que experimentei em minha
atividade docente deve necessariamente repetir-se” (Ibidem, p. 55).
Nesse sentido, para que ocorram mudanças, as pessoas precisam ter consciência da realidade,
esse é o conceito fundante de Paulo Freire. Porém, não basta somente conscientizar, e sim, é necessário
ter uma ação transformadora. Como se conscientiza? Através do diálogo, pois seres que dialogam na
horizontalidade desenvolvem a amorosidade e o respeito mútuo, o que traz a abertura necessária para
a transformação e a consciência.
No contexto desse relato de experiência, as ideias de Freire dialogam com estes aspectos
trazidos anteriormente, pois, para trabalhar a Educação Financeira primeiramente se deve conhecer a
realidade do aluno, porque de nada adiantaria falar sobre investimentos, por exemplo, se os alunos e
suas famílias fossem endividados. Após conhecer um pouco sobre o que o aluno já sabe sobre o tema, é
imprescindível pensar a prática de sala de aula e o seu caráter socializante, gerando autonomia para que
o aluno construa o seu próprio mecanismo nas tomadas de decisões financeiras.
Deste modo, as tarefas propostas no produto educacional (abordados no tópico Produto
Educacional e Relatos de sua Aplicação) foram elaboradas de maneira que trouxessem mudanças na
forma de trabalhar a Matemática Financeira, não usando apenas os cálculos e sim buscando sempre a
reflexão acerca do contexto no qual a Matemática Financeira está inserida, aproximando-se, assim, de
alguns pressupostos freirianos.
Mediante o exposto, o tópico seguinte traz uma análise de como a Educação Financeira está
inserida no ensino básico e sua relevância para ele.
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Brasil. Seu objetivo é contribuir para o fortalecimento da cidadania ao fornecer e apoiar ações que
ajudem a população a tomar decisões financeiras mais autônomas e conscientes.
Assim, antes de mapear uma proposta para a Educação Financeira na escola, entende-se ser
importante destacar que, em se tratando de Educação Financeira no ambiente escolar, será adotado
esse conceito de Silva e Powell.
A Educação Financeira Escolar constitui-se de um conjunto de informações através do qual os
estudantes são introduzidos no universo do dinheiro e estimulados a produzir uma compreensão
sobre finanças e economia, através de um processo de ensino, que os torne aptos a analisar,
fazer julgamentos fundamentados, tomar decisões e ter posições críticas sobre questões
financeiras que envolvam sua vida pessoal, familiar e da sociedade em que vivem (2013, p. 12-
13).
Outro fator importante a ser destacado é que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o
Ensino Médio, cita a educação para o consumo, educação financeira e fiscal como sendo essenciais para
assegurar o direito de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos da educação básica (BRASIL, 2017,
p. 20). Uma vez que que os Parâmetros Curriculares Nacionais são antecedentes ao surgimento do
termo “educação financeira”, bem como a relevância desta temática nas escolas, para o
desenvolvimento de uma aprendizagem realmente autônoma.
Através destes estudos e análises foi desenvolvido um produto educacional, alinhado aos
pressupostos teóricos do educador Paulo Freire, com o objetivo de trabalhar no ensino médio uma
educação financeira que seja realmente interessante e emancipadora para os estudantes, e uma parte
do relato de sua aplicação se encontra a seguir.
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A noção de Engenharia Didática surgiu na década de 1980, com o objetivo de etiquetar uma forma de trabalho comparável
ao trabalho do engenheiro, a mesma se apoia nos conhecimentos científicos, mas, ao mesmo tempo, se depara com aspectos
mais complexos para a realização de algum projeto. A mesma é composta por quatro fases: análises preliminares; concepção
e análise a priori; experimentação; e análise a posteriori e validação.
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primeiramente com sua dupla (a disposição das cadeiras na escola é de duas em duas), que anotassem o
conversado e que depois faríamos uma exposição das ideias com os demais colegas.
A partir dessas discussões ocorridas nas três turmas, foi encerrado o encontro com um vídeo do
Youtube, intitulado: “Educação Financeira nas escolas - Pra quê? Por quê?”, com a prerrogativa de que
este seria o assunto para a próxima aula.
• Terceiro e quarto encontros: Definindo temas e grupos para o trabalho I.
Foi solicitado que os alunos formassem grupos, sem limitação de quantidade de integrantes, para os
quais foram distribuídos alguns tópicos que deveriam ser lidos, assimilados e apresentados aos colegas.
Os tópicos eram sobre os seguintes temas: Vida familiar cotidiana; Vida social; Bens pessoais; Trabalho;
Empreendedorismo; Bens públicos; Economia do país.
Tais temas fazem parte dos três Livros de Educação Financeira nas Escolas, para o Ensino Médio,
produzidos pela Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF). Os assuntos abordam, de maneira
divertida e simples, o planejamento, consumo consciente e o processo de refletir sobre as tomadas de
decisões financeiras.
Conforme visto no tópico sobre Paulo Freire, a escolha por trabalhos nessa modalidade foi
proposital para estimular a autonomia e a liberdade na organização das temáticas, as quais deveriam
ser elaboradas e apresentadas por eles mesmos, uns aos outros, o que teria resultados bem diferentes
se eles ficassem apenas sentados ouvindo a professora ou um palestrante, por exemplo.
• Quinto ao nono encontros: Apresentações do trabalho I
As apresentações dos grupos, nas três turmas, seguiram por duas ou três semanas e os estudantes
fizeram uso do datashow para suas apresentações e a grande maioria trouxe também vídeos do
youtube para reforçar as suas falas. Além disso, ficou evidente o quanto os estudantes se sentiram à
vontade para contar sobre seus conhecimentos prévios para os colegas.
Dois grupos, de turmas distintas, se destacaram nas apresentações, por aplicarem atividades
diferenciadas, tais como uma gincana e a brincadeira de torta na cara, que tiveram, inclusive,
premiações para as equipes que participaram das atividades.
Em cada uma das três turmas foi feito um fechamento das apresentações dos trabalhos, momento
em que foram abordados aspectos anotados no decorrer das apresentações, como por exemplo, sobre
a diferença de dívida e inadimplência, juros de poupança versus juros de inflação, falamos também da
pegada ecológica, que é uma simulação feita num site da internet, acessível a qualquer pessoa, para
saber quantos planetas Terras seriam necessários se todas as pessoas do mundo tivessem o mesmo
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estilo de vida que aquela pessoa que fez a simulação. Alguns alunos fizeram essa simulação e se
apavoraram com o resultado, pois precisaria de dois planetas e meio ou três.
E assim, em todas as turmas a maioria dos alunos interagiu nesse momento, contando histórias
sobre familiares ou amigos que remetiam a essa temática.
• Oitavo ao décimo terceiro encontro: Tomada de decisão através da aplicação de simulações-
familiares e situações-surpresa.
Foi elaborado um material no power-point para retomar os aspectos mais rotineiros da educação
financeira, em que os alunos se dividiriam em no máximo oito grupos e escolheriam uma simulação de
família, ao acaso. Nesse material havia oito famílias fictícias em situações financeiras diversas.
Depois, cada grupo escolheu um número e nesse número constava uma situação surpresa para
ocorrer naquela família fictícia em que se encontravam. Chamava-se situação surpresa pois existiam
quatro situações consideradas boas e quatro delas consideradas ruins. A ideia dessa atividade era de
que eles sentissem a necessidade de fazer um planejamento financeiro para solucionar a situação
ocorrida. Caso isso não ocorresse, a professora, na função de mediadora, deveria induzir a essa
necessidade.
Com o intuito de elevar o nível de complexidade em relação à tarefa anterior, essa atividade foi
preparada com situações que são bem possíveis de ocorrer com famílias de alunos de escola pública,
pela realidade em que estas vivem, já que muitas são de classe baixa/média. E por tratarem de
situações que precisavam de tomada de decisão, onde os educandos poderiam usar os princípios
estudados nas etapas anteriores.
Nas três turmas a escolha das simulações das famílias e das situações surpresa causaram ansiedade
entre os estudantes, em função do desejo de escolher uma situação boa e uma família com melhores
condições de vida que os outros grupos. Surgiram também algumas dúvidas, como por exemplo, o que
significava pró-labore, que constava numa das simulações familiares de um determinado grupo.
Resumidamente, os planejamentos financeiros feitos pelos grupos para solucionar as situações
surpresa ocorridas, em quase todas as famílias fictícias, foram mirabolantes, pois as famílias tiveram
muita facilidade em se privar de confortos, bem como a se adaptar com mudanças de hábitos e
comportamentos repentinos, garantindo, assim, muitos finais felizes.
Após as apresentações dos orçamentos das simulações familiares e das soluções das situações
surpresas foi feito um fechamento com algumas perguntas reflexivas, para que os estudantes
pensassem e comentassem sobre cada uma delas. Frisando que as decisões tomadas foram da
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família/grupo, portanto, não estavam erradas, mas apenas para que pensassem se na realidade as
famílias resolveriam as situações da forma como aconteceram na atividade, com famílias fictícias.
Após a aplicação do Produto Educacional foram feitas as análises conforme as fases da Engenharia
Didática, utilizando as anotações dos diários de aula da professora e dos alunos, áudios dos
fechamentos e questionários respondidos pelos estudantes. Algumas dessas análises constam no
próximo tópico.
Considerações finais
Ao trabalhar a Matemática Financeira e em seguida a Educação Financeira, durante as aulas,
acreditamos que o aprendizado tenha sido significativo pelo fato de os alunos vivenciarem a aplicação
da teoria durante as atividades práticas, ou seja, que eles tenham conseguido perceber a necessidade
de fazer cálculos (incluindo o planejamento) para melhor fundamentar seus pensamentos e atitudes,
frente às tomadas de decisão financeiras que exigem essa ferramenta.
Ressaltamos também os vários momentos de conversas que tivemos, durante a aplicação desse
produto educacional, principalmente nos fechamentos de cada etapa, em que sempre surgiam histórias
e experiências vividas tanto pela professora como pelos pesquisados ou conhecidos nossos, as quais
geraram reflexões e aprendizagens.
Outra análise possível com a aplicação da atividade foi a de que no trabalho sobre as simulações
familiares e as situações surpresas, a maioria dos grupos percebeu que é viável diminuir as despesas
variáveis, pois foi uma das soluções mais apresentadas aos demais colegas da turma; nos diários de aula
dos alunos, constam escritas como “Esse trabalho foi um ótimo método de ver como cada um lidaria
com imprevistos financeiros”; “... aprendemos que economia e planejamento são essenciais”; “cortar
gastos foi essencial para resolver as situações impostas” e “Precisamos do planejamento e entender que
não dá pra dar o passo maior que a perna”.
Salientamos, desde já, a escolha do referencial teórico baseado na obra do educador Paulo
Freire, para evidenciar o que foi abordado no tópico sobre o mesmo, a defesa do afeto na relação
professor/aluno para facilitar o aprendizado, bem como oportunizar atividades que propiciem
autonomia e criticidade aos educandos, respeitando seus saberes, disponibilizando abertura para o
diálogo e não apenas transferindo conhecimento.
É difícil precisar se o aproveitamento almejado com essas aulas na geração de autonomia e
criticidade dos alunos virá de imediato ou com o tempo. Não se sabe até que ponto o educador
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Aline de Moraes, Luiz Henrique Ferraz Pereira
conseguiu despertar a curiosidade sobre a temática em seus educandos, no entanto fica a certeza de se
ter trabalhados vários fatos ocorridos que colocaram o aluno como construtor de seu aprendizado.
Ao final da sequência didática aplicada nessas três turmas do Ensino Médio é perceptível que os
alunos adquiriram conhecimentos sobre Educação Financeira relacionando com a Matemática
Financeira vista no cotidiano, bem como, perceberam a necessidade da Matemática Financeira para
tomada de decisões financeiras e a importância do planejamento para a realização dos sonhos.
Referências
BRASIL. Decreto-lei nº 7.397, de 22 de dezembro de 2010. Institui a Estratégia Nacional de Educação
Financeira. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2010/decreto/d7397.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%207.397%2C%20DE%2022%20DE%20
DEZEMBRO%20DE%202010.&text=Institui%20a%20Estrat%C3%A9gia%20Nacional%20de,que%20lhe%2
0confere%20o%20art . Acesso em: 30 jun. 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular Ensino
Médio. Brasília, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2JhZt8j. Acesso em: 29 jun. 2018.
FORNER, Regis; OECHSLER, Vanessa; HONORATO, Alex Henrique Alves. Educação Matemática e Paulo
Freire: entre vestígios e imbricações. Inter-Ação, Goiânia, v. 42, n. 3, p. 744-763, set./dez. 2017.
Disponível em: https://bit.ly/2R2xykq. Acesso em: 02 jan. 2019.
FRANKENSTEIN, Marilyn. Educação matemática crítica: uma aplicação da epistemologia de Paulo Freire.
1983. Disponível em: https://bit.ly/2QoZidL. Acesso em: 06 jan. 2019.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 8. ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.
PINTO, Maria Verônica Roldán. Docência autônoma: desafios para o exercício da autonomia docente
em uma perspectiva freiriana no estado capitalista – estudo de caso em uma escola da rede municipal
de Pelotas. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Pelotas, Pelotas,
2017.
SILVA, Amarildo Melchiades da; POWELL, Arthur Belford. Um programa de Educação Financeira para a
Matemática escolar da Educação Básica. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 11,
2013, Curitiba. Anais... Curitiba: SBEM, 2013. p. 1-17.
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ISSN 1984-5499
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Forensic Science in Biology teaching: a Pedagogical Residency’s project with high school
students
Resumo
A popularização da ciência forense através da literatura e de seriados televisivos tem motivado as pessoas a
seguirem carreiras dentro da área criminalística. Entretanto, muitas vezes as mídias não representam a
realidade. A ciência que lida com a área criminalística pode ser definida como aplicação de métodos e princípios
científicos na investigação de crimes. Sabendo disso, construímos um projeto para abordar os conhecimentos e
práticas das ciências forenses dentro do ensino de biologia com estudantes de ensino médio de uma escola
pública no contexto do programa de residência pedagógica. O projeto foi realizado através de uma aula teórica
em conjunto com um material didático de apoio produzido pelos residentes e de uma aula prática em conjunto
com uma perita criminal do Estado do Maranhão, que manipulou materiais de revelação de impressões
papiloscópicas junto dos residentes e dos estudantes. Como resultado das atividades, o problema do
feminicídio foi abordado pelos estudantes através da hipotetização científica, sendo este um tema importante e
urgente.
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André Felipe Moreira Reis, Alexsandra Câmara Paz Lindoso, Érica Brito de Oliveira, Mariana Guelero do Valle
Abstract
The popularization of forensic science through the literature and television shows has motivated people to seek
for a profession inside of the criminalistic area. However, the media does not usually represent real life. The
science that deals with the criminalistic area can be defined as the application of scientific methods and
principles for the investigation of crimes. Because of that, we elaborated a project to talk about the forensic
science knowledge and practices through biology teaching with high school students of a public school within
the context of the pedagogical residency program. The project was accomplished through a theoretical class
with a didactic material made by the residents and a practical class together with a criminal expert of the State
of Maranhão, who manipulated papilloscopy tools for revelation of fingerprints with residents and students. As
a result of the activities, the problem of femicide was discussed by the students through scientific hypotheses.
Keywords: Forensic Science. Biology Teaching. Pedagogical Residency.
Resumen
La popularización de la ciencia forense a través de la literatura y las series de televisión ha motivado a las
personas a seguir una carrera en el área criminal. Sin embargo, a menudo los medios de comunicación no
representan la realidad. La ciencia que se ocupa del campo penal se puede definir como la aplicación de
métodos y principios científicos en la investigación de delito. Sabiendo esto, construimos un proyecto para
abordar los conocimientos y prácticas de las ciencias forenses dentro de la enseñanza de la biología con
estudiantes de una escuela pública en el contexto del programa de residencia pedagógica. El proyecto se llevó a
cabo a través de una clase teórica junto con material didáctico elaborado por los residentes y una clase práctica
en conjunto con una experta criminal del estado del Maranhão, quien manejó materiales de desarrollo de
impresión papilloscópica con los residentes y estudiantes. Como resultado de las actividades, el problema del
feminicidio fue abordado por los estudiantes a través de hipótesis científicas.
Palabras clave: Ciencia Forense. Enseñanza de Biología. Residencia Pedagógica.
Introdução
A Ciência Forense e a profissão de Perícia Criminal foram popularizadas através da mídia desde a
publicação dos livros do autor britânico Arthur Conan Doyle e seu personagem, Sherlock Holmes. Por
exemplo, no livro "Um Estudo em Vermelho", lançado originalmente em 1887, um dos diálogos mais
icônicos de Sherlock Holmes encontra-se nesta obra: “Encontrei! Encontrei! Gritou meu companheiro,
correndo em nossa direção com um tubo de ensaio na mão. Encontrei um reagente que é precipitado
por hemoglobina e por nada mais.” (DOYLE, 2019, p. 15). A popularidade do mundo do detetive fictício
mantém-se popular em outros formatos de mídia, como os seriados televisivos de temática
investigativa, a exemplo da série britânica Sherlock, de 2010, e do filme estadunidense Enola Holmes, de
2020, além dos personagens e narrativas de outros autores, como a série policial de nome Crime Scene
Investigation - CSI.
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André Felipe Moreira Reis, Alexsandra Câmara Paz Lindoso, Érica Brito de Oliveira, Mariana Guelero do Valle
Para Santos (2018), a popularização do tema através das mídias tem influenciado diversas
pessoas a querer seguir carreiras dentro do ramo da criminalística. Apesar desse aspecto positivo, é
importante destacar que muitas vezes a mídia não reflete a realidade. De acordo com Spencer (2012), a
área da Ciência Forense pode ser definida como uma aplicação dos métodos e princípios científicos na
investigação de crimes e de criminosos, ou seja, é um ponto de convergência entre os sistemas jurídico
e científico dentro do contexto da segurança pública. A Ciência Forense moderna utiliza os
conhecimentos da Biologia, Química, Física, Matemática e da Antropologia para responder a seis
questões básicas de um crime: Quem? O quê? Quando? Onde? Por quê? Como?
A partir desse entendimento, foi realizado um trabalho envolvendo a temática do feminicídio nas
investigações criminais com estudantes do ensino médio na disciplina de Biologia, o qual deu origem a
este relato de experiência, que tem como objetivo compartilhar as experiências da elaboração e
aplicação do projeto de Ciência Forense, do programa de Residência Pedagógica1, com estudantes de
uma escola da rede pública estadual de São Luís do Maranhão, o Centro de Ensino Benedito Leite.
Desenvolvimento do projeto
O projeto foi realizado com estudantes da rede pública estadual do Maranhão, no Centro de
Ensino Benedito Leite, localizado no bairro do Centro Histórico, com quatro turmas do 2º ano do ensino
médio, A, B, C e D, em uma média de 35 estudantes por sala. Um dia foi destinado para uma aula teórica
em um dia e em um segundo dia para uma aula prática, em abril de 2019. A proposta das aulas foram
de: introduzir os conhecimentos científicos da área forense, com enfoque na Biologia Forense; e
sensibilizar os estudantes para temas sociais, como a importância da preservação do local do delito,
devido ao risco de contaminação da cena do crime com os vestígios biológicos de pessoas sem
envolvimento com a situação e também para o problema do feminicídio. A partir disso, pensamos na
realização de um projeto com temática voltada para a perícia criminal e suas interfaces com as Ciências
Biológicas, a fim de proporcionar o engajamento de estudantes do ensino médio com a disciplina de
Biologia.
1 Programa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, que tem por finalidade fomentar
projetos institucionais de residência pedagógica implementados por Instituições de Ensino Superior, contribuindo para o
aperfeiçoamento da formação inicial de professores da educação básica nos cursos de licenciatura.
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André Felipe Moreira Reis, Alexsandra Câmara Paz Lindoso, Érica Brito de Oliveira, Mariana Guelero do Valle
A ideia para criação do projeto de Ciência Forense partiu do residente responsável pelas turmas
do 2° ano do turno matutino, com a supervisão da preceptora da escola-campo e professora da
disciplina de Biologia, além das orientações da docente coordenadora da Universidade Federal do
Maranhão - UFMA. O projeto foi um dentre os diversos projetos elaborados para serem executados
durante a fase de imersão do programa de Residência Pedagógica, que consistiu na elaboração de um
planejamento escolar durante as reuniões previamente combinadas e que envolvessem projetos
temáticos gerais e específicos a serem aplicados pelos residentes, a partir dos dados levantados sobre a
escola-campo, como os desafios e potenciais, durante as observações e entrevistas realizadas na fase
anterior.
Assim, através do material “Introduction to Forensic Science: the science of criminalistics"
(SPENCER, 2012), foram selecionados conteúdos para elaboração de uma aula presencial, com conteúdo
não previsto na grade curricular regular para o 2º ano do ensino médio da escola em questão, mas
dentro do cronograma de aulas da disciplina previsto pela escola, sendo ministrada de forma expositivo-
dialogada. Foram utilizados slides com suporte dos recursos audiovisuais disponíveis na escola, como
um datashow, para exibição dos slides elaborados para apresentação dos conteúdos teóricos, como por
exemplo: O que é ciência? O que é ciência forense? Um vídeo que aborda a genética forense e a
identificação de suspeitos através do DNA; Métodos e técnicas de análise utilizados na investigação de
cenas de crime; Um vídeo que aborda o efeito da substância química luminol dentro da série CSI;
Investigação criminal na literatura; Por que os crimes acontecem? E a importância da preservação das
cenas de crime por parte da comunidade civil.
Houve também a distribuição de um material didático de apoio contendo duas páginas com
informações teóricas (Figura 1 e 2) mais uma página com atividades para fixação dos conhecimentos
abordados (Figura 3). As páginas 1 e 2 do material foram discutidas em sala durante a aula teórica como
uma introdução aos conceitos básicos da área forense, com informações adicionais nos slides. Este
material foi elaborado por meio da plataforma Canva e distribuídos na forma impressa para os
estudantes que compareceram em um dos dois dias de realização do projeto:
Dia 1 - Aula Teórica: introdução aos conhecimentos da Ciência Forense e suas relações com os
fenômenos sociais
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André Felipe Moreira Reis, Alexsandra Câmara Paz Lindoso, Érica Brito de Oliveira, Mariana Guelero do Valle
A ideia para a aula prática foi elaborar uma cena para que os estudantes pudessem investigar o local
em grupos e depois utilizar os materiais para coleta de impressões digitais posicionadas em objetos
específicos na cena de um crime hipotético:
A técnica de pó é a mais utilizada entre os peritos criminais e nasceu juntamente com a observação das
impressões e sua utilização remota no século XIX, dando continuidade até hoje. É usada quando as
Impressões Papilares Latentes (IPL) localizam-se em superfícies que possibilitam o decalque da
impressão, ou seja, superfícies lisas, não rugosas e não adsorventes (LINO; SÁ; SILVA, 2020, p. 36).
A cena fictícia do crime (Figura 4) foi criada a fim de questionarmos um tema social que tem ganhado
destaque nos últimos anos devido ao aumento de mortes de mulheres pela violência doméstica e outras
questões. O feminicídio é definido como crime de homicídio contra mulheres por razões da condição de seu
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André Felipe Moreira Reis, Alexsandra Câmara Paz Lindoso, Érica Brito de Oliveira, Mariana Guelero do Valle
gênero. Esse termo abrange tanto mulheres cisgênero quanto as mulheres transgênero, como as travestis e as
mulheres transsexuais por conta da transfobia sofrida por essas pessoas.
Para isso, utilizamos o teatro da escola por conta de seu tamanho amplo para criação da cena
fictícia, um manequim utilizado como modelo anatômico do sistema esquelético do laboratório de
ciências e que foi devidamente caracterizado com um vestido e uma peruca de cabelos longos
emprestados pelas alunas responsáveis pelo grêmio estudantil.
Na cena do crime poderiam ser encontrados além da vítima, um preservativo aberto escondido
debaixo de um tapete, levando os grupos a dialogarem sobre várias hipóteses de cunho científico, ou
seja, baseado nos vestígios encontrados na cena do crime hipotético, como o material genético
encontrado na camisinha usada, resquícios de pele de baixo das unhas devido a lutas corporais, e
possíveis digitais espalhadas propositalmente pela cena, aliados ao processo de dedução dos fatos.
O projeto também contou com o apoio de uma perita criminal, através de uma colaboração
entre instituições estaduais do Maranhão, a Secretaria de Estado da Educação e a Secretaria de Estado
da Segurança Pública:
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 932-943, set./dez. 2022
André Felipe Moreira Reis, Alexsandra Câmara Paz Lindoso, Érica Brito de Oliveira, Mariana Guelero do Valle
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André Felipe Moreira Reis, Alexsandra Câmara Paz Lindoso, Érica Brito de Oliveira, Mariana Guelero do Valle
Na imagem a seguir (figura 9), observa-se a utilização do material da perícia criminal com os
estudantes:
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André Felipe Moreira Reis, Alexsandra Câmara Paz Lindoso, Érica Brito de Oliveira, Mariana Guelero do Valle
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André Felipe Moreira Reis, Alexsandra Câmara Paz Lindoso, Érica Brito de Oliveira, Mariana Guelero do Valle
Considerações finais
O uso da ciência forense como um tema transversal dentro do ensino de Biologia promoveu o
diálogo sobre temas que são com pouca frequência conversados de forma satisfatória com os
estudantes em sala de aula, como é o caso do feminicídio. Notamos também que os conteúdos
trabalhados dentro da Ciência Forense podem ser incluídos dentro da grade curricular em conteúdos
como, por exemplo, na Citologia e na Genética, de forma a contextualizar tais conteúdos com questões
sociocientíficas, despertando maior interesse dos estudantes para o aprendizado.
Destacamos também a importância da cooperação entre as diversas instituições federais,
estaduais e municipais, como foi o caso da colaboração da Secretaria de Estado da Educação e da
Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, articulando de forma mais eficiente o cotidiano
profissional de cientistas com os processos educativos realizados dentro do ambiente escolar. O
conhecimento do cotidiano dos cientistas enquanto profissionais, além dos materiais e métodos usados
durante uma investigação proporcionam maior familiarização com o conhecimento científico.
Referências
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - CIDH. Situação dos direitos humanos no Brasil.
Organization of American States - OAS. 2021.
FILHO, Antônio de Pádua Arruda dos Santos, et al. Ciência Forense como ferramenta de ensino através
da aprendizagem significativa: intervenções nas escolas de ensino médio no município de Maracanaú.
Revista Binacional Brasil e Argentina: diálogo entre as ciências, v. 11, n. 1, p. 111-124, 2022.
LINO, Marcos Felipe Silva; SÁ, Marcos Vinicios Ferreira de; SILVA, Cleomacio Miguel da. Ciência forense:
uma abordagem da identificação humana no ensino de ciências. International Journal Education and
Teaching, v.3, n.2 p. 1-15, 2020.
SANTOS, Anderson Eduardo dos. As principais linhas da biologia forense e como auxiliam na resolução
de crimes. Revista Brasileira de Criminalística, v. 7, n. 3, p. 12-20, 2018.
SPENCER, James. Introduction to Forensic Science: the science of criminalistics. New York: Syracuse
University, 2012.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 932-943, set./dez. 2022
ISSN 1984-5499
Kananda Pimenta1
Graduada em Psicologia pela Faculdade Irecê – FAI, Irecê/BA, Brasil
Labelle Dourado2
Graduada em Psicologia pela Faculdade Irecê – FAI, Irecê/BA, Brasil
Claudilson Souza dos Santos3
Professor da Faculdade Irecê – FAI, Irecê/BA, Brasil
Resumo
A monitoria de ensino é um programa que possibilita o desenvolvimento de habilidades profissionais e
acadêmicas ao passo que também estimula o aluno-monitor a se aproximar da atuação docente. Desse modo,
este trabalho tem o intuito de expor a vivência de duas alunas a partir do processo de monitoria durante o
primeiro semestre de 2020. Para isso, foi desenvolvido o relato de experiência no qual a coleta de dados foi
realizada através da observação participante e revisão de literatura para embasamento teórico. A partir dos
dados obtidos foram elaborados três tópicos, os quais discutem desde o processo de seleção e formação das
alunas/monitoras até os aspectos positivos e negativos desta experiência em um momento pandêmico. O
desenvolvimento deste trabalho foi uma tentativa de difundir esta prática entre os estudantes universitários
enquanto oportunidade de vivenciarem mais de perto a atuação docente e estimulá-los a buscarem experienciar
o programa.
Palavras-chave: Monitoria. Docência. Ensino-aprendizagem.
Abstract
Teaching monitoring is a program that enables the development of professional and academic skills while also
encouraging the student-monitor to get closer to teaching. Thus, this work aims to expose the experience of
two students from the monitoring process during the first half of 2020. For this, an experience report was
developed in which data collection was carried out through participant observation and literature review for
theoretical basis. From the data obtained, three topics were elaborated, which discuss from the process of
selection and training of students/monitors to the positive and negative aspects of this experience in a
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Kananda Pimenta, Labelle Dourado, Claudilson Souza
pandemic moment. The development of this work was an attempt to spread this practice among university
students as an opportunity for them to experience the teaching performance more closely and encourage them
to seek to experience the program.
Keywords: Monitoring. Teaching. Teaching-learning.
Resumen
El seguimiento docente es un programa que posibilita el desarrollo de competencias profesionales y académicas
al mismo tiempo que incentiva al alumno-monitor a acercarse a la docencia. Así, este trabajo tiene como
objetivo exponer la experiencia de dos estudiantes del proceso de seguimiento durante el primer semestre de
2020. Para ello, se desarrolló un informe de experiencia en el que se llevó a cabo la recolección de datos a
través de la observación participante y la revisión de la literatura con base teórica. A partir de los datos
obtenidos se elaboraron tres temas, que discuten desde el proceso de selección y formación de estudiantes /
monitores hasta los aspectos positivos y negativos de esta experiencia en un momento pandémico. El desarrollo
de este trabajo fue un intento de difundir esta práctica entre los estudiantes universitarios como una
oportunidad para que vivan más de cerca el desempeño docente y los animen a buscar la vivencia del
programa.
Palabras clave: Vigilancia. Enseñando. Enseñanza-aprendizaje.
Introdução
A graduação é marcada pela obtenção de conhecimentos não somente no que se refere à área
específica do conhecimento em que está sendo realizada a graduação, mas também pela oportunidade
de se ter contato com outras atuações referentes à academia. Este é o caso da docência acadêmica, que
em alguns casos é marcada pelo pouco incentivo por parte da instituição e dos professores frente à
aproximação dos alunos a esta prática, em virtude disso alguns alunos não têm informação sobre
programas que despertem outras habilidades, como é o caso da monitoria.
De acordo com Silveira e Oliveira (2016), este programa é um modelo de ensino-aprendizagem
que tem o intuito de estimular o interesse dos alunos pela atuação na docência através de ações
voltadas ao ensino, possibilitando que estes desenvolvam experiências e habilidades no período
acadêmico frentes as atividades que são propostas pela disciplina na qual está atuando como monitor.
Sendo assim, a monitoria é relevante para além de uma qualificação académica, pois representa um
ganho no aspecto intelectual e social do aluno monitor (MATOSO, 2014).
Consoante a isso, Alencar e Gomes Filho (2019), revelam que estudos procuram confirmar a
relação entre a monitoria e a docência, uma vez que a formação de professores já pode ser iniciada
durante as atuações nas monitorias acadêmicas e iniciação científica, projetos como estes tem como
objetivo desenvolver interesses do aluno para com a docência.
Vale ainda ressaltar que durante a atuação o monitor faz parte de um processo de ensino-
aprendizagem, agindo como uma espécie de ponte entre o professor e os alunos, auxiliando no modo de
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 944-952, set./dez. 2022
Kananda Pimenta, Labelle Dourado, Claudilson Souza
assimilação dos assuntos que são expostos. Além do mais, por ser aluno também facilita a busca para a
elucidação de questões que venham a surgir em outro momento, já que este é visto pelos alunos
monitorados como um igual (SILVEIRA; OLIVEIRA, 2016).
A construção deste relato adveio da constatação do pouco incentivo e/ou divulgação do
programa de monitoria no espaço universitário, o que pode por consequência acarretar na privação de
uma experiência capaz de permitir uma ampliação das possibilidades de atuação do futuro profissional
tanto para aqueles que já têm interesse na área da docência quanto para os que não chegaram a
identificar essa atuação como possibilidade profissional.
Portanto, o objetivo deste trabalho é ampliar as discussões sobre a importância da monitoria de
ensino no período da graduação enquanto recurso de aproximação do acadêmico com a docência no
ensino superior. Demais, busca-se através deste, relatar as experiências adquiridas no período de
participação no programa, as quais tiveram impacto significativo no âmbito pessoal e acadêmico.
Metodologia
Este trabalho diz respeito a um relato de experiência construído a partir do que foi vivenciado
por duas monitoras de ensino em uma turma do 5º semestre na disciplina Métodos e Técnicas de
Pesquisa no curso de graduação em Psicologia, em uma faculdade do interior da Bahia, no decorrer do
primeiro semestre de 2020 período no qual iniciou a pandemia da Covid-19.
A abordagem utilizada para a construção deste relato foi a qualitativa, que segundo Minayo
(1994) trata-se de uma pesquisa que busca respostas para aspectos particulares que não podem ser
quantificados, está relacionada aos significados frente às relações e ações humanas. No que tange a
característica esta pesquisa se classifica como descritiva, tendo como objetivo detalhar particularidades
de uma população ou fenômeno específico (GIL, 2008).
A coleta de dados foi feita através de observação participante que segundo Cozby (2003) está
relacionado com a possibilidade de observar o fenômeno e ao mesmo tempo experienciá-lo assim como
os participantes já inseridos nesta situação, além disso, foi utilizado ainda roteiros e fichas de registros.
Ademais, foi realizada uma revisão de literatura na busca de embasar os aspectos relatados.
Sendo assim a busca pelo material foi feita através de livros, revistas online e pela plataforma
Scielo, sendo que para a escolha dos artigos foram priorizados os mais recentes entre os anos de 2014 a
2020 e aqueles em que relatava sobre relato de experiência na monitoria e o processo de ensino-
aprendizagem, bem como a monitoria enquanto aproximação a docência. A análise dos dados coletados
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foi feita a partir do que é chamado por Minayo (1994) de categoria de análise, segundo ele este conceito
é utilizado com o intuito de associar ideias ou expressões que possam se agrupar em uma definição que
possibilita abarcar estas.
De acordo com Simões Neto e Andrade (2017), a monitoria acadêmica é um serviço oferecido
como suporte pedagógico tanto a estudantes que tenham vontade de aprimorar e adentrar mais aos
conteúdos da disciplina em que pretende exercer a monitoria, quanto aos acadêmicos que serão
monitorados. Partindo desta visão, essa atividade proporciona ao aluno-monitor uma aquisição de
experiência, oferece subsídios também no processo de aprendizagem de novos conteúdos e
aperfeiçoamento dos já adquiridos, bem como o desenvolvimento de habilidades e o interesse pela
docência (SIMÕES NETO; ANDRADE, 2017)
De modo geral, a escolha do aluno para a participação nos programas de monitoria de ensino,
parte de um processo seletivo organizado pelas instituições de ensino, as quais definem critérios
específicos. Nesse caso em particular, o processo de seleção da monitoria de ensino do componente
Métodos e Técnicas de Pesquisa em Psicologia, ocorrido no período 2020.1, contou com duas vagas,
dividido em duas etapas: elaboração de texto (carta de intenção); e entrevista.
Em ambas as etapas o sentimento quanto a falta de confiança, nervosismo e ansiedade se
afloraram, pois o misto de desejo em participar do programa e as incertezas do desempenho
competiam-se entre si. Todavia, com o desenrolar da entrevista, ambas as sensações foram diminuindo
porquanto o professor foi conduzindo o processo a partir de questões que emergiram e levavam ao
pensamento de contextos pessoais, tornando o momento oportuno para as reflexões e
posicionamentos, contribuindo para um desenrolamento tranquilo da entrevista.
Superado o momento da seleção, a inquietação surgia agora, sobre as atribuições do monitor de
ensino, principalmente em um componente complexo como é o de Métodos e Técnicas de Pesquisa em
Psicologia, carregado tanto de conteúdos teóricos e práticos, o qual demanda investimentos diversos por
parte do aluno e também do monitor. Face a isso, ter clareza do processo de atuação enquanto monitor,
tornou-se uma busca incondicional, tanto nos documentos de orientação do Programa de Monitoria,
quanto em outras literaturas e diálogos.
Quanto a isso, Simões Neto e Andrade (2017), esclarecem que o aluno/monitor é encarregado de
prestar assistência aos discentes da disciplina monitorada, auxiliá-los na realização de atividades
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referentes à disciplina e orientá-los acerca de dúvidas referentes aos conteúdos ministrados em aula,
está disponível nas dependências da instituição em um determinado período para atender aos alunos
que precisem de ajuda. Além disso, o monitor deve também colaborar com o professor frente a correção
de atividades avaliativas.
Considerando que a oferta de monitoria de ensino é algo complexo, novo e desafiador para o
monitor, muitas vezes sem experiência, esta requer planejamento, organização e estudos constantes, de
modo a superar os desafios do processo e atender às expectativas, tanto do programa quanto dos
alunos a serem orientados, situação que coloca o monitor em constante busca de aprendizagens e
aperfeiçoamento.
Desse modo, com o propósito de oportunizar um processo formativo, de planejamento e
organização das atividades a serem desenvolvidas na monitoria de ensino, foram promovidos pelo
professor da disciplina encontros conjuntos entre os monitores que já atuavam em 2019.2 e os que
passariam a atuar em 2020.1, oportunizando dessa forma, a integração do grupo, construção de
planejamento das ações, estudos e reflexões sobre conteúdos relacionados ao processo da docência e
específicos do componente da monitoria.
Inicialmente, o grupo formado por 06 monitores foi dividido para atuar nos dois cursos que
ofertavam a disciplina já mencionada e foco da pesquisa aqui desenvolvida: Psicologia e Enfermagem,
cada um com 03 monitores, sendo estes subdivididos nas respectivas turmas 5º e 8º semestre, em
subgrupos de alunos, de modo a atendê-los de forma mais qualitativa, atendendo desse modo aos
objetivos da monitoria.
Tal organização foi bastante positiva, já que tornou possível o estabelecimento de
direcionamentos tanto na preparação das atividades de acompanhamento e orientação aos alunos,
quanto nos estudos específicos dos conteúdos pelos próprios monitores, de modo a atender as
necessidades apresentadas pelos alunos durante as aulas e as atividades solicitadas pelo professor.
Todavia, diante do contexto do distanciamento social, em decorrência da pandemia do novo
Coronavírus, o contato inicial com os alunos teve que ser redefinido, da modalidade presencial para a
virtual, o que ocorreu por meio de plataformas e recursos digitais, dentre eles o Whatsapp, o Google
Classroom e o Zoom, a fim de estreitar o processo de orientação aos discentes, impondo grandes
desafios a todos.
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Desse modo, as atividades de monitoria, assim como as demais atividades da faculdade, estão
ocorrendo de maneira remota, não sendo possível dessa forma, um contato presencial com os alunos da
disciplina, situação que, inicialmente, causou preocupação pois se acreditava que esta modalidade
remota dificultaria a relação com eles, face a impressão de que eles estavam desconfortáveis com a ideia
de acionar os monitores para esclarecer possíveis dúvidas.
Porém, no decorrer da primeira unidade e a partir das atividades solicitadas pelo professor
referentes à disciplina, os alunos começaram a buscar as orientações dos monitores, a fim de elucidar
algumas questões e analisar os ensaios dos textos produzidos de acordo com a solicitação do professor.
Logo, acredita-se que o desafio em produzir as atividades iniciais, aliado ao processo de orientação,
análise e devolutiva dos textos, tanto pelo professor, quanto pelos monitores, tornaram-se elementos
mobilizadores para a busca e credibilidade dos alunos pelo apoio dos monitores na produção das
atividades.
Apesar de não haver um contato direto, frente a frente com os alunos, sendo este um ponto
negativo decorrente da pandemia do novo Coronavírus, a monitoria representou uma experiência
enriquecedora, revelando-se uma boa oportunidade no que tange aos processos de crescimento e
aprendizagem tanto no que se refere aos aspectos acadêmicos, profissional e pessoal, vez que desperta
habilidades essenciais a tais processos.
Além disso, a monitoria de maneira remota ocasionou uma situação negativa no que se refere
aos horários para os alunos entrarem em contato com as monitoras, em um primeiro momento. Em
razão disso, este contato ocorria a qualquer momento do dia, o que levou as monitoras a estipular
horários para tal ação, para que dessa forma fosse encontrado um momento oportuno para ambos.
Outro aspecto negativo evidenciado foi a dificuldade dos alunos em manter a atenção nas
explicações do professor durante as aulas virtuais, o que os levava a ter dificuldade na hora de
desenvolver as atividades propostas. Em consequência disso, posteriormente alguns dos estudantes
procuravam as monitoras para perguntar acerca de informações passadas anteriormente pelo professor
no decorrer da aula.
Um fator que merece destaque é a internet, pois esta teve significativa influência no andamento
das aulas virtuais. Quanto a isso, é de suma relevância citar que, em decorrência da oscilação ou falta de
conexão desta, alguns alunos apresentaram dificuldade em participar da aula, enviar ou até mesmo
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apresentar trabalho. Dessa forma, a solução encontrada foi a flexibilização por parte do professor.
No entanto, apesar dos pontos negativos abordados previamente, o programa de monitoria foi
bastante apreciável, uma vez que as monitoras conseguiram desempenhar suas tarefas de modo eficaz e
eficiente. Também pôde-se constatar através das ações desenvolvidas ao longo do semestre o
aprimoramento das habilidades de escrita dos alunos e das monitoras, fator que acaba corroborando a
pertinência do programa, o que fortalece a ideia de que incentivá-lo é fundamental.
Cabe ainda evidenciar que o uso de ferramentas virtuais possibilitou uma troca e construção de
saberes entre aluno-monitor e professor-monitor de forma rápida, sendo benéfica para a solução de
questionamentos que surgiam durante o processo. Dessa forma, no que se refere a monitoria Frison
relata que “Pressupõe-se que ela pode contribuir para que todos os estudantes aprendam, pois se
acredita que o modelo relacional e interativo estimula, de forma mais efetiva, o desenvolvimento das
capacidades cognitivas” (FRISON, 2016, p. 136).
Além disso, uma atividade imprescindível para as monitoras durante este período do programa, e
um dos aspectos mais positivos, foi a análise conjunta com o professor dos textos produzidos pelos
alunos, a qual contribuiu de maneira significativa para o aprendizado das monitoras a respeito de
diversos aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais, inclusive quanto às relações de docência.
Mesmo que de início, nas primeiras atividades o sentimento que prevalecia nas monitoras era o
de estarem perdidas frente às atividades que o programa exigia, a posteriori constatou-se que estava
sendo desenvolvido um trabalho de grande valia, de maneira a colaborar significativamente com o
processo de ensino-aprendizagem dos alunos, tornando-as mais motivadas e confiantes ao
desempenharem suas funções.
O programa de monitoria mostrou-se sendo uma oportunidade única para as monitoras, pois
este lhes possibilitou uma aproximação singular e formidável à docência. A partir dele foi possível a
aprendizagem de conteúdos que auxiliarão na realização de pesquisas e construção de textos científicos
tanto no período da graduação quanto após ela.
Ademais, é fundamental evidenciar que a monitoria requer de quem a pratica a habilidade de
observar adequadamente todo o processo, a fim de identificar as necessidades que cada estudante
possui. Deste modo será possibilitada um tratamento em conformidade com as necessidades de cada
estudante individualmente.
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Considerações finais
Logo, fica evidente que a monitoria de ensino enquanto possibilidade de aproximação dos
discentes à docência representa uma excelente ferramenta, a qual viabiliza o desenvolvimento de
habilidades inerentes ao seu exercício. Sendo assim, é fundamental que as instituições de ensino
intensifiquem e incentivem o desenvolvimento de programas dessa natureza, para mostrar aos
acadêmicos suas possibilidades de atuação e mobilizá-los com vistas a construção de diversas
competências, para além da formação específica do Curso.
Descrever aqui a experiência vivenciada ao longo da monitoria é uma tentativa de chamar a
atenção de outros sujeitos para esta possibilidade nas instituições de ensino superior, contribuindo
dessa forma com reflexões no campo empírico e científico, a fim de suscitar debates e pesquisas nesse
campo, ainda incipiente, mas cada vez mais demandado de investigações, principalmente a partir da
necessidade de se rever novas formas de construção do conhecimento, imposto pelo isolamento diante
da Pandemia do Novo Coronavírus.
Referências
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na Graduação em Ciências Contábeis. Id on Line Rev. Mult. Psic., v.13, n. 47, 2019. Disponível em:
https://idonline.emnuvens.com.br/id/article/view/2036. Acesso em: 20 jul. 2020.
COZBY, Paul C. Métodos de pesquisa em ciências do comportamento. Tradução Paula Inez Cunha
Gomide, Emma Otta. São Paulo: Atlas, 2003.
DOWBOR. Fátima Freire. Quem educa marca o corpo do outro. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
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Paz e Terra, 2016.
FRISON, Lourdes Maria Bragagnolo. Monitoria: uma modalidade de ensino que potencializa a
aprendizagem colaborativa e autorregulada. Pro-Posições, Campinas, v. 27, n. 1, 2016. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73072016000100133&script=sci_arttext &tlng=pt.
Acesso em: 20 jul. 2020.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 944-952, set./dez. 2022
Kananda Pimenta, Labelle Dourado, Claudilson Souza
MINAYO, Maria Cecília de Souza; DESLANDES, Suely Ferreira; CRUZ NETO, Otávio; GOMES, Romeu
(Orgs.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 21. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
SIMÕES NETO, José de Caldas; ANDRADE, Iarê Lucas. A contribuição da monitoria acadêmica para o
incentivo à docência. Revista Interfaces Saúde, humanas e Tecnologia, v. 4, n.12, p. 93-99, 2017.
Disponível em: http://interfaces.leaosampaio.edu.br/index.php/revista-interfaces/article/view/569/4.
Acesso em: 20 jul. 2020.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 944-952, set./dez. 2022
ISSN 1984-5499
Resumo
O estágio em docência é uma prática experimentada por um aluno iniciante, guiado por um professor
experiente, podendo ser considerado um período de iniciação docente, vislumbrando a incorporação ou
aperfeiçoamento da prática educativa. Assim, este trabalho mostra o relato de experiência de um doutorando
em Educação, vinculado ao programa de pós-graduação em Educação. O estágio foi desenvolvido no Curso
Superior de Tecnologia em Comércio Exterior na Universidade de Passo Fundo/RS. Constituiu-se do
acompanhamento e participação em aulas presenciais e remotas na disciplina de Projeto Integrador
Multidisciplinar (PIM), com a supervisão da professora titular. Ele ocorreu no primeiro semestre do ano de
2022, ainda sob a influência da pandemia da COVID-19. A plataforma utilizada para as aulas síncronas foi o
Google Meet, quando era realizada a orientação individual aos alunos. Como avaliação final do estágio, foi
atingindo o objetivo de possibilitar ao estagiário aprender a lidar com seus próprios limites e limites dos alunos.
Palavras-chave: Estágio docência. Aulas presenciais. Aulas remotas.
Abstract
The teaching internship is a practice experienced by a beginner student, guided by an experienced teacher, and
can be considered a period of teaching initiation, envisioning the incorporation or improvement of educational
practice. Thus, this work seeks to show the experience report of a doctoral student in education, linked to the
postgraduate program in education. The internship was developed in the Higher Course of Technology in
Foreign Trade at the University of Passo Fundo/RS. It consisted of monitoring and participating in classroom and
remote classes in the discipline of Multidisciplinary Integration Project (MIP), with the supervision of the head
teacher. The internship was carried out in the first half of 2022, still under the influence of the COVID-19
pandemic. The platform used for synchronous classes was Google Meet, when individual guidance was given to
students. In conclusion, the goal of enabling the intern to learn to deal with their own limits and the limits of the
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Marcio Pedroso Juliani
Resumen
La práctica docente es una práctica por la cual pasa un alumno iniciante, con la orientación de un profesor
experiente, y puede considerarse un período de iniciación docente, vislumbrando la incorporación o
perfeccionamiento de la práctica educativa. De esta forma, este trabajo tiene como objetivo exhibir el relato de
experiencia de un estudiante de doctorado en Educación, vinculado al programa de posgrado en educación. La
práctica fue desarrollada en la Carrera de Tecnología en Comercio Exterior en la Universidade de Passo
Fundo/RS. Se constituyó a partir del acompañamiento y participación en clases presenciales y remotas en la
asignatura de Proyecto Integrador Multidisciplinar (PIM), con la supervisión de la profesora titular. La práctica
se desarrolló en el primer semestre del año de 2022, todavía bajo la influencia de la pandemia de COVID-19. Se
utilizó la plataforma Google Meet para la realización de las clases síncronas, siendo este el momento de
orientación individual a los alumnos. Como conclusión a respeto de la práctica, se logró alcanzar el objetivo de
propiciar al pasante aprender a lidiar con sus propios límites y los límites de sus alumnos.
Palabras clave: Práctica docente. Clases presenciales. Clases remotas.
Introdução
A observação e o registro são alimentadores da memória, pois são os passos iniciais da leitura da
prática, que traduzem os indicativos a serem refletidos. Como proposta de trabalho, ela também
é um instrumento de pesquisa. Como tal, torna-se uma necessidade para os que desejam realizar
um processo de investigação da própria prática pedagógica. [...]. Permite, assim, que sejam
identificados os problemas e os conflitos inerentes ao processo educativo e ajuda,
consequentemente, a refazer a prática pedagógica de forma intencional (BENINCÁ et al., 2002, p.
123, citado por SANTOS, 2022, p. 232).
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 953-961, set./dez. 2022
Marcio Pedroso Juliani
em mãos, cabe ao estagiário juntar-se ao grupo para conhecer melhor cada um deles, saber das suas
necessidades escolares e profissionais, “conhecer os seus limites”. Segundo Fávero, Agostini, Uangna e
Rigoni (2022, p. 105), “a formação de professores permanece como um desafio tanto teórico quanto
prático, que exige dos que se envolvem em educação processos cuidadosos de investigação, reflexão e
tomadas de decisão”. Conhecer todo o entorno que envolve a sala de aula, torna-se possível, com a
participação ativa do estagiário no ambiente individual e coletivo dos seus alunos, consolidando-se
como parte concreta do todo.
As alterações em âmbito mundial na forma de se relacionar com alunos, no conceito ensino-
aprendizagem, foi significativamente alterado por conta da pandemia do COVID 19. Este novo formato
exigiu uma readaptação do professor no universo acadêmico, se apresentando com força o modelo
híbrido de ensino. Para que professores possam ser formados dentro deste novo modelo de educação,
fazem-se necessários novos conhecimentos e para tanto a disciplina de estágio em docência torna-se
uma grande aliada neste processo de formação.
Dentro desse novo panorama, ensino híbrido, as aulas foram divididas em presenciais e on-line a
partir de uma metodologia que não comprometesse o aprendizado dos educandos. Conteúdos
programáticos foram ministrados presencialmente e orientações, na sua maioria, de forma remota. Por
tratar-se de uma turma de formandos, as aulas foram moldadas para que o trabalho de conclusão de
curso e sua apresentação formal e pública fosse concluída com êxito. O conteúdo programático da
disciplina contempla as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), com a finalidade
de que o aluno construa durante o semestre um artigo científico e um banner, com assunto de sua
escolha em enfoque voltado ao Comércio Exterior.
Objetivos
Como objetivos deste estudo temos: a) possibilitar o contato com os alunos formandos do Curso
Superior de Tecnologia em Comércio Exterior, visando entender suas particularidades ou dificuldades
acadêmicas; b) apoiar na condução e construção do trabalho final da disciplina; c) apoiar a professora
titular na condução das aulas; d) ministrar aulas, vivenciando, assim, o universo acadêmico dos alunos e
da sala de aula.
Método
Aulas expositivo-dialogadas; atividades teórico-práticas de desenvolvimento do trabalho de
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 953-961, set./dez. 2022
Marcio Pedroso Juliani
Desenvolvimento
Para sabermos se estamos no caminho certo rumo à docência universitária, temos que ter
ciência de que este não é um desafio fácil a ser vencido. Muitos são os obstáculos a serem enfrentados
e nem todos serão superados. Cair e saber levantar faz parte do aprendizado. Dentre os obstáculos que
um estagiário em docência pode ter de enfrentar, podemos elencar alguns, como: a turma onde
desenvolverá seu estágio, a professora titular da turma, o horário da aula, o conhecimento acadêmico, a
disciplina a ser ministrada, o preparo psicológico, entre outros que aparecem com o passar dos dias.
A disciplina de estágio em docência, parte integrante do Curso de Doutorado em Educação da
UPF faz com que o estagiário se insira no campo do professor, ligando a parte teórica à prática.
Conforme Becker (2010, p. 18), “a docência atual deve poder contar com professores que
contextualizam o que ensinam por força de sua atividade investigadora; que sejam capazes de refletir
sobre as múltiplas formas pelas quais os alunos assimilam os conhecimentos que ensinam”.
No Quadro 1, pode-se contemplar a organização do Plano de trabalho desenvolvido na disciplina
denominada PIM, em sua totalidade. Ele demonstra a forma como foram conduzidas as aulas e a
sincronização entre aulas presenciais e remotas, denotando o modelo híbrido de aprendizagem.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 953-961, set./dez. 2022
Marcio Pedroso Juliani
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 953-961, set./dez. 2022
Marcio Pedroso Juliani
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 953-961, set./dez. 2022
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Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 953-961, set./dez. 2022
Marcio Pedroso Juliani
O plano de aula, aqui denominado de Programa de Trabalho, foi desenvolvido pela professora
titular do estágio, anteriormente à entrada do estagiário. A participação do estagiário em docência
contemplou o período de 28/03/2022 a 20/06/2022. O cumprimento da proposta de trabalho ocorreu
em sua integralidade.
Considerações finais
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 953-961, set./dez. 2022
Marcio Pedroso Juliani
Referências
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professor é ser pesquisador. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2010. Cap. 1. p. 11-20.
FÁVERO, Altair Alberto; AGOSTINI, Camila Chiodi; UANGNA, Elia Maria Leandro; RIGONI, Larisa Morés. A
educabilidade política do educador no fazer docente: formação de capacidades para atuar no contexto
escolar contemporâneo. In: FÁVERO, Altair Alberto; TONIETO, Carina; CONSALTÉR, Evandro; CENTENARO,
Junior Bufon (Org.). Leituras sobre a pesquisa em Política Educacional e a Teoria da Atuação. Chapecó:
Livrologia, 2022. p. 105-119.
SANTOS, José Jackson Reis dos. Memória pedagógica em contexto de trabalho -formação-pesquisa:
reflexões na ausência-presença de Elli Benincá. In: MUHL, Eldon Henrique; MARCON, Telmo
(Org.). Formação de Educadores-pesquisadores: contribuições de Elli Benincá. Passo Fundo: Ediupf,
2022. p. 228-241.
Instrumento: Rev. Est. e Pesq. em Educação, Juiz de Fora, v. 24, n. 3, p. 953-961, set./dez. 2022