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O Plano Perfeito. para para Dar Errado

Quando a sua última amiga virgem muda de “status”, Keely começa a pensar em fazer o mesmo. Ela não quer ser a única virgem que resta da turma, mas não pode ser com qualquer um. Tem de ser especial, com alguém de confiança. E rápido! O problema é que ela cresceu com todos os garotos de sua escola, e é muito difícil gostar de um cara quando você lembra dele comendo giz de cera (ou coisa pior) no jardim de infância. Então, a sorte acena para Keely ao encontrar Dean. Ele não apenas parece ter saído

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O Plano Perfeito. para para Dar Errado

Quando a sua última amiga virgem muda de “status”, Keely começa a pensar em fazer o mesmo. Ela não quer ser a única virgem que resta da turma, mas não pode ser com qualquer um. Tem de ser especial, com alguém de confiança. E rápido! O problema é que ela cresceu com todos os garotos de sua escola, e é muito difícil gostar de um cara quando você lembra dele comendo giz de cera (ou coisa pior) no jardim de infância. Então, a sorte acena para Keely ao encontrar Dean. Ele não apenas parece ter saído

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O plano perfeito

para para dar errado

[miolo] O O plano perfeito para dar errado - OGF - 03.indd 1 02/10/2020 15:52
cameron lund

O plano
perfeito
para para
dar errado
Tradução
Carlos Szlak

[miolo] O O plano perfeito para dar errado - OGF - 03.indd 3 02/10/2020 15:52
Capítulo 1

AO ABRIR A PORTA, A PRIMEIRA COISA QUE VEJO É O TRASEIRO DE


Chase Brosner. Então, noto a garota na cama com as mãos segurando
as costas dele. Ao ver suas unhas, sei que é Danielle. Eu estava ao seu
lado quando ela as pintou de preto. “Para combinar com o meu cora-
ção”, Danielle disse.
Eles estão totalmente emaranhados na cama dos pais de Andrew,
e eu não consigo me mexer. Minha mão fica paralisada na maçaneta.
Não era o que eu esperava quando subi a escada, tentando escapar de
todas as pessoas que nem se lembram de que é o meu aniversário e que
só vieram a esta festa estúpida porque sabem que os pais de Andrew
estão fora e há cerveja grátis. Mas agora, enquanto assimilo a imagem
da bunda de Chase e das unhas de Danielle cravadas na pele dele, com
o cabelo escuro dela espalhado no travesseiro, percebo que isso é muito
pior do que a festa.
Danielle precisa de apenas três segundos para notar minha pre-
sença — ainda que pareçam três mil —, e então ela grita. Também grito
e deixo cair o meu copo de plástico. A cerveja respinga nos meus pés.
Nós nos encaramos, ao mesmo tempo que ela se mexe para pegar o len-
çol e puxá-lo para se cobrir. Chase cai no chão, enrolando-se no edre-
dom como se fosse um burrito humano.
— Sinto muito. — Eu me curvo para pegar o meu copo e limpo o que
posso do chão com a manga do moletom. — Não sabia que havia alguém.

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— Sai! — Danielle ordena.
Eu obedeço, fechando a porta atrás de mim.
Sei que parece loucura, mas ali, piscando do outro lado da porta,
tudo em que consigo pensar é: e se aquele for oficialmente o primeiro e
último traseiro masculino que verei pelo resto da vida? Quando fecho
os olhos, ainda posso vê-lo, branco e luminoso, como quando olhamos
para o sol por muito tempo. Tenho medo de que fique gravado na minha
memória para sempre. Não acho que seja uma bunda feia, mas não
conheço outra para comparar. É simplesmente a bunda de um sujeito de
quem eu nem sequer gosto; um tipo que conta piadas idiotas sobre seus
peidos, que é fissurado por basquete e tem uma obsessão doentia pela
palavra “cara”. Mas com certeza não há outros homens nus em meu
horizonte, não do jeito como as coisas têm rolado no colégio até aqui.
Ainda estou no mesmo lugar quando a porta se abre e Chase e
Danielle saem do quarto, terminando de se vestir. Contraio-me ao ver
Chase fechar o zíper da calça.
— Keely — Danielle diz, com a voz ofegante. Seus braços enla-
çam o bíceps dele, e eu posso sentir o cheiro doce do perfume dela. Seu
rosto está todo borrado de batom, e seu cabelo escuro bagunçado como
uma cama desfeita. Preciso parar de pensar em camas bagunçadas. Eca!
— Ei, cara! — Chase ergue o braço para me cumprimentar com um
soquinho, mas logo o baixa de novo, possivelmente lembrando que não
sou, de fato, um cara. Um erro comum.
— Sinto muito — volto a dizer, e me afasto um pouco deles.
— Tudo bem. — Chase dá de ombros, como se não fosse nada de
mais.
— Na verdade, podemos conversar? — Danielle aponta o
banheiro do corredor à minha esquerda com um movimento de cabeça.
— Sozinhas?
— Claro — respondo, mas sinto um aperto no peito.
Para todo mundo, parece que Danielle e eu somos amigas; o que,
segundo as regras do colégio, acho que somos. Estamos na mesma
turma e sentamos à mesma mesa de almoço, mas, na verdade, nunca
conversamos. Parece que as coisas mudam quando você, sem querer,
vê alguém pelado.
— Te encontro lá embaixo — Chase diz a Danielle, e a beija de um
modo que me faz sentir desconfortável, com a mão bem do lado do peito
dela, prestes a apertá-lo.

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Ela solta uma risadinha, e ele começa a se afastar, acenando com
a cabeça para mim.
— Até mais, Keely. — Chase se move em direção à escada, e eu
sinto o cheiro de cerveja quando ele passa por mim.
Assim que Chase desaparece, Danielle me puxa para o banheiro,
fecha a porta e a tranca, depois se vira para o espelho, falando comigo
enquanto se examina. Não a condeno; se eu me parecesse com Danielle
Oliver, provavelmente também ficaria me olhando o tempo todo. Sua
pele clara é como porcelana, suas maçãs do rosto perfeitas, e seus gran-
des olhos castanhos são puxadinhos para cima nos cantos externos
como os de um gato.
— Promete que não vai contar?
— Não vou contar.
— Ótimo. — E parte da tensão de Danielle se esvai. — Ainda estou
me fazendo de difícil.
Mordo o lábio para não rir. Danielle e Chase ainda não estão namo-
rando, mas faz sentido os dois juntos: eles são bonitos como celebri-
dades. Era só uma questão de tempo até eles namorarem. Então, não
sei por que Danielle tem tanta vontade de manter isso em segredo. Até
parece que ela foi discreta mais cedo, rindo, perseguindo Chase em
círculos pela cozinha e tentando pintar o rosto dele com seu batom
vermelho.
— Ele ainda não... pegou você? — Torço para que ela não me mate
por causa da pergunta.
Mas é o seguinte: em Prescott, todos sabem que Danielle Oliver é...
era... virgem, e não por ela ter divulgado publicamente o fato. É assim
que as coisas funcionam por aqui. Nossa cidade perdida em Vermont é
tão pequena que, mesmo que você não seja amigo de uma pessoa, ainda
provavelmente sabe tudo a respeito dela. Quer dizer, estamos juntos —
todos os sessenta estudantes do quarto e último ano do ensino médio
— desde o ensino fundamental e, assim, os segredos tendem a saltar
de aluno para aluno como uma brincadeira de telefone sem fio. E o fato
de Danielle ter conseguido permanecer virgem por tanto tempo talvez
seja a principal notícia de Prescott.
Eu também sou virgem, mas isso não é surpreendente o suficiente
para ser notícia.
Consigo perceber o momento certo em que Danielle decide me con-
tar. Ela sorri, e o sorriso se espalha pelo seu rosto. Danielle fica tão

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deslumbrante que sinto isso em meu peito. Seus olhos estão brilhando
quando ela se vira para mim.
— Ok, então talvez ele tenha me pegado — ela diz. — Adivinha
quem finalmente é uma mulher!
— Uau! — exclamo, subitamente incapaz de encontrar as palavras
certas. — Quer dizer... Parabéns. Muito bem!
Não sei por que me transformei em um cartão de felicitações sem
graça em vez de um ser humano real e em funcionamento. Desejo-lhe
tudo de melhor em sua jornada. Alcance as estrelas! Provavelmente,
Danielle não achou muito estranho o que eu disse, porque ela continua
falando como se eu não tivesse aberto a boca.
— Nem doeu tanto assim. Ava me disse que desmaiou em sua pri-
meira vez. Então, acho que eu estava esperando algo um pouco mais
extremo. — Em seguida, Danielle lambe o dedo indicador e o passa sob
os olhos para fixar o rímel. — Ava é muito dramática.
Se fosse Ava Adams neste banheiro, ela saberia exatamente o que
dizer. Ava é a favorita de Danielle. Eu sou apenas aquela que Danielle
tolera.
— Você gosta dele? — pergunto, bebendo as últimas gotas de cer-
veja que restavam no meu copo.
Danielle fica em silêncio por alguns instantes, provavelmente deci-
dindo se vale a pena me dizer a verdade. Então, ela dá de ombros.
— Já era hora. Não acredito que fui virgem por tanto tempo. É
vergonhoso.
Fico vermelha por causa da alfinetada. Ser virgem não deveria ser
nada de mais — eu sei disso —, mas o fato de Danielle compartilhar o
rótulo comigo sempre fez com que me sentisse um pouco melhor. Se
Danielle Oliver faz alguma coisa, automaticamente corta cinco milhões
de pontos da escala da vergonha.
Ava foi a primeira garota da nossa turma a perder a virgindade. Ela
e Jason Ryder transaram no pátio de recreio, atrás do grande escor-
regador, na noite de formatura do ensino fundamental. Fiquei chocada
quando soube. O sexo ainda era algo estranho para mim, uma coisa que
as pessoas faziam nos filmes; e nem mesmo nos filmes a que eu assistia.
Depois, outras garotas também começaram deixar de ser virgens: Molly
Moye, com um dos melhores amigos do seu irmão mais velho; Jessica
Rogers, com uma garota que conheceu nas férias de inverno; e minha
amiga Hannah, com Charlie, seu namorado, no terceiro ano do ensino

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médio. Eles passaram a noite na casa do lago dos pais dele e acende-
ram um monte de velas.
Ao ouvir essas histórias, as garotas que permaneciam virgens
tinham muitas perguntas para as experientes. “Transar foi bom? Doeu?
Como você soube o que fazer?” E Danielle agora fazia parte do segundo
grupo.
Estamos no último ano do ensino médio, e as perguntas vêm che-
gando ao fim.
Neste momento, sou a única que restou.
Consigo ouvir o som grave pulsante da música no andar de baixo,
um grito feminino, uma gargalhada estrondosa e o barulho de algo
caindo no chão; talvez um copo de água ou uma luminária. Contraio-me,
torcendo para que a mãe de Andrew não nos mate, porque, embora seja
a casa e a festa dele, ela vai saber que estive aqui. Sempre estou aqui.
Danielle pega uma toalha de mão e limpa as manchas de batom
em seu rosto. Faço menção de detê-la — a mãe de Andrew vai pirar
com uma toalha manchada, ainda mais depois de algo quebrado no
andar de baixo —, mas não parece ser o momento. Ela se inclina para
mais perto do espelho e se encara. Juro que a expressão dela é a de
uma sábia; alguém que nunca mais se perguntará se um garoto gosta
dela, nunca mais terá uma espinha enorme no meio do rosto. Danielle
sempre foi uma garota muito confiante, mas agora parece que nada
poderá detê-la.
Perto dela, ainda pareço ter doze anos, mesmo que a partir de hoje
tenha oficialmente dezoito. Sempre fui ridiculamente baixa, mas pareço
ainda menor neste momento, porque Danielle está usando esses saltos
pretos e robustos, e eu estou de meias. Tirei minhas botas na porta de
entrada, como deveríamos. Apalpo meu cabelo — loiro mais escuro do que
o habitual porque não o lavei —, me xingando por pensar que um xampu
a seco e um rabo de cavalo seriam adequados para uma festa. É como se
eu estivesse me preparando para o fracasso.
Danielle franze os lábios.
— Será que pareço mais velha? — ela pergunta, movendo a cabeça
de um lado para o outro para examinar seu reflexo de todos os ângu-
los. — Afinal, me tornei uma mulher, e estou me sentindo mesmo mais
madura.
Não quero confessar para ela o que acabei de pensar. Assim, devol-
vo-lhe a pergunta:

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— Eu pareço mais velha?
Sei que aniversários não mudam a gente por magia de um dia para
o outro. No entanto, há uma parte de mim que quer se sentir como
Danielle — como se nada pudesse me deter.
Ela me encara sem entender.
— Por que você pareceria mais velha, Keely?
Hoje Hannah levou para a escola cupcakes — de cuja receita
Danielle reclamou que levava muito ovo — para comemorar o meu dia.
Mas claro que ela não lembra.
— É meu aniversário.
De súbito, Danielle para de se mirar no espelho e se vira para mim.
— Opa, esqueci completamente! — Ela pega um emaranhado de
cabelo. — Chase foi tão carinhoso esta noite... Ele sabia que era minha
primeira vez e, então, não fez com pressa.
E assim voltamos a Chase. Acho que não posso culpá-la. Se eu
tivesse acabado de perder a virgindade, talvez também não quisesse
parar de falar sobre isso.
— Fico feliz por ter sido exatamente como você imaginou, Danielle.
Há muitos idiotas na nossa escola. Que bom que você encontrou um
cara legal.
— Eu sei. Chase Brosner... — Danielle toma a minha mão e me
puxa até a porta, destrancando-a e a abrindo. — Não esqueça, isso
nunca aconteceu.
Deixamos o banheiro juntas e descemos a escada. O ar está quente,
apesar da neve que cai lá fora, e cheira a suor. Estamos quase ao pé da
escadaria e aquilo começa.
Os aplausos.
Baixinhos inicialmente, acima do ruído da festa, da música que toca
nos alto-falantes do celular de alguém. Mas aí, conforme mais pessoas
nos notam, o volume aumenta. O pessoal para de falar, para de dançar,
interrompe no meio beijos e amassos e passa a assobiar, a gritar e a
aplaudir. Alguém pega o celular, e a música Like a Virgin de Madonna
toma conta da sala.
Na escada, ao meu lado, Danielle não consegue se mexer.
Do outro lado da sala, Chase, com um sorriso sonolento, está
esparramado no sofá com Jason Ryder e Simon Terst.
Simon se inclina para a frente, quase se contorcendo de animação.
— Nada mau, Brosner!

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Jason Ryder toma um longo gole de cerveja e depois dá um tapa nas
costas de Chase, tão forte que deve tê-lo machucado.
— Pelo jeito, ela não é incomível — ele diz, enrolando a língua.
Danielle permanece paralisada no lugar, um salto pairando acima
do próximo passo.
— Danielle? — sussurro, agarrando seu braço. — Você está bem?
Como todos descobriram tão rápido? Não ficamos no banheiro
por mais de dez minutos. Chase anunciou no instante em que desceu a
escada? Talvez ele tenha dito para Jason Ryder, e o idiota abriu o bico.
— Estou bem — Danielle balbucia, mas sua mão agarra a minha e
a aperta por apenas um instante antes de afastá-la. Ela respira fundo e
estende os dedos trêmulos para alisar o cabelo. Em seguida, Danielle
se curva em uma reverência.
O povo vai à loucura.

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Capítulo 2

DANIELLE SE RECOMPÕE, SORRINDO COMO SE FOSSE CHASE SENDO


saudado pela torcida em um jogo em casa e todos nós estivéssemos
segurando cartazes com o nome dela. É como se a música de Madonna
fosse apenas o tema de entrada dela em cena. Sigo atrás de Danielle
descendo os degraus que faltam, esperando que ninguém tenha feito
a ligação entre mim e a música, como se também fosse o meu tema
de entrada.
Ao pé da escada, Ava se aproxima de nós e agarra Danielle pos-
sessivamente pelo braço. Ava é minúscula — mais peitos do que
corpo —, com a pele sardenta e pálida, que ela mantém perfeita-
mente bronzeada mesmo no inverno graças à paixão por uma loção
corporal de coco. Antigamente, seu cabelo era ruivo, mas, no ano
passado, Ava começou a tingi-lo com cores diferentes para combinar
com os feriados. Neste momento, está tingido de rosa desbotado por
causa do Dia dos Namorados, e se parece com o algodão-doce que
fazem junto ao lago no verão. Nos lábios ela está usando o mesmo
batom vermelho brilhante de Danielle. As orelhas estão adornadas
com piercings de prata iguais aos de Danielle. Ela segura um celular
que tem uma capa roxa idêntica ao do celular de Danielle. Trata-se
de um uniforme que deixa as coisas bem claras: mesmo que sejamos
tecnicamente amigas, nunca serei capaz de ingressar naquele seu
clube de duas pessoas. Às vezes, acho que Ava e Danielle estão tão

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acostumadas a ser exatamente iguais que tingir o cabelo foi a única
maneira que Ava encontrou para se destacar: sua única e insignifi-
cante rebelião.
— É sério que você acabou de ficar com Chase? — Ava pergunta,
puxando o braço de Danielle. — Todo mundo diz que você transou com ele.
— Todo mundo diz — Danielle repete, com a boca torta. — Então
deve ser verdade.
Ava torna a puxar o braço de Danielle, com mais força.
— Eu assumo a partir daqui — ela me diz.
Então, elas se afastam, sussurrando entre si. Não consigo ouvir
nada. De repente, volto a me sentir dominada pela vontade de me escon-
der. Finjo que tomo um gole de cerveja do meu copo vazio só para ter
algo para fazer.
As festas sempre foram coisa do Andrew, não minha, e não sei
como ele consegue me convencer a participar delas, não quando eu pre-
feria fazer uma maratona de dez horas na Netflix. Percorro a sala com o
olhar em busca dele, de Hannah ou de alguém, mas sou baixinha demais
para enxergar por cima da turma.
Vou matar Andrew por ter me dado uma festa de aniversário e me
largado para me virar sozinha.
“Vamos, Collins”, ele reclamou mais cedo, quando insisti que era
uma má ideia. “Passamos todos os seus aniversários juntos. Não pode-
mos parar agora.” É verdade. Andrew estava presente no dia em que
nasci. Antes, na realidade. Nossas mães viraram amigas nas aulas
da técnica Lamaze de preparação para o parto. Assim, eu e ele fica-
mos presos um ao outro para sempre. O aniversário de Andrew foi na
semana passada, e seus pais nos levaram para jantar no Giovanni’s. Não
era bem a aventura de aniversário que ele tinha em mente. Desse modo,
agora que eles estão fora da cidade, estou presa a isto.
Entro na cozinha, evitando Jarrod Price, que está vomitando na lata
de lixo. Há copos e pratos sujos espalhados por todo o balcão. Andrew
prometeu pedir pizzas se eu concordasse com a festa. Agora, as caixas
estão por todo canto, cheias de bordas desgarradas e queijo congelado.
Recolho os pratos e os coloco na pia. Em seguida, molho a esponja
com água e ponho detergente sobre ela.
— Você não vai lavar a louça agora, vai? — Andrew pergunta, pas-
sando um braço em volta do meu ombro e me puxando para um abraço
rápido. Ele sempre me lembrou um pouco um golden retriever: uma

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bagunça sorridente e felpuda de pelos ruivos e sardas. Às vezes, juro
que posso vê-lo abanando o rabo.
— Só um pouquinho — respondo.
Pego um copo de plástico vermelho e o coloco sob a torneira.
Andrew o arranca da minha mão, espirrando água em nós dois. Sua
camisa de flanela está tão amarrotada que acho que ele esteve dando
uns amassos. E sem dúvida é esse o caso. Nojento.
— Nada de lavar louça no seu aniversário, Collins. Regras da casa.
Além do que, esse copo é descartável.
— Não deixe que ele te ouça dizer isso, você pode ferir seus senti-
mentos — digo, brincando.
Olho na direção da sala e avisto Danielle parada, cercada por um
bando ruidoso de garotas do penúltimo ano.
— Você acha que ela vai ficar bem?
Andrew segue o meu olhar.
— Aquela é Danielle Oliver, esqueceu? Ela adora chamar atenção.
As coisas não poderiam ter funcionado melhor para Danielle nem se
ela tivesse planejado.
Penso na minha conversa com ela no andar de cima, quando ela me
fez prometer não contar.
— Sinto-me mal. Se fosse eu...
— Ela não é você. — E Andrew volta a passar o braço em torno
das minhas costas. — Graças a Deus. Acha que eu teria ficado perto
dela por dezoito anos? — Ele me conduz até a geladeira. — Comprei
para você aquela bebida de melancia idiota de que gosta. Você viu? —
Andrew apanha uma garrafa de vidro fosco rosa.
Eu a pego com alegria.
— E você só me diz agora? Tenho tentado beber cerveja que
tem gosto de xixi a noite inteira. — Aponto para o barril posto sobre
uma pilha de toalhas de praia sujas que está aqui graças ao primo de
Andrew, que completou a maioridade alguns anos atrás e vem forne-
cendo as bebidas alcoólicas para nós desde então.
— Só estou tentando te fortalecer um pouco — Andrew afirma. —
Algum dia, você vai se encontrar na selva, talvez em uma festa com um
anfitrião que não é tão simpático nem atencioso, e não haverá nenhuma
bebida de melancia idiota, e você vai pensar: “Graças a Deus por
Andrew Reed ter me ensinado a beber cerveja”. — Ele deu de ombros.
— Mas você tem razão. Aquilo tem gosto de xixi.

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No entanto, ele se serve de um copo. É quando uma das garotas
do penúltimo ano se afasta rapidamente de Danielle e se aproxima de
nós, tocando no ombro de Andrew de leve. Cecilia Brooks está sem-
pre tocando de leve nos ombros das pessoas. É como se ela tivesse
se tornado especialista em algum tipo de código secreto. Sei de fonte
segura que Tim Schneider sempre faz o dever de casa de trigonometria
de Cecília — que é o tipo de poderosa que eu gostaria de ser — quando
ela pede.
— Oi, Drew. — Em seguida, ela enfia uma mecha de cabelo loiro
encaracolado atrás de uma orelha e sorri, revelando duas fileiras de
dentes perfeitamente brancos. Os pais de Cecilia são dentistas.
— Oi, Cecilia — Andrew cumprimenta. — Estava te procurando!
A frase habitual dele. O Andrew Baladeiro tem uma personalidade
diferente do Andrew normal. Ele sempre fica bem mais bobo quando
está perto das garotas e, de alguma forma, isso funciona. Andrew atua-
liza namoradas como se estivesse atualizando iPhones.
— Não, não esteve! — ela responde, rindo e dando um tapinha no
peito dele. — Você é um mentiroso.
— Ele ficou falando de você a noite toda — improviso, tentando
ajudá-lo. — Não consigo fazer Drew parar com isso.
Andrew pisa de leve no meu pé, indicando que talvez eu tenha exa-
gerado um pouco.
Relutante, Cecilia se vira para mim.
— Ah, oi, Keely — ela enfim nota a minha presença.
Quero que Andrew fique acima disso. Mas nenhum cara hétero,
ao que tudo indica, é imune ao toque mágico de Cecilia Brooks; e muito
menos o Andrew Baladeiro.
— Quer uma bebida?
— Sério? Você é muito fofo!
Toque no ombro.
Encaro Andrew. Então, ele pega uma garrafa de vidro da geladeira,
abre a tampa e a entrega para ela. Cecilia toma um gole, com os lábios
brilhantes descansando da maneira certa na boca da garrafa.
— Então, Drew, eu vim para a festa de carona com Susie — Ceci-
lia informa —, mas acho que ela está bêbada demais para dirigir. Ela
tomou muita vodca. Você acha que... as pessoas vão ficar aqui esta
noite? Será que poderíamos dormir aqui?
Toque no ombro.

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— Claro que você pode dormir aqui — Andrew afirma, e Cecilia
sorri para ele. Quase consigo ver coraçõezinhos nos olhos dela.
Sei que perdi Andrew esta noite. Já vi esse filme e conheço as
minhas falas.
— Vou encontrar Hannah. Vejo vocês mais tarde. — Aceno e me
dirijo para a sala de jantar.
Andrew corre atrás de mim, deixando Cecilia para trás.
— Ei, você pode usar minha cama hoje, tá?
— Vocês dois não vão precisar dela?
— É o seu aniversário, e você não está agindo de acordo. —
Andrew sorri. — Além do que, podemos usar o quarto de hóspedes.
Ou o chuveiro.
— Por favor, não coloque imagens horríveis na minha cabeça. —
Dou um soquinho no braço dele de uma maneira não muito delicada.
— Qual é, não há nada de horrível em um chuveiro... Não é Psicose.
Descobrimos Hitchcock quando tínhamos doze anos, depois de
toparmos com um DVD de Pacto Sinistro em uma locadora da cidade.
Assistimos ao filme em uma tevê desfocada no porão da casa de Andrew,
para onde levamos nossos sacos de dormir para passar a noite, fingindo
que não estávamos com medo. Isso nos conduziu a uma série de mara-
tonas cinematográficas no porão e ao momento infame em que fiz xixi
na calça durante a exibição de Os Pássaros. Agora, sempre que vemos
gaivotas na praia, ou gansos no céu, Andrew diz algo irritante sobre
cheiro de xixi.
E então dá um sorriso diabólico, com o canto da boca torto.
— Esta noite, vou fazer um pacto bem sinistro com ela — ele sus-
surra, indicando Cecilia.
— Ah, pare...
— Mal posso esperar para ver a janela indiscreta de Cecilia, se é
que você me entende.
— Tenho aqui estes pássaros pra você. — Dou risada, mostrando-
-lhe meus dois dedos do meio.
Andrew arqueia uma sobrancelha.
— Cecilia vai conhecer hoje o meu jardim dos prazeres.
— Meus queridos! — Hannah se aproxima mais e nos puxa para
um abraço apertado. — É sério que estão fazendo trocadilhos com os
nomes dos filmes do Hitchcock? Se eu não gostasse tanto de vocês, iria
odiá-los neste momento.

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O abraço de Hannah é incrivelmente forte porque ela joga hóquei
sobre grama desde a sexta série, e tem os músculos para provar. Um
abraço que quase dói é uma especialidade de Hannah Choi.
— Ah, não... — Andrew diz, escapando do seu abraço. — Se você
não acha que somos engraçados, quem vai achar?
— É por isso que vocês têm um ao outro. — Rindo, ela afasta a
longa franja dos olhos. Hannah tem um cabelo de comercial de xampu:
preto, abundante e saltitante. É uma garota linda, o que não me favo-
rece, considerando que passo a maior parte do tempo ao lado dela.
— Na verdade, ele está me abandonando — digo, baixinho, indi-
cando a cozinha com um gesto de cabeça, onde Cecilia, com os braços
cruzados, cochicha com Susie Palmer.
Hannah sorri maliciosamente para Andrew.
— Você e Cecilia Brooks vão transar, Drew?
— Sim, provavelmente no chuveiro — digo no lugar dele, fazendo
careta. — Acabei de ouvir muito sobre isso.
Hannah gargalha.
— Se há alguém que consegue lidar com todos os detalhes sangren-
tos é você, Andrew.
— Não vamos transar, como você disse de maneira tão bonita. —
Andrew fez pose de falso ofendido. — Além disso, é seu aniversário,
Collins, então se você quiser dar uma volta...
Andrew para de falar, e percebo que ele está esperando que eu lhe
dê permissão para se livrar de mim. Eu deveria ficar chateada, embora
soubesse que isso aconteceria antes mesmo de a festa começar.
— Não quero afastar você do amor.
Ele torce o nariz.
— Tem certeza? Hannah e eu escrevemos para você um rap de ani-
versário e não tivemos a chance de...
— Isso me parece insuportável. — Dou uma risada, praticamente
empurrando-o para longe. — Vai. Se você continuar ignorando Cecilia e
conversando conosco, perderá sua chance. — Eu podia sentir o olhar de
Cecilia como se fosse um toque físico. — Tenho Hannah. E sobras de pizza.
— Tá bom, legal — Andrew afirma. — E não estou ignorando a
garota, sabe? Só dando um tempo pra ela sentir a minha falta.
Então, ele se volta para Cecilia, exibindo seu estúpido sorriso de
Andrew Baladeiro. Como sempre, funciona. Ela vem até a sala de jan-
tar e desliza um braço pela dobra do cotovelo dele.

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— E aí, Andrew, que tal dançarmos um pouco? Vamos? — Ceci-
lia começa a puxá-lo como se ele já tivesse respondido à sua pergunta.
— Vejo vocês duas mais tarde, ok? — ele diz, deixando que Ceci-
lia o arraste consigo.
— Divirtam-se, crianças! — desejo, acenando.
— Meus lençóis têm estampas de pássaros, Collins. Então, procure
não fazer xixi na cama! — ele ainda me provoca.
Mostro de novo meus dois dedos do meio para Andrew e ouço sua
risada enquanto ele deixa a sala de jantar.
— Drew é asquerosamente bom nisso — Hannah afirma. — Não
sei por que somos amigas desse cara.
— Nós facilitamos as coisas para ele — comento, concordando.
Sei que Andrew aprecia a nossa ajuda com as garotas e, se eu
pedisse a ajuda dele com os garotos, ele faria o mesmo por mim; só que
isso nunca aconteceu. Os rapazes não costumam fazer fila para se apro-
ximar de mim nas festas.
Antes que eu possa evitar, uma imagem de Danielle e Chase nus
e abraçados na cama passa pela minha cabeça, e me sinto um pouco
enjoada. Percorro a festa com os olhos e tento imaginar quem eu abor-
daria se pudesse, quem eu deixaria que me levasse para o quarto como
fez Danielle. De repente, me ocorre que eu poderia fazer isso, poderia
tentar perder minha virgindade esta noite, agora mesmo, no meu ani-
versário de dezoito anos, e então estaria tudo terminado.
No entanto, não há ninguém aqui que eu queira para isso. Não
quero Chase, que tem consciência de que é o cara mais bonito da nossa
classe e age de acordo. Nem Jason Ryder, que age ainda pior. Muito
menos Edwin Chang, que todos sabem que está apaixonado por Molly
Moye; ou Jarrod Price, que é bonitinho, mas quase sempre está cha-
pado. E Deus me livre de Andrew, que é basicamente meu irmão e, no
momento, está enrolado em Cecilia como um cachecol, sussurrando no
ouvido dela, que se contorce nos seus braços.
Conheço todos eles há muito tempo, desde que costumavam tirar
meleca do nariz, disputar competições de peidos, comer lápis de cera
derretido e cola. É difícil olhar além disso agora. Pela milionésima vez,
penso em como a faculdade será diferente quando eu estiver fora deste
fim de mundo, quando chegar à cidade e puder caminhar pela rua e ficar
rodeada de estranhos pela primeira vez na vida — pessoas que não se
parecem todas umas com as outras e não agem exatamente da mesma

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maneira, que não conhecem meus pais ou que não sabem como eu era
quando tinha dez anos, que não pensam em mim como a melhor amiga
de Andrew ou como a garota que Danielle tolera; a menos legal permi-
tida à mesa de almoço.
Faço um gesto negativo com a cabeça e pego Hannah pelo braço.
— Andrew disse que tenho direitos sobre a cama dele. Quer divi-
dir o quarto comigo?
— Sim. Graças a Deus. Procurei por um lugar para tirar um cochilo,
mas todos estão querendo a mesma coisa. Tentei pegar o sofá no escri-
tório, mas Sophie quase me matou.
Eis o lance de festas no meio do nada. Nenhum Uber vai até elas,
e o convidado precisa ser muito idiota para não se importar em dirigir
bêbado, ainda mais com neve. Assim, todos vão passar a noite. É como
se fosse uma festa do pijama gigante regada a álcool.
Hannah e eu subimos a escada, passando por uma parede com fotos
emolduradas da infância de Andrew; fotos que já vi um milhão de vezes
e que estou em quase todas: Andrew e eu no Halloween, fantasiados
como Caça-Fantasmas, com nossas mãozinhas cheias de doces; Andrew
e eu no ensino fundamental, loiros e magrinhos, com aparelhos nos
dentes e acne no rosto, o auge de nossa fase embaraçosa. Hannah bate
o dedo em um retrato quando passamos: o aniversário de dez anos de
Andrew, quando ele e eu lutamos na lama. Estamos sorrindo para a
câmera, completamente enlameados.
— Você acha que todos já viram essas fotos ou ainda temos tempo
para escondê-las? — Hannah pergunta, brincalhona.
— É tarde demais.
— Nem consigo dizer qual criança você é.
Sei que Hannah está zoando, mas ela tem razão. Pareço mesmo um
menino nas fotos, mas é inútil esconder o passado. Se consigo me lem-
brar de todos limpando meleca do nariz, é provável que todos também
se lembrem de mim assim.
Cursei todo o ensino fundamental ao lado de Andrew. Não vi
necessidade de fazer outras amizades, não quando Andrew e eu
andávamos de bicicleta no mesmo ritmo e podíamos citar de memó-
ria todos os filmes de Guerra nas Estrelas, até mesmo as pré-sequên-
cias. Minha mãe me alertou a respeito de uma possível e temida fase
de aversão ao sexo oposto por parte de Andrew, em que ele muda-
ria e decidiria que não poderia ser mais meu amigo. Mas isso não

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aconteceu. A puberdade chegou e, de alguma maneira, nossa amizade
continuou, firme e forte.
Sem dúvida foram anos desconfortáveis. Lembro-me de ser a única
menina na festa na piscina no aniversário de treze anos de Andrew, e
fiquei apavorada com a ideia de ter que usar traje de banho. Eu queria
muito participar do concurso de salto do tipo bala de canhão, mas temia
que o meu maiô saísse voando ou que minha menstruação começasse.
Várias vezes posei para fotos com Andrew em reuniões de família,
com nossos pais nos pedindo casualmente para “nos aproximarmos”,
e de não conseguir respirar por causa do constrangimento. Recordo
da ocasião em que, na sétima série, Andrew me convidou e eu apareci
de pijama, pois não poderia imaginar que haveria outros garotos ali —
garotos bonitinhos da nossa classe —, e fiquei tão brava por ele não ter
me avisado que não falei com Andrew por três dias.
E então Andrew trocou seu primeiro beijo, com Sophie Piznarski,
no baile da oitava série. Ele me arrastou para fora do refeitório para
me contar, com uma expressão que denotava uma mistura confusa de
excitação e constrangimento. “Esse tipo de conversa é legal? Podemos
conversar sobre essas coisas? Não é bizarro demais?”
Durante aqueles anos turbulentos e traumáticos de cabelos frisa-
dos e aparelhos nos dentes — quando Andrew e eu ainda sondávamos o
terreno, tentando descobrir como nos relacionarmos; quando ele vivia
cercado de outros garotos, e, sempre que eu tentava conversar com
um deles, parecia que tinha argila na minha boca —, foi misericordioso
conhecer Hannah. Ela era mais legal do que eu e era amiga de Danielle
e Ava; garotas que, aos treze anos, já pareciam modelos do Instagram.
Hannah me convidou para me sentar com ela no almoço, resgatando-me
da obscuridade de menina com modos de rapaz e das conversas vulga-
res dos garotos do ensino fundamental.
Tive receio de que meu novo grupo de amigas tornasse as coisas
diferentes com Andrew, que ele se sentisse mal ou excluído pelo fato de
eu ter novas amizades além da dele, mas me enganei redondamente. Na
primeira vez que saí com Andrew e Hannah, os dois se uniram mediante
uma obsessão mútua por Harry Potter, e em pouco tempo nos tornamos
inseparáveis. Ambos são da Grifinória, claro, e, ainda que eu seja uma
Lufa-Lufa, eles dizem que me amam de qualquer maneira.
No alto da escada, vemos Molly Moye dando uns beijos em Edwin
Chang, com os dois encostados na porta do armário do corredor, como

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se tentassem entrar nele. Edwin ainda segura uma garrafa de cerveja,
e está muito perto de entorná-la, porque tenta segurá-la firme e apal-
par o traseiro de Molly ao mesmo tempo. Hannah é amiga de Molly do
hóquei, então saímos juntas o suficiente para eu saber que é uma oca-
sião importante Edwin e Molly ficarem juntos assim, mas por alguma
razão não tenho vontade de comemorar.
— Todos nesta casa estão no cio? — murmuro, caminhando para
pegar a garrafa da mão de Edwin e colocá-la na mesa do corredor, em
cima de uma revista, para que não deixe uma marca.
Ele quase nem percebe; apenas faz um rápido sinal de positivo com
o polegar, que retribuo, porque venho tentando agir como se estivesse
numa boa com tudo. Passamos ao lado deles em direção ao quarto de
Andrew e, assim que fecho a porta, relaxo. O lugar está uma bagunça,
mas é uma bagunça que sou capaz de arrumar. No chão, várias roupas
para lavar, e os lençóis — verdes com patos voadores — estão desarru-
mados e amarrotados. Encostado na parede, vejo o velho sofá no qual
costumo dormir ao passar a noite com Andrew. Hannah afunda nele, e
eu me sento na cama, jogando um cobertor extra para ela.
— Então, o que aconteceu, Keely? Eu estava no porão e ouvi
aplausos.
Conto a ela sobre Danielle, a reação da turma e a música de
Madonna, com a palavra incomível sobressaindo sobre todo o resto,
tão afiada quanto uma lâmina.
— É bem típico — digo, tirando minhas meias de lã, e caio de volta
na cama. — Este lugar é uma merda.
Vou estudar na Universidade do Sul da Califórnia. Todos acham
isso uma loucura, mas preciso de um lugar completamente novo. Estou
de saco cheio de Prescott: a neve, o gelo e um vento que, de tão glacial,
parece que realmente devora a gente. Tudo o que sei é que quero fazer
filmes, e Vermont é bastante desolador nessa área. Tudo o que temos
são escritores, praticantes de snowboard e serial killers.
Hannah está indo para a Universidade de Nova York para estudar
artes, e Andrew, para a Universidade Johns Hopkins, porque, ainda que
esconda bem, ele é muito inteligente. A Johns Hopkins fica em Baltimore,
que está a 4.258 quilômetros de Los Angeles e a 4.469 quilômetros de
Nova York. Eu pesquisei. No próximo ano, seremos apenas três pontos
distantes em um mapa. Essa é a parte mais assustadora. Estou pronta
para cair fora de Prescott, mas nunca estarei pronta para deixá-los.

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Portanto, precisamos fazer valer os próximos meses. Tudo o que
restará serão os momentos — as grandes recordações para as quais
olharemos um dia, aquelas que serão importantes quando falarmos
sobre o colégio daqui a vinte anos. Quando as aulas terminarem, em
junho, o nosso plano é fazer soar Free Bird dos alto-falantes da picape
de Andrew e apontar nossos dedos do meio para o céu enquanto nos
afastamos do estacionamento — um foda-se para todos e tudo o mais.
Já tenho isso planejado na minha cabeça e posso imaginar o resto do
ano letivo como as cenas de um filme.
— No ano que vem, tudo será diferente, até que enfim — Hannah
diz. — Não vejo a hora de sair daqui.
Hannah é coreana — há apenas ela e outros dois jovens asiáticos
em toda a escola —, e sei que isso é parte do motivo de ela estar animada
para se mudar para Nova York. Seus pais se conheceram na Universi-
dade de Nova York e depois se mudaram para cá quando ela tinha cinco
anos. Desde então Hannah fala de voltar para lá e morar em algum loft
de artistas boêmios. Enfim, eu entendo. Nova York é vibrante, estimu-
lante e diversificada. Vermont é uma grande tigela de granola crocante.
— Prescott é o lugar mais deprimente da Terra — afirmo. — Mas
ainda bem que você está presa aqui comigo.
— Que bom que você nasceu, aniversariante. — Hannah me dá um
soquinho. — E ainda bem que Andrew também existe. O cara é um dos
bons. Ele nos deu este quarto.
Dou risada.
— Só tenho usado Andrew todo esse tempo em troca da cama dele.
— Na verdade, acho que Andrew não se importaria de você usá-lo em
troca da cama dele. — Hannah moveu as sobrancelhas sugestivamente.
— Você é nojenta. — E finjo estar com ânsia de vômito, como se eu
estivesse no jardim de infância.
Hannah faz piada sobre um fictício namoro entre mim e Andrew
desde o ensino fundamental, mas isso nunca vai rolar.
— Sabe, eu também achava que Chase era um cara legal. — Han-
nah franze a testa. — Aposto que ele não quis contar a todos sobre
Danielle. Você sabe como Ryder é. Ele deve ter arrancado a informa-
ção de Chase ou algo assim.
Não tenho certeza se Hanna realmente acredita no que diz ou se
está apenas tentando se convencer. Ela sempre procurou ver o melhor
nas pessoas, mesmo quando elas não merecem.

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Puxo os lençóis de Andrew e entro embaixo deles, sem me dar
ao trabalho de trocá-los. Hannah se enfia sob o cobertor. Ficamos em
silêncio por alguns instantes, olhando para as estrelas que brilham
no escuro grudadas no teto. Então, ouço a voz de Hannah, baixinha e
abafada:
— Isso meio que me faz lembrar do Charlie.
Viro-me para encará-la, apoiando o queixo na mão. Charlie, o
sacana traidor, como é mais conhecido, terminou o namoro com Han-
nah somente alguns dias depois que eles transaram pela primeira vez.
Acontece que ele também estava transando com Julie Spencer o tempo
todo. Sei que ficar no quarto de Andrew às vezes faz Hannah pensar
em Charlie, porque foi aqui que passamos a noite depois que eles ter-
minaram. Andrew procurou tocar todas as melhores e mais poderosas
músicas de separação em seu violão, e cantamos juntos fora de tom e a
plenos pulmões. “Você é uma bruxa da Grifinória e ele é um aborto*”,
Andrew disse a ela. “Lembre-se disso.” E Hannah respondeu: “Ele não
é um aborto. É um maldito Comensal da Morte”.
— O que Chase fez não foi legal, Hannah, mas não é a mesma coisa.
— Quero muito acreditar nisso, para o bem de Danielle. — Ela vai supe-
rar. Danielle vai ficar bem porque ela não...
Paro de falar, mas Hannah termina a frase para mim:
— ...ama Chase?
— Sim.
— Sexo e amor devem caminhar juntos, Keely. Mas qualquer pes-
soa que se apaixona está ferrada. — Ela estende o braço para apagar a
luz. — Apaixonar-se por um garoto do ensino médio é a coisa mais estú-
pida que alguém pode fazer.

Acordo um pouco mais tarde e sinto um peso pressionando o col-


chão ao meu lado. Eu me viro, abro um olho e deparo com Andrew sen-
tado na beira da cama, com o cabelo espetado em todas as direções. Ele
segura a minha mochila e, quando me vê, deixa-a cair, e o conteúdo se
espalha aos seus pés.

* Aborto é uma expressão usada nos livros da saga Harry Potter para descrever um
bruxo que nasceu sem poderes.

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— Desculpe — ele diz. — Tropecei nela.
Andrew estende o braço para enfiar tudo de volta e depois se deita
ao meu lado.
— Que horas são? — sussurro, com a voz rouca de sono.
Ele consulta o celular, cuja luz da tela brilha no quarto escuro.
— Quatro e meia da manhã.
— Onde está Cecilia?
— No porão. Estávamos tentando dormir no sofá lá embaixo, mas
não havia espaço suficiente. Fiquei caindo no chão. Machuquei o coto-
velo. — E ele me mostra o machucado.
— Então, você a deixou lá?
— É seu aniversário — ele afirma, como se fosse uma explicação.
— Você é um babaca.
— Sem chance. — Andrew apoia seu braço pesado sobre mim. —
Eu sou o máximo.
— Não, sai fora. — Rolo para longe dele, quase caindo no piso do outro
lado da cama.
Ouvimos um barulho vindo do sofá, e Hannah dá as costas para
nós, aconchegando-se mais fundo nas almofadas.
— Fica quieta! — E Andrew volta a apoiar o braço sobre mim.
— Não. Você estava se refestelando com Cecilia!
— Nós tomamos banho, Collins. Estou limpíssimo.
Suspiro, mas deixo que ele fique com o braço sobre mim. Estou muito
cansada para protestar de verdade. O celular de Andrew zumbe, e ele o
ergue do travesseiro. A luz da tela nos ofusca quando ele o desbloqueia.
— Poema de amor de Cecilia? — pergunto, baixinho. — “Ó querido
Andrew. Ó capitão! Meu capitão! Por que você me deixou sozinha no
sofá do porão?” — Não consigo ver o rosto dele muito bem, mas quase
posso senti-lo olhando em volta, impaciente.
— Ela vai ficar bem, Collins.
Andrew enfia a mão no bolso e tira um par de óculos com uma
grande e grossa armação cor de tartaruga, que sempre achei que o
faziam parecer um vovô. Ele sempre os mantinha escondidos no bolso,
colocando-os apenas quando era extremamente necessário, como se os
considerasse embaraçosos.
Chego mais perto de Andrew para poder ler a mensagem de texto
com ele. Afinal, não é de Cecilia, mas de Susie Palmer, amiga dela;
aquela que tomou muitas doses e não era capaz de dirigir.

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Você está acordado? Estou sozinha no quarto de hóspedes, caso
queira me encontrar.

— Susie está sabendo que você acabou de transar com a melhor


amiga dela, certo? — pergunto.
— Não vou responder para ela. — Andrew desliga o celular, e a
tela fica preta.
Meus olhos levam um tempo para se adaptar ao escuro, e não con-
sigo distinguir o formato do rosto de Andrew ao meu lado na cama.
Então, lentamente, os óculos dele entram em foco.
— Sério?
— Você parece surpresa — ele diz, baixinho. — Não sou tão babaca.
— Ou você tem uma queda enorme por Cecilia e não quer estragar
tudo. — Sorrio. — Já entendi.
— É porque a conversa dela é muito estimulante. — Andrew dá
uma risadinha.
Eu o empurro, rolo para longe dele e cerro as pálpebras. Agora
estou acostumada com esse seu lado Andrew Baladeiro, que “fica” com
garotas como se não tivesse nenhuma importância, brincando sobre
tomar banho juntos como se fosse algo muito corriqueiro.
Nas revistas em quadrinhos, os super-heróis têm esse grande
momento — uma picada de aranha ou uma poça de gosma radioativa —,
que os transforma de alguém normal em algo fora do normal. Mas Andrew
mudou de Peter Parker para Homem-Aranha aos poucos — tão devagar
que nem me dei conta. Os anos o transformaram de um garoto desen-
gonçado e sardento em alguém que as meninas acham uma gracinha, um
cara com poder sobre garotas como Cecilia Brooks e Susie Palmer. E com
maior poder vem mais responsabilidade; então, faço o possível para man-
tê-lo sob controle, para impedi-lo de se tornar um superbabaca.
Ainda assim, não consigo deixar de pensar em como Andrew está
muito mais à frente do que eu.
— Boa noite, otário — digo no escuro.
Mas Andrew já está dormindo e me responde com um ronco sonoro
e bêbado.

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Capítulo 3

— AGORA QUE SOU MULHER, VOU PEDIR UM ESPRESSO. — DANIELLE


dirigia a caminho do Dunkin’ Donuts, na tarde seguinte. — É o cafezi-
nho sem leite e açúcar, certo?
— Sim, e tem gosto de gasolina — Ava responde do assento de pas-
sageiro. — Além disso, você coloca cinco gotas de adoçante em seu café
desde a sétima série. Não acho que uma noite mágica possa mudar isso.
Passamos a manhã toda ajudando a arrumar a casa do Andrew. Lim-
pamos as bancadas, os pisos e o acesso da garagem, para que as pegadas
de todos e as marcas de pneus sumissem. A mãe dele é bastante sensível
em relação à casa; ela se refere ao seu quarto como “o santuário”, e passa
tanto tempo em lojas de produtos para o lar que provavelmente recebe o
desconto para funcionários. Por isso, sabemos que ela notará se algo não
estiver em seu devido lugar. A manhã seguinte a uma festa é sempre um
suplício de várias horas se você se sentir legal o suficiente para não cair
fora. Caras como Jason Ryder nunca se sentem legais.
Acho que as coisas serão diferentes na Califórnia, que o pessoal de
lá é elegante e bebe vinho segurando o copo com o dedo mindinho levan-
tado, que os caras não ficam bêbados tomando cerveja light e depois
tentam fumar maconha em uma lata vazia. Mas talvez as pessoas sejam
iguais em todos os lugares.
Nós estamos indo até uma caçamba de lixo, já que o carro está
cheio de sacos que devemos jogar fora — garrafas e latas vazias que não

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poderíamos deixar como prova dentro da casa. Estou no assento tra-
seiro com Hannah, que parece um pouco pálida, na certa por causa do
cheiro que escapa deles. Infelizmente, para todas nós, Ava adora musi-
cais e, por isso, estamos ouvindo uma música de Wicked, cantada por
uma cantora cuja voz ultrapassava três oitavas, ou seja, demasiado alta
para o dia seguinte à festa.
— Pelo amor de Deus, posso desligar isso? — Danielle estende a
mão na direção do som, mas Ava a impede.
— Não! Defying Gravity é realmente a melhor música de todos os
tempos. Está me dizendo que ela não te faz sentir alguma coisa?
— Sim, faz — Danielle responde. — Sinto vontade de morrer.
— Cuidado, posso colocar uma música de Cats no lugar. As músi-
cas de Cats são assustadoras.
Ava tem sido a estrela de todos os musicais da escola desde o pri-
meiro ano do ensino médio. No próximo ano, ela vai para a Universi-
dade de Nova York junto com Hannah, e, embora os cursos delas sejam
diferentes, a imagem das duas conhecendo Nova York juntas fere o meu
coração se eu pensar nisso por muito tempo.
— Existe algum musical em que todas as músicas sejam apenas
sons relaxantes de mar? Vamos ouvir isso. — Hannah encosta a cabeça
na janela.
Estamos em uma estrada secundária cheia de curvas, ladeada por
pinheiros. Prescott está repleta de estradas assim, atravessando o meio
do nada. O centro da cidade é apenas uma faixa de quatro quarteirões
com muitas lojas e restaurantes. No verão, o lago próximo atrai milha-
res de turistas: famílias com boias de câmara de ar e frascos gigantes
de protetor solar, ou caminhantes com mochilas e tranças rastafári
atravessando a Trilha dos Apalaches. O outono traz os observadores
de folhagens, gente de Nova York ou Boston que dirige tão devagar nas
vias expressas que são um risco para o trânsito. No início de março,
porém, somos uma cidade fantasma.
Ao pegarmos uma rua mais movimentada, o Dunkin’ Donuts apa-
rece à nossa esquerda, com seu glorioso símbolo rosa e laranja que
anuncia todas as coisas boas do mundo. Danielle passa direto pela loja.
— O que você está fazendo?! — Ava grita. — Preciso de cafeína!
Estou com dor de cabeça!
É difícil de acreditar pela potência de sua voz. Ava sempre projeta
o som como se estivesse tentando alcançar as últimas fileiras de um

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auditório. Às vezes, as pessoas se incomodam com Ava por ela ser muito
dramática, mas eu gosto disso nela. Ela sempre sente tudo total e comple-
tamente. Certa vez, na nona série, na aula de inglês, ela chorou enquanto
lia um poema em voz alta para a classe e nem ficou com vergonha disso.
— Vamos até a loja de Base Hill — Danielle informa, como se isso
fosse óbvio.
As lojas do Dunkin’ Donuts pontilham Vermont como confetes.
Só em nosso município há três, mesmo que nem sequer tenhamos um
cinema e precisemos dirigir quase uma hora para chegar a um shop-
ping center.
— Acabaram de instalar uma bem ao lado daquela academia onde
todos os caras da EVmU se exercitam.
A Eastern Vermont University, nossa faculdade local, é conhe-
cida por seu departamento de fitoterapia, se é que vocês me entendem.
Muita gente de Prescott vai lá nos fins de semana por causa das festas,
mas eu nunca quis passar por isso; uma festa de faculdade parece uma
tortura ao pé da letra.
— O que foi, Danielle? Agora que você é uma mulher, só quer tran-
sar com caras da faculdade? — pergunto, dando risada.
— Demos muitas chances para os garotos da nossa escola — ela
responde.
— A propósito, odeio essa expressão. — Hannah faz uma careta. —
O conceito de que você precisa ser penetrada por um pênis para se tor-
nar uma mulher... Tipo, por que estamos dando tanto poder aos caras?
— E as lésbicas? — acrescento.
— Sim! — Ava apoia. — Chase Brosner não tem um pênis mágico.
— Graças a Deus! — Danielle exclama. — O ego dele já é bastante
grande.
— Nenhum cara tem um pênis mágico. — Gargalho. — Mas todos
eles acham que têm.
— Você falou com Chase? — Hannah pergunta. — Você sabe...
desde...
Danielle entra rápido demais em uma curva, ignorando uma placa
de preferencial.
— Nós dois conseguimos o que queríamos. Ele é um idiota se acha
que isso vai acontecer de novo depois do show de ontem à noite.
— Chase é um puta idiota. — Ava concorda com um gesto de
cabeça. — É como Charlie. — Ela olha para trás, na direção de Hannah.

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— Esses caras agem como se tivéssemos alguma importância para eles,
mas é tudo uma grande piada, não é? Eles só se importam com a gente
até gozarem.
— Já tenho um saco de lixo ao meu lado, Ava — Hannah informa.
— Temos mesmo que falar de Charlie?
— Só estou sendo sincera. Não é deprimente que nenhuma de nós
ainda esteja com o cara com quem perdeu a virgindade? Quando você se
importa demais, isso apenas te magoa. — Ava se vira no assento e me
olha significativamente. — Keely, você tem sorte de ainda ser virgem.
— Não estou nem aí. Não me arrependo. — Daniele entra no esta-
cionamento e para o carro na frente da academia.
Observamos um cara musculoso, de vinte e poucos anos, abrir a
porta da academia, segurando-a para uma garota atrás dele passar. Ela
caminha pelo ar gelado e enlaça a cintura do rapaz como se perten-
cesse a ele.
— Só vai piorar na faculdade. — Danielle balança a cabeça e olha
direto para mim. — Você devia ter acabado com a parte embaraçosa,
Keely. Devia tirar isso do caminho no ensino médio. Ser virgem na
faculdade é como ter uma doença.

Ava estava certa sobre o espresso, claro. A penetração não fez


nada para mudar o paladar de Danielle e, depois de um gole, ela pede
algo que é basicamente chantili.
Danielle e Ava esperam no balcão pela segunda bebida dela, e Han-
nah e eu levamos nossos cafés até uma mesa no canto.
— Danielle está só dando um show, sabe? — Hannah afirma,
tomando um gole hesitante do seu café com espuma de leite. — Está
fingindo que não se importa, porque Chase realmente a sacaneou. O
que ela acabou de dizer sobre ter uma doença é uma lógica doentia —
prossegue, brincando com a tampa do copo. — Na verdade, a virgindade
não devia ser uma coisa tão importante assim. Isso só vira algo tão rele-
vante porque colocamos muita pressão nisso. Você não deve se preocu-
par por ser virgem. O pessoal acha que tudo bem.
— Mas esse é o problema. — Ponho o meu copo na mesa. — Todos
sabem. Não deviam achar que tudo bem, porque não deviam saber.
No último Halloween, fui com Hannah ver The Rocky Horror Pic-
ture Show, fantasiadas com perucas e espartilhos. Ao chegarmos, o

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mestre de cerimônias do show pegou um tubo de batom vermelho bri-
lhante e desenhou um grande “V” em nossa testa para que o resto da
plateia soubesse que éramos “Rocky Virgins” e que era nossa primeira
vez assistindo ao show. É assim que me sinto todos os dias nos corre-
dores da escola; como se todos ainda pudessem ver aquele grande “V”
vermelho pintado em minha testa, como se eu nunca o tivesse limpado.
Meus pais sempre foram muito abertos comigo a respeito de sexo.
Na quarta série, de bom grado, conversamos sobre relacionamentos
amorosos e relações sexuais, e eles entraram em mais detalhes do que
era necessário na época. Acho que a expressão “estimulação clitoriana”
ficará gravada na minha mente pelo resto da eternidade.
Em geral, não somos uma cidade de devotos, pelo menos não da
maneira como se costuma pensar. Não é incomum aqui alguém se iden-
tificar como “espiritual” em vez de “religioso” — acreditar na ener-
gia das árvores ou procurar a orientação das estrelas. Minha família
comemora o Natal, mas sempre foi mais uma questão de presentes do
que qualquer outra coisa. Danielle sempre se descreveu como mais ou
menos judia; ela nunca se preocupou com um Bat Mitzvá, e geralmente
trapaceia durante o Pessach, a Páscoa judaica, dizendo que jamais
poderia aguentar mais de um dia sem um bagel.
Sei que em outras partes do mundo, em culturas diferentes da
nossa, a religião desempenha um papel muito maior na formação de
ideias de sexo e pureza. Para algumas pessoas, o sexo só vem com o
casamento. Não é embaraçoso aguardar. Isso é esperado. O sexo é uma
demonstração de amor, algo sagrado.
Mas então Hannah achou que sua primeira vez era sagrada. Ela amava
Charlie, e ele dizia que a amava. Hannah aguardou pelo momento aparen-
temente certo. Quando Charlie sugeriu que eles passassem a noite na casa
do lago, ela sabia o que estava implícito. Era romântico, especial, perfeito.
Até a semana seguinte, quando Charlie a trocou por Julie Spencer.
Não estou à espera do casamento. Nem sequer estou à espera do
amor. O que quero é respeito e confiança. Quero ter certeza de que,
seja lá quem for a pessoa com quem eu vá transar, ela me fará sentir
segura, não me trocará por uma garota do terceiro ano do ensino médio
na aula de francês deles, não deixará de falar comigo de novo ou contará
a todos na festa em questão de minutos. Acho que não consigo aguen-
tar uma humilhação pública como Danielle. Aliás, acho que não deve-
ria ter que aguentar.

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“Espere até estar pronta”, as pessoas sempre dizem. Mas como
saber quando estamos prontas? A gente acorda um dia e de repente se
sente mais crescida, mais adulta? Não me sinto nem um pouco adulta.
Se transar significa abrir-se ao desgosto, ao ridículo ou à dor, não sei
se algum dia estarei pronta.
— Se está tão ruim agora, como vai ser no próximo ano? — per-
gunto, tristemente. — Vamos fazer a faculdade nas duas maiores cida-
des do país. Não devem existir virgens em Los Angeles desde 1980.
— Temos seis meses até a faculdade — Hannah sugere. — Você
ainda tem tempo. E, no próximo ano, será o nosso novo começo, lembra?
O sininho acima da porta toca, e uma rajada de ar gelado invade o
estabelecimento, trazendo consigo um cara. Parece um universitário,
provavelmente um aluno da EVmU vindo da academia ao lado; usando
um par de luvas sem dedos, ele esfrega as mãos para afastar o frio. Tem
cabelo escuro e traços bem definidos, com olhos cor de chocolate calo-
rosos e maçãs do rosto rosadas por causa da friagem. E, juro, ele é o
cara mais bonito que eu já vi na vida real. Hannah e eu olhamos embas-
bacadas para o rapaz, parando no meio da nossa conversa.
— Ele se parece com o James Dean — Hannah sussurra, boquia-
berta. Ela sabe disso porque tenho um pôster de Juventude Transviada
pregado na minha parede desde a quinta série. É um dos meus filmes
favoritos.
Nós o seguimos com os olhos e o vemos se aproximar do balcão,
ficando logo atrás de Danielle e Ava. Ele veste uma jaqueta de couro que
cobre seu traseiro. Amaldiçoo silenciosamente o tempo frio.
Percebo o exato momento em que Danielle repara nele. Ela cutuca
Ava, que se levanta ereta, com as mãos estendidas para alisar seu
cabelo rosa. Ambas se viram para encará-lo ao mesmo tempo.
— O lugar é seu. — E então Danielle lambe um montão de chantili
do topo de sua bebida, olhando para ele como se estivesse lambendo
outra coisa. O olhar de Danielle é poderoso; ela usa o contato visual
como uma arma.
— Ah, obrigado. — A voz dele é como calda de chocolate quente.
As garotas correm para a mesa.
— Vocês viram aquele cara?! — Ava sibila, não tão baixo quanto
deveria.
Danielle toma um longo gole de sua bebida. Quando ela afasta a
boca, há uma marca de batom vermelho no canudo. Antes de Danielle,

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sempre associei batom com velhinhas; o cheiro de pó de arroz, per-
fume e laquê que sempre pairava ao redor da minha avó. Mas o batom
é a assinatura de Danielle.
— Eu deveria voltar e conversar com ele — ela diz, olhando por
sobre o ombro.
— Sim, com certeza você deveria! — Ava exclama, fazendo que
sim com a cabeça.
Danielle torna a olhar para o cara e dá de ombros, exprimindo indi-
ferença. Em seguida, caminha até a porta.
— Ele não vale a pena.
É bastante estranho Danielle evitar um cara, sobretudo um tão
bonito quanto James Dean. Pergunto-me se Chase mexeu com Danielle
mais do que ela está deixando transparecer.
Volto-me para trás mais uma vez quando saímos, apenas para
ver James Dean de novo. Sinto-me corar de vergonha e empolgação
quando ele olha diretamente para mim. Aí ele leva uma pequena xícara
de espresso até a boca e toma um longo gole.

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