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Livro Maus Tratos Completo Compressed

Este documento resume as principais causas de estresse e maus-tratos em animais de produção no Brasil, incluindo práticas de manejo inadequadas, erros nutricionais e de saúde animal, além de procedimentos cruéis realizados por falta de capacitação. Os autores defendem condutas de manejo adequadas e a responsabilidade da academia e dos profissionais na prevenção de sofrimento animal.

Enviado por

Daiane Fracaro
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Este documento resume as principais causas de estresse e maus-tratos em animais de produção no Brasil, incluindo práticas de manejo inadequadas, erros nutricionais e de saúde animal, além de procedimentos cruéis realizados por falta de capacitação. Os autores defendem condutas de manejo adequadas e a responsabilidade da academia e dos profissionais na prevenção de sofrimento animal.

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1

2
Marilene de Farias Brito
Docente das disciplinas da Área de Anatomia Patológica
Instituto de Veterinária
Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

Pedro Malafaia
Docente das disciplinas Nutrição Animal e Nutrição de Ruminantes
Departamento de Nutrição Animal e Pastagens
Instituto de Zootecnia
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRRJ)

José Diomedes Barbosa Neto


Docente da disciplina Clínica de Grandes Animais
Instituto de Medicina Veterinária, Campus Castanhal
Universidade Federal do Pará (UFPA)

Nivaldo de Azevêdo Costa


Coordenador da Clínica de Bovinos de Garanhuns
Campus da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)
Área de Clínica Médica e Cirúrgica de Ruminantes

3
Os autores

MARILENE DE FARIAS BRITO nasceu na cidade de Agrestina,


Pernambuco, em 5 de julho de 1960. Formou-se em Medicina Veterinária pela
UFRPE (1986) e fez Residência em Medicina Veterinária pela UFRPE (1987 a
1988). Concluiu Mestrado (1992) e Doutorado (2002) em Patologia Veterinária,
na UFRRJ, e Pós-Doutorado pela UFRPE (2013 a 2015). É Professora Titular
do Instituto de Veterinária da UFRRJ. Desde o início de sua carreira
profissional, vem se dedicando ao estudo das enfermidades que acometem os
ruminantes, principalmente as causadas por agentes infecciosos, pelas
deficiências minerais e por plantas tóxicas. É coautora dos livros Plantas
Tóxicas da Amazônia a Bovinos e outros Herbívoros (2007), Plantas Tóxicas do
Brasil para Animais de Produção (2012) e Deficiências Minerais em Animais de
Produção (2010).

PEDRO MALAFAIA nasceu na cidade de São Fidélis, Rio de Janeiro, em


24 de março de 1966. Formou-se em Zootecnia pela UFRRJ, em 1988, e em
Medicina Veterinária pela Universidade Severino Sombra (USS), em 2011.
Concluiu Mestrado (1995) e Doutorado (1997) em Nutrição de Ruminantes,
na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Realizou doutoramento em Medicina
Veterinária, na área de Patologia e Ciências Clínicas, na UFRRJ, em 2013. É
Professor Titular do Instituto de Zootecnia da UFRRJ. Desde o início de sua
carreira profissional, dedica-se ao estudo das doenças que acometem os
ruminantes, principalmente as causadas pelas deficiências minerais e por
erros alimentares.

4
JOSÉ DIOMEDES BARBOSA NETO nasceu na cidade de Icó, Ceará, em
2 de dezembro de 1962. Formou-se em Medicina Veterinária pela Universidade
Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em 1988. Concluiu Mestrado em
Clínica Médica, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em
1992. Realizou Doutorado na Escola Superior de Veterinária de Hannover, na
Alemanha, em 1996, e Pós-Doutorado na Universidade de Leipzig, na
Alemanha, em 2016. É Professor Titular do Instituto de Medicina Veterinária
da Universidade Federal do Pará (UFPA), Campus Castanhal. Desde o início
de sua carreira profissional dedica-se ao estudo das enfermidades que
acometem os ruminantes, principalmente as causadas por agentes
infecciosos, pelas deficiências minerais e por plantas tóxicas. É coautor dos
livros Plantas Tóxicas do Brasil para Animais de Produção (2012) e Deficiências
Minerais em Animais de Produção (2010).

NIVALDO DE AZEVÊDO COSTA nasceu em Bom Conselho,


Pernambuco, em 22 de novembro de 1955. Possui graduação em Medicina
Veterinária pela Universidade Federal Rural de Pernambuco-UFRPE (1980),
Mestrado e Doutorado no Programa de Pós-graduação em Ciência Veterinária
pela UFRPE. Desde 1982 é Médico Veterinário Coordenador da Clínica de
Bovinos de Garanhuns, Campus da UFRPE. Atua na área de Clínica Médica e
Cirúrgica de Ruminantes.

5
IMPERÍCIA, ESTRESSE, NEGLIGÊNCIA E MAUS-TRATOS:
UM ATRASO NA PRODUÇÃO ANIMAL NO BRASIL

CONTEÚDO 6
DEDICATÓRIA 9
AGRADECIMENTOS 10
PREFÁCIO 11
INTRODUÇÃO 14
1. PREJUÍZOS ECONÔMICOS E CONSEQUÊNCIAS
COMERCIAIS LIGADAS AOS MAUS-TRATOS 17
1.1. O “melhoramento genético” malconduzido que origina
deformidades e estresse 19
2. O ESTRESSE E SUAS COMPLEXAS NUANCES 23
2.1. ESTRESSE PSICOLÓGICO 37
2.1.1. Alotriofagia devido à deficiência de fibra fisicamente efetiva 37
2.1.2. Lingueteio (tongue-playing) 39
2.1.3. Morder canos, barras, madeiras e outros objetos (bar-biting) 40
2.1.4. Mamada cruzada ou não nutritiva (cross-sucking) 44
2.1.5. Pressionar o nariz contra objetos (nose-pressing) 49
2.1.6. Erros de manejo que causam estresse (disputa por
hierarquia e sodomia) 51
2.2. ESTRESSE FÍSICO 59
2.2.1. Estresse térmico 61
2.2.2. Erros de manejo em transportes 71
2.2.3. Desequilíbrios e erros alimentares (superalimentação,
subalimentação); a omissão e os excessos no manejo
nutricional 80
2.2.4. Uso de materiais inadequados para o manejo com os
animais (ferrão, choque elétrico, esporas e arreios) 93
2.2.5. Trabalho e exercício físico forçado e intenso 100
2.2.6. Instalações inadequadas 100

6
2.2.7. Traumas por objetos de contenção 124
2.3. ESTRESSE x DOENÇAS 126
2.3.1. A exploração de animais doentes para fins de trabalho e
turismo, a evolução até o extremo das enfermidades, a falta
de decisão para o tratamento precoce e outras situações
desumanas 128
2.3.2. A omissão e os excessos no manejo higiênico-sanitário 151
2.3.3. Práticas obsoletas que se perpetuam entre as gerações 152
3. PRÁTICAS DE MANEJO OBSOLETAS, INADEQUADAS E
CRUÉIS, IMPERÍCIA EM MANOBRAS TÉCNICAS,
CIRURGIAS MALFEITAS, IMPRÓPRIAS E ATÉ
CRIMINOSAS, E OUTRAS CONDUTAS ABUSIVAS 154
3.1. Marcação a ferro quente ou por cortes nas orelhas 165
3.2. Mochação a ferro quente 172
3.3. Descompressão de animais timpânicos 177
3.4. Casqueamento excessivo 177
3.5. Métodos inadequados de castração 177
3.6. Manobras inadequadas e imperícia em partos distócicos 183
3.7. Reduções inadequadas e imperícia em prolapsos 187
3.8. Manejos inadequados de bezerros lactentes durante a
ordenha manual 189
3.9. Manejos negligentes que culminam com a ingestão de
corpos estranhos 192
3.10. Corpos estranhos colocados nos animais 198
3.11. Erros e equívocos no cálculo das doses, na via aplicação de
medicamentos e no fornecimento de alimentos, bem como
intoxicações acidentais ou dolosas 210
3.12. Tratamentos com substâncias sem comprovação científica 252
3.13. Zoofilia 253
4. CONDUTAS ADEQUADAS DE MANEJO 255
5. A EUTANÁSIA SEM CRITÉRIOS 260
6. O ABATE “DESUMANO” 261

7
7. A QUESTÃO DA VULNERABILIDADE SOCIOECONÔMICA
E A FALTA DE ACESSO ÀS INFORMAÇÕES 263
8. COMO A FALTA DE ASSISTÊNCIA E ATENÇÃO AO
QUADRO DE FUNCIONÁRIOS PODE REFLETIR NO
MANEJO COM OS ANIMAIS 264
9. O VETERINÁRIO COMO AGENTE VEICULADOR DO
PROCESSO EDUCATIVO NO MEIO RURAL E A FALTA DE
DECÊNCIA NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO 265
10. A RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL 266
11. A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA E A RESPONSABILIDADE
DA ACADEMIA 267
12. REFERÊNCIAS 269

8
DEDICATÓRIA

Ao nosso Deus, origem e razão de tudo,

Às nossas famílias, pela compreensão de tantas ausências


dedicadas ao trabalho,

Aos animais, pela inocência e servidão, tantas vezes


incompreendidas. Mesmo na dor e no sofrimento pujantes, o silêncio e a
resignação são respostas muitas vezes ignoradas. A eles, que sempre se
prestaram à humanidade no mais amplo propósito do seu viver, nosso
respeito inconteste.

9
AGRADECIMENTOS

Nossos sinceros agradecimentos aos inúmeros proprietários, aos


homens do campo, aos profissionais e às instituições que sempre nos
apoiaram durante nossa longa trajetória profissional, e serviram de
exemplo na criação de animais e na geração de conhecimentos e riquezas
para o Brasil.
Os conhecimentos adquiridos nessas entidades e com essas
pessoas serviram de referência para a realização desta obra.
Agradecemos ainda aos colegas e Professores Alberto Neves Costa
(UFRPE), Aldo Gava (UDESC), Jackson Barros do Amaral (IZ-SP), Luciano
da Silva Alonso (UFRRJ) e Carlos Alexandre Rey Matias (UFRRJ) pelas
consultorias, sugestões e leitura criteriosa.

10
PREFÁCIO

Na maturidade das nossas carreiras profissionais e no compromisso da


missão de educadores é que nos propusemos, com esta obra, dar a nossa
contribuição a esse assunto tão importante e atual. Ao longo das nossas
experiências de Médicos Veterinários, Zootecnista e docentes, sempre lidamos
diretamente com os animais de fazendas, convivemos com proprietários, com
tratadores e com alunos, bem como realizamos inúmeras idas às propriedades
rurais. Por muitas vezes vivenciamos situações angustiantes e dolorosas, que
punham em risco a saúde e a qualidade de vida e o bem-estar dos animais de
produção.
Dentro das nossas preocupações, procuramos abordar os problemas no
que tange à produção animal em larga escala e nas criações de subsistência.
Deixamos aqui registrado que não somos insensíveis às situações de
dificuldades socioeconômicas e àquelas que ocorrem em função das
intempéries climáticas, pouco controláveis pelo ser humano; nesta obra, nos
dedicamos especialmente às aberrações ligadas à ignorância, comodidade,
negligência, ao descaso e a imperícias que acabam gerando os denominados
maus-tratos aos animais.
Sabemos que devemos ser “bússolas” para os jovens estudantes, no
sentido de norteá-los rumo ao exercício da profissão, com dignidade e no
intuito de que eles também possam contribuir para mitigar problemas com os
animais e seus donos - mais que isso, que façam parte do processo de
produção moderno, e que possam repercutir informação de qualidade aos
produtores.

11
A provisão do bem-estar aos animais, além de moralmente imperativa,
traz consigo inúmeros ganhos na produtividade, saúde e longevidade, bem
como na redução de acidentes e despesas com cirurgias e medicamentos.
Esses benefícios acabam por melhorar a viabilidade econômica dos
empreendimentos, o que gera renda, riquezas e empregos no campo. Se o Brasil
desejar ser um respeitado “player” no seleto mercado global de produtos de
origem animal, os humanos que trabalham nessa complexa cadeia produtiva
deverão se moldar às “novas” regras do exigente mercado consumidor
mundial. Portanto, bem-estar animal não é coisa de “desocupados” ou
“sonhadores” acadêmicos; é sim, uma atitude positivista que deve ser
implantada por todo profissional nas fazendas onde possa trabalhar.
O conteúdo desta obra, eminentemente autoral, enfatiza os prejuízos
econômicos e as consequências ligadas aos maus-tratos, as implicações dos
erros e equívocos cometidos no manejo alimentar, higiênico e sanitário, a
gravidade e a complexidade do estresse físico e psicológico, as sequelas da
falta de atitude no que concerne aos animais doentes, as práticas de manejo
obsoletas, inadequadas e cruéis, as imperícias impróprias e até criminosas em
manobras técnicas e cirúrgicas, diversas condutas negligentes, abusivas e até
desumanas. O texto ainda aborda a falta de cuidados e critérios de
responsabilidade pessoal e profissional.
No teor das ilustrações procuramos preservar a identidade das fotografias
com o objetivo de evitar a exposição das propriedades, dos animais, dos
proprietários e das instituições.

Os autores

12
“Um problema não pode ser resolvido
com o mesmo estado mental que o criou”.
Albert Einstein

13
INTRODUÇÃO

O mundo moderno exige novos métodos ou modelos de produção animal


que respondam positivamente a uma demanda crescente advinda de
mercados consumidores cada vez mais exigentes. Dentro dessa ótica, são
grandes as perspectivas de novos sistemas de criação que sejam produtivos e
que proporcionem aos animais conforto e bem-estar, com menor agressão ao
meio ambiente; essa é a dinâmica, ou o que se espera da produção de proteína
animal mais “humanizada”. O comércio nacional, e sobretudo o mundial, está
cada vez mais exigente e não tolera imperícia, estresse ou negligência com os
animais e não mais admite maus-tratos; entretanto, essa “nova” perspectiva
abre vantagens competitivas a uma produção animal ecologicamente e
moralmente correta.
No Brasil, a negligência, a omissão, os excessos e a crueldade, ativa ou
passiva, costumam permear os ambientes de criação de animais domésticos
de uma forma complexa e arraigada por aspectos sociais, econômicos,
históricos (culturais/tradição), de forma explícita ou velada.
O objetivo dessa obra é realçar a importância desse tema, com a finalidade
de alertar e provocar os estudantes e Médicos Veterinários, bem como outros
profissionais das áreas afins, no sentido de se empenharem no combate às
práticas inadequadas, obsoletas e até desumanas aos animais, que ocorrem,
tanto por desconhecimento quanto por motivos escusos. Por outro lado, é
preciso relatar que essas práticas vão na contramão de toda uma conduta ou
postura moderna mundial que não mais aceita esses deslizes na produção de
alimentos de origem animal.

14
É imperativo que esse ciclo de sucessivos erros se encerre, já que uma
nova mentalidade surge na direção do bem-estar animal. A Medicina
Veterinária e a Zootecnia, nos últimos anos, têm se esforçado para mudar esse
panorama; porém, muito há que se fazer e expor, com a maior clareza, aquilo
que não se deve fazer.
Se os produtores brasileiros desejarem ter seus produtos alimentares, de
origem animal, colocados em mercados exigentes e que os remunerem melhor,
deverão se moldar às diretrizes desses mercados, no que diz respeito ao bem-
estar animal; caso contrário, correrão o risco de verem tais mercados
comprarem de nossos concorrentes (p.ex., Austrália) que já instituíram
programas rígidos de preservação e garantias do bem-estar animal.
Por outro lado, sabe-se que os diferentes biomas brasileiros já são, por
si, um desafio para os criadores, com suas particularidades peculiares, que
muitas vezes se interpõem como verdadeiros obstáculos a uma produção mais
adequada, como é o caso de muitas intempéries e ritmos da natureza, e que
requerem um maior esforço no que diz respeito a proporcionar um ambiente
favorável ao bem-estar animal.
Neste livro pretendemos divulgar nossa experiência e opinião sobre esse
assunto que é por demais importante na pecuária brasileira. Por se tratar de
conteúdo forte, algumas fotos podem ser impactantes, mas, sem dúvida, são
importantes para trazer aos leitores a real dimensão do(s) problema(s) e
suscitar reflexões sobre como se deve encarar o tema. Por mais de três décadas
realizamos viagens científicas ou atendemos animais que porventura vieram
nas nossas respectivas universidades; por inúmeras vezes nos deparamos
com cenas dantescas e sempre nos pronunciamos contra, orientamos os
alunos e os criadores a como procederem futuramente, e nunca nos omitimos
frente aos animais sofrendo com as mazelas do pensamento e das ações
humanas.
Nesta obra, sempre que possível, fazemos menção de dar nossa opinião
sobre as condutas corretas e propomos alternativas para minimizar os
problemas, sobretudo aqueles decorrentes da criação extensiva e/ou em
propriedades de difícil acesso a tecnologias, recursos financeiros e assistência
técnica.

15
Nosso sistema de produção animal é ímpar, pois é feito, muitas vezes,
sem apoio de medidas governamentais sérias e objetivas e com muitos
obstáculos logísticos a serem superados. Portanto, diante de tantos
empecilhos, fica aqui nosso elogio aos inúmeros criadores, funcionários e
técnicos que conduzem seus diversos sistemas de criação de forma a zelar
pelo bem-estar dos seus animais e do meio ambiente, e por gerarem renda e
riquezas no campo – a eles o nosso mais profundo respeito e admiração.

16
1. PREJUÍZOS ECONÔMICOS E CONSEQUÊNCIAS
COMERCIAIS LIGADAS AOS MAUS-TRATOS

É inegável que os animais de produção, quando mal manejados ou


criados em condições inadequadas, têm seu desempenho (reprodutivo e
produtivo) reduzido. Isso, obviamente, causa prejuízos econômicos a toda
cadeia produtiva (i.e., desde os produtores até a indústria, que acaba por
receber uma matéria-prima de pior qualidade).
Tal como verificado em algumas doenças, em que as formas leves ou
subclínicas são as mais frequentes, os maus-tratos “sutis” também são os
mais comuns e, por manifestarem efeitos mais discretos, são muitas vezes não
detectados pelos profissionais, ou até negligenciados; essas agressões mais
“leves” exigem que os profissionais tenham calma, dedicação à causa e
bastante conhecimento sobre as espécies com que trabalham, sobretudo da
parte etológica delas. A quantificação monetária desses prejuízos é, na maioria
das vezes, quase impossível de ser feita; seja pela falta de dados confiáveis,
seja pela deliberada vontade dos criadores em não relatar tais maus-tratos
aos animais.
De uma forma mais ampla, os maus-tratos “sutis” envolvem:
a) insuficiente oferta de alimentos (“fome discreta”),
b) alimentação desbalanceada ou equivocada,
c) instalações inadequadas e
d) manejo ou lida diária que geram medo, estresse ou sofrimento devido a
traumatismos.
Os maus-tratos “severos” são aqueles que envolvem sérios danos físicos
e psíquicos aos animais.

17
As instalações inadequadas são aquelas que desconsideram o conforto
térmico, a segurança das pessoas e dos animais, a higiene e a facilidade de
lidar com os animais durante sua estadia nelas. Instalações ruins causam
lesões frequentes (graves ou não), medo e alterações psíquicas (nose pressing
em vacas de leite criadas em confinamentos) e podem favorecer a menor
resistência a doenças e à qualidade do leite (elevar a contagem de células
somáticas (CCS) no leite).
De uma maneira geral, os sistemas de produção são espaços criados pelo
homem para a manutenção dos animais e devem reproduzir, da maneira mais
favorável possível, as condições sob as quais eles encontrariam na natureza.
Na produção de alimentos de origem animal, o objetivo de simular ou mimetizar
a natureza tem conotação econômica e, em última análise, objetiva fazer com
que os animais expressem o máximo de seu potencial zootécnico, reprodutivo
e sanitário.
Os erros de manejo durante o embarque, transporte e desembarque de
bovinos de corte podem danificar grandes áreas do sistema músculo-
esquelético e condená-las durante a inspeção no frigorífico. Esses erros não
são difíceis de serem observados e sua correção passa pelo correto
dimensionamento de troncos de embarque, do piso do caminhão e do
treinamento da mão de obra nas fazendas. De forma idêntica, em qualquer
que seja o meio de transporte e a espécie conduzida, em condições precárias,
inúmeros traumas podem ser infligidos nos animais, como danos aos
cascos/unhas, o que pode servir de porta de entrada para o aparecimento de
casos de dermatite digital.
Nesse cenário, as consequências dos inúmeros erros nos diferentes
manejos da lida diária com os animais, bem como do mal planejamento das
instalações, redundam em prejuízos consideráveis na produção, na
reprodução e na longevidade dos animais.

18
1.1. O “melhoramento genético” malconduzido que origina deformidades
e estresse

Um ponto importante a ser destacado é o melhoramento genético que,


muitas vezes, é realizado pensando apenas em aumentar a produtividade dos
animais (p.ex., vacas de leite), sem levar em consideração o bem-estar deles.
Na exploração leiteira, temos os maiores exemplos onde a seleção realizada
somente objetivando o aumento do desempenho fez com que se produzisse
animais com produção de leite acima de 80 litros/dia. Esse ganho genético,
na maioria das vezes, vem associado a grandes alterações no metabolismo e
na saúde (física e psíquica) das vacas. Só para citar: a) elevação no consumo
de alimentos (nutrientes); b) partição do metabolismo em direção à síntese do
leite (homeorrese) e “relaxamento” de outros processos metabólicos (p.ex.,
sistema imune, pele, unhas); c) em razão da maior produção diária demandar
mais nutrientes, as dietas têm que ser ricas em grãos e acabam gerando
acidose ruminal e toda sua cascata de eventos nocivos associados (p.ex.,
timpanismo espumoso, deslocamento de abomaso, laminite, síndrome do
baixo teor de gordura do leite); d) problemas com a sustentação do úbere
(ligamentos) e do aparelho locomotor e e) distúrbios comportamentais (p.ex.,
lingueteio e nose pressing). Essa combinação dos eventos desfavoráveis
(a,b,c,d,e) eleva muito os gastos com medicamentos e com abordagens
cirúrgicas de unhas e de abomaso e reduz drasticamente a fertilidade (não é
raro vermos vacas de alta produção com cios durando 3 a 4 horas e com
intervalos de parto de 17 a 20 meses). Essa cascata de eventos acaba por
reduzir drasticamente a vida útil das vacas, o que é um contrassenso em um
país como o Brasil, onde vacas de descarte pouco valem, monetariamente, e
uma novilha de reposição chega a valer uma “pequena fortuna”. Há relatos de
que tais vacas de elevada produção raramente dão mais que 3 partos, quando
uma vaca saudável deveria dar, no mínimo, 5 a 7 crias (Figuras 1-3; Tabela
1).

19
Figuras 1-2. Rebanho de vacas da raça Jersey, criado em condições ideais de
alimentação e sanidade, onde não é raro se ter vacas com 7 a 10 partos e
produzindo satisfatoriamente. A vaca que está em evidência nasceu em 7 de maio
de 2005 (portanto, tem 16 anos) e pariu 11 vezes. Por toda sua longa vida produtiva
nunca desenvolveu problemas metabólicos, devido ao fato de ser criada
predominantemente no ambiente das pastagens e ser tratada sem quaisquer
vestígios de maus-tratos. Pela aparência da pelagem se percebe claramente que é
uma vaca idosa, porém muito saudável e produtiva. Nas 11 lactações encerradas
produziu mais de 37.000 kg de leite. Na Figura 2, se pode vê-la juntamente com
sua primeira filha, nascida em 14/5/2011. Cortesia de Heloísa e Júlio César D.
Freitas. Rio Preto, MG.

20
Tabela 1. Datas de nascimento e partos da vaca Jersey, exibida nas
Figuras 1 e 2.

Data de 7/5/2005 Intervalo de


Nascimento partos
(meses)
1º parto 20/4/08 (36m) -
2º parto 14/11/09 19,1
3º parto 14/5/11 18,2
4º parto 24/6/12 13,6
5º parto 10/6/13 11,7
6º parto 13/6/14 12,2
7º parto 23/6/15 12,6
8º parto 2/8/16 13,4
9º parto 15/8/17 12,5
10º parto 10/2/19 18,1
11º parto 11/6/20 16,2

Figura 3. Produção de leite da 11ª lactação (3487 kg) da vaca da Figura


1, com alimentação exclusiva de Tifton (na primavera e verão) e silagem
de milho acrescida de 0,8% de ureia, durante a estação seca.

21
A ideia de que novilhas Nelore, denominadas “superprecoces”, devam
emprenhar aos 14 – 16 meses é perfeitamente possível e até propagada por
criadores, profissionais e professores universitários como sendo uma
excelente estratégia de manejo/criação. Entretanto, para emprenharem antes
de atingirem a maturidade fisiológica e ainda continuarem crescendo,
necessitarão de serem alimentadas com concentrados (o que é altamente
benéfico para quem fabrica e vende tais alimentos). Caso emprenhem,
podemos citar como consequências óbvias: a) muitas terão notória dificuldade
para emprenharem após o primeiro parto; b) na tentativa de serem novamente
emprenhadas, deverão receber dietas ricas em grãos e/ou serem submetidas
a “biotécnicas” da reprodução (o que é benéfico a Veterinários focados apenas
na parte da reprodução bovina) e c) as que não emprenharem acabarão sendo
descartadas para o abate (o que é benéfico aos frigoríficos, que receberão um
animal novo e de qualidade).
Ao nosso ver, a criação de novilhas “superprecoces” merece alguns
comentários para a reflexão: a) é antinatural um ser emprenhar antes de uma
idade que acompanhe a maturidade fisiológica; isso só acontecerá se houver
a “mão humana” inserindo “protocolos” que naturalmente não existiriam na
natureza; b) sem que muitos criadores percebam, muitos elos dessa “cadeia
produtiva” se beneficiam com essa técnica; c) mais de 80% da pecuária
brasileira é alicerçada na criação de gado em pastagens tropicais, muitas delas
de baixa qualidade e até mesmo com algumas limitações na oferta de
forragem; a criação de animais “superprecoces é a antítese desse cenário; d)
muitas vezes os meses “ganhos” com a tal precocidade, serão “perdidos lá na
frente”, com a recuperação do escore corporal até a nova prenhez, a não ser
que as novilhas sejam alimentadas com considerável quantidade de ração
contendo, além de nutrientes, alguns aditivos supostamente “milagrosos”; e)
os animais são os únicos a serem prejudicados com essa “brilhante ideia”,
pois deveriam ser sadios, longevos e produtivos e acabam sendo submetidos
a dietas equivocadas e a tratamentos hormonais desnecessários e f) agindo
assim, os criadores fazem uma “antisseleção” e agem, muitas vezes, piorando
a raça.

22
Obviamente que não advogamos que novilhas Nelore emprenhem
tardiamente (i.e., depois dos 24 a 26 meses) ou que não haja sérios programas
de seleção para fertilidade bovina; porém, entendemos que a natureza exige
equilíbrio para que possa ser expressa a sua máxima potencialidade genética,
sem prejuízos à saúde dos animais ou dos empreendimentos agropecuários.

2. O ESTRESSE E SUAS COMPLEXAS NUANCES

O estresse é um efeito ambiental que impõe uma sobrecarga no sistema


de controle (homeostase) do indivíduo e reduz sua capacidade de ajuste, frente
ao ambiente hostil. É muito importante que o profissional saiba que um
estressor (p.ex., fome, dietas desequilibradas, maus-tratos, carga parasitária
elevada, excesso de lama, de fezes e de urina, instalações malfeitas, calor)
quase sempre não está sozinho. Ele, geralmente, está “acompanhado” de
vários outros estressores.
A exemplo dos seres humanos, os animais também são frequentemente
perturbados pelo estresse, e dentre as distintas categorias de animais de
produção, os bezerros, as vacas leiteiras e os animais confinados são os que
mais sofrem. A superlotação, instalações inadequadas, maus-tratos,
subnutrição, terapias inunossupressoras, enfermidades concomitantes não
tratadas, desmame mal feito, traumas, transporte inadequado, pós-parto,
cirurgias de grande porte, manejo inadequado por parte de tratadores
insatisfeitos e diversas outras condições que serão abordadas no corpo deste
livro, promovem estresse, e esse, por sua vez, desempenha um papel
protagonista na queda da imunidade e favorece meios de disseminação de
agentes infecciosos que desencadeiam diversas enfermidades. Como
consequência, os animais reagem de diversas formas, muito frequentemente
na diminuição da ingestão de alimentos, com reflexos negativos no
crescimento, na queda da produção e no baixo desempenho reprodutivo.

23
Muitas vezes exibem os mais diferentes sinais clínicos como
desenvolvimento de úlceras (melena e anemia), dor (ranger de dentes), outros
sinais de alterações comportamentais (perversão do apetite, manifestada pela
ingestão de substâncias e objetos que normalmente não seriam ingeridos
como areia, roer madeiras, ingerir pedaços de cordas, plásticos e outros
objetos das instalações) e exibição de manias, bem como comportamentos
repetitivos (estereotipias e a sodomia).
De forma clássica, o estresse pode ser classificado em psicológico ou físico.
A seguir, descreveremos as principais formas de estresse nos animais de
produção. Vale ressaltar que as manifestações aqui abordadas, como as
derivadas de estressores psicogênicos ou físicos, são oriundas da nossa forma
de encarar o problema e que, às vezes, podem ser percebidas diferentemente
por outros profissionais.
Em um sistema de produção animal, é importante que as pessoas
conheçam bem o comportamento normal dos animais com os quais irão
interagir. Por exemplo, os bovinos passam a exibir comportamentos incomuns
em decorrência da presença de fatores que promovem estresse,
principalmente, quando associados a erros alimentares.
A falta ou a provisão deficiente de um ou mais fatores que promovam o
bem-estar é que dará origem aos diversos distúrbios comportamentais vistos
nos animais.
O bem-estar pode ser caracterizado quando: a) o desempenho dos animais
for compatível com o propósito deles; b) quando se sentirem bem (p.ex., isentos
de dor ou medo); c) puderem exibir comportamentos típicos da espécie; d)
quando suas necessidades básicas forem suficientemente supridas
(alimentação, água, segurança) e e) quando viverem em ambiente adequado
com a sua natureza evolutiva. Aquilo que é considerado como “padrões
aceitáveis” e às vezes até propagados pelo meio acadêmico, do ponto de vista
comercial inclui animais geneticamente selecionados para elevadas
produções, alimentados com excesso de concentrados e aditivos
“miraculosos”; esses “valores” comerciais os retiram da sua zona de conforto
e traz drásticas consequências para a sua saúde e longevidade.

24
Por outro lado, muitas doenças ou estados carenciais cursam com
alterações comportamentais que precisam ser diferenciadas daquelas
causadas pela deterioração do bem-estar dos animais. Muitas vezes,
infelizmente, nos deparamos com animais estressados (p.ex., com medo)
devido a serem maltratados pelos funcionários. Em geral, esse estresse não é
difícil de ser detectado pelo olhar atencioso do profissional – sempre haverá
pistas, muitas vezes sutis, sobre o estresse que o rebanho possa estar sendo
submetido (Figuras 4-6). É preciso ficar atento, pois animais estressados não
produzem o esperado e seus índices reprodutivos sempre estão aquém do
ideal. Vacas criadas em presença de estressores produzem leite com elevada
CCS e geralmente têm baixa fertilidade e outras complicações da esfera
reprodutiva.

Figuras 4-5. Fraturas múltiplas nas vértebras caudais. Para conduzir mais
rapidamente as vacas para a sala de ordenha, que naturalmente eram calmas e
lentas, o funcionário, frequentemente, torcia a cauda delas e acabava por luxar as
vértebras. “Curiosamente”, esse rebanho tinha baixos índices de fertilidade e
elevada CCS no leite. Somente com o exame atencioso o profissional pode chegar
ao diagnóstico; nesse rebanho as vacas estavam com um enorme estresse
resultante dos maus-tratos a que eram submetidas.

25
Figura 6. Nó aplicado nas últimas vértebras caudais de uma búfala, o que configura
grave erro de manejo e notória perversidade (maus-tratos).

Ao se deparar com um repertório comportamental incomum, o profissional


precisa sempre obter um bom histórico e se atentar para a qualidade dos
funcionários, do manejo diário, da dieta e das instalações. No caso de serem
comportamentos não associados às doenças ou a estados carenciais, ele deve
orientar o pecuarista a melhorar as condições de criação, isto é, prover
enriquecimento ambiental, corrigir possíveis erros de manejo geral do rebanho
e treinar funcionários em relação aos conhecimentos sobre o bem-estar dos
animais.
Os ruminantes são herbívoros que foram selecionados, durante o
processo evolutivo, no ecossistema das pastagens, onde viviam em um
ambiente em condição de estresse reduzido e sem limitações ao seu bem-estar.

26
Porém, com a necessidade de se intensificar a produção animal, os
produtores alteraram, significativamente, o meio ambiente de criação, no qual
os animais passaram a ter que experimentar fontes externas, potencialmente
frustrantes, tais como a retirada do ambiente natural das pastagens (zero-
grazing), a restrição da livre movimentação, a elevada densidade populacional,
desequilíbrios nutricionais (p.ex., excesso de grãos, falta de fibra longa da
forragem), manejo alimentar inadequado e a imposição de ouvir, sentir, ver,
cheirar e viver na presença do homem e de elementos criados por ele (p.ex.,
ordenhadeira, currais, trator, lama e agulhadas).
O empobrecimento ambiental é caracterizado pela redução das
oportunidades de realizar, de forma rotineira e natural, as distintas atividades
diárias consideradas como normais (i.e., caminhar, pastar, correr, etc.) para os
animais. Nesse contexto, o confinamento e a criação a pasto representam o
máximo e o mínimo, respectivamente, do empobrecimento ambiental para os
ruminantes (Figuras 7-11).
Para exemplificar, muitos bovinos morrem de enfisema pulmonar em
decorrência de uma acentuada poluição ambiental dentro de confinamentos
excessivamente empoeirados (Figuras 12-16); bezerros morrem por
desenvolverem pneumonias intersticiais alérgicas ao inalarem vapores
oriundos de dejetos, em bezerreiros inadequados, superlotados e sem aeração.
O mesmo se aplica a bovinos transportados, via navios construídos de forma
inadequada para essa finalidade, ou quando haja superlotação mesmo em
embarcações adequadas.
O enriquecimento ambiental é sinônimo de aumento de complexidade
ambiental, possibilitando uma melhoria da funcionalidade biológica dos
animais e diminuição da sensação de tédio (Figuras 17-19).

27
Figuras 7-8. Vacas “empoleiradas” (perching); um sinal típico e sutil
de estresse pelo aprisionamento ou pelo confinamento. Essa postura
sobrecarrega os membros pélvicos e propicia várias lesões nos
ligamentos e nas unhas. Nesses ambientes criatórios a correlação
entre os altos valores de CCS e a baixa fertilidade do rebanho
geralmente é elevada. O profissional, ao desconhecer esses sinais,
fica sem saber o porquê que as medidas tomadas para reduzir a CCS
e melhorar a fertilidade podem não surtir os efeitos benéficos
esperados.

28
Figura 9. Empobrecimento ambiental em um confinamento de bovinos de leite, em
que a instalação: a) não permite as vacas andarem maiores distâncias e pastarem
naturalmente, b) gera adensamento populacional e c) tem um manejo alimentar
que utiliza mais grãos do que forragem, sendo esta ainda ofertada extremamente
picada.

29
Figuras 10-11. Vacas de leite com higromas bilaterais nas articulações
do tarso e carpo, relacionados a traumas constantes em piso concretado,
e cama insuficiente, em sistema de criação free stall.

30
Figuras 12-13. Empobrecimento ambiental, caracterizado por um ambiente
hostil, excessivamente empoeirado, seco e quente, com adensamento
populacional em um confinamento de bovinos de corte.

31
Figuras 14-16. Pulmão de bovino com acentuado e difuso enfisema intersticial e
alveolar, em decorrência de uma acentuada poluição ambiental. A Figura 16
evidencia detalhes do enfisema bolhoso à superfície de corte de um pulmão de bovino
que morreu com angústia respiratória.

32
Figura 17. Exemplo de enriquecimento ambiental. Vacas Jersey, pastejando
soltas em um piquete de Urochloa (Brachiaria) brizantha, adequadamente
sombreado.

Figura 18. Exemplo de enriquecimento ambiental. Ovinos mestiços de Santa


Inês com Dorper, criados em sistema de integração pastagens x produção de
coco. Os animais se beneficiam da sombra dos coqueiros e estes se beneficiam
da capina e dos dejetos gerados pelos ovinos. Tal integração, além de gerar bem-
estar aos animais, permite ter duas atividades econômicas na mesma área.

33
Figura 19. Exemplo de enriquecimento ambiental. Búfalas soltas em piquete com
abundância de pasto, água e adequado sombreamento.

Ressaltamos que a criação de búfalos, em áreas alagadiças, tem, por


parte dos leigos, a sensação de bem-estar – fato que tem base fisiológica, pois
esses animais realmente têm notória dificuldade em dissipar o calor corporal
(ver detalhes na parte referente ao estresse térmico em bubalinos). Entretanto,
ressaltamos que várias doenças são transmitidas pelo hábito dos animais se
banharem coletivamente em cursos d´água (p.ex., paratuberculose,
verminoses, tuberculose, dentre outras). Portanto, sugerimos que o estresse
térmico nos búfalos seja mitigado com sombreamento das pastagens, com
espécies florestais compatíveis com os animais, o que na Região Amazônica
não é difícil de serem encontradas. Entretanto, não podemos condenar as
criações existentes em determinados biomas que, naturalmente, possuem
abundantes cursos d’água (Pantanal, Baixada Maranhense, Ilha de Marajó);
nessas regiões essas são as únicas opções de criação.

34
O estresse pode ser comprovado, laboratorialmente, pelos altos valores
de cortisol no sangue. Por exemplo, no bovino, a cortisolemia normalmente se
situa entre 15 e 25 nmol/L; sob estresse pode atingir 60 a 200 nmol/L. Para
fins de diagnóstico, é importante saber que a secreção de cortisol segue um
ritmo circadiano, em que os picos são verificados pela manhã; para evitar erros
de interpretação de resultados, a coleta de sangue deverá ser feita também
pela manhã.
Muitas vezes, na lida com os animais, os humanos se comportam como
verdadeiros “predadores”, gritam e os acuam, às vezes até agredindo-os
fisicamente. Nessas condições, a reação que se pode esperar deles é o medo,
levando-os a fugir ou a atacar quando acuados. Esse tipo de reação se dá
através de uma forma de aprendizado, o condicionamento (ou aprendizado
associativo), pelo qual os animais estabelecem ligações entre determinadas
situações (envolvendo lugares, pessoas, etc.) e sensações. Se as sensações
forem negativas, os animais procuram evitar as situações associadas a elas,
fugindo, lutando, enfim, dificultando o manejo; já no caso delas serem
positivas, o manejo pode ser sensivelmente facilitado. Por exemplo: se
levarmos o gado para o curral, manejando-o com tranquilidade, sem gritos,
chicotadas e correrias, além disso, se houver viabilidade econômica,
fornecermos ração, reforçaremos o comportamento de que ir ao curral não é
uma atividade ruim ou danosa, e facilitando a realização desse mesmo
trabalho em situações futuras. O raciocínio inverso também se aplica, ou seja,
maus-tratos dificultarão o manejo futuro, inclusive levando a um aumento na
distância de fuga dos animais em relação ao homem. Ao considerar esses
princípios de aprendizado no manejo dos animais poderemos melhorar sua
eficiência, além de diminuir os riscos de acidentes. Assim, uma estratégia
interessante para melhorar as “relações” entre os vaqueiros e o gado é
aumentar as interações “positivas” entre eles, ou seja, o vaqueiro deve se
tornar um elemento que reflita segurança e bem-estar e, assim, adquirir a
confiança dos animais. Por vezes, se viável economicamente, a suplementação
com grãos durante a estadia no curral pode ser uma boa forma de minimizar
o estresse durante esse momento.

35
Em fazendas de gado de corte, é notório o ganho que se tem quando os
animais são manejados corretamente nos currais, de forma mais delicada,
passando mais tempo com eles, tanto a pé como a cavalo, e fornecendo rações
e suplementos. Com isto o gado se habituará à presença do homem e
estabelecerá uma relação positiva com ele.
O tipo de cercado que se usa nos currais e demais áreas de manejo pode
afetar diretamente a lida com os animais e a saúde deles. Por exemplo, troncos
com tábuas intercaladas por espaços abertos permitem que o gado se distraia
ou se assuste com acontecimentos ou pessoas que estão do lado externo; isto
faz com que os animais parem, recuem e tentem saltar, atrasando a conclusão
do trabalho; a vedação desses espaços na seringa pode diminuir o tempo de
entrada dos animais no tronco, além de ocorrer maior uniformidade das
respostas comportamentais e evitar acidentes sérios como os exibidos nas
Figuras 129-134. Nos corredores e seringas, deve-se evitar angulações e dar
preferência a instalações sinuosas.

36
2.1. ESTRESSE PSICOLÓGICO

Os ruminantes, quando criados em sistemas intensivos, sobretudo, se


submetidos à presença constante de variáveis que agravam ou potencializam
o estresse, podem desenvolver comportamentos estereotipados. As
estereotipias são definidas como movimentos repetitivos, regulares, da mesma
forma e, aparentemente, sem possuir nenhum propósito útil. Nas situações em
que algo obstrui o alcance de um dado objetivo, aparecem as “frustações”
cujas origens podem ser internas e/ou externas ao (s) indivíduo (s). As
“frustrações” são as principais forças geradoras das estereotipias nos seres
vivos. As manias também são fruto do estresse e a aerofagia (não raro, vista
em equinos presos em pequenas baias por longos períodos) é uma dessas,
entre tantas outras manias (Figura 35).
A seguir, descrevemos alguns dos principais distúrbios comportamentais
relacionados ao estresse psicológico em bovinos:

2.1.1. Alotriofagia devido à deficiência de fibra fisicamente efetiva – os


ruminantes são herbívoros que necessitam ingerir fibra para o perfeito
funcionamento de seu sistema digestório e, consequentemente, garantir a sua
saúde e bem-estar fisiológicos. Por desconhecimento ou negligência, em
algumas/determinadas criações os animais são alimentados com dietas
finamente moídas, e então exibem um quadro de perversão do apetite,
caracterizado por lamberem-se mutuamente (ingerir pelos), comerem madeira
ou cascas de árvores (Figuras 20-21) ou mastigarem cacos de telhas ou
pedras. Entretanto, é muito importante distinguir essas manifestações
oriundas da deficiência de fibra fisicamente efetiva, daquela perversão do
apetite causada pela deficiência de sódio e cobalto e até pelo estresse
psicológico.

37
Figuras 20-21. Búfalos roendo árvores por estarem deficientes em fibra
fisicamente efetiva, devido ao consumo prolongado de plantas aquáticas
(pobres nesse nutriente), durante o período de criação em “marombas”
na Região Amazônica. (Cortesia: Dr. Danilo Henrique da Silva Lima e Dr.
Henrique dos Anjos Bomjardim).

38
2.1.2. Lingueteio (tongue-playing) – o hábito de “brincar com a língua” é a
estereotipia vista com mais frequência nos ruminantes. Os animais costumam
ficar boa parte do tempo jogando sinuosamente a língua para fora da boca ou,
às vezes, abrem a boca e ficam enrolando a língua dentro da cavidade oral
(Figuras 22-25). Sua origem, ainda que desconhecida, provavelmente deve-se
a efeitos multifatoriais originados pelo empobrecimento ambiental, tais como
o confinamento por longos períodos, ausência (zero-grazing) ou pouco tempo
gasto pastando, excesso de alimentos finamente moídos e o aleitamento
artificial malfeito.

Figuras 22-25. Bezerras realizando lingueteio. Esses animais eram criados em piso
de terra batida, com elevada densidade populacional e sempre ingeriam volumosos
finamente picados, até a desmama.

39
Os ruminantes evoluíram, por milênios, vivendo em liberdade e utilizando
sua língua para sentir e coletar alimentos fibrosos de grande tamanho. Dessa
forma, são motivos geradores de “frustração”: a) a ausência ou o pouco tempo
disponibilizado para pastar; b) a oferta constante da dieta; c) a ingestão de
volumosos finamente moídos e d) a redução das atividades de caminhar
livremente, mastigar e ruminar. Portanto, a supressão de importantes
atividades orais (tempo gasto mastigando, ruminando e mamando) e o
empobrecimento ambiental (confinamento, estresse térmico e alta lotação)
devem ser os principais agentes desencadeadores da estereotipia de “brincar
com a língua”, vista nos bovinos. Vale lembrar que esse comportamento
estereotipado ainda não foi observado, por nós, em bovinos criados,
extensivamente, a pasto.

2.1.3. Morder canos, barras, madeiras e outros objetos (bar-biting) – são


comportamentos anômalos o hábito de mastigar canos ou barras de ferro
(Figuras 26-28), materiais plásticos (Figuras 29), madeira, trincos ou
cadeados. Esses materiais são utilizados, comumente, para a construção dos
abrigos onde os bezerros são criados, isoladamente ou não, em sistemas de
aleitamento artificial. Na maioria das vezes, esse hábito é um comportamento
repetitivo resultante da rápida ingestão de um grande volume de leite
(fornecido em baldes ou em mamadeiras, cujo bico teve seu orifício alargado,
e da visualização do tratador fornecendo leite aos demais bezerros. É normal
os bezerros, após o aleitamento artificial, realizarem as seguintes atividades:
chuparem ou mastigarem objetos presentes nos abrigos, explorarem o interior
do abrigo e, por fim, descansarem. No caso de caprinos e equinos esse
comportamento pode ser observado em criatórios com manejo intensivo e
inadequado, em ambiente empobrecido, no qual foi suprimido o hábito seletivo
de pastejo, e o ato de andarem em busca de uma variedade de alimentos, o
que gera estresse por se sentirem entediados (Figuras 30-35).

40
Figuras 26-28. Bezerras mordendo cano. A Figura 27 ainda exibe uma bezerra
chupando a orelha de outra após receberem, individualmente, 2 litros de leite,
via balde.

41
Figura 29. Bezerra mordendo uma bombona plástica.

42
Figuras 30-34. Réguas do capril desgastadas pelo ato de roer a madeira, em
um sistema de criação confinada e que proporcionava alto grau de estresse
aos animais. Nas Figuras 33-34 nota-se a perda do estojo córneo de uma
unha que enganchou entre as largas frestas das réguas do piso e o
crescimento excessivo de outra unha, pela falta de desgaste natural, causado
pelo confinamento e pela instalação malfeita. Tais sistemas criatórios não
prosperam economicamente e acabam por se auto extinguirem; mas, antes
disso causam um imenso sofrimento aos animais.

43
Figura 35. Porteira com várias réguas roídas por equino submetido a estresse.
Esse animal teve episódios de cólica.

2.1.4. Mamada cruzada ou não nutritiva (cross-sucking) – bezerros criados


coletivamente desenvolvem o comportamento de chuparem ou mamarem,
avidamente, partes de outros bezerros (orelhas, tetas, bolsa escrotal, prepúcio,
umbigo) (Figuras 36-42). Ao que parece, esse hábito (cross-sucking) é um
comportamento anormal oriundo de erros de manejo alimentar, em que os
animais são aleitados soltos dentro do bezerreiro e ingerem, rapidamente, um
grande volume de leite, em curto espaço de tempo. Tudo indica que a
minimização das atividades orais, traduzida pela redução do tempo de sucção
(causada pela rápida ingestão do leite, via balde ou mamadeira) e a competição
por leite (oriunda da criação coletiva) sejam os principais fatores que
desencadeiam o cross-sucking nos bezerros. Esse comportamento pode
permanecer ativo mesmo após a desmama, quando os animais se sentem
“frustrados” ao esperar o fornecimento de concentrados.

44
Nos casos mais extremos, alguns animais mamam até em si mesmos
(auto-mamada). O grande problema é que esse hábito pode resultar em danos
ao úbere (Figura 40), mastite, imediatamente ao primeiro parto, e descarte
antecipado dos animais que sofreram cross-sucking.

Figuras 36-37. Bezerra praticando cross-sucking em outra e em si própria.

45
Figura 38. Bezerro sugando a orelha de uma vaca.

Figura 39. Bezerro sugando a barbela de outro.

46
Figura 40. Úbere de uma bezerra que sofreu cross-sucking. Notar as
tetas nitidamente sugadas (colabadas) e com resquícios de saliva.

Figura 41. Várias bezerras realizando mamada cruzada.

47
Figura 42. Bezerra realizando mamada cruzada.

As formas de minimizar o cross-sucking seria aleitá-los em separado


(amarrá-los, distantes uns dos outros, no momento do aleitamento e, após
mamarem, deixá-los 10 a 15 minutos presos), evitar ofertar o leite em baldes,
dar preferência a sistemas que usem tetas artificiais cujo furo na ponta do
bico possui diâmetro reduzido. Após a ingestão do leite, deve-se fornecer um
pouco de água (via qualquer sistema com teta artificial) ou lavar a boca (isso
remove o gosto do leite na boca dos animais) e retirar do grupo o animal que
porventura, apareça com essa alteração, pois se especula que os animais
aprendam, por imitação, a fazer o cross-sucking. É importante deixar claro que
a mamada não nutritiva não é observada em bezerros criados junto com suas
mães, no ecossistema das pastagens, livres de estresse e do “tédio” ambiental.

48
2.1.5. Pressionar o nariz contra objetos (nose-pressing) – o hábito de
pressionar o plano nasal contra paredes ou objetos (Figuras 43-44) é outro
comportamento ligado às “frustrações” ou a alguma forma de medo ou
estresse (i.e., zero-grazing, confinamento ou adensamento populacional,
incapacidade de descansar devido ao aprisionamento ou ao excesso de lama
no ambiente). Ainda que sem comprovação científica, curiosamente, em tais
ambientes criatórios são elevados os problemas com mastites, retenção de
placenta, perda precoce da prenhez, assim como baixa taxa de fertilidade.
Deparando-se com vacas realizando nose-pressing, o profissional deve se
alertar para esse problema e saber que a solução dele, em ambientes
estressores, é muito difícil, pois tem etiologia multifatorial, e que não há
“mágicas” nutricionais ou medicamentosas que possam ser úteis nesse tipo
de criação. Vale lembrar que esse comportamento não é visto em vacas, de
corte ou de leite, criadas soltas no pasto.

49
Figuras 43-44. Vacas realizando nose-pressing. Acima, vaca
mantida, boa parte do dia, aprisionada por corrente.

50
2.1.6. Erros de manejo que causam estresse (disputa por hierarquia e
sodomia) – como os bovinos são animais gregários, a competição pelos
diversos recursos ambientais entre eles é uma constante diária. Do gregarismo
originam-se interações agressivas entre animais de um mesmo grupo que, sob
condições naturais, são controladas por mecanismos que definem padrões de
organização social entre os indivíduos de um ou mais grupos. A definição do
espaço individual bem como a distância de fuga possui importante papel no
arranjo social do rebanho.
Existem dois padrões de ordem social dentro de um grupo de bovinos: a
hierarquia de dominância e a liderança durante a movimentação. A primeira
é fruto das interações agressivas entre os indivíduos de um mesmo grupo ao
competirem por um dado recurso ambiental (Figura 45). Isso sugere
precaução na formação dos lotes em sistemas intensivos de produção
(confinamentos, free-stall, etc.) sob risco de ser gerado um constante estado
de estresse nos animais. Com relação à movimentação dos animais, sempre
há um pequeno grupo que começa o deslocamento, sendo então seguido pelos
demais; os animais desse grupo são os líderes, que necessariamente não são
os animais mais agressivos nem os mais fortes; por exemplo, em fazendas de
cria as vacas que iniciam o deslocamento e guiam o restante do rebanho são,
via de regra, as mais velhas.

51
Figura 45. Reprodutor Holandês, com estado de alerta diminuído, boca
parcialmente aberta (“mandíbula solta”), em decorrência de
traumatismo craniano (fratura dos seios frontais), provocada por briga
com outro animal. A criação de touros inteiros e em grupos favorece a
competição por hierarquia. O manejo adequado evita acidentes dessa
natureza.

52
Erros frequentes devido ao desconhecimento da existência dos dois
padrões de ordem social dos bovinos são praticados por ocasião da
suplementação mineral, onde os fazendeiros usam cochos com 1 a 2 cm de
espaço linear por animal (p. ex., lotes de 100 ou mais animais suplementados
em cocho de 1,5 m de comprimento). Outra situação errônea, muito comum,
ocorre na suplementação protéico-energética, ao se utilizar cochos de
tamanho inadequado (< 5 cm/animal). Nas duas situações, os animais líderes
são os primeiros a chegarem nos cochos, consomem os produtos e quando se
retiram, os demais animais liderados os seguem, muitas vezes sem ingerirem
os suplementos. Estima-se que cerca de 10 a 15% dos animais não ingerem
suplementos minerais devido a dominância por hierarquia e de influência da
liderança de movimentação.
Se a formação de grupos for feita de acordo apenas com o interesse
humano, com o objetivo de facilitar o manejo diário, a organização social pode
ser afetada. Por exemplo, bovinos submetidos a condições de alta densidade
populacional acabam por terem seu espaço individual violado, o que pode
resultar num aumento de agressividade e estresse. Quando os grupos são
enormes os animais podem ter dificuldades em reconhecer cada companheiro
e em memorizar suas posições na hierarquia social do rebanho, o que também
aumenta a probabilidade de interações agressivas. Como consequência, os
animais mantidos em grupos com elevada lotação, têm redução do
desempenho individual e desenvolvem distúrbios comportamentais, o que
reflete a degradação das condições que levam ao bem-estar desses animais.
Não é conhecido nem definido qual o tamanho máximo ou ideal que um
grupo de bovinos deva ter. É importante que o lote seja estável em sua
composição, uma vez que qualquer alteração, sobretudo a entrada de novos
animais, irá alterar a hierarquia social já definida e poderá gerar impactos
negativos na produção e no bem-estar.

53
Apenas para reforçar, citamos dois exemplos de introdução de animais
novos em um lote e suas consequências: a) novilhas, logo após o parto, não
devem receber alimentação junto com vacas, pois estas inibem o consumo de
alimentos das novilhas, e isso irá reduzir a produção de leite e também a
futura fertilidade, pela queda da condição corporal das novilhas e b) touros
jovens, recém-comprados não devem ser inseridos no mesmo lote de touros
erados, já antigos na fazenda – caso isso ocorra, a hierarquia de dominância
fará com que esses tourinhos copulem com poucas vacas dentro da estação
de monta e isso irá reduzir a taxa de fertilidade do rebanho.
A maior variação no peso dentro do grupo também é um fator importante,
pois o número de interações agonísticas é maior em grupos com grande
discrepância nos pesos dos animais quando comparadas com lotes cuja
variação no peso é menor. A dominância se dá pelas interações agressivas
entre os animais do mesmo grupo ao disputarem por alimentos dispostos nos
cochos, sobretudo quando o espaço disponível destes é limitado. Mesmo
quando criados em pastagens, a oferta de suplementos alimentares aos
bovinos sempre propicia disputas.
Também devem ser considerados o temperamento dos animais
(agressivos ou não) e suas relações com os demais animais do grupo. Animais
muito agressivos ou muito submissos devem ser retirados do lote, pois os
primeiros interferem no consumo de alimentos e geram elevado grau de
estresse nos demais, e os últimos, são agredidos com frequência, não se
alimentam adequadamente ou são subjugados por comportamentos
anormais, como a sodomia (Figuras 46-48).
Não é raro, em fazendas de gado de corte, ver uma vaca multípara
dominante e agressiva, em seu próprio trabalho de parto, expulsar outra vaca
ou novilha recém-parida tentando tirar-lhe a cria. Acontece que após
apropriar-se do bezerro alheio e expulsar a outra fêmea, ao terminar seu parto,
ela opta por um dos neonatos, abandonando o outro.

54
Tal comportamento não é incomum, principalmente em propriedades
cuja estação de monta é curta, especialmente quando nulíparas e vacas
compartilham o mesmo pasto maternidade. Neste caso a atenção do(s)
responsável(veis) pelo cuidado com os recém-nascidos é fundamental para
evitar o problema.
Uma vez definida a hierarquia social em um grupo a ordem é
relativamente estável e as posições respeitadas; disputas e desavenças são
raras e as categorias são mantidas com simples ameaças; os atritos
aparecerão quando animais estranhos forem introduzidos no lote.
Atualmente, com base em estudos que comprovam que é possível obter
melhores resultados no ganho de peso e na qualidade final da carcaça, alguns
criadores têm optado por manter os animais não castrados nos confinamentos
ou nas pastagens. Porém, lotes de animais inteiros pós-púberes, com grande
variação de peso e submetidos a elevadas taxas de lotação, sobretudo em
presença de outros fatores externos, como estresse térmico, espaço reduzido
de sombra e excesso de lama, passam a exibir a sodomia, que é um distúrbio
comportamental que se caracteriza quando um animal é repetidamente
montado por outro(s), maior(es) e mais forte(s), que acaba(m) por feri-lo ou até
mesmo levá-lo à morte. A sodomia pode estar mais relacionada com o
empobrecimento ambiental e com a degradação do bem-estar dos animais do
que propriamente com o desejo sexual. Os animais dominantes, que saltam
repetidamente sobre os outros, lesionam as unhas posteriores (Figura 49),
pois a intensa pressão do peso sobre as unhas causa danos à microcirculação,
o que origina hematomas na sola, seguidos por ulcerações nas mesmas. Essas
lesões podais interferem negativamente no consumo de alimentos, reduzem o
ganho de peso, comprometem a saúde dos animais e geram despesas
consideráveis com o tratamento.

55
Figura 46. Bovino Mestiço das raças Gir e Holandês, macho inteiro, criado em
ambiente de pastagem e praticando sodomia. Notar que durante o salto o
sodomizador atrita a região do talão contra o solo, demonstrado pela poeira
levantada.

56
Figuras 47-48. Bovinos Nelores machos, inteiros, criados em ambiente
de pastagem e praticando sodomia.

57
Figura 49. Severa lesão traumática das unhas do bovino da Figura 48, ocasionada
pela prática da sodomia.

Na Região Amazônica, muitas pastagens foram formadas após intenso e


indiscriminado desmatamento cuja resultante foi a degradação dos solos, a
ausência de produtores naturais de sombra e a grande incidência de tocos e
troncos, que atuam como obstáculos naturais à locomoção dos animais. Nessa
região, caracterizada por intensa precipitação pluviométrica, é comum os
animais permanecerem em pastos alagadiços ou bastante úmidos e terem que
caminhar por quilômetros em estradas formadas por pedriscos (piçarra) para
serem manejados em currais muitas vezes inapropriados. A sodomia,
originada pela manutenção de machos inteiros criados nas circunstâncias
descritas acima, é um potencial agente traumatizante das unhas dos bovinos.

58
2.2. ESTRESSE FÍSICO

Como principais atores do estresse físico, destacamos o estresse térmico,


o transporte, os desequilíbrios nutricionais (tanto a fome, quanto as dietas
com concentrações equivocadas de nutrientes, que levam à obesidade e a
problemas metabólicos), uso de materiais inadequados ou inapropriados para
a lida com os animais, trabalho e exercício físico forçado e/ou intensos,
instalações inadequadas, traumas por objetos de contenção, práticas de
manejo obsoletas, inadequadas ou cruéis, imperícia em manobras técnicas,
cirurgias malfeitas, impróprias e até criminosas, e outras condutas abusivas,
tal como agressões aos animais (Figuras 50-52; ver também as Figuras 4-6).

Figura 50. Vaca Gir, recém-parida, com estado de alerta


diminuído, causado por traumatismo craniano que
resultou em afundamento do seio frontal esquerdo,
provocado pelo proprietário.

59
Figuras 51-52. Vaca mestiça de Gir x Holandês que, em face da
subnutrição por falta de forragem, foi pastar em área alagadiça e atolou-se;
foi tracionada por trator, o que resultou em lesão medular. No intuito de
recuperar a vaca, o proprietário a colocou em um girau, em área descoberta,
o que culminou em extrema desidratação, sofrimento e morte.

60
2.2.1. Estresse térmico – é definido como a inabilidade do animal em dissipar
calor para manter a sua homeotermia. O estresse térmico reduz a
produtividade e as eficiências reprodutiva e de utilização de alimentos. Para
minimizar a produção diária de calor as vacas, sob estresse térmico, reduzem
sua atividade física, aumentam a frequência respiratória e reduzem a ingestão
de alimentos. Há também uma significativa redução do tempo gasto
ruminando, pois muito calor é produzido pela atividade muscular durante a
ruminação. Há mudança no padrão alimentar, caracterizada pela ingestão
mais frequente de pequenas quantidades de alimento, do aumento da escolha
por concentrados em detrimento da forragem e da maior participação do
consumo noturno, quando a temperatura ambiente é menor. A redução do
tempo de ruminação, associada à maior preferência por grãos, e a perda de
CO2 e/ou HCO3=, em decorrência da intensa sialorreia e da taquipneia
(Figuras 53-54), aumentam, significativamente, o risco de acidose ruminal e
metabólica. A acidose ruminal e a redução do tempo de ruminação propiciam,
respectivamente, um decréscimo na digestibilidade da fibra devido à menor
atividade das bactérias fibrolíticas ruminais e um maior escape ruminal de
partículas fibrosas de grande tamanho, as quais irão aparecer nas fezes
(Figura 58).
Bovinos submetidos a estresse térmico, especialmente os taurinos
(Figuras 55-56), procuram áreas sombreadas e fontes de água para se
refrescarem; não obstante sejam mais resistentes, os zebuínos também sofrem
com o estresse térmico (Figura 57).

61
Figuras 53-54. Vacas Jersey submetidas a estresse
térmico. A maioria com a boca aberta, com taquipneia e
intensa sialorreia.

62
Figuras 55-56. Vacas taurinas criadas em ambiente quente e úmido e
padecendo de severo estresse térmico.

63
Figura 57. Rebanho de vacas Nelore, criadas em fazenda de mais de 400
ha, onde a maioria dos pastos não tinha árvores ou quando tinha, às
vezes, era uma única para prover sombra para dezenas de animais. Essa
crença de que zebuínos não sofrem com o calor está, obviamente,
totalmente equivocada e esse pensamento precisa ser corrigido.

Figura 58. À esquerda e ao meio, fezes de vacas lactantes submetidas a


estresse térmico. À direita, fezes de vaca lactante mantida em pastagem
com acesso à sombra.

64
O estresse térmico também tem influência negativa sobre os hormônios
da reprodução. Durante os meses de verão, há redução nos níveis circulantes
de estradiol e elevação do cortisol. Há evidências científicas de que o estresse
térmico tem um efeito deletério sobre a qualidade dos oócitos das búfalas, os
quais podem ser mais sensíveis ao calor do que os oócitos dos bovinos. O
búfalo é um animal de intensa pigmentação epidérmica (pele de cor preta), o
que nas regiões tropicais tem um efeito benéfico para os animais, pois a
melanina protege a derme contra os raios ultravioleta, que podem causar
dermatopatias. Mas, pelo fato de terem a pele e os pelos pretos, os búfalos
refletem menos a luz solar e absorvem muito mais o calor do ambiente. Ao
nascer, são dotados de abundantes pelos e, com o avançar da idade, sofrem
natural rarefação pilosa.
Os bubalinos possuem um sistema de termorregulação menos eficiente
que os bovinos, devido à sua limitada capacidade de transpiração. Por isso, as
medidas recomendadas e adequadas para garantir a homeostase térmica
incluem: a) evitar que os animais estejam expostos à intensa radiação direta
e b) favorecer os mecanismos de perda de calor para o ambiente. Em ambos
os casos, a intervenção humana com boas práticas de manejo gera resultados
positivos.
A oferta de sombra em áreas de pastagens é essencial para atender às
demandas produtivas e de bem-estar animal (Figuras 59-60). O uso de
sombreamento é o método mais simples, barato e eficaz para minimizar o
impacto da radiação solar sobre os animais. A sombra ofertada pode ser
natural ou artificial (“sombrite”). Temos observado, sobretudo no bioma
amazônico, que alguns produtores desmatam excessivamente suas pastagens
e acabam fazendo o contrassenso de optarem por construções de
sombreamento artificial, muitas vezes mais caro e com menor eficácia.

65
Como já dito anteriormente, outra característica marcante dos búfalos,
além de se abrigarem à sombra, é a de buscarem água para imersão nos
momentos mais quentes do dia, com o objetivo de se termorregularem melhor
(Figuras 59-60). Contudo, como amplamente divulgado, a água é um recurso
natural finito e seu suprimento (sobretudo de água potável) tem se tornado
escasso em algumas regiões. Por outro lado, a agropecuária é uma atividade
com notória demanda hídrica. Por isso, o acesso dos búfalos a áreas naturais
de banhados ou a tanques artificiais, no intuito de se banharem, tem se
tornado alvo de nossos questionamentos, seja pelas questões sanitárias ou
pelo aspecto ambiental. Ressaltamos que animais que têm acesso a água de
qualidade inferior, rica em matéria orgânica em decomposição (fezes, urina,
algas e outros dejetos e resíduos) podem ter sua produtividade e sanidade
comprometidas pois, águas contaminadas veiculam patógenos de inúmeras
enfermidades, como tuberculose, verminoses em geral, paratuberculose,
botulismo, dentre tantas outras (Figuras 61-62; 65-66). Por isso, o
sombreamento natural é o ecologicamente mais recomendável para proteger
os animais e, ao mesmo tempo, favorecer o meio ambiente. Além disso, é fato
bem documentado na literatura que os sistemas silvipastoris, por gerarem um
microambiente muito mais adequado, são capazes de produzir forragens com
maior qualidade. Também há uma significativa contribuição ao sequestro de
carbono pelas árvores plantadas nesses sistemas, o que obviamente colabora
na mitigação do efeito estufa. Em resumo, as vantagens dos sistemas de
sombreamento natural são notórias e benéficas aos animais, aos humanos e
aos ecossistemas.
Também chamamos a atenção de que a água fornecida através de
bebedouros sem a devida fiscalização e limpeza (Figuras 61-62) é tão ruim
quanto a dos depósitos naturais (aguadas, córregos ou lagoas). Os bebedouros
devem ter altura e vazão adequados à espécie e ao número de animais, devem
ser limpos periodicamente e com oferta de água de boa qualidade (Figuras 63-
64).

66
Figura 59. Búfalos criados em ambiente de pastagem sombreada e
com adequada oferta de forragem.

Figura 60. Búfalos criados em ambiente de pastagem sombreada e


com adequada oferta de água de beber e para se refrescarem.

67
Figuras 61-62. Exemplos de bebedouros contendo água de péssima
qualidade.

68
Figuras 63-64. Exemplos de bebedouros
contendo água de boa qualidade.

69
Figuras 65-66. Acima, bovinos e equinos tendo que beber água de baixa
qualidade (i.e., com fezes, urina e com algas verdes e vermelhas que
crescem com excesso de material orgânico - eutrofização). Abaixo, búfalas
defecando em uma aguada/lagoa.

70
2.2.2. Erros de manejo em transportes – aqui queremos destacar que vários
sistemas modernos de criação, associados a segmentos da cadeia alimentar
brasileira, não mais admitem que sejam utilizados transportes rodoviários ou
aquaviários que induzam traumas de diversas gravidades durante o
embarque, transporte e desembarque dos animais (Figuras 67-82).
Entretanto, ainda é muito comum a ocorrência de acidentes que geram
hematomas, escoriações, lacerações, rompimento de tendões e ligamentos,
descolamento do estojo córneo dos cornos, das unhas e dos cascos, bem como
graves fraturas durante esses transportes inadequados. Não raro, a
negligência durante o transporte de gado vivo, especialmente destinado à
exportação, é comumente exibida, e associada à prática de maus-tratos. Por
motivos de economia do número de veículos e de combustível, os bovinos são
transportados em caminhões, de um ou dois andares, muitas vezes
superlotados, onde os animais são acomodados lado a lado, em viagens
extenuantes de centenas de quilômetros, desde a fazenda de criação, em
estação, sem que possam comer ou ingerir líquidos de forma adequada. Ainda
são sujeitos a acidentes de diversas magnitudes em função da velocidade
atingida pelos caminhões, frenagens, curvas, estradas com problemas
estruturais, etc. Por todo o trajeto são expostos às fezes, urina e vapores, sob
regime de muito estresse, caindo uns sobre os outros e provocando sérios
traumas e até mesmo fraturas. Não se deve fechar os olhos para essa
realidade; devemos refletir que não podemos caminhar rumo ao futuro e à
modernidade sem considerar que essas práticas são obsoletas e
autodestrutivas.
Por outro lado, são penosas as longas caminhadas por estradas ou
caminhos pedregosos, e é nítido o comportamento dos animais em tentar
evitar a dor causada pelos obstáculos a que são impostos, sem contar as
consequências de inúmeras patologias que provocam nos cascos e unhas. Tais
caminhadas afetam a saúde o ganho de peso dos animais, sem contar o risco
de atropelamentos e danos muitas vezes trágicos, tanto para os humanos
como para os animais (Figura 82).

71
Figuras 67-68. Lesão ulcerativa na base da cauda de um equino devido ao
enfaixamento inadequado/malconduzido, para preparação para longa
viagem em transporte rodoviário; como consequência houve necrose e
perda da cauda.

72
Figuras 69-72. Transporte aquaviário de gado vivo. Animais pisoteados e
excessivamente adensados em porão de navio. Cortesia Prof. Carlos Magno Oliveira.

73
Figura 73. Transporte aquaviário de gado vivo. Cauda com fraturas e perda da
extremidade, em decorrência do pisoteio. Cortesia Prof. Carlos Magno Oliveira.

74
Figuras 74-76. Transporte aquaviário de gado vivo. Adensamento populacional em
bovinos transportados em navio. Devido à má ventilação/exaustão, houve excesso
de amônia no ambiente e os animais desenvolveram ceratoconjuntivite química e
acentuada epífora. Muitos ficaram completamente cegos. Cortesia Prof. Carlos
Magno Oliveira.

75
Figura 77. Vacas com traumas na cauda e na tuberosidade isquiática, em
decorrência de atrito constante na estrutura da gaiola de transporte, que era de
tamanho insuficiente.

76
Figura 78. Laceração cutânea na fronte Figura 79. Laceração e desprendimento
de um equino, causada na gaiola de da pele da região do metatarso até o
transporte, durante um manejo boleto, em equino transportado em gaiola
inadequado no desembarque. com fenda no assoalho.

77
Figuras 80-81. Vacas mestiças de Holandês x Zebu, em trabalho de
parto, que foram transportadas inadequadamente, sem cama, em
carrocerias. Esse tipo de transporte, com frequência, induz a lesão
irreversível dos nervos periféricos.

78
Figura 82. Bovinos sendo conduzidos em rodovia asfaltada, o que
representa risco para o rebanho (lesões podais e atropelamentos),
bem como para os humanos.

79
2.2.3. Desequilíbrios e erros alimentares (superalimentação,
subalimentação); a omissão e os excessos no manejo nutricional –
entendemos por má nutrição, tanto a sub quanto a superalimentação. Este é
um aspecto chave na produção animal, pois animais malnutridos são
propensos a desenvolverem inúmeros problemas. Não se pode esquecer que
os herbívoros evoluíram, por milhões de anos, no ecossistema das pastagens;
portanto, suas dietas sempre tiveram elevados teores de fibra e baixas ou
moderadas concentrações de carboidratos não estruturais, nitrogênio e
energia. Erros conceituais nascem ao se desconsiderar esse aspecto evolutivo
dos herbívoros.
Podemos exemplificar como erros nutricionais: a) as dietas com restrições
quantitativas (p.ex., fome na época seca, por falta de um adequado
planejamento forrageiro, ou o aleitamento insuficiente dos bezerros nascidos
em rebanhos de produção de leite); b) as dietas desbalanceadas ou
equivocadas (i.e., falta de fibra fisicamente efetiva e os excessos de proteína,
minerais ou aditivos, por vezes injustificáveis) e c) os excessos nutricionais que
acometem os animais, quer por ignorância de quem formula as dietas ou pelos
donos, que ao desconhecerem a ciência da nutrição animal, acabam por
proverem mais nutrientes do que os animais realmente necessitam. Tais
excessos nutricionais são frequentemente vistos em bovinos de leite
confinados e são responsáveis por inúmeros problemas metabólicos (p.ex.,
acidose ruminal, cetose, síndrome do fígado gordo e deslocamento do
abomaso).
Além do sofrimento dos animais, todos esses “problemas” nutricionais
causam prejuízos econômicos aos criadores. Ou seja, não há o menor senso
lógico em não se investir em um manejo nutricional correto, que respeite a
evolução e a fisiologia dos animais.
Em relação à superalimentação, o confinamento de bovinos de corte tem
sido uma prática adotada, muitas vezes em função de apelos comerciais, em
ambientes cada vez mais competitivos, e induz os criadores a incrementarem
a produção de proteína animal com a chamada dieta “alto grão” (i.e., com baixa
fibra).

80
Tais dietas contêm elevadas quantidades de concentrados (>80%),
fornecidos, por vezes, sem uma correta adaptação dos animais e dos
microrganismos ruminais, e que podem desencadear casos de acidose
ruminal, que por sí agrega muitas outras patologias como consequência (p.ex.,
ruminites bacterianas e micóticas, laminite, acidose metabólica sistêmica,
abscessos hepáticos, síndrome da veia cava e quadros septicêmicos), além de
considerável desperdício de dinheiro.
A produção de animais “superprecoces”, com vistas à produção de carne,
ou à superprodução de leite, com rendimentos que superam 80kg de leite/dia,
é uma “violência” embutida e velada que ocorre comumente em bovinos
confinados. Esses elevados índices de produção embevecem e envaidecem
certos criadores que, muitas vezes até cientes dos problemas que causam,
fazem questão de camuflar as consequências danosas, e exaltam e
propagandeiam as altas produtividades em leilões e programas de TV, mesmo
sabendo que estão corroendo ou exaurindo a saúde e causando uma vida
ainda mais efêmera a esses animais.
Os erros, muitas vezes até intencionais, na relação forragem:concentrado
são corriqueiros e os variados quadros (hiperagudo, agudo e crônico) da
acidose ruminal podem determinar uma enorme gama de sinais clínicos
(digestórios, sistêmicos, neurológicos e locomotores) que evoluem para o coma
e morte.
A superalimentação leva à obesidade, que geralmente conduz ao
sedentarismo. Essa dupla condição leva os animais à subfertilidade,
problemas no aparelho locomotor, à síndrome do fígado gordo, ao alto risco de
cetose clínica (Figura 83-91) e, consequentemente, ao encurtamento da vida
útil desses animais. Por exemplo, um ovino macho da raça Santa Inês, sob
condições normais de criação/alimentação, pesa entre 70 e 90 kg – muitas
vezes nos deparamos com reprodutores pesando 100 a 130 kg, o que
obviamente compromete o aparelho locomotor e digestório, bem como a
eficiência reprodutiva, pelo fato de ficarem muito tempo deitados.

81
Figuras 83-84. Ovinos da raça Santa Inês, superalimentados com excesso
de grãos.

82
Figuras 85-86. Ovinos, da raça Santa Inês, obesos e sedentários em
consequência da superalimentação com excesso de grãos.

83
Figuras 87-88. Ovinos da raça Dorper, confinados e
superalimentados com excesso de grãos. Caso sejam
submetidos à atividade reprodutiva, nesta situação de
obesidade e sedentarismo, poderão desenvolver quadros
graves de cetose clínica.

84
Figuras 89-90. Achados durante a ruminotomia do ovino da Figura 86.
Notar o conteúdo ruminal fluido e leitoso e com excesso de grãos; há
desprendimento da mucosa do rúmen e acentuada hiperemia.

85
Figuras 91. Esteatose hepática difusa grave em decorrência de
excessiva mobilização de gordura do tecido adiposo para o fígado.
Superfície de corte do fígado do ovino da Figura 86.

No que diz respeito à subalimentação, não nos referimos aqui às


deficiências de energia, proteína ou de minerais, claramente dependentes das
condições ambientais, mas sim nas falhas de manejo por omissão, negligência
e até criminosas (Figuras 92-100). Ela ocorre menos de forma ocasional, e as
formas crônicas são as mais graves, o que obviamente compromete as
condições fisiológicas dos animais. Essas situações a que nos referimos são
aquelas em que os animais são deixados, negligentemente ou
intencionalmente, com fome ou subalimentados. Essas condições, muitas
vezes, são observadas quando as relações humanas (patronais) estão fora dos
padrões éticos; as consequências indiretas, para atingir o “alvo”, acabam por
recairem sobre os animais. A falta de enfrentamento ou de diálogo redunda
em prejuízo coletivo; nesse caso o fazendeiro, o(s) funcionário(s) e os animais.
O resultado é a predisposição a doenças e ao decréscimo produtivo e
reprodutivo. Por outro lado, a ganância também pode resultar em expor os
animais à subalimentação, sem respeitar a categoria animal (peso corporal,
sexo, estado atual – crescimento, terminação, gestação ou lactação).

86
O problema se estende desde a negligência com os neonatos, que podem
ser severamente afetados, se não receberem colostro ou leite suficiente, até os
animais que são submetidos à competição por alimentos, em
ambientes/estábulos superpopulosos ou em pastagens superpastejadas.
Por outro lado, ressaltamos que a carência alimentar, oriunda de secas
prolongadas ou por incêndios criminosos, nada têm a ver com o planejamento
forrageiro errado. Tal situação ocorre à revelia da vontade dos criadores e vem
sendo cada vez mais frequente, quer por força das alterações climáticas ou
pelo fato de que os piromaníacos quase sempre não são apanhados em
flagrante delito ou quando o são, a dosimetria das penas é branda.
Os casos a que nos referimos neste livro fazem alusão aos criadores
negligentes ou que desconhecem as técnicas de produção e conservação de
forragem e desejam o aumento da produtividade às expensas de uma
superlotação das fazendas.

87
Figuras 92-93. Bezerro e vaca em condição corporal ruim em
decorrência da extrema escassez de forragem.

88
Figura 94. Vaca em condição corporal de caquexia em decorrência de
extrema escassez de forragem.

Figura 95. Equino com caquexia e prostração devido à extrema fraqueza


em decorrência de escassez de alimento.

89
Figuras 96-97. Búfalos em condição corporal de caquexia em
decorrência de extrema escassez de forragem.

90
Figura 98. Búfalas adultas, mestiças Murrah com Jafarabadi, com baixo
escore corporal, se alimentando em uma lixeira devido à escassez de
forragem (fome crônica).

Figura 99. Ovelha em estado nutricional ruim devido à baixa oferta de


alimento.

91
Figura 100. Ovelha em extrema magreza, em início de lactação, devido à
baixa oferta de alimento.

92
2.2.4. Uso de materiais inadequados para o manejo com os animais
(ferrão, choque elétrico, esporas e arreios)

Infelizmente, em boa parte das vezes em que fomos chamados para


atendimento aos produtores rurais nos deparávamos com situações de manejo
inadequadas, penosas ou até mesmo perigosas à vida dos animais. A
permanente qualificação da mão de obra é fator fundamental para a lida calma
e segura com os animais. A seguir descreveremos os principais instrumentos
ou materiais que consideramos inapropriados para a lida com os animais de
produção.

Ferrão – em muitos lugares do país são usados bastões munidos de uma


estrutura pontiaguda (ferrão) para “tocar” os animais. Isso é hábito comum de
vaqueiros que trabalham com “bois de carro” (Figuras 101-102) ou durante o
manejo dos bovinos nos troncos de contenção. Tal prática precisa ser abolida,
pois além do estresse e dos ferimentos e suas consequências, há também a
depreciação do couro (Figura 103). Por outro lado, cresce a conscientização
de que os bovinos podem e devem ser manejados sem o uso de tais ferrões e
que o emprego de bandeirolas é muito mais eficaz para conduzi-los no dia a
dia das fazendas com um mínimo de estresse.

93
Figuras 101-102. “Candeeiro” empunhando uma vara com um
ferrão metálico na ponta. Essa pessoa, embora muito zelosa com
seus bois de carro, não utiliza essa vara com ferrão para maltratar
os animais. Por questões culturais seculares, ele usa esse
instrumento; aqui ele estava fazendo o treinamento de quatro
garrotes novos. Figura 102. Detalhe do ferrão.

94
Figura 103. Arranhadura causada por objeto perfuro-lacerante (ferrão) em
bovino.

Uso do choque elétrico no manejo dos animais - sob regime de muito


estresse os bovinos são provocados pelos vaqueiros/boiadeiros, não raro
munidos de equipamentos chamados de picanas elétricas, os quais são
usados para desferir descargas elétricas, para que entrem nos veículos ou não
se deitem no assoalho destes (Figura 104). O choque também é comumente
usado durante o manejo dos bovinos de corte nos troncos de contenção.
Obviamente, tal prática precisa ser terminantemente abolida no meio
criatório.

95
Figura 104. Transporte aquaviário de gado. Utilização de aparelho de
choque, no intuito de fazer o bovino se levantar em porão de navio. Cortesia
Prof. Carlos Magno Oliveira.

Esporas – às vezes nos deparamos com vaqueiros utilizando esferas metálicas


serrilhadas que, uma vez presas nas botas, servem de ferramenta para
arranhar a região abdominal dos equídeos; essas esporas produzem lesões
repetitivas, e à medida que os animais são usados na lida diária no manejo do
gado os ferimentos se aprofundam, sangram e são expostos à infecção
secundária (Figura 105). Já são comercializadas esporas com rosetas menos
pontiagudas, de extremidades achatadas ou mais arredondadas (Figura 106).
Independente do seu formato, essas continuam funcionando como como
ferramentas de estresse para os animais (Figura 107-108).

96
Figura 105. Extensa ferida no abdome ventro-lateral de equino, causada
pelo uso frequente de espora metálica.

Figura 106. Espora fabricada em aço de alta resistência, mas com roseta
de seis pontas rômbicas.

97
Figura 107. Espora fabricada em aço, com boa parte de sua estrutura
encapada com couro. A roseta está protegida por uma estrutura metálica
que minimiza as lesões na pele. Cortesia do Dr. Tiago N.P. Valente.

Figura 108. Espora fabricada em aço de alta resistência, com roseta de seis
pontas agudas, sem proteção.

98
Arreios – arreios antigos, malconservados, com sujidades e deformidades
causam ferimentos nos pontos de contato dessas arestas com a pele. Essas
lesões são vulgarmente chamadas de “pisaduras”. As consequências variam
desde leves erosões até ulcerações da pele que podem se agravar com infecções
secundárias e miíases, e causam incômodo, dor e irritação (Figuras 109-110).

Figuras 109-110. Lesão cutânea ulcerativa crônica (“pisadura”) em equino,


decorrente de atrito frequente de arreios com arestas.

99
2.2.5. Trabalho e exercício físico forçado e intenso – esse tipo de
exploração pode resultar em traumas de estruturas importantes com
comprometimento da saúde dos animais e redundam em exaustão até a
morte. São exemplos as miopatias de esforço em equídeos que estavam
submetidos a repouso prévio e naqueles animais excessivamente perseguidos
e que acabam por adquirir graves lesões musculares e renais, que muitas
vezes culminam com a morte; as luxações coxofemorais e a ruptura de
ligamentos são outras complicações originárias de erros de manejo ou do
trabalho e exercício físico forçado e intenso.

2.2.6. Instalações inadequadas – os acidentes em instalações não são raros,


e não há como relatar uma enorme lista de omissões que culminam com
agravos que retiram os animais do conforto, e causam condições inadequadas
como ambientes excessivamente úmidos (Figuras 135-137), mal arejados
(Figuras 138-139) e pisos que os impõe a condições dolorosas que os
impedem de andar, de se alimentar e que culminam com a diminuição das
suas potencialidades produtivas e reprodutivas. Instalações com materiais
das mais diversas naturezas, salientes, pontiagudos, lancinantes, paredes e
pisos excessivamente ásperos, pedregosos e abrasivos (Figuras 111-122;
126-129; 133-134) podem causar traumatismos em qualquer localização do
corpo do animal. Os agravos vão desde lesões traumáticas na pele e músculos,
como os arranhões, até graves lacerações, penetrações de farpas e arames, e
deformidades ungueais como crescimento excessivo e deformidades das
unhas e cascos, da sola e da muralha, hemorragias, úlceras, fístulas e
pododermatites. As manifestações clínicas mais frequentes são diversos graus
de claudicação e perda da função de membros (Figuras 123-125). Acidentes
mais graves como fraturas diversas, incluindo os cornos (Figuras 132; 134),
lesões de nervos periféricos (Figuras 130-131), perda da visão, eventração,
evisceração e morte podem ocorrer em decorrência de cercas danificadas e
instalações quebradas. Não se deve esquecer que os animais albinos são mais
predispostos a esses tipos de acidentes, em face da visão deficiente.

100
De uma maneira geral, as cercas e os currais para o gado zebú devem ter
uma altura diferenciada, pois esses animais podem, facilmente, tentar pular
se essas instalações tiverem baixa estatura. Claro que aqui deixamos a nossa
opinião de que os zebuínos, mesmo possuindo um temperamento mais
“mercurial” são animais que, se bem manejados e bem-criados, não oferecem
maiores dificuldades na sua lida diária. Sempre reforçamos que o ser humano
é o principal ator na gênese dos problemas com os bovinos; ele é o agente que
desencadeia a facilidade ou a extrema dificuldade na lida ou na saúde dos
animais.
Ao invés de construir instalações com superfícies duras, pontiagudas e
irregulares, deve-se dar preferência a materiais menos agressivos, macios, tais
como tapetes antiderrapantes. A nosso ver, essas alternativas compensam as
despesas com mão-de-obra e tratamento das lesões de casco, bem como
diminuem os acidentes mais graves como fraturas e luxações.
Os currais e suas estruturas anexas são fundamentais para o manejo e
a viabilidade econômica das fazendas; não é possível imaginar a criação de
bovinos num país de pecuária extensiva, como o nosso, sem tais instalações.
Também temos que relatar que, por todo Brasil, existem inúmeras fazendas
onde o manejo de zebuínos é muito tranquilo e os acidentes são mínimos,
graças ao emprego do conhecimento, de boas práticas de manejo e, sobretudo,
da boa gestão do negócio.

101
Figura 111. Curral com piso irregular, cujos ressaltos são capazes de
causar traumas nas unhas.

Figura 112. Cocho de sal mineral, cujo acesso tem piso de pedras
soltas. Por lamberem sal todos os dias, os bovinos acabam
traumatizando as unhas nesse tipo de piso ao redor do saleiro.

102
Figura 113. Brete com piso irregular, cujos
ressaltos são capazes de causar traumas nas
unhas.

Figura 114. Piso de curral irregular, cujos


ressaltos são capazes de causar traumas nas
unhas.

103
Figura 115. Brete com barras transversais de madeira no piso por
onde transitam os animais. Esses ressaltos são capazes de causar
traumas nas unhas, como evidenciado na instalação suja de
sangue.

Figura 116. Piso de caminhão boiadeiro. Notar os vergalhões


quebrados e entortados, o que representa um grave risco de
ferimentos a bovinos durante o transporte.

104
Figuras 117-118. Hiperflexão do boleto após lesão do
nervo tibial, relacionada a trauma em bovinos criados
estabulados.

105
Figuras 119-120. Piso malfeito, com réguas excessivamente
distanciadas, o que possibilita traumas nas unhas dos bezerros.

106
Figura 121. Ressalto de madeira em instalação mal projetada, capaz de
causar traumas pelo apoio no espaço interdigital de bovino.

Figura 122. Pasto com abundância de tocos e troncos de árvores


quebradas, condição favorável às lesões do aparelho locomotor,
especialmente das unhas.

107
Figura 123. Acentuada pododermatite séptica
difusa em bovino manejado em piso inadequado.

Figura 124. Grave trauma com ulceração e


exposição de falanges na unha medial de bezerro
criado em instalação inadequada.

108
Figura 125. Dermatite interdigital, com unhas entesouradas, causada
por piso inadequado. Esse tipo de lesão também pode ser causado em
animais criados em pastos recém-formados, com troncos, galhos e
tocos de madeira.

Figura 126. Acidente de manejo em cerca sem adequada manutenção (cordoalhas


frouxas), o que permitiu que o bovino se enroscasse ao tentar pular. À direita, perda
da extremidade do membro pélvico, devido ao garroteamento, por mais de 12 horas,
em arrame liso de cerca, o que levou à necrose das falanges e perda das unhas, e o
animal passou a se apoiar no metatarso.

109
Figura 127. Bovino com membro torácico preso entre a cabeceira da
porteira e o moeirão da cerca, o que resultou em fratura. Vale ressaltar
que instalações de baixa estatura e/ou animais estressados e
malmanejados são a causa de tais acidentes.

Figura 128. Réguas do tronco de contenção excessivamente


espassadas, o que permite que o bovino passe o membro torácico pelo
espaço e cause fratura e ou lesões em nervos periféricos.

110
Figura 129. Réguas da seringa excessivamente espassadas, o que permite
que o bovino passe os membros pelo espaço e cause lesões traumáticas,
fratura e ou lesões em nervos periféricos.

Figura 130. Lesão de plexo braquial em bovino que foi manejado em


tronco inadequado, como o da Figura 128.

111
Figura 131. Lesão de nervo radial em vaca Nelore que foi manejada
em tronco de contenção inadequado.

Figura 132. Fratura de metatarso em bovino causada após manejo


em instalação inadequada.

112
Figuras 133-134. Moeirão fincado dentro do brete, de forma
inadequada, o que permitiu que o búfalo enganchasse e fraturasse
o corno.

113
Figura 135. Vacas mestiças, criadas em compost-barn e em região
quente. Para aliviar o estresse térmico antes da ordenha, as vacas eram
submetidas diariamente, pela manhã e à tarde, a banho de aspersão
com vapor de água. Embora esse manejo mitigue o calor sentido pelas
vacas, ele pode causar amolecimento da queratina das unhas e
maiores chances de contaminação do leite por matéria orgânica, uma
vez que os úberes ficam muito molhados. Tal procedimento exige maior
rigor no manejo da ordenha.

114
Figuras 136-137. Para aliviar o estresse térmico, nesse tie-stall as vacas
eram submetidas, diariamente, à aspersão com vapor de água, que,
embora mitigasse o calor sentido pelas vacas, gerou um surto de
dermatofitose nos animais. Ou seja, resolve-se um problema criando-se
outro.

115
Figuras 138-139. Criação inadequada de caprinos lactentes, no
interior de uma casa, o que culmina em acentuado estresse
ambiental. Nessa propriedade, os donos têm enorme zelo e carinho
por seus animais; entretanto, por gostarem demais, acabam por
inverter a lógica de que esses animais não devem ser criados dentro
de uma casa.

116
As instalações e baias para equídeos devem ser planejadas visando
segurança e conforto, de forma que assegurem o bem-estar. Instalações com
dimensões reduzidas, improvisadas e feitas com materiais perigosos e
inadequados podem causar acidentes e gerar grave estresse aos animais
(Figuras 140-141).
O cercamento de um haras ou de piquetes para equinos é um
investimento que deve ser cuidadosamente planejado antes da sua
construção. As cercas não só protegem a propriedade, mas também têm a
função de dividir animais por grupos (matrizes, receptoras, éguas, garanhões).
Uma cerca bem planejada e com boa manutenção pode mudar positivamente
o visual da fazenda e garantir a segurança dos animais e das pessoas, assim
como o contrário também pode acontecer. O verdadeiro teste não é feito
quando os equinos estão em paz, pastando, mas quando um cavalo excitado
entra em contato com a cerca em uma tentativa de escapar ou pulá-la para
copular. Diferente dos bovinos, os cavalos podem se chocar com maior
impacto em uma cerca, porque eles são mais rápidos e podem atingir a cerca
com mais velocidade e força, o que pode gerar traumas muito graves (Figuras
142-147). Uma cerca ideal deve ser perfeitamente visível para os equinos,
sobretudo para os garanhões; mesmo que o pasto seja pequeno e a cerca esteja
relativamente próxima a eles, ela deve ser visível o suficiente. A cerca deve ser
segura o bastante para conter um cavalo que corre contra ela sem causar
ferimentos ou traumatismos. Deve ser alta o suficiente para desencorajar
saltos, sólida o suficiente para desencorajar o teste de força. Em nossa
experiência nos deparamos com muitas lesões sérias em equinos mantidos em
pastos com cercas malfeitas (i.e., arame farpado, com moeirões baixos e
pontiagudos). Somos da opinião de que réguas de madeira são um excelente
material para ser usado em cercamentos de pastos para os equinos, em
especial para os garanhões.

117
Figuras 140-141. Instalações inadequadas, improvisadas, sem qualquer
planejamento e com espaço reduzido, o que causa estresse e
consequentes transtornos do comportamento. Figura 141. Equino com
evidente sinal de apatia.

118
Figura 142. Laceração cutânea e muscular, que se estende desde a região da
bolsa escrotal até o períneo de um equino, após tentativa de pular uma cerca de
arame, na qual ficou enganchado, no intuito de copular.

119
Figuras 143-144. Equino com laceração na pele da região da soldra,
decorrente de lesão causada por arame, na tentativa de pular a cerca
para copular com égua no cio.

120
Figura 145. Equino com laceração na pele da coxa esquerda, decorrente de
um acidente em arame de cerca malconservada.

121
Figura 146. Laceração cutânea e muscular, na região da
articulação társica de um equino, por um fio de arame deixado
dentro de um açude.

122
Figura 147. Laceração cutânea e muscular, na região
rádio-ulnar de um equino, causada por um fio de arame
deixado no pasto.

123
2.2.7. Traumas por objetos de contenção – algumas manobras de rotina
(p.ex., exame clínico, vacinações, curativos, administração de medicamentos,
coleta de material para exames laboratoriais, cirurgias, etc.) requerem a
contenção dos animais. As consequências do uso de objetos inadequados
podem ser drásticas, especialmente naqueles animais mais nervosos ou
indóceis. Nesses casos, geralmente são utilizados objetos/materiais que
resultam em lesões induzidas ou traumas autoinfligidos, porque os animais
se debatem muito durante os procedimentos de tentativas de imobilização,
durante a execução dos procedimentos com cordas ou cabrestos muito
apertados (Figuras 148-149). Mediante relutância à simples palpação em
determinadas estruturas mais sensíveis, os animais se defendem da
manipulação não habitual com coices e chifradas. Compressões e ferimentos
de diversas gravidades podem levar a lesões simples e autolimitantes ou a
lesões severas e com sequelas irreversíveis, como é o caso de compressão de
nervos durante cirurgias ou outras intervenções em que os animais,
especialmente os mais pesados, ficam por tempo excessivo em decúbito
lateral.

124
Figuras 148-149. Lesões causadas por corpos estranhos. Búfalo
jovem da raça Murrah, com um cabresto muito apertado na região do
chanfro causando impressão e trauma na pele, deixados após a
remoção do cabresto.

125
2.3. ESTRESSE X DOENÇAS

Afora os desvios comportamentais acima mencionados, aqui cabe listar


algumas das inúmeras enfermidades que são desencadeadas por diversos
fatores estressantes (dentro das propriedades) e que culminam em queda de
imunidade dos animais. Como exemplos, temos as doenças causadas pelos
herpesvírus bovino tipo 5, herpesvírus ovino tipo 2 (febre catarral maligna),
herpesvírus equino tipos 1 e 4, dermatofitose e dermatofilose (Figuras 150-
152). Outros exemplos ainda são pertinentes, muitos dos quais ligados ao
desconforto ambiental, ao estresse térmico e nutricional e também às elevadas
cargas parasitárias (carrapatos, piolhos (em búfalos), mosca do chifre e
miíases); alguns desses agentes são responsáveis por importantes
hemoparasitoses (babesiose, anaplasmose e a tripanossomose).

126
Figuras 150-152. Bezerras da raça Red Sindi, com sete meses de
idade, diagnosticadas com dermatofilose; nesse surto, os possíveis
fatores desencadeantes foram a desnutrição, bem como o excesso de
chuvas e o estresse térmico.

127
2.3.1. A exploração de animais doentes para fins de trabalho e turismo, a
evolução até o extremo das enfermidades, a falta de decisão para o
tratamento precoce e outras situações extremas e desumanas – em muitas
situações os proprietários, mergulhados em uma rotina árdua, de forma
omissa, deixam de levar o animal para tratamento, eutanásia ou abate, e estes
evoluem para quadros dramáticos, sem que a enfermidade seja levada em
conta como de importância (Figura 153). Não é raro que animais que já não
se prestam aos objetivos econômicos, tais como os idosos (Figuras 154-155),
os que já não mais se reproduzem ou que não se prestam mais ao trabalho,
ou ainda com sequelas de fraturas ou de outras enfermidades, sejam
abandonados ou deixados em rodovias, à mercê de atropelamentos, quando
deveriam ter um fim digno, como é o caso de jumentos e mulas, em algumas
regiões do país.

Figura 153. Bovino com pododermatite séptica


difusa grave. Mesmo que o problema tenha sido
causado por uma instalação ruim, a evolução
extrema revela que o proprietário ultrapassou os
limites de tolerância, no que diz respeito a uma
conduta prévia de tratamento ou do
abate/eutanásia do animal.

128
Figuras 154-155. Equino idoso abandonado em terreno baldio.
Paradoxalmente foi coberto com folhas de coqueiro no intuito de aliviar
a insolação. Notar que não há vestígios de fornecimento de dieta ou de
água. Atualmente a legislação sobre maus-tratos com os animais
comtempla punição exemplar para os responsáveis, tanto para o dono
do local quanto para o proprietário do animal.

129
Por outro lado, muitos deles são explorados até a exaustão, mesmo
doentes, no intuito de fazer com que trabalhem sem condições orgânicas para
tal. Para exemplificar citamos o caso de cavalos positivos para anemia
infecciosa, que muitas vezes são usados em atividades ligadas ao turismo
rural. Não podemos esquecer que a negligência no atendimento a animais
enfermos é passível de crime, e muitos casos chegam ao extremo da
desumanidade (Figuras 154-155). Damos como exemplos, casos de fraturas
irreversíveis, graves acidentes em rodovias, animais extremamente
parasitados ou com neoplasias que crescem absurdamente e que, mesmo com
longa sobrevida, os animais seguem em sofrimento sem qualquer
atendimento, ao ponto de ficarem mutilados, ocluir as vias aéreas, digestórias,
urinárias e outras localizações vitais, que os deixam em quadros de extrema
angústia, cegos, com dor, desconforto e sem poder andar, se alimentar,
defecar e até respirar adequadamente, e com dificuldades para realizar suas
funções fisiológicas naturalmente (Figuras 156-171). Mesmo com prognóstico
desfavorável são deixados de lado, muitas vezes até por meses, e a omissão
segue, insensivelmente, sem que seja tomada uma postura no intuito de
mitigar o sofrimento que culmina, obviamente, com a morte. Em muitos casos,
lamentavelmente, os animais foram deixados com doenças graves e
progressivas, visivelmente de prognóstico desfavorável, até quase a morte,
quando deveriam ter sido eutanasiados bem antes e, assim, ter-se reduzido
em muito o sofrimento deles.
Vale ressaltar que ruminantes de pele e pelos brancos, como vacas
Holandesas ou mestiças dessa raça, bem como cabras Saanen, ou ainda
equídeos com essas mesmas características devem ser manejados de modo a
reduzir a exposição ao sol durante as horas mais quentes do dia, a fim de
evitar carcinomas de olho e vulva.

130
A seguir citamos exemplos de diversas neoplasias em equinos, bovinos e
caprino, em avançados estágios de evolução clínica, com graves perdas de
funcionalidade dos sistemas sensorial, digestório, respiratório e genito-urinário, as
quais representam negligência e ou ausência de tomada de uma postura mais precoce
para mitigar o intenso sofrimento.

Figura 156. Papiloma.

Figura 157. Papiloma.

131
Figura 158. Papiloma.

Figura 159. Papiloma.

132
Figura 160. Fibrossarcoma.

Figura 161. Carcinoma de células escamosas.

133
Figura 162. Carcinoma de células escamosas.

Figura 163. Carcinoma de células escamosas.

134
Figura 164. Carcinoma de células escamosas.

135
Figura 165. Carcinoma de células escamosas.

136
Figura 166. Carcinoma de células escamosas.

Figura 167. Sarcoma de células fusiformes.

137
Figura 168. Sarcoma pobremente diferenciado.

Figura 169. Osteofibroma.

138
Figura 170. Osteofibroma.

Figura 171. Osteofibroma.

139
Infestações parasitárias por diversos parasitos, mais frequentemente
por carrapatos, piolhos, moscas do chifre (Haematobia irritans), tabanídeos,
berne (larva da mosca Dermatobia hominis), miíase (Cochliomyia hominivorax),
sarna e outros insetos sugadores, quando em quantidades extremas são causa
de intenso desconforto pelo prurido, agitação e irritação, pelas dolorosas
picadas ao longo do dia, e pelas incessantes tentativas de afugentar esses
parasitos, o que interfere nos hábitos e no bem-estar dos animais. Essas altas
cargas parasitárias causam efeitos deletérios sistêmicos, hipersensibilidade,
soluções de continuidade na pele, expoliação sanguínea por competição
nutricional, resultam em desnutrição e anemia, além de infecções bacterianas
secundárias, traumas autoinfligidos, deformidades da pele e do couro,
transmissão de outras doenças, especialmente as hemoparasitoses, queda na
produção e morte dos animais (Figuras 172-191). Essas graves infestações
debilitam os animais que, por vezes, são deixados de lado até que prejuízos
graves acenem que o manejo higiênico-sanitário deva ser levado a sério. Outro
agravante são os efeitos colaterais de muitas das substâncias parasiticidas,
que além da resistência, têm efeito residual na carne e no leite. Há também o
uso de inúmeros “tratamentos” caseiros, com substâncias sem qualquer
comprovação científica (vide Cap. 3, item 3.12) e que acabam por causarem
graves lesões de pele ou até mesmo a morte por intoxicação.

140
141
Figuras 172-175. Bezerros da raça Holandês com grave infestação por
carrapatos.

142
143
Figuras 176-179. Equinos com grave infestação por carrapatos nas orelhas
e na cauda.

144
Figuras 180-181. Grave miíase no esterno de um caprino obeso,
resultante do decúbito prolongado em superfície dura.

145
Figuras 182-183. Grave infestação por sarna em ovino, com perda
generalizada da lã, o que causa prurido intenso e grande
desconforto.

146
Figuras 184-185. Grave infestação por sarna em um búfalo.
Formação crostas e placas com grande quantidade de parasitos, o
que causa prurido intenso, grande desconforto e trauma
autoinfligido pela fricção nas estruturas dos currais.

147
Figuras 186-187. Grave dermatite por picadas de insetos na face,
ao redor dos olhos e orelhas, resultante da demora em tratar o
animal nas fases precoces da doença.

148
Figuras 188-189. Amputação indevida da orelha após dermatite por
picadas de inseto em ovino, na tentativa de se livrar do problema, o
que pode culminar com obstrução total ou parcial do conduto
auditivo e até de lesões vestibulares.

149
Figuras 190-191. Grave dermatite por picadas de insetos na
face, ao redor dos olhos e orelhas, resultante da demora em tratar
o animal nas fases precoces da doença.

Vale ressaltar que a gravidade da doença tem como consequência o


sofrimento dos animais até estados deploráveis, e prejuízos econômicos. Cabe
verificar se há animais mais susceptíveis, bem como observar as condições
higiênico-sanitárias do rebanho e o tipo de animal a ser explorado, as criações
de acordo com o habitat e com o tipo de bioma, observando a rusticidade e a
capacidade de adaptação dos animais ao ambiente.

150
2.3.2. A omissão e os excessos no manejo higiênico-sanitário – as pistas
e sinais de desleixes, omissões e a falta de cuidados básicos no manejo
higiênico-sanitário são claramente evidenciados pelos danos à saúde dos
animais (Figuras 192-193). São incontáveis as falhas em face da dificuldade
de se atingir sistemas de criações perfeitos, e muitas são consideradas
naturais. Cabe ao Veterinário e aos demais profissionais envolvidos nos
empreendimentos, identificar e minimizar as falhas básicas, e a cada criador
colaborar com uma visão mais receptiva no sentido de evitar que os seus
prejuízos repercutam em rejeição comercial por questões simples de serem
resolvidas. Muitas vezes o abate ou a eutanásia é a conduta mais indicada
para evitar sofrimentos prolongados e irreversíveis. O atendimento às
necessidades básicas de um programa ou plano de controle parasitário,
sistemático ou estratégico, e um calendário higiênico-sanitário que possa ser
cumprido, além de prevenir e reduzir prejuízos, contribui para a adoção de
sistemas de criação que atende às modernas exigências comerciais e que
sejam moralmente aceitos no que tange à relações humanas com os animais.

151
Figuras 192-193. Bovinos de corte, confinados em condições de extremo
desconforto, em decorrência do excesso de lama.

2.3.3. Práticas obsoletas que se perpetuam entre as gerações – muitos


criadores insistem em dar sequência a determinados métodos ou práticas nas
criações, ancorados na emoção e na tradição do que os antepassados lhes
ensinaram. Tal continuidade de atitudes, muitas vezes irracionais, atrasa a
modernização dos processos evolutivos da produção animal. Como exemplo
de práticas obsoletas de manejo animal, destaca-se a cura errada do umbigo
dos neonatos (não realizada ou feita de forma tardia e com total falta de
higienização).

152
A cura e desinfecção errada do umbigo é uma lastimável omissão que
favorece a inflamação, contamina o ambiente em que o neonato vive e resulta
em poliartrites, abscessos hepáticos, endocardites, meningites, abscessos
medulares, uveítes, septicemia e morte. Tardiamente, os abscessos hepáticos
ainda podem redundar em “síndrome da veia cava”. As consequências dessas
condutas são o aumento de animais chamados de refugo, animais
improdutivos, elevados gastos com tratamentos e produtos de origem animal
de baixo valor agregado, quer no mercado interno ou no externo.

153
3. PRÁTICAS DE MANEJO OBSOLETAS, INADEQUADAS E CRUÉIS,
IMPERÍCIA EM MANOBRAS TÉCNICAS, CIRURGIAS MALFEITAS,
IMPRÓPRIAS E ATÉ CRIMINOSAS, E OUTRAS CONDUTAS ABUSIVAS –
muitas condutas e situações envolvem acidentes que podem e devem ser
evitados, partindo-se da premissa de que, para a realização de muitas
manobras, é preciso ter competência e habilidade técnica; caso contrário, o
operador põe em risco a sua própria vida e saúde, e a vida dos animais como
é o caso das contenções que são feitas à revelia das técnicas recomendadas
(Figuras 194-197). Seria impossível relatar aqui uma enorme gama de
imperícias praticadas por profissionais não habilitados, ou pouco
comprometidos com o zelo nas manobras clínicas e técnicas cirúrgicas, bem
como por criadores e tratadores que se aventuram no exercício impróprio e
ilegal da Medicina Veterinária (Figuras 198-205). Nesses casos os animais
teriam melhor prognóstico sem tais interferências, pois essas manobras
retardam a recuperação e até produzem agravos que os levam à morte. Muitos
são os exemplos, mas alguns são historicamente conhecidos por se tratarem,
infelizmente, de práticas ainda rotineiras nas criações.

153
Figura 194. Bezerros, da raça Murrah, contidos
inadequadamente para administração de vacinas e
medicamentos. (Cortesia da Médica Veterinária Dra. Tatiane
Albernaz).

154
Figuras 195-196. Bovinos indevidamente contidos, em ambiente insalubre
e submetidos a casqueamento por prático-charlatão.

155
Figura 197. Uso de dois gravetos, em formato de Y, para friccionar a pele da
cauda do bovino, no intuito de fazer com que o animal se levante após ter se
deitado dentro da balança.

156
Figuras 198-199. Deiscências de feridas em “cirurgias” realizadas por
práticos-charlatões, pessoas desqualificadas e inabilitadas para o exercício da
prática cirúrgica veterinária, e que também utilizaram materiais
inapropriados. No Ovino A, o intuito era de corrigir uma hérnia; no Bovino B,
a intenção era de realizar uma cesariana.

157
158
Figuras 200-202. Contaminação de ferida cirúrgica de um bovino de 2
anos, por ocasião de uma fixação de pênis para preparação de rufião. As
lesões necróticas e crepitantes se estenderam até a região do costado. Essa
prática é resultado de procedimento feito por Veterinário imperito.

159
Figuras 203-205. Vaca com peritonite em decorrência da
perfuração do reto pelo transdutor, durante exame de
ultrassonografia para diagnóstico de gestação. Três vacas, do
mesmo lote morreram com o mesmo quadro clínico e lesional.

Outro erro de manejo muito comum é deixar equídeos no mesmo pasto


onde touros estejam cobrindo vacas durante a estação de monta. Muitas vezes
esses touros brigam entre si ou até mesmo atacam os equinos e os ferem
gravemente; o mesmo se aplica a situações em que vaqueiros, montados em
equídeos, tenham que inspecionar os pastos onde esses touros são mantidos.

160
Por questões raciais e mercadológicas, os touros zebuínos não são
mochados (há a crença que os chifres denotam masculinidade aos
reprodutores). Recomendamos que eles sejam manejados com todo cuidado
possível e que os equídeos não sejam mantidos juntos a esses animais
(Figuras 206-208). O mesmo raciocínio se aplica à manutenção de garanhões
junto a outros ruminantes (Figura 209); esses reprodutores, comumente, os
atacam, mordem e os escoiceiam.
Os traumas em equídeos, durante o manejo de bovinos ou bubalinos
agressivos, ou de vacas recém-paridas, são frequentes nas propriedades e
esses eventos de falha de manejo causam extensas lesões na pele, músculos
e perfurações das cavidades torácica e abdominal. Por outro lado, equinos
inteiros quando em convívio com bovinos ou bubalinos podem agredir esses
animais causando danos e até a morte. Mais esporadicamente cães errantes
e bravios costumam atacar, de forma grave, recém-nascidos, bezerros e até
mesmo animais adultos, podendo culminar em morte (Figuras 210-211).

Figura 206. Cicatriz na pele da coxa direita de um cavalo, devido a trauma


causado por chifrada durante o manejo de bovinos bravios.

161
Figura 207. Laceração na pele e musculatura da coxa
esquerda de um cavalo, devido a trauma causado por
chifrada durante o manejo de bovinos bravios.

Figura 208. Laceração na pele e musculatura do


abdome lateral direito de uma égua, devido a trauma
causado por chifrada durante o manejo de bovinos
bravios.

162
Figura 209. Numerosas cicatrizes na pele de uma búfala devido a
constantes mordidas de um garanhão por falha de manejo.

163
Figuras 210-211. Vaca com lacerações e perda de tecido cutâneo e
muscular, e fratura das regiões da maxila e mandíbula causadas pelo
ataque de cães bravios e errantes. Esses acidentes têm sido
frequentes e causado prejuízos e sofrimento aos animais.

164
3.1. Marcação a ferro quente ou por cortes nas orelhas – esses são
procedimentos usados para identificar a raça, o proprietário e o indivíduo.
Porém, quando essas práticas são malconduzidas, são frequentes os riscos de
causarem graves lesões, dor e sofrimento intenso. No caso da vacinação contra
brucelose, a marcação a ferro quente é obrigatória (porém é única) e, por força
da lei (Instrução Normativa Nº 10, de 3 de março de 2017), deve ser realizada
apenas por profissional devidamente autorizado. Quando há abusos, como
quando as marcações são repetidas no mesmo local, ou quando são feitas
múltiplas marcações desnecessárias, ou ainda quando o tempo de exposição
ao ferro quente na pele e a pressão exercida são excessivos, essas marcações
não podem ser mais reconhecidas e culminam em lesões graves como
hemorragias, necrose, formação de crostas, miíases, infecção secundária e
cicatrizes que deformam o couro (Figuras 212-213).
A marcação por cortes nas orelhas ainda é usada para identificar a
propriedade do animal, em criações conjuntas de búfalos e bovinos, em
sistemas extensivos, e são muito comuns na Ilha de Marajó (Figuras 214-
215). Com certeza trata-se de prática cruenta, muitas vezes realizada de forma
a submeter os animais a dor intensa e deve ser modificada ou abolida.
Outras crenças incluem o corte de orelhas para controlar miíases
(Figuras 216-217), ou de partes das orelhas, como “medida terapêutica” para
curar botulismo (Figuras 218-219) e intoxicações por plantas (Figuras 220-
221) e até a introdução de fios de cobre no intuito de curar papilomatose
(Figura 222). Esse procedimento é baseado apenas na crença popular, o que
causa hemorragias nos animais que sobrevivem, além de consequências como
miíases e otites. Outra prática de manejo que deve ser abolida das
propriedades é a presença de cães não treinados, que em muitas ocasiões
causam traumatismos em diferentes partes dos animais como narinas e
orelhas (Figuras 223-224).

165
Figuras 212-213. Queimaduras por marcação a ferro quente. Búfalos
adultos da raça Murrah. Múltiplas marcações desnecessárias que
culminaram com lesões ulcerativas na região posterior, decorrentes de
tempo de contato excessivo e repetitivo do ferro quente com a pele.

166
Figuras 214-215. Búfalos com vários cortes desnecessários nas orelhas para
identificação do proprietário.

167
Figuras 216-217. Amputação indevida da orelha, em face da
incapacidade de controlar uma miíase, o que resultou em oclusão
parcial e total do pavilhão auricular de uma vaca.

168
Figuras 218-219. Amputação da orelha de duas búfalas, por ocasião
de um surto de botulismo, na crença de que tal ato resultaria na cura
da doença.

169
Figura 220. Corte da extremidade da orelha de um bovino
Nelore, após um surto de intoxicação por Palicourea marcgravii,
na crença de que tal procedimento resultaria na cura do animal.

Figura 221. Orelhas perfuradas por fio de cobre, no intuito de


“curar a papilomatose”.

170
Figuras 222-223. Laceração da orelha esquerda de uma vaca causada
por ataque de um cão errante, o que resultou em oclusão parcial do
conduto auditivo, após recuperação. Esses acidentes demonstram a
falta de uma conduta adequada por parte dos proprietários dos cães,
no sentido de evitar que animais bravios tenham acesso a fazendas.

171
3.2. Mochação a ferro quente – uma questão delicada e que suscita
discussões é a da necessidade de sedar e anestesiar os animais antes desse
procedimento, o que é obviamente recomendado. Entretanto, ao nosso ver, se
esse procedimento de manejo for realizado por pessoas devidamente
treinadas, ele é rápido, seguro e não confere maus-tratos ao animal. Os
problemas aparecem quando, por imperícia, se utiliza ferro não devidamente
rubro ou quando se utiliza força excessiva e se ultrapassa o estojo córneo,
ferindo as estruturas ósseas mais profundas, com consequências drásticas
(Figuras 224-227). Essa intervenção, quando feita por pessoas desabilitadas
causa sofrimento no momento do ato. A falta de cuidados pós-mochação, não
raro, pode provocar, infecções secundárias graves, dermatite supurativa,
miíases, meningite e até abscessos cerebrais (Figuras 228-229).

Figura 224. Exsudação purulenta no local do estojo córneo em uma


bezerra com cerca de 25 dias, que sofreu imperícia na descorna com ferro
quente. O animal morreu de meningite.

172
Figura 225. Mochação de bezerro com ferro, com temperatura abaixo da
ideal, sem a prática de anestesia e sedação; conduta que, se demorada ou
malfeita, causa dor e desconforto.

173
Figuras 226-227. Processo inflamatório no local da mochação, devido à
falta de cuidados após o procedimento em um bezerro.

174
Figuras 228-229. Abscesso no cérebro de caprino, que envolve grande
parte do hemisfério telencefálico, devido à mochação inadequada e
ausência dos cuidados pós-cirúrgicos.

175
A correta mochação no bezerro-búfalo é uma prática que deve ser
executada, especialmente na raça Murrah, a fim de se evitar graves lesões
cutâneas no animal adulto (Figuras 230-231). Essas lesões surgem como
consequência do crescimento natural, contínuo e espiralado dos cornos,
características inerentes a esta raça.

Figuras 230-231. Búfalos adultos das raças Jafarabadi e


Murrah, com crescimento excessivo dos cornos e consequente
perfuração cutânea.

176
3.3. Descompressão de animais timpânicos – quando realizada por leigos,
essas tentativas podem, muitas vezes, levar a quadros de peritonite quando o
trocater perfura o rúmen e derrama líquido ruminal na cavidade peritoneal,
ou ainda podem causar a morte por descompressão súbita. Infelizmente,
sabemos que leigos e até mesmo Veterinários não capacitados fazem tal
procedimento sem a devida autorização legal ou sem habilidade técnica,
muitas vezes com uso de materiais completamente inadequados e em
condições precárias de higienização.

3.4. Casqueamento excessivo – o desgaste excessivo do casco, além da dor


no ato do casqueamento, também predispõe a erosões, áreas avermelhadas de
hiperemia e focos de hemorragia no talão. Essas lesões abrem portas de
entrada para infecção bacteriana secundária e podem resultar em leves a
severas pododermatites.

3.5. Métodos inadequados de castração – são inúmeras as


técnicas/métodos de castração que podem levar os animais ao sofrimento, e
muitos casos acompanham graves efeitos colaterais (Figuras 232-239).
Quando produzidos por pessoas sem orientação técnica e com pouca
sensibilidade para tal, as castrações com Burdizzo, com substâncias químicas
tóxicas, com agente circulante e outras, além de não garantir o bem-estar dos
animais, podem ter como desfecho graves edema e hemorragia, funiculite,
tétano (Figuras 234; 239) e infecção bacteriana secundária, especialmente as
lesões granulomatosas botriomicóticas (causadas principalmente por
Staphylococcus aureus); tais complicações podem ter como desfecho
septicemia e morte. Na castração cirúrgica, quando não bem conduzida, além
dos riscos de infecção no pós-operatório, e do alto nível de estresse, o processo
de cicatrização é lento e pode se agravar pelas miíases; quanto mais velhos,
maiores os riscos de hemorragias e outras complicações que podem levar à
morte. No método do Burdizzo, as falhas de execução são comuns e se
complicam com a excessiva fibrose do funículo espermático; o pós-operatório
é permeado de edema e dor.

177
A castração química com a administração intratesticular de substâncias
tóxicas à espermatogênese, causa edema, inflamação e necrose, provoca dor
e estresse, e retarda a cicatrização; ainda podem ser observados focos de
mineralização do parênquima testicular.
Vale registrar que não somos contra a castração realizada por
profissionais devidamente capacitados e guardada a observância da correta
técnica e terapia após o ato cirúrgico.
Uma questão delicada e que também suscita discussões é a da
necessidade de sedar e anestesiar os animais antes desse procedimento, o que
é obviamente recomendado. Entretanto, ao nosso ver, essa recomendação fica
muito difícil de ser seguida em situações em que, às vezes, em função do
tamanho do rebanho, são castrados centenas de animais por dia. É necessário
que haja um consenso entre o ideal e o possível de ser feito nas condições de
pecuária extensiva tropical. Obviamente que somos totalmente contrários às
aberrações praticadas em certas fazendas.

Figura 232. Castração em um bovino Nelore, realizada por pessoa não


habilitada, sem os cuidados mínimos de antissepsia, o que muitas vezes
resulta em tétano.

178
Figura 233. Processo inflamatório na bolsa escrotal de um bovino
Nelore, em consequência de uma castração realizada por pessoa não
habilitada, o que resultou em tétano.

Figura 234. Castração em um bovino Nelore, realizada por pessoa


não habilitada, sem os cuidados mínimos de antissepsia. De 40
animais castrados, 10 tiveram tétano.

179
Figura 235. Necrose da bolsa escrotal devido à castração por
estrangulamento, com uso de anilha plástica em um caprino.

Figura 236. Búfalo adulto, mestiço da raça Murrah e Mediterrânea.


Laceração da bolsa escrotal após garroteamento com argola de
borracha.

180
Figura 237. Búfalo adulto, mestiço da raça Murrah e Mediterrânea. Perda da
bolsa escrotal e exposição dos cordões espermáticos após garroteamento com
argola de borracha.

Todos os responsáveis por equinos precisam entender que essa espécie é


muito susceptível ao tétano. Antes de serem castrados eles deveriam ser
vacinados, pois a vacina confere imunização ativa, ou seja, estimula o
organismo a produzir anticorpos contra a doença. A proteção conferida pela
vacina exige um mínimo de duas semanas e a vacina terá sua eficácia somente
quando aplicada em cavalos saudáveis. Portanto, a castração deve ser
realizada em animais com mais de 3 semanas de vacinados contra o tétano.
Soro e vacina antitetânicos não são substitutos um do outro. Deve-se
vacinar os equídeos anualmente, e o soro antitetânico deve ser fornecido
sempre que uma proteção adicional se fizer necessária – inclusive em cavalos
já vacinados.

181
Figuras 238-239. Equino com uma fístula e exsudato
serossanguinolento na bolsa escrotal, 20 dias após castração realizada
por pessoa não habilitada, sem os cuidados mínimos de antissepsia. Esse
animal teve tétano.

182
3.6. Manobras inadequadas e imperícia em partos distócicos –
manipulações desastrosas, sem antissepsia e sem critério técnico são
praticadas tanto por tratadores como por Veterinários incapazes, ao ponto de
fetos serem “arrancados” das vias maternas à força, muitas vezes sem
anestesia, e produzindo acidentes tanto materno, quanto fetais. Há relatos de
fêmeas, em parto distócico, que são amarradas em árvores enquanto seus
conceptos são amarrados pelos membros e puxados com veículos. A
consequência, além da morte fetal, é a laceração reto-vaginal e peritonite
(Figuras 240-242). Tais efeitos demonstram o escalabro da falta de
humanidade, a conduta imoral e cruel. Muitos animais nessa situação são
largados no pasto, sem observação, e depois encontrados mortos por falta de
assistência à maternidade (Figura 243-247), e por vezes até mutilados por
aves de rapina.
Vale aqui comentar que muitos dos problemas que existem no periparto,
se devem à inexistência do denominado pasto ou piquete maternidade. Essa
área é fundamental para que ocorra o acompanhamento sistemático das
fêmeas, especialmente nos dois meses que antecedem o parto previsto. Esse
piquete deve ser feito com uma gramínea prostrada, que formará um “colchão”
forrageiro, que evitará que o neonato caia direto no solo ou em áreas
enlameadas e/ou com fezes. Também deve ser em uma área levemente
declivosa para evitar acúmulo de água e estimular o exercício físico moderado
da gestante. Recomenda-se que os cochos de sal mineral e de volumosos sejam
dispostos longe do bebedouro, para estimular atividades físicas. Também deve
ter sombreamento natural, de sorte a não gerar excesso de sombra ou de lama.

183
Figura 240-242. Laceração reto-vaginal em uma égua, decorrente de parto distócico
malconduzido, no qual o proprietário amarrou os membros pélvicos do feto (em
apresentação posterior) com uma corda e puxou com o trator, após ter amarrado a
égua em uma árvore.

Figura 243. Parto distócico negligenciado, em que o


bezerro se encontra morto e enfisematoso no canal
do parto.

184
Figura 244. Jumenta em parto distócico malconduzido. Notar que o feto
está amarrado com corda e prestes a ser tracionado.

Figura 245. Vaca submetida a manobra obstétrica com imperícia, realizada


por prático-charlatão, sob olhar de transeuntes.

185
Figura 246. Vaca em parto distócico, encontrada morta com feto
no canal do parto, por falta de assistência ao nascimento.

Figura 247. Vaca em parto distócico, encontrada morta com feto


no canal do parto, por falta de assistência ao nascimento.

186
3.7. Reduções inadequadas e imperícia em prolapsos – nesses casos, os
prolapsos retais, vaginais, uterinos, ou combinados, são reduzidos com
objetos não cirúrgicos, tais como, roletes de madeira, canos de PVC, garrafas
e outros; em caso de garrafas de vidro os acidentes geram graves complicações
após a quebra no conduto vaginal, e pode levar o animal à morte por graves
hemorragias e ou peritonite (Figura 248-250).

Figura 248. Búfala adulta da raça Murrah. Prolapso de vagina e de reto;


o agravamento do quadro ocorre como consequência da negligência e
demora no atendimento.

187
Figuras 249-250. Búfala da raça Murrah. Laceração de vulva e períneo,
como em consequência de parto distócico malconduzido.

188
3.8. Manejos inadequados de bezerros lactentes durante a ordenha
manual – muitos bezerros são traumatizados na hora da ordenha, quando são
utilizados para estimular a descida do leite em vacas mais azebuadas, a
chamada ordenha com o bezerro ao pé da vaca. As lesões podem ocorrer por
escorregões, puxões bruscos ou até por traumas causados quando são
espancados por ordenhadores despreparados e violentos. Afora os métodos
impróprios de contenção desses bezerros (Figura 251), agressões diretas com
objetos do tipo banqueta do ordenhador também são relatadas e podem
causar traumas profundos, além das lesões cutâneas, fraturas, eventrações e
ruturas de órgãos (Figuras 252-255).

Figura 251. Bezerro contido inadequadamente para impedir que mame. Tal
contenção pode causar sérios danos ao aparelho locomotor.

189
Figura 252. Rutura do fígado de um bezerro que morreu de
hemoperitônio, em decorrência de trauma sofrido pela banqueta
do ordenhador, na tentativa de evitar que ele mamasse na sua
mãe, que estava sendo ordenhada manualmente.

Figura 253. Fratura craniana com formação de hematoma


subdural em um bezerro búfalo da raça Murrah, após trauma
infligido. Geralmente esses acidentes podem ser causados por
tratadores insatisfeitos e despreparados.

190
Figuras 254-255. Fratura craniana com formação de hematoma
subdural em uma bezerra Gir, após trauma infligido, que resultou em
uma meningoencefalomielite. Geralmente esses acidentes podem ser
causados por tratadores insatisfeitos e despreparados.

191
3.9. Manejos negligentes que culminam com a ingestão de corpos
estranhos – durante reformas e/ou obras nos estábulos, cercas e outras
edificações das fazendas, por falta de zelo, corpos estranhos como pregos,
pedaços de arame, farpas de madeira, grampos de cerca, cordas de nylon ou
de fibra natural, plásticos, pedaços de tecidos, fragmentos de pneus, metais,
pedras, objetos perfuro-lacerantes ou perfuro-cortantes, bem como outros
materiais são deixados, negligentemente ou acidentalmente, em cochos,
bebedouros, baias, piquetes e outros ambientes acessados pelos animais
(Figura 256). Esses objetos podem ser ingeridos, especialmente pelos bovinos,
que é uma espécie menos seletiva ao se alimentar (Figuras 257-260). Na
ingestão desses corpos estranhos, peritonite focal ou retículopericardite
traumática (Figuras 261-264), seguida de morte pode ser o desfecho.

Figura 256. Cocho situado no piquete onde as búfalas


permaneciam antes da ordenha. Notar a presença de arame
e pregos.

192
193
Figuras 257-260. Diversos corpos estranhos (pregos, arames, placas
metálicas, sacos de plástico), que foram ingeridos por búfalos adultos
da raça Murrah, se depositaram no rúmen e retículo e foram
encontrados durante o abate.

194
195
196
Figuras 261-264. Retículopericardite traumática em bovinos.
Acentuado espessamento do pericárdico e epicárdio, e grande
coleção de pus no saco pericárdio (pericardite fibrino-
purulenta), com e projeções de fibrina em forma de vilos, e corpo
estranho penetrante no miocárdio (arame). Notam-se filamentos
de fibrina nas serosas da cavidade abdominal (peritonite
fibrinosa). Essas lesões acontecem como consequência do
descaso durante reformas de cercas e construções nas fazendas,
e estão associadas à ingestão de corpos estranhos metálicos
pontiagudos, como pregos, arames, grampos de cerca e outros.

197
3.10. Corpos estranhos colocados nos animais – são usados para
identificações ou para impedir que os animais saiam de pastos e piquetes,
para evitar brigas ou ainda para serem conduzidos. Para tal, são usados
cangas ou forquilhas em forma de Y (Figuras 265-270), anilhas, argolas,
tabuletas de plástico ou de metal (Figuras 271-274), bastões de madeira
(Figuras 275-276), cordas (Figuras 277-278) e anéis de arame. Alguns
desses objetos são introduzidos no septo nasal, especialmente em animais de
trabalho ou para evitar a auto mamada e/ou antecipar a desmama.
Quando improvisados de forma artesanal e com materiais inadequados,
podem causar separação do septo nasal (Figuras 279-283), inflamação
bacteriana secundária local (Figuras 284-285), exsudação mucosa a
mucopurulenta (amarelada a esverdeada), disfagia, ruídos respiratórios
(indicativo de broncopneumonias) e miíases. Essas lesões, em geral, são
antiestéticas; as cicatrizes são deformantes e até mutilantes, e ainda se
observa despigmentação da pele. A laceração pode se prolongar até o plano
nasal ou nasolabial. O desfecho mais grave desses traumas pode incluir
abscesso hipofisário e no tronco encefálico, com nítidos sinais neurológicos.
No pescoço, membros e várias partes do corpo, corpos estranhos podem
produzir lacerações, rupturas ou rasgaduras, hemorragia, necrose e infecção
secundária. Como resultado dessa exposição, perfurações e fístulas na pele,
nos cascos e unhas, dor e claudicação de vários graus com perda de função
são as principais consequências. Em alguns casos essas lesões podem ser tão
severas até induzir a perda das partes afetadas, com soluções de continuidade
em vários graus de tamanho e profundidade, e até envolver a musculatura
adjacente. Aqui temos que ressaltar que, se bem conduzidos e com o material
correto (argolas metálicas lisas), essa forma não representa grande estresse
aos animais, e é rotineiramente utilizada em touros alojados em centrais de
inseminação, onde o tratador tem que manejar animais com até mais de uma
tonelada de peso. As lesões do septo nasal, dor e estresse acontecem quando
o ser humano passa do limite da tênue linha entre o ideal/racional e a
insanidade. É bom frisar que materiais inadequados como cordas de nylon e
arames têm maior potencial de causar lesões.

198
199
200
Figuras 265-270. Diversos tipos de forquilhas ou cangas utilizadas para
fazer com que os animais permaneçam no “pasto” (como se houvesse
forragem suficiente). O animal não atravessa a cerca porque é “ladrão”,
como alegam os fazendeiros desinformados, mas sim pelo instinto de
sobrevivência perante o espectro da fome crônica a que estão expostos.

201
Figuras 271-272. Búfalos adultos da raça Murrah com
tabuleta nasal de plástico e tabuleta improvisada com tubo
de cloreto de polivinila (PVC) para antecipar a desmama
desses bezerros. Esses corpos estranhos introduzidos nas
narinas, podem provocar lesões locais, mas ainda há o
risco de causarem abscessos na hipófise.

202
Figuras 273-274. Bovinos adultos da raça Nelore com tabuleta nasal
de plástico para antecipar a desmama desses bezerros. Notar a lesão
cicatricial do septo nasal após a retirada da tabuleta. Esses corpos
estranhos introduzidos nas narinas, podem provocar lesões locais, mas
ainda há o risco de causarem abscessos na hipófise. Notar que a
tabuleta amarela, no detalhe da Figura 273, possui um parafuso que
permite regular a intensidade do incômodo no animal.

203
Figuras 275-276. Búfalos adultos da raça Murrah com pedaços de
madeira, de extremidade pontiaguda, fixado no septo nasal para
evitar a autoamamentação.

204
Figura 277. Búfalos de trabalho sendo conduzidos através de cordas de
nylon perpassadas no septo nasal.

Figura 278. Búfalo adulto mestiço das raças Murrah e Mediterrânea


com corda de nylon fixada através do septo nasal.

205
Figuras 279-280. Búfalo adulto, mestiço das raças
Murrah e Mediterrânea, contido com uma corda que
perpassa uma corda de nylon na narina, o que resultou
em uma cicatriz decorrente da laceração do septo nasal.

206
Figuras 281-282. Búfala adulta, mestiça das raças Murrah e
Mediterrânea. Ruptura traumática do plano nasolabial, causada por
tração excessiva da argola nasal.

207
Figura 283. Bovino adulto, Holandês Vermelho e Branco, com ruptura
traumática do plano nasolabial, causada por tração excessiva de argola nasal.

208
Figuras 284-285. Bezerros jovens da raça Murrah com lacerações nas
orelhas e perda de tecido decorrentes de processo inflamatório causado
pela fixação de brinco para identificação. Pelo menos, no que se refere ao
gado bovino, há um local correto para a perfuração da orelha (na região
medial) e sem rutura de vasos auriculares; nesses bezerros búfalos esses
brincos foram colocados em local errado, uma vez que não é normal
ocorrerem essas lacerações.

209
3.11. Erros e equívocos no cálculo das doses, na via aplicação de
medicamentos e no fornecimento de alimentos, bem como intoxicações
acidentais ou dolosas – esse é um terreno fértil que propicia consideráveis
prejuízos econômicos diretos e impactantes às criações, com muitos casos de
intoxicação e morte de quantidades variáveis de animais. Os deslizes relatados
abaixo redundam em sofrimento, morte e prejuízos.
Sabemos que, na maioria dos casos, os erros cometidos são passivos e
devidos ao desconhecimento de pontos importantes na utilização dessas
substâncias. As vedetes desses acidentes incluem medicamentos, defensivos
agrícolas (herbicidas), inseticidas, raticidas (derivados cumarínicos), endo e
ectoparasiticidas (abamectina, ivermectina, closantel), certos aditivos
nutricionais (antibióticos ionóforos, ureia, manipueira ou tucupi),
concentrações exageradas de minerais em suplementos (p. ex., enxofre, cobre,
selênio), organofosforados (sprays empregados para o controle da mosca do
chifre (Dermatobia irritans), e aplicação pour on de diclorvós, associado à
cipermetrina (piretroide), em aspersão ou imersão (para o controle de moscas,
carrapatos, pulgas e piolhos), dentre outros. Vale ressaltar que algumas
dessas substâncias são usadas de forma criminosa, a exemplo dos derivados
cumarínicos, ou de forma negligente para o combate das pragas, cujo acesso
aos animais acaba por gerar situações dramáticas e irreversíveis.
A questão envolve não só a acurácia no cálculo das doses e na observação
das vias de administração, como é o caso de certos antibióticos e anti-
inflamatórios não esteroidais, mas também na falta de obediência às
recomendações especiais e às circunstâncias para a utilização de
determinados produtos, como horário (banhos parasiticidas em dias ou horas
muito quentes), local impróprio de armazenamento de medicamentos e de
alimentos. A falta desses cuidados cai na categoria da imperícia e negligência,
passiva ou ativa, e até criminosa.
Definem-se erros de medicação como qualquer incidência evitável que
possa trazer complicações ao animal e até mesmo matá-lo. Relaciona-se esse
tipo de evento a práticas que envolvem não somente os profissionais, mas
também leigos que não têm a correta capacitação para executarem
procedimentos que incluem desde falhas na prescrição até a etapa de

210
utilização dos fármacos. Dentre esses estão inclusos os erros nos cálculos das
doses de medicamentos aplicados nos animais, e se referem a
desconformidades entre a dose que foi prescrita e a dose administrada, e a
utilização de instrumentos descalibrados (Figuras 286-290). Eventos
adversos relacionados a erros medicamentosos incluem danos graves e/ou
fatais. A presença do dano é, portanto, condição necessária para a
caracterização de quadros de intoxicações decorrentes de erro nos cálculos
das doses desses medicamentos. Os danos graves não fatais acabam, na
maioria das vezes, por inviabilizar a vida produtiva dos animais.

Figura 286. Bezerro que recebeu 6 doses terapêuticas de abamectina; na


tentativa de levantar-se, assumia posições anormais. Cortesia da Dra. Josilene
do Nascimento Seixas.

211
Figuras 287-288. Bezerro intoxicado por dose excessiva de
abamectina.

212
Figuras 289-290. Ovino intoxicado por dose excessiva de closantel.

213
Muitos erros são cometidos nas administrações por via oral. São práticas
comuns o uso das famosas “garrafadas” em casos de tentativas de terapias
errôneas de medicamentos, ou para alimentar animais debilitados, ou até
mesmo realizar o aleitamento artificial (Figuras 291-295). Essas práticas,
quando feitas sem habilidade e competência técnica, causam falsa via que
culmina com broncopneumonias por aspiração e morte. Bezerros com
dificuldade de deglutir ou sedados só podem receber produtos, por via oral,
por intermédio de sondas, que devem ser inseridas por profissionais
devidamente habilitados.
Nesses exemplos acima, caso se tente administrar, forçadamente, com
algum grau de violência ou pressa, o produto pode cair no rúmen, quando
deveria cair no abomaso via fechamento da goteira esofágica; isso aumenta o
risco de diarreia osmótica e/ou de pneumonia por aspiração. Bezerros
apáticos e sem reflexo de sucção devem receber líquidos por intermédio de
sonda naso ou orogástrica.
Nos ovinos, as aplicações de medicamentos, por via oral, utilizando-se
pistolas metálicas, podem resultar em lesões graves ou até mesmo perfurações
da mucosa oral (Figuras 296-297).
Não são raras as complicações advindas de aplicações de medicamentos
por leigos ou por profissionais não habilitados. Após ter diagnosticado uma
enfermidade, a correta escolha da via de aplicação de medicamentos é
fundamental para garantir o sucesso de um tratamento. As aplicações de
medicamentos ou até mesmo de líquido ruminal, via sonda, quando
malconduzidas, dependendo da quantidade do líquido administrado e da
imperícia, pode, de forma iatrogênica, resultar na deposição de material nos
pulmões e causar pneumonias gangrenosas ou, até mesmo, a morte súbita
com angústia respiratória grave devido à asfixia. Medidas simples devem ser
adotadas para evitar a falsa via, tal como fazer a auscultação do rúmen ou da
traqueia, em sintonia como um auxiliar soprando na sonda que foi introduzida
no animal. Esse procedimento permite auscultar o ruído produzido pelo sopro
na auscultação do rúmen ou na traqueia e confirmar que a sonda está no local
correto. Além disso, às vezes, é possível ver a sonda seguindo pelo esôfago do
animal, quando observamos pelo lado esquerdo, no momento da introdução.

214
Quando a sonda está colocada nas vias áreas o animal apresenta desconforto
e tosse, e neste caso, deve ser imediatamente retirada.
A administração de qualquer líquido, por via oral, em bezerros lactentes,
só pode ser realizada se o animal exibir o reflexo de sucção. Neste caso, não
se deve ultrapassar a capacidade de deglutição do animal, com excesso de
líquido introduzido na boca. O uso de recipientes plásticos com um bico de
borracha acoplado, simulando uma mamadeira, é uma boa alternativa para
aleitar, medicar ou para prover hidratação enteral. Nesse caso, o bico jamais
pode ter o diâmetro do seu furo alargado ou alterado, objetivando a rapidez da
ingestão de líquidos (Figuras 291-292). Em hipótese alguma, leigos ou
pessoas supostamente entendedoras de cuidados com bezerros devem dar
líquidos forçadamente aos animais, seja com o animal em estação ou deitado,
o que configura o pior dos cenários (Figura 293; 297). Caso isso ocorra, são
enormes os riscos de fazer falsa via e produzir pneumonia aspirativa fatal,
timpanismo ruminal pela fermentação do leite e diarreia osmótica (Figura
294).

215
Figuras 291-292. Bico alargado para permitir, erroneamente, maior fluxo de
leite no ato do aleitamento. Nesta propriedade, os bezerros tinham muita
diarreia e pneumonia por aspiração. No detalhe percebe-se o bico original, que
não deve ser modificado.

216
Figuras 293-294. Aleitamento forçado em bezerro deitado e
timpanismo ruminal, bilateral, cerca de uma hora após o aleitamento
forçado.

217
Figura 295. Aleitamento forçado em bezerro em decúbito esternoabdominal.

218
Figuras 296-297. Perfuração da mucosa oral, com formação de fístula,
por instrumento metálico utilizado na administração de medicamento por
via oral em ovino.

219
Como erros no preparo de concentrados, podemos citar a intoxicação por
antibióticos ionóforos. Tais substâncias têm numerosas funções benéficas
(coccidiostáticos, promotores do crescimento, reguladores do pH ruminal,
dentre outras). Um claro exemplo de descuido, no momento do preparo das
rações, ocorre quando lasalocida (Figura 298), monensina (Figura 299),
virginiamicina, salinomicina ou narasina são usados sem os devidos critérios
e conhecimento. A homogeneização irregular dessas drogas, junto com os
alimentos, pode, além da resistência microbiana e da capacidade de deixarem
resíduos, induzirem a graves quadros de intoxicação. Adicionalmente, são
fatores de riscos a ingestão excessiva por falhas nos cálculos das doses
(sobredosagens), o fornecimento para espécies mais sensíveis e o uso dos
ionóforos em associação com outras drogas que potencializam seus efeitos
tóxicos (tilosina, tiamulin, eritromicina, claritromicina, sulfaquinoxalina e
cloranfenicol). A necrose muscular generalizada causada pela intoxicação
pelos antibióticos ionóforos culmina em morte por paralisia dos músculos
respiratórios e cardíaco (Figuras 300-301). No exterior, vários mercados
consumidores já não utilizam ou compram produtos de origem animal
contendo resíduos de ionóforos.
A utilização de aditivos nutricionais e minerais deveria sempre ser
baseada em critérios estritamente científicos e não por apelos propagandistas,
tal como comumente vemos no Brasil. A intoxicação por cobre (Figuras 302-
303) é um dos exemplos da propaganda abusiva e da desinformação dos
proprietários que utilizam esse mineral em doses excessivas (i.e., quando
utilizam sal mineral de bovinos para os ovinos, no intuito de corrigir a
deficiência de cobre).
A falta da correta adaptação a alguns alimentos ocorre no caso da ureia.
Deve-se sempre respeitar não só a quantidade recomendada (40 a 50g de ureia
por 100 kg de peso corporal), mas também o período de adaptação (uma a
duas semanas) e readaptação se houver interrupção por mais de 4 a 5 dias.
Essas recomendações são necessárias para evitar um quadro de intoxicação
(Figuras 304-309), que geralmente ocorre quando a ureia é ingerida em um
curto período. Esses dados, não raramente, são omitidos do profissional
chamado para resolver o problema das mortandades.

220
Erros na escolha dos alimentos ou na sua oferta aos animais, podem
resultar em grande variação no ganho de peso por ocasião da suplementação
protéico-energética realizada na época da estiagem ou no consumo excessivo
de ureia, quando presente nesses suplementos. Esse último aspecto foi
verificado em uma propriedade onde a suplementação protéico-energética foi
interrompida, por aproximadamente duas semanas, e quando foi novamente
reiniciada, morreram 10 das 40 novilhas que tiveram acesso e ingeriram
avidamente o suplemento que continha grande quantidade de ureia em sua
composição.

Figura 298. Intoxicação por antibiótico ionóforo (lasalocida).


Bezerro búfalo, macho, da raça Murrah, com incapacidade de se
levantar.

221
Figura 299. Intoxicação por antibiótico ionóforo (monensina).
Ovino macho, da raça Santa Inês, adulto, com incapacidade de se
levantar e estado pré-comatoso.

222
Figuras 300-301. Miocárdio e músculo esquelético do búfalo da Figura 298
com áreas esbranquiçadas, que correspondem à necrose.

223
Figuras 302-303. Ovino intoxicado por cobre. Carcaça intensamente ictérica,
fígado acastanhado e rins escuros devido à hemólise (hemoglobinúria).

224
Figura 304. Mortandade de novilhas prenhes devido à intoxicação por ureia.
Neste caso, utilizou-se um produto (“proteinado”) rico em ureia, sem a prévia
adaptação.

Figura 305. Búfalo adulto da raça Murrah, intoxicado por ureia, na fase agônica.

225
Figuras 306-307. Intoxicação por ureia em um touro
Guzerá, devido à ingestão excessiva. Nota-se o decúbito
esternal, sialorreia, estado de alerta diminuído e
diminuição do tônus da língua.

226
Figuras 308-309. Búfalos adultos da raça Carabao intoxicados
pelo consumo excessivo de ureia. Animal com excitabilidade,
pressionando a cabeça contra o moeirão. E outro búfalo em
decúbito esternal, minutos antes da morte.

227
No caso dos acidentes decorrentes da ingestão de mandioca, quadro
semelhante ocorre também por falta de adaptação e porque a mandioca foi
fornecida sem ter sido triturada com antecedência, período em que o ácido
cianídrico se perde por volatilização. Quando esses cuidados não são
observados, quadros igualmente “dantescos” são apresentados – muitos
animais doentes e mortos ao mesmo tempo (Figuras 310-312).

Figura 310. Manipueira ou tucupi que era ofertada e causou intoxicação nos
bovinos; esse líquido é rico em ácido cianídrico (HCN) e é resultante da compressão
da massa ralada das raízes de Manihot esculenta, variedade “brava” (mandioca
“brava”).

228
Figuras 311-312. Bovinos mortos pela ingestão de grande quantidade de
manipueira ou tucupi, líquido rico em ácido cianídrico (HCN).

229
Muitos erros na escolha do local, da via de aplicações de injeções e
aplicações com seringas/agulhas contaminadas são cometidos nas
administrações por via parenteral, e geralmente causam sérios danos aos
animais e prejuízos econômicos aos criadores. No entanto, para dificultar a
visualização de lesões granulomatosas ou abscedativas, em especial da
aplicação da vacina contra febre aftosa, alguns produtores passaram a aplicar
na região lombar, a fim de “esconder” os granulomas, ao invés de aplicar no
terço médio da região lateral do pescoço; como grave consequência surgem as
paresias e paralisias de membros, em decorrência de infiltrações inflamatórias
na medula espinhal.
Na via intramuscular as drogas são absorvidas mais rapidamente que por
via subcutânea. Porém, a irritação tecidual costuma ser maior e, na maioria
das vezes, passa despercebida; dificilmente, se pode diagnosticar um dano
tecidual mais profundo por palpação.
As lesões intramusculares e subcutâneas podem ser hemorrágicas e/ou
inflamatórias e são causadas por terapias de diversas naturezas (antibióticos,
anti-inflamatatórios não esteroidais, corticoides (Figuras 313-332), dentre
outras substâncias). Geralmente cicatrizam, necrosam ou abscedam a
posteriori. Outra complicação se dá quando fármacos são administrados de
forma inadequada, por pessoas não habilitadas, o que pode resultar em danos
sérios (i.e., neurites, paralisia irreversível dos nervos ciático, tibial ou fibular)
durante injeções intramusculares em bezerros muito novos ou em animais
demasiadamente magros (Figuras 316-317).
Em relação às agulhas, por ocasião da administração de medicamentos
ou de vacinação, deve-se ter o cuidado com a antissepssia, pois não são raros
os abscessos como consequência do descaso com a higiene no momento do
manejo com muitos animais. Esses abscessos resultam, muitas vezes, em
deformidades do couro, tétano (Figuras 322-323), rejeição da carcaça e até
abscessos medulares, afora os prejuízos com perda de tempo e dinheiro no
que se refere ao tratamento. Também já foi comentado o risco de transmissão
de doenças pelo uso de agulhas contaminadas (Figuras 313-315; 318-321;
324).

230
Figura 313. Granulomas causados pela administração de vacina na região
dorso-lateral e lombar em um búfalo; locais não recomendados.

231
Figuras 314-315. Necrose cutânea na região cranial do costado direito de um
caprino, após administração de vacina com instrumento contaminado.

232
Figura 316. Injeção intramuscular na região posterior da coxa direita,
feita de modo completamente errado, em um bezerro de quatro dias.

233
Figura 317. Esquema que detalha (ponto rosado) o
local mais provável para se produzir uma lesão do
nervo tibial em decorrência de injeção intramuscular
em bezerros ou em bovinos magros. Cortesia de
Vinicius Scalabrin Tondo.

234
Figura 318. Perda da musculatura da região glútea direita de um bovino, após
infecção secundária e necrose, em decorrência da administração de
medicamento com seringa contaminada.

235
Figura 319. Abscesso na região posterior da coxa esquerda de um bovino, causado
pela administração de medicamento com seringa contaminada.

236
Figuras 320-321. Equimoses, edema, formação de fístula e exsudação
purulenta envolvendo o tecido subcutâneo e a musculatura da região glútea
(anca e garupa) de um búfalo com tétano.

237
Figuras 322-323. Búfalo com tétano, com prolapso da terceira pálpebra, em
postura espasmódica e com abscesso na musculatura da região posterior.
Nesse rebanho, a administração de medicamento com agulha metálica sem
antissepsia local ocasionou um surto de tétano.

238
Figura 324. Vaca com abscesso subcutâneo, com presença de
fístula na região posterior da coxa esquerda, decorrente de via
de aplicação errada de antibiótico, que deveria ser
intramuscular profunda.

239
240
Figuras 325-327. Após parto eutócico, sem nenhuma indicação
de tratamento, e à revelia, o criador resolveu fazer
antibioticoterapia com sucessivas injeções por via intramuscular,
com agulha contaminada e sem antissepsia local. A vaca
desenvolveu miosite necrosante, fibrose muscular, artrite séptica
e fleimões nos tendões e ligamentos. Após 24 horas da primeira
aplicação o animal teve dificuldade de manter-se em estação, em
seguida prostrou, evoluiu para um quadro clínico irreversível e foi
eutanasiada.

Figura 328. Vaca com gangrena gasosa em decorrência do uso


de agulha contaminada durante vacinação para IBR. Nessa
ocasião morreram três vacas do mesmo lote (Cortesia Prof. Aldo
Gava, UDESC, SC).

241
Figura 329. Extensa necrose cutânea, na região cervical
ventral que se estende ao membro torácico direito de um
equino, causada por via de administração errada;
medicamento estritamente endovenoso que foi administrado
por via subcutânea.

242
Figura 330. Grave necrose cutânea por erro no protocolo de
administração (dose excessiva de fenilbutazona), em ambiente de
fazenda.

Figura 331. Equino macho, Quarto de Milha com edema cutâneo


provocado por erro da via de aplicação. Um produto de uso estritamente
venoso foi indevidamente aplicado, por via subcutânea; nesse caso, a
fenilbutazona.

243
Figura 332. Equino macho, mestiço de Mangalarga Marchador, com
necrose cutânea provocada por erro da via de aplicação de fenilbutazona.
(produto de uso estritamente venoso), que foi indevidamente aplicado por
via subcutânea.

Intoxicações acidentais ou dolosas não são eventos raros nas criações


de animais de produção. Um agente tóxico é qualquer substância que, ao ser
introduzida nos organismos vivos por qualquer via (oral, dérmica, respiratória,
endovenosa), pode interferir com processos vitais do organismo e causar
diversos graus de intoxicação e até mesmo a morte. Essa interferência ocorre
pelas qualidades inerentes do agente tóxico. Os eventos toxicológicos podem
ser acidentais ou intencionais, ocorrem principalmente durante o manejo dos
animais e envolvem diferentes agentes tóxicos, tais como agrotóxicos de uso
agrícola ou de uso doméstico, raticidas (Figuras 333-336), medicamentos
(antiparasitários, minerais, antibióticos, incluindo os ionóforos) e alimentos
(ureia e manipueira). Organofosforados (Figuras 337-338), cipermetrina
(Figuras 339-340), fipronil (Figuras 341-344) e amônia quaternária (Figuras
341-346) são mais alguns exemplos elencados nesta obra. A falta de
informação é uma das principais causas para a intoxicação. O uso dessas
substâncias deve sempre ser feito mediante orientação ou acompanhamento
de profissional qualificado. As análises toxicológicas são instrumentos

244
valiosos no auxílio para o diagnóstico de intoxicações agudas e crônicas. Um
laboratório especializado é necessário para esclarecer e resolver eventuais
situações litigiosas. O diagnóstico das intoxicações deve estar baseado na
anamnese criteriosa, com descrição de todos os sinais clínicos apresentados,
assim como na presença de lesões à necropsia. A seguir, descreveremos
alguns casos que acompanhamos ao longo da nossa vida profissional.

245
Figuras 333-336. Intoxicação por derivado cumarínico em um
bovino da raça Tabapuã. Coágulos na superfície da gengiva,
extensas hemorragias no endocárdio, alças intestinais
difusamente hemorrágicas e prolapso retal com extensa
hemorragia. Nesse rebanho seis animais adoeceram gravemente e
três morreram.

246
Figuras 337-338. Intoxicação por organofosforado em bovinos. A
substituição do veículo aquoso por veículo oleoso aumentou a absorção
do produto.

247
Figuras 339-340. Bovino com lesões crostosas na pele, distribuídas
por todo o corpo, após a administração de ciperpetrina pour on no
intuito de tratamento carrapaticida. Neste caso, utilizou-se uma
dose muito acima da recomendada pelo fabricante. Havia histórico
de que 24 horas após a aplicação três animais apresentaram
incoordenação, ausência de acuidade visual e morte, e seis bovinos
que ficaram intoxicados foram tratados, alguns com lesões
ulcerativas na mucosas oral, vulvar e anal.

248
249
Figuras 341-344. Moderada a grave necrose cutânea nas regiões
cérvico-lombar, provocada por uma mistura de produtos comerciais
pour on à base de fipronil e amônia quaternária, no intuito de
combater ectoparasitas. Após o aparecimento das lesões foi usado
amido de coco como tratamento, o que agravou o quadro clínico. A
mistura atingiu as regiões laterais e provocou fissuras e lesões
crostosas na pele. Essa mistura foi utilizada em 20 animais e todos
adoeceram.

250
Figuras 345-346. Uso de amônia quaternária (produto de limpeza) usada,
equivocadamente, no intuito de controlar ectoparasitose. Cortesia Prof.
Carlos Magno Oliveira.

251
3.12. Tratamentos com substâncias sem comprovação científica – um dos
exemplos mais representativos é o do óleo queimado (Figuras 347-348), que
é usado sem nenhum critério e com intenções de amplo espectro, já que suas
pseudo-indicações são as mais variadas possíveis, e vão desde tratamentos de
feridas na pele, cascos, até nas miíases e mastites. Para citar mais uma forma
bizarra de “tratamento”, uma garrafada de lama foi administrada a uma vaca
para “antecipar a recuperação”, uma vez que tinha sido intoxicada por ácido
cianídrico, presente na mandioca consumida sem prévio murchamento. O
desfecho não poderia ter sido pior do que falsa via e morte por aspiração da
lama infundida.

Figura 347. Uso de óleo queimado na pele da região


dorso-lombar de um bovino, no intuito de controlar
ectoparasitas.

252
Figura 348. Uso de óleo queimado na pele das regiões dorsal e posterior da
coxa de uma vaca, no intuito de controlar miíase.

3.13. Zoofilia

A perversão do comportamento humano que leva à tentativa de satisfação


sexual com animais domésticos, denominada zoofilia (Figura 349), zoofilismo,
bestialismo ou coitus bestiarum é um distúrbio qualitativo do instinto sexual,
que na maioria das vezes acaba trazendo graves transtornos para ambas as
espécies – humana e animal.

253
Em muitos casos frustrados, a ira conduz o homem a comportamentos
bizarros que culminam em sérios abusos físicos, tais como espancamentos,
lacerações e perfurações dos tratos genito-urinário e digestório dos animais,
em alguns casos até com a introdução de corpos estranhos pontiagudos,
lacerantes ou perfurantes nesses tratos (Figura 349). As legislações vigentes
sobre maus-tratos aos animais direcionam as penalidades cabíveis.

Figura 349. Laceração da vulva e perfuração da vagina e do útero


de uma potra de um ano e meio, causada pela introdução de um
pedaço de madeira, após acesso de fúria contra o animal.

254
4. CONDUTAS ADEQUADAS DE MANEJO – no intuito de evitar abusos,
negligências e maus-tratos, é preciso que se adote boas práticas de manejo
nas fazendas e assim garantir o bem-estar dos animais. Para tal, é de bom
alvitre treinar as equipes nas fazendas, no intuito de evitar que o manejo e o
dia a dia na propriedade não sejam prejudicados. Se por um lado, pessoas
revoltadas, inexperientes, doentes, cansadas, insensíveis ou insatisfeitas
podem causar dor e sofrimento aos animais, por outro lado, a constante
qualificação da mão de obra sempre irá gerar benefícios, seja no bem-estar,
no desempenho dos animais e na viabilidade econômico-financeira da
fazenda.
A higiene, a dose e o local de aplicação dos medicamentos, a idoneidade
das vacinas, a qualidade e o uso adequado dos equipamentos devem sempre
serem alvo de cuidados. As instalações, os embarcadouros e
desembarcadouros e os meios de transporte, mesmo que modestas, também
devem ser observados criteriosamente no intuito de verificar se podem causar
acidentes.
Em se tratando de transporte, a viagem deve ser sempre precedida de
uma revisão das condições gerais do veículo, a fim de não expor os animais a
imprevistos desastrosos, com uma carga de animais passando por
desconforto, fome e sede, por horas, muitas vezes em estradas sem socorro, e
até mesmo o abandono da carga.
O uso prudente de certas substâncias que são usadas no tratamento e
na alimentação dos animais e a observação dos períodos de adaptação e da
sensibilidade entre as diferentes espécies também evita que quadros de
enfermidade com agravos diversos e morte possam ocorrer.

255
Medidas adicionais incluem a desinfecção correta dos tetos,
instrumentos e mãos dos ordenhadores, o ajuste ideal das teteiras e da bomba
de vácuo, a remoção das fezes dos currais e estábulos, uso de esterqueiras,
separação de animais por faixa etária nos lotes, taxa de lotação adequada nas
pastagens, exames de fezes regulares, cuidados com as fontes de água, evitar
endogamia, elaborar um plano de controle higiênico-sanitário, com especial
atenção às vacinações indispensáveis e ao parasitismo, evitar o uso
compartilhado de seringas e usar agulhas descartáveis durante
administrações de medicamentos e vacinas ou coleta de sangue, observar os
períodos de carência, e quando possível, adotar o pastejo rotacionado.
O manejo do umbigo dos recém-nascidos, a ingestão adequada de
colostro aos neonatos e a higiene dos bezerreiros são práticas fundamentais;
o manejo diário dos bezerros deve ser feito por pessoas habilitadas e sensíveis
o suficiente para lidar com essa delicada categoria.
Outras formas de proteger ou zelar pelo bem-estar dos animais é fazer
quarentena para os recém-adquiridos, separar os animais infectados, evitar o
adensamento populacional, fazer pastos maternidades, manter a higiene nas
instalações como currais, salas de ordenha e outras dependências
comunitárias, elevar os comedouros e bebedouros a fim de evitar a
contaminação com as fezes, tratar corretamente os ferimentos, evitar o
fornecimento de alimentos deteriorados, corrigir as deficiências nutricionais,
evitar que carcaças de animais mortos sejam largadas nas pastagens (as quais
devem ser incineradas ou compostadas para impedir a osteofagia) e não
comercializar animais doentes ou suspeitos e assim, evitar a dispersão de
doenças.
Obedecer às medidas básicas de sanidade, como os calendários de
planejamento sanitário e programas nacionais de controle de doenças, bem
como suprimir os agentes que promovem o estresse, a dor ou qualquer prática
que alcance os animais com sofrimento, além de ser o mínimo exigido hoje
pela humanidade na relação com os animais e com a cadeia de produção de
alimentos, redunda em incremento na produção e na produtividade da
fazenda.

256
O tratamento precoce de muitas enfermidades pode evitar o sofrimento
prolongado. Em situações irreversíveis, cujos diagnósticos confirmam
prognósticos desfavoráveis, a eutanásia é o melhor desfecho, tanto para o
animal como para o seu criador.
Tais medidas, embora recomendadas, nem sempre são fáceis de serem
executadas na rotina das fazendas, sobretudo pelas dificuldades no que tange
a qualificação da mão de obra. As condições especiais de criação são enormes
em certos biomas brasileiros, como na Amazônia, Pantanal, Ilha de Marajó e
Baixada Maranhense, e as mudanças sazonais impostas pela natureza, nesses
locais, deixam os animais expostos a um ambiente de extrema adversidade e
em situações com inúmeros desafios que promove dificuldades no manejo
sanitário. Devido ao alagamento regional, por longos meses, os animais ficam
submetidos a uma convivência, por períodos prolongados e com grandes
aglomerações, nas “marombas” e com uma alimentação não convencional,
principalmente de plantas aquáticas, de reduzido valor nutricional (Figuras
350-351). Porém, na maioria das vezes, essa é única opção viável para se
oferecer a mínima condição de se criar esses animais nesses biomas. Alguns
cuidados devem ser tomados para que sejam evitados ataques por piranhas,
sanguessugas e outras intempéries. Deve-se ressaltar que as “marombas”,
embora pouco compreendidas pelos que não habitam o bioma amazônico, são
uma alternativa viável para permanecer criando animais em condições tão
adversas.

257
Figuras 350-351. Búfalos sendo conduzidos para curral suspenso em área
alagada (“maromba”). E animais criados numa maromba durante o longo
período de inundação. Cortesia Profs. Henrique dos Anjos Bomjardim e
Danilo Henrique.

258
Essa longa permanência nesses ambientes (charcos, igarapés e lagos),
amolece a queratina das unhas, com riscos de perda do estojo córneo, e os
predispõe a traumas, erosões e ulcerações nos tetos, a infecções secundárias,
e a ataques por sanguessugas. Como não há muito o que fazer para mudar
essa dinâmica da natureza, deve-se evitar que os animais permaneçam por
muito tempo nessas áreas alagadas, bem como deve-se tratar os ferimentos
sempre que identificados.
Outra questão que se impõe a comentar são as queimadas dos pastos,
por vezes criminosas, que requer posturas de atendimentos emergenciais, no
intuito de evitar as queimaduras e o comprometimento do bem-estar dos
animais.

259
É notável a tendência globalizada e irreversível do público consumidor
em evitar o consumo de produtos que não tenham origem comprovada e
rastreável; o mundo moderno exige cada vez mais a garantia da compra e do
consumo de produtos de criações e empresas que se preocupam com o bem-
estar dos animais. Está cada vez mais em desuso as práticas inconcebíveis de
maus-tratos. As boas práticas de manejo estão cada vez mais em alta, como a
ambiência de gestação coletiva, o sombreamento das pastagens, a correta
disponibilidade de água e alimentos e as condições para socialização, onde os
animais possam exercer e praticar seus instintos e comportamentos naturais,
pautados no respeito e na sustentabilidade.

5. A EUTANÁSIA SEM CRITÉRIOS – os animais que são portadores de graves


enfermidades, com quadros irreversíveis, devem ser eutanasiados obedecendo
à Resolução Normativa que impõe as determinações legais para aplicação das
Diretrizes da Prática de Eutanásia do Conselho Nacional de Controle de
Experimentação Animal (CONCEA, 2018), que regulamenta o ato da eutanásia
para que seja realizado na ausência de dor e sofrimento, e inclui os
procedimentos das atividades de ensino ou de pesquisa científica. Destacamos
aqui algumas dessas situações: a) animais gravemente feridos e com
impossibilidade de tratamento (p.ex., fraturas irreparáveis); b) com doenças
terminais e em intenso sofrimento (p.ex., neoplasias malignas disseminadas,
doenças infectocontagiosas e zoonóticas, de caráter insidioso e não tratáveis,
e outras patologias com o mesmo perfil) e c) animais idosos e com sérias
limitações para realizar suas necessidades básicas.
Por força de legislação pertinente, deverão ser abatidos, de forma
humanitária, animais com doenças que exigem o abate compulsório (p.ex.,
febre aftosa).
A legislação justifica a eutanásia para mitigar a dor, o estresse e o
sofrimento, naqueles casos em que métodos terapêuticos falham em
proporcionar e assegurar a saúde e o bem-estar dos animais. Lembramos que
essa prática deve ser realizada por Médico Veterinário habilitado e qualificado
para a execução, e que tenha a consciência de que essa prática envolve
condutas que precedem a morte, mas também o destino da(s) carcaça(s).

260
Por fim, queremos deixar claro que a eutanásia não é uma tomada de
decisão fácil, banal e sem consequências financeiras e psicológicas aos
humanos. Não advogamos seu emprego à revelia e nem ficamos felizes quando
do seu uso.

6. O ABATE “DESUMANO” – e, obviamente, clandestino, vai no sentido


contrário a todas as determinações das legislações e aos desejos dos
consumidores conscientes. O mercado internacional está cada vez mais
exigente e atento aos detalhes das boas práticas de abate e os consumidores
modernos acompanham os passos dessa rastreabilidade. A obediência ao
abate humanitário de animais para o consumo alimentar também exclui a
angústia, o sofrimento, o estresse e a dor. Infelizmente, sabe-se que nem todos
os criadores atendem à legislação sanitária para o abate (Portaria Nº 62, de
10 de maio de 2018 do MAPA/Secretaria de Defesa Agropecuária). Muitas
vezes os animais são abatidos em currais, de forma clandestina e abusiva,
sem a menor condição estrutural e de higiene, com práticas desumanas e
muitas vezes até cruéis (Figuras 352-354), sem contar a comercialização
irregular e ilegal desses produtos. Nesses casos, a obediência às práticas de
abate humanitário é sempre negligenciada. Cabe aos Médicos Veterinários, ao
poder municipal e ao MAPA a árdua tarefa de fiscalizar, bem como a qualquer
cidadão a denúncia de tais condições.

261
Figuras 352-354. Graves hemorragias em cérebros de
bovinos causadas por traumas durante o abate. Na
imagem inferior o cérebro está fixado em solução de
formol a 20%.

262
7. A QUESTÃO DA VULNERABILIDADE SOCIOECONÔMICA E A FALTA DE
ACESSO ÀS INFORMAÇÕES – quando as questões socioeconômicas são
deficientes e atingem os criadores, em várias esferas das suas vidas, essas
populações tornam-se frágeis e vulneráveis também em relação aos diversos
aspectos que acabam se refletindo direta ou indiretamente no bem-estar dos
animais. O ambiente de estresse multifatorial e rotineiro a que populações
carentes estão expostas, aliado à ausência de educação e de informação, é
propício para se criar um ambiente de violência e negligência, que se estende
aos animais. Nesse contexto, muitos distúrbios de caráter multifatorial
(econômicos, sociais, culturais-tradicionais e até familiares) dão origem ao
sofrimento dos animais, o que acaba influenciado negativamente na
rentabilidade e no lucro dos criatórios que, na maioria das vezes, são de
subsistência.
O nível educacional dos proprietários e as dificuldades econômicas são
fatores associados com a ocorrência de negligência com os animais. É
importante ressaltar que os maus-tratos aos animais são crimes previstos por
leis, normativas e resoluções no Brasil e que implicam ao agressor responder
criminalmente pela ação, realizar pagamento de multas, reparar danos e
responder aos processos éticos, caso seja um profissional da área de saúde
animal (Congresso Nacional, 1998; Assembleia Legislativa de Minas Gerais,
2016; CFMV, 2016; CFMV, 2018). Quanto maior a vulnerabilidade social de
uma população, maior será a frequência de violência aos animais e acaba
sendo justificada, provavelmente, pela possível escassez de recursos e por
fatores rotineiramente estressantes aos seres humanos. Essa hipótese de que
humanos pobres ou estressados têm maior propensão a maltratar animais, ao
nosso ver, não é por si só convincente; na Índia, país sabidamente pobre e
densamente populoso, os animais são devidamente respeitados. Nas nossas
inúmeras viagens, não raro encontramos pessoas passando por severas
dificuldades financeiras, com pouca instrução, muitas vezes em regiões
urbanas ou peri-urbanas violentas e que não cometem maus-tratos aos
animais que possuem.

263
Por isso cremos que há, sim, componentes maiores e que se somam à
pobreza e à falta de instrução, e que ajudam a explicar atos de violência contra
os animais; tais componentes são a ignorância, a impunidade e a falta de
políticas públicas municipais que atuem no esclarecimento e na punição dos
casos.

8. COMO A FALTA DE ASSISTÊNCIA E ATENÇÃO AO QUADRO DE


FUNCIONÁRIOS PODE REFLETIR NO MANEJO COM OS ANIMAIS – as
pessoas (tratadores, treinadores, gerentes, profissionais de assistência técnica
e acadêmicos/estagiários) que lidam direta ou indiretamente com os animais
devem estar cientes dos valores que incluem o bem-estar animal. Nesse
contexto, as atitudes de todo esse time de pessoas, seu comportamento e suas
interações com os animais são fatores-chave no sucesso de um sistema de
criação que estimule um manejo racional. As habilidades vão sendo
desenvolvidas na medida das demandas de cada empreendimento, e cabe aos
profissionais buscarem conhecimentos que atendam ao status de cada uma
dessas empresas, se policiando para uma contrapartida favorável e
satisfatória ao empreender novas questões e suas implicações na direção de
compor uma unidade de trabalho harmônica: animais-
proprietário/propriedade-profissionais. Nesse sentido não se pode desvincular
produtividade de bem-estar animal, bem como comportamento da equipe e
comportamento animal. Muitas vezes é mister a mudança de atitudes e
comportamentos arraigados e viciosos e adotar modelos inovadores, que por
vezes se tornam até difíceis, tamanho é o fato de que certos hábitos errôneos
e arraigados se tornam mecânicos e rotineiros. Mas, certas circunstâncias
podem levar a grandes e boas oportunidades de melhorar as condições gerais
dos criatórios e apontar para melhorias futuras da produção animal. Esse
trabalho envolve treinamento, qualificação e incentivo financeiro.

264
Deixar de lado posturas erradas no manejo diário dos animais, e tentar
melhorar o relacionamento com estes, de certo envolve muitas variáveis como
a impostação da voz, a abordagem através do contato físico, a maneira de os
alimentar e tantas outras atitudes de interação que podem influenciar positiva
ou negativamente no comportamento dos animais e na produtividade do
rebanho. As atitudes diárias envolvem e exigem muitos atributos como
empatia, disciplina, honestidade, confiança, persistência, resiliência,
conhecimento, habilidade, criatividade e tantas outras virtudes meritórias que
são essenciais a todos os envolvidos. Como essas virtudes são
comportamentos adquiridos, o líder (dono e/ou profissional é sempre o sujeito
responsável por ter a seu lado gente que admire, entenda e adote essas
virtudes. Em tese, equipe ruim reflete dono ruim e vice-versa! É lógico pensar
que não há indivíduos perfeitos, mas a busca constante por se aproximar da
perfeição, por si só, já é um excelente critério laboral.
Atender aos anseios dos animais, que tão bem se adaptam e gostam de
rotina, bem como o respeito e a gentileza na lida com eles, traz sempre
resultados muito satisfatórios. Por outro lado, comportamento contínuos de
gritos, maus-tratos, negligência e violência ou agressões no ambiente de
trabalho trazem sempre indicadores zootécnicos desastrosos, acabam por
afetar a relação com os animais, e devem ser sempre evitados, pois os níveis
de estresse ultrapassam a barreira dos dois lados – humano e animal, e
redundam em péssimos indicadores de produtividade. O conhecimento das
boas práticas de manejo e a utilização de procedimentos operacionais-padrão
é sempre uma boa estratégia para se obter bons resultados.

9. O VETERINÁRIO COMO AGENTE VEICULADOR DO PROCESSO


EDUCATIVO NO MEIO RURAL E A FALTA DE DECÊNCIA NO EXERCÍCIO
DA PROFISSÃO – é muito amplo o amparo legal para o correto exercício da
profissão. Além das legislações vigentes, ainda há o apoio do papel social dos
conselhos profissionais na área da saúde e órgãos de classe.

265
Além da busca permanente pela excelência profissional, sempre que
possível, o Veterinário deve agir como educador e ensinar aos funcionários e
criadores sobre os perigos das medicações feitas sem critério e à revelia do
exame clínico presencial e do diagnóstico, bem como das práticas cirúrgicas
realizadas de forma empírica e desastrosa, que se igualam ao curandeirismo
e ao charlatanismo. O profissional habilitado, deve ainda, evitar pedir que
tratadores, sem o prévio e adequado treinamento, submetam os animais ao
sofrimento, medo e dor. Também deve deixar claro que procedimentos mais
complexos têm que ser feitos somente pelo Veterinário. Nesse contexto, é
inadmissível que Veterinários “consultem por telefone”, tenham pouco zelo por
sua imagem profissional (p. ex., vestimenta inapropriada, instrumentos sujos,
amassados, uso de fármacos com prazos de validade vencidos, etc.) e se
promiscuam através de atos e comportamentos reprováveis e mercenários. Os
instrumentos devem ser sempre acondicionados em caixas próprias, limpas e
identificadas, após prévia limpeza e desinfecção. Sem o devido exemplo, fica
quase impossível almejar que os demais envolvidos com a criação possam
atuar em alto nível, e cumprindo, minimamente e de forma decente, as
habilidades da profissão. Pior ainda é cobrar dos demais aquilo que quem
deveria dar o exemplo não faz! Não se deve esquecer que no seu papel
profissional está embutida a orientação e postura educativa e exemplar, tanto
aos criadores e tratadores, quanto aos alunos e estagiários que porventura os
acompanhe.

10. A RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL – por tudo que expusemos acima,


fica evidente a importância da inserção do Médico Veterinário, agindo como
pesquisador e interventor no processo de prover o bem-estar animal. Em
vários países, inclusive no Brasil, a legislação reconhece as responsabilidades
dos Veterinários para garantir o bem-estar animal e aliviar o sofrimento. Em
outros países, há inúmeros bons exemplos que deveriam ser adotados aqui no
Brasil. A Associação Canadense de Medicina Veterinária (Canadian Veterinary
Medical Association) incentiva o treinamento dos alunos das Escolas de
Veterinária para o reconhecimento de abuso contra os animais.

266
11. A FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA E A RESPONSABILIDADE DA
ACADEMIA – espera-se de um aluno universitário, em seu processo formativo,
que ele seja imbuído do espírito de promover benefícios à sociedade e que esse
indivíduo seja capaz de perceber o seu papel social e de se envolver com o bem
público e com o bem comum. A atitude de estar voltado apenas para si, em
caráter estritamente privado e egocêntrico, o encarcera, o limita de crescer e
de refletir o conhecimento adquirido. Tal atitude também o impede de alçar
patamares cada vez mais proativos, bem como de contribuir para uma
transformação social em cadeia que, no final, beneficia toda a sociedade. Isso
se reflete em bons empregos e em salários diferenciados; é claro que esse
sucesso profissional depende do empenho individual, bem como da qualidade
do ensino.
A responsabilidade da academia permeia o estudante nas duas esferas,
teórica e prática, e deve se estender para além dos campi universitários, no
âmbito da extensão universitária, com atividades de assistência aos
produtores, in loco, através de estágios ou vivências acadêmicas.
A academia possui um importante papel na formação de profissionais
cidadãos que ajudam a criar soluções para resolver os problemas do campo e
construir melhor qualidade de vida para a sociedade e para os animais. Num
país em desenvolvimento, como o Brasil, o compromisso das universidades (e
que deve ser cobrado pela sociedade!) é gerar e promover conhecimentos que
não sejam medíocres, que não se resumam a meras publicações (muitas vezes
inúteis ou de serventia duvidosa) e repetições teóricas, mas sim que estas
entidades possam ampliar nos alunos a noção de sua importância social e
estimular a percepção do universo complexo da saúde animal, livre de
posturas irresponsáveis e levianas.
Os professores, atores fundamentais nesse processo, por sua vez, devem
ser denunciados ou cobrados, quando se omitem ou quando se posicionam
como incapazes, com perfil de evidente distanciamento ou ausência em
questões que requerem efetiva participação na formação dos seus alunos. A
envergadura desse compromisso faz do estudante, do educador e da
universidade um sucesso ou um total fracasso.

267
Nesse caminho cabe alertar os colegas para despertar essa consciência
nos alunos: implantar a noção de que o “mundo”, felizmente, está mudando
em direção à proteção dos animais. Sociedades (e também pessoas) com
notório déficit civilizatório são aquelas que, além de desprezarem os valores
morais e éticos, cometem barbarismos contra os seres mais indefesos. Como
muito claramente nos ensinou Santo Agostinho (354-430 d.C.) apenas o amor
e as virtudes morais e éticas nos separam da barbárie.

268
13. REFERÊNCIAS

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ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MINAS GERAIS. Lei nº 22.231 - Dispõe sobre


a definição de maus-tratos contra animais no estado e dá outras providências.
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Aprova o Código de Ética do Médico Veterinário. Brazil, 2016.

CFMV (Conselho Federal de Medicina Veterinária). Resolução n° 1236 – Define


e caracteriza crueldade, abuso e maus-tratos contra animais vertebrados,
dispõe sobre a conduta de Médicos Veterinários e Zootecnistas e dá outras
providências. Brasil, 2018.

CONCEA-2018. Anexo - diretriz da prática de eutanásia do CONCEA.


Disponível em: Anexo-Resolucao-Normativa-n-37-Diretriz-da-Pratica-de-
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CONCEA-2018. Resolução Normativa Nº 37, DE 15 de fevereiro de 2018.


Disponível em: RN-37.pdf

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administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente,
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