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Como Ver Um Filme Ana Maria Bahiana

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Folha de rosto
Ficha catalográfica Copyright © 2012, by Ana Maria Bahiana
Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela Editora Nova Fronteira
Participações S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e
estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja
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Texto revisto pelo novo Acordo Ortográfico.

CIP-Brasil. Catalogação na fonte.


Sindicato Nacional dos Escritores de Livros, RJ.

B135c Bahiana, Ana Maria


Como ver um filme / Ana Maria Bahiana. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

Filmografia
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-209-3125-7

1. Cinema. 2. Cinema – Apreciação. 3. Plateias de cinema. I. Título.


CDD: 791.43
CDU: 791.43
Introdução

Introdução
Quase tudo que sei aprendi na sala escura do cinema
ou Como (e por que) ver um filme
UMA DAS MINHAS CENAS FAVORITASde qualquer filme em qualquer época é a do
final de Crepúsculo dos deuses (Sunset Blvd., 1950), de Billy Wilder.
Completamente ensandecida, a outrora grande estrela Norma Desmond
(Gloria Swanson, magnífica), banida das telas pela idade (“uma velha de
cinquenta anos!”, ruge, a certo momento, o seu
protegido/explorador/vítima, Joe Gillis/William Holden) desce lentamente a
escadaria de sua mansão. É um truque para fazê-la entregar-se
pacificamente à polícia. A casa está repleta de policiais, repórteres e
equipes dos “jornais da tela”, os “telejornais” do momento. Num gesto de
compaixão, Max, o chofer que um dia foi diretor (Eric Von Stroheim),
convence Norma de que ela está num set de filmagem, em plena produção
do roteiro que ela vem tentando produzir ao longo de todo o filme, mais
uma versão do drama de Salomé e João Batista. Todas aquelas luzes! Todas
aquelas câmeras! Toda aquela gente! Que maravilha! Emocionada, Norma
pede para fazer um discurso. Diz que está feliz em voltar a um set, e que
jamais abandonará seus fãs. E, acima de tudo, conclui que, para ela, não
existe mais nada, “apenas as luzes, as câmeras e todas aquelas pessoas
maravilhosas na escuridão”.
E, dirigindo-se a nós e à lente da câmera, desaparece num dos mais
geniais fade-outs do cinema.

SUSAN SONTAG,que teorizou sobre quase tudo, diz que a experiência


essencial de ir ao cinema é o desejo de “ser sequestrado pelo filme, ser
possuído pela presença física da imagem”. É uma boa analogia, e
definitivamente parte do charme centenário da arte. No entanto, não creio
que seja apenas isso; sou mais partidária das visões de Jean Cocteau, Luiz
Buñuel e David Lynch: o cinema é a arte mais próxima do sonho acordado.
Estamos no escuro, mas de olhos bem abertos. Se o filme for realmente
bom, se ele for tudo o que uma película pode ser, conversará conosco,
exigindo de nosso cérebro, alma, espírito, corpo astral ou seja lá o que se
quiser chamar a contrapartida de preencher as lacunas, absorver o que é
apenas intuído, mas não é visto por completo, associar som e imagem, e,
dentro dessa última, cor, textura, ritmo e luminosidade.
É um sonho, mas proposto por outra pessoa: cabe a nós torná-lo nosso
sonho. Ou não.
A isso eu chamo ver, e não assistir. Passar do estágio de plateia passiva
— a que se deixa sequestrar pelo filme — para o de plateia ativa — que
colabora com os realizadores acrescentando ao filme sua percepção,
memórias e emoções de espectador. Deixando-se levar por algumas ideias,
recusando outras. Compreendendo, o tempo todo, por que está vendo o que
está vendo (e não outra coisa), nesta ordem (e não em outra) e com estes
sons (e não outros, ou nenhum).
Quando conseguimos isso, a experiência de ir ao cinema se
transforma. O filme se abre para nós. Passamos a compreender intenções e
planos de quem nos propõe o sonho do dia, e a ter os apetrechos para
aceitá-los ou não. O filme se torna, como deve ser, uma conversa. De
preferência, uma conversa inteligente.

UMA PLATEIA sonhando conscientemente. É uma plateia


DESPERTA,
interessante: curiosa — e perigosa. É mais difícil subestimá-la, ofender sua
inteligência. Torna-se absolutamente essencial para os realizadores cumprir
sua parte do trato: honrar o investimento inestimável de dinheiro (e o
aumento do preço do ingresso garante que esse investimento seja cada vez
mais substancial) e, sobretudo, o tempo que cada pessoa na plateia
disponibiliza quando opta por ver um filme. O que estou dando em troca
das duas preciosas horas de vida e atenção absoluta que essa pessoa
escolheu dedicar à minha visão? Algo inteligente ou tosco? Fascinante ou
repulsivo? Estimulante ou emburrecedor? Importante apenas para o meu
umbigo ou capaz de tocar outras vidas?
Se cada realizador imaginar que ali, no escuro da sala, cada uma
daquelas pessoas maravilhosas está alerta, sabendo o que está vendo e por
que está vendo, essas perguntas deixam de ser retóricas e passam a integrar
um verdadeiro contrato entre produtor e consumidor de arte e
entretenimento. Um contrato que, num cenário ideal, nos elevará, dos dois
lados da luz da tela.

como uma ideia simples — desvendar o outro lado


ESTE LIVRO COMEÇOU
dos filmes para todos nós, no escuro da plateia — e evoluiu para uma
sequência de fascinantes contatos com pessoas de todo o Brasil, por meio
de cursos e palestras, muitos deles realizados sob os auspícios da Casa do
Saber do Rio de Janeiro e São Paulo. Como afirmo no início de cada um
desses encontros, a proposta não é formar cineastas ou teóricos — existem
muitos e bons cursos e livros dedicados a essa tarefa — mas sim, formar
plateias informadas, críticas, mais bem-habilitadas a compreender o que
veem e a escolher do que gostam.
Temos em comum o mesmo amor pelo cinema. De uma forma ou de
outra, os sonhos e ideias de gente que nunca conhecemos, a maioria do
outro lado do planeta, alimentou e forjou nosso modo de ver o mundo, de
caminhar nele, de interagir. Herdamos dessas visões alheias desejos de
beijos, fantasias de cópulas, terrores noturnos, pesadelos ao meio-dia,
duelos na rua principal, aiô Silver!, cubra-me!, Houston, we have a problem.
Vamos precisar de um barco maior. Teremos sempre Paris. Rosebud! It’s
showtime!
Tudo o que espero é que, ao final deste livro, eu tenha compartilhado o
que aprendi ao longo não apenas de todas essas horas na sala escura do
cinema, mas também em muitas e muitas outras, em sets de filmagem, salas
de reunião, cafés, festivais, calçadas, entre fios e trilhos, em depósitos,
galpões, trens e aviões, conversando, perguntando, ouvindo, aprendendo
com quem dedica sua vida a compor essas visões para nosso espanto, horror
e delícia.
Parte 1: Os Alicerces
1. Entre arte e comércio: como nascem os filmes

1. ENTRE ARTE E COMÉRCIO: COMO


NASCEM OS FILMES
“Ninguém sabe nada.”
William Goldman, roteirista
UM FILME É UMA CRIATURA muito especial, muito específica, nascida das
mesmas vontades antigas que levaram nossos antepassados a narrar uma
caçada ao mamute nas paredes das cavernas de Lascaux ou criar miniaturas
com cenas das vidas dos santos. Num filme está um impulso ao mesmo
tempo mais primitivo que o da leitura e mais tecnologicamente sofisticado
que o do teatro. Como na leitura, queremos narrativas que alimentem nossa
imaginação — mas diferentemente do livro, onde mundos interiores,
paisagens distantes, estados de espírito e intenções ocultas podem ser
descritos, deixando que nossa imaginação preencha o vácuo, o filme tem a
obrigação de nos mostrar, ou pelo menos balizar visualmente cada uma
dessas coisas. Como no teatro, ele propõe a apreciação do movimento, da
presença humana, da máscara do personagem — mas apenas com a
intermediação da imagem captada, uma camada adicional de interferência,
manipulação, irrealidade.
E assim, desse jeito tão peculiar, o cinema tem capturado nossa
atenção, nossa imaginação, nosso tempo e nosso dinheiro há mais de um
século.
Um filme é uma encruzilhada de elementos contraditórios. Exige ao
mesmo tempo a mais alta tecnologia de imagem e som e o artesanato mais
puro de corte, costura, bordado, maquiagem, escultura, carpintaria. Segue a
visão de uma pessoa, o diretor, mas emprega os talentos de uma pequena
multidão de indivíduos igualmente criativos. E — muito importante —
equilibra-se no gume afiado entre arte e comércio.
Os tempos românticos de “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão”
se foram. É claro que existe toda uma produção cinematográfica que pode
se ater a esse princípio, assim como existe toda uma outra produção
audiovisual cujo destino são galerias, museus e salas especiais. Mas não é
de nenhuma das duas que falamos aqui. Falamos daquela que chega ao
cinema da sua cidade, à sua locadora ou à sua TV. E, para essa, o
contorcionismo entre criatividade e responsabilidade fiscal é o que está na
base, na raiz. É a tensão entre dois polos que podem se aniquilar
mutuamente ou gerar maravilhas.
As normas que hoje regem o mercado da produção cinematográfica
mundial não são exatas e rígidas, mas, basicamente, a filosofia principal é:
um filme, mesmo “barato”, é caro; antes de investir a pequena fortuna
necessária para que ele se torne realidade, há que se tentar ao máximo
minimizar os riscos. E esse processo interessa de perto a nós, os
espectadores, porque são as decisões tomadas durante essa tentativa de
minimizar os riscos que, em última análise, determinam a forma final que
um filme terá, se ele será ousado ou conservador, autoral ou formulaico,
luxuoso ou cru, cheio de estrelas ou repleto de desconhecidos, digital ou em
película, rodado em alguma ilha do Pacífico ou dentro de algum estúdio.

QUANTO CUSTA
CUSTOS MÉDIOS DE PRODUÇÃO DE:
FILMES PRODUZIDOS INTEIRAMENTE DENTRO DE UM GRANDE ESTÚDIO DE HOLLYWOOD:
70 milhões de dólares
FILMES INDEPENDENTES NORTE-AMERICANOS: 40 milhões de dólares
FILMES BRITÂNICOS E AUSTRALIANOS: 20 milhões de dólares
FILMES INDIANOS: 5 milhões de dólares
FILMES BRASILEIROS: 1,5 milhões de dólares
CUSTO MÉDIO DE LANÇAMENTO DE FILMES (CÓPIAS, MARKETING, DIVULGAÇÃO): de
30 a 50% do orçamento de produção
FONTES: Motion Picture Association of America, British Film
Institute, Filme B

A jornada de um filme, da primeira ideia à nossa chegada ao cinema


com um saco de pipoca nas mãos, cumpre seis etapas distintas:

▪ Desenvolvimento
▪ Pré-produção
▪ Produção
▪ Finalização
▪ Testes e plano de marketing
▪ Distribuição

Com sorte, dinheiro em caixa, profissionais que cumprem prazos,


catástrofes naturais ausentes e estrelas tranquilas e estáveis, essa trajetória
leva de 18 a 24 meses. Sem nada disso, pode durar três, cinco, dez, até vinte
anos. Os deuses do cinema não contam o tempo real, apenas o tempo de
tela.

O DESENVOLVIMENTO É, POSSIVELMENTE,a etapa menos conhecida e mais


importante da gestação de um filme. Ele é a rede de segurança do projeto:
cobre os meses (de três a seis, em média) em que o filme existe apenas no
papel, e demanda trabalho de um pequeno número de profissionais (dois,
três, cinco no máximo), com um gasto de aproximadamente 1% do custo
final do projeto.
É nesse momento de casulo que uma ideia, livro, série de televisão ou
roteiro prova ser um filme… ou não. Nem tudo aquilo que é fascinante
numa mídia pode ser traduzido para o cinema com o mesmo resultado — e
esse é um dos erros mais comuns dos realizadores principiantes. Obras
literárias que se apoiam principalmente no mundo interior dos personagens.
Séries de TV com personagens esquemáticos, superficiais ou com temas
específicos de determinadas épocas. Novelas gráficas de grande
complexidade, com várias tramas paralelas. Estes são apenas alguns dos
elementos que podem se mostrar fatais para um filme.
Num desenvolvimento bem-feito, esses problemas aparecem antes que
fortunas tenham sido gastas para contratar roteiristas e atores, e possibilitam
decisões feitas em condições mais tranquilas: deve-se continuar ou não com
o projeto? O que pode ser alterado? O que não pode?
O desenvolvimento começa quando alguma propriedade intelectual é
comprada (o que explica um velhíssimo jargão da indústria: “Nada acontece
até que o dinheiro troque de mãos.”). Essa propriedade pode ser:

▪ Pitch. Pitch é um termo de beisebol que significa “arremesso”. É


um dos muitos jargões do esporte norte-americano que foram
incorporados pela prática cinematográfica de quase todo o mundo. O
pitch é exatamente isso — o “arremesso” da ideia de um filme, feito por
quem a criou, para quem pode realizá-la. O “arremessador” pode ser
um roteirista com um texto pronto ou idealizado, um diretor que teve
uma inspiração, escreveu ou achou um roteiro ou livro interessante, ou
um produtor independente num desses casos, mas com recursos
limitados para ir em frente. O “recebedor” do “arremesso” pode ser um
produtor poderoso, uma estrela com sua própria butique produtora, um
agente com bons contatos na indústria internacional, um grande
estúdio, uma distribuidora ou uma companhia de vendas
internacionais.
Como quase tudo na indústria, o pitch é altamente ritualizado, com
uma etiqueta própria. Um encontro específico para o pitch precisa ser
previamente agendado (a não ser durante festivais e mercados,
verdadeira artilharia de pitches). O arremessador deve chegar
pontualmente, mesmo que tenha que esperar um bom tempo pela sua
chance de pitch. Uma vez diante de seu “alvo”, ele deve aceitar a bebida
que o assistente lhe oferece, participar de aproximadamente cinco
minutos de conversa fiada e — isso é fundamental — só começar o
pitch quando o recebedor indicar que está pronto para ouvi-lo (isso em
geral é assinalado por frases como “Então, o que você tem para nós?”
ou “Tem tido alguma boa ideia ultimamente?”).
O pitch deve ser breve, claro e poderoso. Se tiver mais de vinte
minutos, é arremesso fora. Nesse tempo, o arremessador deve
descrever o futuro filme e, mais do que isso, vendê-lo como algo
irresistível, envolvente, original (mas não muito — veremos por que
em breve). Pode e deve dar ideias de elenco — “uma personagem tipo
Penélope Cruz”, “vejo Clive Owen neste papel” —, transmitir o clima
da obra — “imagine um deserto gelado num planeta distante” — e
referenciar outros filmes e realizadores — “é como se fosse um Blade
Runner dirigido por François Truffaut.” Se o arremessador for um
profissional de renome (sim, profissionais de renome também têm que
passar por este rito: perguntem a Martin Scorsese quantas vezes ele
teve que “arremessar” Gangues de Nova York), é de bom-tom lembrar
sucessos recentes, mesmo que o alvo insista que, é claro, é fã,
admirador e conhecedor do trabalho do arremessador (com quase toda
certeza ele não se lembra de um título sequer).
O ritual pode se encerrar com um aperto de mãos que não quer
dizer absolutamente nada ou com um polido “é ótimo, mas não creio
que seja um projeto para nós”. É o mais comum. Se o recebedor
começar a fazer perguntas — “E se a personagem de Penélope Cruz
tivesse uma filha?” — e a dar sugestões — “podemos passar de um
deserto para uma cidade fantasma” —, é sinal de que um “sim” está a
caminho. Em casos raros — mas que acontecem — há tapas na mesa,
gritos de admiração e uma minuta de contrato produzida
imediatamente: o pitch foi comprado, por valores na casa das dezenas
ou centenas de milhares dólares, em geral com a estipulação de um
valor extra a ser recebido pelo autor caso o projeto de fato vá adiante,
ou seja, passar pelo crivo do desenvolvimento.

▪ Roteiro ou argumento on spec. Um argumento é a narrativa do


filme sem indicação de cenas e diálogos; é a história que o filme
contará. O roteiro é essa história já formatada para ser filmada, com as
divisões de cena, especificações de local e hora do dia e diálogos. Um
roteiro ou argumento escrito sem ter sido encomendado (e pago com
antecedência) é chamado on spec — literalmente, em bases
especulativas. Um roteirista que decide devotar seu tempo — não
remunerado — a escrever um material que depois será colocado à
venda pode ganhar em liberdade criativa (ao menos inicialmente) e, se
o mercado estiver aquecido, embolsar uma bela quantia. O recorde
atual para um roteiro escrito on spec é de cinco milhões de dólares,
pagos em 2005 a Terry Rossio e Bill Marsilii por Déjà vu, que depois
seria dirigido por Tony Scott e estrelado por Denzel Washington.

▪ Obras já existentes. Livros, quadrinhos, peças de teatro, graphic


novels, séries de TV, atrações de parques temáticos, videogames, tudo
isso pode se transformar em filme — desde que os direitos sejam
comprados, ou melhor, opcionados, dando ao comprador um
determinado tempo para levar o projeto à tela. Outro tipo de
propriedade que, cada vez mais, tem sido adquirida é o filme já pronto.
Opcionam-se então os direitos de refilmagem, pelo qual personagens e
situações do original podem ser reinterpretados em outra língua e
contexto — o que aconteceu, por exemplo, com o coreano Mou gaan dou,
que se transformou em Os infiltrados, e com o japonês Ringu, que virou O
chamado.
Uma vez adquirida a propriedade intelectual que vai servir de
base ao projeto de filme, o desenvolvimento entra em sua segunda
etapa: a análise de viabilidade. Com base nas informações
disponíveis, levantam-se os custos prováveis de produção e estabelece-
se um cronograma de pré-produção e filmagem que dará a data
aproximada de entrega do filme. Isso é crucial para um filme feito
dentro de um estúdio, que tem um calendário rígido de lançamentos,
estudado cuidadosamente de acordo com as oscilações do consumo e
da concorrência. Para um filme produzido de forma independente, em
qualquer língua ou país, é igualmente fundamental: não só porque cada
país tem as suas datas boas e ruins de lançamento, mas principalmente
porque os compromissos assumidos com investidores, financiadores e
distribuidores requerem uma data certa de entrega do filme completo.
Saber quanto um filme pode custar é apenas uma parte da análise.
A outra parte é tentar projetar quanto ele pode render. Não é um gesto
tão frio e calculista quanto pode parecer à primeira vista — os mais
sérios realizadores autorais sabem que a expectativa de gastos tem que
se adequar à expectativa de ganhos. Essa responsabilidade fiscal faz
parte do empenho de criar o melhor filme possível — com ênfase tanto
no “melhor” quanto no “possível”. É uma parte essencial das perguntas
que devem nortear o desenvolvimento: Que filme vamos fazer? Um
trabalho experimental, destinado a poucas telas ou apenas a festivais?
Um sólido filme de gênero que talvez não vá para os cinemas, mas que
pode fazer boa carreira em DVD e na TV? Um filme classudo que
pode ousar a temporada de prêmios? Um arrasa-quarteirão, bem
pipocão?
É claro que isso não é uma ciência exata — como diz o experiente
e oscarizado William Goldman (Todos os homens do presidente, Butch Cassidy)
na nossa epígrafe, “Ninguém sabe nada”. Nem sucesso nem fracasso
podem realmente ser previstos. Mas as variantes podem ser estudadas
e os riscos, atenuados. Custa menos do que se arriscar na cara selva do
mercado sem a munição correta.
Normalmente, o processo de avaliação e estudo de viabilidade é
feito em duas frentes: enquanto o gerente de produção destrincha os
custos possíveis, o diretor de desenvolvimento analisa o material de
base sob um ângulo criativo. Se é um livro ou graphic novel, que roteirista
melhor poderia adaptá-lo? Se é um roteiro, ele está pronto para ser
filmado? Muito raramente um script sai completamente certinho na
primeira tentativa — até mestres como Paul Schrader, Robert Towne,
Paul Gaghan e William Goldman reescrevem seus textos à exaustão.
Se o material precisa ser reescrito, quem melhor o faria? E que áreas
precisam ser melhoradas: os diálogos? A estrutura? O final? Há
necessidade de mais clareza, mais ação, mais profundidade?
E o conceito, a premissa mesmo da história, é interessante? Para
projetos decididamente autorais essa pergunta não tem muita
relevância, mas, mesmo assim, um produtor consciente deve pelo
menos tentar antecipar como o tema do projeto será recebido pelas
plateias. Há possibilidade de controvérsia? Isso pode ser bom... ou não.
É conservador demais, ou talvez ousado demais? Banal?
Excessivamente violento? Muito água com açúcar? Pouco água com
açúcar?
Talvez o projeto pertença a um gênero no ostracismo — mas será
que não está na hora de trazê-lo de volta? Estudos de tendência de
mercado mostram que tudo aquilo que foi muito popular 20, 30 anos
atrás está pronto para ser apreciado novamente. Os épicos históricos do
subgênero “espada e sandália” estavam no exílio há três décadas em
1997, quando o roteirista David Franzoni começou a cortejar os
poderosos — a DreamWorks e o diretor Ridley Scott — para levar às
telas seu roteiro Gladiador.
Finalmente, quando tudo isso está determinado, tenta-se avaliar
como o custo disso tudo se comporta frente ao esperado retorno. Uma
forma não exatamente científica de fazer esse cálculo é levar em
consideração o quanto títulos semelhantes renderam na bilheteria, e,
para produtores independentes que não podem ou não querem
trabalhar com dinheiro dos estúdios (e as obrigações e concessões que
isso implica), que valores alcançariam nos mercados de cinema, em
vendas antecipadas dos direitos de distribuição.
Quando tudo isso é avaliado, o produtor — que deve ter pilotado
todo o processo, desde a aquisição do material de origem — precisa
tomar as decisões-chave que darão a forma do filme que, um ou dois
anos depois, iremos ver:

• Pequeno ou grande orçamento? Até onde se pode estender o


risco de um orçamento maior? Até onde um orçamento menor pode
comprometer a qualidade do projeto?
• Que tipo de diretor? Diretor estabelecido, emergente ou
estreante? Autoral ou profissional? Comercial ou experimental? O que
vale mais a pena: um diretor estrela, que atraia vendas internacionais
mas pode ser difícil e exigente, ou um diretor confiável, que vai
entregar o projeto no prazo, dentro do orçamento, mas com menos
ideias e criatividade?
• Astros ou conjunto de elenco? Grandes estrelas podem ancorar
e viabilizar projetos apenas com seus nomes — a presença de Angelina
Jolie assegurou que o “difícil” O preço da coragem, sobre o assassinato do
jornalista Daniel Pearl nas mãos de terroristas paquistaneses, fosse
realizado por um diretor autoral (Michael Winterbottom) e em locação
na Índia. Mas astros têm agendas próprias, calendários cheios de
compromissos, agentes agressivos e cachês normalmente na casa dos
milhões — e nem sempre são os atores ideais para os papéis.
• Estúdio, locação ou ambos? Digital? A novela gráfica 300, de
Frank Miller, estava há anos perambulando pelas salas dos executivos
da Warner, prisioneira da relação custo/benefício, até que o diretor
Zack Snyder apresentou um rascunho de como o projeto poderia ser
realizado por um quarto do custo e do tempo previstos, se feito com
recursos digitais nos próprios estúdios da Warner, e não em alguma
remota locação.
• Serão necessárias alterações substanciais na história? Muitos
produtores hesitam em rodar um filme que possa ser proibido para
menores de 17 anos, que, hoje, constituem o mais cobiçado público de
cinema. Ou talvez o projeto não tenha um público-alvo definido:
mulheres? Homens? Adolescentes? Famílias? Muitas vezes o diretor
que é finalmente contratado quer tornar o filme mais próximo de seu
estilo. Estrelas de primeira grandeza rotineiramente exigem que suas
cenas sejam reescritas, ampliadas e customizadas ao seu modo de falar
e agir.

Quando este processo termina, o filme que iremos ver ainda não passa
de montes de papéis, mas a maior parte de seu destino já foi selada.
Agora são contratadas as peças-chave da equipe: o diretor, que, a partir
deste momento, assume o papel de comandante supremo do projeto; os
atores principais, escolhidos pelo diretor com a consultoria do diretor de
elenco e, é claro, os palpites do produtor; o diretor de fotografia e o diretor
de arte, braços direito e esquerdo do diretor, escolhidos diretamente por ele.
O projeto saiu do casulo do desenvolvimento, recebeu a luz verde e está
pronto para voar.

a pré-produção é a hora do recreio.


SE O DESENVOLVIMENTO É UM INFERNO,
Ainda livres das amarras da realidade, do universo tridimensional, o diretor
e sua equipe podem imaginar o roteiro de todos os modos, por todos os
ângulos, e, com o auxílio de storyboards, conceitualizações e visualizações, ter
uma boa ideia de como será o resultado final. Os detalhes aborrecidos de
quem tem que fazer o que e quando ficam por conta do gerente de produção
(produtor executivo, no Brasil), a quem cabe a tarefa de transformar o
roteiro num plano de filmagem, especificando que cenas serão filmadas
quando, onde e com que integrantes do elenco e da equipe; que
equipamentos serão necessários; se efeitos especiais, armas e dublês serão
usados; se há figurantes, e quantos; e como toda essa gente será
transportada e alimentada. Uma equipe de filmagem tem entre quarenta e
cem integrantes, fora o elenco e os extras — em casos de grandes
produções, esse número pode ser facilmente triplicado ou quadruplicado. É
como movimentar um circo ou um exército, ou decolar um jumbo, todos os
dias durante seis, oito, doze semanas… ou mais.
Enquanto isso, o diretor conspira com seus dois generais: o diretor de
fotografia e o diretor de arte. A meta é estabelecer o conceito visual do
filme, seu estilo. Com o diretor de fotografia (o DP, director of photography, na
taquigrafia da indústria), o diretor seleciona os tipos de película, câmeras e
lentes a serem empregados. Cenas-chave ou todo o filme são decupados em
storyboards, onde diretor e o DP imaginam como cada imagem ficará se
mostrada de determinado ângulo, com determinados movimentos. (Alguns
diretores, como Martin Scorsese, Akira Kurosawa, Federico Fellini e Tim
Burton, desenham seus próprios storyboards; outros, como os irmãos Coen e
Quentin Tarantino, confiam o trabalho
sempre aos mesmos profissionais, que se tornam verdadeiros parceiros de
sua visão, com acesso privilegiado ao roteiro).

O QUE O
DESENVOLVIMENTO
FAZ — A HISTÓRIA DE
UMA LINDA MULHER
braço de produção da Disney, adquiriu
NO FINAL DE 1988, A BUENA VISTA,
os direitos de um roteiro on spec escrito pelo então jovem talento mais
badalado do laboratório Sundance, o J. F. Lawton. Entitulado 3000, o
roteiro era uma mistura de La Traviata e Pigmaleão, e contava a jornada de
uma garota vinda do interior que se torna prostituta em Los Angeles,
vicia-se em cocaína e aceita passar uma semana com um alto executivo
pelo preço de três mil dólares, dinheiro que ela precisa para realizar
seu sonho — ir à Disneylândia. O final era triste e cínico — a moça
termina abandonada na beira da freeway a caminho da Disneylândia, e
tem uma overdose — mas a estrutura era excelente, e os personagens,
bem-desenhados. Quando os agentes de uma nova atriz ascendente —
Julia Roberts, que aparecera no independente Mystic Pizza e acabara de
filmar Flores de aço, gerando altas doses de zum-zum positivo —
sondaram a Disney sobre possíveis projetos para sua cliente, Laura
Ziskin, produtora executiva no estúdio, na época, lembrou-se de 3000.
Instintivamente, Ziskin sabia que muita coisa teria que ser mudada: o
final, o subplot da cocaína e todas as suas ramificações, o tom amargo
da trama. Isso se Julia dissesse sim.
E Julia disse. Lawton foi convocado, uma nova versão foi
proposta. Julia e o estúdio queriam menos Traviata e mais Gata borralheira.
Muito mais.
Lançado em 1990 com direção do experiente Garry Marshall, Uma
linda mulher impulsionou a carreira de Julia Roberts, reapresentou a
comédia romântica para uma nova geração, e, tendo custado 14
milhões de dólares, rendeu quase 500 milhões no mundo todo. Julia
ganhou um Globo de Ouro e foi indicada ao Oscar. J.F. Lawton ganhou
o prêmio da Writers Guild of America, por roteiro original.

O INFERNO DO
DESENVOLVIMENTO
CINCO ROTEIROS QUE JAMAIS VIRAM A LUZ DAS TELAS:
Flamingo Feather,
Alfred Hitchcock, 1956. Intriga de espionagem,
recheada de suspense (é claro), passada na África do Sul. Hitchcok fez
uma viagem de pesquisa à África do Sul e chegou à conclusão de que
não conseguiria realizar o projeto por um orçamento razoável.
Edward Ford, Lem Dobbs, 1979. Na mitologia de Hollywood, Edward
Ford é “o melhor roteiro não produzido jamais escrito”. Dobbs (nome
real Lem Kitaj, nascido em 1959 em Oxford, Grã-Bretanha) veio a ter
uma carreira estelar como roteirista, assinando Tudo por uma esmeralda,
Kafka e O estranho. Mas sua sombria comédia sobre um aspirante a ator
em queda livre pelas entranhas da indústria permanece inédita.
One Saliva Bubble, David Lynch e Mark Frost, 1987. Antes de
conspirarem para criar a megacult série de TV Twin Peaks, Lynch e Frost
criaram este script, uma espécie de Dr. Strangelove para o final do século
sobre uma arma nuclear que, ao dar defeito, causa todo tipo de
transtorno. Por exemplo: fazer todo o queijo de uma cidade do Kansas
desaparecer. O projeto chegou a ser anunciado no mercado de Cannes
em 1992 na euforia pós-Peaks, mas ficou nisso mesmo.
Smoke and Mirrors, Lee e Janet Scott Batchler, 1994. Livremente
inspirado num fato real — o envolvimento do mágico Houdin numa
tentiva de controlar rebeldes na Argélia francesa de 1856 —, o roteiro
já atraiu a atenção de Sean Connery, Michael Douglas e Tom Cruise,
mas jamais saiu do papel.
A Crowded Room, James Cameron, 1995. Durante anos James
Cameron foi fascinado pela história de Billy Milligan, um homem
preso e acusado de vários crimes graves no Meio-Oeste americano, em
1979. Ao preparar sua defesa, seus advogados descobriram que
Milligan sofria de personalidade múltipla, e que os assaltos e estupros
tinham sido cometidos cada um por uma de suas 24 personalidades,
sem o conhecimento das demais. O distúrbio foi confirmado por
diversos psiquiatras, e Milligan foi o primeiro réu a usar personalidade
múltipla em sua defesa. Cameron opcionou o livro de Daniel Keyes
sobre o caso e escreveu um roteiro interessantíssimo, com muitos
elementos que seriam vistos anos depois em Uma mente brilhante, de Ron
Howard. Mas quando o financiamento de outro projeto seu finalmente
ficou disponível, Cameron abandonou A Crowded Room e foi filmar Titanic.

Para sequências complicadas, como perseguições, tiroteios e batalhas,


os storyboards são uma ferramenta indispensável — ajudam a prever todas as
variantes positivas e negativas, antes que o “taxímetro” dos custos de
filmagem comece a rodar.
Com o diretor de arte — que a essa altura já montou a sua equipe, com
o figurinista, o chefe de maquiagem e cabelo e o criador dos cenários —, o
diretor trabalha a “encarnação” de personagens e ambientes do filme.
Locações podem já ter sido pré-selecionadas, aguardando apenas a palavra
final do diretor e do diretor de arte — ou, pelo contrário, são imaginadas e
desenhadas nesta etapa, com o auxílio de artistas conceituais, e depois
procuradas no mundo real ( o “lago gelado” que serve de cenário a um
confronto importante de Rei Artur, de Antoine Fuqua, 2004, foi criado
primeiro pelos artistas conceituais e depois achado parcialmente na Nova
Zelândia. Montanhas, geleiras e nuvens digitais fizeram o restante.).
Muitas vezes cabe a esta fase a criação dos próprios personagens do
filme. Se seu roteiro pede um monstro assassino, um visitante extraterrestre
ou um flexível e transparente ser das profundezas abissais, nenhuma
produtora de elenco poderá resolver seu problema. O brainstorm entre diretor,
diretor de arte e artista conceitual — muitas vezes com a participação do
roteirista — deu a forma final a personagens famosos como o alien de Alien,
o oitavo passageiro (Ridley Scott, 1979; concepção de H.R. Giger), o
extraterrestre de E.T. (Steven Spielberg, 1982; concepção de Carlo
Rambaldi) ou o pseudopod de O segredo do abismo (James Cameron, 1989;
concepção de Dennis Muren & ILM).

e as minúcias do projeto resolvidos —


IDEALMENTE, COM TODOS OS PROBLEMAS
pelo menos no papel —, o projeto entra, afinal, em fase de produção, que é
o que a maioria das pessoas associa com “fazer um filme”. Para nós, na
plateia, é interessante saber que, quando as câmeras começam a rodar, a
maior parte do tempo de criação de um filme já está, geralmente, no
passado, nas etapas de desenvolvimento e pré-produção. De muitos modos,
é como se todo o filme já tivesse sido realizado na cabeça do diretor (e do
roteirista) e, agora, simplesmente tivesse que ser passado para uma mídia
que nos possibilite vê-lo também.
No set de filmagem — um pouco circo, um pouco laboratório —, a
visão se realiza e os planos confrontam a dura realidade. Acidentes
acontecem, com todo tipo de resultado, do tufão catastrófico que destruiu os
cenários de Apocalipse Now nas matas das Filipinas ao ator que se intimidou
com a presença de Daniel Day-Lewis em Sangue negro e foi substituído no
meio da filmagem por Paul Dano, inicialmente escalado para fazer o irmão
dele (criando, assim, uma nova e peculiar textura aos personagens, que
passaram a ser gêmeos). Um gato vira-lata pula no colo de Marlon Brando
durante a filmagem da cena de abertura de O poderoso chefão e é rapidamente
incorporado pelo ator ao mundo doméstico de seu personagem, dando uma
dimensão imprevista ao poderoso diálogo com Bonasera. Uma atriz famosa
— Ali McGraw — se divorcia do produtor — Robert Evans — na véspera
do início das filmagens e é substituída por outra, que absolutamente rouba o
papel — Faye Dunaway — em Chinatown (Roman Polanski, 1974). Atores
morrem no meio das filmagens — Brandon Lee em O corvo (Alex Proyas,
1994), Oliver Reed em Gladiador (Ridley Scott, 2000) —, obrigando a novas
abordagens da trama.
Sem falar nos amores — o diretor Peter Bogdanovich se apaixonando
pela então atriz estreante Cybill Shepherd em pleno set de A última sessão de
cinema (1970) diante dos olhos da esposa, a diretora de arte Poly Platt —,
desamores, birras, brigas — Peter Fonda rompendo com Dennis Hopper a
meio caminho das filmagens de Sem destino (1969), criatura de ambos —,
explosões, fofocas: uma vasta gama de complexas interações humanas que
ocorrem no mundo hermeticamente fechado do set de filmagem e que
podem, de um modo ou de outro, interferir na estrutura tão rigorosamente
planejada do filme.
Durante as filmagens — um processo que pode durar de seis semanas
a dez meses —, o material de cada dia é avaliado pelo diretor e pelos
produtores através de cópias temporárias chamadas dailies, em que o
desempenho de todos — atores, diretor, equipe técnica — é avaliado com
rigor. Erros sérios de continuidade — coerência entre os elementos de uma
mesma cena — ainda podem ser corrigidos, abordagens dos personagens e
tomadas de cena ainda podem ser alterados.
Uma vez aprovado e colocado “na lata”, o material bruto de um filme
só terá mais uma oportunidade para ser melhorado, corrigido ou salvo: a
pós-produção.

NA PÓS-PRODUÇÃOo filme recebe sua forma final, através de montagem,


sonorização e efeitos visuais e sonoros. Como veremos mais adiante, cada
um desses elementos pode alterar radicalmente o tom, a textura e até
mesmo a intenção de sequências inteiras, e, muitas vezes, do próprio filme.
Filmes podem nascer na pós-produção — Tubarão (Steven Spielberg, 1975)
foi um deles — ou nela morrer, com elementos vitais cortados, adicionados,
modificados — a primeira versão de Blade Runner, em 1982, e, mais
recentemente, Invasores (2007), arrancado das mãos do diretor Oliver
Hirschbiegel pelo produtor Joel Silver, são bons exemplos.
Raros e privilegiados são os diretores que detêm o poder de “corte
final” para as versões de seus filmes — este glorioso período de autoria
total encerrou-se com os anos 1970. A imensa maioria dos realizadores
obriga-se a entregar aos produtores e/ou distribuidores (dependendo da
estrutura de financiamento) um corte dentro de parâmetros preestabelecidos
contratualmente — duração, data de entrega, faixa etária de público. O que
acontecerá com este corte é determinado, em grande parte, pelo projeto de
marketing que veio sendo elaborado para o filme desde que ele recebeu a
luz verde — seja dentro de um grande estúdio, seja numa produtora
independente.
Um elemento essencial deste projeto são as sessões-teste. De um modo
ou de outro, todo filme é visto com fins de avaliação antes de partir para um
lançamento comercial. Um projeto altamente autoral pode ser exibido por
seu diretor para um grupo de amigos, colegas, conselheiros e consultores de
confiança. Um filme independente, de orçamento modesto, pode ser testado
em exibições gratuitas em campi universitários, salas comunitárias ou
pequenas mostras não competitivas. Qualquer coisa acima dos vinte
milhões de investimento clama por testes realizados profissionalmente por
grupos de análise de mercado, em amostras de público rigorosamente
selecionadas.

UMA DÚZIA DE BONS


FILMES SOBRE
FAZER FILMES
O crepúsculo dos deuses,
Billy Wilder (1950). Um último olhar sobre a
“Hollywood velha escola” que em breve não existiria mais.
Oito e meio, Federico Fellini (1963). Na mente de um diretor em
crise, vida, sonho e criação se misturam num grande set espiritual.
A noite americana, François Truffaut (1973). O set como uma família
temporária, neurótica e criativa.
Stardust Memories, Woody Allen (1980). Através de um alter ego o
“Woody cineasta de humor” reflete sobre sua obra e os impasses da
meia-idade.
O substituto, Richard Rush (1980). Um fugitivo da lei se esconde
num set de filmagem e ninguém nota.
O jogador, Robert Altman (1992). A alta e a baixa política de
Hollywood dão forma a um filme do pitch à estreia para os executivos.
Ed Wood, Tim Burton (1994). Seu lema era: “Meu próximo filme
será melhor.”
Vivendo no abandono, Tom DiCillo (1995). A dura, hilária e
frequentemente poética vida dos cineastas independentes.
Boogie Nights, Paul Thomas Anderson (1997). Filme pornô também
é cinema — e seus sets criam as mesmas famílias temporárias.
Os picaretas, Frank Oz (1999). O pitoresco universo do filme abaixo
de B, em todo o seu glorioso absurdo.
A sombra do vampiro, E. Elias Mehrige (2000). Uma possível
abordagem do que teria acontecido no set de Nosferatu, de Murnau, em
1922.
Dirigindo no escuro, Woody Allen (2002). Um riff sobre uma antiga
anedota da velha Hollywood — quando os filmes se tornam
formulaicos, até um diretor cego é capaz de fazê-los.

Todos esses processos têm uma coisa em comum: a importância da


opinião dos espectadores, expressa em geral em formulários previamente
distribuídos. Diretor, produtores e distribuidores querem dimensionar, em
primeiro lugar, a clareza do filme, se ele está sendo compreendido pelo
público. Depois, que impacto, positivo ou negativo, o filme tem sobre ele.
Que elementos e personagens mais atraíram o interesse? Que sentimentos
provocaram? E, finalmente, que tipo de público mais se identificou com o
filme — o que pode contradizer ou confirmar os estudos feitos durante o
desenvolvimento.
Uma vez obtidas essas respostas, o que acontece com o filme depende
muito da visão do diretor, do seu prestígio e seu poder de fogo, do estado do
seu relacionamento com produtores e distribuidores (relações podem se
deteriorar rapidamente neste meio altamente combustível) e da flexibilidade
daqueles que detêm o poder da decisão final. Versões múltiplas podem ser
feitas e testadas separadamente. O diretor pode ceder um tanto e o produtor,
outro tanto, chegando a um consenso. Quando criador e detentor de poder
econômico têm um bom relacionamento, este processo aparentemente
brutal e cerceador pode se transformar num exercício criativo que,
efetivamente, torna o filme melhor. Em períodos de crise, recessão,
retraimento de mercado, ou quando o pêndulo cai exclusivamente para o
lado das finanças, verdadeiras matanças se dão. Telas e ilhas de edição estão
repletas dos restos mortais de ideias que talvez dessem belos filmes,
sacrificados no altar do clichê, do previsível e do lucro fácil.

ALGUMAS SUGESTÕES
LEIA SOBRE A PRODUÇÃO DE UM antes de vê-lo. Procure
FILME
compreender o que foi envolvido no processo de levar o projeto à tela,
quem foram os principais elementos que tornaram isso possível, qual o
impacto desses eventos na forma final do filme.
Veja o making of e as entrevistas sobre o filme ANTES de vê-lo em
DVD. Observe como os diversos problemas da produção foram
abordados e resolvidos.
2. No princípio era o verbo: a construção do roteiro

2. NO PRINCÍPIO ERA O VERBO: A


CONSTRUÇÃO DO ROTEIRO
“A função do poeta não é relatar o que aconteceu,
mas o que pode acontecer, de acordo com as leis da
probabilidade e da necessidade.”
Aristóteles, Poética
QUANDO, NO ANO 335 A.C., Aristóteles dissecou princípios e práticas da arte
dramática em seu tratado Poética, ele conseguiu antecipar “um texto em
prosa ainda sem nome”, que seria a literatura, mas não o que viria a ser um
dos usos mais comuns de seu trabalho — o roteiro cinematográfico. Ouso
dizer que, sem Aristóteles e Poética, o roteiro não seria a clara e definida
peça de literatura dramática que é hoje, e roteiristas ainda estariam
quebrando a cabeça para tentar contar uma história complexa em menos de
120 minutos, sem perder a atenção das pessoas na sala escura.
Nada mais adequado, portanto, que começar nossa jornada pelo
interior do processo criativo do cinema com Aristóteles como guia. Se na
frase que serve de epígrafe ao capítulo substituirmos a palavra “poeta” por
“roteirista”, teremos uma definição precisa do que um bom roteiro deve ser:
o relato do possível, não do real, balizado pelas leis internas da probabilidade e
da necessidade.
A lei da probabilidade cria a lógica interna que todo bom filme deve ter e
que nos leva a suspender nossa descrença. Sabemos que tudo na tela é fruto
da imaginação de alguém mas... tudo aquilo é provável? Se os fatos na tela
obedecem a normas inventadas porém rigorosamente mantidas ao longo dos
120 minutos, somos capazes de acreditar em praticamente tudo: bichos que
falam, carros que voam, prostitutas que se casam com milionários,
vampiros que frequentam a escola. No primeiro momento em que piscamos
forte, balançamos a cabeça e dizemos mentalmente (ou não) “Mas que
surreal!”, o filme nos perdeu um pouquinho. Se continuarmos tendo a
mesma reação, o filme pode nos perder de vez — o preço de violar a lei da
probabilidade.
A lei da necessidade dá ao roteirista a disciplina para escolher, entre todas
as vertentes possíveis para sua narrativa, aquelas que realmente
impulsionam a história, explicam o mundo interior dos personagens,
justificam suas ações, esclarecem o universo físico e emocional em que
vivem, criam tensões, enigmas e paradoxos que tornam a história mais
envolvente e interessante. Se uma página de roteiro contém palavras lindas
e comoventes, sejam elas descrições épicas ou diálogos poderosos, mas
nada daquilo é necessário para elucidar, complicar ou avançar o que
aconteceu antes, a lei da necessidade foi violada. Vamos achar o filme
confuso, tedioso, talvez até agressivamente impenetrável. O perfume
exageradamente doce da autoindulgência vai pairar no ar, irritante como
num elevador às 9h da manhã. Vamos nos perguntar: “Mas por que mesmo
estou vendo isso, hein?” Quando ruidosamente desobedecida, a lei da
necessidade nos desprende do filme de imediato — e, em geral, para
sempre.
Ao final da jornada criativa de um filme — que começa com uma ideia
expressa num roteiro —, o controle sobre o material deve ser de tal ordem
que nada do que está na tela seja gratuito, tudo o que está na tela tenha uma
razão de ser. Um diálogo inteligente entre criação e espectador, filme e
plateia, a tela e nós, no escuro, pode se dar, então. Para nós, as perguntas-
chave são:
▪ Por que o diretor está me mostrando estas imagens, e não
outras?
▪ Por que estou vendo as imagens desta forma?
▪ Por que estou vendo as imagens nesta ordem?
▪ Por que estou ouvindo ou não ouvindo palavras, sons, ruídos,
música?

As respostas, idealmente, nos abrirão as chaves secretas do filme,


permitindo que tudo nele fale conosco.

TODO FILME TEM UM TEMA,uma premissa, uma trama e um ou mais gêneros.


O tema é aquilo sobre o que o filme discorre. Não é a história, ou os traços
dos personagens, ou o que acontece com eles: é a ideia fundamental,
subjacente a tudo. O vencedor do Oscar de 2009, Quem quer ser um milionário?
(Danny Boyle, 2008), por exemplo, é sobre esperança — como, nas
condições mais horrendas de vida, a pura vontade de seguir adiante pode
forjar um futuro melhor. O do ano anterior, Onde os fracos não têm vez (Joel e
Ethan Coen, 2007), é sobre responsabilidade, o peso e as consequências de
nossas escolhas e ações. Guerra ao terror, o melhor filme de 2010, era sobre a
estranha vertigem do perigo extremo, adicionando uma camada de
complexidade a um tema central a todo filme de guerra: o da lealdade (a
quem ser leal: à sua tropa? Ao seu país? A si mesmo?). Curiosamente, O
discurso do rei, o premiado em 2011, tem um tema que, de imediato, parece
caber apenas em dramas bélicos ou de aventura: a coragem, compreendida
não como a ausência do medo (um dos aspectos de Guerra ao terror, aliás), mas
como a capacidade de, consciente dele, enfrentá-lo.
A premissa é a forma que esse tema assume. No filme de Danny
Boyle, a premissa é a determinada convicção de seu jovem protagonista,
Jamal Malik (Dev Patel), de que pode vencer o concurso que dá título ao
filme no Brasil, apesar de seu passado de pobreza extrema. No dos irmãos
Coen, a premissa é o impacto que uma maleta cheia de dinheiro tem na vida
do homem que a encontra, e os fatos que a descoberta deflagra. Em Guerra ao
terror, a premissa é a capacidade (ou não) do novo sargento James (Jeremy
Renner) para substituir seu predecessor no minucioso e perigosíssimo ofício
de desmontar bombas na zona de guerra do Iraque. Num outro paralelo
interessante, a premissa de O discurso do rei também envolve um homem — o
príncipe Albert, duque de York (Colin Firth) — que precisa substituir outro
— seu irmão mais velho, David, príncipe de Gales (Guy Pearce) — sem ter
um elemento fundamental na era do rádio: a eloquência.
A trama é a história do filme, o desenvolvimento da premissa. É
aquilo que contamos aos amigos que não viram o filme: os detalhes da
história, como ela começa, como se desenvolve, os conflitos, os problemas,
os confrontos, as vitórias e as derrotas.
O gênero é a forma que a premissa e a trama tomam. Uma mesma
história — digamos, a saga do rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda
— pode assumir características de gêneros diferentes: em Excalibur (John
Boorman, 1981), um drama; em Rei Arthur (Antoine Fuqua, 2004), um filme
de aventura; e em Monty Python e o Santo Graal (Terry Gilliam e Terry Jones,
1975), uma comédia satírica. Na segunda parte do livro vamos nos ocupar
em detalhes dos principais gêneros, como eles se organizam, quais são seus
temas essenciais e como foi sua evolução ao longo da história do cinema.
Uma vez estabelecidos estes elementos básicos, o escritor deve
escolher o tipo de narrativa que dará à sua trama, qual a mais adequada para
enfatizar o tema, mais coerente com sua premissa. Os principais tipos de
narrativa são:
▪ Direta: A mais comum, que mais vemos: uma história em
ordem cronológica, com começo, meio e fim, contada exatamente
nessa ordem, mesmo que com alguns flashbacks e flashforwards no meio.
▪ Inversa: Uma história contada inteiramente em flashback, cujas
primeiras imagens são, na realidade, as derradeiras. É muito usada em
filmes em que se conta a história de uma vida, seja pelo próprio
biografado ou por algum observador (Amadeus, Milos Forman, 1984;
Forrest Gump, o contador de histórias, Robert Zemeckis, 1994; Ratatouille, Bard
Bird, 2007). É um formato que também se presta ao thriller de suspense,
oferecendo a enganosa certeza de “como tudo acabou”, e nos deixando
curiosos a respeito de como foi a jornada até lá (Crepúsculo dos Deuses,
Billy Wilder, 1950; Cães de aluguel, Quentin Tarantino, 1992; Os suspeitos,
Bryan Singer, 1995).
▪ Episódica: Diversas histórias, cada qual com sua própria trama,
mas em geral unidas por um tema comum, ou até mesmo uma única
premissa. Cada história tem o seu começo, meio e fim, que podem ou
não se intercalar em determinados momentos (La Ronde, Max Ophuls,
1950, e Roger Vadim, 1964; Short Cuts, Robert Altman, 1993; Traffic,
Steve Soderbergh, 2000; Amores brutos, Alejandro González Iñarritu,
2000; As horas, Stephen Daldry, 2002; Sin City, Robert Rodriguez e Frank
Miller, 2005).
▪ Fracionada/Não linear: Uma ou várias histórias (ligadas entre
si) contadas em segmentos fora de cronologia, que se conectam em
momentos-chave, através de personagens, situações ou símbolos (Oito e
meio, Federico Fellini, 1963; Pulp Fiction, Quentin Tarantino, 1994;
Amnésia, Christopher Nolan, 2000; Cidade de Deus, Fernando Meirelles,
2002; Quem quer ser um milionário?, Danny Boyle, 2008; Namorados para sempre,
Derek Cianfrance, 2010).

Para sustentar qualquer um desses tipos de narrativa, o roteirista


precisa se preocupar com a estrutura de seu projeto. Muita gente acredita
que roteiro equivale a diálogo, e que um bom roteiro é o que tem diálogos
bem-escritos, comoventes, espirituosos, sarcásticos, divertidos etc. Na
verdade, o diálogo é algo secundário no filme — sendo a planta baixa de
imagens em movimento, um bom roteiro deve privilegiar o mostrar e não o
contar; o diálogo, quando presente, precisa estar subordinado às essenciais
regras aristotélicas de probabilidade (na qual se inclui a coerência com o
perfil psicológico de cada personagem — um sinal seguro de um mau
roteiro é quando todos os personagens falam do mesmo modo) e
necessidade.
Roteiro é principalmente estrutura: a arquitetura de uma ideia
claramente expressa, mas repleta de elementos que possam estimular,
intrigar, provocar, emocionar o espectador. Um roteiro bem-estruturado, em
que o autor revela um profundo conhecimento de seus personagens e um
controle completo sobre o que eles fazem e o que com eles acontece, é a
base para um bom filme. Nele, os diálogos surgem naturalmente, como
parte orgânica dos personagens, nascendo de suas emoções, valores e
reações e, de fato, colaborando para a condução da narrativa.
Um antigo adágio do meio diz que fazer um mau filme com um bom
roteiro é algo que acontece, mas fazer um bom filme com um roteiro ruim é
praticamente impossível.
A estrutura de um roteiro apoia-se em dois elementos essenciais: O
ritmo: Todo roteirista é escravo do tempo — seja qual for a trama que ele
quiser contar, de um dia na vida de uma pessoa a várias décadas na história
de uma nação, ele precisa fazê-lo em, idealmente, 120 minutos, equivalendo
a 120 páginas impressas. É preciso pensar nessas páginas como tempo, e
não como texto (privilégio da literatura). Como usar esse tempo é o
primeiro desafio para a montagem da estrutura: quantas páginas/minutos
cada personagem, situação e sentimento pedem? Onde se deter ou se
aprofundar? Onde economizar tempo com montagens, sequências
simultâneas ou intercaladas? Qual o ritmo geral que trama e premissa
pedem para melhor expressar o tempo: a lentidão meditativa de um
Kurosawa em Dersu Uzala (1975), de um Bergman em Gritos e sussurros (1972)
ou o picote acelerado de um Tarantino em Pulp Fiction (1994)? Decisões
tomadas no set pelo diretor (que, nos três exemplos acima, também é o
roteirista, situação ideal de autoria cada vez menos comum) influenciarão
este uso do tempo. A montagem dará o ritmo final do filme, mas a proposta
inicial deve estar incluída desde o início no modo como o autor administra
o tempo de cada um de seus elementos dramáticos.
O arco da narrativa: Um filme é uma jornada, e o roteiro é seu mapa.
Protagonistas movimentam-se não apenas no espaço, mas principalmente
no espaço interior, ao sabor de crises e resoluções. Idealmente, eles devem
chegar ao final do filme o mais transformados possíveis, ou seja: narrativa e
existencialmente o mais distante possível do lugar — físico, metafísico,
emocional — onde começaram.
Para que possamos seguir essa trajetória, ela não pode ser linear —
morreríamos de tédio e logo nos desprenderíamos emocionalmente da
narrativa. Respeitados o ritmo e as opções estilísticas do autor, a narrativa
cinematográfica segue um arco assim, descrito por Aristóteles em Poética: Na
Exposição, trama e personagens são apresentados. Na Ação Crescente (ou
Complicação), conflitos se anunciam e tentam ser resolvidos, com
intensidade crescente até atingir um Clímax, um evento em que todas as
ações e os conflitos chegam ao seu ápice. A partir daí a ação torna-se
Decrescente, com a dissolução ou resolução dos conflitos, até a Conclusão
final.

Um roteirista pode seguir este arco ao pé da letra, criar variações sobre


ele ou até, deliberadamente, ignorá-lo, para obter reações e resultados
diversos. Mas eu ousaria dizer que 95% dos filmes que vemos obedecem
essencialmente a essa estrutura, analisada com precisão há mais de três mil
anos.
A adesão estrita ao modelo aristotélico do arco constrói um roteiro
com três atos bastante definidos:
ATO I:
Exposição: Onde estamos, quem são os personagens, o que acontece
com eles para que a trama se ponha em movimento. (Uma abordagem
tradicional da abertura do Ato I diz que o primeiro personagem que vemos
deve ser o protagonista. É uma regra constantemente quebrada com grande
efeito dramático: por exemplo, em O poderoso chefão o primeiro personagem
que vemos é o suplicante Bonasera, e não o Padrinho Corleone — que,
quando finalmente surge em cena, está de costas.) Oposição: O primeiro
grande obstáculo se apresenta, complicando a ação: um oponente, um rival,
uma perda, um desafio, enfim, uma mudança no status quo descrito na
exposição.
ATO II:
Auge da oposição: A trama se complica ainda mais, a ação cresce;
novos personagens são introduzidos dos dois lados da oposição: mentores,
aliados, coconspiradores.
Conflito: O problema essencial da trama se revela. Há um grande
impasse, um dilema, algo que exige decisões drásticas, sacrifícios,
mudanças de rumo.
Primeira tentativa de resolução: Uma solução imediata é encontrada,
mas rapidamente se revela insuficiente, criando até mesmo novos
problemas.
ATO III:
Mudança radical: Transformação interior dos personagens, grandes
mudanças, escolhas radicais, sacrifícios, atos heroicos resolvem finalmente
o conflito/impasse.
Resolução: Os personagens principais estão o mais longe possível de
onde estavam no início do filme. São capazes de atos, escolhas e
sentimentos impensáveis no Ato I. Uma grande jornada se deu e, se o final
é satisfatório, o espectador sente isso. Não é necessário que tudo seja
resolvido ou explicado, mas deve permanecer clara a resolução do conflito
que foi a espoleta da jornada (por exemplo, o final de Filhos da esperança, de
Alfonso Cuaron, 2006, é aberto à interpretação de cada um, mas uma
criança nasceu numa Terra até então estéril, quebrando o paradigma
essencial e resolvendo o grande impasse da narrativa).
Popular a partir do final dos anos 1960 com a disseminação das obras e
das teorias do antropólogo Joseph Campbell, o modelo Jornada do Herói
trouxe uma abordagem mais orgânica e integrada desta estrutura de três
atos, deixando a narrativa ancorada à trajetória do protagonista. Como, na
visão de Campbell, todas as histórias da humanidade são uma única história
(monomito) em infinitas variações, o roteiro no modelo Jornada do Herói
organiza-se de acordo com os pontos básicos deste mito universal, menos
preocupado com os três atos e mais com a fluidez, causas e consequências
das ações do protagonista: O mundo da inocência: A situação inicial em
que o herói se encontra, ignorante de suas possibilidades e poderes, muitas
vezes até mesmo equivocado quanto à sua identidade.
O chamado: Um fato novo, inesperado, perturbador, que tira o herói
de seu mundo da inocência e revela todo um novo universo de desafios,
uma nova identidade, uma mudança radical da autopercepção. Em geral, o
chamado traz consigo algum tipo de missão ou desafio que deve ser
cumprido para que as promessas nele contidas se realizem plenamente.
A jornada e as provações: Herói parte em resposta ao chamado,
saindo do mundo da inocência para cumprir sua missão. Segue-se todo tipo
de teste, atribulação, perigo e sofrimento. A cada uma dessas provações,
idealmente, algo novo sobre a real identidade do herói deve ser revelado, e
ele deve descobrir um novo poder, virtude ou fraqueza.
A conquista do troféu: A missão é cumprida, o chamado é
plenamente realizado. Herói é o que deveria ser, consciente de sua
identidade e poderes.
A volta para casa/Compartilhando as conquistas: Pode haver uma
outra jornada de retorno em que questões pendentes são resolvidas.
Fundamental é que o herói passe agora a se comportar como seu verdadeiro
Eu, corrigindo falhas e eliminando problemas do passado.
Não é difícil ver que este é o modelo exato da trama de Guerra nas estrelas
(Star Wars) — George Lucas foi um dos primeiros discípulos de Campbell a
testar suas teorias na narrativa cinematográfica, comprovando com o
enorme sucesso da série que de fato a Jornada do Herói era um template
perfeito para criar novas mitologias. Longas de animação, que também
trabalham na esfera da fábula, são assíduos seguidores deste modelo, assim
como filmes de fantasia como a série Harry Potter e a trilogia O senhor dos anéis.

RESTA AGORA DECIDIR COMO esta narrativa será conduzida. No cinema de


ficção, tempo e prática mostraram que há dois caminhos básicos: Narrativa
conduzida pela ação (plot driven): É a abordagem que Aristóteles
escolheria, se estivesse trabalhando como roteirista, hoje. Em Poética, nosso
mestre e guia discorre extensamente sobre a importância dos
acontecimentos na narrativa dramática: como eles deveriam ser os
condutores do drama, restando aos personagens reagirem a eles. A grande
maioria dos filmes comerciais opta por este caminho — embora num bom
roteiro os personagens estejam construídos por inteiro, com personalidades
e mundos interiores, é o que acontece a eles que põe a trama em
movimento: o escritor e aventureiro T.E. Lawrence emerge completo e
contraditório no roteiro de Michael Wilson e Robert Bolt para Lawrence da
Arábia (David Lean, 1962), mas é sua ida para o Oriente Médio, seu encontro
com os líderes tribais, o deflagrar da Primeira Grande Guerra e sua
participação nela que impulsionam o filme, deixando-nos sempre
interessados em ver como ele reagirá a cada novo fato, o que acontecerá
com ele, que escolhas fará. Neste tipo de roteiro, são essenciais o controle
da estrutura e o uso sábio dos plot points — os momentos cruciais de
acontecimento ao longo do filme. Esse estilo é típico do cinema americano
de mercado e de boa parte da produção internacional, principalmente a
partir dos anos 1980.
Narrativa conduzida pelos personagens (character driven): Nesta
opção, não é o que acontece aos personagens que importa — é quem eles
são, quais suas motivações interiores, o relacionamento com o mundo à sua
volta e com os demais personagens. Na verdade, num filme conduzido
pelos personagens, muito pouco acontece — em Gritos e sussurros (Ingmar
Bergman, 1972), uma mulher agoniza, cercada pela família imediata; em
Sem destino (Dennis Hopper, 1969), dois amigos atravessam os Estados
Unidos de moto, movidos largamente a maconha; em Juno (Jason Reitman,
2007), uma adolescente se descobre grávida e decide entregar o bebê para
adoção. Nem por isso deixamos de seguir cada momento destas odisseias
íntimas, pessoais, se o roteiro é bom e nos oferece suficientes janelas para o
universo interior dos personagens, e nos dá a opção de conhecer indivíduos
realmente únicos, complexos, interessantes, fascinantes. Neste tipo de
narrativa, a backstory — o passado do personagem até o momento em que a
história do filme começa — é essencial, e o autor precisa conhecer e
controlar todos os detalhes da personalidade de suas criaturas. A narrativa
character driven é dominante no cinema europeu, nas obras da chamada
Geração Nova Hollywood dos anos 1960-70 e no cinema independente
norte-americano a partir do final dos anos 1980.
um repertório específico de recursos e atributos
TEORIA E PRÁTICA CRIARAM
da narrativa cinematográfica. São os ossos e os truques do ofício que, se
descobertos, dão uma nova qualidade à nossa experiência de assistir.
Suspensão da descrença: O resultado máximo da lei da probabilidade
é suspender nossa descrença. Uma narrativa convicta de si mesma, com
impecável lógica interna, sustenta qualquer absurdo, qualquer voo da
imaginação. O filme que realmente nos envolve e dialoga conosco é o que
sobrepuja nosso ceticismo e deixa-se governar por suas próprias regras.
Quarto muro: O filme deve ser uma entidade em si mesma,
independente do nosso olhar e indiferente a ele. Um mundo contido nele
mesmo, que não sabe que está sendo visto. Fazer um personagem quebrar
este “quarto muro” invisível, entre tela e plateia, e dirigir-se diretamente a
nós é uma audácia que deve ser cuidadosamente medida. Quando bem-
usada, nós achamos divertido e surpreendente. Em excesso e na hora errada,
é extremamente irritante.
Backstory: Imaginar, esboçar e, em muitos casos, escrever
detalhadamente o passado dos personagens antes do início da trama é um
recurso de grande utilidade para roteirista, diretor e elenco. Elementos desse
passado informam a reação dos personagens, explicam traços de sua
personalidade e podem ou não pontuar a trama, em referências claras ou
sutis (uma foto sobre a mesa, um objeto de uso pessoal, uma expressão
muitas vezes repetida). Atores treinados pelo “método”, como Sean Penn,
Al Pacino e Robert De Niro, usam backstories detalhadas como ferramenta
para ancorar a veracidade do personagem e muitas vezes complementam as
anotações de roteiristas com suas próprias pesquisas.
Foreshadowing: Talvez o recurso mais poderoso e menos notado do
roteiro, o foreshadowing (literalmente, sombreamento antecipado) é um
elemento tipicamente cinematográfico, de notável eficiência. Foreshadowing é
mostrar antes, de forma simples ou resumida, algo que será de enorme
importância mais adiante, no clímax ou na resolução da trama. É um modo
do roteirista nos treinar a ver, nos educar na percepção daquilo que ele
escolheu como essencial para a história. Em Onde os fracos não têm vez, por
exemplo, os irmãos Coen nos mostram várias vezes como o assassino,
Anton Chigurh (Javier Bardem), usa um compressor de ar não apenas como
arma mortal, mas também como eficiente método para abrir fechaduras e
trancas. Numa sequência essencial do filme, quando o Llewellyn de Josh
Brolin está acuado num hotel da fronteira, nós, na plateia, sabemos antes
dele quem o está perseguindo, simplesmente ao ver o ferrolho da porta
saltar com um golpe de ar comprimido. Mais que isso — nesta simples
imagem, temos imediatamente toda a realização do perseguidor implacável
e cruel que está atrás do protagonista.
Bookends: Uma história que pode ou não ter relação com o resto do
filme, e que serve de moldura para o resto da trama. Por exemplo, em Sin
City, a história entre uma mulher e um homem na cobertura de um arranha-
céu abre e fecha a narrativa sem ter nada em comum com ela a não ser o
estilo e o ambiente. Em Babel (Alejandro González Iñarritu, 2006), a história
do rifle e dos meninos nas montanhas do Marrocos pode ser vista como o
bookend das outras tramas. Quando um bookend está ligado, ainda que
sutilmente, à narrativa principal, ele também pode ser chamado de framing
device, a “moldura” que serve de base à trama ou às tramas. Em Quem quer ser
um milionário? a detenção e a tortura de Jamal são a moldura de toda a história,
do seu passado e de como ele se conecta ao programa de TV.
Flashbacks/flashforwards: Um elemento do passado (flashback) ou do
futuro (flashforward) da trama é revelado, sob a forma de lembrança,
especulação ou simplesmente como uma interferência na narrativa
“presente”. É um recurso poderoso quando usado sabiamente, e que a
plateia conhece bem. Conduta de risco (Toy Gilroy, 2007) começa com uns
bons quinze minutos de flashforward: a empresa frenética na calada da noite, a
ligação para Michael Clayton (George Clooney) e sua atribulada jornada
pela estrada campestre são incidentes que ocorreram quatro dias depois da
narrativa principal que, em ordem direta, ocupa a maior parte do filme.
Tanto Cidadão Kane (Orson Welles, 1941) quanto Entrevista com o vampiro (Neil
Jordan, 1994) e J. Edgard (Clint Eastwood, 2011) usam o flashback do mesmo
modo: como um artifício para “enquadrar” a narrativa principal. No
primeiro, a busca do significado de “rosebud”, a última palavra do
protagonista Kane (Orson Welles), leva ao flashback de sua vida; nos outros
dois, são os próprios protagonistas, Louis (Brad Pitt) e Edgar Hoover
(Leonardo DiCaprio) que, de um ponto no presente, narram suas vidas no
passado.
McGuffin: O equivalente às falsas pistas de um livro policial ou às
elaboradas manobras de um mágico, o McGuffin é um elemento, em geral um
objeto, colocado na trama propositalmente para nos distrair. Quando o
verdadeiro mistério/intriga/perigo é revelado, ele adquire um impacto ainda
maior porque passamos um bom tempo seguindo a “pista falsa” do McGuffin.
Bons roteiristas divertem-se imensamente criando elaborados McGuffins para
deleite nosso e deles mesmos. Em Pulp Fiction, Quentin Tarantino nos faz
seguir o tempo todo uma pasta pela qual as pessoas aparentemente estão
dispostas a matar ou morrer, e cujo conteúdo nunca é bem-esclarecido
(típico McGuffin). Em Ronin (1998), David Mamet, reescrevendo
substancialmente o roteiro de J.D. Zeik, faz grande alarde da importância de
uma maleta de metal que troca de mãos às custas de muitos tiros,
perseguições e explosões — e que não é a parte essencial da trama.
Set pieces: Grandes cenas escritas expressamente para ancorar a ação
em determinados momentos, enfatizando pontos-chave da evolução do
protagonista. São os momentos “de encher os olhos” — a carga sobre
Akabah em Lawrence da Arábia, o incêndio de Atlanta em ...E o vento levou (Victor
Fleming, 1939), a retirada de Dunquerque em Desejo e reparação (Joe Wright,
2007). Gladiador tem pelo menos três set pieces, dando o tom de cada um de
seus atos: a batalha de inverno na Germânia, o primeiro combate no Coliseu
de Roma e o enfrentamento final entre Maximus (Russel Crowe) e o
imperador Commodus (Joaquin Phoenix).

QUEM É McGUFFIN?
Alfred Hitchcock foi a primeira pessoa a se referir ao objeto como
recurso narrativo como McGuffin. Na longa e maravilhosa série de
entrevistas a François Truffaut, em 1966, Hitchcock referencia a
origem da palavra a uma piada escocesa. Dois homens se encontram
na cabine de um trem e um pergunta ao outro: — O que é aquele
pacote que você colocou ali em cima?
O outro, um escocês, responde: — É um McGuffin.
— O que é isso? — quer saber o outro, admirado.
— É uma armadilha que usamos para caçar leões nas montanhas
da Escócia — responde ele, calmamente.
O outro aceita momentaneamente a resposta, observando o pacote
com curiosidade durante algum tempo. Até que cai em si: — Mas…
não existem leões nas montanhas da Escócia!
— Exatamente — retruca o escocês com um suspiro, ajeitando-se
para um cochilo. — O McGuffin é, precisamente, nada.
Pode ser uma piada verdadeira, mas, se tratando de Hitchcock, é
capaz de ter sido algo que ele tenha inventado na hora, apenas para
divertir Truffaut. Em sua biografia The Life of Alfred Hitchcock: The Dark Side of
Genius (1983), Donald Spoto atribui ao inglês Angus MacPhail, amigo
de Hitchcock e roteirista de seu Quando fala o coração (1945), a invenção
do termo.

Exposição: Exposição não é apenas a explicação inicial de onde


estamos/quem somos do primeiro ato. É todo momento durante a narrativa
em que algo precisa ser elucidado, informações adicionais precisam ser
passadas ao público. Para um roteirista, este é um dos problemas mais
difíceis de resolver. A saída mais óbvia e mais usada — simplesmente fazer
um ou dois personagens discorrerem sobre o assunto em questão — pode
ser incrivelmente tediosa e, em muitos casos, destruir o ritmo da narrativa,
como sabe qualquer pessoa que não se levantou da poltrona durante os
quase 15 minutos em que Ian McKellen discursa sobre Maria Madalena,
Leonardo da Vinci e o Santo Graal em O código Da Vinci (Ron Howard, 2006).
Um diálogo entrecortado por ação, como o que explica quem é o cyborg
assassino de O Exterminador do Futuro (James Cameron, 1984), é uma boa saída,
iluminando a narrativa sem esgotar a paciência da plateia.

UM ROTEIRO É A PLANTA BAIXA de um grande edifício feito de luz e imagens


em movimento.
Construir este edifício é o trabalho de uma equipe de dezenas — até
mesmo centenas — de pessoas, idealmente afinadas e integradas como uma
orquestra sinfônica, sob o comando de um maestro: o diretor.
De posse de um roteiro, escrito por ele mesmo ou por outro
profissional, o diretor começa a pensar dramática e visualmente. O que, no
texto, pode ser uma única fala — “Já terminei!”, a frase final de Sangue negro
(Paul Thomas Anderson, 2007) — ou uma simples descrição — “O carro de
Duffy desacelera até parar no meio da rua”, na cena que encerra Chinatown —
pode ser interpretado, visto, revisto, ampliado, fotografado de maneiras
quase infinitas.
Este é o atributo, o mandato do diretor: transformar ideias expressas
em papel em uma narrativa dramática manifestada não ao vivo, mas através
do medium do cinema, que permite toda maneira de captação e manipulação
do que é visto.
Para realizar esta obra, o diretor atua simultaneamente em três frentes:
▪ Dramática. O trabalho de escolher os atores principais e
coadjuvantes, por si só, já define o tom do filme e proporciona a
primeira oportunidade para encarnar a narrativa de acordo com a visão
do diretor. Francis Ford Coppola, nos anos 1970 e 1980, foi
responsável pelo lançamento de diversas carreiras notáveis, que, por
sua vez, deram o tom certo de seus filmes — pensem em Al Pacino,
Robert de Niro, Martin Sheen, Tom Cruise, Mickey Rourke, Matt
Dillon, Patrick Swayze, Laurence Fishburne, Nicolas Cage (seu
sobrinho). Ele diz que a escolha do elenco representa 80% do sucesso
criativo de um filme. Fellini dizia que todo o trabalho de imaginar um
filme, escrever um roteiro, era, para ele, “muito vago” — até o
momento de escolher os atores. “Ao dar rostos e corpos àquilo que
você imaginou as escolhas se tornam finais, definitivas. Nada mais é
vago — o filme passa a ser real.” Ao desafiar a convenção da época e
escolher Sigourney Weaver para o papel de Ripley (escrito para um
homem) em Alien, o oitavo passageiro, Ridley Scott deu toda uma outra
textura ao personagem e sua trajetória, propondo um ângulo — a
ferocidade de mães com suas crias — que seria levado ao extremo no
filme seguinte da série, Aliens (James Cameron, 1986). Escolhido o
elenco essencial, diretor e atores estabelecem seu plano de trabalho,
que pode ir da preparação extrema — com oficinas de imersão,
aprendizados de talentos específicos, convivência com os modelos
para seus papéis etc. — ao completo improviso, deflagrado a partir de
um mergulho profundo na estrutura psicológica e na história pessoal
(no cinema norte-americano recente, Francis Ford Coppola está na
primeira categoria; Robert Altman, na segunda).
▪ Visual: Atores e diretor colaboram intensamente também na
criação da aparência de seus personagens e no modo como eles
interagem com o ambiente elaborado para o projeto. Veremos mais
sobre esta etapa do processo no próximo capítulo, mas é aqui, com o
roteiro em movimento, que diretor, diretor de arte, figurinista e
maquiador, juntamente com o elenco principal, criam o mundo no qual
se dará a trama.
▪ Fotográfica. Com o diretor de fotografia, o diretor decupa o
filme sequência por sequência, cena a cena e tomada a tomada. O grau
de detalhe desta etapa do trabalho também varia muito de cineasta para
cineasta — William Friedkin registrou praticamente todo o seu Operação
França(1971) em pedaços de papel com notas e rabiscos, caóticos para
qualquer pessoa exceto ele. Sam Peckinpah fazia a mesma coisa, só
que direto no roteiro. Já Martin Scorsese, desde seu primeiro longa,
desenha do próprio punho os storyboards que orientam a criação de cada
cena.

ALGUMAS SUGESTÕES:
▪ Aplique as quatro perguntas — por que estou vendo estas
imagens, e não outras? Por que estou vendo as imagens desta forma?
Por que estou vendo nesta ordem? Por que estou ouvindo ou não
ouvindo palavras, sons, ruídos, músicas? — a alguns de seus filmes
favoritos.
▪ Faça listas de filmes que você conhece de acordo com seu
gênero e tipo de narrativa.
▪ Tente identificar os três atos e seus pontos importantes em
filmes que você conhece.
▪ Escolha dois ou três filmes diferentes e compare como eles
“expõem” sua trama: como são suas primeiras imagens e o que elas
dizem a você?
▪ Leia roteiros e compare com os resultados finais, na tela: como
cada frase foi transformada em imagens?

Ou seja: o filme transforma-se de texto em narrativa visual aqui,


antes mesmo que sets sejam construídos, locações escolhidas e equipes
contratadas. De uma forma ou de outra — de sonhos, como Fellini e
James Cameron; memórias, como Truffaut e Spielberg; livros,
documentários, pilhas de notinhas guardadas em gavetas, como Woody
Allen; filmes de outros criadores, como Scorsese e Tarantino —
grandes diretores têm um arsenal de informação visual estocada em
algum lugar de sua mente, que vem à tona em resposta ao chamado do
texto.
A alquimia que se dá depois pode ser descrita, mas nunca
realmente explicada.
3. O império dos sentidos: criando mundos com luz, sombra e cor

3. O IMPÉRIO DOS SENTIDOS:


CRIANDO MUNDOS COM LUZ,
SOMBRA E COR
“Num filme estamos contando uma história com luz e
sombra, cores e movimento. É aqui que encontramos o
verdadeiro significado do que estamos fazendo.”
Vittorio Storaro, diretor de fotografia
que propusemos no capítulo anterior
A RESPOSTA ESSENCIAL ÀS QUATRO PERGUNTAS
é muito simples: nada do que está na tela, em momento algum, é gratuito ou
por acaso; tudo o que está na tela, a qualquer momento, tem uma razão de
ser.
Ou pelo menos deve ter — erros acontecem, acidentes também. A
diferença entre um erro e um acidente está na atenção da equipe e,
principalmente, na visão precisa do diretor, capaz de separar o que o acaso
coloca no seu caminho para atrapalhar ou melhorar seu conceito original. O
gatinho que aparece no colo de Marlon Brando logo na sequência inicial de
O poderoso chefão foi um acidente: as câmeras estavam rodando, e Brando,
imbuído do personagem de Don Corleone, ouvia as queixas de Bonasera
quando o gato, de origem desconhecida, simplesmente entrou em cena,
quem sabe atraído pelo calor das luzes e pela promessa de um colo bem-
estofado. E, interessantemente, nem Brando se assustou e saiu do papel,
nem Coppola mandou cortar — pelo contrário, deixou que o felino e o ator
se entendessem, numa troca de gestos e olhares que acrescenta à cena uma
curiosa dimensão doméstica, informal, um contraste a mais ao tema
explosivo do diálogo entre Corleone e Bonasera — violência e a promessa
de mais violência, fora da lei.
Uma parte do imponderável na alquimia do fazer cinema está entre
saber onde o rigor da preparação profunda pode abrir espaço para o
improviso do acaso.
Com toda a importância do texto como planta baixa da construção de
um filme, ele é essencialmente um medium visual. Idealmente, um filme deve
comunicar-se conosco pelo poder de suas imagens — cada quadro pensado
para obter um determinado efeito sobre nossos corações e nossas mentes.
Sem mencionar as grandes obras mudas do início do cinema — Nosferatu,
Metrópolis, Tempos modernos —, filmes recentes mostram que o diálogo pode ser
completamente secundário quando o poder das imagens está em seu
apogeu: Assédio (Bernardo Bertolucci, 1998), Náufrago (Robert Zemeckis,
2000), Habana Blues (Benito Zambrano, 2005).
Dois departamentos ligados diretamente ao diretor são incumbidos da
missão de criar plenamente, na tela, o princípio de que nada do que está ali,
em momento algum, é gratuito ou por acaso; tudo o que está na tela, a
qualquer momento, tem uma razão de existir: o Departamento de Arte e o
Departamento de Fotografia.
O LÍDER DO DEPARTAMENTO DE ARTE é o production designer, o desenhista de
produção. No início do cinema, esse papel cabia ao diretor de arte, e, ainda
hoje, em produções menores, o diretor de arte acumula as duas funções:
criar, com o diretor e o diretor de fotografia, a expressão visual, o “look” do
filme, e conceber e coordenar a execução de cenários. Em grandes
produções, os papéis estão divididos, com o diretor de arte cuidando da
realização de cenários e preparação de locações e reportando ao desenhista
de produção, responsável pela visão geral, o “look” do projeto.

MAS QUEM
GANHA O OSCAR?
Ironicamente, é quem recebe o título de diretor de arte,
compartilhado com quem decora os cenários, o set dresser. O primeiro
Oscar para esse ofício foi entregue em 1928, com o título Decoração
de Interiores. Em 1940 o prêmio para decoração de interiores foi
dividido em dois: “Filmes em preto e branco” e “Filmes a cores”. Em
1947, ainda dividido em duas categorias, o prêmio passou a se chamar
Direção de Arte e, como até hoje, atribuído ao diretor de arte e ao
decorador do set. Em 1957, o Oscar para Melhor Direção de Arte
passou a ser um único prêmio entregue a esses dois profissionais,
independentemente de o filme ser colorido ou em preto e branco.

Cabe ao desenhista de produção/diretor de arte:


▪ Encontrar a expressão visual (“look”) do filme. Quando um
diretor lê ou escreve um roteiro, uma série de imagens, memórias e
emoções vem à sua mente. Grande parte dela dá ao diretor o clima
visual, a atmosfera, o ambiente em que seus personagens viverão e que
deverão compartilhar conosco, na plateia. Frequentemente ele as
expressa em palavras repletas de carga emocional, mas vagas: “cru”,
“urbano”, “onírico”, “luxuoso”, “austero”, “claustrofóbico”, por
exemplo. Como isso se expressa em termos práticos, na realização de
cenários, na escolha das locações, no desenho dos figurinos?
▪ Criar metáforas visuais. Um dos elementos mais poderosos do
cinema é como ele manifesta diante de nossos olhos aquilo que todas
as noites nosso cérebro cria para nós enquanto dormimos. Quem não
passou por uma situação aparentemente sem saída e sonhou que estava
num beco, ou numa sala sem portas ou janelas? Quem, no meio de
uma grande crise existencial, não sonhou com ondas gigantescas
desabando sobre sua cabeça? Quem, num momento de insegurança ou
ansiedade, não se viu nu no meio da rua ou no ambiente de trabalho? E
quantas vezes não vimos essas mesmas imagens, ou variações delas,
em cenas de filmes? O herói encurralado num beco, a mocinha aflita
debaixo de uma cama, vendo apenas os pés dos bandidos… Essas
imagens são metáforas visuais, traduções literais de expressões como
“estou atolado”, “eu me sinto sufocado por esse problema”, “não tenho
saída”. Trabalhando com o diretor e o diretor de fotografia, o
desenhista de produção/diretor de arte deve materializar essas
metáforas.
▪ Criar as atmosferas do filme. Nem mesmo filmes que seguem
um único gênero ao pé da letra mantêm um clima uniforme em toda a
sua duração. Adequar a linguagem visual aos diferentes momentos
emocionais do filme é tarefa do desenhista de produção/diretor de arte.
Em Peixe grande e suas histórias maravilhosas (Tim Burton, 2003), há uma
qualidade de imagem e de cenário muito diferente entre as cenas do
personagem de Bill Crudup e de seu pai já idoso, Albert Finney, e as
sequências das histórias que o mesmo pai conta: nas primeiras impera
o realismo, a sensação de domesticidade; nas segundas, tudo é sonho,
imaginação, fantasia.
▪ Estabelecer os pontos principais da caracterização dos
personagens e como os ambientes se relacionam com os
personagens e a narrativa. Tudo o que compõe a aparência física e o
universo habitado pelos personagens deve nos dizer quem eles são
antes mesmo que eles digam uma frase. Assim que vemos a townhouse
do personagem de Hugh Grant em Um grande garoto (Chris e Paul Weitz,
2002), sabemos que ele é um solteiro convicto e de posses: todo o
ambiente é luxuosamente austero e imaculado, sem a bagunça de
crianças ou toques “frescos” de uma presença feminina; sobressaem-se
os móveis em couro, as superfícies em aço polido e vidro, tudo frio, de
bom gosto, de aparência cara e pouco prática se aquela fosse uma casa
habitada por uma família.
ALGUMAS
METÁFORAS VISUAIS
ÁGUA/MERGULHAR NA ÁGUA/EMERGIR DA ÁGUA: Renascer, assumir uma nova
personalidade, lavar culpas do passado. Por exemplo: Jason Bourne no
rio, em Manhattan, ao final de A supremacia Bourne (Paul Greengrass,
2004).
CHUVA/SER LAVADO PELA CHUVA: A força do destino, e também
purificação, exorcismo do passado. Por exemplo: a batalha final de Os
sete samurais (Akira Kurosawa, 1954), na qual os camponeses e seus
protetores mudam seu destino e resgatam (com sacrifício) sua
dignidade, se dá inteiramente debaixo da chuva.
OBJETOS CAINDO DO CÉU: Catástrofe, destruição, a Mão do Destino
(como no arcano A Torre do Tarô). A chuva de sapos em Magnólia (Paul
Thomas Anderson, 1999) é uma referência bíblica às sete pragas do
Egito. A chuva de papéis e detritos que os monstrengos de Guerra dos
mundos (Steven Spielberg, 2005) deixam em seu caminho é uma
referência muito precisa da mesma chuva sinistra no ataque às Torres
Gêmeas, no 11 de Setembro.
DESCER AO PORÃO: Investigar o inconsciente, retrair-se, esconder os
reais problemas num plano inferior de consciência. Por exemplo: em A
noite dos mortos-vivos (George Romero, 1968), os sobreviventes suspeitos
são sempre encerrados no porão da casa. E onde Norman Bates
finalmente esconde a mãe quando as coisas esquentam em Psicose
(Alfred Hitchcok, 1960)?
VOAR: Orgasmo, extremo prazer, liberdade, poder absoluto.
Quando o Super-Homem finalmente ganha Lois Lane em Superman — O
filme (Richard Donner, 1978), os dois voam juntos. Toda vez que o
personagem de Jonathan Pryce se sente acuado no mundo sem sentido
de Brazil (Terry Gilliam, 1985), ele também voa.
GRANDES MÁQUINAS: Opressão, abusos, o poder absoluto do Mal
contra o Bem. Chaplin sendo tragado pelas engrenagens da fábrica em
Tempos modernos (Charles Chaplin, 1936) ecoa o Moloch/Fábrica de
Metrópolis (Fritz Lang, 1927). A fragilidade do político, a pé, sendo
perseguido incansavelmente por um automóvel em Z (Costa Gavras,
1979) é um antecedente do pequeno carro vermelho diante do
gigantesco caminhão de Encurralado (Steven Spielberg, 1971) — e não
vemos nenhum dos dois motoristas, assim como não vemos quem
controla as máquinas devoradoras.

E quando finalmente vemos o dono da casa, nossa impressão é


confirmada antes mesmo que possamos prestar atenção ao seu
monólogo: ele não tem um cabelo fora do lugar, suas roupas são
simples, em tons neutros (influência feminina zero), bem-cortadas, de
tecidos de qualidade. Em compensação, assim que vemos o menino e
sua mãe (vividos por Nicholas Hoult e Toni Collette), sabemos que
eles habitam o extremo oposto desse espectro existencial: suas roupas
mal-acabadas e vagamente exóticas têm todo o jeito de terem sido
feitas em casa, seguindo padrões “étnicos” de outras culturas. Cada um
é uma esfera concentrada de cores, texturas e fios naturais, indicando
um estilo de vida neo-hippie, ecologicamente correto, com bem menos
recursos do que o solteirão de Grant. Ao vermos a casa da família,
nossa impressão se confirma: tudo é cheio de plantas, cores diferentes,
artesanato; uma atmosfera de caos impera, mostrando como a mãe
estressada e deprimida de Toni Collette tem dificuldade em lidar com
sua vida cotidiana, mas se mantém fiel a seus princípios “verdes”. O
desenrolar da trama de Um grande garoto nos confirmará tudo isso, dará os
comos e porquês e mostrará causas e consequências. Mas a informação
básica nós apreendemos pelos códigos visuais.

O processo de transformar conceitos abstratos em signos visuais


concretos é um dos mais fascinantes de todo o processo de criação. Para um
diretor, especialmente um diretor roteirista, é um momento altamente
satisfatório, em que o universo que ele imaginou aparece, literalmente, no
mundo tridimensional.
A colaboração entre um diretor e um diretor de arte/desenhista de
produção é uma das mais intensas e importantes de todo o processo, e por
isso a maioria dos realizadores forma duplas constantes com os mesmos
profissionais: Fellini com Danilo Donati, Scorsese com Dante Ferretti,
Bergman com Marik Vos-Lundh, os irmãos Coen e Dennis Gassner.
O Departamento de Arte, que se incumbe de realizar essa tarefa, é
assim organizado:
Cabe ao Departamento de Arte, em seus diversos subofícios:
▪ Auxiliar o diretor na escolha de locações. Uma locação é
sempre uma escolha arriscada em termos de produção — o que traz de
cor local e autenticidade ela apresenta também de riscos de todo tipo,
de distúrbios climáticos a insurreições políticas. A possibilidade de
cenários virtuais cada vez mais exatos e detalhados teria, por exemplo,
salvo de continuadas catástrofes as filmagens de Apocalypse Now, vítimas
de um tufão e de uma ameaça de golpe de estado nas Filipinas, em
1976. Ao mesmo tempo, a quase exasperante realidade que envolve
todo o filme possivelmente se deve em grande parte exatamente a
esses percalços, que tão bem exemplificavam o drama subjacente à
história: ocidentais descendentes do velho colonialismo europeu
perdidos numa selva tropical hostil.
▪ “Vestir” as locações para adequá-las às necessidades do
projeto. Muito rara é a locação que se apresenta exatamente de acordo
com as necessidades do roteiro e a visão do diretor. Cabe à direção de
arte transformar aquilo que foi encontrado em algo único, diferenciado
— os carros de trem usados em Viagem a Darjeeling (Wes Anderson, 2007)
são verdadeiras composições em uso na Índia, mas foram totalmente
repintados, decorados e adornados pelo diretor de arte Mark Friedberg
segundo o esquema visual preciso e detalhado do diretor. Da mesma
forma, o mosteiro que abriga as sequências finais é, na realidade, um
antigo pavilhão de caça da nobreza de Udaipur, inteiramente
redecorado por Friedberg.
▪ Conceber, desenhar e supervisionar a construção dos
cenários, de acordo com as especificações do diretor. A
possibilidade de criar ambientes que sirvam precisamente às
necessidades práticas e criativas do projeto é uma das tarefas mais
complexas e gratificantes de uma produção. Um cenário deve servir
tanto às necessidades mais básicas das cenas — permitir a
movimentação segundo a marcação do diretor e as propostas do roteiro
— quanto criar o primeiro impacto visual que vai nos passar toda a
carga emocional da história. Além de tudo isso, cenários devem
acomodar, sempre, os habitantes “invisíveis” mas essenciais e
onipresentes de todo set: a equipe, principalmente câmeras, microfones
e seus operadores. Um submarino, por exemplo, é um dos cenários
mais difíceis de construir: tubular, estreito, necessariamente hermético
e raramente disponível no mundo real. Em Caçada ao Outubro Vermelho
(John McTiernan, 1990) o desenhista de produção, Terence Marsh,
criou uma série engenhosíssima de cenários tubulares com placas
removíveis, que permitiam o acesso da câmera em trilhos ou na mão
sem violar a impressão claustrofóbica, essencial para um thriller de
submarino.
A precisão estética de um cenário é um dos elementos mais
eloquentes de um filme — um ambiente vivo, repleto das ideias e das
metáforas visuais pensadas pelo diretor.
Quando Stanley Kubrick enviou seu desenhista de produção Roy
Walker em viagem de pesquisa por grandes hotéis dos Estados Unidos,
ele não queria reproduções fiéis deste ou daquele: queria, como
explicou a Walker, “exemplos claros de banalidade e de ambientes
genéricos”, nos quais a descida aos subterrâneos da loucura do
protagonista de O iluminado (1980) ficasse ainda mais terrível e clara, por
contraste. Os magníficos cenários construídos por Walker nos
gigantescos estúdios Elstree, perto de Londres, reproduzem quartos e
salas de um hotel no Arizona, um resort no parque de Yosemite, na
Califórnia, e corredores de hotéis sem nome de beira de estrada —
todos unidos numa mesma visão estética para se tornar o labiríntico
hotel Overlook do filme.
Da mesma forma, quando Martin Scorsese explicou a Dante
Ferretti — seu assíduo colaborador no Departamento de Arte, e muitas
vezes vencedor do Oscar — como via a Nova York do século XIX
descrita por Edith Wharton em seu livro A época da inocência, ele estava
mais preocupado com paisagens emocionais do que físicas. O mundo
de opulência da alta burguesia nova-iorquina nos anos 1880 era algo
completamente distante dele e de suas raízes, como descendente de
imigrantes italianos pobres, explicou ele; por isso ele via seu filme,
baseado no livro, com um olhar detalhado sobre um mundo novo e
estranho, onde os ambientes fossem um pouco maiores e mais
luxuosos do que o real. E, de fato, é um prazer a mais seguir o olhar de
Scorsese pela câmera de Michael Ballhaus, curioso e deslumbrado
pelo mundo dos ricos e atormentados de Inocência.
Um ambiente cinematográfico construído com inteligência,
sensibilidade e criatividade é, em todos os aspectos, um ambiente vivo.
O castelo da Fera em A Bela e a Fera de Jean Cocteau (1946), desenhado
por Lucien Carré e Christian Bérard e decorado por Carré e René
Moulaert, é uma caixa de Pandora de símbolos oníricos tão potentes
que ainda são referenciados e copiados mais de meio século depois
(pense nos braços-candelabros e quantas vezes eles foram vistos em
filmes muito menos ambiciosos que o de Cocteau). A mansão
campestre onde Agnes/Harriet Andersson agoniza em Gritos e sussurros,
de Ingmar Bergman (1972), é um labirinto cheio de propósito, uma
réplica em grandes dimensões do próprio corpo humano, em tons de
vermelho, com portas e corredores que se abrem uns para os outros.
Na concepção de Marik Vos-Lundh, para a visão de Bergman estamos
na “casa” freudiana: dentro de nós mesmos, última fronteira para as
questões de vida e morte que o filme abraça.
▪ Estabelecer com o diretor de fotografia a paleta de cores do
filme — e suas variações ao longo da trama. Desejo do cinema
desde seu nascimento, conquistada em escala industrial na década de
1930 e transformada em padrão de produção na de 1950, a cor
expandiu as opções de envolvimento emocional que iluminação e
textura já propunham. Porque cada filme tem um tema, um tom
emocional prevalecente, e também uma paleta específica de cores,
empregada em toda a sua extensão — nos figurinos, nos cenários, na
tonalidade da luz. É uma combinação de decisões tomadas muito cedo
no processo criativo, a partir de instruções específicas do diretor,
colocadas em prática pelo diretor de fotografia e pelo diretor de arte. O
diretor de fotografia selecionará a melhor mídia — celuloide, digital
—, as melhores câmeras e lentes e o melhor modo de iluminar cada
sequência para que a paleta cumpra sua função. Ao departamento de
arte cabe utilizar a paleta nos cenários, trajes e objetos de cena,
coordenados com o clima geral do filme e a temperatura emocional de
cada momento. A paleta em geral se restringe a uma gama precisa de
cores e tonalidades, explorada em suas variações; por exemplo, tons de
bala e doce para Maria Antonieta, de Sofia Coppola (2006), uma referência
tanto à sua juventude e sua frivolidade quanto ao amor pelas pâtisseries
que trouxe de sua nativa Áustria para a corte de Versalhes. Por
contraste, variações de cinza, branco e preto para Sweeney Todd: o barbeiro
demoníaco da rua Fleet, de Tim Burton (2007), evocando tanto a monotonia
opressiva da Londres da Revolução Industrial, afogada em smog, quanto
o absoluto vazio existencial do personagem-título, um homem de
quem tudo foi tomado, restando-lhe apenas uma emoção
monocromática — a vingança, representada no vermelho do sangue de
suas vítimas e de sua cadeira de barbeiro.
O vermelho de Sweeney Todd — e de outro filme que usa o mesmo
esquema de ausência de cor, Fargo, dos irmãos Coen (1996) —
representa a cor que propositalmente não se encaixa na paleta, que dela
se destaca dramaticamente para sublinhar momentos fortes, elementos
importantes, grandes emoções. Em Moulin Rouge!, de Baz Luhrmann
(2001), um verdadeiro estudo de tons de vermelho, com pontuações
em preto e branco, a cor-destaque é o oposto do vermelho: o verde,
que aparece na Fada de Absinto para encarnar a inspiração, a loucura,
o espírito boêmio.
Muitos filmes manipulam a paleta de cores ao longo de sua
narrativa, enfatizando certas tonalidades sobre outras para indicar
diferentes momentos dramáticos e emocionais. Zhang Yimou, um
mestre supremo do uso da cor, abusa desse direito em O clã das adagas
voadoras (2004), quando, na sequência final, suprime subitamente os
tons dourados que vinham marcando o ambiente e, com uma
tempestade de neve, torna tudo etereamente branco, distante, estranho,
gelado. Em Onde os fracos não têm vez, os tons naturais do deserto — bege,
areia, ocre, azul, verde — dominam a paleta durante a primeira parte
da narrativa; à medida que o personagem de Javier Bardem assume o
controle da história, bege e areia se tornam laranja, tijolo e vermelho,
assinalando uma descida a um outro mundo, sangrento e infernal.
▪ Conceber, desenhar e executar o aspecto visual dos
personagens. Um personagem bem-desenhado fala conosco antes que
o ator que o interpreta abra a boca. Na primeira vez que o vemos
devemos ser capazes de saber o essencial a seu respeito — estado de
espírito, estilo de vida, gosto, classe social, poder aquisitivo, ambições,
desejos. Se primeiras impressões são essenciais na vida real, o que não
dizer do controlado mundo do filme, onde o diretor tem 120 minutos,
em média, para criar universos e manipular tudo o que eles contêm?
Do penteado aos sapatos, tudo na composição visual de um
personagem deve nos dizer quem ele é. Um exemplo já foi dado aqui
mesmo — a apresentação dos personagens principais de Um grande garoto,
o solteirão, o menino e sua mãe. Pense também no ar de obviamente
terrível no Anton Chigurh de Javier Bardem em Onde os fracos não têm vez
— uma combinação de suas roupas escuras, urbanas, diferentes do
estilo caubói à sua volta e, principalmente, seu estranho corte de
cabelo, uma espécie de versão cimentada da cabeleira beatle, rigorosa
e propositalmente simétrica — algo impossível na natureza, criação
expressa do mestre Paul LeBlanc, colaborador dos Coen em quase
todos os seus filmes.
A evolução dos personagens ao longo de sua jornada pelo arco da
narrativa também tem que ser expressa por penteados, maquiagem e
roupa. Filmes de transformação, como Sabrina (Billy Wilder, 1954;
Sydney Pollack, 1995), My Fair Lady (George Cukor, 1964), Tootsie
(Sydney Pollack, 1982), O casamento de Muriel (P.J. Hogan, 1994) ou O
Diabo veste Prada (David Frankel, 2006) divertem-se imensamente com o
poder imediato das mudanças na composição visual. Mas pense no
significado poderoso de Lawrence/Peter O’Toole vestindo os trajes
brancos de líder tribal do deserto em Lawrence da Arábia ou Rita Hayworth
tirando lentamente a luva negra em Gilda (Charles Vidor, 1946), e ficará
clara a importância de cada detalhe da aparência como indicador de
mudanças e marcos na jornada do personagem. Mesmo que nunca
tenha visto Thelma e Louise (Ridley Scott, 1991), uma pessoa que olhe
uma cena do início do filme, em que duas dondocas de cabelos
armados e vestidos arrumadinhos de poliéster sorriem para a câmera, e
compare com as duas descabeladas, bronzeadas e nada sorridentes
criaturas em botas, jeans e camisetas empoeiradas do final saberá que
coisas absolutamente extraordinárias, marcantes e transformadoras
aconteceram ao longo da trajetória dessas mulheres.

é o diretor de fotografia ou DP. Como


O LÍDER DO DEPARTAMENTO DE FOTOGRAFIA
o diretor de arte/desenhista de produção, é um parceiro inestimável do
diretor, e em geral forma com ele uma dupla que só é rompida por motivos
de força maior. Bergman e Sven Nykvist, Glauber e Antonio Beatto,
Almodóvar e Javier Aguirresarobe, Spielberg e Januzs Kaminsky, Won Kar
Wai e Christopher Doyle são apenas algumas das muitas dobradinhas
célebres cuja intensa colaboração criou assinaturas visuais indeléveis.
O DP é o senhor absoluto de tudo o que acontece com a câmera ou
câmeras — onde ela fica, como se movimenta, que lentes e filme usa, que
foco emprega. Como câmera e luz são parceiros inseparáveis — a câmera
vê o que a luz transmite, num diálogo silencioso e poderosíssimo —, o
modo como o set ou a locação são iluminados também cai na jurisdição do
DP.
Por isso, o Departamento de Fotografia é assim organizado:

Cabe ao DP e ao Departamento de Fotografia estabelecer os mesmos


elementos do Departamento de Arte — a atmosfera visual do filme e suas
alterações ao longo da narrativa a afirmação da paleta de cores, criação de
metáforas visuais —, mas utilizando não o que está na frente da câmera, e
sim como isso é captado.
COMO ASSIM
BEST BOY?
QUALQUER PESSOA QUE PRESTE ATENÇÃO aos intermináveis créditos ao
final de um filme já se deparou com termos como esses que estão no
gráfico. Deve ser um alívio poder finalmente saber que estranho
código e possivelmente bizarras tarefas ocultam-se sob best boy grip e
gaffer. Todos esses termos remontam aos primeiros anos do cinema,
quando os sets estavam ainda se organizando como as rígidas
estruturas hierárquicas que seriam em breve.
O Departamento de Iluminação (ou elétrica, como é comumente
conhecido no Brasil) é liderado pelo gaffer, um termo britânico que é
uma variação de grandfather (avô), sinônimo de “velho” ou “chefe” — e
que pode tambem ter derivado do termo gaff, a longa estaca encimada
por um gancho usada até hoje para mover spots em locais muito altos.
Ao gaffer cabe coordenar todo o plano de iluminação de cada cena,
sabendo onde cada ponto de luz deve estar, que intensidade deve ter,
com qual gel (tiras plásticas que conferem diferentes tonalidades às
luzes) deve estar. O gaffer trabalha com o DP e reporta-se diretamente a
ele — que, por sua vez, reporta-se diretamente ao diretor.
O best boy electric é o braço direito do gaffer. O termo best boy vem do
ancestral sistema de aprendizado de ofícios, em que o termo era uma
láurea que destacava o mais dedicado aprendiz. E, de fato, o best boy de
hoje é frequentemente o gaffer de amanhã — mesmo que seja, como
atualmente é cada vez mais comum, uma mulher…
Os grips são as abelhas operárias do set, responsáveis por mover,
manter e instalar toda a complexa maquinaria que manipula câmeras e
alimenta luzes (por isso no Brasil seu departamento é conhecido como
Maquinaria). Grip é um verbo da língua inglesa que quer dizer “pegar
com firmeza, agarrar”. No circo, os grips são os responsáveis por todo o
equipamento utilizado em cena e, frequentemente, os zeladores pela
segurança dos artistas — uma função que seus herdeiros no set de
filmagem mantêm em muitas produções menores, acumulando o papel
de supervisão de cenas perigosas. Os grips não tocam nas luzes em si,
mas ocupam-se de todo o resto — cabos, fios, rebatedores e todos os
sistemas de movimentação das câmeras, como carrinhos (dolly), gruas
(crane), camera car etc. Grips podem ser altamente especializados, e por
isso muitas vezes eles aparecem nos créditos como dolly grip ou crane grip.
O key grip é o chefe da maquinaria, responsável pelo trabalho de
toda essa gente. Seu braço direito é o best boy grip. Como o gaffer, o key grip
reporta-se diretamente ao DP — juntos, gaffer e key grip têm a missão de
providenciar tudo o que, fora da câmera, seja necessário para que a
fotografia do filme cumpra a visão estabelecida por DP e diretor.

Ao escolher os tipos de câmeras, lentes, filtros e material de suporte —


digital ou película e, no caso de película, qual tipo e milimetragem — e ao
decidir com elétrica e maquinaria suas necessidades de iluminação e
movimentação, o DP já estabeleceu a planta baixa do visual do projeto.
Filmes de diferentes tipos captam imagens com diferentes tonalidades.
Filtros alteram cor e luminosidade. Filtros e películas diferentes, por
exemplo, foram usadas para definir os três fios narrativos de Traffic (Steve
Soderbergh, 2000): frio, azul/cinza, para a trama envolvendo o juiz; ocre
para todas as sequências no México; e dourado/alaranjado, solar, para a
história da dona de casa tornada traficante, em San Diego, Califórnia.
Cabe agora, com o diretor, fazer com que as imagens efetivamente
falem. A gramática da linguagem cinematográfica está no enquadramento, o
ponto de vista da câmera em relação ao que ela vai mostrar. Os principais
enquadramentos são:
▪ Extreme long shot/plano geral: Mostra onde estamos, o local
onde a ação vai se passar. Em geral é o establishing shot, a tomada que
ancora na nossa mente a noção de lugar.
▪ Long shot/plano aberto: Ainda amplo, porém mais próximo
que o plano geral. Mostra a informação essencial, o clima, o ambiente.
Dentro do universo predefinido pelo plano geral, o plano aberto nos
aponta para onde devemos olhar, onde está o ponto de maior interesse
para nós. Usado de outra maneira, o plano aberto pode significar
distanciamento — muitas vezes o diretor opta por manter a câmera
propositalmente longe de algo que até pediria para ser mostrado de
perto, como uma conversa, uma luta, um beijo, para contrapor ao
sentido de intimidade .
▪ Medium shot/plano médio: Também conhecido como plano
americano: a câmera se aproxima enquadrando os personagens do
quadril ou da cintura para cima. É a apresentação dos personagens, o
momento de mostrá-los a nós, mesmo que eles tenham sido vistos de
longe, em planos gerais ou abertos. Dependendo do blocking — do lugar
de cada um em relação ao outro e a câmera — e da movimentação da
câmera, este enquadramento pode mostrar a relação entre os
personagens, ou entre eles e o ambiente à sua volta. Note, por
exemplo, o que está em foco, ou o que está mais em foco. Se, num
plano americano, tudo está em foco — assinatura visual de Orson
Welles e Stanley Kubrick —, o diretor quer nos dizer que tudo
importa, e que os personagens são peças num jogo muito mais amplo.
▪ Close up: Apenas o rosto é enquadrado. Estamos agora na
intimidade dos personagens. O diretor não quer nos distrair com mais
nada, e apenas aquela imagem importa. Dependendo da cena, ele pode
estar querendo despertar em nós empatia, horror, compaixão, paixão,
surpresa. Se não for um personagem, o close up está destacando detalhes
importantes da cena, objetos significativos. De todo modo, a
mensagem é: Atenção! Emoções fortes!
▪ Extremo close up: Vemos apenas olhos, ou apenas bocas, ou
olhos/nariz/boca. Estamos “dentro da cabeça” dos personagens. Seu
mundo interior, neste momento, é mais importante do que qualquer
outra coisa, e apenas quem eles são, o que pensam ou sentem deve
prender nossa atenção.
Além de enquadrar, a câmera, como nossos olhos, se move. Ao
decidir, com o diretor, como ela se move, o DP cria um tecido visual
que nos envolve tanto pela sua familiaridade quanto pela sua
estranheza. Os movimentos da câmera podem ser naturais,
semelhantes ao que nós fazemos a todos os momentos, e não naturais,
que somos completamente incapazes de fazer. Os primeiros nos
colocam dentro da ação, como observadores diretos ou até
participantes. Os segundos criam emoções novas e fortes — são como
temperos exóticos ou cores inusitadas enfatizando, alterando,
ampliando sensações.

Alguns movimentos naturais:

• Pan: A câmera se mantém em seu eixo, mas roda pela cena,


antecipando-se aos atores — assemelha-se ao nosso olhar quando,
parados, giramos lentamente a cabeça para tomar conhecimento de
uma situação, um ambiente. O movimento em geral começa com uma
imagem fixa, como ponto de partida. O ritmo do movimento conduz a
emoção, mas, de um modo geral, o pan diz: olhe tudo isto, veja onde
você está.
• Câmera na mão: A câmera balança, treme e sai de foco com o
ritmo de seu operador. É o que veríamos se estivéssemos, nós mesmos,
correndo. A mensagem é: urgência, caos, “veracidade”, testemunho
(porque remete ao que estamos acostumados a ver em documentários e
telejornalismo).
• Tracking: A câmera é colocada num trilho e se movimenta com
ritmo próprio, suave. É o equivalente ao nosso olhar quando
caminhamos prestando atenção ao ambiente à nossa volta. Em ritmo
rápido, o tracking shot aumenta a excitação, sugere perseguição, fuga.
Lento, aumenta a emoção, cria a sensação de importância, solenidade,
pompa. Na mesma velocidade do objeto em cena, injeta o espectador
“na ação”, de forma “natural”.

Alguns movimentos não naturais:


• Zoom: As lentes se mexem, aproximando-se ou recuando, mas a
câmera permanece fixa. Sublinha enfaticamente um elemento ou um
momento da cena, dá sustos, cria estranheza, irrealidade. Em Super 8
(J.J. Abrams, 2011), quando os meninos estão filmando na estação
ferroviária, a câmera de Larry Fong faz dois zooms dramáticos: o
primeiro, aproximando-nos rapidamente do “diretor” Charles (Riley
Griffiths) e sua turma, em fuga depois da colisão; e, logo a seguir,
mostrando sem sombra de dúvida (para nós) o elemento mais
importante da cena — a câmera super 8 que, abandonada e caída no
chão, continua filmando.
• Grua: A câmera é colocada numa grua, podendo subir,
sobrevoar ou descer sobre a cena. Em conjunto com tomadas aéreas ou
com tomadas a partir de câmeras móveis, pode nos levar do nível do
chão aos céus. É a chamada “visão dos anjos”. Dá um tom épico,
majestoso, dramático, “maior que a vida”. Em Desejo e reparação a
antológica sequência da retirada de Dunquerque, pelos olhos do
protagonista Robbie Turner (James McAvoy), termina exatamente
assim: com a câmera sendo suspensa aos céus, levando nosso olhar,
pela primeira vez, para o quadro completo de devastação e carnificina
que Robbie nos mostrara em relances.

Se o diretor tem uma abordagem estruturada do projeto, a maioria


destes enquadramentos e movimentos já terá sido decidida meses antes do
primeiro grito de “ação”, através dos storyboards e das pré-visualizações.
Realizadores que preferem o improviso terão marcado apenas o essencial
para o estabelecimento das necessidades de produção, e deixarão que o
local, os atores e até a luz do momento o inspirem a decidir onde pôr a
câmera e como fazê-la se mover.
Racional ou intuitivo, científico ou poético, é um processo não muito
diferente do de um pintor escolhendo cores e modos de espalhar a tinta, ou
um compositor procurando notas em seu piano — planejamento e estudo
vão só até certo ponto. Depois, estamos num outro território, governado
pelo talento e pelo mistério da criação artística.

ALGUMAS SUGESTÕES
▪ Escolha uma cena de um filme, pare e observe tudo o que está
na tela, tentando descobrir por que cada imagem está lá, que função
está cumprindo.
▪ Procure notar o que os ambientes transmitem a você mesmo
antes de os personagens aparecerem.
▪ O quanto do personagem você apreende apenas olhando sua
aparência (roupas, cabelo etc.)?
▪ Você consegue perceber a paleta de cores de um filme?
▪ Note os movimentos da câmera — quando eles são mais
aparentes, quando são mais imperceptíveis. Como eles alteram a
experiência emocional do filme para você?
4. A costura do sonho: dando forma e voz à narrativa 4. A COSTURA DO SONHO: DANDO FORMA E VOZ À NARRATIVA
“A essa altura você provavelmente nota que está vendo
um filme, e não uma imitação da vida real. Até mesmo os
sonhos, em seu peculiar surrealismo, não são assim. É isso
que torna nosso trabalho tão especial e único.”
Walter Murch, montador/designer de som
A SEQUÊNCIA A QUE WALTER SE REFERE é uma das mais extraordinárias do
cinema, um exemplo perfeito da importância da pós-produção — a
finalização de um filme, centrada na montagem de som e imagem — em
todo o conceito de um projeto. Murch, um colaborador de confiança de
Francis Ford Coppola, cinco vezes indicado ao Oscar e três vezes vitorioso
— inclusive uma inédita vitória dupla em 1997 por montagem de som e
imagem de O paciente inglês, de Anthony Minghella —, está falando da
abertura de Apocalypse Now: ao som da sombriamente épica canção “The End”,
do The Doors, o capitão Willard (Martin Sheen) espera, num quarto de
Saigon, sua próxima missão secreta nas selvas do Vietnã, durante a guerra.
É uma tradução visual das páginas de abertura do livro que foi uma das
inspirações para Coppola, Despachos do front, do correspondente de guerra
Michael Herr, um fluxo de consciência febril, colagem de memórias
terríveis e líricas, água, fogo, selva, napalm, lama, excremento, sangue, o
“tat tat tat” dos helicópteros, o umf surdo das explosões, maconha, anfetamina,
ópio. Willard/Sheen bebe e delira, delira e cambaleia, bebe e recorda, bebe
e tenta esquecer, flutua no limite da inconsciência, corta-se ao dar um soco
no espelho e finalmente vai até a janela. “Saigon! Merda! Ainda estou em
Saigon” é tudo o que ele diz, levantando, de relance, as réguas da persiana.
Isso é tudo o que “acontece” na sequência — e, no entanto, muito mais
acontece nos nossos olhos, ouvidos, mente. Pela arte sutil de Murch — que
também editou som e imagem do filme —, mergulhamos na própria alma
de Willard, no fundo do seu caos de medos e memórias. O fogo — horrível,
belo — do napalm, que muda a paisagem radicalmente nos primeiros
minutos da sequência, implanta-se na sua cabeça, queimando
permanentemente no canto da tela. Fotos antigas e cartas misturam-se a
rostos de estátuas, vultos de palmeiras, ao próprio rosto de Willard pintado
de preto. O ritmo hipnótico de “The End” guia as imagens e serpenteia
entre o stacatto das hélices de helicóptero, um som onipresente na guerra do
Vietnã.
Coppola não previra nada disso no início de sua longa e conturbada
jornada por Apocalypse Now. O que chegou às mãos de Murch foi uma massa
caótica de imagens capturadas ao longo dos 16 meses de filmagem,
resultado de várias versões do roteiro, muitas brigas no set e todo tipo de
problema pessoal, logístico, profissional, financeiro e até médico (Sheen
teve um ataque do coração logo após a filmagem dessa sequência de
abertura). Foi o paciente trabalho de Murch e sua equipe que devolveu a
Coppola a visão inicial de seu projeto e, mais que isso, deu-lhe uma forma.
O que fora ideia, dois anos antes, na concepção do projeto, era, então, um
filme.
Esse, em essência, é o trabalho da finalização.
Ao dar ordem ao material colhido, acrescentando trilhas de som e
música e, se necessário, efeitos visuais, a finalização está:
▪ Dando a forma final do filme; ▪ Criando o ritmo da narrativa; ▪
Acrescentando camadas de significado às imagens; ▪ Modificando,
comentando ou amplificando o que estamos vendo; ▪ Criando um
“realismo emocional”: a sensação clara que nós, na plateia, temos de
que tudo o que estamos vendo é “verdade”, mesmo que saibamos,
racionalmente, que se trata de “apenas um filme”.

NOS PRIMÓRDIOS DO CINEMA não havia montagem porque não havia o que
montar: encantadas com a novidade da imagem em movimento, as plateias
do final do século XIX se contentavam com uma tomada estática, que
durava enquanto houvesse filme na câmera, algo em torno de três minutos.
A necessidade de aumentar a duração das sessões, oferecendo mais ao
público, só podia ser resolvida com a adição de mais imagens: um problema
que Edwin Porter, o ex-eletricista e funcionário do laboratório de um dos
pioneiros da imagem em movimento, Thomas Alva Edison, resolveu o
problema com inventividade em Life of an American Fireman, filme de 1903.
Em pouco mais de seis minutos, Porter costura cenas de um dia na
vida de um bombeiro, estabelecendo o conceito narrativo que iria dominar o
cinema comercial, de massa, ao longo das décadas seguintes: as imagens se
sucedem convidando o espectador a organizá-las como uma história linear,
com começo, meio e fim. Cochilando na estação, um bombeiro sonha com
sua vida doméstica (algo revolucionário para 1903 — dois planos de tempo
na mesma cena!). Alguém aciona um alarme. Os bombeiros descem às
pressas para as charretes, atravessam as ruas a galope, manobram as
mangueiras, sobem e descem escadas para salvar uma criança enquanto a
mãe clama por socorro. Imagens diversas, em locais e momentos diferentes,
transformadas em uma narrativa pela montagem.
No mesmo ano de 1903, Porter levou adiante sua experiência com o
que muitos consideram o primeiro filme de ação e o primeiro western da
história do cinema: O grande roubo do trem. Em 12 minutos, Porter recria um
episódio da conquista do Oeste utilizando recursos ousados que se
tornariam parte integrante da linguagem cinematográfica, como narrativas
paralelas (eventos acontecendo simultaneamente em dois lugares
diferentes), compressão do tempo, tela dividida e — fundamental para o
cinema americano — naturalidade do corte, que faz o espectador acreditar
que o cenário da estação de trem e a floresta por onde os bandidos fogem
são parte da mesma realidade, e compõem uma mesma história sem
interrupções.
Na Europa, os pioneiros da imagem em movimento estavam
progredindo na mesma direção. Encantado com uma demonstração dos
irmãos Lumière, o mágico e prestidigitador Georges Mélies decidiu
combinar seus truques de palco com a nova tecnologia no que viria a ser
uma série de filmes notáveis, explorando a força narrativa da montagem e o
potencial da imagem em movimento na realização de trucagem — ou seja,
efeitos visuais. Viagem à lua, de 1902, combina todos esses elementos numa
adaptação de 14 minutos de textos de Julio Verne e H.G.Wells que seria
impossível, como narrativa, sem a colaboração do espectador através da
montagem.
Essa colaboração entre o que a câmera capta e o que a mente do
espectador acrescenta é o coração do conceito da montagem. Na terceira
década do cinema, seu poder tornou-se o principal alvo de estudo e debate,
principalmente na Europa. Na Rússia recém-comunista, o potencial desse
elemento como fomentador de debates não passou despercebido. Dois
teóricos e cineastas fizeram as mais importantes reflexões sobre o tema:
Lev Kuleshov e Sergei Eisenstein. Ao intercalar a mesma imagem — um
ator olhando para a câmera — com três tomadas diferentes — um prato de
sopa, uma mulher chorando sobre um caixão e uma criança abraçada a um
ursinho de pelúcia —, Kuleshov provou que a mente humana colore com
emoções o que vê, dependendo da ordem em que vê. Aos espectadores que
participaram do experimento em 1918 (e na verdade até hoje), o ator
parecia faminto quando o prato de sopa aparecia antes de sua imagem; triste
e compassivo, quando precedido pela mulher chorando; e terno, amoroso,
quando a criança e seu ursinho eram vistos antes. Para Kuleshov, a
montagem era o elemento mais importante do cinema, equivalente a
construir uma casa tijolo por tijolo — apenas a justaposição das imagens
poderia criar o significado do filme, assim como os tijolos, juntos,
construíam uma casa.
Um dos primeiros teóricos do cinema, Eisenstein foi além de expor
suas ideias em dois livros essenciais: O sentido do filme e A forma do filme. Em
1924, ao começar sua carreira como diretor, com A greve, ele colocou na tela,
eloquentemente, o que constatara: que a montagem não apenas modifica
emoções e percepções, mas as cria aparentemente do nada. Em A greve e,
mais espetacularmente ainda, em O encouraçado Potemkin, de 1925, Eisenstein
alinha imagens aparentemente desconexas — as laranjas caindo pelos
degraus de Odessa, os soldados do tzar atirando sobre a multidão, por
exemplo — para gerar vastos conceitos e sentimentos. Tudo está no olhar e
na cabeça do espectador: se as laranjas caem e rolam, o que estará
acontecendo com as pessoas? Caindo e rolando, indefesas…
Nos anos 1920 e 1930, a montagem estava firmemente estabelecida
como a fundação sobre a qual toda a linguagem do cinema se basearia. Dois
modos de encarar a montagem rapidamente se solidificaram: a montagem
invisível ou “natural” e a montagem visível.
A montagem invisível, praticada com grande entusiasmo pelo
patriarca do cinema norte-americano, D.W. Griffith, tornou-se a mais usada
em Hollywood. Seu objetivo é esconder ao máximo a experiência do filme
e envolver o espectador no que parece ser a observação de “fatos reais”. As
cenas precisam ser cuidadosamente encaixadas para que não haja
descontinuidade: a moça segurando o copo cheio tem que estar segurando o
copo cheio na cena seguinte, mesmo que o ângulo da câmera seja outro, por
exemplo; o homem saltando do carro, entrando no prédio pela porta da
frente e se encaminhando para a portaria precisa ser visto sem interrupção e
sem diferença de roupa e iluminação em todos esses momentos, mesmo que
essas imagens tenham sido captadas em dias, locais e circunstâncias
completamente diferentes. É o domínio do corte casado — a cena anterior e a
seguinte devem se “casar” perfeitamente, com a mesma naturalidade que
nosso olhar teria ao ver as imagens no mundo real.
A montagem visível, decorrente dos postulados de Kuleshov e
Eisenstein, propõe exatamente o oposto: que o espectador esteja consciente
o tempo todo de que está vendo uma representação da realidade — um
construto intelectual a partir de imagens captadas expressamente para esse
fim —, e que acrescente suas conclusões pessoais ao que vê. A metáfora
visual impera, aqui, com a sobreposição de imagens tão díspares quanto as
laranjas e as pessoas de O Encouraçado Potemkin, e mudanças abruptas de ritmo,
grandes saltos entre o close de um rosto, uma mão, um plano aberto de
multidão. É a província do corte seco, que não pretende imitar a realidade,
mas subvertê-la, um tipo de linguagem essencial no desenvolvimento do
cinema europeu.
As trocas de informação, o fluxo de mão de obra estrangeira em
Hollwyood — o próprio Eisenstein trabalhou brevemente na Paramount,
nos anos 1930 — e, nos anos 1950 e 1960, a influência do novo cinema
europeu sobre a geração que se formava nas escolas de cinema acabou
mesclando as duas abordagens. Hoje o mais comum é vermos ambas em
prática nos filmes, com objetivos diferentes e complementares: levar a
história adiante (tarefa mais fácil com a montagem invisível) ou nos fazer
ponderar o mundo interior ou a experiência única de um personagem (o que
exige o poder metafórico da montagem visível). Um filme como Inception —
A origem não seria possível sem a utilização sábia das duas formas de
montagem — invisível no “mundo real” dos personagens, visível, inquieta e
provocante no “mundo do sonho”.

A IMPORTÂNCIA DO MONTADORnum filme é de certo modo parecida com a do


goleiro num time de futebol: o público só nota quando ele erra. Seu trabalho
não é glamoroso como o do desenhista de produção, influente como o do
diretor de fotografia, divertido como o do roteirista. Para a grande maioria
de nós, na plateia, ele — ou ela; o contingente feminino na ilha de edição
sempre foi substancial e, hoje, é cada vez maior — é invisível. Na verdade,
quanto melhor e mais brilhante for seu trabalho, mais o montador será
invisível, e sairemos do cinema elogiando o diretor, os atores e o roteirista.
No entanto…
A lista dos filmes que foram literalmente feitos ou salvos na ilha de
edição daria outro livro. Apocalypse Now foi um exemplo dramático, mas há
muitos mais. Noivo neurótico, noiva nervosa (Woody Allen, 1977) mudou
radicalmente de rumo quando, já na finalização, o montador Ralph
Rosenblum apontou a Allen que Annie Hall, a personagem de Diane
Keaton, era o coração do filme (que até aquele momento se chamava
Anhedonia, termo médico para “incapacidade de sentir prazer”). Allen
concordou e, juntos, ele e Rosenblum remontaram o filme, enfatizando o
personagem de Keaton — que, afinal, deu o título à versão original.
Tubarão (Steven Spielberg, 1975) é um caso ainda mais dramático. O
material que chegou à moviola da experiente Verna Fields era desesperador:
as oscilações de luz, comuns no oceano, faziam com que tomadas da
mesma sequência parecessem estar em horas do dia e estações do ano
diversas; erros de continuidade estavam por toda parte, atestando o caos das
semanas finais de filmagem. Mais grave, o astro do filme, o megavilão do
título, era um horror, mas em outro sentido: “representado” por três
tubarões mecânicos (todos batizados “Bruce” por Spielberg, em
homenagem a seu advogado), a criatura era risível em todas as cenas. Isso
quando se dignava a aparecer — um dos Bruces afundou no Atlântico ao
largo de Martha’s Vineyard e jamais foi resgatado.
Calma e filosófica, Fields foi franca com Spielberg. Do alto de seus 57
anos de idade (contra os 29 do aflito diretor) e 20 de carreira, Fields foi
decisiva — só havia um jeito de salvar Tubarão: sumindo com o dito cujo.
Spielberg, fã de Hitchcock, tivera oportunidade de trabalhar com o mestre
em sua série de TV e imediatamente compreendeu a proposta. O que
realmente assusta a plateia, sempre dissera Hitchcock, é o que ela não vê,
mas antecipa — e imagina.
Nas mãos hábeis de Fields, os Bruces foram cirurgicamente
eliminados, substituídos por elegantes cortes que priorizam o possível ponto
de vista do predador e ocultam sempre sua aparência física. Adicione-se a
isso a maravilhosa “assinatura musical” criada por John Williams (e
inspirada nos mesmos cellos assustadores empregados por Bernard
Herrmann, com o mesmo objetivo, em Psicose), e pronto: nunca tantos
tiveram tanto medo de planos da luz do sol entrando pelo mar, boias
amarelas pipocando na superfície e dois acordes graves em sequência.
Este é o ofício do montador elevado à arte. Verna Fields, é claro,
ganhou o Oscar por Tubarão.
A importância da montagem é tanta que muitos diretores a tomam nas
mãos, sem medo do enorme, sistemático e paciente trabalho que ela
representa. O grande Hal Ashby começou sua carreira como montador e,
mesmo depois de sua ascensão a diretor, continuava editando seus filmes —
e filmando como um montador, já com todos os cortes e inserções previstos
em sua cabeça. Steven Soderbergh e os irmãos Coen sempre montam seus
próprios filmes.
A segunda melhor opção para um diretor é ter um montador de fé, com
quem mantém uma relação tão profunda e duradoura quanto a com os
diretores de arte ou de fotografia. Spielberg trabalha sempre que pode com
Michael Kahn; Scorsese, com Thelma Schoonmaker. Godard foi parceiro de
Agnés Guillemot até sua morte, em 2005; Fellini, do grande Ruggero
Mastroianni (irmão de Marcello). David Lynch acabou se casando com sua
editora, Mary Sweeney (e se separando dela em 2006). Até hoje, Francis
Ford Coppola e Walter Murch são parceiros inseparáveis.
A ideia que um dia foi um roteiro e depois se tornou uma visão nasce
apenas depois de moldada pelo minucioso e delicado trabalho do montador
— carpinteiro e ourives do cinema.

o montador tem uma bem-abastecida caixa


COMO TODO ARTESÃO DE ALTO NÍVEL,
de ferramentas. Algumas de suas favoritas são:
1. O ritmo do corte: Muitos montadores trabalham com
metrônomos para manter a contagem certa de compassos para a
duração de cada cena. Outros trabalham com a música prevista pelo
diretor (Scorsese costuma filmar todas as suas principais sequências ao
som da música que pretende usar na trilha). Como na música, o ritmo
do corte se ajusta pelo ritmo cardíaco — para nós, quanto mais rápido,
maior a sensação de tensão na sequência.
2. Fade in, fade out/dissolve: Uma lenta transição entre uma
imagem e outra. Os fades dissolvem a imagem para ou de uma tela
vazia. Os dissolves fundem duas imagens. Criam a sensação de começo,
fim e passagem de tempo. Cidadão Kane abre com uma série de dissolves
entre diversas imagens importantes para a mitologia do protagonista —
elaboradas grades e portões, o castelo de Xanadu —, muitos
terminando em superposições.
3. Superposição: Uma imagem nitidamente colocada sobre ou ao
lado de outra. Cria imediatamente uma metáfora visual ou indica uma
porta de acesso ao mundo interior dos personagens — como no caso
da abertura de Apocalypse Now, em que o fogo do napalm aparece
sobreposto ao rosto de Martin Sheen.
4. Cutaway: Uma imagem secundária é intercalada à ação
principal. Permite-nos acompanhar eventos, reações e acontecimentos
de diversos pontos de vista. Em Chinatown, Jake (Jack Nicholson)
observa, através de binóculos, o encontro entre o engenheiro Hollis
Mulwray (Darrell Zwerling) e um menino, em uma de suas muitas
andanças por áreas de seca. Um cutaway nos mostra a imagem que ele
está vendo através dos binóculos.
5. Cortes casados (matched): Imagens diferentes entre si são
postas lado a lado. É outro modo de criar, instantaneamente, uma
metáfora visual. Nosso olhar soma as informações das duas imagens e
cria um conceito a partir delas — como quando o macaco do início de
2001: uma odisseia no espaço atira para o alto um osso que ele acabou de usar
como arma, e a imagem que vemos, logo a seguir, é uma nave espacial
— longa como um osso — flutuando sobre a Terra.
6. Cortes contínuos: É o fundamento da “montagem contínua”
ou “americana” — aquela que busca criar grandes doses de “realismo
emocional” que permita à plateia “perder-se” na “realidade” do filme.
Um ou mais elementos asseguram a “naturalidade” da sequência de
imagens: mesmo que tomadas tenham sido feitas em dias, horas e
locais diferentes, o editor “costura” as imagens para criar a ilusão de
continuidade da ação, reforçando a suspensão de descrença e nosso
envolvimento com a narrativa. A imagem de uma atriz olhando pela
janela pode ter sido filmada em um dia, e a imagem de ela se voltando
para ver quem entra no quarto pode ter sido captada em outro. Se a
montagem coloca os dois lado a lado, nossa mente logo torna o
movimento contínuo, habitando o mesmo momento e espaço.
7. Jump cut: O oposto da “montagem contínua” e uma das armas
mais usadas pelas brigadas da Nouvelle Vague para “desconstruir o
cinema”: tomadas da mesma cena, mas com diferentes ângulos e até
enquadramentos, são colocadas em sequência, fazendo com que as
imagens pareçam “pular” (daí o nome). No corte contínuo, aceitam-se
imagens de câmeras, uma depois da outra, que estejam em posições
diferentes — desde que a câmera tenha se movido menos que trinta
graus, uma diferença que o olho humano corrige naturalmente e não
quebra a ilusão de “naturalidade”. No jump cut, as imagens são
deslocadas o suficiente para que a sensação seja o oposto, a de
artificialidade. Uma grande parte de Corra, Lola, corra (Tom Tykwer,
1998) é jump cut: Tykwer propositalmente corta de tomadas próximas
para longínquas, e entre locais e personagens diferentes, o que
aumenta a tensão e a sensação de urgência da correria desesperada de
Lola.
O jump cut tornou-se, na verdade, uma das ferramentas mais
comuns da linguagem audiovisual contemporânea. O que era insolente
nos anos 1960 é, hoje, comumente empregado não apenas em filmes,
mas em videoclipes e na TV, tanto em séries quanto em
documentários.
Além de controlar o modo como experimentamos a narrativa, o
montador também tem o domínio sobre o tempo e o espaço — afinal,
um filme é um exercício digno de Einstein, no qual histórias que
podem se estender por séculos em diversos continentes nos são
apresentadas, de forma clara e compreensível, durante, em média, duas
horas.
Como isso é possível? Alguns modos pelos quais os montadores
manipulam o contínuo espaço-tempo:
• Tempo subjetivo: Tempo como percebido por determinado
personagem (lento demais, rápido demais…). As imagens são
desaceleradas ou aceleradas para acompanhar o ponto de vista do
personagem.
• Tempo comprimido/passagem de tempo: Pode ser breve (o
subir de uma escada) ou longo (vários dias e anos). É obtido em geral
através de fusões, dissolves e superposições, frequentemente
acompanhadas de música (o que, na linguagem profissional, configura
uma “montagem”). É uma das formas mais eficientes de comprimir
grandes blocos de informação visual numa sequência curta, que
indique o estilo de vida ou as mudanças na personalidade, aparência ou
relacionamentos dos personagens. Uma das mais conhecidas
montagens do cinema, que usa amplamente o recurso do tempo
comprimido, é a sequência do treinamento de Rocky Balboa (Sylvester
Stallone) em Rocky, um lutador (John Avildsen, 1976): ao som de “Gonna
Fly Now” (o épico tema instrumental de Rocky), Stallone atravessa
várias ruas da Filadélfia (inclusive um mercado ao ar livre onde são
visíveis os trilhos usados para mover a câmera), faz flexões com um
braço só, dá murros em enormes peças de carne e sobe triunfantemente
a escadaria do Museu de Arte da Filadélfia. A ideia é mostrar, em três
minutos, os meses de preparação de Rocky com recursos escassos, mas
transformando cada desafio numa vitória (um clima enfatizado pela
música e pelos gestos de Stallone).
• Tempo simultâneo: Eventos diferentes, em locais e
possivelmente momentos diversos parecem ocorrer ao mesmo tempo
porque as imagens são inseridas em blocos sucessivos dentro de uma
ação principal, ou colocadas em subdivisões na tela (como Steven
Soderbergh faz constantemente em seus filmes Onze homens e um
segredo/Doze homens e outro segredo…).
• Tempo ambíguo: Ao intercalar dissolves e fusões numa sequência
de cortes, cria-se um “espaço” visual que pode indicar lembrança,
devaneio, raciocínio, impressão subjetiva. O tempo subjetivo, quando
o sujeito em questão está alterado por algum motivo (apaixonado,
sonhando, drogado, bêbado), aparece frequentemente como tempo
ambíguo — “perdemos tempo” junto com os personagens.
• Tempo “natural”: Obtido em geral pelo long take ou plano-
sequência — uma rodada da câmera, sem interrupções e cortes. Tem
um aspecto natural, como o olhar humano, mas pode ser manipulado
pelo DP através da movimentação da câmera. Há planos-sequência
históricos: as aberturas de A marca da maldade (Orson Welles, 1958),
Absolute Beginners (Julien Temple, 1986) e O jogador (Robert Altman,
1992), ou a integralidade de Arca russa (Aleksandr Sokúrov, 2000).
Curiosamente, quanto mais longo e sustentado o plano-sequência,
menos “natural” o tempo fica — porque estamos acostumados ao olhar
picotado do cinema.

HOJE NOS PARECE UMA ABERRAÇÃOver um filme com o som dessincronizado,


mas é bom lembrar que as primeiras duas décadas de vida do cinema foram
completamente mudas. E que, nos anos 1930, na esteira do sucesso de O
cantor de jazz — o primeiro longa com som sincronizado, de 1927 —, o
cinema tornou-se amplamente sonorizado, muita gente jurou que seria o fim
da recém-nascida “sétima arte”.
O cinema nasceu do desejo pela imagem em movimento, um impulso
distinto da narrativa pela voz, que o teatro saciava, ou pelo texto, província
da literatura. Parece que levamos algum tempo até conciliar todas essas
possibilidades — algumas culturas mais tempo que outras. No Japão, por
exemplo, a arte da narração do filme mudo por benshis permaneceu viva até a
Segunda Guerra Mundial, suplantando em popularidade a “novidade” do
som sincronizado.
Mesmo a música, que hoje associamos com tanta naturalidade à
experiência de ver um filme, tardou a ser incorporada completamente à
narrativa. O “acompanhamento musical” que Victor Herbert escreveu para
Fall of a Nation (Thomas F. Dixon Jr., 1916) era executado paralelamente à
exibição, assim como os temas compostos por Gottfried Huppertz para os
filmes de Fritz Lang e por Hans Erdmann para Nosferatu, de Murnau, em
1922.
Mesmo depois do advento do som sincronizado, a música parecia
sempre algo pairando sobre a superfície do filme — até King Kong, em 1933,
e a apavorante trilha de Max Steiner, que fazia o que centenas de outras
fariam nas próximas décadas: dizer ao público o que deveria sentir, e
quando.
Colocados juntos, som e música podem ser:
▪ Diegéticos: Que vêm do “mundo da história”, ou diegesis. Ou
seja, tudo aquilo que, visível ou possível de existir numa cena, pode
ser compreendido como “fonte sonora”. Por exemplo: se na cena de
uma diligência atravessando o Deserto Pintado ouvimos o uivo do
vento, o estalar do chicote ou o ruído dos cascos — mesmo que
naquele momento preciso não possamos ver inteiramente o chicote, o
vento ou os cascos — assumimos que aquilo “naturalmente faz parte”
da cena.
▪ Não diegéticos: Tudo aquilo que é ouvido mas não visto na
cena por ser impossível ou improvável no contexto da história. E,
mesmo assim, aceitamos como parte do “realismo emocional” do
filme, o que chamo de “efeito King Kong”. Ou seja: na mesma sequência
da diligência atravessando o Deserto Pintado, se você ouvir metais
gloriosos sobre um fundo de cordas e tímpanos, ou há uma orquestra
sinfônica escondida em algum canyon ou você está vendo No tempo das
diligências (Gordon Douglas, 1966) com a maravilhosa trilha de Jerry
Goldsmith.

Os principais usos do som são:


▪ Ambiente. Em geral captado de forma direta, ou mixado para
parecer natural, como que emanando do ambiente em que os
personagens se movimentam e dialogam. Hitchcock dá uma aula de
uso do som ambiente em Janela indiscreta (1954), utilizando, para compor
os climas emocionais, apenas os sons que “naturalmente” partem do
apartamento de James Stewart e, sobretudo, de seus vizinhos de frente.
▪ Establishing sound. Recurso tão antigo quanto o som
sincronizado: é o ruído — ou a mistura de ruídos — que, colocado sob
uma imagem que não é necessariamente específica, nos “diz” o que
estamos vendo. Se olhamos uma imagem de prédios e ouvimos
buzinas, sirenes, tráfego e vozes, imediatamente presumimos estar
vendo uma grande cidade (e não uma maquete sobre uma mesa diante
de uma janela aberta, que é o que a imagem também pode ser…).
▪ Soundscape (paisagem sonora). Complexa massa de diálogo,
música, ruídos e efeitos sonoros que compõe a maior parte dos filmes
que vemos hoje. Desenhada e planejada antes mesmo de o filme ser
rodado, com o mesmo rigor e atenção ao detalhe dos aspectos visuais
do projeto, a soundscape é uma espécie de “filme auditivo”, com todas as
chaves emocionais da narrativa visual — em forma de som.
Em qualquer um desses usos, o som utiliza algumas ferramentas
específicas:
▪ Som direto: Gravado ao vivo durante a filmagem. Pode ser
usado como base ou no resultado final. Soa “autêntico”.
▪ Som de cena (source): Música ou sons que se originam de
objetos vistos na cena (uma TV, um aparelho de som etc.). Raramente
é som direto — para clareza, o som é acrescentado depois, num
processo chamado foley.
▪ Foley: Ruídos e sons acrescentados posteriormente para
recriar/enfatizar/complementar elementos perdidos no som direto ou
criar sons artificiais. Percorrem toda a gama de situações presentes na
tela, de notas sendo manuseadas (reproduzidas com lenços de papel
sendo amassados num microfone) a corpos se espatifando no meio-fio
(uma melancia sendo atingida por um objeto contundente, em geral um
martelo).
▪ Narração off/voice over: Comentário à ação por alguém que,
em geral, não está na cena.
▪ Ponte sonora: Um som (música, ruído, fala) que passa de uma
cena a outra, estabelecendo uma unidade dramática entre elas ou
sobrepondo a “realidade emocional” de uma sobre a outra.
▪ Assinatura sonora: Um som que é incluído repetidas vezes em
determinado tipo de cenas ou sequências, para definir um clima
emocional, um ambiente ou personagem. Todas as vezes que vemos o
carcereiro sádico, de óculos espelhados, em Rebeldia indomável (Stuart
Ronsenberg, 1967), ouvimos latidos de cães de guarda na trilha sonora.
▪ Silêncio: É um dos elementos mais dramáticos e perturbadores
num filme. O silêncio absoluto, muito raro, é usado em geral como
elemento extremo de cena. O silêncio com ruídos ambientes pode
indicar “naturalismo” ou servir de ênfase a determinados momentos.
Em Fonte da vida (Darren Arnofosky, 2006), os momentos que se seguem
à morte de Isabel (Rachel Weisz) estão em absoluto silêncio; seu
marido, Tomas (Hugh Jackman), está isolado do mundo, envolto em
dor tão profunda que tudo silencia à sua volta; o som retorna
abruptamente, com a buzinada de um carro que quase o atropela.

Mesmo sem ser silêncio completo, a retirada de qualquer elemento


importante da trilha causa, para nós, o mesmo efeito. Em O pianista (Roman
Polanski, 2002), Wladislaw Szpilman (Adrien Brody) está tocando na rádio
nacional polonesa, em Varsóvia, quando a cidade começa a ser
bombardeada pelos nazistas. Quando uma bomba explode nas proximidades
do prédio, o efeito é ensurdecedor — e sabemos disso porque todos os sons
desaparecem da trilha, substituídos apenas por um longo e agudo zumbido,
o tinido da lesão auditiva. Steven Spielberg emprega o mesmo recurso em
uma cena de combate de O resgate do soldado Ryan (1998), e, em Soldado anônimo
(Sam Mendes, 2005), o ruído de grãos de areia caindo ao chão é tudo o que
resta depois de uma explosão medonha — sua presença enfatiza a surdez
completa dos personagens.

para amplificar e comentar o que vemos. Na


A MÚSICA É USADA, COMO O SOM,
verdade, em mãos adequadas, ela nos diz como sentir e o que sentir.
Somada às imagens certas, cria memórias absolutamente indeléveis: como o
“Danúbio Azul” fazendo naves e estações espaciais valsarem em 2001: uma
odisseia no espaço, uma das muitas peças de trilhas que deveriam ser apenas
rascunhos para auxiliar o trabalho do montador, mas que acabaram indo
parar na mixagem final dos filmes de Stanley Kubrick, que quase nunca
aprovava os esforços dos compositores que contratava.
De acordo com seu uso, a música no filme pode ser:
▪ Pano de fundo/background: Cria um “tecido”
sonoro/emocional que quase sempre não é ouvido conscientemente,
mas registrado como “dica emocional” da cena. A montagem em geral
segue o mesmo ritmo deste forro musical. A música de fundo é mais
notada quando não está lá: os filmes norte-americanos da geração
“sexo e drogas” dos anos 1970 e uma grande parte dos filmes europeus
— notadamente os filmes do movimento Dogma — propositalmente
não usam música de fundo, sublinhando diálogo e ruídos de cena com
essa ausência.
A presença da boa música de fundo é sutil, quase subliminar. A
oscarizada trilha de Trent Reznor e Atticus
Ross para A rede social (David Fincher, 2010) inclui vários baixos
contínuos, que seguram os momentos de introspecção de Mark (Jesse
Eisenberg), e sequências de pulsos, que sublinham as ebulições de
criatividade e iniciativa.
▪ Primeiro plano/foreground: Nem dublada, nem de cena, é um
tema musical que funciona como “cenário” aural para uma cena ou
sequência. Nas sequências de montagem/passagem de tempo, este é o
modo de utilização da música. Se Rocky Balboa treina nas ruas da
Filadélfia ao som dos metais eufóricos de Bill Conti, o
junkie/traficante Renton (Ewan McGregor) corre da polícia de
Edinburgo ao som da voz rascante de Iggy Pop em “Lust for Life” na
genial sequência de abertura de Trainspotting (Danny Boyle, 1996),
condensando em dois minutos a vida fora da lei do anti-herói.
▪ Música de cena/source: É a música que toca (ou melhor, parece
tocar) na cena que vemos, vinda de um rádio, um instrumento musical,
um disco. Ajuda a caracterizar os personagens, firmando-os num
tempo ou lugar real ou imaginário. Para A última sessão de cinema (1971),
Peter Bogdanovich usou apenas música de cena.
▪ Dublada: Elemento tradicional dos musicais, substitui o texto
falado como condutor ou comentador da narrativa.
▪ Assinatura musical: Frases musicais usadas como elementos de
cena, em on ou off: os violinos e cellos sinistros de Psicose e Tubarão, por
exemplo.
▪ Abertura/encerramento: Estabelecem o clima em que a
narrativa se dará — “The End” em Apocalypse Now, ou o tema de
saxofone de Bernard Herrmann em Taxi Driver (Martin Scorsese, 1976),
por exemplo — e sumarizam suas sensações depois do final da trama
— como a maravilhosa “Jai Ho” no final de Quem quer ser um milionário?.

ALGUMAS SUGESTÕES
▪ Procure notar como algumas de suas sequências favoritas foram
montadas. Você consegue perceber onde estão os cortes? Ou não?
▪ Note os diferentes recursos de montagem usados em seus filmes
favoritos.
▪ Experimente ver cenas-chave de alguns filmes sem som. Que
diferença você percebe?
▪ Veja se consegue notar a música de fundo num filme e
estabeleça a relação entre ela e o clima emocional das imagens.
▪ Ouça uma sequência conhecida com os olhos fechados e tente
perceber as camadas de sons que estão narrando e complementando as
imagens.
Parte 2: O estilo
1. Mil e uma maneiras de ver: os gêneros cinematográficos

1. MIL E UMA MANEIRAS DE VER: OS


GÊNEROS CINEMATOGRÁFICOS
“Só podemos definir ‘gênero’ comparando uma obra a outra,
nunca comparando a obra com a experiência vivida.”
Roland Barthes, S/Z
UMA FORMA GARANTIDA DE PROVOCAR a mais acirrada das disputas entre teóricos
e cinéfilos em estado agudo é levantar a questão dos gêneros (genres).
Apenas a vida depois da morte, a existência de uma divindade ou aquele
pênalti no último jogo decisivo do campeonato são capazes de deflagar
rajadas verbais e conceituais mais calorosas. Minúcia alguma será
insignificante demais. Sacrossantos nomes de diretores e críticos serão
invocados com fervor. Gritos de blasfêmia e solicitações de exorcismo ou
excomunhão não são impensáveis. E sempre haverá alguém que, com um
dar de ombros talvez, dirá que seria melhor debater o sexo dos anjos.
Gêneros, afinal de contas, não existem.
Não vou tão longe. Gêneros existem e servem de código de
compreensão tanto para realizadores quanto para nós, na sala escura.
Melhor compreendê-los como algo fluido, em mutação, vivo como o
próprio cinema, que muda muito cada vez que olhamos para ele.
Herdeiro de muitas formas de expressão anteriores ao seu nascimento,
o cinema definiu sua gramática e sua sintaxe tomando emprestados
elementos alheios: da literatura — da mais clássica à mais rueira, tragédias
gregas, folhetins, gibis — do teatro, das artes plásticas, da fotografia. O
cinema se debruçou sobre praticamente todas as facetas da atividade e do
sonho humanos, expressando-as em uma profusão de formas.
Ao reorganizar estes elementos atendendo à disciplina rigorosa do
tempo de tela — entre 70 e 120 minutos, com raras indulgências para além
da marca das duas horas — e das necessidades de uma narrativa que possa
ser compreendida pelas pessoas mais variadas, unidas apenas pela
cumplicidade da sala escura, o cinema criou seus códigos interiores, os
gêneros.
Como Barthes indica — e ele está falando dos gêneros literários, os
antepassados nobres dos gêneros cinematográficos —, não se podem definir
gêneros estudando a realidade. Ninguém foi perseguido pelas ruas, em alta
velocidade, por um androide assassino, e no entanto aceita perfeitamente
que estas imagens componham um elemento importante da história de um
filme — O Exterminador do Futuro, de James Cameron. Na verdade, a próxima
vez que a mesma pessoa vir, na tela, um androide mal-intencionado, armado
até os dentes, ela imediatamente reconhecerá o filme que a espera, mesmo
sem o ter visto (ainda): um thriller de ação com elementos de ficção
científica. E ao saber o que é o filme mesmo antes de ver o filme, sua cabeça
fará previamente uma série de associações que possibilitam que a narrativa
visual se plugue de maneira mais intensa em sua mente.
Mais uma vez, o filme pede a parceria do espectador, e lhe dá os sinais
necessários para o diálogo. São as muitas maneiras de ver um filme,
cristalizadas em torno de códigos próprios.
Para os realizadores, gêneros podem ser balizas, desafios,
confinamentos ou estímulos. Podem fornecer parâmetros tão claros que se
tornam irresistivelmente sedutores, bela fruta pronta a ser mordida — ao
fazer Cabo do medo, Martin Scorsese me disse que “não podia resistir” à
tentação de abraçar sem restrições as regras do thriller: “Para fazer um thriller
você tem que contar a história de uma certa maneira, com certos
movimentos e certos momentos. É difícil. Gosto de thrillers, mas sei que é
difícil fazê-los, perigoso até: é um desafio, não posso me entediar fazendo,
mas não posso enfeitar muito a história, senão o clima do thriller se perde.”
Roger Corman (A casa de Usher, A mansão do terror, O corvo e mais 53 títulos
como diretor e 398 como produtor), que sabe que seu nome é sinônimo de
“filme de terror”, tem uma abordagem mais singela: “Os gêneros podem
aprisionar um realizador. Ainda bem que fiquei aprisionado num gênero que
amo, o terror.”
Ao fornecer, a priori, uma série de elementos que balizam o futuro
filme, o conceito de “gênero” também funciona como uma espécie de
taquigrafia da comunicação entre as diversas etapas da realização. Quando
um diretor ou roteirista vai pitchear um projeto que se atém, por fidelidade,
oposição ou comentário, a um gênero preestabelecido, a pessoa do outro
lado da conversa sabe imediatamente que tipo de filme esperar.
A delícia do cinema são as mil e uma maneiras que essa interpretação
pode tomar. Entre o Scarface de Howard Hawks, em 1932, e o de Brian de
Palma, em 1983, um universo de normas e clichês do thriller dramático de
gângster são, ao mesmo tempo, abraçados e reinterpretados; na verdade, ao
colocar seu novo Scarface no mundo da cocaína e dos imigrantes latinos de
Miami, De Palma criou um novo subset do gênero, por sua vez aberto a
mais reinterpretações, comentários — e até sátiras, como a menção
recorrente no pastelão Reno 911: Miami, de Robert Ben Garant (2007).
São caminhos praticamente infinitos, um glossário preestabelecido que
se presta a poemas, piadas, dramas, romances. Shanghai Triad (Zhang Yimou,
1995) e Kill Bill (Quentin Tarantino, 2003/2004); O poderoso chefão (Francis Ford
Coppola, 1972), Ajuste de contas (Joel Coen, 1990) e A estrada para a perdição (Sam
Mendes, 2002) — todos são “filmes de gângster”, todos repetem elementos
cênicos e narrativos que nos mostram com clareza o que são. E todos são
absolutamente diferentes.

▪ Narrativa: tramas, premissas e estruturas


UM GÊNERO PODE SER DEFINIDO POR:
parecidas (até o formulaico); situações, obstáculos, conflitos e resoluções
previsíveis.
▪ Caracterização dos personagens: tipos semelhantes de
personagens (próximos aos estereótipos) com qualidades, motivação,
objetivos e aparência similares.
▪ Temas básicos: os filmes são sobre temas semelhantes,
frequentemente em contextos históricos, culturais e sociais
semelhantes.
▪ Ambiente: o lugar — geográfico ou histórico — onde a trama
se passa é o mesmo.
▪ Iconografia: uso de “ícones” semelhantes — objetos, atores,
atrizes, cenários; uso de certos tipos de linguagem e terminologia.
▪ Técnicas e estilo: iluminação, paleta de cores, movimentação
de câmera e enquadramentos semelhantes.

Cinema é uma arte empírica. Tempo e prática se encarregam de


acumular esses signos e organizá-los em gêneros. Sinceramente, não
conheço nenhum diretor, roteirista ou produtor que acorde um dia e decida
“hoje vou criar um gênero novo” e seja bem-sucedido. Há algo orgânico no
modo como esses elementos se arranjam dentro da narrativa e sobre ela que
nos faz detectar imediatamente uma tentativa de pré-fabricação. Nós, a
plateia, somos o campo de provas desses signos — eles se repetem e se
transformam em gêneros porque nós damos o retorno, porque sinalizamos
nossa satisfação em compreender tanta coisa ao ver algo tão simples quanto
uma capa preta, um carro em alta velocidade ou uma lua cheia atrás de
nuvens.
Cinema é uma arte viva — tudo nele tem um claro ciclo natural — e,
como ele, seus gêneros. Temas e estilos que rapidamente encontram eco
junto ao público logo se tornam “gêneros” menores no espaço aproximado
de uma década. Seus elementos principais passam a ser copiados,
reinterpretados, respondidos por outras visões, outros realizadores. A certa
altura da repetição, o gênero se cristaliza, torna-se plenamente um clichê,
pronto para ser criticado, destroçado, ironizado, satirizado e, eventualmente,
esquecido. Mas nada permanece morto durante muito tempo neste
ecossistema — tudo o que foi clássico vinte anos atrás pode ser novidade de
novo, resgatado e reinterpretado por um novo olhar.
O ciclo aproximado de vida de um gênero é:
▪ Enunciação: os primeiros elementos são tomados emprestados
de outra forma de expressão — literatura, tendências das artes
plásticas, outras mídias ±— e colocados de um modo coerente e
sistemático na tela. Por exemplo: nutrido pelo movimento
expressionista alemão e inspirado no livro Drácula, de Bram Stoker,
Murnau cria o seu Nosferatu, em 1922.
▪ Solidificação: com o retorno do público e do meio,
estabelecem-se os elementos recorrentes, os que “funcionam”. Os
elementos que funcionam passam a ser copiados. Dessa forma, nove
anos depois, começamos a ver mais títulos sobre monstruosas criaturas
saídas das páginas da literatura vitoriana: Drácula, estrelado por Bela
Lugosi (1931), Frankenstein, dirigido por James Whale. Cada qual a seu
modo, eles repetem elementos de Nosferatu: o uso das sombras, as
heroínas virginais, a antecipação como recurso dramático para
sublinhar as sensações de medo e tensão.
▪ Apogeu (“clássicos”): o gênero “nasce”. Seus elementos
essenciais estão claramente enunciados e, pela repetição, inculcados na
cabeça do público. A partir dos anos 1930, por exemplo, pode-se dizer
que o thriller de terror está firmado como gênero cinematográfico — em
retrospectiva, os thrillers da Universal dos anos 1940 e os góticos da
produtora britânica Hammer serão vistos como “clássicos do gênero”.
▪ Fórmula: o gênero enrijece, fica engessado. A repetição supera
a possibilidade de renovação, não há mais espaço para a criatividade.
Em geral é o momento da produção em massa, com diversos títulos
parecidos em tudo. As massas de filmecos de terror que enchem as
prateleiras das locadoras e as altas horas de nossas tvs são bons
exemplos desses produtos recicláveis — que, frequentemente, se
tornam os melhores campos de treinamento para futuros cineastas
(como atestam Francis Ford Coppola, Oliver Stone e James Cameron,
que começaram, todos, em filmes B de terror).
▪ Dissolução/ desconstrução/ crítica: quando os elementos estão
claros o suficiente e já passaram da fase do clichê, está na hora de um
bom polimento por atrito. Cada signo é olhado tão de perto que revela
todas as suas minúcias e falhas, abrindo a possibilidade para uma
cuidadosa evisceração. Os anos 1960/70 foram o grande período em
que os principais gêneros clássicos do cinema sofreram todo tipo de
cirurgia radical. O bebê de Rosemary, de Roman Polanski (1968), e O
exorcista, de William Friedkin (1973), são gloriosas tentativas de pôr o
thriller de cabeça para baixo. A presença do mal — tema essencial do
gênero — é tornada mais real pela banalidade de seu entorno, despido
de teias de aranha, trovoadas e sombras, revelado à luz plena de
ambientes cotidianos.
▪ Retomada/ hibridização/ sátira: uma vez limpo de suas cascas
mais pesadas, o gênero está pronto para um renascimento. O processo
crítico frequentemente traz novos elementos para seu glossário —
quantos filmes de possessão demoníaca em ambientes triviais vieram
depois de Rosemary e Exorcista? —, e a quebra do respeito possibilita tanto
a sátira rasgada — a série Todo Mundo em Pânico, por exemplo — como o
metafilme que, ao expor os clichês conhecidos, propõe novas soluções
para eles — Pânico, de Wes Craven (1996), é um exemplo clássico. O
subgênero do terror asiático — filmes como O chamado (Hideo Nakata,
1998) e Água negra (Hideo Nakata, 2002) — é um exemplo de um
gênero “clássico” revisto, limpo, desconstruído, reconstruído e
agregado de novos elementos. O ciclo está prestes a recomeçar…

QUANTOS GÊNEROS EXISTEM? A rigor, tantos quantos nós queremos que


existam. Colocar lado a lado elementos em comum pode ser um dos mais
divertidos exercícios que um fã de cinema pode fazer. Eu, por exemplo,
gosto muito das minhas categorias pessoais:
▪ Filmes muito mais inteligentes do que têm direito. Os Batmans
de Christopher Nolan (2005 e 2008) e os Bourne de Paul Greengrass
(2004 e 2007), por exemplo.
▪ Filmes muito mais inteligentes do que parecem. O virgem de 40
anos (Judd Apatow, 2005) e Quem vai ficar com Mary? (Bobby e Peter
Farrelly, 1998) são alguns dos meus favoritos.
▪ Mas o que foi isso? Filmes que deixam a sensação de que você
acaba de ser atropelada por um caminhão em alta velocidade: você não
entende nada e sai do cinema como quem sofreu traumatismo
craniano. Império dos sonhos, de David Lynch, foi um deles. A árvore da vida,
de Terrence Malick, o mais recente.
▪ Filmes tão ruins que são bons. Showgirls, de Paul Verhoeven
(1995), é um clássico.
▪ Filmes bem-feitos que são ruins. Fotografia, roteiro,
acabamento... Está tudo certinho, mas você sente claramente que
perdeu duas horas de sua vida. A maioria dos filmes de Adam Sandler
se encaixa aqui. Redacted, de Brian de Palma (2007), também.

Retornando à base do conceito de gênero — as estruturas dramáticas


identificadas por Aristóteles na Poética —, chegamos a cinco gêneros
cinematográficos essenciais:
▪ Drama ▪ Comédia ▪ Ação/Aventura ▪ Ficção científica/fantasia ▪
Thriller (compreendendo suspense e terror)
Esta classificação leva em consideração apenas os princípios mais
básicos de cada formato, possibilitando que se vejam outros gêneros a partir
de sua essência. Assim, westerns — um gênero essencial para o
desenvolvimento do cinema — caem facilmente dentro da categoria
“drama” (em sua maioria… Blazing Saddles — Mel Brooks, 1974 — e Three
Amigos — John Landis, 1986 — ficam mais à vontade entre as comédias). O
western é essencialmente um drama — sua paisagem física e sociopolítica é
que lhe dá os contornos finais, a devida coloração. Por se passarem em
paisagens belas mas inóspitas, de possibilidades, perigos e desafios
constantes, onde estruturas sociais ainda não estão plenamente construídas,
o “drama do oeste”, ou western, é um dos gêneros mais profundamente
morais do cinema: seu tema essencial é o livre-arbítrio, a escolha entre bem
e mal, entre o que é certo e errado. Na “derradeira fronteira” ainda não há
leis ou acordos que possam dizer aos personagens como agir — apenas seus
desejos e consciências os impulsionam, e cada escolha pode ser uma
decisão fatal. Por esse ângulo é possível ver filmes tão diversos quanto
Thelma e Louise (Ridley Scott, 1991), Sangue negro (Paul Thomas Anderson,
2007), Onde os fracos não têm vez (Joel e Ethan Coen, 2007) e a maior parte dos
filmes brasileiros de cangaço (especialmente Deus e o Diabo na terra do sol,
Glauber Rocha, 1964) como westerns: dramas morais da “derradeira
fronteira”.
O mesmo se dá com o musical, para falar de outro gênero fundamental
— em sua essência, um musical tanto pode ser um drama (Amor, sublime amor,
Jerome Robbins e Robert Wise, 1961; All That Jazz, Bob Fosse, 1979;
Dreamgirls, Bill Condon, 2006), quanto uma comédia (Cantando na chuva, Stanley
Donen e Gene Kelly, 1952; Agora seremos felizes, Vicente Minelli, 1944). Pode
até mesmo conter elementos de western (Oklahoma!, Fred Zinnemann, 1955;
Annie Get Your Gun, George Sidney, 1950), terror (Rocky Horror Picture Show, Jim
Sharman, 1975; Pequena loja dos horrores, Frank Oz, 1986) ou comentário social
(Quando o carnaval chegar, Cacá Diegues, 1972; Hair, Milos Forman, 1979;
Absolute Beginners, Julian Temple, 1986; Evita, Alan Parker, 1996; Hairspray,
Adam Shankman, 2007). Podem ser filmes de época (Kiss me Kate, George
Sidney, 1953; My Fair Lady, George Cukor, 1964; Camelot, Joshua Logan,
1967), romances (Gigi, Vincente Minnelli, 1958; Os guarda-chuvas do amor,
Jacques Demy, 1964; Sweet Charity, Bob Fosse, 1969) ou fantasias (O Mágico de
Oz, Victor Fleming, 1939; Tommy, Ken Russell, 1975; The Wall, Alan Parker,
1982, Encantada, Kevin Lima, 2007). Em comum eles têm a música como
elemento narrativo essencial, canções impulsionando a narrativa e não
apenas atuando como coadjuvantes. Em seus temas eles são dramas,
comédias, romances etc. Em sua forma, eles são musicais.
Pelo mesmo motivo não incluí filmes de animação entre os gêneros.
Longas animados podem ser absolutamente tudo: dramas (Watership Down,
Martin Rosen, 1978; O Rei Leão, Roger Allers e Rob Minkoff, 1994; The Iron
Giant, Brad Bird, 1999, Ratatouille, Brad Bird, 2007); comédias (Shrek, Andrew
Adamson e Vicky Jenson, 2001, Madagascar, Eric Darnell e Tom McGrath,
2005), ficção científica (O segredo de N.I.M.H, Don Bluth, 1982; Os incríveis, Brad
Bird, 2004; O homem duplo, Richard Linklater, 2006; Wall-E, Andrew Stanton,
2008), filmes de ação (Aladim, Ron Clemens e John Musker, 1992; Toy Story,
John Lassseter, 1995; A fuga das galinhas, Nick Park, 2000; Procurando Nemo,
Andrew Stanton, 2003), romances (A pequena sereia, Ron Clemens e John
Musker, 1989; A Bela e a Fera, Gary Trousadle e Kirk Wise, 1991), dramas
políticos (Persépolis, Vincent Paronnaud e Marjane Satrapi, 2007; Valsa com
Bashir, Ari Folman, 2008), thrillers góticos (O estranho mundo de Jack, Tim Burton,
1993; A noiva cadáver, Tim Burton, 2005; A guerra dos vegetais, Nick Park e Steve
Box, 2005), filmes de época (A espada era a lei, Wolfgang Reitherman, 1963; O
Corcunda de Notre Dame, Gary Trousadle e Kirk Wise, 1996). Além, é claro, de
seu “feijão com arroz”, fantasia — em que brilham os clássicos da Disney e
a obra filosófica e metafísica de Hayao Myiazaki (Princesa Mononoke, 1997; A
viagem de Chihiro, 2001).
Mais que qualquer outra forma de fazer cinema, a animação é
adaptável — realmente livre das amarras do mundo real, ela pode ser
qualquer coisa que seus realizadores imaginarem. Não me parece justo
prendê-la a uma única categoria de gênero.
Estabelecidas as vigas mestras, podem-se fazer todas as associações
possíveis: local, época, subtemas, tudo isso adiciona-se ao eixo central de
um gênero e cria a diversa teia de estilos que chega às nossas telas.
Assim, um drama sobre conflitos armados torna-se o subgênero drama
de guerra. Dependendo do conflito, ele pode ser drama da Primeira Guerra
(trincheiras, baionetas, gás, abuso de autoridade, a corrupção do poder)....

▪ Enunciação: O grande desfile, King Vidor, 1925; Asas, William


Wellman e Harry d’Abbadie d’Arrast, 1927; Sem novidade no front, Lewis
Milestone, 1930; A grande ilusão, Jean Renoir, 1937.
▪ Clássico: Sargento York, Howard Hawks, 1941; Glória feita de sangue,
Stanley Kubrick, 1957; Lawrence da Arábia, David Lean, 1962.
▪ Revisto: Eterno amor, Jean-Pierre Jeunet, 2004, Cavalo de guerra,
Steven Spielberg, 2011.

...Ou o drama da Segunda Guerra Mundial, que pode ainda ser


subdividido em front europeu, (nazismo/fascismo, resistência, genocídio,
guerra aérea) e front do Pacífico (império japonês, kamikazes, bomba
atômica, campos de prisioneiros).
EUROPA:
▪ Enunciação: Roma, cidade aberta, Roberto Rosselini, 1945; Brinquedo
proibido, René Clément, 1952.
▪ Clássico: O mais longo dos dias, Darryl Zanuck (produtor), 1962;
Trens estreitamente vigiados, Jirí Menzel, 1966; Os doze condenados, Robert
Aldrich, 1967; Patton, rebelde ou herói?, Franklin Schaffner, 1970; O inferno é
para os heróis, Don Siegel, 1962; Paris está em chamas?, René Clement, 1966.
▪ Revisto: O resgate do soldado Ryan, Steven Spielberg, 1998; The Miracle
of Santa Anna, Spike Lee, 2008; Bastardos Inglórios, Quentin Tarantino, 2010.

PACÍFICO:
▪ Enunciação: Trinta segundos sobre Tóquio, Mervyn le Roy, 1944.
▪ Clássico: As pontes de Toko-Ri, Mark Robson, 1954; A ponte do Rio Kwai,
David Lean, 1957; A um passo da eternidade, Fred Zinnemann, 1953; Tora!
Richard Fleischer, 1970.
Tora! Tora!,
▪ Revisto: Além da linha vermelha, Terrence Malick, 2002; A conquista da
honra e Cartas de Iwo Jima, Clint Eastwood, 2006; Códigos de Guerra, John
Woo, 2002; Cidade de vida e morte, Chuan Lu, 2009; Flores da guerra, Zhang
Yimou, 2011.

E dentro dessas divisões pode-se ir a caminhos mais específicos:


drama de guerra em submarinos (O mar é nosso túmulo, Robert Wise, 1958; Das
Boot, Wolfgang Petersen, 1981; U-571, Jonathan Mostow, 2000); drama de
guerra em campo de concentração (Stalag 17, Billy Wilder, 1953; Fugindo do
inferno, John Sturges, 1964; A lista de Schindler, Steven Spielberg, 1993; Um canto
de esperança, Bruce Beresford, 1997; O pianista, Roman Polanski, 2002); drama
de guerra na Rússia (A balada do soldado, Grigori Churkhari, 1959; Doutor Jivago,
David Lean, 1965); drama da guerra do Vietnã (O franco atirador, Michael
Cimino, 1978; Apocalypse Now, Francis Ford Coppola, 1979; Platoon, Oliver
Stone, 1984; Fomos heróis, Randall Wallace, 2002); drama da Guerra Civil
americana (O nascimento de uma nação, D. W. Griffith, 1915; ...E o vento levou,
Victor Fleming, 1939; Tempo de glória, Edward Zwick, 1989) etc.
Cada um desses subgêneros tem seu próprio conjunto de normas e
elementos-chave. É quando um subgênero desse se torna maduro o
suficiente para ser satirizado que esses ossos aparecem claramente,
calcificados em clichês: Platoon se torna Trovão Tropical (Ben Stiller, 2008); os
filmes patrióticos dos anos 1940 se transformam em Herói de mentira (Preston
Sturges, 1944), e os dos 1950, no anti-heroísmo de M.A.S.H (Robert Altman,
1970).
Finalmente, existem os gêneros autorais: realizadores cuja marca é tão
pessoal e distinta que, além de transcender as normas preestabelecidas,
criam um novo parâmetro de reconhecimento. Não importa que eles
pratiquem com assiduidade um ou mais gêneros preexistentes: nomes como
Buñuel, Hitchcock, Lynch, Kurosawa, Scorsese, Fellini são, eles mesmos,
qualificadores. Não há mais o que dizer.
2. Drama: a catarse pela dor

2. DRAMA: A CATARSE PELA DOR


“A estrutura da melhor tragédia não é simples,
mas complexa, e representa incidentes que
provoquem medo e compaixão — pois isto é
característico desta forma de arte.”
Aristóteles, Poética
O DRAMA É UMA ESPÉCIEde grande template da narrativa cinematográfica: no
final das contas, depois de tudo dito, explicado, analisado e classificado,
quase todos os filmes — sim, até mesmo as comédias e os longas de
animação — poderiam, sem grande dificuldade, ser encaixados na categoria
“drama”. O drama filmado é uma das respostas à nossa fome ancestral por
catarse — queremos, precisamos ver o pior que acontece aos outros para
termos algum conforto tanto na humanidade compartilhada quanto no saldo
final do inventário de tormentos e perdas. Assim, sem muito exagero,
apenas o tom, o ritmo, o ambiente e os “temperos” da narrativa podem
distinguir um drama no oeste — o western — de um drama com momentos
de ridículo — a comédia, especialmente a comédia dramática ou dramedy —;
um drama de ação de um drama sobre o sobrenatural. Todos eles nos
oferecem a possibilidade da breve transcendência — “purificação”, diriam
os gregos — pela observação das provações alheias.
Aristóteles, o mestre supremo dos roteiristas, a quem já recorremos
tantas vezes nesta jornada, vai nos levar um pouco adiante na exploração
das diferentes formas que a narrativa cinematográfica tomou ao longo das
décadas. E, para ele, o drama — a tragédia, para ser mais exata — era a
forma mais perfeita e exaltada da arte dramática, a única capaz de nos
proporcionar lições duradouras e catarses poderosas.
As tramas dramáticas, segundo Aristóteles, precisam incluir os
seguintes elementos essenciais:
▪ Um grande obstáculo ou reversão de fortuna (peripeteia) dever ser
enfrentado por um personagem de substância. A natureza do
protagonista é de grande importância — ao contrário da comédia, que
se ocupa das desditas de mulheres e homens comuns, o drama deve
afligir indivíduos de peso por seu status social ou envergadura moral e
intelectual. O drama deve ser, literalmente, exemplar.
▪ A reversão de fortuna deve ser fruto de um erro do protagonista.
Aristóteles usa a palavra grega hamartia — que vem da prática do
arqueirismo e significa, literalmente, “errar o alvo” — para qualificar
esse erro ou falha. Há algo interior, algo que vem da própria
personalidade do protagonista, que o faz “errar o alvo” e, dessa forma,
desencadear a tragédia, reverter sua fortuna. Ele é otimista demais,
autoconfiante demais, talvez altivo e arrogante em seu estado elevado,
julgando-se, quem sabe, com o direito nato ao alvo, em qualquer
flechada. Nesse sentido, drama e comédia são, exatamente, os dois
lados do mesmo espelho em que se debruça a alma humana — em um,
a hamartia é compensada pela dor; na outra, pelo ridículo. Nós, na
plateia, que conhecemos bem flechas e alvo, somos purificados, do
mesmo modo, por lágrimas ou risos.
▪ Uma lição deve poder ser extraída da provação do protagonista.
A narrativa dramática de qualidade não deveria, por definição, ser
sádica: a dor pela dor pode ser entretenimento em algumas áreas da
experiência humana, mas não aqui. No drama, a dor deve poder ser
convertida em sabedoria.

É fácil ver, nas elegantes e precisas normas da Poética, o núcleo central


de todos os grandes dramas cinematográficos, de ...E o vento levou a Menina de
ouro (Clint Eastwood, 2004); de A regra do jogo (Jean Renoir, 1939) a Soldado
anônimo (Sam Mendes, 2005); de Ben Hur (William Wyler, 1959) a Gladiador
(Ridley Scott, 2000): personagens nada comuns, notáveis por sua coragem,
ousadia, resistência e princípios arriscando suas flechas em alvos
constantemente em movimento, para nosso deleite e aprendizado.
Ao traduzir as regras aristotélicas da tragédia para os três atos da
narrativa filmada, o cinema codificou o gênero em torno de alguns temas-
chave:
▪ Superação. Os personagens devem ser submetidos a provas tais
que apenas ao recorrer a qualidades insuspeitadas e vencer seus piores
medos eles chegarão ao terceiro ato. Pensem em Luke Skywalker
recebendo a estranha transmissão holográfica da princesa Leia ou
Indiana Jones defrontando-se com serpentes a cada etapa de suas
aventuras.
▪ Heroísmo, em geral equacionado a sacrifício. O heroísmo da
sobrevivência, do dia a dia — o heroísmo de Robinson Crusoé ou,
mais cinematograficamente, do Forrest Gump (1994) e do Náufrago (2000)
de Tom Hanks nas mãos de Robert Zemeckis —, interessa ao cinema,
porém menos que o heroísmo de Leônidas e seus bravos companheiros
diante dos persas nas Termópilas em 300 (Zack Snyder, 2006), o da
maioria dos Sete samurais (Akira Kurosawa, 1954), depois de vários
encontros com os bandidos, o de Thelma e Louise escolhendo o voo sobre o
Grand Canyon no final do filme de Ridley Scott (1991), ou James 007
Bond deixando uma trilha de namoradas assassinadas em nome do
serviço secreto de sua majestade. Observação importante: o drama não
apenas tolera mas muitas vezes exige que a resolução da história seja
triste. O autossacrifício ou o sacrifício de entes queridos são, portanto,
recursos comuns.
▪ Destino. Ironicamente, o cinema acredita mais em destino do
que os dramaturgos gregos cuja concepção do mundo submetia os
próprios deuses às tramas fiadas pelas Moiras, e que tanto ocupavam
Aristóteles. Mais que a tragédia clássica, o drama cinematográfico
acredita no que tem que ser, na fatalidade, no acaso, na necessidade de
cumprir uma missão predeterminada. O recurso das “vidas
entrelaçadas”, por exemplo — da Trilogia das cores de Krzyzstof
Kieslowski (1993-1994) a Babel (Alejandro Gonzalez Iñarritu, 2006)
—, é essencialmente um estudo sobre os nós na teia das Moiras, e
nosso papel neles. O drama romântico é quase sempre sobre pessoas
destinadas umas para as outras, mesmo e principalmente quando a
relação é truncada (Tarde demais para esquecer, Leo McCarey, 1957),
abdicada (Casablanca, Michael Curtiz, 1942) ou interrompida pela morte,
uma das faces do destino (Love Story, Arthur Hiller, 1970; Titanic, James
Cameron, 1997).
▪ Descobertas interiores. Como já vimos, os filmes existem para
nos mostrar como, no intervalo de duas horas, mais ou menos, um ou
mais indivíduos podem ir de zero a duzentos quilômetros por hora,
existencialmente falando. O drama apoia-se fundamentalmente na
capacidade de o protagonista descobrir — de preferência logo no
primeiro ato — de que substância moral ele é feito de forma que,
mesmo mandado para as galés, como Ben Hur, ou forçado a lutar
numa arena como o deposto general Maximus de Gladiador, seus novos
talentos sejam imediatamente úteis e acessíveis.
▪ Grandes questões morais (colocadas em forma de dilema).
Essencial em dramas de guerra e westerns, o dilema moral aparece na
maioria das vertentes do drama como a prova definitiva do estofo de
seus heróis e heroínas. O jovem coronel Lawrence (de Lawrence da Arábia)
obrigado a executar um homem que, pouco antes, havia resgatado do
deserto, e Sofia (de A escolha de Sofia, Alan Pakula, 1982) forçada a fazer
a escolha do título (que, na verdade, prenuncia todas as demais que ela
fará até o fim do filme) são alguns exemplos do tipo de decisão de vida
e morte que reside no coração dos bons dramas cinematográficos.
Existem excelentes motivos para a prevalência do drama como gênero-
mestre do cinema: enquanto o que nos faz rir é em grande parte específico e
cultural, o que nos faz chorar e emocionar é universal, suplantando
fronteiras, idiomas e peculiaridades culturais. No jargão cinematográfico,
diz-se que o drama (sobretudo o drama de ação, que discutiremos daqui a
pouco) “viaja” muito bem, enquanto a comédia é sempre mais arriscada. O
que é hilário na França pode ser ofensivo em Cingapura; filmes que
arrancam gargalhadas no México podem fazer uma plateia britânica dormir.
E por aí vai.
No final de 2011, a mais recente contagem de bilheterias internacionais
de todos os tempos1 mostra que, dos vinte filmes mais bem-sucedidos
comercialmente pelo mundo afora, 13 são dramas puros ou têm elementos
susbtanciais de drama, associados a aventura e fantasia. Dois títulos de
James Cameron — Avatar, que sintetiza elementos de drama, fantasia,
aventura e ficção científica, e Titanic, verdadeiro repositório de todas as
regras intactas do gênero — estão na liderança com uma receita de,
respectivamente, 2,7 bilhões de dólares e 1,8 bilhão de dólares. Mais
interessante: 12 desses 20 títulos pertencem a franquias: Senhor dos Anéis, Harry
Potter, Piratas do Caribe e Star Wars.
Nossa fome de mitos é, de fato, insaciável. E, como nossos
antepassados, gostamos de longas narrativas desses mitos, como os ciclos
de poesia épica dos tempos antigos.
O drama puro tem, além disso, um outro efeito colateral positivo: uma
probabilidade muito maior de ganhar um Oscar: das 83 estatuetas já
entregues,2 67 foram para dramas. A última comédia a receber uma
estatueta por melhor filme foi Noivo neurótico, noiva nervosa, de Woody Allen, em
1978. Num estudo conjunto,3 os sociólogos Nicole Esparza, da
Universidade de Princeton, e Gabriel Rossman, da UCLA, estabeleceram
que um ator que trabalhe num drama tem nove vezes mais chances de
ganhar um Oscar do que um que atue numa comédia, por melhor que ela
seja.
Embora a catarse da comédia possa ser muitas vezes mais poderosa
que a do drama, algo na nossa natureza nos indica que chorar é mais nobre
e digno de mérito do que rir.
GÊNERO-BASE DA NARRATIVA cinematográfica de ficção, o drama pode ter
tantas subdivisões quanto ambientes, temas e escolhas estilísticas, sem
alterar seus traços essenciais de heroísmo, renúncia, suplantação e dilemas
morais. Algumas das principais variantes do drama são:
▪ Drama épico ou histórico. Interpretações, frequentemente
estilizadas, de fatos e personagens históricos. Dependendo da época e
do estilo, podem cair no subgênero “espada e sandália” (Quo Vadis,
Mervyn LeRoy e Anthony Mann, 1951; Ben Hur, William Wyler, 1959;
Spartacus, Stanley Kubrick, 1960; Gladiador, Ridley Scott, 2000; Troia,
Wolfgang Petersen, 2004; Alexandre, Oliver Stone, 2004; 300, Zack
Snyder, 2006) ou “capa e espada” (Os três mosqueteiros, Henri Diamant-
Berger, 1932, Richard Lester, 1973, Stephen Herek, 1993; Capitão Blood,
Michael Curtiz, 1935; As aventuras de Robin Hood, Michael Curtiz e William
Keighley, 1938; O príncipe dos ladrões, Kevin Reynolds, 1991; O homem da
máscara de ferro, Allan Dawn, 1929, e Randall Wallace, 1998; Excalibur,
John Boorman, 1981; O Conde de Monte Cristo, Kevin Reynolds, 2002; A
Duquesa, Saul Dibb, 2008). Muitas vezes assume características
predominantes de ação/aventura. Além dos temas essenciais de
heroísmo, suplantação, renúncia e dilemas morais, o drama histórico
pode, numa espécie de contraponto perfeito à ficção científica,
oferecer uma oportunidade para reimaginar o passado como modo de
comentar o presente. Dramas históricos de qualidade superior, como
Alexandre Nevsky (Sergei Eisenstein, 1938), Spartacus (Stanley Kubrick,
1960), Lawrence da Arábia (David Lean, 1962) ou Maria Antonieta (Sofia
Coppola, 2006), têm a marca bem clara da época em que foram
realizados, revelando muitas das preocupações de seus criadores no
momento: o poder dos cidadãos quando unidos por um ideal em Nevsky,
obra da juventude do Estado soviético; a importância das ideias sobre
o poder bruto em Spartacus, criatura do pós-macarthismo norte-
americano, e o primeiro roteiro assinado por um roteirista condenado
pela “caça às bruxas”, Dalton Trumbo; a importância das escolhas
pessoais no grande esquema das coisas em Lawrence, nascido no
primeiro momento de reenergização da Grã-Bretanha depois dos
duríssimos anos da Segunda Guerra Mundial; a energia efêmera da
juventude em Maria Antonieta, visualizada por uma realizadora que, aos
35 anos, despedia-se ela mesma da doce inconsequência dos verdes
anos.
▪ Drama de época. Versão quarteto de cordas para a orquestra
sinfônica do drama histórico. No primeiro, os fatos e os personagens
são reais ou muito próximos dos reais. No drama de época, o período
inspira e dá contornos específicos a crises mais íntimas e fictícias.
Como no drama histórico, o deslocamento para um outro lugar no
passado — a “terra estranha onde as coisas acontecem de modo
diferente”, como Joseph Losey diz na abertura de seu O mensageiro, de
1970, um excelente exemplo do gênero — permite uma grande
liberdade aos realizadores. Trabalhando com material fictício, as
possibilidades são ainda mais semelhantes às da ficção científica:
mundos inteiros podem ser recriados a serviço das ideias e
preocupações dos diretores. Separadas por três décadas, duas visões da
aristocracia no século XIX servem a propósitos diversos em O leopardo
(Luchino Visconti, 1963) e Época da inocência (Martin Scorsese, 1993).
Nascido em berço aristocrata, Visconti expressa as melancólicas
sutilezas de uma classe em extinção; seu olhar é de dentro para fora —
na maravilhosa set piece que é a sequência final do baile, onde o mundo
do príncipe de Salina (Burt Lancaster) literalmente se transmuta numa
futura sociedade burguesa, Visconti encheu o salão com reais
descendentes da aristocracia siciliana, uma espécie de espelho vivo de
suas próprias ansiedades — acentuadas, pode-se especular, por estar
trabalhando com tanto rigor formal enquanto o mundo da cultura, da
política e do cinema iniciava os sucessivos abalos sísmicos dos anos
1960. Filho de imigrantes operários — pai alfaiate, mãe costureira —,
Scorsese cresceu no bairro italiano de Nova York, um pequeno passo
além dos cortiços que ele mesmo recriaria em outro drama de época,
Gangues de Nova York (2002). A alta sociedade nova-iorquina que Edith
Wharton descreve no livro que inspirou Época lhe é totalmente estranha
— seu olhar é de fora para dentro, como o de um intruso gentil e
especialmente atento, um pouco deslumbrado com as rígidas regras de
um universo que lhe parece tão desconhecido como a nós, na plateia.
Seu baile — que, ao contrário de O Leopardo, abre o filme — é repleto de
pequenos olhares laterais em busca de informações sobre os códigos
secretos que vislumbra. Como Visconti, Scorsese trabalha, nos
primeiros 1990, numa era de transição, um outro fin de siecle — a Nova
York ainda inocente, como a de Wharton, das monstruosidades que a
aguardavam na virada do outro século, e momentaneamente dividida
pelas discussões da campanha do futuro prefeito Rudy Giuliani que,
em síntese, propunha a salvação da cidade pelo aburguesamento.
Assim as épocas se sobrepõem nesta vertente do drama, criando uma
rica perspectiva pela qual podemos ver a nós mesmos, longe das
amarras do tempo.
▪ Drama de guerra. Embora a definição se estenda a todo filme
que tenha o combate entre forças armadas como principal ambiente da
narrativa, a maioria dos dramas de guerra se ocupa dos conflitos
históricos dos séculos XX e XXI. O primeiro filme de ficção que pode
ser considerado um drama de guerra, The Battle Cry of Peace, da Vitagraph,
data de 1915 e é uma obra de propaganda a favor do envolvimento dos
Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, uma tendência bem clara
em grande parte dos dramas de guerra do primeiro século do cinema.
Na verdade, a noção de que filmes ambientados em conflitos poderiam
ser contra a guerra é razoavelmente recente, filha da inquietação geral
dos 1960 e 1970 (embora Intolerância, de D.W. Griffith, em 1916, seja
possivelmente o pioneiro dos dramas de guerra pacifistas, ao mostrar
diversos tipos de carnificina engendrados pela humanidade contra si
mesma). Quase sempre o tema central dos dramas de guerra é o
heroísmo, compreendido não apenas como renúncia e superação, mas
principalmente como lealdade — a um país, uma causa, um batalhão,
um amigo, alguém que se ama. O dilema moral do herói é, em geral,
entre a lealdade expressa, que lhe é exigida — a bandeira, tropa, causa,
país — e a que ele descobre em si mesmo como mais urgente — a
família, amores, camaradas. O drama de guerra pode vir servido puro
ou mesclado com praticamente todos os demais gêneros: drama
romântico (Casablanca, Michael Curtiz, 1942; A um passo da eternidade, Fred
Zinnemann, 1953; Eterno amor, Jean Pierre Jeunet, 2004); comédia (Diabo
a quatro, Irmãos Marx, 1933; O grande ditador, Charles Chaplin, 1940;
Inferno número 17, Billy Wilder, 1953; Dr. Strangelove, Stanley Kubrick,
1964; Ardil 22, Mike Nichols, 1970; M.A.S.H., Robert Altman, 1970; Trovão
Tropical, Ben Stiller, 2008); biografias (Patton, rebelde ou herói, Franklin J.
Schaffner, 1970; McCarthur, Joseph Sargent, 1977; Bom Dia, Vietnã, Barry
Levinson, 1987); ação e aventura (Os canhões de Navarone, J. Lee
Thompson, 1961; Fugindo do inferno, John Sturges, 1963; Os doze condenados,
Robert Aldrich, 1967; Rambo II, a missão, George Cosmatos, 1985; Atrás das
linhas inimigas, John Moore, 2001) e até fantasia e ficção científica (Things
to Come, William Menzies, 1936; A Matter of Life and Death, Michael Powell
e Emeric Pressburger, 1946; Alucinações do passado, Adrian Lyne, 1990). O
período histórico e as características específicas do combate também
geram subgêneros: filmes da Guerra Civil norte-americana (Nascimento de
uma nação, D.W. Griffith, 1915; Tempo de glória, Ed Zwick, 1989), da
Primeira Guerra Mundial (Sem novidade no front, Lewis Milestone, 1930; A
grande ilusão, Jean Renoir, 1937; Glória feita de sangue, Stanley Kubrick,
1957), da Segunda Guerra na Europa (O mais longo dos dias, Ken Annakin,
Andrew Marto e Bernhard Wick, 1962; Soldaat Van Oranje, Paul
Verhoeven, 1978; Europa, Europa, Agnieszka Holland, 1990; O resgate do
soldado Ryan, Steven Spielberg, 1998), da Segunda Guerra no Pacífico
(Tora! Tora! Tora!, Richard Fleischer e Kinji Fukasaku, 1970; Cartas de Iwo
Jima, Clint Eastwood, 2007), de combate aéreo (Wings, que ganhou o
primeiro Oscar de Melhor Filme, William Wellman, 1927; Trinta segundos
sobre Tóquio, Mervyn Le Roy, 1944), de submarinos (O mar é nosso túmulo,
Robert Wise, 1957; Das Boot, Wolfgang Petersen, 1981), de campos de
prisioneiros (A ponte do rio Kwai, David Lean, 1957; Furyo: Em nome da honra,
Nagisa Oshima, 1983; O império do sol, Steven Spielberg, 1987; A guerra de
Hart, Gregory Hoblit, 2002); do holocausto (Kapò, Gillo Pontecorvo,
1973; A lista de Schindler, Steven Spielberg, 1993; O pianista, Roman
Polanski, 2002), da Guerra da Coreia (As pontes de Toko-Ri, Mark Robson,
1954; Sob o domínio do mal, John Frankenheimer, 1962), do Vietnã
(Apocalypse Now, Francis Ford Coppola, 1979; Os gritos do silêncio, Roland
Jaffe, 1984; Platoon, Oliver Stone, 1986; Full Metal Jacket, Stanley Kubrick,
1987; Fomos heróis, Randall Wallace, 2002), do Oriente Médio (Três reis,
David O. Russel, 1999; Soldado anônimo, Sam Mendes, 2005). Cada um
desses subgêneros tem seus próprios clichês, personagens recorrentes e
frases-chave que nos ancoram no realismo emocional de cada guerra
fictícia.
▪ Drama romântico/melodrama. Uma linha muito fina separa o
drama romântico do melodrama. Em ambos, casais vivem paixões que
não devem, não podem, não conseguem de jeito nenhum ser felizes
(...E o vento levou, Victor Fleming, 1939; Clamor do sexo, Elia Kazan, 1961;
Jules e Jim, François Truffaut, 1962; Época da inocência, Martin Scorsese,
1993), mulheres são as grandes protagonistas, e a história ou é contada
de seu ponto de vista ou é inteiramente centrada nele (Rebecca, a mulher
inesquecível, Alfred Hitchcock, 1940; Estranha passageira, Irving Rapper,
1942; Gilda, Charles Vidor, 1946, Crepúsculo dos deuses, Billy Wilder, 1950;
Adele H., François Truffaut, 1975). Crimes muitas vezes são a única
solução para os complicados enredamentos destas vidas gloriosamente
infelizes, com noir sendo o estilo ideal (Pacto de sangue, Billy Wilder,
1944; O destino bate à sua porta, Tay Garnett, 1946; Atração fatal, Adrian Lyne,
1987). Mas a morte por causas naturais, com uma necessária dose de
renúncia, sacrifício e heroísmo, também é importante para a definição
do gênero (A ponte de Waterloo, Mervyn LeRoy, 1940; Tarde demais para
esquecer, Leo McCarey, 1957; Love Story, Arthur Hiller, 1970; O paciente
inglês, Anthony Minghella, 1996; Fim de caso, Neil Jordan, 1999).
Uma subida de tom rumo ao excesso, às emoções à flor da pele, a
complicações quase sádicas em sua complexidade caracteriza a
transformação de um drama romântico num melodrama. Os materiais
permanecem quase os mesmos, mas o tom muda. Mulheres à beira de um
ataque de nervos, de Pedro Almodóvar (1988) é um exemplo perfeito — a
partir do título — do que é um melodrama, realizado por um grande
admirador e conhecedor do gênero em sua forma clássica, a
cristalizada nos anos 1930-40 como uma alternativa aos filmes de
crime e gângster, destinados aos homens. Porque o melodrama nasceu
como um gênero essencialmente feminino — a realização do velho
clichê de que as mulheres se unem pelo sofrimento e os homens, pela
violência —, seu universo primordial é a casa, o lar, a família. Seus
conflitos emergem desse ambiente e envolvem traições, adultérios,
gestações indesejadas, filhos ilegítimos, abandonados e adotados,
paternidades e maternidades desconhecidas, amores proibidos, crimes
passionais, casamentos arranjados. (Se você acha que tudo isso se
assemelha demais a algo que você conhece muito bem, está
absolutamente certo — o melodrama é a matriz essencial da nossa
velha e boa telenovela).
▪ Drama de crime (policial). Como o melodrama, o drama de
crime ou policial é um gênero de emoções extremas. Entretanto, seu
universo é essencialmente masculino, e a expressão de suas paixões se
dá, sem exceção, através da violência. Em suas origens mais remotas,
o drama policial se confunde com o próprio início do cinema narrativo.
Um dos primeiros filmes do cinema mudo é The Musketeers of Pig Alley, de
D.W. Griffith, em 1912, centrado numa quadrilha de crime organizado;
três anos depois Raoul Walsh estrearia na direção com The Regeneration
(1915), um tipo de história que marcaria toda a primeira etapa do
gênero — menino pobre das cabeças de porco das comunidades
imigrantes de Nova York não tem outra saída senão entrar para uma
quadrilha.
Quando o drama de crime mantém uma aura de mistério e a
essência de sua trama se concentra em quem matou quem e por que ou
quem está matando um monte de gente e como poderemos detê-lo, ele
assume os contornos de um thriller, do qual nos ocuparemos daqui a
pouco. Essencialmente, o thriller se preocupa em nos assustar e nos
apavorar, enquanto o drama quer nos comover e nos dar a boa catarse
proposta por Aristóteles. Num universo em que as preocupações
civilizadas desaparecem e tudo se move por códigos próprios de
lealdade e sobrevivência — a versão cinematográfica da lei do mais
forte —, a catarse do bom drama de crime pode ser poderosíssima.
Seria muito simples dizer que todo drama de crime é uma fábula
catequética onde o bem sempre supera o mal num universo fictício de
luz e sombra bem-definidos: essas são, na verdade, as características
marcantes dos policiais dos anos 1930-40, quando o Código Hays de
autocensura estava em seu auge e a Warner Brothers praticamente se
especializou numa espécie de filme moralista de gângster em geral
estrelado por James Cagney ou Humprey Bogart (The Roaring Twenties,
Raoul Walsh, 1939; They Drive By Night, 1940; This Gun For Hire, 1942). São
filmes em que o bandido sempre é punido no final, mas, no processo
de levá-lo até lá, estabeleceram uma série de convenções estilísticas
que definiram nossa percepção de “policial” — e que podem ser vistas,
de forma altamente estilizada, em obras como Miller’s Crossing, dos
irmãos Coen (1990), Pulp Fiction, de Quentin Tarantino (1994), e Estrada
para perdição, de Sam Mendes (2002).
Mas desde o primeiro momento o gênero se mostrou igualmente
fascinado pelas sombrias maquinações dos que se dedicam ao crime e
não ao seu combate. Entre 1922 e 1933 a série de filmes dirigida por
Fritz Lang, centrada no personagem do Dr. Mabuse, um sinistro
megacriminoso com poderes hipnóticos sobre suas vítimas, antecipava
décadas de dramas de crimes mais preocupados com o ponto de vista
do malfeitor do que de seus captores. Do Scarface original — uma obra-
prima de 1932 dirigida por Howard Hawks, produzida por Howard
Hughes e estrelada por Paul Muni como uma versão amplificada de Al
Capone — à sua versão Miami-cubana em 1982, dirigida por Brian de
Palma e estrelada por Al Pacino, o bandido como anti-herói é uma
oferta altamente tentadora que poucos cineastas de talento
conseguiram recusar. Os signos do extremo poder fora do alcance das
convenções sociais e o tipo de espelho distorcido mas paradoxalmente
exato que ele ergue para a sociedade da época dá a esse tipo de filme
uma capacidade vasta de uso nas mãos de realizadores talentosos.
Martin Scorsese e Francis Ford Coppola dedicaram cada um uma
trilogia à exploração deste universo paralelo — Caminhos perigosos (1973),
Os bons companheiros (1990) e Casino (1995) do primeiro, Os poderosos chefões I,
II e III (1972, 1974 e 1994) do segundo. Em seu antípoda, Zhang Yimou
mergulhou no mesmo universo em Shanghai Triad, enquanto, no Japão, os
yakuza eida vinham, desde os anos 1960, mostrando anti-heróis
conflituados entre emoções pessoais e deveres do clã. O roteirista
Leonard Schrader, que viveu e trabalhou no Japão durante a maior
parte da sua vida, trouxe o tema da máfia japonesa para o Ocidente,
com Operação Yakuza (1974), escrito com seu irmão Paul e dirigido por
Sydney Pollack. Na virada dos 1960 para os 1970, Arthur Penn e
Warren Beatty colaboraram para criar Bonnie & Clyde (Arthur Penn,
1967), um drama de crime enamorado com seus anti-heróis, usados
como metáfora para a crescente onda de insatisfação que em breve se
chamaria “contracultura”.

CAIM E ABEL
UMA VARIAÇÃO DESTE GÊNERO que também daria infinitos frutos nos
anos a seguir é a oposição amigos/irmãos criados no mesmo ambiente,
no qual um cai no crime e o outro, no lado da lei. Alicerces desse
subsubgênero são Manhattan Melodrama (W.S. Van Dyke, 1934), com
William Powell e Clark Gable, e principalmente o muito copiado Anjos
de cara suja (Michael Curtiz, 1938), com James Cagney e Pat O’Brien.
Notem ecos da proposta em obras como Quase dois irmãos (Lucia Murat,
2004), Quem quer ser um milionário (Danny Boyle, 2008), Cidade de Deus
(Fernando Meirelles, 2001), Infernal Affairs/ Os infiltrados (Wai-keung e Lau
Siu Fai Mak, 2002; Martin Scorsese, 2006); Sobre meninos e lobos (Clint
Eastwood, 2003).

Como o mundo do combate, o mundo do crime é um ecossistema


altamente cinematográfico, onde as leis da normalidade não vigoram,
todos os valores podem ser revertidos e tudo tem significado absoluto
e consequências fatais; por isso é um instrumento tão potente como
metáfora das inquietações da sociedade em qualquer época.
▪ Drama do oeste (Western). Em termos estritos, o drama do
oeste — o western, faroeste, bangue-bangue — é aquele que se
desenrola durante a ocupação do território norte-americano depois da
guerra de independência. É uma janela pequena — de meados do
século XIX ao início do século XX — e, num primeiro olhar, limitada,
uma vez que se refere exclusivamente à experiência norte-americana.
Por que, então, o gênero criou raízes tão profundas pelo mundo afora,
visíveis em filmes tão díspares quanto a obra do italiano Sergio Leone
(Por um punhado de dólares, 1964; Três homens em conflito/ O bom, o mau e o feio,
1966; Aconteceu no Oeste, 1968), o tailandês As lágrimas do tigre negro (Wisit
Sasanatieng, 2000) e o coreano Os invencíveis (Ji-woon Kim, 2008). De
fato, juntamente com o musical — que considero um estilo, não um
gênero —, o western foi uma das vertentes do cinema americano mais
fecundas na imaginação do mundo. E a resposta simplista do
“imperialismo cultural” pode até explicar a exposição, mas não a
permanência profunda dos signos destes estilos.
Uma possibilidade é que o western, ao retirar o ser humano de um
ambiente conhecido e estruturado e colocá-lo num terreno belo mas
inóspito, sem suportes sociais, legais e políticos, reduz nossa
humanidade à sua essência, ao seu mínimo denominador comum e, por
isso, torna-se imediatamente acessível e universal.
Um outro ponto de vista afirma que o western é essencialmente
sobre ocupação de território, sendo parte inseparável da experiência
norte-americana do mundo, estendendo-se, assim, para os filmes sobre
a corrida espacial — a derradeira fronteira. Creio que esse veio de fato
existe, mas há muito se dissolveu numa compreensão mais universal
do tema “ocupação do território”, adaptando-se a qualquer experiência
em que o ser humano se veja em busca de seu próprio espaço e precise
tomar decisões de vida e morte sem o apoio da sociedade.
Westerns tendem a repetir certas tramas, principalmente: • Conflito
com os ocupantes originais da terra • Conflito entre a lei nascente e os
fora da lei • Conflito entre rancheiros estabelecidos e criadores de gado
migrantes (cowboys)

FILM NOIR
UM ESTILO MUITO ESPECÍFICO de contar o drama de crime recebeu o
nome de film noir no final da década de 1940, pelas mãos de críticos
franceses (o primeiro a empregar o termo foi Nino Frank, em 1946, na
revista L’Ecran Français, num artigo em que comentava a primeira leva de
“films policiers americains”, que os franceses conseguiam ver desde a
ocupação nazista: Laura, de Otto Preminger, 1944, Pacto de sangue, de
Billy Wilder, 1944, Um retrato de mulher, de Frizt Lang, 1944, Murder, My
Sweet, de Edward Dmytryk, 1944, e O segredo das joias, de John Huston,
1950). O noir é mais um estilo que um gênero, nascido naturalmente de
uma interessante conjugação de fatores artísticos e econômicos.
Quando os franceses perceberam que havia todo um corpo de obra
norte-americano, produzido no pós-guerra, com temática e estilo visual
semelhantes, dezenas de filmes já haviam sido realizados sem que seus
diretores, conscientemente, tivessem decido “fazer um noir”. O que eles
tinham em comum: ▪ Influências estéticas do expressionismo alemão
dos anos 1920 e 1930, especialmente a obra de Murnau e Lang, que
usavam com enorme eficiência e dramaticidade recursos minguados —
poucas fontes de iluminação, cenários despojados.
▪ Orçamentos restritos, comuns no período do pós-guerra para
filmes que não fossem de primeira linha, obrigando ao uso de menos
equipamento, elenco e sets.
▪ Um ponto de vista pessimista, sofrido, cínico. Heróis repletos de
problemas e contradições, muitas vezes não muito distantes dos vilões.
Mulheres perigosas, atraentes mas falsas. Finais amargos, em que os
bons não são recompensados e os maus não são punidos.
▪ Inspiração nas novelas pulp de detetive da época, imensamente
populares de Dashiell Hammett, Raymond Chandler e James Cain.
▪ O período clássico do noir cobre de 1940 ao final dos anos 1950,
balizados por O homem dos olhos esbugalhados, de Boris Ingster (1940) e A
marca da maldade, de Orson Welles (1958). Estilisticamente, um noir pode
ser reconhecido por: • Fotografia em preto e branco, altamente
contrastada • Vasto uso de sombra e focos únicos de luz • Ângulos
inusitados, “tortos”
• Ambientes sórdidos: crime, gangues, quadrilhas, submundo •
Anti-heróis e mulheres fatais • Narrativa fracionada, com várias
surpresas mudando o curso da história • Narração em off, em geral do
ponto de vista do anti-herói A influência do noir, em estilo e temática,
estendeu-se pelo cinema europeu dos anos 1950 e 1960, e voltou ao
cinema norte-americano na virada da década de 1970, em grande parte
graças à consciente citação do estilo em Chinatown, de Roman Polanski
(1977). Filmes tão diversos quanto Blade Runner (Ridley Scott, 1980) e
Sin City (Robert Rodriguez e Frank Miller, 2005) contêm claros
elementos de noir, repensados e reconfigurados.

NA ESTRADA
ESSENCIALMENTE SOBRE BUSCAS INTERIORES expressas na mudança de
paisagem, o filme na estrada é uma das hibridizações mais comuns e
expressivas do cinema: ele pode ser um drama (Easy Rider, La Strada, Paris,
Texas, Thelma e Louise, Central do Brasil, Diários de Motocicleta, A história real, A banda,
Na natureza selvagem), uma comédia (Antes só do que mal-acompanhado, Os três
amigos), um thriller (Encurralado, Intriga internacional), uma dramédia (Pequena
Miss Sunshine, Sideways/Entre umas e outras, As confissões de Schmidt, As aventuras de
Priscilla, Rainha do Deserto). Sendo voluntária ou não, a viagem é sempre
uma expressão visual de uma profunda mudança interior dos
protagonistas, a visualização mesma do arco da narrativa. Estranho
numa terra estranha e em mutação, o protagonista se vê a sós com sua
alma, suas questões e os outros, que encontra em situações despidas
dos contornos do dia a dia e, por isso, levadas ao extremo.
Ou seja, variações sobre o tema de visões e estilos de vida
conflituantes sobre uma tábula rasa — o novo território.
O western teve seu apogeu entre as décadas de 1930 e 1950, quando
diretores como John Ford, John Huston e Howard Hawks
estabeleceram as regras essenciais do gênero: a paisagem do deserto
pintado, o perfil do herói monossilábico, a linguagem corporal, as
cenas-chave (a briga no bar, o duelo na rua principal, a emboscada no
Canyon) que seriam copiadas, refeitas, desfeitas, citadas e reinventadas
por décadas.
▪ Drama musical. As mesmas propostas do drama, apenas
cantadas e dançadas: Amor, sublime amor, All That Jazz, Chicago, Dreamgirls,
Sweeney Todd.
▪ Animação dramática: Assim como o musical, animação é uma
forma de fazer cinema, não necessariamente um gênero. A associação
do “desenho animado” apenas com histórias ligeiras e felizes não
representa o espectro total desta linguagem sem limites — mesmo
Bambi, com todos os seus bichinhos fofos, é, em sua essência, uma
verdadeira tragédia sobre uma criança órfã depois de um ato de
violência, em busca de sua identidade e seu lugar na sociedade (assim
como seu justo sucessor, O Rei Leão). Uma grande parte da animação
japonesa, especialmente a obra de Hayao Miyazaki, nada tem de
infantil ou cômico — as poderosas metáforas visuais da animação são
usadas para abordar temas como responsabilidade ecológica (Princesa
Mononoke, 1997) e vida além da morte (A viagem de Chihiro, 2001). O túmulo
dos vaga-lumes (Isao Takahata, 2005) é uma das mais dramáticas
reconstituições da vida no Japão nos anos finais da Segunda Guerra,
sob constante bombardeio aliado; Gen pés descalços (Mori Masaki, 1983)
conta o extermínio nuclear de Hiroshima e Nagazaki pelos olhos de
um menino. Persépolis (2007) retrata o Irã durante a revolução dos
aiatolás e a guerra com o Iraque. Valsa com Bashir (2008) investiga as
consequências emocionais e morais do ataque israelense ao campo de
refugiados palestinos de Shatila, no Líbano. A obra de stop motion (uma
das técnicas mais antigas da animação, na qual objetos tridimensionais
são fotografados quadro a quadro para criar a ilusão de movimento) de
Tim Burton com Henry Selick é um excelente exemplo de drama
musical animado (e surreal): O estranho mundo de Jack (1993), A noiva cadáver
(2005), Coraline (2009).
▪ Dramédia ou comédia dramática. O encontro de opostos
aparentemente irreconciliáveis já está presente em toda a obra de
Chaplin em sua persona Carlitos: em Em busca do ouro (1925), por
exemplo, Chaplin nos faz rir com suas tentativas de cozinhar sapatos,
mas estamos diante de um homem à beira da morte por inanição. Tempos
modernos (1936), com todas as gargalhadas que podemos dar ao ver
Carlitos apertando compulsivamente botões e carrapetas, é sobre a
desumanização do trabalho, a alienação do ser humano na sociedade
industrial, a loucura da repetição sem sentido. Experimente, por
exemplo, ver Metrópolis (Fritz Lang, 1927), Tempos modernos e Vinhas da ira
(John Ford, 1940) em rápida sucessão e o tema deve parecer óbvio —
observe como as diferentes maneiras de expressá-lo alteram sua
percepção da questão. Exemplos mais recentes de dramas com
elementos de comédia pontuando a narrativa incluem Lembranças de
Hollywood (Mike Nichols, 1990), Caro diário (Nanni Moretti, 1993), Melhor
é impossível (James L. Brooks, 1997), Eleição (Alexander Payne, 1999), Em
seu lugar (Curtis Hanson, 2005) e Juno (Jason Reitman, 2005).

OLHO VIVO:
OS INEVITÁVEIS
CLICHÊS
▪ Num filme de ação/aventura, terror ou guerra, os personagens
vividos pelos atores mais conhecidos são sempre os últimos a morrer.
O motivo é óbvio: eles representam o maior investimento da produção
e o maior chamariz de bilheteria. Por maiores que sejam os apuros em
que eles se encontram no final do primeiro ato, com certeza vão
sobreviver — mesmo que se sacrifiquem heroicamente no final. Por
contraste, os atores menos conhecidos — aqueles que a gente não
reconhece nem de séries de TV — são sempre os despachados sem a
menor cerimônia, logo no primeiro ou segundo ato.
▪ Fotos podem ser fatais: em qualquer filme de ação/aventura,
ficção científica ou guerra, o personagem que saca a foto de um ente
querido — esposa, namorada, bicho de estimação — tem muito pouco
tempo de vida na tela: em média 15 minutos a mais.
1 Boxoffice Mojo, http://www.boxofficemojo.com/alltime/world/
2 Academy of Motion Pictures Arts and Sciences. http://www.oscars.org
3 http://www.ccpr.ucla.edu/asp/ccpr—035—06.asp
3. Comédia: o poder do ridículo

3. COMÉDIA: O PODER DO RIDÍCULO


“Morrer é difícil, mas não tão difícil
quanto fazer comédia.”
Edmund Gwenn, ator
SEGUNDO ARISTÓTELES, A COMÉDIAé a irmã menor e menos importante do
drama. Sua origem seria a komos, dança-pantomima fálica praticada na
Antiguidade nos vilarejos gregos. Como o drama, a forma mais exaltada da
imitação da ação, a comédia tem a hamartia (falha de caráter/“errar o alvo”)
como espoleta. Mas dessa vez a falha é ridícula, “um tipo de feiura; um erro
que não é doloroso ou destrutivo, um erro inocente, cometido sem maldade
ou intenção daninha” pelo protagonista (Aristóteles, Poética). Ao contrário do
drama, em que lições devem ser aprendidas mas nada é capaz de mudar o
curso depois que a flecha deixa o arco em trajetória torta, na comédia o
herói deve ter oportunidade de corrigir o erro e escapar de suas piores
consequências.
Por ser uma imitação inferior da ação, não pede protagonistas
complexos ou nobres, muito pelo contrário: seu herói deve ser simples,
inocente e simpático (sim + pathos, com quem se sente junto) e deve passar
por uma reversão positiva de fortuna. No cinema ele é o bobo alegre (Jerry
Lewis, os Três Patetas, Oscarito), o arlequim (Buster Keaton, Grande
Otelo), o bem-intencionado confuso (Cantinflas, Monsieur Hulot, o Inspetor
Clouzot, Lucille Ball), o mendigo sábio mas inevitavelmente à margem de
tudo (Carlitos). Frequentemente ele sofre, mas seu sofrimento não dura
muito, nem é em vão — exagerado como dizer que não é preciso fazer
drama por pouca coisa, já que a vida é breve e difícil, ele quer nos fazer rir
com suas provações sempre banais: a casca de banana, a engenhoca que se
recusa a funcionar, a identidade trocada, a porta errada.
Se no drama o herói é o nosso Eu exaltado, ideal, a nos mostrar num
plano muito superior as duras lições da existência, na comédia o herói é
cada um de nós, comum, simples, bobo, de quem tiram vantagem, que não
sabe tudo o tempo todo, que é enganado. Na boa comédia cinematográfica,
deveríamos rir com o herói, e não dele. Uma comédia malconcebida ou
realizada em que somos compelidos a rir apenas do herói em geral nos
deixa com desconforto, aquele travo amargo de quando sentimos vergonha
pelos outros.
Deveríamos rir, sim, do antagonista, diz Aristóteles. Idealmente, o
antagonista de uma comédia deve ser ridículo e sofrer “justiça poética” pela
exposição desse ridículo. Numa deliciosa reversão das regras do drama,
grandes figuras, seres poderosos e ricos são antagonistas ideais,
proporcionando ao herói plebeu a oportunidade de expor seus podres
através do ridículo. É a catarse por humilhação, a catarse cômica, obtida
pelo riso, que “purifica toda emoção pela exposição do ridículo” — flagelo
de tiranos e delícia de plateias dos anfiteatros gregos a O grande ditador
(Charles Chaplin, 1940).
No cinema, os sólidos princípios aristotélicos foram elaborados como
regras adicionais do que funciona na tela:
▪ Idealmente, só o público deve saber que se trata de uma
comédia. Esta é a regra de ouro da boa comédia: um voto firme de
confiança na solidez do Quarto Muro. Nós, na plateia, podemos
escolher de que rir, e por quê. Como todo bom filme, uma comédia
encontrará ecos nas experiências e nas memórias individuais dos
espectadores. Mas quando o filme quer nos obrigar a rir, é uma
violação, não um diálogo inteligente. Uma comédia que pisca o olho
constantemente para nós, em que todos os atores estão
hiperexagerados, berrando seu diálogo, extrapolando limites nos gestos
e na caracterização porque estão conscientes de viverem uma comédia,
está mais próxima do circo (que não é o Cirque du Soleil…) que da
tela. As melhores comédias — as melhores de Woody Allen e Chaplin,
por exemplo — são, para seus personagens, verdadeiros dramas, e
como tal são interpretadas. A última noite de Boris Grushenko (Woody Allen,
1975, que prenuncia O sentido da vida, de Terry Gilliam e Terry Jones, do
Monty Python, em 1983) é de fato uma tragédia inspirada em Tolstói e
aproximada de O sétimo selo, de Bergman. Que nós nos dobremos de rir
com as vicissitudes de seu herói enquanto aguarda a inevitável
execução é testemunho do gênio de Allen e da extraordinária
capacidade do ser humano de saber que está vivo, que vai morrer, e
que a ironia de sua curta trajetória merece uma boa gargalhada.
▪ Obstáculos triviais, frequentemente ampliados até o exagero
ou o absurdo. As escolhas trágicas e absolutas do drama ficaram para
trás. Os heróis cômicos não precisam salvar o mundo, curar doenças
fatais, resgatar a família, compor sinfonias. Será o bastante, para eles,
controlar um sistema temperamental de irrigação de jardim (As férias de
M. Hulot, Jacques Tati, 1953), ser um pobre coitado numa festa de
milionários (Um convidado bem trapalhão, Blake Edwards, 1968) ou explorar
os limites físicos de uma cabine de navio (Uma noite na ópera, Irmãos
Marx, 1935). O drama é histórico ou épico, mas a comédia é
essencialmente individual.
▪ Final feliz, obrigatoriamente. Sim, Boris Grushenko morre no
final. Mas vai dançando a caminho do Além. Brian é crucificado sem a
plateia do “outro”, que atrai multidões no gólgota ao lado (A vida de
Brian, Terry Jones e Terry Gilliam, 1979), mas todos os agonizantes e
seus algozes cantam “Always Look on the Bright Side of Life”. E
assobiam! Aristóteles, de novo: a catarse na comédia vem pelo riso,
não pelo pranto.
▪ Desigualdade. Pessoas pequenas, objetos enormes; pessoas
enormes, objetos (ou pessoas) pequenas. Arnold Schwarzenegger
gêmeo de Danny de Vito, por exemplo (Irmãos gêmeos, Ivan Reitman,
1988). Ou legumes gigantes perseguindo o baixinho Woody Allen (O
dorminhoco, 1973). Ou ainda uma escala completamente diversa de
visões de mundo, tão brutal que configura uma desigualdade: um
policial negro cheio de manha e um esquadrão de tiras mauricinhos de
Beverly Hills, por exemplo (Um tira da pesada, Martin Brest, 1984).
▪ Deslocamento. O estranho na terra estranha, o peixe fora
d’água, um príncipe africano nos Estados Unidos (Um príncipe em Nova
York, John Landis, 1988), uma sereia em Nova York (Splash: Uma sereia em
minha vida, Ron Howard, 1984), dois guapos rapazes travestidos em
recatadas moças (Quanto mais quente melhor, Billy Wilder, 1959), um
menino ou uma menina no corpo de um adulto (Quero ser grande, Penny
Marshall, 1988; De repente 30, Gary Winick, 2004), um homem no corpo
de uma mulher (Trocaram meu sexo, Blake Edwards, 1991), ou vice-versa e
versa-vice (Se eu fosse você, Daniel Filho, 2005/2006).
▪ Timing é tudo. Os animadores da Warner Bros, que criaram
clássicos cômicos em alta velocidade como o Diabo da Tasmânia,
Frajola e Piu-Piu, Papa-léguas e Coiote, trabalhavam com metrônomos
para garantir que cada gag visual durasse o tempo exato para ser
engraçado — a pausa antes de cair no abismo, por exemplo. Nem mais
nem menos.
▪ Pureza de intenções = veracidade dos personagens. O herói
(ou anti-herói) de uma boa comédia é essencialmente um puro — o
Louco do Tarot, uma tábula rasa onde o mundo deverá deixar suas
impressões frequentemente cruéis. Suas trapalhadas não têm más
intenções, não almejam ferir ninguém, nem mesmo quando ferem —
Steve Carell involuntariamente socando sua destemida parceira
amorosa em O virgem de 40 anos —, mas são fruto de suas inocentes
hamartias, seus espetaculares erros de alvo causados por falhas não
maliciosas de seu ser (no caso do Virgem, ser virgem…).
▪ Imitação até o exagero. A arte da sátira nasce aqui.
▪ Quando em dúvida, atire a torta. A comédia física, mesmo
grotesca ou ruim, sempre faz rir, mesmo que não seja por muito tempo.
E uma “vaca sagrada” é um excelente alvo. Quanto mais poderoso e
nobre o personagem, mais famoso o ator que o representa ou mais
solene a situação, mais saborosa a piada física. Os repetidos insultos e
humilhações à “rainha da Inglaterra” em Corra que a polícia vem aí (David
Zucker, 1988) e as estrepolias de Sacha Baron Cohen durante um
jantar formal ou cantando o hino norte-americano num rodeio, em
Borat: O segundo melhor repórter do glorioso país Cazaquistão viaja à América (Larry
Charles, 2006) são colegas na prática da antiga arte da comédia física.
O uso desses recursos e o tom com que eles são empregados
criam uma espécie de pirâmide classificatória da comédia.
Em seu topo está a Alta Comédia, o riso que vem das ideias, do
comportamento dos personagens. Frequentemente inclui doses fartas
de ironia e cinismo e exige da plateia um conhecimento prévio de
várias referências históricas, culturais, literárias e políticas. A maioria
das comédias de Woody Allen se inclui nesta categoria — e não
apenas porque elas presumem que os espectadores estão familiarizados
com a obra de Ingmar Bergman, o existencialismo, as tradições
judaicas, a teoria da comunicação, o pensamento de Freud, Nietzsche e
Kierkegaard, a literatura russa, a história e a teoria do cinema e os
hábitos cotidianos da burguesia e da intelectualidade de Manhattan.
Mas sobretudo porque sua graça vem do diálogo bem-escrito, que
expõe o mundo interior e as inquietações dos personagens.
Obviamente, este é um tipo de comédia muito satisfatório
intelectualmente, e o mais difícil de atravessar fronteiras —
trocadilhos perdem seu sentido em outras línguas, referências culturais
passam batido ou são revertidas.
Quando a comédia vem não necessariamente dos personagens, e
sim da situação em que se encontram, temos a Comédia de Situação,
a faixa média do nosso espectro. A televisão americana se fez nas
costas deste tipo de comédia, exportada rapidamente para todo o
mundo: o riso vem da situação em que os personagens se encontram;
digamos: uma família que sobrevive cantando (Família Do-Ré-Mi) ou um
grupo de amigos compartilhando apartamentos em Nova York (Friends).
Para que o formato se expanda para a tela grande, a situação precisa
ser igualmente aumentada até o limite do absurdo, ou além dele: uma
sereia em Nova York (Splash, uma sereia em minha vida, Ron Howard, 1984)
ou um menino no corpo de um adulto (Quero ser grande, Penny Marshall,
1988). Não por acaso estes dois exemplos são estrelados por Tom
Hanks — ele vem dos sitcoms de TV e se especializou no tipo de
comédia reativa, que nasce do confronto com a situação e o ambiente,
que é a essência da Comédia de Situação. Tom sabe como reagir aos
incidentes mais triviais ou mais absurdos — rimos porque sentimos
uma empatia imediata com essa reação, com a humanidade desse
rosto. Esse é o dom de um grande comediante. O sucesso dessa gama
de comédia na TV confirma que, se a situação tiver os elementos
corretos, capazes de encontrar eco em diversas culturas, o riso pode ser
compartilhado em qualquer língua ou país. Situações específicas a
determinadas culturas ou subculturas, contudo, são difíceis de
atravessar fronteiras — é um dos problemas, por exemplo, das
comédias black norte-americanas, quase todas de situação, mas de
situações conhecidas intimamente apenas por esse grupo social.
Finalmente, na base da pirâmide, temos a Baixa Comédia, a
comédia física, que prescinde de qualquer conhecimento a não ser o da
nossa mais básica humanidade. Porque não necessita de diálogo, ela é
o alicerce de toda a comédia do cinema mudo, o momento em que sua
gramática essencial é elaborada: a casca de banana, a queda, o tombo
da cadeira, a tábua na cara, os tabefes em série aperfeiçoados pelos
Três Patetas, os constrangimentos de erros de identificação, as fugas
em alta velocidade, as mordidas nos fundilhos e, é claro, a torta na
cara.
Como seu irmão mais nobre — o drama —, a comédia tem
diversas vertentes ou subgêneros. Alguns dos principais são:
▪ Farsa. Tudo é um meio-tom acima. O exagero de gestos, vozes,
expressões e situações sublinha o surreal, o passional, o absurdo. É um
traço forte do cinema italiano, o coração da chanchada brasileira, da
comédia de costumes inglesa e francesa, a base da screwball comedy
americana dos anos 1930, o feijão com arroz dos sitcoms da TV. O
diálogo é rápido, lotado de piadas contidas em uma frase ou uma
expressão, troca ou confusão de identidades são uma constante. É uma
forma eficientíssima de crítica social, ao mostrar, pelo exagero, os
podres que se ocultam sob as convenções da boa sociedade. Algumas
ótimas farsas: Arsenic and Old Lace (Frank Capra, 1944), Quanto mais quente
melhor (Billy Wilder, 1959), O discreto charme da burguesia (Luis Buñuel,
1972), Primavera para Hitler (Mel Brooks, 1968), Bananas e O Dorminhoco
(Woody Allen, 1971 e 1973 ), O panaca (Carl Reiner, 1977), Johnny
Stecchino (Roberto Benigni, 1991), Entrando numa fria (Jay Roach, 2000), O
closet (Francis Verber, 2001).
▪ Comédia cerebral. Depois de seus primeiros filmes farsescos, a
obra de Woody Allen torna-se um exemplo perfeito da comédia
cerebral, curiosamente o antípoda da farsa. Na comédia cerebral, são
ideias, ironias, sarcasmo e referências culturais que provocam o riso,
sem necessidade de situações ou gestos exagerados. Noivo neurótico, noiva
nervosa (1977) e Manhattan (1979) são bons exemplos, assim como quase
todo o humor inglês. Os roteiros de Charlie Kaufman contêm uma boa
dose de humor intelectual, especialmente nas referências culturais: Eu
quero ser John Malkovitch (1999), Adaptação (2002). Quando Quentin
Tarantino precisa de uma clareira de riso entre um e outro massacre, é
a mais pura comédia cerebral que ele pratica —nas discussões sobre os
nomes de código dos assaltantes em Cães de aluguel, nos diálogos entre os
dois pistoleiros de Pulp Fiction, nas tiradas de Uma Thurman nos dois Kill
Bill (2003, 2004).
▪ Comédia romântica. Quando o amor é divertido, embora com
os percalços esperados, temos a comédia romântica (romcom, no jargão
do meio). Segundo o mestre da comédia romântica, as regras do
subgênero são claras: no primeiro ato, o rapaz ganha a moça, ou vice-
versa; no segundo, perde a moça (ou o rapaz); no terceiro, ganha de
volta. Simples, mas eficiente. E aberto a todas as variações e
permutações possíveis, como exercitadas, por exemplo, por um dos
mais aplicados discípulos de Wilder, Cameron Crowe (vide a trilogia
Say Anything, 1989; Singles, 1992; Jerry Maguire, 1996). Ou Café au Lait
(Mathieu Kassovitz, 1994) e Ligeiramente grávidos (Judd Apatow, 2007),
que invertem completamente a ordem dos fatores. Para exemplos mais
ou menos clássicos: Aconteceu naquela noite (Frank Capra,1934), Núpcias de
escândalo (George Cukor, 1940), A princesa e o plebeu, (William Wyler, 1953
), Sabrina (Billy Wilder, 1954), Bonequinha de luxo (Blake Edwards, 1961),
Splash: Uma sereia em minha vida (Ron Howard, 1984), Noites de lua cheia (Eric
Rohmer, 1984), Harry e Sally, feitos um para o outro (Rob Reiner, 1989), Uma
linda mulher (1990), Sintonia do amor (Nora Ephron, 1993), Quatro casamentos e
um funeral, (Mike Newell, 1994), Comer, beber, viver (Ang Lee, 1994), O
casamento do meu melhor amigo (P.J. Hogan, 1997), Uma ligação pornográfica
(Frederic Fonteyne, 1999), Um lugar chamado Notting Hill (Roger Michell,
1999), Simplesmente amor (Richard Curtis, 2003). A realidade de uma
convivência mais áspera entre os sexos, a partir do final do século XX,
gerou um novo subgênero de comédia romântica, mais cínico (Sex and
the City, Michael Patrick King, 2008) e mais cômico (Quem vai ficar com
Mary?, Bob and Peter Farrelly, 1998; O diário de Bridget Jones, Sharon
Maguire, 2001; Casamento grego, Nia Vardalos, 2002; Se beber não case, Todd
Phillips, 2009; Missão madrinha de casamento, Paul Feig, 2011).
▪ Comédia musical. O formato mais comum de fusão entre
música e comédia, trazido do vaudeville e dos palcos da Broadway para a
tela, tem a intermediação do romance — casos de amor com finais
felizes prestam-se especialmente à estilização suprema do musical, em
que canto e dança têm permissão para irromper livremente,
impulsionando ou pontuando a narrativa. É uma opção estilística que
tem encontrado dificuldade em dialogar com plateias contemporâneas,
acostumadas a uma abordagem “realista” da narrativa cinematográfica,
mas que fazia todo sentido do mundo no período pré e pós-guerra.
Vicente Minelli é o grande mestre do formato — Agora seremos felizes
(1944), Um americano em Paris (1951), A lenda dos beijos perdidos (1954), Gigi
(1958) —, seguido de perto por Stanley Donen — Cantando na chuva
(1952), Sete noivas para sete irmãos (1954), Damn Yankees! (1958). A influência,
decupada e reinventada, da comédia musical americana pode ser vista
em vertentes tão diversas quanto o cinema de Jacques Demy (Os guarda-
chuvas do amor, 1964, Duas garotas românticas, 1967), as extravagâncias de
Bollywood, a chanchada musical brasileira e os rigores coreográficos
das sequências de artes marciais do cinema chinês.
▪ Animação cômica. Relevando-se as lágrimas derramadas por
gerações de crianças com a morte da mãe de Bambi e do pai de Simba,
o default do filme de animação é cômico. A animação permite pleno
controle e rigor na execução dos gags da comédia física — área em que
Chuck Jones e os desenhistas do Termite Terrace da Warner Brothers
eram mestres — e é uma excelente ferramenta para a caricatura e a
sátira, como prova a série Shrek, da Dreamworks.
▪ Sátira. Irmã da farsa, a sátira pede alvos precisos, e exercita
cirurgicamente a divina missão da catarse pelo ridículo. O alvo tanto
pode ser um fato ou figura pública — Hitler em O grande ditador, o
absurdo da guerra em M.A.S.H (Robert Altman, 1970), a cultura
rock’n’roll em This is Spinal Tap (Rob Reiner, 1984), as sujeiras da política
em Bob Roberts (Tim Robbins, 1992) — quanto um gênero
cinematográfico e seus clichês —, o western em Banzé do Oeste (Mel
Brooks, 1974), o filme gótico em Jovem Frankenstein (Mel Brooks, 1974),
o filme de terror em Todo mundo em pânico (Keenan Ivory Wayans, 2000), o
filme catástrofe em Apertem os cintos, o piloto sumiu (Jim Abrahams e David
Zucker, 1980), o épico bíblico em A vida de Brian (Terry Jones, 1979), o
drama medieval em Monty Python e o Santo Graal (Terry Jones e Terry
Gilliam, 1975).
▪ Black comedy/comédia sinistra. Se lembrarmos que uma das
reações mais frequentes em filmes de terror e suspense realmente
apavorantes é o riso, a ideia de uma forma de comédia entrelaçada com
violência, morte e outros temas sombrios não deve parecer tão estranha
assim. Thriller e comédia nascem do mesmo gosto pelo extremo, o
mesmo impulso para a gratificação imediata — e, no cérebro humano,
os centros do prazer e da dor estão lado a lado. Ficar horrorizado e rir
ao mesmo tempo pode ser, portanto, uma delícia muito especial. Os
irmãos Coen são os grandes estilistas contemporâneos da comédia
sinistra: Gosto de sangue (1984), Arizona nunca mais (1987), Barton Fink (1991),
Fargo (1996), O grande Lebowski (1998), E aí, meu irmão, cadê você? (2000),
Matadores de velhinhas (2004 — por sua vez o remake de uma outra black
comedy, Alexander Mackendrick, 1955), Queime depois de ler (2008). Mas o
gênero tem raízes profundas e multinacionais: Dr. Strangelove (Stanley
Kubrick, 1964) e 8 mulheres (François Ozon, 2002); Ensina-me a viver (Hal
Ashby, 1971) e Pink Flamingos (John Waters, 1972), Komm, süsser Tod
(Wolfgang Murnberger, 2000) e Marte ataca! (Tim Burton, 1996). Porque
está lidando com situações extremas que não podem — e, moralmente,
nem devem — ser abordadas com leveza, o tom das black comedies é
quase sempre de farsa, um hiperrealismo que enfatiza o absurdo
mesmo da existência humana.
4. Ação/Aventura: a jornada do Herói

4. AÇÃO E AVENTURA: A JORNADA DO


HERÓI
“Meus filmes são repletos de paixão e
sentimento. A ação é nada sem a natureza
humana — é preciso mostrar o que vai no
mais fundo do coração.”
John Woo, diretor
REDUZINDO AO MAIS BÁSICO, o filme de ação é um drama em que os atos e os
feitos — e não o diálogo — são a narrativa. O filme de aventura é um filme
de ação que se passa em local exótico, imaginário ou em outra época. Séries
como Duro de matar e Máquina mortífera são tipicamente ação. Franquias como
Indiana Jones e Piratas do Caribe são aventuras. Como todo gênero, o filme de
ação e aventura comumente é hibridizado com outros gêneros, como
comédia, drama, comédia romântica ou ficção científica.
O filme de ação/aventura ganhou poder e uma péssima reputação nos
anos 1980-1990, quando foi reduzido à sua forma mais descerebrada: um
herói musculoso e de poucas palavras resolvia tudo na base da porrada,
fazendo vítimas às dúzias sem piscar um olho, e, a intervalos regulares,
coisas explodiam e perseguições terminavam destruindo cidades inteiras.
Essa, contudo, é a fórmula do filme de ação, o ponto em que o gênero
se enrijeceu e decaiu. Suas origens e propósitos são tão nobres quanto os do
drama, e, por apelar para nossas emoções mais instintivas, o filme de ação é
extremamente eficiente e poderoso quando aliado a ideias e propostas bem-
fundamentadas. O que seriam Os 12 trabalhos de Hércules e a Odisseia senão
grandes narrativas de ação protagonizadas por seu elemento essencial, o
herói?
Na Poética, Aristóteles ressalta a importância da ação: “A ação é o
princípio vital, a alma mesma do drama. O drama é uma imitação não de
pessoas, mas de ações.”
Para Aristóteles, a ação é mais eficiente em provocar catarse quando
são respeitadas as três unidades:
▪ Unidade de TEMPO — Quanto mais contido e claro o período
em que ele se passa, mais eficiente é o drama da ação. Idealmente, um
drama impulsionado pela ação deve se desenrolar em um dia e uma
noite.
▪ Unidade de LUGAR — Idealmente, a ação deve se desenrolar
num único local, onde mandatoriamente tem que se dar a crise e sua
resolução.
▪ Unidade de AÇÃO — A trama deve se limitar a uma única
cadeia de incidentes, claramente relacionados por causa e efeito, e com
um começo, um meio e um fim igualmente claros.
E, de fato, os melhores filmes de ação respeitam pelo menos uma
dessas unidades, se não todas. No excelente e inteligente O reino (Peter Berg,
2007), a ação é contida em cinco precisos dias, na cidade de Riad, Arábia
Saudita, e gira em torno de um único propósito — achar os responsáveis
pelo atentado terrorista visto no primeiro ato.
A revivida série Bourne (A identidade Bourne, Doug Liman, 2002; A supremacia
Bourne, Paul Greengrass, 2004, e O ultimato Bourne, Paul Greengrass, 2007) é
outro bom exemplo de cinema de ação com ideias; mantém-se presa a uma
clara cadeia de incidentes — a jornada do protagonista em busca de sua
identidade, enquanto é perseguido por inimigos ligados a ele. E, embora a
trama movimente-se por unidades de espaço diferentes, a unidade de tempo
de cada um dos episódios é absolutamente precisa e limitada a alguns
poucos dias.
Um filme que é um verdadeiro template para o uso inteligente dos
recursos da ação, O salário do medo (Henri-Georges Clouzot, 1953), captura
todas as unidades em um único recurso narrativo: num país pobre da
América Latina, dois caminhões carregados de nitroglicerina e conduzidos
por dois pares de homens desesperados devem atravessar uma estrada de
terra esburacada para chegar ao seu destino. Os caminhões, seus ocupantes,
a carga, a estrada e o percurso são, juntos, as três unidades: nada fora dos
limites desse universo penetra a trama.
O filme de ação/aventura é sobre o herói e sua capacidade de superar
obstáculos formidáveis trazidos por acontecimentos externos e alheios à sua
vontade. Idealmente, o filme de ação/aventura deve falar ao nosso herói
interior, despertando nossos recursos pessoais de coragem, resistência,
abnegação, engenho. Como no princípio aristotélico, o herói não deve
precisar de palavras para nos empolgar — seus atos, decisões e reações
frente a obstáculos que nós, na plateia, não ousaríamos enfrentar é que
devem nos convencer de seu heroísmo.
Num bom filme de ação/aventura, os obstáculos não são gratuitos —
são testes das virtudes do herói: força de vontade, persistência, inteligência,
bravura, estoicismo, capacidade de autossacrifício.
Os obstáculos — versão cinematográfica dos 12 trabalhos mitológicos
— também devem, progressivamente, revelar mais e mais sobre o mundo
interior do herói e, frequentemente, ser sua redenção — a possibilidade de
corrigir um erro (hamartia) do passado (O matador, John Woo, 1989; O
exterminador do futuro II, James Cameron, 1991), de dar significado e dignidade
à sua vida (Os sete samurais, Akira Kurosawa, 1954; Os doze condenados, Robert
Aldrich, 1967).
Finalmente, o filme de ação/aventura deve obrigatoriamente concluir
com o triunfo do bem contra o mal, mesmo que isso represente enormes
sacrifícios para o herói — inclusive da própria vida. A meta não é o alívio
do happy ending, mas a catarse heroica: o herói nos redime porque encarna o
que há de melhor em nós.
Alguns elementos são essenciais para que a ação na tela seja produtiva:
▪ Heróis extraordinários. Os melhores entre eles não são
declaradamente heroicos desde o início, mas se parecem ilusoriamente
com qualquer um de nós. Seus dotes excepcionais ocultam-se até o
momento do desafio, o “chamado” da Jornada do Herói (o pai
divorciado de Tom Cruise em Guerra dos mundos, Steven Spielberg, 2005;
o ladrão de Antonio Banderas em A máscara do Zorro, Martin Campbell,
1998; o menino Harry Potter, que não sabe que é um mago com um
papel fundamental na batalha entre bem e mal).
▪ Antagonistas à altura dos heróis. É uma noção básica de todo
drama e filme de ação que o herói deve ter um worthy opponent, um
inimigo à altura, tão medonho quanto o herói for extraordinário. Dr.
No para James Bond (007 contra o Dr. No, Terence Young, 1962), Hans
Gruber para John McClane (Duro de matar, John McTiernan, 1988), Bill
para a Noiva (Kill Bill, volumes I e II, Quentin Tarantino, 2003 e 2004).
▪ Obstáculos tão ou mais extraordinários que os heróis. Crises
de proporções épicas: salvar o mundo é a mais comum, tarefa dos
super-heróis e de 007 em todos os seus filmes. Os americanos
costumam ocupar-se com salvar os Estados Unidos, Nova York (Nova
York sitiada, Ed Zwick, 1998, Homem-Aranha, Sam Raimi, 2002), Los
Angeles (Velocidade máxima, Jan de Bont, 1994), alguma pequena cidade
afligida por catástrofes (Tubarão, Steven Spielberg, 1975) ou, pelo
menos, o presidente (Na linha de fogo, 1993, Força Aérea Um, 1997, ambos de
Wolfgang Petersen).
▪ Violência. Não é possível fazer a jornada de um Herói sem
confronto e derramamento de sangue. O que no drama pode se resolver
com um diálogo bem-estruturado e na comédia com alguns tropeções,
no filme de ação/aventura só pode ser condignamente expressado em
atos extremos — porque herói, antagonista e obstáculos são
extraordinários.
DOIS ELEMENTOS ESSENCIAIS
TODO GÊNERO TEM MOMENTOS-CHAVE QUE O DEFINEM — o duelo na rua
principal no western, o beijo final na comédia romântica, a entrada
fumacenta da femme fatale no policial noir. No filme ação/aventura, dois
elementos são absolutamente essenciais: a perseguição e o confronto
(que pode ser um tiroteio, um duelo de espadas, uma briga de socos ou
golpe de kung fu, uma batalha, uma emboscada ou qualquer
permutação destas opções). Ambos são set pieces que ancoram trechos
importantes da narrativa. Bem-pensados e bem-executados, eles
devem: IMPULSIONAR A NARRATIVA. Algo deve acontecer na perseguição e no
confronto que deixe os personagens numa nova situação, com alguns
problemas resolvidos e/ou outros novos a serem atacados. Em Os sete
samurais, cada enfrentamento entre os bandidos e os “samurais”
contratados para defender o vilarejo cria uma nova dimensão do drama
de todos, eliminando alguns personagens, criando situações e
necessidades novas e envolvendo os aldeões até a batalha final, onde
todos os fios da narrativa são resolvidos. A sensacional perseguição do
personagem sem nome de Yves Montand em Z (Costa Gavras, 1969)
estabelece claramente, para o personagem e para a plateia, o nível da
ameaça que paira sobre o protagonista, e deflagra toda a série de
eventos que levarão o filme até sua conclusão.
MOSTRAR ALGO IMPORTANTE SOBRE A NATUREZA DOS PERSONAGENS. Luta e
perseguição, bem-feitos, são o equivalente aos diálogos nos demais
gêneros: enunciam intenções, pensamentos, objetivos e estratégias dos
personagens, só que em alta intensidade, velocidade e urgência. Numa
boa sequência de luta ou perseguição, os personagens devem de fato
estar “dialogando”, ainda que seja através de socos, tiros, golpes de
espada ou manobras radicais. Quem tem mais a perder? Quem é
valente? Quem é desesperado? Quem parece valente mas é covarde?
Quem não tem nada a perder? Quem é sádico, brutal? Quem é nobre?
Quem raciocina mais rápido e melhor? Uma boa luta ou perseguição
deve ter as respostas para essas perguntas. A sensacional perseguição
pelas ruas de Moscou no terceiro ato de Ultimato Bourne revela a
engenhosidade de Bourne em se adaptar a situações que desconhece e
que tem limitações — ele está dirigindo um dos piores carros do
mundo, um Trabant taxi, ainda por cima caindo aos pedaços — e a
tenacidade e o absoluto descaso pela vida humana de seu perseguidor.
Os dois mantêm contato visual frequente durante toda a sequência,
enfatizando a conexão entre eles — além de perseguidor e perseguido,
colegas de ofício. E, no denouement, na resolução final da sequência, a
atitude de Bourne mostra que, ao contrário de seu perseguidor, ele é
um homem capaz de compaixão.
DEIXAR CLARO O RISCO (JEOPARDY) E O PERIGO PARA TODOS. Se não há nada a
perder, não há nada a arriscar, e um confronto ou uma perseguição
tornam-se apenas exercícios vazios de transformar violência em
entretenimento, uma aberração mais próxima da pornografia que de
um cinema com um mínimo de ideias. É importante mostrar risco,
perigo real, sofrimento, tanto do herói como do oponente e das pessoas
em torno do confronto ou perseguição para ilustrar que aquelas ações
são extremas, com um preço muito alto a ser pago. Sofre-se. Sangra-
se. Chora-se e desespera-se diante de mortos e feridos. Mostra-se que
são seres vivos — humanos ou não — que estão ali envolvidos. Como
diz John Woo, um filme de ação é sempre, primordialmente, sobre
pessoas. E, por extensão, sobre como é frágil e preciosa a vida.
Quando Arthur Penn e Warren Beatty concordaram em mostrar a
morte de Bonnie e Clyde, ao final de Bonnie & Clyde — Uma Rajada de Balas
(1967), com a câmera próxima, em câmera lenta e com grande
quantidade de sangue, sua ideia era deixar bem claro o que acontece
quando um corpo humano é varado de balas, o destino do qual os
heróis haviam fugido durante toda a narrativa (um paralelo com o que
já estava acontecendo no Vietnã pareceu bem claro a todas as plateias,
na época). Sam Peckinpah tinha o mesmo propósito ao começar a
colocar squibs — bolsas de sangue artificial detonadas com uma
pequena carga de pólvora — para criar ferimentos de bala mais
realistas em seus filmes (o efeito é particularmente forte em Meu ódio será
tua herança, 1969). Ações violentas, heroicas ou vilanescas, têm
consequências reais e fatais, e um bom filme do gênero deve ter esse
eixo moral bem firme ao planejar seus set pieces.
TER UM MÍNIMO DE CUIDADO ESTÉTICO. A chuva torrencial sobre a batalha
final de Os sete samurais. As quatro estações e os elementos da natureza
em cores abundantes e precisas nos enfrentamentos de O tigre e o dragão
(Ang Lee, 2000). A neve no jardim da casa de chá para o duelo entre
Uma Thurman e Lucy Liu em Kill Bill (Quentin Tarantino, 2003). Nada
disso é um acaso, mas um exemplo de cuidado e planejamento para
criar um set piece realmente dramático, e não apenas um conjunto de
socos, tiros e pontapés. Os filmes asiáticos elevaram esse cuidado ao
auge da estilização — Ran (Akira Kurosawa, 1985); Herói (Zhang
Yimou, 2002), A maldição da flor dourada (Zhang Yimou, 2006) –, que
apurou o estilo ocidental. O duelo entre Tom Cruise e Thandie Newton
pilotando seus carros esportivos em mútua perseguição ao som de
flamenco, no primeiro ato de Missão impossível II (John Woo, 2000),
mostra um cinema americano mainstream plenamente confortável com a
ideia de que pode e deve haver algum tipo de beleza no perigo e na
brutalidade.

OS INEVITÁVEIS CLICHÊS
▪ O mundo está em perigo/prestes a acabar ▪ Um vilão ou grupo
de vilões deseja controlar/dominar o mundo/um país/uma cidade/um
vilarejo ▪ Abundante testosterona (“Mulheres, só mortas ou na cama”
— instrução permanente do produtor de arrasa-quarteirões Joel Silver
a seus roteiristas e diretores) ▪ Há pelo menos uma bomba com um
contador digital que precisa ser desarmada em dez segundos ▪ Filhos,
pais, namoradas/maridos são vítimas ideais ▪ Heróis não precisam
recarregar armas; vilões, sim ▪ Se um herói precisar carregar uma
arma, que seja enorme. Melhor: duas. Duas armas são sempre
melhores do que uma (“Dê uma arma a um personagem e ele é um
herói; dê duas, e ele é um deus.” — John Woo) ▪ Um bom herói tem
pelo menos uma frase-chave, um bordão ▪ Todo herói deve ser capaz
de: — Dirigir/pilotar qualquer tipo de veículo, principalmente em alta
velocidade e correndo grande perigo — Quebrar qualquer código de
segurança ou combinação de cofre — Saber os planos do inimigo —
Salvar a mocinha
5. Ficção Científica/Fantasia: o império da imaginação

5. FICÇÃO CIENTÍFICA/ FANTASIA: O


IMPÉRIO DA IMAGINAÇÃO
“O coração e a essência da ficção científica
tornaram-se cruciais para nossa salvação — se
é que ainda podemos ser salvos.”
Isaac Asimov
por território familiar. Extraordinário, talvez, mas
CAMINHAMOS, ATÉ AGORA,
familiar. As experiências narradas em drama, comédia e ação/aventura estão
firmemente enraizadas em nossa vida, nosso passado e nossa história,
representam apropriações de elementos de nossa experiência direta,
devidamente alteradas, manipuladas e interpretadas pelos realizadores.
Assim:
DRAMA: ÉTICA E MORAL
▪ Grandes lições morais a partir da reversão de fortuna de um
personagem complexo.
▪ Catarse: elevação das emoções através da dor e do medo
alheios.
COMÉDIA: JUSTIÇA POÉTICA
▪ Alívio (purificação das emoções) através do triunfo de um
personagem bom e simples sobre personagens ou situações poderosas,
arrogantes e/ou opressivas.
▪ Catarse cômica: o poder do ridículo.
AÇÃO E AVENTURA: SUPLANTAÇÃO E HEROÍSMO
▪ Superação de nossos limites pela aceitação de provas
aparentemente acima da capacidade humana.
▪ Catarse heroica: o herói nos redime porque encarna o que há de
melhor em nós.

Deixamos agora o familiar para trás e, nos dois últimos grandes


gêneros, nos aventuramos por um território além do plano físico, onde a
imaginação e o inconsciente dominam, e as narrativas têm mais ligações
com processos psicoanalíticos e filosóficos do que com dramaturgia.
Utilizando a mesma organização proposta no início do capítulo para os
três primeiros grandes gêneros, ficção científica e fantasia se apresentam da
seguinte forma:
FICÇÃO CIENTÍFICA E FANTASIA:
METAFÍSICA E PSICANÁLISE
▪ Elaboração de questões atuais sob a forma de sonhos e
projeções.
▪ Resolução de problemas particularmente difíceis ou
subconscientes através da relocação em espaço e tempo.
▪ Poder da imaginação.
▪ Catarse pelo transe.

Estes são os elementos comuns às duas vertentes do gênero. O


primeiro é essencial para que possamos realmente apreciar bons filmes: o
fato de que nenhuma ficção científica ou fantasia, de Metropólis ao Senhor dos
Anéis, deixa de se basear, essencialmente, sobre o que está acontecendo no
mundo no momento em que o filme foi feito. Não no “futuro”, ou “na Terra
Média” ou “numa galáxia distante, muitos e muitos anos atrás”, mas agora
mesmo, simbolizado em projeções e fantasias que nos confortam e
tranquilizam ao nos dar uma adequada distância de tempo e espaço. É o faz
de conta do faz de conta, a capacidade de, como nos sonhos, abordar as
questões mais difíceis e espinhosas de uma forma menos dolorosa.
Na ficção científica/fantasia, a sociedade se permite “sonhar” seus
piores problemas: desumanização, superpopulação, poluição, holocausto
nuclear, totalitarismo, perda dos direitos civis, loucura, fome, epidemias,
desigualdade social. Num dos primeiros — senão o primeiro — filmes de
ficção científica, Le Voyage dans la Lune (Georges Méliès, 1902), o mestre
astrônomo professor Barbenfouillis (interpretado pelo próprio Méliès)
propõe aos seus colegas a viagem do título como meio de escape de uma
Terra dominada pela fumaça dos novos monstros, as fábricas.
É a imaginação tomando precedência sobre razão, lógica e observação
— não se imita mais a realidade, como no universo descrito por Aristóteles
em Poética, mas imagina-se, sonha-se, cria-se uma outra realidade onde
possamos colocar e resolver tudo o que nos incomoda aqui, no mundo
cotidiano. É a catarse pelo transe, induzido pelas imagens dançantes na tela
luminosa, numa sala escura, muito próxima dos mitos fantásticos e
aterradores que pajés e xamãs contam à luz de fogueiras, para os mesmos
fins.
Para que na nossa fogueira a magia se opere, ficção científica e
fantasia precisam criar a sua própria lógica e se ater a ela. Uma lógica
interna absolutamente rigorosa, cuja quebra implica na ruptura do transe, o
fim da magia. É a prática mais intensa do “realismo emocional” do cinema,
aquilo que para nós passa a ser real porque nós o sentimos como real — não
porque de fato o seja.
Na ficção científica, esse realismo é o do futuro. A lógica interna é a
lógica do possível — uma extensão daquilo que já é conhecido e aceito em
teoria. Deslocamento no tempo é teoricamente possível? Então vamos
visitar vários momentos do contínuo espaço-tempo (De volta para o futuro I, II, III,
Robert Zemeckis, 1985, 1989 e 1990; 12 macacos, Terry Gilliam, 1995; A
máquina do tempo, Simon Wells, 2002). Há evidência de formas de vida em
outros planetas? Vamos imaginar em detalhes como elas seriam, e que
intenções teriam com relação a seus colegas terráqueos (O dia em que a Terra
parou, Robert Wise, 1951; E.T., o extraterrestre, Steven Spielberg, 1982; A guerra
dos mundos, Byron Haskin, 1953, Steven Spielberg, 2005).
O elemento essencial para guiar essa lógica interna é a ciência: todos
os demais são tolerados se forem uma extensão da ciência ou por ela
puderem ser explicados, ainda que especulativamente. Por isso, a tecnologia
é essencial — parte do poder deste tipo de magia cinematográfica é
concretizar, diante de nossos olhos, objetos possíveis mas inexistentes:
sabres de luz, carros voadores, computadores falantes, robôs inteligentes.
Como várias dessas coisas imaginadas acabam se tornando realidade, o
realismo emocional de algumas décadas atrás torna-se cotidiano,
corriqueiro, e reforça nossa sensação de que estamos vendo projeções
coletivas das nossas possibilidades.

SCI-FI COMO
FILOSOFIA
PORQUE NOS LIBERA DA Da lógica e dos limites da
OBRIGAÇÃO
“realidade”, mas baseia-se no que somos teoricamente capazes de
fazer, a ficção científica é, em mãos hábeis, um excelente instrumento
de reflexão filosófica profunda. La Jetee (Chris Marker, 1962), um slide-
show em forma de filme, questiona a manipulação do tempo e da
memória (e foi a base para 12 macacos, de Terry Gilliam); 2001: uma odisseia
no espaço (Stanley Kubrick, 1968) explora nossas origens como espécie
inteligente e nossa conexão com o universo; Laranja mecânica (Stanley
Kubrick, 1971) pergunta-se qual é o limite de violência que estamos
preparados a aceitar da sociedade e do Estado; Solaris (Andrei
Tarkovsky, 1972, Steve Soderbergh, 2002) é uma indagação existencial
contínua a respeito de morte, perda e responsabilidade disfarçada de
ficção científica. Mesmo filmes mais pipocas como O dia em que a Terra
parou, Planeta dos macacos (Franklin Schaffner, 1958, Tim Burton, 2001) e
Sunshine — Alerta solar (Danny Boyle, 2007) contêm reflexões sobre nosso
destino como espécie e nossa responsabilidade diante da Criação.
Às vezes as coisas se tornam um pouco surreais. O universo
filosófico-religioso criado por George Lucas para sua saga Star Wars —
inspirado em princípios e disciplinas do taoismo, do budismo e
hinduísmo — é tão detalhado que, no censo de 2001 na Grã-Bretanha,
“Jedi” apareceu como a quarta afiliação religiosa mais declarada.

E ARISTÓTELES?
“Quando se trata de ideias sobre o futuro, não é necessário que,
em uma afirmação e sua oposição negativa, uma seja verdade e a
outra, não.”
(Organon, Da Interpretação)
Na fantasia, o realismo interno é puramente da imaginação. A
única lógica necessária é a lógica interna: mundos devem ser criados
com regras próprias, e essas regras devem ser mantidas a todo custo,
em toda a narrativa. O espectador de um filme de fantasia aceita
praticamente tudo, menos a incoerência e a inconsistência. Se um
manto mágico confere invisibilidade, ele tem que conferir
invisibilidade sempre — a não ser que seja claramente enunciado o
princípio pelo qual a regra nem sempre se aplica.
A suspensão de descrença, tão fundamental no cinema e ainda
mais importante no cinema metafísico de ficção científica, é uma
questão de vida ou morte no filme fantástico. O realizador tem
aproximadamente 15 minutos para convencer absolutamente a plateia
de que está vendo a Terra Média, a Cidade de Oz ou anjos sobre
Berlim. E, uma vez “vendida” a ideia, ela tem que ser mantida com
rigorosa direção de arte e completa coerência dentro da narrativa.
Na ficção científica, alguma noção de lógica, extrapolada daquilo
que a ciência teoriza, norteia a trama. Na fantasia, elementos de
absurdo, sobrenatural e místico são integral e naturalmente aceitos;
tempo e espaço são extremamente flexíveis; e a tecnologia é
desnecessária ou secundária.
Porque está tão além de qualquer conexão com a realidade, o
filme de fantasia é um bom veículo para abordar o espinhoso tema da
mortalidade e do sentido da vida: A Matter of Life and Death (Michael
Powell, Emeric Pressburger, 1946), A felicidade não se compra (Frank Capra,
1946), Asas do desejo (Wim Wenders, 1988), After Life (Hirokazu Koreeda,
1998) — que, a partir do título original em japonês, Wandarafu raifu, ecoa
o filme de Capra —, Amor além da vida (Vincent Ward, 1998), a animação
A viagem de Chihiro (Hayao Myiazaki, 2001) e O labirinto do fauno (Guillermo
del Toro, 2006) são especulações fantásticas sobre uma outra vida,
depois desta ou paralela a ela, e como uma pode ter impacto sobre a
outra.
Outro tema comum no filme de fantasia é a responsabilidade —
porque no filme fantástico fatos e atributos podem ser reduzidos a
símbolos e metáforas; escolhas também tomam um outro peso,
absoluto, sem as ambiguidades do mundo real. O mágico de Oz (Victor
Fleming, 1939), A Bela e a Fera (Jean Cocteau, 1946, e Gary
Trousdale/Kirk Wise, 1991), A história sem fim (Wolfgang Petersen, 1984),
La Invencion de Crónos (Guillermo del Toro, 1993), A bússola de ouro (Chris
Weitz, 2007), a trilogia Senhor dos Anéis (Peter Jackson, 2001, 2002 e
2003) e a série Harry Potter (diversos diretores, 2001-2011) são,
essencialmente, sobre escolhas, poderes e responsabilidade.

AS TRÊS REGRAS
SAGRADAS DE
FICÇÃO CIENTÍFICA/
FANTASIA
COERÊNCIA É TUDO. Antes da plateia, os realizadores têm que acreditar
na premissa que oferecem e criar todos os elementos para que ela se
sustente. A lógica interna deve ser absolutamente rigorosa.
CRIE UM MUNDO COESO. Não faça economia na direção de arte nem nos
efeitos visuais: eles SÃO a sua narrativa.
O IMPROVÁVEL PODE SER ACEITO SE FOR:
▪ Relevante à condição humana do momento;
▪ Explicável pela lógica interna da trama;
▪ Apresentado de modo sensorialmente envolvente.
6. Thriller (suspense e terror): a soma de todos os medos 6. THRILLER (SUSPENSE/ TERROR): A SOMA DE TODOS OS
MEDOS
“O medo é a dor que sentimos quando
antecipamos a presença do mal.”
Aristóteles

“O único modo que encontrei para me livrar


dos meus medos foi fazer filmes sobre eles.”
Alfred Hitchcock
pelo cinema da imaginação, chegamos ao
NA ÚLTIMA PARADA EM NOSSA JORNADA
proverbial fundo do poço. Se o drama lidava com questões éticas e morais;
a comédia, com o alívio da alma pelo ridículo; a ação, com a exaltação das
qualidades heroicas; e a ficção científica/fantasia com o poder da
imaginação, o thriller — cujas principais vertentes são o suspense e o terror
— lida com a emoção mais básica, mais primária, mais absoluta: o medo. A
catarse já não se faz pelo transe, pelo encantamento, como no cinema
fantástico — no thriller buscamos a catarse pelo exorcismo. Queremos olhar
de frente nossos piores medos, num ambiente seguro e controlado, com a
devida distância da narrativa fictícia, mas também com o completo
envolvimento que as imagens em movimento provocam. Queremos viver
esse medo com o máximo de intensidade, e depois saber que ele acabou,
que ficou lá na tela, na sala escura novamente clara, no DVD que desliza,
inocente, na bandeja — exorcizado, ainda que temporariamente.
Ainda estamos no território da metafísica e da psicanálise, mas
trabalhando com materiais muito mais imediatos e profundos, recriando
nossos pesadelos para compreendê-los ou liquidá-los. Coletivamente, o
thriller é um modo de lidar com questões perturbadoras do indivíduo, da
época e da sociedade, uma discussão ao longo dos mais de cem anos de
cinema sobre o que mais nos desestabiliza e apavora.
Falando das provações que acometem os heróis da tragédia, Aristóteles
diz que aquilo que nos dá pena ver acontecer com os outros provoca, em
nós, o medo mais profundo: o “medo trágico”. A questão essencial do medo
trágico — e, por extensão, do thriller — é: o que não suportamos perder de
modo algum? O que mais amamos e valorizamos a tal ponto que a
antecipação de sua perda deflagra o medo absoluto, o medo profundo, o
medo trágico?
Para que o medo trágico seja de fato catártico e leve ao exorcismo que
queremos e de que precisamos, nós temos que nos identificar com o
sofredor, temos que sentir o que ele está sentindo com igual medo,
antecipação, dor. Esse é um ponto importante para diferenciar o que é um
bom thriller e o que simplesmente é pornografia da dor e da violência. No
primeiro caso, os sofrimentos, reais ou psicológicos, dos protagonistas
despertam a nossa simpatia, a nossa revolta, vemos a nós mesmos na
situação. Todos os nossos medos são mobilizados, trazidos à tona, na
pessoa do sofredor fictício que se oferece à imolação por nós. No segundo
caso, temos apenas uma exibição sem fim e sem propósito de crueldades,
com um convite implícito para que achemos que aquilo — a tortura, o
massacre, o barbarismo — é diversão. Identificarmo-nos com o sofredor é
impossível, tamanha a brutalidade do massacre. Somos, então, sutilmente
convidados a nos identificar com quem comete os atos de crueldade. Não há
exorcismo. E a catarse, se vem, é a do prazer pelo sofrimento alheio. Algo
inteiramente diverso do que Aristóteles descreve como “a dor que sentimos
quando antecipamos a presença do mal”.
Embora filmes tenham se tornado cada vez mais prazeres solitários,
desfrutados na intimidade do lar, o thriller pode ser sua mais enfática
exceção. É muito melhor ver um filme de suspense ou terror no cinema
porque, como nos anfiteatros da Grécia Antiga, compartilhar o medo
trágico nos faz sentir menos sós, mais conectados com nossos semelhantes.
Todos temos medo de perder algo: vida, sanidade, pessoas queridas. O que
podemos perder, o que tememos, nos une quando nada mais consegue fazê-
lo.
Há também uma fronteira muito fina entre medo e riso. Qualquer
pessoa que já tenha visto um filme de terror numa sala cheia de gargalhadas
nervosas depois das cenas mais eletrizantes sabe como é fácil e rápido
passar de uma emoção extrema a outra — o alívio catártico do riso, na
comédia, é extremamente semelhante ao do medo controlado, no thriller. Em
palavras simples, poderia ser traduzido como “antes ele do que eu”. Mas há
uma outra maneira de um thriller provocar riso, o avesso da moeda — nada
mais próximo de uma comédia que um thriller malfeito.
O produtor e diretor Roger Corman, veterano fabricante em massa do
gênero e grande descobridor e treinador de talentos (Marton Scorsese,
Francis Ford Coppola, James Cameron, Jonathan Demme, Sam Raimi), diz
que não há escola melhor para um aspirante a cineasta do que encarar um
thriller. Suas regras básicas são claras e simples:
▪ Não é tanto sobre assunto, e sim sobre estilo. Um thriller pode
ser sobre um fotógrafo com uma perna quebrada (Janela indiscreta, Alfred
Hitchcock, 1954), um casal querendo ter seu primeiro filho (O bebê de
Rosemary, Roman Polanski, 1968) ou um motorista apressado que
ultrapassa um caminhão (Encurralado, Steven Spielberg, 1971). O
importante é como estas histórias são contadas: com todas as sensações
amplificadas ao máximo. Se um filme excita pelo medo (thrill), é um
thriller.
▪ O que não suportaríamos perder? Um thriller acerta em cheio
no alvo quando põe a plateia inteira se fazendo essa pergunta, mesmo
que em seu subconsciente. Eu aguentaria perder minha liberdade? Meu
sentido de visão? Meus membros? Minha sanidade? Minha
humanidade? A vida de um ser querido? A minha vida?
▪ O herói deve frustrar/destruir os planos do antagonista. Não
basta, como num drama simples de crime, descobrir quem fez o quê.
Estamos lidando com algo além de um antagonista — estamos diante
da presença do mal, cuja antecipação nos dói. Há que o deter.
▪ Clímax e/ou resolução devem sempre trazer a vitória do
herói. Pelo mesmo motivo não se pode deixar a plateia na garras de
uma possível vitória do mal. Como no filme de ação, o final não
precisa ser feliz; o sacrifício do herói é até esperado, faz parte da
catarse — mas tem que ser moralmente satisfatório.
▪ Protagonistas e plateia não podem saber as mesmas coisas
ao mesmo tempo. Ou eles sabem algo que nós não sabemos,
deixando-nos na doce agonia de deduzir, ou nós sabemos algo que eles
não sabem, e só nos resta ter medo em dobro, na deliciosa e fatal
serenidade da impotência. A alternativa, que também funciona, é
ninguém saber nada — só o diretor e o roteirista. O thriller como caixa
de pandora.

COMO FAZER UM
THRILLER, SEGUNDO
HITCHCOCK
“Faça o público sofrer o máximo possível.”
“Não há terror num tiro ou num golpe, mas na antecipação de um
tiro ou de um golpe.”
“Quanto mais bem-sucedido é o vilão, mais bem-sucedido é o
filme.”
“As louras são as melhores vítimas. São como a neve fresca que
mostra com nitidez as manchas de sangue.”
“A duração de um filme deve estar em relação direta à capacidade
de retenção da bexiga humana.”
Porque um thriller deve trabalhar com os materiais que tem à mão,
sejam eles mortos-vivos ou adolescentes em férias, seus elementos básicos
podem ser tão variados quanto seus temas. Em Pânico (Wes Craven, 1996), o
roteirista Kevin Williamson fez um ótimo trabalho de catalogar os clichês
mais óbvios de um tipo específico de thriller, o slasher, que opõe heroínas
juvenis e indefesas a maníacos assassinos com predileção por objetos
cortantes: o telefonema sinistro; a fuga sempre na direção mais perigosa; a
porta aberta sem um momento de hesitação.
Alguns recursos, contudo, são comuns a todas as vertentes do thriller:
▪ Escuridão, ambiguidade/imprecisão do olhar. Não é apenas
porque seres humanos têm medo nato da escuridão: é porque esta é
uma das melhores maneiras de ocultar a informação que esclareceria
tudo e acabaria se não com o medo, pelo menos com a antecipação.
Em Alien, o oitavo passageiro, os sets de Roger Christian, em cima das
visualizações do artista plástico H.R. Giger, e a fotografia de Derek
Vanlint conspiram para criar o efeito de um labirinto claustrofóbico e
desorientador onde nem nós nem os protagonistas vemos inteiramente
a ameaça que os cerca, a não ser quando é tarde demais. O filme
inteiro é construído em cima dessa antecipação, da angústia do não
saber.
▪ Seu oposto: clareza absoluta, olhar fixo. Uma opção ousada
para um thriller é não ocultar nada visualmente e, pelo contrário, deixar
os protagonistas — e nós — inteiramente a descoberto, indefesos,
vendo tudo mas ainda impotentes para realmente fazer alguma coisa. A
icônica sequência de Intriga internacional (Alfred Hitchcock, 1959), em
que um avião fumigador pessimamente intencionado persegue Cary
Grant por um campo aberto e desolado, é poderosa exatamente porque
vemos tudo. É pleno dia, não há uma única árvore, um arbusto, uma
toca, uma caverna, um casebre onde o pobre Cary Grant possa se
proteger. A tela é um retângulo dividido pelo horizonte, com dois
pontos que se aproximam perigosamente: perseguidor e perseguido.
▪ Antecipação. Mestre Hitchcock disse isso com a mais absoluta
clareza. O golpe fatal, a aparição sinistra, o desmascarar do assassino
em série são a resolução, o alívio, não o momento em que encontramos
nosso medo trágico. Esses momentos são os que se passam na nossa
cabeça, indo buscar memórias, pesadelos, reflexos de outras
experiências para tentar compreender o que vai acontecer, o que pode
acontecer. Passamos dois terços de Tubarão (Steven Spielberg, 1975)
não vendo o peixe em questão e sabendo quase nada sobre ele, mas
roendo as unhas na expectativa de quando, onde, como ele vai fazer
sashimi de algum banhista.
▪ Inventário preciso de imagens. De todos os gêneros, o thriller é
o que mais se aproxima da experiência do sonho. Seu diálogo não é
com nossas funções mais elevadas de fala, escrita, cálculo, mas com
nosso sistema límbico, em que se processam as trocas mais básicas, e
em que se armazena todo nosso repertório de medos. Por isso ele volta
regularmente a algumas imagens e situações que imediatamente
puxam conversa com nosso paleopálio, a região intermediária do
cérebro onde arquivamos nossas emoções. Locais confinados, dos
quais não é possível escapar — a casa/cabana onde sobreviventes de
alguma catástrofe pensam achar refúgio é um dos mais comuns (Noite
dos mortos-vivos, George A. Romero, 1968). Sótãos e porões (O silêncio dos
inocentes, Jonathan Demme, 1991; REC, Jaume Balagueró e Paco Plaza,
2007), os recantos “esquecidos” de nossa psique. Portas, escadas,
janelas (Os outros, Alejandro Amenabar, 2001), elevadores (Prelúdio para
matar, Dario Argento, 1971; O iluminado, Stanley Kubrick, 1980),
significando portais, transições, entremundos. Chaves (Interlúdio, Alfred
Hitchcok, 1946) e caixas (Os sete crimes capitais, David Fincher, 1995).
Conclusão

Conclusão
Como o filme pega você
— e como você pega o filme
Sem seu olhar, sua inteligência
TODO FILME É FEITO PARA UMA ÚNICA PESSOA — VOCÊ.
e sua emoção, reagindo e dando sentido às imagens, o imenso trabalho de
realizar um filme é inútil.
O filme é criado, do começo ao fim, para conversar com você. Essa
conversa pode ser uma sedução, uma piada, uma provocação, uma
discussão, um berro, um abraço, um desafio, uma agressão, um enigma. O
espectador deve poder escolher ser seduzido ou não, rir ou não, revidar,
retrucar, se fechar, chorar, recordar, raciocinar. Este é o sentido do filme. A
obra que não conversa com você não presta — esta é a regra mais simples
para apreciar de verdade o trabalho de dezenas, centenas de pessoas que
passam meses, às vezes anos, planejando e realizando projetos
cinematográficos.
O filme que conversa com você tem, em geral, um ou mais destes
elementos:

▪ Personagens que parecem, senão reais, plausíveis. Deve


haver algo de humanidade verdadeiro neles para que você possa dizer
lá da poltrona: “Sim, somos da mesma espécie.” Não que eles
precisem ser humanos — os robozinhos de Wall-E tinham a mesma
perplexidade de Carlitos; a Alien de Aliens — O Resgate era,
simplesmente, uma mãe protegendo suas crias, exatamente como a
Ripley de Sigourney Weaver, sua necessária antagonista; os “camarões” de
Distrito 9 eram humilhados, segregados e oprimidos como qualquer
habitante de periferia urbana.
▪ Uma história que intriga. Se em dez minutos você é capaz de
antecipar cada ação dos personagens, por que você vai gastar mais
uma hora e 50 minutos do seu precioso tempo? Você não precisa ficar
absolutamente virado do avesso, como em O Ano Passado em Marienbad ou
Amnésia. Mas… o que Alice, a que não mora mais aqui, do filme de
Scorserse, vai fazer com sua vida de mulher solteira? E o que aquela
estátua de Jesus Cristo está fazendo sobrevoando Roma num
helicóptero, em La Dolce Vita?
▪ Respeito à sua inteligência. É o corolário do princípio anterior.
Um filme que acha que precisa ser o mais óbvio possível para prender
sua atenção não merece sua atenção.
▪ Disciplina interior. O realizador que acha que não faz filmes
para você, na plateia, em geral é aquele que roda quilômetros de
película e não consegue decidir o que cortar porque, é claro, considera
tudo genial. Infelizmente ninguém é genial o tempo todo — a absoluta
clareza de intenções, que é a marca dos grandes de verdade, é fruto da
humildade de aprender por tentativa e erro, e de dizer, friamente, “isto
não funcionou, vamos tentar de novo, de maneira diferente”. É
Spielberg sumindo com o tubarão, Kubrick mantendo a trilha
temporária de 2001: uma odisseia no espaço, Scorsese debatendo com Thelma
Schoonmaker que tomada mantinha a realidade emocional dos
personagens, em Os bons companheiros — e jogando todas as outras fora.
▪ Pelo menos uma imagem que fique na sua cabeça. O processo
do filme é o mesmo do sonho — nosso cérebro processando
informações complexas por meio de imagens. Se pelo menos uma se
agregou ao seu repertório de referências — o transatlântico sobre o
mar de papel celofane de Amarcord, a chuva de sapos de Magnolia, os
candelabros de braços humanos de A Bela e a Fera, de Cocteau — você
sabe que viu não apenas um bom, mas um grande filme.

NO CONTRATO IMPLÍCITO PARA O PLENO DESFRUTAR do cinema, nosso papel é o de


ser uma plateia inteligente.
Algumas ideias:

1. Mantenha a mente aberta. Não limite suas escolhas dizendo,


logo de cara, “não vejo filme de fulano ou beltrana”, “detesto filme de
ação” etc. Claro que vamos ter sempre uma queda especial por esse ou
aquele diretor, gênero, ator, atriz. Mas da mesma forma que uma dieta
rigorosa é prejudicial à saúde, a longo prazo, um regime de filmes que,
em essência, já conhecemos, enfraquece nossa possibilidade de
escolher amplamente. Na verdade, ver um gênero ou um diretor que
não nos é familiar pode se revelar um raro prazer e uma possibilidade
de apreciar algo com uma nova perspectiva.
2. Encontre suas referências — e saiba por quê. De fato,
queremos saber com antecedência se sair de casa, achar lugar para
estacionar e comprar ingresso valerá a pena. Então lemos resenhas em
jornais, revistas, internet e quase sempre ficamos mais perdidos do que
antes. O ideal é identificar dois ou três resenhistas cuja opinião pareça
especialmente lúcida e bem-informada, e se basear neles. Veja bem:
você não precisa concordar por inteiro, mas eles devem ser capazes de
ao menos dizer a você por que estão recomendando ou não um filme,
de modo compreensível. Ir ver o filme e não concordar é, aliás, um
excelente exercício de formação de gosto, especialmente se você for
capaz de notar por que o crítico gostou e você não. Depois de algum
tempo é possível construir uma curva de apreciação dessas nossas
referências, e decidir se o melhor é sair de casa, esperar o DVD ou
deixar pra lá.
3. Informe-se. Leia amplamente sobre cinema em geral e sobre
filmes específicos. De preferência, procure a informação em primeira
mão, na voz dos realizadores. Compreenda o que eles propõem, como
eles trabalham. Internet e livros são excelentes recursos. Saiba, nem
que seja por alto, o que é um roteiro, como ele é construído, como o
diretor trabalha sobre ele, qual a contribuição da fotografia e da
direção de arte, como é o processo de criação dos atores e dos músicos.
Num plugue descarado eu aviso que estarei no Brasil em abril
repetindo meu intensivo Como ver um filme, que cobre tudo isso. Se você
se interessar em levá-lo para sua cidade, me avise. Mas existem muitos
outros recursos bem perto de vocês.
4. Surpreenda-se. Alugue um DVD sobre o qual não sabe nada.
Vá a um filme sem pensar muito sobre a escolha. Em grandes festivais,
como Cannes e Veneza, o caos de horários e programações muitas
vezes me levou a experiências incríveis nessa linha, e vi filmes
fantásticos que, de outra maneira, jamais pensaria em assistir.
5. Apaixone-se. Nada mais tedioso que o discurso teórico sem
coração. Cinema é um trabalho de doidos, possível apenas aos mais
passionais. O bom filme é aquele que gruda no fundo da retina, em
algum lugar secreto da alma que apenas a paixão abre. Deixe-se levar
pelo coração, pelos sentidos. Se o filme não pegar você, a culpa é do
filme. Ainda assim, mais tarde, reflita sobre por que o filme não o
atingiu, esse é outro exercício essencial para formar seu gosto. Se o
filme pegou você, não resista, não dê marcha à ré, não se arrependa se
amigos, jornais e namorados não concordarem. Cada filme é uma
experiência pessoal, única, um diálogo entre a tela e você, só você.
Não invente desculpas depois. O que valeu foi o momento.

E, é claro, mantenha a pressão sobre distribuidores, exibidores,


projecionistas, exigindo sempre qualidade, atualidade, respeito. Mais do
que nunca, o freguês tem sempre razão. E os fregueses somos nós, essas
pessoas maravilhosas na sala escura.
Filmografia Filmografia
Esta é uma lista de sugestões: ótimos filmes de épocas, realizadores,
gêneros, estilos, nacionalidades e temáticas completamente diversos. Em
comum, eles têm o fato de serem excepcionais, realizando plenamente a
visão de seus criadores e, muitas vezes, estabelecendo um novo padrão de
excelência e criatividade. Juntos, eles representam um grande painel da
aventura da imagem em movimento, expressão de nossos sonhos,
ansiedades, imperfeições e desejos.
1900-1930
Le Voyage dans la Lune
Georges Méliès, 1902
Intolerância
D.W. Griffith, 1916
O gabinete do dr. Caligari
Robert Wiene, 1919
Nosferatu
F.W. Murnau, 1922
O encouraçado Potemkin
Sergei Eisenstein, 1925
Metrópolis
Fritz Lang, 1926
The General
Buster Keaton & Clyde Bruckman¸1927
Napoleão
Abel Gance, 1927
O cão andaluz
Luis Bunuel & Salvador Dalí, 1928
A paixão de Joana D’Arc
Carl Theodor Dreyer, 1928
Man with the Movie Camera
Dziga Vertov, 1929
1930-1939
M, o vampiro de Dusseldorf
Fritz Lang, 1931
A nós a liberdade
René Clair, 1931
Frankenstein
James Whale, 1931
Scarface
Howard Hawks, 1932
Zero de conduta
Jean Vigo, 1933
Diabo a quatro
Leo McCarey, 1933
O atalante
Jean Vigo, 1934
Uma noite na ópera
Sam Wood, 1935
Tempos modernos
Charles Chaplin, 1936
Cais das sombras
Marcel Carné, 1936
Branca de Neve e os sete anões William Cottrel, David Hand e outros, 1937
A grande ilusão
Jean Renoir, 1937
A cidadela
King Vidor, 1938
A besta humana
Jean Renoir, 1938
…E o vento levou
Victor Fleming, 1939
A regra do jogo
Jean Renoir, 1939
O mágico de Oz
Victor Fleming, 1939
1940-1949
O grande ditador
Charles Chaplin, 1940
Cidadão Kane
Orson Welles, 1941
O segredo das joias
John Huston, 1941
Contrastes humanos
Preston Sturges, 1941
As três noites de Eva
Preston Sturges, 1941
Bambi
James Algar, Samuel Armstrong e outros, 1942
Casablanca
Michael Curtiz, 1942
Pacto de sangue
Billy Wilder, 1944
Roma, cidade aberta
Roberto Rosselini, 1945
O boulevard do crime Marcel Carné, 1945
Os melhores anos de nossas vidas William Wyler, 1946
A felicidade não se compra
Frank Capra, 1946
À beira do abismo
Howard Hawks, 1946
A Bela e a Fera
Jean Cocteau, 1946
Neste mundo e no outro
Michael Powell, 1946
Grandes esperanças
David Lean, 1946
Narciso negro
Michael Powell, 1947
Rio Vermelho
Howard Hawks, 1948
Os sapatinhos vermelhos
Michael Powell, 1948
O tesouro de Sierra Madre
John Huston, 1948
O ladrão de bicicleta
Vittorio De Sica, 1949
O terceiro homem
Carol Reed, 1949
1950-1959
A malvada
Joseph L. Mankiewicz, 1950
Stromboli
Roberto Rosselini, 1950
Rashomon
Akira Kurosawa,, 1950
Crepúsculo dos deuses
Billy Wilder, 1950
Matar ou morrer
Fred Zinnemann, 1952
Cantando na chuva
Stanley Donen & Gene Kelly, 1952
Era uma vez em Tóquio
Yasujiro Ozu, 1953
Contos da lua vaga
Kenzi Mizoguchi, 1953
Os boas vidas
Federico Fellini, 1953
A um passo da eternidade
Fred Zinnemann, 1953
O salário do medo
Georges Clouzot, 1953
Janela indiscreta
Alfred Hitchcock, 1954
Os sete samurais
Akira Kurosawa, 1954
Sindicato de ladrões
Elia Kazan, 1954
A estrada da vida
Federico Fellini, 1954
Rio 40 graus
Nelson Pereira dos Santos, 1955
Rebelde sem causa
Nicholas Ray, 1955
The Night of the Hunter
Charles Laughton, 1955
A canção da estrada
Satyajit Ray, 1955
Tudo o que o céu permite
Douglas Sirk, 1955
Rififi
Jules Dassin, 1955
Rastros de ódio
John Ford, 1956
Glória feita de sangue
Stanley Kubrick, 1957
Noites de cabíria
Federico Fellini, 1957
A ponte do rio Kwai
David Lean, 1957
A marca da maldade
Orson Welles, 1958
Um corpo que cai
Alfred Hitchcock, 1958
Ascensor para o cadafalso
Louis Malle, 1958
Meu tio
Jacques Tati, 1958
O homem do Sputnik
Carlos Manga, 1959
Orfeu negro
Marcel Camus, 1959
Hiroshima, meu amor
Alain Resnais, 1959
Acossado
Jean-Luc Godard, 1959
Os incompreendidos
François Truffaut, 1959
Imitação da vida
Douglas Sirk, 1959
Intriga internacional
Alfred Hitchcock, 1959
O mundo de Apu
Satyajit Ray, 1959
Quanto mais quente melhor
Billy Wilder, 1959
1960-1969
La Dolce Vita
Federico Fellini, 1960
Olhos sem rosto
Georges Franju, 1960
Spartacus
Stanley Kubrick, 1960
A aventura
Michelangelo Antonioni, 1960
Psicose
Alfred Hitchcock, 1960
Duas mulheres
Vittorio de Sica, 1960
Ano passado em Marienbad
Alain Resnais, 1961
Um gosto de mel
Tony Richardson, 1961
Viridiana
Luis Buñuel, 1961
O pagador de promessas
Anselmo Duarte, 1962
Lolita
Stanley Kubrick, 1962
Cleo de 5 às 7
Agnès Varda, 1962
Lawrence da Arábia
David Lean, 1962
Assalto ao trem pagador
Roberto Farias, 1962
8 1/2
Federico Fellini, 1963
Shock Corridor
Sam Fuller, 1963
O desprezo
Jean Luc Godard, 1963
O criado
Joseph Losey, 1963
Vidas secas
Nelson Pereira dos Santos, 1963
O leopardo
Luchino Visconti, 1963
Os reis do iê-iê-iê
Richard Lester, 1964
O evangelho segundo São Mateus Pier Paolo Pasolini, 1964
O homem do prego
Sidney Lumet, 1964
Deus e o diabo na terra do sol Glauber Rocha, 1964
Os guarda-chuvas do amor
Jacques Demy, 1964
Dr. Fantástico
Stanley Kubrick, 1964
Por um punhado de dólares
Sergio Leone, 1964
A Noviça Rebelde
Robert Wise, 1965
Blowup, depois daquele beijo Michelangelo Antonioni, 1965
Persona
Ingmar Bergman, 1966
O incrível exército de Brancaleone Mario Monicelli, 1966
A batalha de Argel
Gillo Pontecorvo, 1966
A grande testemunha
Robert Bresson, 1966
Terra em transe
Glauber Rocha, 1967
A primeira noite de um homem Mike Nichols, 1967
Bonnie e Clyde
Arthur Penn, 1967
A bela da tarde
Luis Buñuel, 1967
2001: uma odisseia no espaço Stanley Kubrick, 1968
Se…
Lindsay Anderson, 1968
A noite dos mortos-vivos
George Romero, 1968
Era uma vez no Oeste
Sergio Leone, 1968
Beijos proibidos
François Truffaut, 1968
O bebê de Rosemary
Roman Polansky, 1968
Teorema
Pier Paolo Pasolini, 1968
Macunaíma
Joaquim Pedro de Andrade, 1969
Sem destino
Dennis Hopper, 1969
Meu odio será tua herança
Sam Peckinpah, 1969
Z
Costa Gavras, 1969
Perdidos na noite
John Schlesinger, 1969
1970-1979
M.A.S.H
Robert Altman, 1970
O conformista
Bernardo Bertolucci, 1970
Mulheres apaixonadas
Ken Russell, 1970
O jardim dos Finzi Contini
Vittorio de Sica, 1970
Operação França
William Friedkin, 1971
O mensageiro
Joseph Losey, 1971
Laranja mecânica
Stanley Kubrick, 1971
Ensina-me a viver
Hal Ashby, 1971
Morte em Veneza
Luchino Visconti, 1971
Os demônios
Ken Russell, 1971
Investigação de um cidadão acima de qualquer suspeita Elio Petri, 1971
Perversa paixão
Clint Eastwood, 1971
Solaris
Andrey Tarkovskiy, 1972
Estado de sítio
Costa Gavras, 1972
Aguirre, a cólera dos deuses Werner Herzog, 1972
O discreto charme da burguesia Luis Buñuel, 1972
O poderoso chefão,
O poderoso chefão Parte II
Francis Ford Coppola, 1972, 1974
Gritos e sussurros
Ingmar Bergman, 1972
O último tango em Paris
Bernardo Betolucci, 1972
American Graffiti
George Lucas, 1973
O dia do Chacal
Fred Zinnemann, 1973
Inverno de sangue em Veneza Nicolas Roeg, 1973
A noite americana
François Truffaut, 1973
O exorcista
William Friedkin, 1974
Chinatown
Roman Polanski, 1974
Lacombe, Lucien
Louis Malle, 1974
A estrela sobe
Bruno Barreto, 1974
O enigma de Kaspar Hauser
Werner Herzog, 1974
A rainha diaba
Antonio Carlos Fontoura, 1974
Amarcord
Federico Fellini, 1974
Tubarão
Steven Spielberg, 1975
Um dia de cão
Sidney Lumet, 1975
Shampoo
Hal Ashby, 1975
Piquenique na montanha
misteriosa
Peter Weir, 1975
O dia do gafanhoto
John Schlesinger, 1975
Monty Python: em busca do
cálice sagrado
Terry Jones e Terry Gilliam, 1975
Nashville
Robert Altman, 1975
Carrie, a estranha
Brian DePalma, 1975
Taxi Driver
Martin Scorsese, 1976
1900
Bernardo Bertolucci, 1976
Rede de intrigas
Sidney Lumet, 1976
Contatos imediatos do terceiro grau Steven Spielberg, 1977
Pai patrão
Paolo Taviani, 1977
Noivo neurótico, noiva nervosa Woody Allen, 1977
Guerra nas estrelas (Star Wars) George Lucas, 1977
O ovo da serpente
Ingmar Bergman, 1977
Contatos imediatos do terceiro grau Steven Spielberg, 1977
Cinzas no paraíso
Terrence Malick, 1978
O expresso da meia-noite
Alan Parker, 1978
A vida de Brian
Terry Jones e Terry Gilliam, 1979
O casamento de Maria Braun
Rainer Fassbinder, 1979
Apocalypse Now
Francis Ford Coppola, 1979
Muito além do jardim
Hal Ashby, 1979
O tambor
Volker Schlondorff, 1979
Bye bye Brasil
Cacá Diegues, 1979
Alien, o oitavo passageiro
Ridley Scott, 1979
Manhattan
Woody Allen, 1979
1980-1989
Agonia e glória
Samuel Fuller, 1980
O iluminado
Stanley Kubrick, 1980
Touro indomável
Martin Scorsese, 1980
O império contra-ataca
Irvin Kershner, 1980
Berlim Alexanderpltaz
Rainer Fassbinder, 1980
O homem elefante
David Lynch, 1980
Os caçadores da arca perdida Steven Spielberg, 1981
Barco-inferno no mar
Wolfgang Petersen, 1981
Pixote, a lei do mais fraco Hector Babenco, 1981
Carruagens de fogo
Hugh Hudson, 1981
Gallipolli
Peter Weir, 1981
Ladrões do tempo
Terry Gilliam, 1981
Um lobisomem americano em Londres John Landis, 1981
E.T., o extraterrestre
Steven Spielberg, 1982
Fanny e Alexandre
Ingmar Bergman, 1982
Fitzcarraldo
Werner Herzog, 1982
O ano em que vivemos em perigo Peter Weir, 1982
Blade Runner
Ridley Scott, 1982
Pra frente, Brasil
Roberto Farias, 1982
O veredito
Sidney Lumet, 1982
Nausicaä do vale do vento
Hayao Miyazaki, 1984
Era uma vez na América
Sergio Leone, 1984
A companhia dos lobos
Neil Jordan, 1984
O Exterminador do Futuro
James Cameron, 1984
Ran
Akira Kurosawa, 1985
A testemunha
Peter Weir, 1985
Brazil: o filme
Terry Gilliam, 1985
A rosa púrpura do Cairo
Woody Allen, 1985
Minha adorável lavanderia
Stephen Frears, 1985
A excêntrica família de Antonia Marleen Gorris, 1985
Veludo azul
David Lynch, 1986
A mosca
David Cronenberg, 1986
Jean de Florette
Claude Berri, 1986
A vingança de Manon
Claude Berri, 1986
O sacrifício/Offret
Andrey Tarkovsky, 1986
Aliens: o resgate
James Cameron, 1986
Por volta da meia-noite
Bertrand Tavernier, 1986
A festa de Babette
Gabriel Axel, 1987
Nascido para matar
Stanley Kubrick, 1987
Quando chega a escuridão
Kathryn Bigelow, 1987
Asas do desejo
Wim Wenders, 1987
Mulheres à beira de um ataque de nervos Pedro Almodóvar, 1987
Pelle, o conquistador
Bille August, 1988
Ligações perigosas
Stephen Frears, 1988
Quero ser grande
Nora Ephron, 1988
Gêmeos, mórbida semelhança
David Cronenberg, 1988
Salaam Bombay!
Mira Nair, 1988
Bird
Clint Eastwood, 1988
Cinema Paradiso
Giuseppe Tornatore, 1988
Vertigem azul
Luc Besson, 1988
Beetlejuice: os fantasmas se divertem Tim Burton, 1988
Sexo, mentiras e videotape
Steve Soderbergh, 1989
O cozinheiro, o ladrão, sua mulher
e o amante
Peter Greenway, 1989
O segredo do abismo
James Cameron, 1989
Digam o que quiserem
Cameron Crowe, 1989
Faça a coisa certa
Spike Lee, 1989
Sociedade dos poetas mortos Peter Weir, 1989
1990-1999
Os bons companheiros
Martin Scorsese, 1990
Edward mãos de tesoura
Tim Burton, 1990
Coração de caçador
Clint Eastwood, 1990
Nikita
Luc Besson, 1990
Close-up
Abbas Kiarostami, 1990
A Bela e a Fera
Gary Trousadale, Kirk Wise, 1991
O silêncio dos inocentes
Jonathan Demme, 1991
Lanternas vermelhas
Zhang Yimou, 1991
Barton Fink: delírios de Hollywood Joel Coen, 1991
Delicatessen
Jean Pierre Jeunet, 1991
A dupla vida de Veronique
Krystof Kieslowski, 1991
O Exterminador do Futuro 2
James Cameron, 1991
Traídos pelo desejo
Neil Jordan, 1992
O jogador
Robert Altman, 1992
El Mariachi
Robert Rodríguez, 1992
Olivier, Olivier
Agnieszka Holland, 1992
Os imperdoáveis
Clint Eastwood, 1992
Vem dançar comigo
Baz Luhrmann, 1992
A lista de Schindler
Steven Spielberg, 1993
Filadélfia
Jonathan Demme, 1993
Vestígios do dia
James Ivory, 1993
Trilogia das cores:
A liberdade é azul,1993, A igualdade é branca, 1994, A fraternidade é vermelha, 1994
Krystof Kieslowski
Short Cuts: cenas da vida
Robert Altman, 1993
Sintonia de amor
Nora Ephron, 1993
Um mundo perfeito
Clint Eastwood, 1993
Adeus, minha concubina
Chen Kaige, 1993
A era da inocência
Martin Scorsese, 1993
Pulp Fiction
Quentin Tarantino, 1994
Caro diário
Nanni Moretti, 1994
Almas gêmeas
Peter Jackson, 1994
Rosas selvagens
André Techiné, 1994
O profissional
Luc Besson, 1994
Os condenados de Shawshank
Frank Darabont, 1994
Ed Wood
Tim Burton, 1994
Tempo de viver
Zhang Yimou, 1994
O Rei Leão
Roger Ellers, Rob Minkoff, 1994
Chungking Express
Wong Kar Wai, 1994
Comer, beber, viver
Ang Lee, 1994
Quatro casamentos e um funeral Mike Newell, 1994
Fargo
Joel e Ethan Coen, 1995
O ódio
Matthieu Kassovitz, 1995
Os 12 macacos
Terry Gilliam, 1995
Toy Story
John Lasseter, 1995
Cassino
Martin Scorsese, 1995
Underground
Emir Kusturica, 1995
A flor do meu segredo
Pedro Almodóvar, 1995
O balão branco
Jafar Panahi, 1995
Terra estrangeira
Walter Salles, 1996
Romeu + Julieta
Baz Luhrmann, 1996
Segredos e mentiras
Mike Leigh, 1996
A promessa
Jean-Pierre Dardenne, 1996
Marte ataca!
Tim Burton, 1996
Trainspotting
Danny Boyle, 1996
Jerry Maguire
Cameron Crowe, 1996
O paciente inglês
Anthony Minghella, 1996
Preso na escuridão
Alejandro Amenabar, 1997
O doce amanhã
Atom Egoyan, 1997
Titanic
James Cameron, 1997
Keep Cool
Zhang Yimou, 1997
Carne trêmula
Pedro Almodóvar, 1997
Boogie Nights
Paul Thomas Anderson, 1997
Gosto de cereja
Abbas Kiarostami, 1997
A princesa Mononoke
Hayao Miyazaki, 1997
Velvet Goldmine
Todd Haynes, 1998
Corra, Lola, Corra
Tom Tykwer, 1998
Central do Brasil
Walter Salles, 1998
O show de Truman
Peter Weir, 1998
O clube da luta
David Fincher, 1999
Toy Story 2
John Lasseter, Ash Brannon, 1999
The Iron Giant
Brad Bird, 1999
Magnolia
Paul Thomas Anderson, 1999
Tudo sobre minha mãe
Pedro Almodóvar, 1999
À espera de um milagre
Frank Darabont, 1999
Meninos não choram
Kimberly Peirce, 1999
O talentoso Ripley
Anthony Minghella, 1999
Eleição
Alexander Payne, 1999
De olhos bem fechados
Stanley Kubrick, 1999
2000-2009
Traffic
Steven Soderbergh, 2000
Peppermint Candy
Lee Changpdong, 2000
Quase famosos
Cameron Crowe, 2000
Amor à flor da pele
Wong Kar Wai, 2000
Gladiador
Ridley Scott, 2000
Amores brutos
Alejandro González Iñárritu, 2000
Amnésia
Christopher Nolan, 2000
Requiém para um sonho
Darren Aronofsky, 2000
O tigre e o dragão
Ang Lee, 2000
Nove rainhas
Fabián Bielinsky, 2001
Cidade dos sonhos
David Lynch, 2001
E sua mãe também
Alfonso Cuarón, 2001
Moulin Rouge!
Baz Luhrmann, 2001
A viagem de Chihiro
Hayao Miyazaki, 2001
Os outros
Alejandro Amenabar, 2001
O fabuloso destino de Amélie Poulain Jean Pierre Jeunet, 2001
A espinha do diabo
Guillermo del Toro, 2001
O Senhor dos Anéis:
A sociedade do anel, 2001,
As duas torres, 2002,
O retorno do rei, 2003
Peter Jackson
Fale com ela
Pedro Almodóvar, 2002
Longe do paraíso
Todd Haynes, 2002
O filho da noiva
Juan Jose Campanella, 2002
Extermínio
Danny Boyle, 2002
Cidade de Deus
Fernando Meirelles, 2002
Sobre meninos e lobos
Clint Eastwood, 2003
Encontros e desencontros
Sofia Coppola, 2003
Mestre dos mares: o lado mais distante do mundo Peter Weir, 2003
As invasões bárbaras
Denis Arcand, 2003
Kill Bill: Vol 1, 2003 e Vol. 2, 2004
Quentin Tarantino
Sideways: entre umas e outras Alexander Payne, 2004
Mar adentro
Alejandro Amenábar, 2004
Diários de motocicleta
Walter Salles, 2004
Menina de ouro
Clint Eastwood, 2004
O segredo de Brokeback Mountain Ang Lee, 2005
Match Point
Woody Allen, 2005
Estranhos prazeres
Kathryn Bigelow, 2005
O novo mundo
Terrence Malick, 2005
O labirinto do fauno
Guillermo del Toro, 2006
A vida dos outros
Florian Henckel von Donnersmarck, 2006
Filhos da esperança
Alfonso Cuarón, 2006
A conquista da honra
Clint Eastwood, 2006
Cartas de Iwo Jima
Clint Eastwood, 2006
Babel
Alejandro González Iñárritu, 2006
O grande truque
Christopher Nolan, 2006
Sangue negro
Paul Thomas Anderson, 2007
Persépolis
Vincent Paronnaud, Marjane Satrapi, 2007
Não estou lá
Todd Haynes, 2007
O escafandro e a borboleta
Julian Schnabel, 2007
Onde os fracos não têm vez
Joel e Ethan Coen, 2007
Wall-e
Andrew Stanton, 2008
Hunger
Steve McQueen, 2008
O cavaleiro das trevas
Christopher Nolan, 2008
Quem quer ser um milionário?
Danny Boyle, 2008
Valsa com Bashir
Ari Folman, 2008
Gran Torino
Clint Eastwood, 2008
O segredo dos seus olhos
Juan Jose Campanella, 2009
A fita branca
Michael Haneke, 2009
Mother
Bong Joong-Ho, 2009
Distrito 9
Neill Blomkamp, 2009
Líbano
Samuel Maoz, 2009
Avatar
James Cameron, 2009
Guerra ao terror
Kathryn Bigelow, 2009
2010-2011
Toy Story 3
Lee Unkrich, 2010
O ilusionista
Sylvain Chomet, 2010
A rede social
David Fincher, 2010
Incendies
Daniel Villeneuve, 2010
Inception — A origem
Christopher Nolan, 2010
Minhas mães e meu pai
Lisa Cholodenko, 2010
O escritor fantasma
Roman Polansky, 2010
Cisne negro
Darren Aronofsky, 2010
127 horas
Danny Boyle, 2010
Enterrado vivo
Rodrigo Cortés, 2010
O discurso do rei
Tom Hooper, 2010
Biutiful
Alejandro González Iñárritu, 2010
Namorados para sempre
Derek Cianfrance, 2010
Another Year
Mike Leigh, 2010
Meia-noite em Paris
Woody Allen, 2011
A árvore da vida
Terrence Malick, 2011
A pele que habito
Pedro Almodóvar, 2011
O abrigo
Jeff Nichols, 2011
Shame
Steve McQueen, 2011
Drive
Nicolas Winding Refn, 2011
A separação
Asghar Farhadi, 2011
Precisamos falar sobre o Kevin Lynne Ramsay, 2011
Os descendentes
Alexander Payne, 2011
Cavalo de guerra
Steven Spielberg, 2011
O garoto da bicicleta
Jean Pierre e Luc Dardenne, 2011
Planeta dos macacos: a origem Rupert Wyatt, 2011
Compramos um zoológico
Cameron Crowe, 2011
Rango
Gore Verbinski, 2011
Miss Bala
Gerardo Naranjo, 2011
A invenção de Hugo Cabret
Martin Scorsese, 2011
As aventuras de Tintim:
O segredo do Licorne
Peter Jackson, Steven Spielberg, 2011
O artista
Michel Hazanavicius, 2011
O espião que sabia demais
Tomas Alfredson, 2011
Os homens que não amavam as mulheres David Fincher, 2011
J. Edgar
Clint Eastwood, 2011
Tudo pelo poder
George Clooney, 2011
Bibliografia

Bibliografia
Satisfaça sua curiosidade sobre como as imagens em movimento são
captadas, organizadas e como elas se comunicam com a plateia com estas
obras:
Livros
Livros
A forma do filme, Sergei Einsenstein (Zahar, 2002)
A jornada do escritor, Christopher Vogler (Ampersand, 1999)
A linguagem secreta do cinema, Jean Claude Carriere (Nova Fronteira,
2005) A luz da lente, Ana Maria Bahiana (Globo, 1995) Adventures in the
Screen Trade, William Goldman (Warner Books, 1989) American Cinema of the
1970s: Themes and Variations (Screen Decades: American Culture), Lester D.
Friedman (Editor) (Rutgers, 2007) American Cinema of the 1980s: Themes and
Variations (Screen Decades: American Cinema), Stephen Prince (Editor)
(Rutgers, 2007) Aristotle’s Poetics for Screenwriters: Storytelling Secrets from the
Greatest Mind in Western Civilization, Michael Tierno (Hyperion, 2002) As
principais teorias do cinema, J. Dudley Andrew (Zahar, 1989)
Fazendo filmes, Sidney Lumet (Rocco, 1998)
From Reel to Deal: Everything You Need to Create a Successful Independent Film,
Dov Simens (Warner Books, 2003) Introdução à teoria do cinema, Robert
Stam (Papirus, 2003)
Lições de roteiristas, Kevin Conroy (Civilização Brasileira, 2008) O
poder do clímax: fundamentos do roteiro de cinema e TV, Luis Carlos Maciel
(Record, 2003) O sentido do filme, Sergei Einsenstein (Zahar, 2002)
Teoria e prática do roteiro, David Howard e Edward Mabley (Globo,
2008) The Big Picture: Who Killed Hollywood? and Other Essays, William Goldman
(Applause, 2001) The Movie Business Book, Jason E. Squire (Fireside, 2004)
The Producer’s Business Handbook, John J. Lee Jr, Rob Holt (Focal Press,
2006) The Hollywood Rules, Anonymous (Fade In: Books, 2000)
Which Lie Did I Tell?: More Adventures in the Screen Trade, William Goldman
(Vintage, 2001)
Documentários

Documentários
Cem anos de cinema — Uma viagem pessoal através do cinema americano / A
Personal Journey With Martin Scorsese Through American Movies, Martin Scorsese,
Michael Henry Wilson (1995) Cinema Europe — The Other Hollywood, Kenneth
Branagh (1995)
Easy Riders, Raging Bulls: How the Sex, Drugs and Rock’n’Roll Generation Saved
Hollywood, Kenneth Bowser (2003) Frank and Ollie, Theodore Thomas
(1995) Kurosawa, Adam Low (2000) My Voyage to Italy, Martin Scorsese
(1999) Stanley Kubrick: a Life in Pictures, Jan Harlan (2001) The Cutting Edge: The
Magic of Movie Editing, Wendy Apple (2004) Visions of Ligh: The Art of
Cinematography, Arnold Glassman (1992)
Waking Sleeping Beauty, Don Hahn (2009)
Créditos
Editora Responsável
Cristiane Costa
Produção
Adriana Torres
Ana Carla Sousa
Produção editorial
Rachel Rimas
Revisão
Mariana Freire Lopes
Marília Lamas
Nina Gomes
Rodrigo Ferreira
Diagramação
DTPhoenix Editorial
Conversão para ebook
Singular Digital | Mariana Mello e Souza
Table of Contents
Folha de rosto
Ficha catalográfica
Introdução
Parte 1: Os Alicerces
1. Entre arte e comércio: como nascem os filmes
2. No princípio era o verbo: a construção do roteiro
3. O império dos sentidos: criando mundos com luz, sombra e cor
4. A costura do sonho: dando forma e voz à narrativa
Parte 2: O estilo
1. Mil e uma maneiras de ver: os gêneros cinematográficos
2. Drama: a catarse pela dor
3. Comédia: o poder do ridículo
4. Ação/Aventura: a jornada do Herói
5. Ficção Científica/Fantasia: o império da imaginação
6. Thriller (suspense e terror): a soma de todos os medos
Conclusão
Filmografia
Bibliografia
Livros
Documentários
Créditos

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