CEFAC
CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA
CLÍNICA
LINGUAGEM
DISTÚRBIOS DA COMUNICAÇÃO DA CRIANÇA COM
PARALISIA CEREBRAL
DELLIS REGINA ROSILHO
GOIÂNIA – 1997/1998
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Resumo
O objetivo desta pesquisa é verificar os distúrbios de linguagem da criança
com Paralisia Cerebral, observando se o déficit motor é o único causador das
alterações de linguagem ou se existem outros fatores envolvidos.
Considerando que para o desenvolvimento da linguagem é fundamental a
interação indivíduo-meio e que todo processo cognitivo acontece essencialmente
através da ação, como será a comunicação de crianças com paralisia cerebral
cuja principal característica é a alteração motora?
Através de uma pesquisa teórica pudemos observar que os distúrbios de
linguagem das crianças com Paralisia Cerebral podem variar desde uma
ausência total de comunicação até retardos de linguagem, distúrbios
articulatórios ou um simples distúrbio de voz. Constatamos também que a
dificuldade motora não é o único fator causador deste distúrbio.
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Abstract
The objetive of research is to check the language disorder of children
messenger of brain palalysed, to examine if the motor deficit is the only cause of
language arteration or if exists factores surrond.
Considered that for the developmemt of language is fundamental a surrond
individual-habitat and if all process cognitive happens especially through of action,
how is going to be the communication of children with brain paralysed that the
principal characteristic is the motor alteration?
Through one research theorist we could observe that the language disorder
children messenger of brain paralysed can be diversity since the apsent total
communication even to language defer, articulation disorder or a simple voice
disorder.
It’s verify too, that motor deficit, isn’t is the only agent reason of that disorder.
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Introdução
A Epistemologia Genética propõe que o processo cognitivo acontece,
essencialmente, através da interação indivíduo-meio. Partindo deste ponto de
vista, podemos afirmar que a gênese deste processo está na ação, possibilitando
a construção dos esquemas motores. E é a partir da constituição dos esquemas
motores que haverá condição para a construção dos esquemas verbais.
Atentando para a relação ação-linguagem, primeiramente vemos que
existe a ação, que mais tarde será acompanhada da linguagem ( esta ainda
dependente e insuficiente). Mais tarde a linguagem passará a ter uma presença
mais importante no desenvolvimento da criança, muito embora ainda se faça
acompanhar de atos, no sentido de completar e comprovar o que é expresso
oralmente. A partir daí então haverá condições de uma cisão entre linguagem e
ação, de modo a estarem sendo preparadas fases posteriores, que levarão ao
uso da linguagem enquanto predição e levantamento de hipóteses, culminando no
pensamento operatório ( a partir dos sete anos ).
Concluímos, então, que é a partir da ação que se dá a constituição dos
sistemas de significação, havendo sempre uma lógica subjacente, mesmo que
inconsciente para o indivíduo. Ao darmos uma ênfase maior a este processo,
podemos afirmar que toda aprendizagem será mais rica à medida que mais ativo
for o sujeito. Isto porque a ação torna possível a construção e o contato dos
esquemas com o real físico e mesmo com o interlocutor.
Levando em consideração estes fatos acima mencionados, cabem as
perguntas: a linguagem de crianças com paralisia cerebral estará prejudicada?
Como estará a comunicação delas?
Até o momento, a grande preocupação com esta patologia, mais ligada à
atuação terapêutica, esteve voltada para estudos nas áreas de:
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• Reabilitação física;
• Inteligência, enquanto análise quantitativa de testes padronizados.
Desta maneira, torna-se de grande importância um estudo que esclareça
especificamente e de forma objetiva as dificuldades em relação à comunicação
da criança com Paralisia Cerebral (PC).
Antes, porém, de iniciar essa discussão teórica sobre as alterações de
comunicação na criança paralítica cerebral é importante abordar, de maneira
sintética, algumas noções sobre tal patologia.
Quanto à terminologia, é necessário registrar que existe uma corrente de
autores que não aceita o termo Paralisia-Cerebral, preferindo usar a conceituação
Encefalopatia Crônica da Infância (Lefévre & Diament, 1980). Neste conceito se
incluem várias afecções com causas e quadros clínicos diferentes, mas que têm
em comum o fato de afetarem cronicamente o sistema nervoso central da criança.
Tais afecções se subdividem em dois grupos: o primeiro tem caráter progressivo,
e o segundo tem caráter não-progressivo, com tendência à regressão espontânea
das manifestações clínicas, de acordo com alguns autores,. No último grupo
estão incluídas a Paralisia Cerebral, a Disfunção Cerebral Mínima, os Problemas
de Aprendizagem e a Deficiência Mental.
Já Aimard (1986) refere-se a paralíticos cerebrais como crianças “enfermas
motores cerebrais (EMC)”.
Acreditamos ser importante citar estas terminologias, já que na literatura se
encontram vários autores que utilizam esta classificação. Porém optamos por usar
o termo Paralisia Cerebral por ser bastante difundido em publicações
especializadas e em associações nacionais e internacionais.
Hoje a Paralisia Cerebral pode ser definida como uma enfermidade
caracterizada por um conjunto de perturbações motoras e sensoriais, resultantes
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de um defeito ou de uma lesão do tecido nervoso contido dentro da caixa craniana
a qual pode ocorrer antes, durante ou após o parto, até oito anos de idade
(primeira infância).
De acordo com Bobath (1976), “Paralisia Cerebral é o resultado de uma
lesão ou mau desenvolvimento do cérebro, de caráter não progressivo e existindo
desde a infância. A deficiência motora se expressa em padrões anormais de
postura e movimentos, associados com um tônus postural anormal. A lesão que
atinge o cérebro quando ainda é imaturo interfere com o desenvolvimento motor
normal da criança”.
Perkins ( 1976) define PC como uma “incapacitação neurológica de criança”
na qual os principais sintomas de paralisia, fraqueza e descoordenação refletem
dano motor.
Como a lesão ocorre durante o desenvolvimento maturacional da criança,
além dos aspectos neuromotores, podem ocorrer alterações como deficiência
visual, deficiência auditiva, deficiência tátil, distúrbios perceptivos, deficiências
mentais, problemas odontológicos e distúrbios na comunicação oral e gráfica.
Para a compreensão da paralisia cerebral é preciso ter em mente que o
desenvolvimento neurológico inicia-se na concepção. A mielinização do sistema
nervoso central começa na fase intra-uterina e continua até a vida adulta, sendo
que 80% deste processo ocorre nos dois primeiros anos de vida, como constatou
Campos da Paz (no prelo) citado por Braga (1995).
Para Braga (1995), uma lesão no cérebro que está em desenvolvimento
pode resultar em diferentes tipos de alterações. Por este motivo a autora acredita
ser de muita importância saber o momento e a forma de ocorrência da lesão
cerebral, pesquisando sempre que possível sua etiologia.
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Os agentes causadores da paralisia cerebral podem atuar antes (pré-natal),
durante (peri-natal) ou após o nascimento (pós-natal). Abaixo destacamos
sinteticamente as principais causas conhecidas:
Pré-natais
Destacam-se infecções intra-uterinas (rubéola, toxoplasmose, citomegalia,
herpes zoster, sífilis),anóxia fetal (como conseqüência de problemas durante a
gestação, como hemorragias decorrentes da separação da placenta ou acidentes
graves sofridos pela mãe nesse período), exposição à radiação ou a drogas
teratogênicas, erros de migração neuronal e outras malformações cerebrais. O
uso de álcool, de nicotina ou de cocaína pela mãe durante a gravidez pode ser
um fator pré- disponente.
Peri-natais
Complicações durante o parto (traumatismo cerebral ou anóxia em trabalho
de parto difícil ou demorado), prematuridade, hipermaturidade, nascimento com
baixo peso, hiperbilirrubinia, infecções peri-natais, circular de cordão umbilical,
manobra de reanimação tardia, fator Rh e imaturidade pulmonar.
Pós- natais
Traumatismo crânio-encefálico, infecções do sistema nervoso central
(encefalites e meningites), anóxia cerebral (devido a asfixias, afogamentos,
convulsões ou paradas cardíacas) e acidente vascular cerebral.
Lacerda (1993) cita que estudiosos mais puristas relacionam as causas da
Paralisia Cerebral somente a problemas de asfixia neonatal e que os menos
puristas a relacionam à anormalidade pré, peri e pós-natal. A autora completa
dizendo acatar os autores menos puristas, apesar dos fatos evidenciarem que a
grande maioria dos casos se relacionam a problemas durante o parto.
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Discordando da autora acima citada, Nelson e Ellemberg (1985); Scher,
Belfar, Martin et al (1991) citados por Braga (1995) afirmam que até 1980,
acreditava-se que complicações durante o parto seriam a principal causa da
grande maioria dos casos de paralisia cerebral. Porém, atualmente, considera-se
que a maior parte das causas conhecidas da paralisia cerebral ocorrem durante o
desenvolvimento intra-uterino. Batshaw e Perret (1993) apud Braga (1995),
verificaram que de fato as complicações no parto são muito freqüentes na história
das crianças paralíticas cerebrais, mas as mesmas parecem ocorrer devido a
lesões cerebrais pré-existentes. Desta forma, a causa pode ser multifatorial; por
exemplo, a criança de baixo peso ou que já apresenta lesões cerebrais no
período intra-uterino tem maior probabilidade de sofrer uma asfixia durante o
trabalho de parto e é mais vulnerável a seus efeitos (Paneth,1986; Pidcock,
Graziani, Stanley et al, 1990 citados por Braga, 1995).
Russman e Gage (1989) citam que apesar dos recursos diagnósticos se
apresentarem cada vez mais aperfeiçoados, é muito difícil estabelecer
exatamente a etiologia, pois nem sempre é possível obter dados precisos da
história e dos antecedentes da criança. Em aproximadamente 40% dos casos não
é possível definir a causa específica da paralisia cerebral.
Segundo Boone (1994), três em cada mil recém-nascidos poderiam ser
classificados como paralíticos cerebrais.
A classificação desta patologia pode ser feita de acordo com o tipo de
envolvimento neuromuscular, os membros atingidos e o grau de comprometimento
motor.
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Levando-se em conta o envolvimento neuromuscular podemos citar os
seguintes tipos clínicos :
• Espasticidade
Caracteriza-se por musculatura tensa e hipertonia que acarreta
desequilíbrio entre os músculos agonistas e antagonistas. Segundo Crickmay
(1974) citado por Oliva S. et al (1998) o espástico apresenta um aumento da
tensão e do tônus muscular por lesão das vias piramidais, ou seja, as vias
motoras que descem desde o córtex e que regem os movimentos voluntários.
O grau de espasticidade pode variar entre leve, moderado e severo.
• Ataxia
É decorrente de lesão no cerebelo e nas vias cerebelares. Caracteriza-se
por falta de equilíbrio e de coordenação. O tônus é predominantemente
hipotônico, o que faz com que os movimentos se tornem muito descontrolados.
• Atetose
Decorrente de lesão no sistema extra-piramidal. Ocorre o aparecimento de
movimentos involuntários anormais genericamente denominados hipercinesias e
alterações do tônus muscular. O tônus destes pacientes flutua e por isso não
podem manter uma posição estável.
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Quanto ao comprometimento motor, as definições variam muito, porém a
seguir estão as classificações de maior uso:
ð Monoplegia: quando somente um membro superior ou somente um
membro inferior está comprometido. (Este tipo é muito raro, na maioria
das vezes evoluindo para hemiplegias).
ð Hemiplegia: somente um lado do corpo é comprometido.
ð Paraplegia: somente os membros inferiores são afetados.
ð Diplegia: todo o corpo é afetado, mas os membros inferiores são mais
afetados que os membros superiores.
ð Quadriplegia: todo o corpo é afetado, mas os membros superiores são
mais afetados que os membros inferiores.
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Discussão Teórica
Embora a paralisia cerebral seja caracterizada principalmente por
alterações motoras, apresenta grande incidência em distúrbios da comunicação.
Por comunicação considera-se todas as maneiras que levam o indivíduo a
se fazer entender em suas necessidades e desejos e, da mesma forma, entender
o meio social de que faz parte (Limongi, 1995). Spitz (1984) fornece-nos uma
definição abrangente e criteriosa, que deve ser considerada ao pensarmos no
quadro nosológico deste trabalho: ”Chamaremos comunicação a qualquer
alteração perceptível do comportamento, seja intencional ou não, com a ajuda da
qual uma ou várias pessoas podem influenciar a percepção, os sentimentos, as
emoções, os pensamentos ou as ações de uma ou diversas pessoas, seja esta
influência intencional ou não”.
Para Geertz (1973) “Falar, no sentido específico de vocalizar sons, está longe de
ser a única instrumentalidade pública possível para indivíduos num meio cultural
pré-existente”.
Comunicar é manter relação com o outro, permitindo a troca de
sentimentos e de informações por meio de sistemas simbólicos estruturados,
gerando assim os aprendizados. O sistema simbólico oral (a fala) por ter enorme
capacidade de construção e por ser abstrato é instrumento fundamental da
comunicação do pensamento humano (Silva,1995).
Segundo Limongi, todos os processos de aprendizagem humana se
sustentam sobre mecanismos que permitem uma adequada integração funcional
labiríntica (proprioceptiva, visual e cerebelar). Devido às alterações motoras da
criança PC, fica pré-determinada uma alteração na relação indivíduo-meio,
trazendo conseqüências nas experiências físicas (que levam ao conhecimento do
objeto e descoberta de suas qualidades) e matemáticas (que proporcionam a
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descoberta das relações entre os objetos). Com a defasagem e dificuldade da
interação com o meio (incluindo também o aspecto social e afetivo), o paralítico
cerebral apresentará alterações na linguagem.
Fischinger (1984) concorda dizendo que uma criança que, por defeitos
físicos, não pode sentar, perde grandes possibilidades de experiência. Para o
autor, o fato desta limitação ser aceita com naturalidade ou encarada com
pessimismo e vergonha, pode levar a lesão a estabilizar-se ou tornar-se cada vez
maior. Acrescenta ainda que, em casos graves, faltam a interação e a maneira de
lidar com os objetos, intimamente relacionadas com a função sensitivo-motora
elementar, que permite a percepção motora e abre à criança a porta de entrada
para o mundo e para o aprendizado.
Os distúrbios da fala não são causados pela lesão cerebral, já que não
existem quando a lesão ocorre. O distúrbio da fala resulta dos esforços que a
criança faz para falar, apesar do mecanismo fundamental ser defeituoso.
Associados a estas perturbações da fala, muitas crianças com paralisia cerebral
apresentam distúrbios de linguagem, que aumentam a gravidade do problema.
Para Lloyod (1971), aproximadamente 90% das crianças com paralisia cerebral
apresentam alterações na fala, a qual, por ser uma atividade neurofisiológica, é
afetada por qualquer distúrbio neuro-muscular.
Aimard (1986) afirma que, paradoxalmente, em geral se conhece a
etiologia antes de se ter podido constatar que a criança apresenta perturbações
da linguagem. A história da criança comporta ou faz temer “um traço-linguagem”.
Antes mesmo que ela esteja em idade de falar, sabe-se que a aquisição da
linguagem vai sem dúvida fazer surgir problemas. Para o autor, as lesões
cerebrais podem afetar diretamente os territórios da linguagem ou das zonas
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vizinhas que intervêm nas atividades practognósicas. Daí resulta que os
paralíticos
cerebrais podem apresentar todas as espécies de perturbações da linguagem,
desde os retardamentos banais até uma ausência de linguagem.
Os problemas encontrados na comunicação destas crianças podem variar.
Podem ser desde ausência de atitude comunicativa, passando por grandes
dificuldades na comunicação oral devido a alterações orais importantes, que
impeçam a articulação de sons, palavras e frases ( referindo-se às condições
práxicas), até distúrbios no nível da linguagem. Nesta área as dificuldades são
sentidas no nível sintático e/ou semântico, podendo ser encontradas frases com
inversão na ordem de seus elementos ou ausência de alguns dos mesmos,
desprovidos de significação ou ainda com características afásicas. Para
Limongi(1995) deve-se ainda considerar casos em que a comunicação oral
encontra-se totalmente ausente, mas a atitude comunicativa está presente através
de gestos, sinais, algumas poucas vocalizações, como também aqueles casos em
que a linguagem, definida como parte do processo semiótico, desenvolve-se de
maneira próxima ao considerado normal e as dificuldades residem na área da
fala. Por função semiótica entende-se o processo que permite “Evocar
representativamente um objeto ou um acontecimento ausente ( significados), por
símbolo parecido com o objeto ou por sinais arbitrários (significantes) que são
claramente diferenciados do significado” (Lerbert 1976). Assim, a evocação
representativa permite o pensamento e fornece um ilimitado campo de ação que
vem se opor às restritas fronteiras da ação sensorio-motora e da percepção.
Para Silva (1995), Braga (1995) e Fischinger (1984) os distúrbios de
linguagem constituem situações patológicas complexas, principalmente dentro do
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quadro da Paralisia Cerebral e por isso requerem para o seu reconhecimento e
classificação avaliar vários elementos distintos, como segue:
• órgãos sensoriais
• percepções (auditiva, visual, táctil cinestésica propioceptiva)
• atenção
• memória
• pensamento - integração perceptual
• mecanismos de comunicação não verbal
• compreensão da fala
• expressão da fala
• movimento-ação ( noção corporal - espacial - temporal)
Uma observação deve ser feita quanto aos distúrbios convulsivos e
perturbações de personalidade:
a) distúrbios convulsivos: os hemiplégicos são mais propensos a este tipo de
convulsões. Merecem atenção, neste caso, os ataques epiléticos de falta de
memória, que quase não são percebidos, necessitando de tratamento.
b) perturbações de personalidade: São quase sempre conseqüências da própria
doença, por exemplo: os PC atetóides são volúveis, isto é, alteram rapidamente o
pranto e o riso.
Partindo da complexidade e da dificuldade em classificar a linguagem da
criança PC, vamos a seguir abordar os principais itens a serem observados.
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Sistema estomatognático e funções neuro-vegetativas
Leitão (1971) coloca que a lesão cerebral acomete os músculos do tórax,
do abdômen , da laringe, causando anomalias dentárias e alterações nos
músculos da língua. Ressalta ainda que as alterações respiratórias são
responsáveis pelas dificuldades de respiração, de sucção, de deglutição e
inclusive as de linguagem.
Em relação às alterações das funções vitais, Palmer (1952) e Tabith Jr.
(1993) concordam que as mesmas ocasionam distúrbios da fala e da linguagem,
dificilmente modificáveis. Estes autores acreditam que o envolvimento das áreas
motoras do cérebro determina um atraso no desenvolvimento motor na área do
sistema estomatognático. Freqüentemente observa-se a presença de reflexos,
nesta área, em idades em que deveriam ter desaparecido. Fischinger (1984) cita
que reflexos que deveriam desaparecer com aproximadamente doze meses em
bebês normais, nos PC ainda são encontrados com quatro-cinco anos; por
exemplo, o reflexo da sucção em bebês normais é positivo até quatro-cinco
meses; o da mastigação surge aos seis meses, permanecendo até um ano. As
crianças PC possuem os reflexos citados, às vezes, até quatro-cinco anos, e além
disso, hipertonia dos músculos do rosto, que se apresenta com má movimentação
do queixo, lábios puxados para dentro ou para fora, boca aberta (só se fechando
passivamente); impossibilidade de pôr a língua para fora (só conseguem colocá-la
até os dentes). Os atetóides têm espasmos na musculatura facial.
A criança apresenta dificuldade para controlar a baba, em parte porque é
mais fácil babar do que deglutir e, por outro lado, as alterações da sensibilidade
oral não lhe permitem sentir a baba. Então, funções importantes como a sucção,
mastigação e deglutição também se apresentam alteradas. Os movimentos buco-
faciais são por vezes perturbados em seu conjunto: mastigação, deglutição,
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mímica inexpressiva, ou, ao contrário, crispação nas expressões rígidas. Muitas
vezes os lábios ficam pendentes, com tendência a babar (Aimard,1986).
Para concluir, todos os autores acima citados concordam que o perfeito
controle das funções mais primárias (sucção, mastigação, deglutição...) e a
adequada evolução do controle neuromuscular na área dos órgãos
fonoarticulatórios são pré-requisitos básicos para a utilização destes órgãos no
processo de articulação.
Além disso, outras estruturas podem estar mal formadas ou com redução
de sua funcionalidade, como por exemplo: palato em ogiva, adenóides
hipertróficas, má oclusão dental, posição incorreta da língua.
Braga (1995) acrescenta que, no aspecto dentário, verifica-se,
eventualmente, má formação do esmalte dos dentes. Além disso, a incoordenação
da musculatura oro-facial e a sialorréia podem prejudicar a higiene bucal e
interferir no aporte de cálcio, vitaminas, proteínas e flúor, facilitando o
aparecimento de cáries. Ainda neste sentido, Tabith Jr (1993) acredita que
possivelmente estas alterações estejam ligadas ao desequilíbrio tônico-postural
de lábios e de língua, em função do desenvolvimento alterado do controle neuro-
muscular desta área.
Concluindo este item, Casanova (1992) salienta que no PC tudo que estiver
relacionado com a produção do som pode estar muito afetado, alterando assim as
aquisições lingüísticas.
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Dificuldades motoras de expressão
Os problemas motores da fala da criança com paralisia cerebral podem ser
classificados como fala disártrica, visto que a disartria manifesta-se em
problemas de articulação, voz e prosódia. A expressão “problemas de fala de
pessoas com PC” continua a ser empregado, implicando num distúrbio motor da
fala, de natureza desenvolvimental; a criança PC desfruta de experiências
desenvolvimentais normais, com um marcante atraso na fala. Sendo assim, o
tratamento de disartria para crianças paralíticas cerebrais pode ser
completamente diferente daquele para a criança que adquire disartria após os
padrões normais de fala terem sido estabelecidos. Também é comum que a
criança PC seja tão fisicamente ativa (com contrações e movimentação de
membros, com postura de tronco e cabeça constantemente instáveis) que a fala
parece ser quase impossível (Boone,1994).
Na PC, segundo Aimard (1986), o insulto dos músculos da nuca, do tórax
(músculos respiratórios), e sobretudo da região buco-facial, acarreta perturbações
da palavra mais ou menos severas: “disartrias” (dificuldades de articular) ou
“anartrias” (impossibilidade de articular). Para o autor, a hipermotividade destas
crianças aumenta os espasmos musculares ou os movimentos atetósicos que
parasitam as tentativas de movimentos voluntários, tanto na palavra como noutras
atividades de gestos. Concluindo, o autor cita que as perturbações que acabaram
de ser descritas alteram a articulação ou a emissão da palavra.
Puyuelo cita alguns problemas motores de expressão que podem afetar as
funções de respiração, fonação, voz, articulação. Os mais freqüentes são:
• mímica facial inexpressiva, pobre, lenta ou, pelo contrário, com gestos
bruscos, exagerados, tiques, etc..., que em muitas ocasiões aparecem
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motivados por uma atividade motora voluntária, e em particular com a
linguagem.
• partes do corpo relacionados com a emissão de voz. Durante a fala, há
intervenção de todo o corpo e não só dos pulmões e das pregas vocais.
Por isso, se a criança tenta emitir com os músculos abdominais muito
contraídos, com o quadril desviado de forma exagerada, com a cabeça
tensionada para trás ou para um lado, ficará afetado todo o processo de
fonação e da fala.
• problemas de respiração e de fonação. Geralmente a respiração é
insuficiente, irregular e mal coordenada. Muitas vezes a inspiração é
limitada como conseqüência de uma respiração superficial ou com
bloqueios. A musculatura abdominal e do diafragma pode estar bloqueada
ou ter sua funcionalidade reduzida para o papel ativo que desempenha na
fonação.
• fonação articulatória. Freqüentemente haverá movimento de adução
incompleto ou exagerado das pregas vocais, o que determina voz
explosiva, irregular em relação à intensidade, e com alteração de timbre,
etc.
A maior parte das crianças com PC espástica, atetóide ou mista revela
atrasos marcantes para atingir a articulação normal dos seus companheiros de
idade, requerendo muitas horas de terapia reabilitadora da fala. Os problemas
óbvios das crianças - falta de controle oral-motor e de boa postura, dificuldade de
usar seus braços e pernas e posição incorreta da cabeça - todos contribuem para
o não desenvolvimento da articulação normal. Dessa forma, os erros de
articulação que tais crianças cometem são fonéticos, causados por movimentos
musculares fora do alvo ou ausentes. Dos seis tipos de envolvimento motor
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esboçados em 1975 por Darley, Aronson e Brown ( flácido, espástico, atáxico
hipotônico, hipertônico e misto), verificou-se que todos se caracterizam por
consoantes imprecisas e distúrbio de articulação irregular(Boone,1994). Para o
autor, a articulação defeituosa é um sintoma comum da disartria.
Aspectos sensoriais
Em relação aos aspectos sensoriais, há sempre alteração sensorial
quando se fala em Paralisia Cerebral, pois as lesões podem se instalar sobre os
hemisférios cerebrais, cerebelo, e mesencéfalo, exatamente onde se encontram
os centros da audição, da visão, do olfato, do equilíbrio, entre outros e
freqüentemente são encontrados distúrbios auditivos e visuais (Leitão,1971).
Braga (1995) acrescenta que as alterações visuais mais freqüentes são
estrabismo e hipermetropia.
Ouvir bem é outro fator básico para aquisição da linguagem. Lassman
concluiu que paralíticos cerebrais têm grande suscetibilidade às patologias do
ouvido médio. As alterações auditivas podem ocorrer tanto porque a maioria dos
agentes etiológicos pode concomitantemente determinar uma destruição dos
mecanismos auditivos, como porque as crianças portadoras de PC são mais
susceptíveis a certas doenças que são responsáveis pela perda da audição nesta
fase da vida. Segundo Fischinger (1984), distúrbios da audição provêm de
lesões decorrentes da incompatibilidade do fator Rh. A criança não ouve as
freqüências altas e os sussurros ,sendo geralmente encarada pelos pais ou
professores como débil mental. Estes não percebem que quando há lesões nos
andares superiores do Sistema Nervoso Central (SNC), a criança não toma
consciência do som, apesar de não haver lesão auditiva propriamente dita. E
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mesmo quando a etiologia da PC é a toxoplasmose congênita, a
incompatibilidade de Rh ou a rubéola congênita o aparecimento de alterações
auditivas é mais freqüente (Braga,1995).
Do ponto de vista sensorial, é importante salientar que o conhecimento de
si mesmo e do meio ambiente é devido às múltiplas informações sensoriais que
chegam ao organismo. Se houver falha nas aferências sensoriais, toda seqüência
de maturação estará alterada ou se anulará (dependendo da gravidade da
alteração) e dará lugar a uma seqüência diferente. Há também a importância das
aferências sensoriais como mola de propulsão para toda atividade motora e
desenvolvimento perceptual. Uma vez estando alteradas estas vias, toda esta
informação seguirá também de maneira inadequada, interferindo na integração
destas vias e, conseqüentemente, no output. Assim, uma diminuição de tolerância,
ou mesmo uma não aceitação à estimulação que chega pelos exteroceptores,
principalmente táteis, levam a um aumento da sensibilidade corporal. Portanto,
todo o reconhecimento de informações que incorrerá, de início, em conhecimento
perceptual de sensações como temperaturas, texturas, profundidades,
velocidades, espaços, tamanhos e formas, será realizado de modo alterado. Este
reconhecimento alterado de informações ocorre ou pela própria distorção da
entrada do estímulo ou pela ausência desta estimulação, a qual a criança não
permite que lhe seja propiciada. A forma mais freqüente da criança quadriplégica
espástica reagir a esta estimulação sentida intensamente é através do aumento
do tono de segmentos corporais, ou de todo o corpo, muitas vezes de maneira
voluntária. O inverso também é encontrado: os exteroceptores não estão aptos a
receber os estímulos chegados do meio externo, ou o fazem de maneira que a
criança não seja capaz de discriminar nem localizar a informação recebida. A não
reação, ou uma reação “diminuída” frente a esta estimulação, leva à observação
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de uma sensibilidade diminuída, principalmente em se tratando dos receptores
táteis, incorrendo também nas mesmas conseqüências apontadas acima, porém
devido a um mecanismo oposto (Limongi,1995).
Para Braga (1995), crianças com hemiplegia espástica geralmente
apresentam perda da sensação de textura e percepção de forma de objetos
(estereoagnosia) nos membros afetados, principalmente nas mãos. Quando há
encurtamento ou atrofia, deve-se suspeitar da perda sensorial do membro
envolvido, pois o sistema proprioceptivo é responsável pelo início do movimento e
pela orientação da progressão do mesmo (Bobath,1984).
Memória - atenção - inteligência
Outro aspecto considerado um dos pré-requisitos básicos para a aquisição
da linguagem é o desenvolvimento intelectual. Vários autores pesquisaram e
concluíram que existe uma relação direta entre aparecimento da fala e QI
rebaixado. Uma pesquisa feita por Ingramem (1955) concluiu que as crianças com
QI abaixo de 50 apresentavam distúrbios de linguagem. Até muito recentemente
acreditava-se que toda criança lesada cerebral era necessariamente uma
deficiente mental. Hoje, sabe-se que em alguns casos a PC está associada a
casos de deficiência mental, que variam em grau. Tabith(1993) e Rodrigues(1993)
concluíram que existe uma razoável porcentagem de PC com retardo mental,
embora Aimard (1986)relate que o fato de apresentar dificuldades na linguagem
não prejulga em nada as aptidões intelectuais Em pacientes lesionados cerebrais,
a dispersividade está geralmente presente, fato este que prejudica o
aproveitamento integral das informações. Segundo Finnie (1980), seus momentos
de concentração e sua capacidade de lembrar-se são muitas vezes de curta
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duração. Dunsdon (1952) acredita que crianças com tal patologia apresentam
distúrbios na orientação espacial e no raciocínio. Foi demonstrado por Wallin et al
(1957) que crianças PC geralmente têm maior dificuldade em discriminar figura
fundo do que crianças normais.
Condição social
Tabith Jr.(1993) ressalta a importância dos aspectos psicossociais: as
condições biológicas, aspectos ambientais e afetivos são fundamentais para a
aquisição de linguagem. A criança precisa de modelos lingüísticos, quantitativa e
qualitativamente adequados para desenvolver sua linguagem.
Crianças com paralisia cerebral apresentam alterações físicas que
freqüentemente dificultam o relacionamento com outras crianças. Isto pode gerar
problemas emocionais, como ansiedade e rejeição, que levam à falta de
necessidade de desenvolver uma adequada comunicação oral (importante meio
de relacionamento interpessoal ).
Em relação ao desenvolvimento cognitivo, não há íntima relação de causa-
efeito entre déficit nesta área e as alterações sensorio-motoras decorrentes de
lesão no sistema nervoso central. Na maioria dos casos ( embora sem dados
estatísticos comprovados), o que se encontra é uma problemática maior do ponto
de vista psicossocial:
• Aceitação da criança pelo meio social mais restrito: família
• Aceitação da criança pelo meio social mais amplo: membros não-
consangüíneos da família, escola e sociedade em geral.
• Possibilidades de uma estimulação adequada visando ao
desenvolvimento geral.
22
• Condições econômicas para a realização de um trabalho especializado
de reeducação e de reabilitação. Possibilidades de uma estimulação
adequada visando ao desenvolvimento geral.
O resultado desta situação vem a ser uma criança com desenvolvimento
retardado na área cognitiva, muitas vezes porque não houve as condições
necessárias e ideais de aproveitamento de todo o seu potencial. O
desenvolvimento emocional somado às circunstâncias encontradas no plano
psicossocial acima relacionadas levam aos chamados traços característicos de
personalidade decorrentes de toda alteração motora. Isto porque como a criança
é incapaz de se movimentar de forma eficiente (ou realiza estes movimentos de
maneira muito dificultosa) de se ajustar às mudanças rápidas de postura, de se
endireitar quando deixada em uma posição desconfortável e de manter ou
recuperar o equilíbrio, freqüentemente permanece imatura ou dependente. Reluta
em aventurar-se em atividades independentes e é resistente a qualquer tentativa
de ação, reagindo pobremente a fracassos e frustrações (Limongi, 1993).
Segundo Tabith Jr.(1993), os pais, surpresos com o nascimento de uma criança
deficiente, podem desenvolver vários sentimentos impróprios: rejeição,
superproteção, exigência em demasia, criando assim um ambiente familiar pobre
em recursos para um adequado desenvolvimento. Peña (1993) e Puyuelo (1992)
colocam que as interações verbais estarão reduzidas pela dificuldade em
encontrar interlocutores válidos, o que repercutirá em um empobrecimento da
linguagem. Quando um adulto fala com uma criança portadora de PC espástica
ou atáxica, ela será lenta em produzir sons ou apresentar uma expressão facial; ao
contrário da criança atetóide, que assumirá um excesso de expressões faciais.
Tal reação pode indicar para nós, adultos, uma falta de compreensão ou de
inteligência e por isso tendemos a desistir facilmente de nos comunicar com esta
23
criança. Assim reagindo, estaremos privando a criança de uma das mais
importantes estimulações (Finnie,1980). Puyuelo (1992) afirma que sempre
haverá um número restrito de interlocutores com a criança PC e que em ocasiões
de intercâmbio trarão um pequeno número de informações. As possibilidades de
utilizar quantidades de recursos léxicos e psicolíngüísticos estarão reduzidas
pelas limitações físicas e de tempo. Todos esses fatores contribuirão para que a
criança tenha uma linguagem compreensível, mas com um nível lingüístico e
psicolingüístico pobre.
Fala / linguagem
Connor e colaboradores citados por Lacerda (1993) definem fala como:
“Ato motor complexo que requer coordenação precisa dos sistemas respiratório,
fonatório e articulatório e é mediada pelo sistema nervoso. O sistema respiratório
fornece a força necessária para a produção da fala...”
Acreditando que a criança PC pode apresentar perturbações em qualquer
área sensitiva ou motora, Fischinger (1984) cita que em geral é a função motora
da fala que é atingida. Para o autor, a função dos órgãos da mastigação é mais
tarde a condição para a fala. Acrescenta também que crianças com PC costumam
falar na inspiração e não na expiração, como é o normal.
Berry & Eisenson,1964; Leitão,1971 ; Boone,1994; Fernandes, Seacero,
Oliva,1998 acreditam que a fala do PC varia de acordo com o seu tipo:
ð Paralisia cerebral atetóide: caracterizada por distúrbios articulatórios
que variam do mutismo e disartria a discretos problemas articulatórios;
voz aspirada e monótona, rouca ou com fonação ventricular; ritmo
respiratório alterado; gagueira; atrasos na fala e várias distorções
24
fonêmicas. A movimentação involuntária dos órgãos fonoarticulatórios
interfere na articulação, principalmente quanto à produção de fonemas
linguodentais. A fala pode ser flutuante, variando de vagarosa para
explosiva. A voz tende a ser trêmula e monótona ;devido à baixa
intensidade vocal, o som final das palavras surge sussurrado. Pode
apresentar hipernasalidade em decorrência dos espasmos no palato
mole.
ð Paralisia cerebral espástica: acarreta severos distúrbios articulatórios;
anormalidades dos músculos da laringe que ocasionam súbitas
mudanças na altura da voz; fala lenta, laboriosa e sem inflexão; a
prosódia da fala é, muitas vezes, interrompida por pausas respiratórias
e de voz; presença de sons inadequados ou distorcidos. A fala do
indivíduo com espasticidade pode apresentar-se vagarosa e laboriosa.
Normalmente ocorre pouca coordenação da articulação durante a fala,
gerando frases curtas ou interrompidas. A produção dos fonemas muitas
vezes estará prejudicada pela inabilidade em graduar e em sincronizar
movimentos dos OFAs. Freqüentemente encontram-se alterações como
omissões e distorções dos fonemas linguodentais e fricativos e trocas
entre fonemas surdos e sonoros. Os sons estarão distorcidos em
conseqüência de uma inadequada pressão intra-oral causada por
alteração no controle velofaríngeo. A fala é gutural, devido à tensão. Em
casos graves, poderá haver uma inabilidade total para a produção da
fala.
25
ð Paralisia cerebral atáxica: apresenta articulação pouco cuidada, que
torna a fala ininteligível; ritmo anormal; altura, intensidade e qualidade
de voz monótona e espasmódica. A fala dos atáxicos é como a fala
indistinta, arrítima, de uma pessoa embriagada.
Crickmay (1974) concorda com a classificação descrita acima, pois
sempre que aborda a linguagem de crianças com PC, além de dar ênfase ao
aspecto motor, apresenta uma estatística de casos de paralisia cerebral versus
dificuldades lingüísticas; descreve os sintomas motores destas crianças ,
caracterizando o tipo de sintoma que determinado quadro motor provoca com o
conseqüente tipo de transtorno lingüístico. Este critério é contrário ao dos
Bobath(1976), segundo o qual não se pode isolar e examinar a linguagem desta
criança, prescindindo do comportamento motor global para se obter uma idéia do
quadro real do problema lingüístico do paciente.
Em relação aos problemas de linguagem, Peña (1992) acredita que a
paralisia cerebral pode apresentar uma grande diversificação quanto às
características e afirma que aproximadamente 60% dos pacientes lesionados
cerebrais apresentem este problema. Fischinger (1984) concorda, ressaltando
que nos atetóides a alteração de fala pode ser observada em 100% dos casos. O
autor acrescenta que a perturbação da fala pode estar localizada em
determinadas partes do cérebro. Mais grave ainda é o efeito quando a lesão é
primária, quer dizer, quando aconteceu antes da criança começar a falar. Defeitos
das regiões cerebrais, hereditários ou adquiridos na primeira infância , podem
causar atraso, dificuldades e até ausência da fala. Lesão secundária, isto é,
naqueles que já falaram uma vez, é causada pela má irrigação sanguínea do
cérebro, tumor, abcesso ou trauma.
26
Limongi (1992) defende que o importante na criança com paralisia
cerebral é analisar não a quantidade de verbalização, mas a qualidade da
comunicação a ser considerada. Isto porque, embora grande número de crianças
PC possuam bom desenvolvimento cognitivo e bom nível de linguagem, sua
verbalização é muito restrita ou praticamente ausente.
Há poucos estudos sobre a evolução da linguagem no PC, no entanto
Puyuelo (1992) diz que na prática é possível encontrar: nível de desenvolvimento
normal ou superior; nível de desenvolvimento com leve retardo; nível de
desenvolvimento com retardo grave. Dentro dos casos de retardo de linguagem é
preciso levar em consideração duas possibilidades : o PC com deficiência mental
(leve, média ou grave) e o PC com desenvolvimento cognitivo global normal, mas
com algum grau de retardo de linguagem.
No que diz respeito ao desenvolvimento fonológico, Puyuelo e Peña (1992)
afirmam que em geral estará retardado em relação ao desenvolvimento normal,
ainda que siga as mesmas etapas do desenvolvimento. Os fonemas serão
produzidos mais tarde e haverá maior dificuldade em adquirir as consoantes,
principalmente as duplas e inversas. Os autores afirmam que tudo isso não será
atribuído a uma deficiência na aquisição fonológica, mas sim às dificuldades
motoras que impossibilitam a produção dos diferentes sons, de forma
diferenciada.
Limongi concorda com Puyuelo (1992) em relação ao desenvolvimento
morfossintático. Por existir um problema motor, as crianças com paralisia cerebral
tendem a simplificar a extensão do discurso. A necessidade de adaptar o texto às
possibilidades motoras pode levar ao uso de um léxico mais restrito. Nesta área
podem ser encontradas frases com inversão na ordem de seus elementos, ou
27
ausência de alguns dos mesmos, desprovidas de significação, ou ainda com
características afásicas.
Em relação à fluência da fala, para Boone(1994), as crianças paralíticas
cerebrais muitas vezes experimentam sérias interrupções de prosódia normal.
Para o autor, muitas destas crianças jamais desfrutaram de fluência normal em
suas tentativas de fala. As interferências prosódicas podem ser causadas por um
ou mais destes problemas: respiração alterada, fonação alterada, desvios graves
de ressonância e dificuldade com movimento rápido de língua.
Segundo Fischinger ( 1984) , para falar são necessárias as seguintes
condições:
• Respiração normal. A freqüência pode mudar na PC; quando a criança
apresenta uma voz abafada, tem espasticidade na caixa de ressonância.
• OFAs normais
• Audição normal
• Sensibilidade da face
• Inteligência
Terapia fonoaudiológica
Para Lacerda (1993) há uma crença de que o trabalho fonoaudiológico
deve preparar a criança para as funções de respiração, de sucção, de deglutição
e de mastigação. Este procedimento possibilitaria o aparecimento da fala, já que
o domínio desses mecanismos pela criança prepará-la-ia para tal. Desta forma o
diagnóstico fonoaudiológico era, então,realizado através de uma avaliação
predominantemente motora, e o seu resultado explicava a performance na fala;
somente se a criança já falasse é que seria também avaliada do ponto de vista
28
lingüístico, e então entendida sua linguagem nos aspectos fonológicos,
morfossintático e semântico. Esta forma de atuar gerava uma certa expectativa
quanto à performance da criança: esperava-se que ela começasse a verbalizar
quando já estivesse em condições sensório-motoras para tal. Esta expectativa,
portanto, era sempre proporcional ao quadro motor, isto é, quanto mais grave ele
fosse, mais tarde a criança falaria. Na literatura especializada, a linguagem do
paralítico cerebral aparece sempre relacionada ao seu aspecto motor, ou seja, ao
funcionamento dos seus órgãos fonoarticulatórios. Ela é sempre descrita como
dividida em duas partes: emissão (fala-expressão) e recepção (compreensão-
linguagem). Nesta concepção, o ponto culminante da linguagem é a palavra
expressão (seu aspecto motor), englobando aqui a estética - o falar bem - e a
compreensão do que foi falado pelo sujeito. Dentro desta perspectiva de
linguagem, o meio social existe basicamente como condição indispensável para
que este complexo físico-psíquico-fisiológico possa tornar-se um ato lingüístico
total entre o falante e o ouvinte. Esta visão está centrada na idéia de que a criança
aprende a linguagem através da exposição aos modelos lingüísticos de sua
comunidade - esta é a importância do meio social. Portanto, nesta visão que
privilegia o aspecto motor, a linguagem é vista não como uma construção feita
pelo sujeito, mas como um produto acabado, como um instrumento dependente
somente de suas possibilidades psico-fisiológicas. Sendo a linguagem algo
externo ao falante, basta que ele processe aqueles dados e os elabore para falar.
A criança primeiro ouve e depois fala, de forma bem dissociada, sendo pois
necessário se garantir antes a exposição, o entendimento, a interpretação dos
fatos da língua, para só depois, falar. Entendendo a linguagem desta forma, fica
claro e totalmente coerente o processo terapêutico que privilegia a mecânica da
fala e a exposição sistemática da criança a conceitos lingüísticos, mesmo que ela
29
ainda não os verbalize. Perde-se daí, para a autora, a dimensão da linguagem
como conteúdo comunicativo e de natureza não - individual ( Lacerda, 1993).
Tabith (1993) acredita que o principal objetivo terapêutico é proporcionar à
criança PC a realização de ações, as mais próximas possíveis dos padrões
normais de desenvolvimento. Sabendo-se que o desenvolvimento parte do geral
para o específico, a mesma idéia será obedecida durante todo o processo
terapêutico. O fonoaudiólogo deve estar ciente de que, para conseguir resultados
efetivos em seu trabalho com os órgãos fonoarticulatórios, é necessário haver um
bom controle da cabeça da criança, que por sua vez depende do controle postural-
corporal ( trabalho este desenvolvido pela fisioterapeuta e pela terapeuta
ocupacional). Para o autor, o fonoaudiólogo terá como primeira preocupação a
normalização do tono geral, ajudando a criança a se adaptar a uma postura que
inibirá os reflexos patológicos presentes. A seguir procurará inibir o
comportamento reflexo patológico na medida em que se relacionar mais
diretamente ao aparelho fonador. O norteador desta seqüência é o fato de que o
controle da cabeça ( que dá a condição de levantá-la, e voltá-la com
independência em relação aos ombros) é um pré - requisito para a fala. Segundo
Mysak (1980), a criança deve, portanto, primeiro desenvolver algum controle
postural e de movimentos estranhos, antes que se possa iniciar o trabalho sobre
os controles motores refinados necessários para a fala. Boone (1972) completa
afirmando que aprender a sentar de forma ereta (com ou sem apoio) e manter a
boca num padrão fechado controlado são, muitas vezes, comportamentos tidos
como pré-requisitos para tentar falar.
Concordando com Tabith (1993), Finnie(1980) cita que além de melhorar o
controle de cabeça e de tronco e ajudar a criança PC a ter melhor alimentação, é
preciso dar muito mais a ela para o desenvolvimento da fala, isto é, um padrão de
30
respiração quase normal, uma coordenação dos movimentos de sua boca e língua
e a possibilidade de fazer sons sem um esforço extra, levando a uma razoável
articulação. Para a autora a fala e o balbuciar do bebê dependem de movimentos
coordenados dos lábios, da boca e da língua. A fala é uma habilidade muito
complexa, em que os músculos e órgãos usados são secundários; segundo a
autora, a finalidade primária destes órgãos é tornarmo-nos capazes de respirar e
de nos alimentar; um bom padrão de fala é baseado em bons padrões de
alimentação e de respiração.
No que diz respeito ao desenvolvimento de linguagem associada à
mecânica da fala. é importante citar que esta associação, apesar de ser
fundamental para o desenvolvimento do sujeito e para uma boa interação
mãe/filho, por si só não garante a linguagem.
31
Considerações finais
O interesse em escrever o presente trabalho surgiu diante da constatação
de um grande número de profissionais que se preocupam apenas com o déficit
motor da criança, os quais centram suas terapias na reabilitação motora oral, não
vendo a criança como um todo, como um ser humano participante do mundo e que
também precisa de outros estímulos.
Este trabalho tem como objetivo verificar os distúrbios de comunicação da
criança com PC, observando se o déficit motor é o único causador das alterações
de linguagem ou se existem outros fatores envolvidos, como problemas auditivos,
visuais, alterações respiratórias, nível intelectual, entre outros.
Concluímos que os distúrbios de comunicação encontrados na PC podem
variar desde uma ausência total de comunicação; retardos de linguagem;
distúrbios articulatórios ou um simples distúrbio de voz. Um dado importante é que
as alterações motoras globais e específicas do oromotossensório podem
influenciar significantemente a aquisição e desenvolvimento da linguagem, porém
outros fatores também os influenciam, como:
-nível intelectual
-distúrbios da audição
-dificuldades de atenção e de concentração
-aspectos psicossociais
-envolvimento dos centros da linguagem no SNC
-alteração das funções vegetativas
-alterações da retroalimentação tátil-cinestésica e acústica
-comprometimento neuromuscular na área dos OFAs
-alteração morfológica de OFA
-alteração da musculatura fonatória
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-alterações respiratórias
-alterações funcionais do palato mole
Muitos autores defendem a idéia de que os problemas encontrados na
comunicação do PC restringem-se a alterações orais importantes. Porém este
trabalho também conclui que a adequada mecânica da fala por si só não garante
a linguagem e que a interação social exerce uma função de grande valor para o
desenvolvimento da comunicação. Assim como Tabith (1993) acreditamos que os
aspectos ambientais e afetivos são fundamentais para a aquisição de linguagem.
Um meio deficiente em modelos lingüísticos, certamente acarreta atraso na
linguagem, seja numa criança PC ou não. No caso da paralisia cerebral, o
agravante é a falta de indivíduos dispostos a se comunicar com crianças que
serão lentas na produção de sons ou na apresentação de expressões faciais,
como já disse Limongi (1993).
O importante é que sejam percebidas as singularidades de cada indivíduo,
que é influenciado tanto por causas externas como internas; é necessário
conhecer as características específicas relacionadas ao tipo e ao local da lesão
cerebral para se obter uma visão global do quadro.
O terapeuta tem muita responsabilidade no sucesso da terapia. Deve estar
sempre atento, buscando constantemente a melhor forma de explorar aquilo que o
paciente traz para a comunicação, não devendo nunca se ater apenas ao uso de
técnicas.
É fundamental considerar que a criança com paralisia cerebral é um ser
humano com dificuldades de comunicação e o esforço deve ser no sentido de
auxiliar o desenvolvimento de uma comunicação através da qual ela possa
realmente se expressar, entender e ser entendido. A família também deve
33
contribuir efetivamente nesse mesmo esforço para que a criança venha a adquirir
uma comunicação eficiente com a sociedade.
Finalmente, é preciso deixar de ver a criança com paralisia cerebral
como um conjunto de sintomas pré-estabelecidos, principalmente em relação à
linguagem, na expectativa de que o envolvimento muscular e motor determinem o
seu potencial lingüístico. É preciso compreender que ela é uma criança em
desenvolvimento, e que, como qualquer outra, é capaz de se transformar e
transformar o seu meio.
Dominar-se
Domine o seu próprio eu /Não somatize tristeza/Veja a vida com
franqueza,/Não lamente o que perdeu./Seja forte, destemido: /Quem só se
julga vencido, /Não será reconhecido/ Nem quando a luta venceu. /Sinta-
se vivendo a vida, / Veja o mundo o quanto é belo. /Não existirá paralelo/
Se o teu mundo amanhecer; /Amanhecer, de repente,/ Trazendo pra sua
mente/ A certeza da beleza/ Que vive dentro da gente/ Pra se viver com
nobreza.
(França, p.65,1993.)
34
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