0% acharam este documento útil (0 voto)
293 visualizações44 páginas

À Direita de Deus Pai

Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
293 visualizações44 páginas

À Direita de Deus Pai

Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 44
Enrique Buenaventura A DIREITA DE DEUS Pal Folguedo em dois atos ENRIQUE BUENAVENTURA rologo colombiano, nasceu em 1925 iretor e teat er sais Cali. No dia 31 de dezembro de 2003, aos 7g sit falece na sua cidade natal. Estudou Artes Plasticas e Flos Na na Universidade Nacional de Bogota. Iniciou sua carreira como ator fazendo espetaculos citcen, ses em uma companhia de teatro itinerante. Querendo nhecer o mar das Antilhas, foi para a ilha de Trinidad op, de alternou 0 oficio de marinheiro com o de jornalista. Viajou pelo Brasil, estabelecendo-se em Recife, onde traby. lhou como professor de literatura, ator e diretor do Teatro do Estudante, de Hermilo Borba Filho. Exerceu os oficios de cozj. nheiro, pintor de paredes, desenhista de letras, ator e diretor de cena no Rio de Janeiro, Buenos Aires e Santiago do Chile. Em 1955, fundou e passou a dirigir a Escola de Teatro da cidade de Cali. Em 1960, ganhou diversos prémios em Bogo- t4 que lhe renderam o convite do Teatro das Nacées de Paris para representar a Colémbia, com o espetaculo A direita de Deus Pai. Obteve, também em Paris, o Prémio Internacional de Teatro outorgado pelo Instituto Internacional de Teatro da Unesco por sua pega A tragédia do rei Cristophe(1961). Fun- dou, em 1963, o Teatro Experimental de Cali. Foi sistema tizador do Método de Criac&o Coletiva para o teatro. De sua vasta obra, destacam-se: Réquiem pelo padre de las Casas (1963), Soldados e Os papéis do inferno (1968), O converst a vermelho(1970), A deniincia (1971), O menu (1974), Histént Cuma bala de prata (1976), A grande farsa dos equivocos (1984), Projet pita (1989), O dragao dos mares (1993) e Paulina (1995): eng an fe Deus Pai leva, no original, o subtitulo de “Mol » specie de festa ou folguedo popular. Personagens Porta-Bandeira Peralta Jesus Diabo Sdo Pedro Morte Peraltona Leproso Tolhido Esmoleiro Velho Cego Maruchenga Médico 1 Médico 2 Mulher do Médico Coveiro Beata Velha Sobrinha Mutlher do Velho Rico Marido da Mulher Feia e Velha Moga Esmoleiro 1 Esmoleiro 2 Esmoleiro 3 Mendiga Cenario Uma casa de camponeses. Sobre ela, o céu representado por uma nuvem Srande com uma porta; embaixo, do lado oposto, a boca do inferno. Prélogo Porta-Bandeira ou palhago do folguedo entra, S dengando ao som da misica tipica dessas esentagées populares, e finca sua bandeira no Proscéniy apr : ra — Licenca peso, senhores, para aqui apresentar este folguedo antigo das gentes da minha terra. Que entrem os atores para poder lhes mostrar “A direita de Deus Pai”, que é um folguedo exemplar. PoRTA-BANDEI Entram os outros personagens dancando ao som de uma miisica que eles mesmos executam e formam um semicirculo, Cada um, ao mesmo tempo que vai falando, avanga para o proscénio. PERALTA — Atencdo nobres senhores e damas de decoro, pois, desta vez, vou Ihes contar uma historia que nao é de choro. Eu me chamo (0 ator fala o seu nome) e, neste folguedo, fac © papel de Peralta, JESUS ~Sendo a primeira vez que nesta casa eu canto, ae % pa lia ao Filho, PIrlto Santo, Eu m 0 pa; = chains (0 ator fala o sey nome) e, neste folguedo, Papel de Jesus de Nazaré face A DIREITA DE DEUs Par 25 paso - Se é mentira, pao e farinha. Se é verdade, farinha e pio... Ouvidos do mundo ouvi a historia que contarao, Eu me chamo (0 ator fala seu nome) e, neste folguedo, faco papel de Diabo. rae SAO PEDRO - O saber é entender eo entender é saber, € 0 que diz 0 velho ancido. Oucam bem para aprender e, quando houver ocasiio, contem como eu contei. Eu me chamo (0 ator fala o seu nome) e, neste folguedo, faco 0 papel de Sao Pedro. MokrTE - Todo mundo fica sereno quando me ponho a cantar, porque onde canto eu, siléncio... e mandar calar. Eu me chamo (0 ator fala o seu nome) e, neste folguedo, faco © papel de Morte. Os personagens que usam mdscaras devem tird-las para se apresentar. PorTA-BANDEIRA — Os senhores ja viram os mais importan- tes. Subam Jesusinho e Sao Pedro para o seu pombal la no céu e enfiem o coisa-ruim nas profundezas, nos subterra- neos dos seus dominios. Coloquem os esmoleiros nos cor- redores e nos quartos e preparem-se todos para representar as suas mascaras e seus personagens, porque isto val CO- megar agorinha. Sai o Porta-Bandcira e comega 0 folguedo. Primeiro ato PERALTONA — Nem sei para que eu varro e limpo este asilo de fedorentos. E claro que tem de estar sujo. Onde ja se viu um homem que nao cuida nem um pouco de si mes- mo, nem da prdpria casa? Ele lava os chaguentos, assis- te os enfermos, enterra os mortos, tira o pao da prépria boca e os trapinhos do préprio corpo para dar aos po- bres. Mas quem se preocupa com ele ou comigo? Aqui estamos nds, na pura miséria e com a casa coberta de esmoleiros. Leproso — Agua, uma cabacinha d’4gua. PeRALTONA — Agua? Pega para o Tolhido e deixe-me em paz, porque, um dia desses, o diabo vai me carregar. Leproso ~ Agua. PERALTONA — Ja vou, ja vou. Nem que estivesse cruzando o deserto... (sai, mas continua falando) - O que vocé ganha, Peralta, por trabalhar como um condenado, se tudo o que consegue joga fora alimentando e vestindo tantos pregui- cosos e folgados? PERALTA (entra com um saco e uma enxada) - Cale a boca, irmazinha. Nao diga disparates. TOLHIDO ~ A gente nado tomou café, seu Peraltinha. LEPROSO — Tomamos sé agua com acticar e foi ontem. ESMOLEIRO VELHO — A despensa esta vazia, seu Peraltinha. : PERALTA - Eu trouxe as tltimas espigas do milharal. Ja, a faco para vocés alguma coisa com este milho. A colheita tem sido muito ruim. 2g Enrique Buenaventura ESMOLEIRO VELHO — Hoje, nao consegui nadinha no P do, nao existe mais caridade. Vocé pede 805 ticacg, OVo,, ma esmola e eles abrem os dedos do pé. al Leproso - E a Marialarga, a mais ric’ do povoado, gj mexe a cabeca para nao gastat © leque. PERALTA — Vocés sabem que ev D0 gosto de fofoca, PERALTONA (para 0 Leproso) ~ Tome a Agua, fracote, (para Peat ta) E vocé precisa se casar, homem, e ter filhos para Maney PERALTA - Eu nao preciso de mulher, nem de filhos, n a a ninguém, porque tenho © meu prOximo para servir, 4 pj, nha familia so os proximos. (sai com 0 milho) PERALTONA ~ Os seus proximos! Sera pelo tanto que agra de. cem. Sera pelo tanto que Ihe deram. Vocé anda mais mal. trapilho e mais infeliz do que os esmoleiros que socorte. Bem que podia comprar uma roupa, ou comprar uma para mim, porque estamos precisando muito. Ou entao s6 tra. zer comida para encher a nossa barriga de vez em quando, ja que passamos tanta fome. Mas vocé nao se preocupa com o que é seu. Vocé tem sangue de minhoca. ESMOLEIRO VELHO — Velha respondona. Leproso - Velha bajuladora. TOLHIDO - Velha traicoeira. PERALTONA — O que vocés esto falando? Calem-se todos. Para mexer a lingua nao estao nem doentes nem desacor- dados. PERALTA (voltando) - Esperem sé um pouquinho que 0 fogo ja eee ardendo. E vocé, pare com essas lamtrias que se ouve até 1a do solar. Sn cm Sto Pedro na porta da nuvern) — Olhe, -s mos descer e pér on, paminhosteal, ©:a casa do Peralta. pratica o que foi combinado. (desce) Aos poucos, “em Qe t Pn as un oda a casa fica iluminada e ouve-se misica, a espéci feinn tfnt ‘ spécie de mtisica tipica local, celestial. PERALTON, A ks O que é isso que estou sentindo? A DIREITA DE Deus Pat 29 ToLHIDO - Eu também estou senti ; quisita por dentro. ntindo uma coisa muito es- PERALTONA — De onde vem esse cheiro de flor de | ici de alfavaca e de alecrim? Parece incenso, o ee alfazema que p6em na roupinha das criangas. ador de ceco — Ave Maria Purissima! : Jesus ¢ SAO PEDRO (em unissono) ~ Sem pecado concebid: PERALTONA — Peralta, Peraltinha, chegaram dois pere = (sai). Peralta, venha ver esses peregrinos... eee PERALTA (entrando) — Que peregrinos? PERALTONA ~ Vocé nao est sentindo nada? PERALTA - Tem alguma coisa esquisita... Nunca senti esse chei- ro, nem na serra, nem no jardim, nem no Santo Templo de Deus. PERALTONA — Nao seriam, Peraltinha, esses peregrinos que acabaram de chegar? PERALTA - Os peregrinos! Esperaram muito, vosmecés? Séo PEDRO — Estamos viajando e nao temos onde passar a noite. PERALTA - Pois, mas vao passar muito mal, porqu grama de sal nem uma barra de c uma comidinha. Mas podem entrar, a boa-vontade é o que vale... irma, va dar uma olhadinha na despensa, passe na cozinha para ver se encontra alguma coisinha para dar a de+todo o meu coragao, eu hes dou pousada; e nesta casa néo tem um acau com que lhes fazer estes senhores. PERALTONA ~ Em um min’ vir o préximo. PERALTA - Vosmecés, perdoem o desc So PEDRO - O Senhor e eu ja estamos a PERALTA ~ Se nao for indiscricao..- SAo PEDRO - Sim, é indiscricao, Peralta. PERALTA — Como sabe que é indiscri¢ao, se Jesus - Vocé ia perguntar qual era a relagao qu nés dois. Mas isso vocé vai saber no seu devi PERALTA — Esta bem. utinho, jrmaozinho. Nada como ser- onforto. costumados. Ao falei nada? ue existe entre do momento- 30 Enrique Buenaventura PERALTONA (dentro) — Peralta, meu Deus, Peralta! PERALTA — O que esta acontecendo, mulher? Vocé é muito escandalosa. Do que estao rindo, vosmecés? SAo PEDRO — Nao se preocupe, é uma coisa aqui entre nds. PERALTONA (entrando) - Peralta, irmaozinho, vocé nao adivi- nha o que eu vi. PERALTA - O que vocé viu? A mula-sem-cabe¢a ou o caipora? PERALTONA ~ Que mula-sem-cabec¢a, que nada. Eu vi, com estes olhos que a terra ha de comer, a despensa cheinha! PERALTA — Ficou doida. PERALTONA — Doida? Nao so vi como também peguei e comi. Na viga, estao pendurados pedacos salgados e secos de lombo, de peito, de toucinho, de gordura. (0 Esmoleiro Ve- lho e 0 Cego saem tao rdpido quanto podem) As lingiiigas € 0s salames se alongam e se enroscam como cobras. Sobre 0s pratos, ha diizias de queijinhos e bolas de manteiga. Vocé nao acredita em mim? Eu vi, peguei, cheirei e degustei. ESMOLEIRO VELHO (voltando) - La estao as cabacas de cacau moido com pimenta-da-jamaica, os folhados e os doces. Os sacos esto repletos de feijao. TOLHIDO — Pelo amor de Deus, levem-me, levem-me, quero regalar os olhos e 0 bucho com isso tudo... (o Esmoleiro Velho e¢ 0 Leproso levam Tolhido) LEPROSO - Vamos, vamos, faz muito tempo que nao vejo nem a sombra de uma lingiii¢a. CEGo (entrando) - No que eu pus a mao? Que Deus me ampa- re... Pus a mao em montes de batatas da terra, pilhas de suaves tomates, ninhadas de ovos mornos e um cesto dé broinhas de arroz tao fofas e bem assadinhas que nao pa- recem ter sido feitas por cozinheira deste mundo... € N° meu dedo enroscou-se um doce que é 0 préprio acticar. PERALTA - Louvado seja Deus! Até que enfim temos alguma coisa para dar ao préximo. Sirva os senhores e dé de cO- mer para todo mundo. Eu vou encher umas cestas para levar alguma coisa para os vizinhos. (sai) A pinetra pe Deus Pal 31 PERALTONA — Esperem ai, vosmecés; volto rapidinho. (sai) JESUS — Ponha as patacas ali, Pedro, e vamos embora, porque isto esta indo de vento em popa. PepRO - E isto tudo me deixou com dgua na boca. Para que tanta pressa? Espere um pouco, faz tanto tempo que nao tomo um chocolate com bolo. Jesus — Deixe disso! Vamos fazer tudo como combinamos. (vao saindo) PEDRO - Tanto trabalho, essa viagem... deve estar tao gosto- so... cheio de espuma... Jesus - Nao resmungue, Pedro, e venha. Daquele descanso, podemos observar tudo 0 que acontece. (Sao Pedro sai res- mungando) EsMOLEIRO VELHO (trazendo Tolhido com a ajuda do Leproso) — Isto esta me cheirando mal. LEPROSO - Como cheirando mal? Esta cheirando lingiii¢ga e pernil. ESMOLEIRO VELHO — Como é que uma despensa fica cheia, no tempo de uma mulher se persignar? TOLHIDO - Coma e nao se preocupe com isso. CEGO (entrando) —- Nossa, como esta macio este queijinho, desmancha na boca. PERALTA (entrando com uma cesta cheia de viveres) - Ih! Onde esto os peregrinos? EsMOLEIRO VELHO - Foram embora... LePROsO — Quando voltamos, eles j4 nao estavam mais aqui. TOLHIDO ~ Uma gente bem esquisita, aqueles peregrinos. PERALTA (para Peraltona que entra com comida) — Cadé os pere- grinos? PERALTONA — Nio esto af? Eu estava trazendo uns sandui- chinhos para esperarem, enquanto eu fazia alguma coisa. PERALTA - Foram embora! Nossa, pobre fede mesmo! Que pressa tinham... Mas eles se esqueceram disso. (descobre uma bolsa com moedas) 2 Enrique Buenaventura 3. pERALTONA ~ Olhe ai para ver 0 que €... Se for algun E tia... com serven " ' PERALTA — Deus! Sao patacas... Milhares de Patacas) PERALTONA ~ Vocé vai devolver tudo! Ser4 que Wika cg; propésito? 2 — Patacas? Me are VELHO - Sao patacas auténticas, ESM! ToLutDo — Patacas? Patacas? (corre completamente Curad Mog trem-me estas patacas! Pe... Peralta... O qué? Oo é isso Sou eu mesmo? Peralta, Peraltinha... Sou eu? Sou ey thes mo! Estou andando! As minhas pernas esto andando tk novo! Pte ; CeGo - Patacas, patacas auténticas... e como brilham! LEPRoSO — Vocé esta vendo brilhar? CEGO - Sim, estou vendo. Vejo? Estou vendo? Sim, sim, Vejo... vejo! TOLHIDO — Lazarento, vocé esté bom e curado... Dé-me a sua mao. Esté vendo? Esta vendo? Vocé est bom € curado, (obriga-o a tocar 0 rosto) Vocé j4 nao tem mais aquela podri- dao... LEPROSO — Nao, nao estou sentindo. E... as maos? TOLHIDO ~ Olhe, esto limpas. CEGO ~ Ent3o 0 mundo era assim, seu Peralta. .. Quem imagi- naria... LEPROSO ~ Um espelho, Preciso me ver em um espelho. (sti, 8nita ld de dentro) Estou bom e curado! (entra de novo) Em um instante nascj de novo! Nasci de novo com esta cara como t x 7 ceo s Odos os CrIstaos... Todo mundo precisa ver isto. (sai) ~~ €u quero ver to TOLHIDo — do mundo. j I ESMOLEIRo Veto ‘pm correndo, que me vejam pulando: i ~ © eu, vou te i ando @ minha velhice Nas ¢ T de continuar carreg N20 poder; Ostas, pedindo esmola? Estas patacas erlam ser Para mim? A pirerra pe Deus Pat 33 PERALTA ~ As patacas! Eu ja havia esquecido. Vou atras deles para devolver. PERALTONA ~ Todas? Nao vai me deixar nem uma sequer para cu poder comprar alguma coisa? ESMOLEIRO VELHO ~ Que inferno, esse Peralta. (sai) PERALTA — Ei, senhores, descam. Esqueceram uma coisa. PERALTONA ~ Droga de Peralta, nao deixou nem um nada! Tanta honradez assim é doenga! (sai) PERALTA (para Jesus e Sao Pedro) - Bem, senhores, aqui esta o seu dinheiro. Contem e verao que nao esta faltando nem uma moeda. Jesus - Vamos voltar para a sua casa, Peralta, preciso falar devagar com vocé e aqui tem muito sol. PERALTA — Quem os mandou ir embora? JESUS — Sente-se, Peralta, e ouca. PERALTA — Por que o Senhor nao se senta primeiro? JESUS — Sente-se, porque preciso revelar-lhe umas coisas im- portantes. Sente-se ali, Pedro, e deixe de contar histérias. Peralta, preste atenc¢ao: nds nao somos peregrinos, nao acre- dite nisso. Este é Pedro, o meu discfpulo, e eu sou Jesus de Nazaré. Viemos até a Terra unicamente para fazer um teste e, em verdade lhe digo, Peralta, vocé foi aprovado com lou- vor. (nesse momento, a Peraltona aparece e ouve) Outro, que nao fosse tao cristao como vocé, guardaria as patacas e teria fi- cado muito orgulhoso. Os dinheiros, Peralta, so seus. Pode repartir como vocé quiser. E vou dar-lhe, além disso, as cin- co coisas que quiser pedir. Portanto, pega com essa sua boca. PERALTONA — Ai, meus senhores, eu também tenho ajudado a fazer caridade, sacrifiquei a minha vida para acompanhar o Peralta em suas boas ages. Déem algo para mim também, vosmecés. Jesus - Pegue o que quiser, boa mulher... PERALTONA - Deus lhes pague! Deus lhes pague! Deus Ihes Pague e lhes dé o céu... (saindo) Deus Ihes pague a vos- mecés! 34 Enrique Buenaventura PERALTA — Perdoe-a, Vossa Divina Majestade, Jesus - A coitadinha merece, tem sofrido Muito, Bla ga rente de vocé e cada um sofre conforme 9 Préprig 4 dig, Faca, Peralta, os seus pedidos. ning SAO PEDRO - Veja bem o que vai falar, nao v4 Sair co bela bobagem. 2 PERALTA — Estou pensando nisso, vosmecé, SAO PEDRO — Acontece que, se vocé pedir uma Coisa ry Mestre vai conceder. E uma vez concedida, vocé es bado, porque a palavra do Mestre é definitiva, PERALTA — Vosmecé deixe-me pensar bem na coisa, Bom, Vos. sa Divina Majestade, o primeiro que Ihe peco é ganhar no jogo sempre que eu quiser. Jesus - Concedido. PERALTA - O segundo... SAO PEDRO — Veja que isso é uma coisa séria e de muita im- portancia. PERALTA — Estou matutando a coisa, vosmecé. O segundo... é, quando eu motrer, que a morte venha de frente, e naoa traicao. SAO PEDRO - O que significa isso!? De onde vocé tirou essa idéia!? PERALTA ~ Deixe, vosmecé, eu sei o que estou pedindo. JESUS ~ Concedido, PERALTA - O terceiro... S40 PEDRO - Veja bem, Terceiro. Sobram trés coisas, nao des- Perdice assim a Graga Divina. PERALTA — m UM, Uim, 9 ta aca. Vosmecé nao interrompa, que 0 meu miolo se fe : cha e nao consigo pensar. O terceiro... SAO PEDRO ~ Pedir coisa de jogo e depois essa bobagem 4 Morte... Isso 6 até falta de respcito.., vende Fique calado, Pedro, e deixe de falar tanto. Ele pod _ Pedir o que quiser, SAO PEDRO — Isso tai mbém é verdad Zo sei por que Cl ™e meto, ade. Eu nao sei por q mas é que nao Consigo suportar... A DIREITA DE DEUS PAI 35 PERALTA - O terceiro é que eu possa prender quem eu quiser, no lugar que cu determinar e pelo tempo que eu quiser. SAO PEDRO ~ O qué? O que foi que este apatetado pediu?- jesus - Tenha paciéncia, homem. O seu pedido é esquisito, amigo Peralta, mas seja 0 que vocé quiser. : sao PEDRO ~ Virgem do Desespero! Pega o céu, rapaz, peca o céu, nao seja apalermado! JESUS - Concedido. PERALTA — O quarto... SAO PEDRO - O céu, estou falando, e vocé fica seguro. PERALTA — O quarto... SAO PEDRO - SO sobraram dois: 0 céu para vocé e o céu para a sua irma. Nao continue inventando coisas... PERALTA — O quarto... Antes, porém, Vossa Divina Majesta- de, quero perguntar uma coisa. E desculpe-me, Vossa Di- vina Majestade, se for mal perguntado... Mas sim, tera de me dar uma resposta bem clara e bem explicita. SAO PEDRO - Esse é louco perigoso! Vai sair com um belo disparate! Meu Pai, dai-Ihe uma luz! PERALTA — Eu queria saber se € 0 coisa-ruim quem manda na alma dos condenados, ou € 0 Senhor ou é 0 Pai Eterno. Jesus - Eu e o meu Pai eo Espirito Santo, juntos e separados mandamos em todos os lugares, mas ao diabo nds entre- gamos 0 mando do inferno. Ele é 0 amo dos condenados e manda nas almas deles, como vocé manda nas regides que eu lhe dei. PERALTA — Pois bem, Vossa Divina Majestade, vou fazer o quarto pedido. SAo PEDRO - Vossa Divina Majesta Nao suporto mais as bobagens deste homem. Jesus — Sente-se, Pedro. PERALTA — Vossa Divina Majestade, eu qu x a graca de que o coisa-ruim nao me trapaceie no jogo- Jesus - Concedido. Peratta - E “ultimadamente”..- se for assim, de, permiti-me ir embora. ero que me conceda a 36 Enrique Buenaventur' e se dane! Que vA para 0 diabo, ie SAO PEDRO ~ Qu : : importo! PERALTA — E SAO PEDRO — ultimadamente..- J E ultimadamente, vocé se condena, PERALTA - Peco @ Vossa Divina Majestade 0 dom de ce ficar tao pequenininho quanto en‘quiser, até ficar Ming culo como uma formiga. BO ee jesus (rindo as gargalhadas) ~ Pera = BESS CULO como vox nao nasce ¢, se hascer, nao cresce! Todos me pedem en dezas e vocé, sendo um homem pequeno, pede para fay menor ainda. Pois bem... SAo PEDRO - Nao vé que este homem esta louco? PERALTA - Pois eu nao me arrependo do pedido. Falei e ests falado. SAO PEDRO — Animal! Ou seja, no céu vocé nao entra! Jesus - Concedido. (vao saindo) SAo PEDRO — Nao me convide outra vez para essas vagabun- dagens... Jesus - Ele sabe o que pediu, nao tem cara de tonto e conhe- ce tudo. SAO PEDRO ~ Pode ser que passe por esperto ¢ 0 tiro saia pela Pew a eee enquanto sobem para o ctu) culadores e em tod ae ica que vai dar em tantos aed vitem este monte de 6 ee do povoado quando ladroagem, todos og fale ace Ai vai chegar — Para eles nem Moeda falsa ai isso sim, nao vou oe que eu pedi; que eu ganhe ; tva0 ver como se cumpriré : No jogo sempre que quiser... J4 » (sai) Maruchenga! engalanada ¢ convencida) — Marucheng* MaRUCHENG, (cheia tk © Caixas . i PERA que nao Yejo por trastes) — Estou indo, senhot NAA 0! Onde ando. 4 VOCE yas enco; ce va ‘ . ntram boas Seryj ‘me dizer que é miope. Jé nfo é 'cais neste povoado. Ai, ai, 1° . Ai, eh, A pirerra pg Deus Pat 37 fedentina; traga os frascos de perfume aqui, que esta fedendo. (Maruchenga po Mas sua besta, como vocé pGe tudo infectado por tudo quanto é chaguent te! Aqui eles nao entram de novo, mos, dé aqui 0 xale bordado. O qu visitar a rainha? Vamos, arrume ficou torto. Maruchenga! MARUCHENGA ~ Senhorita! PERALTONA — O cabelo, vibora, endireite 0 meu cabelo. (com o espelho) Nao estou mais mocinha € mais bonita? Até um noivo pode ser que eu arrume! Dé-me a sombrinha, vou ensaiar minha nova forma de andar. Dé-me a de fibra tran- cada... Ja nao se pode usar mais nada. Amanhi, todas es- sas camponesas exibidas vao estar me imitando. TOLHIDO (entrando) ~ Senhorita Peraltona.. ceu, senhorita? para espalhar por le as caixas no chao) no chao? Um chao 0 ¢ leproso que exis- aqueles esmoleiros, Va- € vocé acha deste para ir © meu cabelo atras, que - O que aconte- PERALTONA — Como se atreve? Agora, sé vou tratar com se- nhoras de meia e sapato. E vocés nao se apresentem mais por aqui. O Peralta que faca a sua caridade onde puder. TOLHIDO ~ A senhorita nao sabe por onde ele anda? PERALTONA — Quem? TOLHIDO - O seu Peraltinha. PERALTONA ~ E eu vou saber por onde anda, ele so tem idéia extravagante. TOLHIDO - Esta na cidade, botando banca no cassino. PERALTONA — Esta jogando as patacas? Vai ficar pelado! ‘ TOLMIDO ~ Pelado? Ele esta ganhando de todo mundo. Nao deixa nem meia moeda falsa. Isso porque chegaram os jo- gadores mais malandros, mais astutos e dissimulados. Rou- bam no jogo, trocam de baralho, marcam as cartas com as unhas, trocam as cartas dele. Ora jogam dados, ora bara- lho, buraco, truco e até roleta, para ver seo derrubam com @ mudanca de jogo, mas que nada. Perde de vez em quan- do para voltar mais violento. 38 Enrique Buenaventura NA - Com certeza nem comprou uma be ERALTO : P _ Nada. Continua com 0 mesmo pong DO , : coon calca maltrapilha. Igualzinho! , oy, mi oa i! CEGO (voltando) -O que euv que eu vi... a ‘I von dedica a ver, nao é? O ‘ ~ Vocé se de fl ‘ PERALTONA Vocé 5 que Voce - Ita ganhando dos mais astutos e dissin n 5. E eles maldizendo e esconjurand " mais perdem... . Mag ceco - O Peraité e dos trapacelro quanto mais apostam, 1 PERALTONA ~ Isso ja sabemos. Mas eu nao consigo nada ie cco - E isso nao é nada... Ele jogando os azes eo rai do rei chega. O rei mandou chama-lo. 0 PERALTONA ~ Ai vai ver. Por ser ambicioso! crco - Espere, senhorita, ja vai ver. Vamos ver 0 rei, digs Peralta, sem susto nem afligéo. Com sangue frio, tranqij. lo, tranqiiilo. PERALTONA - Mas que tonto... Ceco - Eu me fiz de cego e fui atras. Que festanca havia no palacio. PERALTONA ~ E ele chegou com o poncho e... Esse homen nao tem jeito! Ceco - LA foi ele entrando bem sossegado. Olho por uma janela e vejo... PERALTONA ~ Deixe de historias ¢ fale logo. CEGO - Vejo que ele é convidado a se sentar 4 m' PERALTONA ~ A mesa do rei! oe entre 9 rei ea rainha. Cea mca ntre Oreiea rainha! teed brioche ce rainha estavam tomando Cin aloe ad ses os fresco e sua majestade imperial © PERALTONA ~ Q Neue para ele beber. CEGO ~E fizera x te Voce esta contando?! <. ponilts m brinde com umas palavras tao - go tao boni : : bis "tas, que aquilo parecia como se fosse discul PO Gémez Plata. esa do rei. com A DIREITA DE Deus Pat 39 PERALTONA ~ Maruchenga! MARUCHENGA - Senhorita! peRALTONA ~ Andando, vamos ao palacio do rei! Se o pau seco do meu irmao, descalgo e de poncho, bebcu na taca do rei, onde eu vou beber? O préprio rei vai virar vinho e you bebé-lo de um gole sé. (sai e grita) Maruchenga! MARUCHENGA ~ Estou indo, senhorita! (sai) ToLHIDO — As patacas transtornaram essa dai. ceco - Nossa! Nunca pensei em abrir os olhos para ver tanta coisa: Sabe 0 que dizem na cidade? Que o Peralta é amigado com o diabo. ToLHIDO - E nds nos curamos por obra do diabo? CEGo - Estamos curados, isso é 0 que importa. Mas as pata- cas... eu acho que essas patacas... ToLHIDO — Serao também patacas do diabo? CEGo - Sei 14! Sao patacas, venham de onde vierem. Estou juntando as que ele me deu para ver se saio da pobreza... Mas acho que toda essa caridade... TouwiDo - Imagine, ganhar daqueles trapaceiros. Eu nao Ihes dava chance para desforra. CEGO - Eu acho que alguém esta ajudando o Peralta. ToLHIDO — Disseram que ofende a Deus, secretamente, com pecados horrorosos. Sabe 0 que me contou uma vitiva me- tida a bruxa? Que voou com ele pelos telhados. CeGo - A Camila? TOLHIDO — Ela mesma. CEGO - Ela voou com muitos, compadre. A vassoura dela esta gasta de tanto voar. PERALTA (entrando) — E af, como vocés se sentem? TOLHIDO ~ Seu Peraltinha, o senhor por aqui... CeGo — Estavamos dizendo... PERALTA (dando-lhes patacas) - Peguem, vao comprar roupas e déem aos préximos... TOLHIDO - Bendito seja, seu Peraltinha, bendito seja... CEGO ~ O senhor é um santo, seu Peraltinha! 40 Enrique Buenaventura TOLHIDO - Que Deus lhe pague e lhe dé o céu. PERALTA ~ Chega de bobagens e vao dividir com 0 proximo, CGO - Sim, sim, com todo mundo, seu Peraltinha. TOLHIDO - Deus lhe pague... Deus Ihe dé o céu! (saem) PERALTA (juntando montées de moedas) — Isto é para comprar uma casa bem grande e acomodar todos que vieram de longe procurando uma esmola. Nossa, como existe neces. sitado no mundo. Até da Jamaica e de Jerusalém tem vin- do. Isto é para os chorGes e tipos esquisitos. Que todo mundo aproveite as patacas do Senhor e 0 dinheiro dos salafrarios. (ouve-se o silvar do vento e uma muisica destempera- da) Ai... Esta fazendo frio... (aparece a Morte) Morte - Estou sua procura! PERALTA - A minha procura? Nao ha outros por af... Morte - Ea sua vez e agradeca por eu avisar, por ser homem bom e caridoso. PERALTA - Agradeco, sim, senhora, mas faga o favor comple- to. Dé-me um prazinho para eu me confessar e fazer 0 testamento. Veja todo o dinheiro que tenho; é preciso deixd-lo bem repartido. Morte - Contanto que nao se demore muito, porque ando com pressa. PERALTA - Dé uma voltinha por ai, enquanto eu me arrumo. Ou, se quiser, distraia-se 14 fora olhando o povoado, que tem uma vista bonita. Veja, logo ali tem um abacateiro bem alto, Suba nele para ver 4 vontade. E por ali... Isso, suba direitinho. Aforquilhe-se neste galho, que eu nao de- moro... Assim. Assim eu gosto. Descanse ai, velhota. Vocé vai ficar af até quando eu quiser, pois nem Cristo, com toda a sua cambada vai tira-la dessa forquilha! Assim se cumpriré 0 que eu pedi. Que a Morte venha de frente e eu possa prender quem quiser, no lugar que quiser, pelo tem- po que quiser... E avante com a caridade! (sai) Festa da Morte. Aleijados, paraliticos e doentes entram com uma morte enorme, batucando em latas e vasilhas. Entra também o A DIREITA DE Deus PAL 41 Esmoleiro Velho e uma mulher disfargada de morte Entra Lepri transformado em charlatao ¢ alguns “méd oe icos”. MépIco 1 - Vencemos a morte. Com pocées, purg: laxativos, nés a desterramos. MeépIco 2 - Ficaram as doengas, mas vamos espantando pou- co a pouco. LepRosO - Estao vendo esta cara?! Limpa como a de um re- cém-nascido! E quem a limpou? A minha propria ciéncia! Aqui estao as unturas! A raiz da borracha em banha dissolvida uma folha de malvacea e do vespeiro uma medida... ESMOLEIRO VELHO - Uma esmola, pelo amor de Deus! MULHER/MorteE - Prepare-se, vou lhe dar a foigada. EsMOLEIRO VELHO - Ja estou preparado. MULHER/MonrteE — LA vai! (0 Esmoleiro Velho e a Mulher/Morte dangam uma danga de morte) Leproso — O veneno do escorpiao e uma lagartixa mediana, a medula de um porco-espinho que seja meio alazao... ativos ¢ Os médicos ¢ os doentes fazem uma pantomima satirizando a morte. PERALTONA — Maruchenga! Maruchenga! MARUCHENGA (falando de dentro) - Estou indo, , PERALTONA ~ Traga outro leque, porque este ja esta desfiado. Traga outra botinha, que nao estou agiientando as pernas. MARUCHENGA ~ E porque a senhorita nao para mais em on PERALTONA - Sao os compromissos que nao me deixam..- cs casa do bispo, ao palacio do rei, ao clube dos saa casamento da fulaninha... Ai, que sufoco! E tem 7 fer tesa com estes cal¢6es € crinolinas, que nem santo em Pp! senhorita! 42 Enrique Buenaventura cissao. Reveréncia para cd, reveréncia para 14, uma educad, troca de cortesia com o figurao ali e uma bajulagio com 9 maioral aqui. Porque é sé palavra esquisita e madamas ¢ messiés, agua de rosas, patchuli e rosicler. Hoje, sou con- vidada para o baile das Magalhaes, mas 14 eu vou com prazer, porque elas sao de alta linhagem mesmo. Depres- sa, Maruchenga, traga 0 leque e o sapato! ESMOLEIRO VELHO (voltando) - Ave Maria Purfssima! PERALTONA - Sem pecado concebida! EsMOLEIRO VELHO — Sempre tao composta e tao boa moca e, a cada dia, mais jovem, mais jovem, até voltar aos quinze... PERALTONA (cont aborrecimento) - Como é bajulador... Que fo- focas vocé traz? ESMOLEIRO VELHO - Ouvi umas coisas contra o seu irmiao... PERALTONA ~ E assim que agradecem a caridade. Crie serpen- tes e elas o envenenarao! EsMOLEIRO VELHO - No comeg¢o, muita festa e muito regozijo por nao haver morte... Os médicos botando banca com as suas formulas, mas, agora, todo mundo pede um pouqui- nho de morte. PERALTONA — E por isso que eu nao quero nem dar nem rece- ber com a humanidade. Eu vou passear, vou me distrair, vou me divertir e que se arrumem do jeito que puderem. Nada sai tao caro, neste mundo em que vivemos, como ser bom. Veja o caso do Peralta, coitado. Eles sé ficarao con- tentes no dia em que esmagarem o coracao dele na pedra. (Maruchenga volta com o leque e o sapato) MARUCHENGA ~ Quase todos estdo com salto quebrado... PERALTONA ~ Como vocé quer que estejam, se eu jamais ha- via me causado semelhante martirio? Cada coisa que as pessoas inventam... ESMOLEIRO VELHO - E se vier todo esse mundo de gente re- clamando pela Morte, a senhorita entrega? PERALTONA ~ Nem me fale. E eu vou me meter com a ossuda? Sanio Deus! A DIREITA DE Deus Pal 43 MARUCHENGA ~ A senhorita nao viu como est: na forquilha, pendurada feito macaco? PERALTONA ~ Passo por ali de olhos fechados ¢ fa: da cruz. Santo Emidio! MARUCHENGA ~ Os ossos dela esto secos e esverde; todos os sdis que padeceu... PERALTONA ~ Jesus! Cruz-credo! MARUCHENGA ~ Esta coberta de teias de aranha. Esta cheia de folhas e de porcaria de animais; e com um vespeiro que fizeram no buraco do olho esquerdo, ficou caolha. Todos dizem que o seu Peralta deve ser bruxo ou protegido para manté-la ali. PERALTONA ~ Ave Maria Purissima! Maruchenga, feche a boca. MULHER DO MEDICO (entrando) — Peralta, Peralta! Que Deus Ihe dé um bom dia, senhorita Peraltona. Pode me dar noti- cias do demGnio do seu irmao? PERALTONA ~ E isso é maneira de perguntar? Modere-se e diga o que esta acontecendo. MULHER DO MEDICO ~ E 0 que vai acontecer comigo? Sou a esposa do doutor Pantaleo. A legitima, a do cartério, aque- las outras duas so apenas ajuntadas, chegadas, concubinas, como vulgarmente se fala. Ja faz muito tempo que as en- fermidades estao tentando e nao morre um tnico cristao. No inicio, o meu marido botou muita banca com tudo 0 que sabe. Mas fui logo desconfiando de que isso nao era coisa dos médicos. Eu os conhego muito bem! Vi como mandavam todo o pessoal para a sepultura. Olhe, senhori- ta, todo mundo diz que o seu irmao escondeu a Morte. Nao lhe peco para soltd-la de vez, mas que a deixe dar umas voltinhas por af, de vez em quando, porque ninguem mais chama o meu marido. J4 morreu 0 cavalo dele e en- ferrujaram os ferros das operacoes. (entram a Beata Velha eo Coveiro) PERALTONA - Sinto muito, minha senhora, mas nao tenho vela Nesse enterro. aa coitadinha, zendo sinal ‘ados por 44 Enrique Buenaventura \ CovEIRO — Em que enterro? PERALTONA — Quero dizer que nao me MEto nisgo, Coveiro - Ai, me deu uma alegria, senhorita. ‘0! seu Peraltinha havia se lembrado de mim i ej Qe, sao a Morte para levar alguém... A senh visto no cemitério. Fui eu mesmo que mae, alma bendita, e o finado Peraltao, os seus parentes, que Deus os tenha g BEATA VELHA — Ave Maria Purissima! PERALTONA — Sem pecado concebida, menina Edviges BEATA VELHA — De subir essa ladeira, estou arfando ey cora¢ao na boca. ae PERALTONA — Maruchenga!! MARUCHENGA (entre caixas) — Senhorita? PERALTONA ~ Prepare um cha de folha de laranja amarga arg as visitas! MARUCHENGA - Sim, senhorita. BEATA VELHA - Venho da parte do padre, porque a Sua Reve- réncia e 0 Sacristao esto passando fome de cachorro. PERALTONA - O cura passando fome? Nao me venha comess, menina Edviges. BEATA VELHA ~E a pura verdade, senhorita. Nem um entett: nho, nem um simples responso, nem uma missa pelas a mas, nem um requiescat in pace, por todo esse tempo. Santo Emidio! Eles acham que é coisa do inimigo. : VEIRO ~O que nao digo eu, sem sentir o cheiro da cen de Sepultura, nem tenho animo para limpar 0 oS woe ary cheio de mato, com os lagartos on SOBRINHA (ents, n wninle, Soci as laps ‘ que 6 550 senhorie a com a Mulher do Velho Rico) - ui eraltona? Muito bem-vestida e com to al acoes 9, andando sobre as esperancas ¢ 08 cof Pobres, PERALTONA -0 COMiso? Orita deve ™ enterroy a - © seu pai, E ar Ozando na alot Co ost dos sit vy falat 2 gue vocé engoliu, moleca, pat fa A DIREITA DE Deus Pat 45 SoBRINHA — Faz um ano que o meu tio Romfo teve um acha- que e nds rezando e rezando para ele morrer e ele ali bem gordo eo dinheiro apodrecendo na arca. E como ele é agio- ta, agora se encheu ainda mais com as patacas do Peralta. PERALTONA ~ Isso nao é da minha conta. SoBRINHA ~ A minha mae mandou dizer para a senhorita emprestar a Morte, nem que seja um pouquinho. MULHER DO VELHO RICO — Eu venho dizer a mesma coisa, que o meu marido esta com um mal de urina e toda noite é um aqueduto, O dinheiro nés ganhamos juntos e ele esta dando tudo para o marido desta senhora, e a tinica coisa que ele faz é instalar uns canudos de carri¢o para o desagiie. MULHER DO MEDICO — Cale a boca, vizinha, ele é 0 tinico cliente que nos resta e isso porque é de doenga timida. MULHER DO VELHO RICO - Mas o que eu tenho é muita von- tade de pegar essa Morte, tira-la de onde estiver, para eu nao ficar vitiva quando ja nao houver um centavo na algibeira. MARIDO DA MULHER VELHA E FEIA (entrando com a Moga) — Estou precisando dessa Morte, porque a minha mulher, que ja era velha quando casamos, agora esta gaga e toda enrugada. Eu sé estou pedindo para ela descansar e eu também. Moca (que chega com ele) - Nés queremos nos casar como Deus manda e nao continuar por ai meio juntados, sem sacra- mento, expostos as criticas das mas linguas. PERALTONA — Mas a sua mulher, velha e feia, tinha o seu di- nheiro quando vocé se casou com cla. MARIDO DA MULHER VELHA E FEIA ~ E verdade, mas eu ja paguei a minha divida. Trinta anos agiientando achaques, tolices, untando as suas juntas com manteiga de cacau. PERALTONA — Pois nada posso resolver para vocés, estas sao coisas do tonto do meu irmfo. Agora, eu vou para a casa das Magalhaes e vocés resolvam o que fazer. (sai) " ura enrique es 48 ntra qualquer alma to a Morte contra d de Bente 4 : ds jnios- : seus dom! 1 jogar comigo?! E quem acha que é po - Voce que! Pata g. atrever 2 (ANT osmecé. desde que sou diabo ,; a Ningug, m, anhou d im, mas sou muito viciado, Go PERALTA — u ‘gar mesmo 4 as : jog | Mas com uma condi¢ao. Além da Morte ae ! Voc Sto de piano - Feito aa aposta a sua ar Peralta - Feito! (jogam) de, por pior que jogue. prago - O qué? Bom, nao fique entusiasmado, sé estou dap. do uma vantagenzinha para vocé. (jogam) Agora sim, fs ser bem diferente! PERALTA - Tudo bem, 1 vou eu... Sete de ouros! Truco! Pego Iminha. Quatro, as e trés! Esta vocé nig per um as! Diago - Vocé é cobra criada, ou que deménio? PeRALTA - Cobra dissimulada, vosmecé. Vamos para a des- forra. DiaBo - Vamos, mostre. PERALTA - Agiiente um pouquinho. DiABO - Mostre, j4 mandei, dissimulado! PERALTA - Paciéncia, vosmecé. - ianci u is piato Nem paciéncia nem diabo! Mostre, nao agiiento mas Sine ~ Quatro reis magos, Truco! 0 = Po ~ - A ito, Por . que nao consigo trapacear com voce, maldi p que? Pare de rir, seu magrelo! ERALTA ~ Eu nag 5 : Ditto Vor estou rindo, vosmecé. Penatta - Bethe rai me prejudicar. Eu dobro! DiAvo ~ Tago Obrado, mas aposte algo grande. or lote complete fea Aposto, de uma vez por ¢ PERALTA _ © almas contra a Morte... € contt Uanto é y Mm lote completo? odas, um aa sue A DIREITA DE Deus Pat 49 piaso - Um caldeirada. Mais ou menos uns trinta e trés bi- lhdes de almas. PERALTA - Entao, vamos la. (jogam) paso - Esta na mao! PERALTA - Truco! Truco, ladrao! DIABO (rugindo) - Nem uma trapacazinha! Nao me sai nem uma! PERALTA — Uma vez vosmecé precisava jogar limpo. piaso - Vocé tem algum poder maligno... PERALTA - Quatro, as e trés, outra vez; por pior que jogue, vocé nao perde... Diazo - Vocé ganhou! PERALTA — Assim parece, vosmecé. Diazo - E vocé fica com a Morte e com as minhas almas. PERALTA — Foi em um jogo limpo... D1azo - Vocé ganhar de mim, do melhor jogador de truco que existe no mundo... Que poderes vocé tem, seu trapaceiro? PERALTA — Eu? Nenhum, vosmecé. DIABO - Vocé arruinou o inferno! PERALTA — O senhor é que é muito viciado, vosmecé... Mas, se quiser, dou uma desforra... DiaBo ~ Nao! Nao jogo mais! Acabou o carvao. (saindo) Vocé vai me pagar! Agora, vocé tem ajuda e poderes, mas vai se desembruxar e quando se desembruxar, veremos, seu dis- simulado. (sai pela boca do inferno) PERALTA — JA se cumpriu: “Que o coisa ruim nao me trapaceie no jogo”. Tenho a Morte e tenho ainda trinta e trés bilhdes de almas. Que escandalo vai se formar no inferno agora, com o coisa-ruim chorando desesperado e o mordomo e a Peaozada do inferno soltando almas a rodo! Jesus e Sao Pedro saem 4 porta da nuvem. Jesus ~ Tem de ser ele quem esta com ela, nao existe outro motivo. Desca ld e trate esse homem com muito jeito, para Ver se nos empresta a Morte, caso contrario, estamos fritos. ntura - Esta bem.- ava louco. . desca € obedega, trate-o com jeito, u fazer, mas se dependesse qe a 5 moedas) - Nao devo mais jogar fazer caridade de olhos fe ease A Eu falei para o Senhor : que a Wel, deyg a _ Peralta. SAO PEDRO milagre vé-lo, vosmecé, nae — Que milagre, milagre nenhum. Diga-me ie coisa, Peralta, por que voce € assim? peraLTa - O que esta acontecendo? Sho PEDRO - O que esta acontecendo? Vocé acha que nog engana? . PERALTA — Eu nao pensel 1sso. SAO PEDRO - O que vocé fez com a Morte? peratta - O Senhor deu-me a permissao de prender quem eu quisesse, onde quisesse, e pelo tempo que quiser. Sko PEDRO - Foi para isso que vocé fez aqueles pedidos tio esdrixulos? Ja tinha a inten¢&o de nos armar semelhante confusio. PERALTA - Confusao, vosmecé? SiO PEDRO - Nao percebe que 14 nao chega uma alma €0 céu esti parado? Fui falar com o Mestre e disse para ele: “Mes tre, aqui esta o seu cargo de porteiro, procure a quem 7 Endo, oh ne sou homem para ficar ali, sem fazer a ' Stre mandou procurar vocé, para nos devolve Motte. Vej PERALToN Veja bem que eu vim mandado pelo Mestre. ALTONA (entrando Marucy ) - Maruchenga!!! HEN , indo, 5 NGA (atrds dela, carregada como sempre) ~ Esto¥ ind ; enhorita! ERALTONA : . ~ Ai, . , a) Mat M chengalt! © peregrino das patacas esta aqui ARUCHE Prureen ~ Senhorita! ho ~Leve j jati” Para ele,, 'Sso para dentro e prepare um choc? * Mas corra A DIREITA DE Deus PAL 51 MARUCHENGA ~ Ja vou. PERALTONA — Ai, estas servicais de hoje em di vendo como as patacas renderam. SAO PEDRO — Sim, estou vendo, PERALTONA ~ Caridade por todo lado. Jé nem sabemos o que fazer com tanta caridade.., Desculpe, vosmecé, vou trocar estes corpetes, estas crinolinas, porque estou sufocada. (com dengue) Com a sua licenga... (sai) SAO PEDRO — Bom, 0 que estava dizendo? PERALTA ~ Que 0 Mestre mandou o senhor... SAO PEDRO ~ Veja, é uma ordem do Senhor. PERALTA — Esta bem, solto a Morte com muito prazer, coma condi¢ao de ela nao me fazer nada. SAO PEDRO ~ Concedido, como diz o Mestre. PERALTA — Espere aqui, ja vou trazé-la. SAO PEDRO — E bem maluco, o Peraltinha. Por pouco nao o amasso, tive de me conter. MARUCHENGA — Aqui esta, senhor peregrino, e desculpe estar mal servido. Sente-se e coma que a senhorita ja vem. PERALTONA (de dentro) - Maruchenga! MARUCHENGA ~ Estou indo, senhorita! (para Sao Pedro) Ela esta cheia de melindres. PERALTONA - Maruchenga! MARUCHENGA (saindo) - Estou indo, senhorita! SAO PEDRO - Hum... Isto sim é que é comida. Eu ja estava cansado de engolir gléria. PERALTA (trazendo a Morte) — Veja, vosmecé, como ela esta. Toda exaurida, enferrujada e palida. Nao consegue caminhar. SAO PEDRO - Tire isso daqui rapido. Vocé nao vé que estou comendo? PERALTA — Em um momentinho eu a limpo e conserto, vos- mecé... ¢ perdao. (sai) : Sko PEDRO ~ Ele estragou o chocolate e virou todo a estémago... Onde ja se viu, trazer essa ossuda quando a isi io! guém esta comendo? (miisica da Morte) Uiiiiiiii, que fr ia. O senhor est4 52 Enrique Buenaventura { MoRTE — Aiaiaiaiai!! | (grita com alegria brutal fe * PU em disparada) “ oe PERALTA - A maldita estava faminta, por causa do; . Ja, ela recobrou as for¢as e amoloy, UM A, a a. bei de limp4- pedra do patio. tit 4 vendo? Agora [ ie SAO PEDRO — Esta vendo? Agora eu preciso subir ¢ i S| porque ela vai comecar a despachar gente Para Aforig, ria... Com vocé nao da! 2 ne’ PERALTA - E tem mais ainda, vosmecé. i? SAO PEDRO — O que foi? peratta - Nao faz muito tempo, no truco, ganhei do ; uma carrogada de almas. iy SAO PEDRO — Uma carrocada? PERALTA - sim, vosmecé, uma caldeirada, uns ee Ts bilhoes de almas. Sao PEDRO - O que vocé esta dizendo? Onde estao? peratta - Sei la! SAo PEDRO - Mestre Divi falou? PERALTA ~ Trinta e trés bilhdes. Sho Pepro - Trinta ¢ trés... Santo Deus! PERALTA - Va ver como acomodar esse punhado de gente. Sio PEDRO - Punhado?!! Senhor, este homem € complete no! Dé-me paciéncia! Quantas voc mente doido. PERALTA - Eu as ganhei em jogo limpo com o coisa-ruim; co- - migo, nem o céu se mete a macho. Sio PEDRO - Macho?! Animal... Eu avisei o Mestre! Santo eins Santo Forte, Santo Imortal! (sai pela nuvem) . cuENGA (dentro) - Ai, a minha senhorita! Ai, a minh sen ar sipaio (entra) Seu Peraltinha, a minha senor tona est4 morta. Dura e fria como um passarinis morto! Ai, que desgraca! PERALTA ~ A condenada vingo T MARUCHENGA ~Amém. ( me Enh rac inh BEATA VELHA ~ Reguiese, saem. Entra um cortejo fi iinebre) quiescat in pace! A DIREITA DE DEus PAL 53 Topos - Amém. BEATA VELHA — Deus vos salve, almas fiéis, que para o purgatorio ides ¢ grandes penas sofreis. Vés fostes o que eu sou eu hei de ser o que vos sois. Rogai ao meu Deus por mim, que eu rogarei por vés. Topos - Amém. MARUCHENGA - Fiquem aqui um pouquinho e arrumem-se para rezar pela minha senhorita Peraltona. MULHER DO MEDICO ~ Mas se tudo isso foi invencao do tal Peralta. MARUCHENGA ~ Deve ser, minha senhora, mas ela nada tem a ver. BEATA VELHA (entrando na casa com o cortejo) — Requiescat in pace! Topos - Amém. BEATA VELHA — Almas do purgatério que agora penando estais, rogai a Deus por nés desde o lugar onde estais e nds rogaremos por vos para que das penas vos livreis. MULHER DO MEDICO - Até a tiltima hora ele ficou de pé, lu- tando contra as doengas. SOBRINHA - Mas as doencas ficaram mais requintadas... MULHER Do MépIco - Era a febre amarela de fulano, o sa- rampo de beltrano, a tosse comprida ea varicela do sicra- no. A dor nas costas, o tifo... Almas benditas! BEATA VELHA — Almas benditas, rogai por nés! Topos - Amém. MULHER DO MEDICO ~ Sem nenhum do de brucos entre os pacientes.. so... Almas benditas! aviso, ali estava ele, cai- . Ele que era tao carido- 54 Enrique Buenaventura BEATA VELHA — Almas benditas, rogai por Nés, Topos - Amém. : MULHER DO MEDICO — Foi Deus... Moca - Foi 0 diabo. O meu velho mMorreu daquele ;. s6 a morte relinchar que ele caiu duro e Preto, coisa de bruxaria e esse Peralta é bruxo Brady BEATA VELHA ~ Ave Maria Purissima! Almas do p Pare com isso, menina! Em nome de Deus Pai. Em nome de Deus Filho E do Espirito Santo, que nem por fora nem por dentro possam me fazer mal. Amém. Topos - Amém. SoBRINHA — Tudo bem que o meu tio Romao Motresse. Era hora dele e a hora de nés recebermos a heranca. Mas quea minha mae e os meus tios e todos os meus Parentes fos. sem atras dele... E uma injustica. Moca - O mundo ficou todo desarranjado por causa desse tal de Peralta. A vida com as suas patacas e a morte comasn invencao, BEATA VELHA - Continuemos nosso caminho, porque a filade defuntos nao tem fim. Nao da para enterrar todos os coite- dos, muitos ficam por ai, com um pouco de terra por cima. MULHER Do MEDICO - E vosmecé, menina Edviges, sai lu ctando com isso, Um responso por ali, um Pater Noster p% Hiya a in Tentaciones pelo outro lado. inicia a retirada sem ouvi-la) — Almas do Purgatorio que agora mesmo viajais Por estes ares af em cima, Se chegardes, nao vos esquecais de rogar pelos que embaixo Tonos _ a, "°St€ mundo deixais. Amém,,. (saem) A ado... UTBatérigy A DIREITA DE DEUs PAI 55 Jesus (na porta da nuvem) - Carambolas! Como vocé é teimo- so, Pedro. Desga e fale com ele. SAO PEDRO — Eu disse para o Senhor que ele estava doido, Jesus - Deixe de sofrer e de se agitar e desca para falar com ele. SAo PEDRO ~ Eu nao quero trato com esse deménio de ho- mem. Mestre, eu fico na portaria o tempo que o Senhor quiser. Eo Senhor sabe 0 quanto tenho lutado nessa por- taria ultimamente. Jesus — Eu nunca tive uma reclamagao de vocé, Pedro. Mas agora faca o que eu estou pedindo: des¢a e fale com ele. SAO PEDRO — Esta bem, mas nao me responsabilizo. Sé digo uma coisa. Se eu quebrar uma chave na cabega dele, nao é minha culpa. Jesus - Nao seja genioso nem atrapalhado. Ele nao tem cul- pa. No final das contas, ele tem sido apenas um instru- mento. SAO PEDRO — Belo instrumento a Vossa Divina Majestade foi arrumar. O Senhor nfo lhe deu uma oportunidade? Jesus — Damos para todos os homens. SAO PEDRO — Sim, mas para ele, o Senhor deu uma melhor e mais proveitosa ¢ veja os pedidos que ele fez. Jesus - Va, Pedro, e cubra-se de Santa Paciéncia. SAo PEDRO — Santa paciéncia! Um sonso desses. Quem o vé tao simples, tao pacato. Quem nao conhece que 0 compre. Peralta, seu infeliz! MARUCHENGA — Ai, Jesus, Maria e José! O que vai acontecer agora?! SAO PEDRO ~ Seu vagabundo! Condenado! Cadé esse Peralta?! MAaRUCHENGA ~ Rapidinho eu o chamo, seu peregrino. Vou trazer 0 seu chocolatinho. (sai) SAO PEDRO — Dar explicagdes para esse espantalh chegamos! PerALtA — As suas ordens, senhor, estou aqui. SAo PEDRO - £ 0 Senhor mesmo quem me manda. Ma: entre nés, se fosse por mim... 0. Onde s aqui 56 i Enrique Buenaventura PERALTA ~ Pare de ficar tao bravo, j4 nao tem idage SAO PEpRo — Dar explicagdes para vocé! Mas 9 Se tai, que tudo fique claro e eu tenho de aclarar, Thor, ® PERALTA — E 0 qué nao esta claro, vosmecé? SAo PEDRO — Vocé bem sabe! PERALTA — Eu nao sei de nada! SAo PEDRO — Olhe, nao me faca perder a pouca paca. me resta! Vocé ganhou do inimigo aqueles tian 2 ay bilhdes de almas... Ae ‘ PERALTA — Em jogo limpo. SAO PEDRO — Cale a boca. PERALTA — Esta bem. SAO PEDRO — Vocé nao tem alcance para saber a configs alta teologia em que nos meteu. Sao MARUCHENGA — Aqui esta o seu chocolatinho com queiig jeito que a senhorita mandava preparar, alma ban Ai, tao boa que era, nem importava seu geniozinho! a, PERALTA — Esta certo, mas va para 1a, porque estamos conve. sando. MARUCHENGA — Ai, sinto tanta falta dela com os seus der. gues e seus melindres... (sat) SAO PEDRO - Ela pagou pelas suas invencionices. Chegoul no céu e tive de deixd-la entrar. Vocé sabe como ela er escandalosa... (come) Isto aqui esta gostoso. E a tinica co sa que me acalma. Mas diga, vocé percebeu todo om que fez? PERALTA - Eu reparti as patacas que o Senhor m SAo PEDRO - E quem tirou partido disso? Hei confusao que armou?! PERALTA ~ Esté nas Sagradas Escrituras: a sua ™ deve saber 0 que a esquerda da. Sho PEDRO - Até de Escrituras vocé ; tudo até o fim) Desculpe, mas isto esta muito nao sou de fazer ceriménia. ou lose” PERALTA — E 0 que aconteceu com a confusio I & tk e deu. n? Nio%* ao direit@™ (oe ef entende ago! gostos A piREITA DE DEus PA 57 co PEDRO — Teoldgica! Fale direito. Foi uma das maiores confusdes que tivemos de enfrentar 14 pelas alturas. Para falar a verdade, eu nao entendo patavina desse negocio. Para mim, isso é pura musica celestial. Mas fique vocé sa- bendo que foi necessario chamar SaoTomias de Aquino para resolver, pois o Mestre disse que os condenados tinham de ficar condenados por toda a eternidade. PERALTA - E como resolveram? SAO PEDRO - E ainda fica zombando, seu tonto? PERALTA — Eu estou zombando? SAo PEDRO — Nao me provoque. Nao me provoque, porque eu me levanto daqui e quebro a sua cara! PERALTA - Vosmecé fique calmo, vai ter indigestao com o cho- colate. Conte 0 que aconteceu. SAO PEDRO - Essas almas tiradas do inferno, para onde deve- riam ir? PERALTA ~ Para 0 céu. SAO PEDRO - Mas vocé nao percebe que sdio almas de conde- nados? Sao Tomas foi refletir e refletiu e refletiu uns dez minutos celestiais, que so um ano dos de vocés. Depois pediu conferéncia com 0 Mestre e com Santa Teresa de Jesus. Isso foi o que mais deixou as santas todas alvoro- cadas, porque, mesmo estando no céu, sao mulheres. Co- mecou a se ouvir um zunzum e a juntar gente na praca... PerattA ~ E dai? SAo PEDRO - Espere, nao seja importuno. Santa Teresa sen- tou-se em uma carteira e comegou a escrever. Sao Tomas relatando e Santa Teresa escrevendo. Essa sim que é uma escrevedora. Ali se viu o tanto que domina todas essas coisas de escrivaninha. PERALTA — Mas o que ela escrevia? SAO PEDRO - Nao me interrompa! Acomo rete ia escrevendo, escrevendo. Conforme escrevia, pendurando por tras da carteira, um papel comprido, muito duro, ja escrito, que ia se enrolando, enrolando... SA dada em seu tambo- ia se °8 enrique Buenaventura \ PERALTA ~ E eu estou €sperando, e SAO PEDRO ~ Tomara que nao pre Atlin 7 Precise esperar nidade, onde sabemos, seu Vigarista! Por tog, PERALTA ~ Esta bem, continue contando, At, SAO PEDRo — Depois de uns cinco mj uma escrita comprida, parou e fez si que tinha acabado. PERALTA ~ E af? SAO PEDRO ~ Tenha paciéncia, Porque temos tidg mi; vocé. O Mestre mandou preparar o Pregio Piibien Con ¢aram a repicar todos os tambores do céu eg Penis saiu dos seus lugares, aos encontroes, para ouvir nunca haviam ouvido em vida. E bom QUE Vocé saiba ‘ nem Sao Joaquim, 0 vové do Mestre, jamais havia din, histérias do arco da velha na praca da corte celestial PERALTA — Vosmecé fale, pelo amor de Deus, como acaboy isso tudo. SAO PEDRO - Como teria de acabar?! Ao final, o documento queria dizer que era muito verdadeiro 0 fato de Vocé ter ganho do inimigo uma carrogada de almas, com muita. galidade, em jogo muito limpo e muito decente. PERALTA ~ Gosto que reconhecam... SAO PEDRO ~ Ai! Vocé tinha de ver a santinha lendo: “Nés, Tomas de Aquino e Teresa de Jesus, maiores de idadee domiciliados no céu, viemos, mandados por Nosso Senhor, resolver um assunto muito complexo...” . PERALTA — Estdvamos em que eu havia ganho do inimigo..- SAO PEDRO ~ Mas se tivesse ouvido a vozinha com que x Era como quando os jovens montanheses comesam @ : car a gaita, como quando pelos sopés comecam a 8°") 0s sumidouros nos charques tocados pelo sol. PERALTA — Tudo bem, se nao quer contar nao conte. SAO PEDRO ~ Nao seja insolente! Mesmo vocé tendo ne na legalidade, aquelas almas nio podem entrar no cel por acaso. Nut ie 08 cg Stig 4S para g Mes, dy *q ganho A DIREITA DE Deus Pat 59 PERALTA — Por qué?! SA0 PEDRO ~ Porque por mais espertalhao nao pode contradizer o Senhor. PERALTA — Nao € isso, mas... sAo PEDRO ~ Aqueles condenados ficarao dando voltas... peraLTA — Dando voltas onde? SAO PEDRO — Nao grite! peraLTA — Estou fazendo uma reclamacio... SAo PEDRO ~ Olhe, vou quebrar a sua cabeca! (cai esgotado pelo esforso) Ai, ai! Vocé nao percebe que eu softo do cora- 40? Com esse sobe e desce, fiquei pior. PERALTA — E quem manda se enfurecer? SAO PEDRO — Senhor, dé-me paciéncia. (para Peralta) Traga- me um jarro de agua. PERALTA — Aqui esta! SAO PEDRO — No final das contas, aqueles condenados nao vio voltar para as penas das chamas, mas para outro infer- no novo, que vale o mesmo que o de vela. PERALTA — Isto é diferente. Como é esse inferno, vosmecé? SAO PEDRO — Pois é uma vigilia muito particular. Dé-me outra cabaca de agua. Dizem que é 0 seguinte: o meu Deus joga no mundo trinta e trés bilhdes de corpos e, nesses corpos, tirou das profundezas dos infernos que vocé seja, vocé enfia as almas que vocé e essas almas, mesmo que os pais dos corpos acreditem que vao para o céu, ja estao condenadas desde que nas- cem e por isso 0 santo batismo nao as toca. Quando os corpos morrem, as almas vao para outros ¢, depois, para outros e continua esta festa assim até o dia do juizo, dai em diante, elas voltam para 0 inferno, per secula seculorum, amém... Vamos 14, ponha mais agua, que ©U pitta a PERALTA - Quer dizer que, desde que nascem, J@ S20 rae i SAo PEDRO ~ E. E 0 inferno em que se queimam © @ aa PERALTA - Pois cu acho muito bem ¢ muito verdadeira € to boa a moda que inventaram. A sate é ixou seco. Sho PEDRO ~ Ponha mais agua, voce me er 60 Enrique Buenaventura PERALTA — Se quiser, mando preparar outro chocolar: SAo PEDRO — Nao. Vocé nao sabe, mas deixej a se, trar de contrabando 14 no céu para me Btepatas. Img &, porque isso de comer gloria nao é para um re eu... Maruchenga! MARUCHENGA - Sim, senhor. SAo PEDRO - Traga milho. Peraltona pediu para fazer bro; MARUCHENGA —~ Sim, senhor. Olnhas, Sko PEDRO - Peralta, vocé nao me deu ouvidos ¢ os pedidos se evaporaram! Quantos ficaram, depois desea fusao toda? =~ PERALTA — Um, vosmecé. SAo PEDRO - Aquele de ficar pequenininho? PERALTA — Esse mesmo, vosmecé. SAO PEDRO - Quem entende vocé, Peralta? PERALTA — Nem eu mesmo consigo me entender, vosmecé, MARUCHENGA - Aqui esta o milho, senhor... Mas como éisso de que a senhorita Peraltona...? SAo PEDRO — O Peralta vai lhe explicar. Eu vou subindo por que esta chegando a hora do lanche. MARUCHENGA — Seu Peraltinha, tudo isso é tao misterioso... Onde a gente vai parar?! PERALTA - Sei 1a, Maruchenga!!! (sat) ESMOLEIRO 1 (entrando com o Esmoleiro 2) - Vosmecé na a que horas volta o seu Peralta? MARUCHENGA ~ Deve estar chegando. Ele anda que patett um duende, daqui para la, de casa em casa, amortalhando os defuntos, consolando e socorrendo os vivos-.- ESMOLEIRO 2 ~ Aplacando o vespeiro que levantou- MARUCHENGA ~ Cale essa boca, mal-agradecido. ESMOLEIRO 1 ~ Podia ter repartido as patacas sem faze essa embrulhada. i MARUCHENGA ~ Vocés nao sabem de nada. Sao coisas de Deus: EsMOLEIRO 2 ~ E coisa de Deus que a Morte fique pe? ura em uma forquilha e que a soltem... ate 10 On, io sabe r toda A DIREITA DE Deus Pal 61 EsMOLEIRO 1 - ... E, que em um triz, ela acabe com Os cris- tos? ESMOLEIRO 2 — Deixando essa fila de mortos, feito minhoca em colheita que nem todas as galinhas do mundo vao con- seguir comer?! MARUCHENGA ~— Os que mais foram favorecidos sao os que mais reclamam, ESMOLEIRO 1 - Eu nao fui muito favorecido, nao. ESMOLEIRO 2 — Nem eu. MARUCHENGA ~ Vocés n&o passam de pedintes choramingas e bagunceiros! Se dependesse de mim, eu os expulsaria com a minha vassoura! ESMOLEIRO 1 — Sabe quem tirou proveito? Os que, com este morticinio, herdaram tantos bens que nem sabem onde por. ESMOLEIRO 2 - E agora vivem em festas, bebedeiras e badernas. ESMOLEIRO 1 — Vocé acha que o mundo vai mudar e melhorar com umas patacas? ESMOLEIRO 2 ~— E com milagres, feitigos e bruxaria? MARUCHENGA — Eu nio sei de nada. Seja feito o que Deus quiser. EsMOLEIRO 3 (entrando) — Ave Maria Purissima! MARUCHENGA ~— Sem pecado concebida! ESMOLEIRO 3 — Vejam como eu venho. Pois assim me deixa- ram no caminho real, quase pelado, pois roubaram tudoo que me havia dado o seu Peralta. EsMOLEIRO 1 - Com 0 “ladrocinio” que se desencadeou... ESMOLEIRO 2 - Tudo ficou corrompido e estragado agora. : EsMOLEIRO 3 — E vem mais. Sao nuvens e nuvens de mendi- cantes, infestos e comildes como gafanhotos. MENDIGA (entrando) - Louvado seja 0 Senhor! MARUCHENGA — Seja bendito ¢ louvado! : MENDIGA ~ O seu Peraltinha nao esta por aqui? MAaRUCHENGA - Esta fazendo a sua caridade, as suas boas obras. 62 _ Enrique Buenaventura IGA - Entao que volte a fazer comigo, Gora MEND! ue ele havia me dado evaporou-se como As lige ro q tacas para um doutor com uma cay Oey i a See olveria em-d ms boa. Ele disse que as devi ake em “ Passou outro més e¢ tive d Mey P o més € nada. ; pens ms esmolar. © vo} t que oj ESMO! (entran' ) eus,; que igs Mi i Santo Di i horrivel!! COisg MARUCHENGA — O que aconteceu?! ESMOLEIRO VELHO — Que calamidade tao calamitosal MARUCHENGA ~ Fale. EsMOLEIRO 1 - Esse sim que aproveitou. As patacas fn para ele. EsMOLEIRO 2 - Com a agiotagem e a avareza esta enriquecep, 0. Spit 1-Amontoando dinheiro e mais dinheiro emb,. xo dos trapos... Vocés o véem tao maltrapilho... ESMOLEIRO VELHO - E vocés nao tiraram proveito? Eu sei das negociatas que fizeram e que ninguém fale em tirar provei- to, porque seria falar de corda em casa :de todos os enfor- cados. MARUCHENGA — Nao ligue para eles e conte. ESMOLEIRO VELHO ~ Pois o Peralta, quando enterrou os de- funtos, largou-se para a cidade e encontrou a gandaia dos que se enriqueceram com a Morte, foi para o cassino ev que estava cheinho, cheinho. ESMOLEIRO 2 — Logo ele que nao gosta de jogatina. En?! = a as trapacas que sabe... MENDIGA _ ee tigaram a sua vontade. Eswoun 1xem-no contar, choraminguentos' «tO VELHO ~ Ele entra no truco e vai desbancan MND Dene ea, Soma amontoar pata ESMOLEIRO 1 — 1g 0 abencoe, ele é to caridoso! ESMOLEIRO 2 nl sabe onde enfiar. olta a rodar a mesma roleta. do 0 A DIREITA DE DEUS PAI 63 ESMOLEIRO VELHO — E comega 0 tumulto... Voa faca, voa na- valha e ele calmo e sereno. Truco! Par de ases! Manilha! MARUCHENGA ~ E depois? ESMOLEIRO VELHO ~ Nisso chega uma mensagem do rei. Deve ir ao palacio do rei. A sua magnifica majestade est espe- rando. E sai aquele montao de gente atras, gritando como condenados: “Ele tem poderes! Deve ser queimado vivo, por ser herege! Usa dados viciados!” MARUCHENGA ~ E 0 que aconteceu? ESMOLEIRO VELHO — Chegam IA € 0 rei esta sentado no seu trono bem alto, de um lado, a rainha, e atrds, gente muito branca e parada, pareciam chefes ou manda-chuvas. De um lado umas senhoras muito bonitas e muito ricas, que pareciam princesas. Ai, levanta-se um senhor todo de ne- gro ec com um gorro e diz: “Peralta, o rei vai dar a senten- ca!” E o rei arrumou a coroa e, com um vozeirao muito tonitruante, grita: “Peralta, vocé nos deixou muito assus- tados. Por algum tempo, acreditamos que o reino ficaria transtornado. E vocé foi a causa de toda essa confusao.” E ai Ihe passaram pergaminho enrolado para ler: “Todos sa- bemos que 0 mundo nao pode mudar, assim como esta feito deve-se deixar, porque assim é como nés, os reis, podemos governd-lo”. Inferno! As acusagdes que chove- ram sobre Peralta. Todo mundo deu seu palpite contra ele eo rei condenou Peralta ao desterro, com os seus trastes € as suas tralhas. : MARUCHENGA — Todos sao ingratos. Com o tanto que ele aju- dou todo mundo... ESMOLEIRO 1 ~ As patacas vao para onde for desterrado. ESMOLEIRO 2 - Deveriam tranca-lo aqui, fabricando moedas. EsMOLEIRO 3 — Antes que o mandem embora, vou vé-lo, para ele me remediar. : MENDIGA — Jesus! Que governo atrapalhado o que nos te- mos. A sua magnifica majestade nao entende nada. EsMOLEIRO VELHO — Ld vem ele! (entra Peralta) Vejam como 64 Enrique Buenaventura vem desanimado, com cara triste... Uma dai ade Peraltinha! i EsMOLEIRO 1 - Nao se esqueca dos seus pobres, is Stay EsMOLEIRO 2 - Deus Ihe pague e lhe dé 0 céu, EsMOLEIRO 3 - Veja como 0 “ladrocinio” me deixoy : ralta, quase nu... Deus lhe pague. » Seu, MENDIGA — Aqui me tem outra vez na mendicancia ralta. Socorra-me, por Deus. Deus lhe pague.., MARUCHENGA - Nem deve ter comido. Espere que ) trazer um milho cozido. (musica da Morte. Ela entra 4 a » Sey Pe, pulos) Morte - Hum... Parece que apreenderam a licao. Por te ficam tio amedrontados? Ainda nao se acostumaram ¢. migo? Quais sao os que vao comigo desta vez? Nao quero vocés tristes, quero que fiquem bem contentes e alegres., Eu trouxe os espectros de uns musicos para fazerem uma serenata para o meu amigo Peralta... Ei, muisicos! Sto. tistas consumados, mas morreram de fome e nao tém foe go para tocar... Toquem! Toquem, tremebundos! Mas que desanimados e murchos. La vai uma quadrinha... A vinganca é um prato que se come frio; esta tarde é a minha vez de comer o meu. E agora, seu Peralta, vai se dignar a partir comigo? PERALTA — Sim, senhora, com muito prazer, porque muitov" e aproveitei. Morte ~ E muitas mas acdes fez, condenado. a PERALTA ~ Que me julguem como quiserem. Eu quis “ Bem. Que culpa eu tenho, se saiu 0 Mal? Mas me ates um pedido. Quero que a minha mortalha seja 4¢ aes e que fagam um bolsinho no sudario e coloquem # oa mente 0 baralho e os dados. Quero ser enterrado sem . xo, bem na entrada do cemitério, onde todos M° rs bastante. Considero todos testemunhas, para que seja¢ A DIREITA DE Deus PAL 65 prida a minha ultima vontade; agora, sim podemos parti minha senhora. : Pattir, MARUCHENGA ~ Ai, a Morte vai leva-lo! MENDIGA - O nosso Peraltinha vai embora. Quem vai nos favorecer agora? ESMOLEIRO VELHO — Requiescat in pace! Topos - Amém! MENDIGA — Descanse em paz com a santa companhia de ca- beceira! Topos — Descanse em paz. MENDIGA — Com 0 anjo Sao Miguel e a sua espada justiceira... Topos — Descanse em paz. MENDIGA — Com a chave que tudo abre e a mao que tudo fecha... Tobos — Descanse em paz... (saem) 46 Enrique Buenaventura MARUCHENGA — Eu também, porque nao agiiento essa sao. (sai) MULHER DO MéDICo ~ Bem empetecada e bem Tespong Tudo com o dinheiro dos pobres! (sai) onal Maripo DA MULHER VELHA E FEIA ~ E qual foi 0 benefic, que esse dinheiro trouxe? Foi parar no bolso dos agiotas, nas arcas dos trapaceiros. (sai) CovemRo - Agora, ha mais ricos e mais pobres do que antes ¢ tudo continua igual. S6 que nao ha mortos, e isto sim é uma calamidade. (sai) SOBRINHA — Uma calamidade insuportavel! (sai) BEATA VELHA — Nao quero falar, mas para mim esse Peralta parece macom ou excomungado, com muita certeza. (sai) ESMOLEIRO VELHO (fazendo montées de moedas) - Um montinho para emprestar a vinte por cento e outro para jogar na ro- leta e na briga de galos. Emprestei oitenta para o Sarnoso. O Maneta esta me devendo cento e cinqiienta. E fique ai, ossuda, porque ninguém vai tirar vocé dessa arvore. Vou viver cem anos acumulando riquezas! COnfy. Segundo ato D1ABo (saindo esbaforido da boca do inferno) — Que contas sao essas, seu condenado! EsSMOLEIRO VELHO - Santo Deus bendito! O tinhoso!! (sai correndo deixando as moedas) D1azo - As famosas patacas! Quanto problema armou aquele magrelo! PERALTA (entrando) — Boa noite, vosmecé. O senhor por aqui? D1ABo — Nao se faca de desentendido. PERALTA ~ E estas patacas? D1aBo — Pois sao daquelas que vocé andou repartindo para criar encrenca. PERALTA — Para fazer caridade, vosmecé... Mas, 0 que trouxe o senhor por este fim de mundo? DIaBo - Vocé sabe muito bem. PERALTA ~ Eu? Diaso - Diga, onde vocé prendeu a Morte? PERALTA — Prendi ali, em um abacateiro do solar. Vosmecé a quer para qué? DIABO — Vocé nao percebe que voc' e toda a pedozada do inferno, de bracos cruzados? Outro dia, até mandei um olhciro para 0 caminho do céu, vigiar por aquelas bandas e ver se todas as almas estavam se salvando... Que salvagao que nada, disse Sio Pedro, isto aqui esta se acabando! Fui averiguar ¢ descobri que era vocé o culpado de tudo isso. PERALTA — Veja, vosmecé, eu nao posso soltar a Morte, por- que o primciro que ela vai pegar serei cu. Vamos fazer uma @ me deixou, com o mordomo

Você também pode gostar