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Meditar e Aprender Hugo de São Vítor

1. O documento apresenta Hugo de São Vítor, um monge e teólogo medieval do século XII. 2. Na época, houve uma cisão entre o conhecimento lógico e racional e a formação de uma personalidade inteira. 3. Hugo de São Vítor fundou a Abadia de São Vítor em Paris para promover a educação monástica baseada na virtude.
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Meditar e Aprender Hugo de São Vítor

1. O documento apresenta Hugo de São Vítor, um monge e teólogo medieval do século XII. 2. Na época, houve uma cisão entre o conhecimento lógico e racional e a formação de uma personalidade inteira. 3. Hugo de São Vítor fundou a Abadia de São Vítor em Paris para promover a educação monástica baseada na virtude.
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Meditar e aprender:

Sobre o modo de aprender e meditar


Opúsculo áureo sobre a arte de meditar
Hugo de São Vítor
1ª edição — fevereiro de 2024 — CEDET
Títulos originais:
De modo dicendi et meditandi
De meditando seu meditandi arti cio: Opusculum aureum
Reservados todos os direitos desta obra.
Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela
eletrônica, mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução, sem
permissão expressa do editor.
:
Felipe Denardi
:
Roger Campanhari
  :
Vitório Armelin
:
José Luiz Gozzo Sobrinho
:
Renan Franciscon Marques
  :
Paulo Bona na
      ()
São Vítor, Hugo de (1096–1141).
Meditar e aprender / Hugo de São Vítor;
edição bilíngue latim-português; tradução de Roger Campanhari – Campinas, SP: Kírion, 2024.
Título original:
De modo dicendi et meditandi
De meditando seu meditandi arti cio: Opusculum aureum
ISBN: 978-65-87404-97-4
1. Educação 2. Teoria e loso a da educação
3. Filoso as antiga, medieval e ocidental
I. Autor II. Título
CDD 370 / 370-1 / 180
   
1. Educação – 370
2. Teoria e loso a da educação – 370-1
3. Filoso as antiga, medieval e ocidental – 180
Os direitos desta edição pertencem ao
CEDET — Centro de Desenvolvimento Pro ssional e Tecnológico
Av. Comendador Aladino Selmi, 4630
Condomínio GR2 Campinas — módulo 8
CEP: 13069-096 — Vila San Martin, Campinas-SP
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e-mail: [email protected]
 :
Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo
Sumário
A

S      

D    

O      

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N  R
Legite ergo atque diligite, et quod propter dilectionem legitis, ad
hoc legite ut diligatis: totum ex dilectione t, dilectio mittit,
dilectio suscipit, dilectio est quod tribuitur, dilectio quod
recompensatur.
Lê, pois, e ama, e aquilo que lês por amor, lê para poderes amar:
tudo vem do amor, transmite o amor e o amor recebe, amor é o
que se dá e o que se ganha em troca.
— no prólogo a De laude caritatis
A
Hugo de São Vítor nasceu na Saxônia em 1096, descendente de uma
família nobre de Blankenburg, em Harz. Desde cedo teve a in uência
de seu tio Reinardo, bispo de Halberstadt e fundador do mosteiro
agostiniano de Hamersleben, onde fez seus primeiros estudos. Anos
mais tarde foi enviado para o exterior, juntamente com seu tio-avô
homônimo, arcediago de Halberstadt. Ambos ingressaram, por volta
de 1115, na recém-fundada Abadia de São Vítor, nos arredores de
Paris. Da década de 1120 até sua morte foi professor e diretor da escola
do mosteiro, prior do mesmo, bispo e cardeal da Igreja Católica. Um
dos homens mais célebres de seu tempo por suas virtudes e por sua
ciência, e um dos maiores teólogos de todos os tempos, Hugo é
certamente o mais renomado de todos os vitorinos. Quando ingressou
em São Vítor, seu fundador já não residia mais ali. Guilherme de
Champeaux (1070–1121), que estudara na escola da Catedral de
Notre-Dame e ali fora ordenado padre e sagrado bispo, havia se
tornado o mais célebre professor de dialética da época.

Ocorre que o século , do qual se diz ter sediado um


“renascimento” na loso a — por in uência, inclusive, da
redescoberta de obras de Aristóteles na Europa —, foi marcado, sob
outro ponto de vista, por uma cisão no âmbito do conhecimento e da
educação: a separação entre o estritamente lógico e racional, e a
formação de uma personalidade inteiriça, promovida especialmente
pela observância monástica. Deu-se, então, um destacamento do
puramente “ losó co”, que medrava nos debates das escolas, como
sendo algo valioso em si mesmo, não mais como parte de uma
pedagogia baseada na unidade de vida do indivíduo, cujo objetivo era
a contemplação, a aquisição daquela sabedoria com a qual “tem-se um
antegosto nesta vida do que será a recompensa futura”. Os colóquios
afáveis dos séculos  e , nos jardins dos mosteiros, entre o mestre
amado e reverenciado e seus poucos discípulos de elite, tinham-se
acabado; tinham-se acabado a suavidade dos modos, a correção
amorosa e a aura de benignidade que se estendia por sobre a escola
inteira, e que unia os seus membros numa irmandade de amor. Em seu
lugar, uma atmosfera de contendas estridentes, idealizada e descrita na
linguagem do combate militar — a disputatio que daria origem à
escolástica. A linguagem da virtude e suas imagens do ser humano
excelente converteram-se, de ideais vividos, encarnados, em discurso,
na poesia e na loso a humanísticas.

O representante mais eminente do “renascimento” do século  foi


Pedro Abelardo (1079–1142), discípulo de Guilherme de Champeaux
que abandonara a carreira das armas pela das letras.

Com o poder de sua língua e sua inexpugnável capacidade lógica, o


amante de Heloísa arrastava multidões de estudantes por onde
passava, pessoalmente ou por meio de seus escritos, e à sua sombra
de nhavam os mestres antigos — e, com eles, os próprios
fundamentos de seu ensino: a autoridade pessoal, a irradiação de uma
virtude transformadora desde a presença física. Abelardo desa ou seu
mestre numa disputa acerca da natureza dos universais, e venceu. O
mestre deixou a escola que dirigia, e o aluno irreverente acabou
assumindo o seu posto. Guilherme retirou-se em 1108 para um
eremitério abandonado ao sul do Sena, próximo aos muros de Paris, e
lá fundou, com os discípulos que o seguiram, sua comunidade de
cônegos regulares dedicada a São Vítor. Foi ali, pois — na igreja e
mosteiro que hoje, lamentavelmente, não existem mais, destruídos
pela Revolução Francesa —, que ingressou Hugo, donde se fez
professor em 1125, diretor em 1133, e logo prior, bispo, e onde veio a
falecer, em fevereiro de 1141.

A nova escola, cuja origem estava marcada pelo triunfo de um jovem


e insolente dialético sobre o seu mestre, abandonava assim aquela
loso a ilegítima, mero conhecimento teorético adquirido, e esposava
a verdadeira loso a, extraída do ser mesmo “como o mel de uma
colmeia” — a virtude, a beleza dos costumes e a divina sabedoria —,
dando continuidade, longe das scholas, à tradição da educação
monástica, que supõe um estilo de vida antes do cultivo das letras, e
que se serve deste com vistas ao seu ideal de vida eterna.

A recepção e a instrução dos noviços era feita com o máximo de


cuidado e afeição. A idade mínima era quinze anos, e as regras para a
admissão aludiam, de modo geral, a homens maduros. Requeria-se a
demonstração de “bons costumes”, especialmente mansidão,
disposição para aprender e paciência para ser corrigido. Uma vez
admitido, provadas a sua perseverança e a sinceridade de sua
pro ssão, o novo irmão era conduzido até o abade, a cujos pés se
prostrava. “O que procuras, irmão?” — perguntava o abade. “A
misericórdia de Deus e o seu convívio”. E o abade respondia: “Que o
Senhor te conceda o convívio dos eleitos”.

Concluídos os primeiros ritos de admissão, o noviço era entregue aos


cuidados do mestre de noviços, que o provia das novas vestes e de um
lugar no dormitório. Asseado e trajado, era levado para a scola, onde
se dava a instrução dos noviços, e de lá ele saía apenas para comer e
dormir. Tal como nas escolas catedrais do século anterior, a relação
entre mestre e estudante era extraordinariamente próxima, e o
discípulo buscava educar suas ações e palavras ouvindo e observando
o seu mestre, cujos atos e palavras lhe cabia imitar e repetir, como no
ensaio dos movimentos, gestos e falas de uma peça de teatro. A meta
era aprender, por meio da audição e da prática, “o bom termo e a
medida adequada em todas as palavras e ações”.

As instruções para o treinamento dos principiantes nos mores, nos


“bons costumes”, suas prescrições detalhadas, bem como sua natureza
e suas metas, é o que o mestre Hugo descreveu em seu De institutione
novitiorum, 1 texto mais antigo do gênero, escrito provavelmente no
início da década de 1120. Do começo ao m, trata de como se
comportar e como aprender as boas maneiras; em suma, trata
exclusivamente da disciplina, do processo de aprendizado da virtude,
cujo sentido é expressamente limitado a uma etiqueta concreta de
conduta, ao controle e governança do corpo: o bem não se constitui
somente no desempenho de boas ações e na omissão de feitos maus,
mas também na aparência da bondade, em sua expressão, sua gura
exterior. A bondade deve ser visível no movimento ordenado do
corpo, pois este é o locus da virtude. Os ritmos, a postura, os silêncios
e palavras — tais são os meios pelos quais a virtude se revela, e esse
processo de autodomínio se dá especialmente em quatro contextos: na
vestimenta, nos gestos (incluso o caminhar), na fala e nos modos à
mesa. E como o meio básico para aprender a disciplina é a imitação, a
condição primeira para que se o faça com os homens bons e santos é,
segundo Hugo de São Vítor, a humildade, que abranda a alma
orgulhosa e a torna receptiva às lições dos outros, tal como o calor
amolece a cera para que receba a divisa do sinete.

A governança do corpo é, portanto, o começo indispensável, o


primeiro passo do caminho que levará a Deus, pois o domínio sobre as
coisas exteriores leva ao domínio sobre o mundo interior. Tais eram as
promessas da instrução dos principiantes em São Vítor. Era o studium
vivendi, que precedia, e preparava, o studium legendi, explorado por
Hugo em outra obra, sua mais importante obra pedagógica: o
Didascalicon de studio legendi — o “didascálico”, o “livro-texto” sobre
a arte de ler e de estudar. 2

Neste, que acabou tornando-se o grande tratado sobre a pedagogia da


época, o mestre não se dirige aos professores, como a traçar um plano
pedagógico ou um programa de disciplina que seria, então,
transmitido aos alunos, ao longo do qual estes seriam conduzidos
como por um curso. Hugo de São Vítor tem por interlocutor
diretamente o aluno, o leitor estudante, aquele que se sente
vocacionado ao estudo e desejoso do saber, e que se supõe ter-se já
formado nos mores sob a égide da humildade. É hora de que lhe sejam
esclarecidas, pois, a natureza das artes liberais, e o autêntico objetivo
da loso a como busca da sabedoria. Hugo distingue, uma a uma, as
diversas artes que podem ser estudadas e aprendidas, e que são, ao
mesmo tempo, territórios da realidade a serem conhecidos. Ele
sintentiza princípios sobre a natureza do mundo, sobre a natureza
humana e sobre a sua semelhança com Deus, e assim fornece um
amplo mapa do conhecimento, delineando o caminho a ser percorrido
pelo estudante. Orienta o aspirante naquilo que deve ler, mas
sobretudo — e aqui está a sua parte central — no modo como deve
fazê-lo, expondo uma verdadeira teoria da leitura. Trata de cada uma
das três coisas necessárias ao estudo — a capacidade natural, o
exercício e a disciplina —, e sobre o trabalho do engenho e da
memória, os esforços na investigação e na compreensão, a quietude, a
parcimônia.

Este é, por assim dizer, um primeiro nível, um primeiro giro em


torno do tema que será explorado novamente nas partes seguintes, não
mais sobre as letras humanas, mas então sobre as letras divinas. A
segunda metade do Didascalicon é dedicada às Sagradas Escrituras, ao
estudo das quais se tendia desde o início, visto serem elas o verdadeiro
manancial da sabedoria. Os livros sagrados são a Palavra escrita de
Deus, por meio da qual se pode ouvir interiormente a mesma Palavra,
que é o Verbo e o Pedagogo, e que instrui e se une à alma que põe em
prática os seus mandamentos. 3 Hugo elucida quais são os livros
autênticos e quais os apócrifos, e o que disseram a respeito os concílios
ecumênicos (tenha-se em conta que, à sua época, não existia ainda o
códice, e que nem toda biblioteca era detentora de cópias de todos os
livros da Bíblia); explica o sentido dos seus nomes e o seu conteúdo,
como em breves introduções. Ele lista algumas propriedades do texto
sagrado que o leitor deve considerar, os vários modos em que se pode
compreender o seu sentido, e todos os frutos que se podem tirar da
leitura divina.

Contudo, o assunto tratado no Didascalicon — a leitura, mesmo que


dos textos sagrados — está relacionado apenas à primeira das três
operações a serem desempenhadas pelo estudante em seu labor, uma
das três “visões da alma racional”. São elas o pensamento, a meditação
e a contemplação, sendo a leitura um estímulo para o pensamento. O
pensamento, segundo Hugo, “é quando a mente é tocada pela noção
das coisas de forma transitória”, isto é, quando a coisa se apresenta à
mente, seja pelos sentidos, seja pela memória; porém, “se o princípio
do conhecimento está na leitura, sua consumação está na meditação”.
Por isso, uma leitura que não fosse sucedida pela meditação seria
inócua, ine caz, ou ao menos incompleta. O leitor que não meditasse
seria como quem colhesse materiais mas não realizasse a obra, ou
como quem ingerisse alimentos, mas, não os digerindo, não se
nutrisse. “A meditação é um reconduzir o pensamento de modo
assíduo e aguçado” a m de esclarecer o que estava obscuro, ou de
penetrar no que estava oculto. Sabemos, por outras fontes, que a
meditatio era comparada, na tradição monástica, ao ruminar de um
bovino: a leitura, que havia sido memorizada, isto é, as palavras que
haviam sigo engolidas para o estômago da memória, era rememorada
na meditação, trazida de volta à boca da mente para ser mastigada,
saboreada, e então ter seu sentido extraído e digerido, absorvido (e é
curioso que Santo Tomás classi que a estudiosidade como uma
virtude anexa da temperança, 4 justamente a virtude relacionada ao
equilíbrio e à moderação no comer e no beber, e nos demais apetites).

A contemplação, por m, “é uma visão perspicaz e livre que o espírito


tem das coisas, que normalmente são percebidas de modo confuso”; é
uma visão de conjunto, uma pequena iluminação. A meditação, que
era um “vagar curioso da mente” e uma “investigação atenta”, en m
desata o que estava emaranhado e nos leva a compreender as coisas de
modo claro e simultâneo — “o que a meditação busca, a contemplação
possui”.

Foi nestes dois escritos que vêm a seguir, o pequeno tratado Sobre o
modo de aprender e meditar e o Opúsculo áureo sobre a arte de
meditar, que o mestre de São Vítor tratou propriamente da meditação.
A humildade, que é exigida de antemão do postulante, e de novo do
principiante nos mores, é retomada incansavelmente como necessária
à leitura e à meditação: muito mais que uma virtude moral requerida,
ela é, com efeito, um princípio do conhecimento, que deve, conforme
se o busque e ele aumente, ser renovada e aprofundada. Explica, em
seguida, que existem gêneros diferentes de meditação, em cada um dos
quais se almeja um fruto diferente: a meditação dos costumes, a dos
mandamentos, e a das obras divinas; ou, no segundo texto, a
meditação sobre as criaturas, sobre as Escrituras e sobre os costumes.

Hugo expõe, de maneira precisa, com uma descrição e exemplos


muito concretos, como operam numa meditação o engenho e a
memória, e de que modo nós devemos proceder e exercer nossas
faculdades nessa prática, para avançarmos da questão para a
investigação, e da investigação para uma efetiva descoberta. O tema da
contemplação, propriamente, o mestre deixou para tratar em outros de
seus textos, como, por exemplo, o Tratado dos três dias.

A força que teve a Abadia de São Vítor, e a preeminência de Hugo de


São Vítor na história — na história do Ocidente, da Igreja, da teologia
e da pedagogia — é inquestionável, não apenas por suas obras, mas
pela in uência e pelo resultado de seu trabalho, como atestam alguns
laços que basta mencionar: São Bernardo de Claraval, o Doutor da
Igreja considerado “o último dos Santos Padres”, fez questão de ser
ordenado presbítero pelo bispo Guilherme de Champeaux, e trocou
correspondência com Hugo. Ele seria, mais tarde, o agelo da
arrogância de Pedro Abelardo, a vingar o velho mestre. Pedro
Lombardo, o autor das Sentenças que se tornariam estudo e
comentário obrigatório para todos os estudantes de teologia do século
seguinte, franciscanos ou dominicanos — entre os quais estão os
Doutores São Boaventura e Santo Tomás de Aquino — foi aluno de
Hugo em São Vítor, antes de se tornar professor na escola anexa à
Notre-Dame de Paris, onde ensinara Guilherme de Champeaux.
Ricardo de São Vítor, seu aluno e sucessor, é ao seu lado um dos
maiores teólogos do século  e de todos os tempos, um dos
fundadores do misticismo medieval.

Conta-se que São omas Becket teria pedido refúgio ali em São
Vítor quando eLivros por Henrique , antes de ir para Pontigny. E
também Santo Antônio de Pádua, outro Doutor da Igreja, antes de
ingressar entre os franciscanos formou-se no mosteiro da Santa Cruz
de Coimbra, cujos professores reproduziam ali, muito
conscienciosamente, o que haviam aprendido em São Vítor.
A escola de Hugo, preservando práticas e princípios que haviam
orescido nos séculos anteriores no ambiente monástico, acabou por
fazer brotar uma forma nova, uma nova excelência na pedagogia. E o
fato de ser ele próprio, além de teólogo, professor e diretor da escola,
conferiu à sua obra um cariz diferente daquele das obras de seus
colegas, único na Antiguidade e na Idade Média, e mesmo em toda a
hitória da pedagogia. Ela nos fez herdar, registradas, as suas
orientações mais práticas, o seu modo de organizar uma renovada
maneira de ensinar e de aprender, que se mantém um tesouro e um
patrimônio da Igreja e da cultura ocidental. Trata-se de uma forma
autêntica de educação cristã, pois, baseada nos princípios bíblicos
sobre a natureza humana e sobre a redenção, tem como m último,
visado já desde os rudimentos, a contemplação e a participação na
sabedoria, isto é, a união da alma com Deus e a dei cação do homem.
Nesse encadeamento que parte da disciplina dos modos para em
seguida ingressar no estudo das letras, o educador quer conduzir o
aluno à meditação das Sagradas Escrituras, a um estudo vital, e não
teórico, da teologia, para que, então, possa ouvir interiormente a
mesma Palavra de Deus, e seja capaz de imitar o verdadeiro Pedagogo,
Cristo, para en m tornar-se, como Ele, encarnação da sabedoria.

Ora, ainda convém a nós, hoje, dar atenção ao espólio de São Vítor, e
tentar reproduzir e praticar, mesmo que imperfeitamente, o que Hugo
aconselha nestas poucas linhas? De que modo isso nos seria útil? Em
primeiro lugar, é bastante favorável que Hugo de São Vítor dirija-se
francamente ao aluno, instruindo-o pessoalmente. Ou seja, na
ausência de um mestre, como é o caso em que nos encontramos a
maioria de nós hoje, podemos ler os seus escritos colocando-nos nesse
lugar, e ouvindo suas palavras como se, atravessando os séculos,
fossem ditas diretamente para nós. Sob a guia do próprio Hugo, se
aprendermos efetivamente a ler e a meditar aquilo que lemos, abrir-se-
ão para nós todas as escrituras, primeiro as profanas — e “se de boa
vontade aprendermos de todos, seremos os mais sábios de todos” —, e
em seguida as sagradas, por meio das quais, se em devida comunhão,
podemos ter a con ança de “ser ensinados pelo próprio Deus”, como
disse Ele mesmo, primeiro pela boca do profeta, e depois por sua
própria boca humana. 5 Convém muito a nós que, na pedagogia
traçada por Hugo de São Vítor, a vida intelectual não seja um
empecilho à vida espiritual, mas ao contrário, que seja ela própria um
caminho espiritual, pois que esse intelecto não é algo diferente ou que
se oponha ao espírito — como, no século , passou a ocorrer nas
escolas, e desde então nas universidades —, mas é o próprio espírito,
ou, melhor dizendo, uma de suas faculdades a servir ao seu propósito
último.

O intelectual contemporâneo, o estudante brasileiro contemporâneo,


que igualmente não se satisfaça com um conhecimento desconexo do
ser, tem na obra de Hugo de São Vítor uma inspiração para compor a
sua própria regra de vida pessoal. E a chave, o centro, está, muito
precisamente, na meditação, nessa atividade atenta e demorada que
busca ver em profundidade, e não na super cialidade sobre a qual
deslizam, velozes, os nossos olhos vidrados e o nosso polegar, e que,
mais do que acumular informações, mais do que “ car sabendo” ou
apenas saber dizer e refutar, almeja um saber de outra ordem, um
autêntico saber que se incorpore, que opere uma espécie de alquimia
do ser. A meditação, como se lê na raiz da palavra, é um meio, uma
intermediação entre os princípios e o caso concreto, entre o
conhecimento que está no livro e a vida daquele que lê, e que
conduzirá à sua maturidade.

A ars legendi é, assim, o caminho para uma nova ars vivendi, pois
que o conhecimento colhido da meditação não é mental, mas
encarnado; faz com que vivamos conforme à verdade, que nos
transformemos em alguém que sabe: permite e pede que a Sabedoria
vá transmutando, pouco a pouco, o nosso próprio ser.

— O editor
11 de dezembro de 2023,
Memória do Papa São Dâmaso

Bibliogra a
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, A instrução dos principiantes, tradução de Eduardo Zaratini.


Campinas: Edições Kírion, 2021.

.  , A inveja dos anjos: as escolas catedrais e os ideais


sociais na Europa medieval (950– 1200), tradução de Nelson Dias
Corrêa, Campinas: Edições Kírion, 2019.

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Veríssimo Anagnostopoulos, Campinas: Edições Kírion, 2019

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Mauricio Pagotto Marsola, São Paulo: Paulus, 2012.

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Campinas: Edições Kírion, 2022.

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Lisboa: Editorial Aster, 1959.

Princípios fundamentais de pedagogia, disponível em


www.cristianismo.org.br/pfp-00.htm.

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tradução de Bruno Alexander, Campinas: Edições Kírion, 2022.

  (Patrick Francis Mullany), História e essência da


educação ocidental, tradução de Bruno Alexander, Campinas: Edições
Kírion, 2021.

    , História da educação na Idade Média,


Campinas: Edições Kírion, 2018.
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
   

.       




O princípio do aprendizado é a humildade, sobre a qual muitas coisas


têm sido escritas. Ao estudante são especialmente apropriadas as três
seguintes. Primeira, que ele não tenha como desprezível nenhuma
ciência ou escritura. Segunda, que não o envergonhe aprender de
ninguém. Terceira, quando tiver alcançado uma ciência, que não
despreze os que não a possuem.

Muitos se enganam porque querem parecer sábios antes do tempo, e


acabam por ter vergonha de aprender com os outros o que ainda não
sabem. Tu, porém, meu lho, de boa vontade aprende de todos o que
não sabes. Serás, assim, o mais sábio de todos se de todos quiseres
aprender. Quem recebe de todos é o mais rico de todos.

Não tenhas por vil nenhuma ciência, pois toda ciência é boa. Não
desprezes nenhuma escritura ou, pelo menos, nenhuma lei que estiver
à disposição. Se nada ganhares com isso, também nada perderás.
Como disse o Apóstolo: Omnia legentes, quae bona sunt tenentes (1Ts
5, 21). 6

O bom estudante deve ser humilde e manso, inteiramente alheio às


preocupações mundanas e às tentações dos prazeres, e disposto a
aprender de todos com boa vontade. Que ele nunca tenha sua ciência
em alta conta, nunca queira parecer sábio, mas sê-lo. Que busque as
sentenças dos sábios e procure ardentemente ter sempre a sua imagem
diante dos olhos da mente, como em um espelho.

.      

Três coisas são necessárias aos estudantes: a natureza, o exercício e a


disciplina. Pela natureza ele deve perceber com facilidade o que foi
ouvido e reter rmemente o que foi percebido. Pelo exercício ele deve
cultivar a inclinação natural pelo trabalho e esmero. Pela disciplina ele
deve harmonizar os hábitos com o conhecimento, vivendo de modo
louvável.

.         

Os que se dedicam ao estudo devem primar ao mesmo tempo pelo


engenho e pela memória. Pois os dois estão de tal modo unidos entre
si em todo estudo que, faltando um, o outro é incapaz de levar
qualquer pessoa à perfeição, assim como ninguém pode usufruir de
suas riquezas se não houver como protegê-las; e em vão forti cam os
cofres os que não possuem o que neles guardar.

4. O engenho é uma certa força presente na alma que tem valor por si
só. A memória é a percepção mais consistente das coisas, das palavras
e das sentenças e signi cados por parte da alma ou da mente. O
engenho descobre, a memória guarda. O engenho provém da natureza,
é favorecido pela prática, embotado pelo trabalho imoderado e
aprimorado pelo exercício adequado. A memória é auxiliada e
fortalecida especialmente pelo exercício de memorizar e meditar
frequentemente.

Há duas coisas que exercitam o engenho: a leitura e a meditação. Na


leitura, mediante as regras e os preceitos, somos instruídos pelas coisas
que estão escritas. A leitura é também uma investigação do sentido
por uma alma disciplinada.

Há três gêneros de leitura: a do docente, a do aprendiz e a do que


estuda por conta própria. Na prática, dizemos: “eu leio o livro ao
aluno”, “eu leio o livro a pedido do professor”, ou simplesmente “eu leio
o livro”.

.   

A meditação é o pensamento frequente com deliberação, que


investiga prudentemente a causa e a origem, o modo e a utilidade de
cada coisa. A meditação tem o seu princípio na leitura, entretanto não
se realiza por nenhuma regra ou preceito da leitura. Na meditação, de
fato, agrada-nos discorrer por uma espécie de espaço aberto, no qual
direcionamos nosso olhar para a verdade a ser contemplada,
considerando ora uma, ora outra das causas das coisas; às vezes
também penetrando no que nelas há de mais profundo, não deixando
nada de duvidoso ou obscuro.

O princípio do conhecimento, portanto, está na leitura, e sua


consumação na meditação. Quem aprender a amá-la intimamente e se
dedicar a ela com frequência, tornará sua vida imensamente gozosa e
terá na tribulação a máxima consolação. A meditação é, entre todas as
coisas, a que mais afasta a alma da barulheira das ações mundanas; e
pela doçura da sua quietude oferece já nesta vida um antegosto da vida
eterna. Ela nos faz buscar e conhecer o Criador por meio das suas
criaturas, e dessa forma ensina a alma pela ciência e a aprofunda na
felicidade, donde que na meditação se realize a maior das alegrias.

.     

Três são os gêneros de meditação. O primeiro consiste no exame dos


costumes; o segundo, na indagação dos mandamentos; o terceiro, na
investigação das obras divinas. Nos costumes examinam-se os vícios e
as virtudes. Nos mandamentos divinos, os que são preceitos, os que
são promessas e os que são ameaças. Nas obras de Deus, as que foram
criadas pela sua potência, as que são moderadas pela sua sabedoria, e
as que têm a cooperação da graça. Quanto mais dignas de admiração
forem essas obras e quanto mais nos acostumarmos a meditar
atentamente as maravilhas de Deus, tanto mais elas serão conhecidas.

.      

A memória, ao mesmo tempo que colhe, guarda tudo aquilo que o


engenho procura e encontra. É importante, então, que as coisas que
destrinchamos ao aprender nós as recolhamos sob a guarda da
memória. Recolher na memória é reduzir a um breve e sucinto resumo
aquilo sobre o qual se debateu e escreveu extensamente. É o que foi
chamado pelos antigos de “epílogo”, isto é, uma breve recapitulação do
que foi dito anteriormente. A memória do homem se satisfaz com a
brevidade, e se está dispersa em muitas coisas, perde-se em cada uma
delas.

Por isso, em todo estudo ou aprendizado, devemos recolher a síntese


de uma verdade, que será guardada na arca da memória, donde
posteriormente, quando for preciso, possamos recuperá-la. Também se
faz necessário recordar com frequência essas verdades, reinvocando-as
do ventre da memória ao paladar da meditação, para que não se
desvaneçam por carem muito tempo abandonadas.

.      . 


   

São três as visões da alma racional: o pensamento, a meditação e a


contemplação. O pensamento é quando a mente é tocada pela noção
das coisas de forma transitória, quando a própria coisa, por meio de
uma imagem sua, se apresenta repentinamente à alma, seja entrando
pelos sentidos, seja brotando da memória. A meditação é um
reconduzir o pensamento de modo assíduo e aguçado quando nos
esforçarmos para esclarecer algo obscuro, ou quando procuramos
penetrar no que está oculto. A contemplação é uma visão perspicaz e
livre que o espírito tem das coisas, que normalmente são percebidas de
modo confuso.

Entre a meditação e a contemplação é importante ressaltar estas


diferenças: a meditação sempre trata daquilo que está oculto à nossa
inteligência, enquanto a contemplação trata daquilo que está manifesto
a nós, seja pela sua natureza, seja pela nossa capacidade. E também: a
meditação sempre se ocupa de investigar algo acerca de uma única
coisa; a contemplação, porém, se estende à compreensão de muitas, ou
mesmo da totalidade das coisas.

Logo, a meditação é um certo vagar curioso da mente, uma


investigação atenta do que está obscuro, um desatar do que está
emaranhado. A contemplação é aquela vivacidade da inteligência, que
compreende as coisas de modo simultâneo e evidente em uma visão
manifestada, de tal forma que aquilo que a meditação busca, a
contemplação possui.

.     

Contudo, há dois gêneros de contemplação. Um deles, que é o


primeiro e corresponde aos iniciantes, consiste na consideração das
criaturas. O outro, que é o último e corresponde aos perfeitos, consiste
na contemplação do Criador. Salomão, no Livro dos Provérbios,
começa com uma espécie de meditação; no Livro do Eclesiastes
ascende para o primeiro nível de contemplação; e no livro do Cântico
dos Cânticos transporta-se para o grau máximo.

Assim, para que distingamos as três ações pelos seus nomes próprios,
diremos que a primeira é a meditação, a segunda é a especulação, e a
terceira é a contemplação. Na meditação, a mente, in amada por
piedosa devoção, é obscurecida pela perturbação das paixões carnais,
que surgem inoportunamente. Na especulação, a novidade de uma
visão peculiar subleva a alma à admiração. Na contemplação, o gosto
de uma maravilhosa doçura a transforma toda em alegria e
contentamento. Portanto, na meditação temos disposição; na
especulação, admiração; e na contemplação, doçura.

.     

A exposição contém três partes: a letra, o sentido e a sentença. A letra


é a ordenação apropriada das palavras, a qual também chamamos de
construção. O sentido é uma certa con guração simples e adequada,
que a letra tem diante de si como uma primeira impressão. A sentença
corresponde a uma intelecção mais profunda, a qual não pode ser
encontrada senão pela exposição ou pela interpretação. E, para que
uma exposição seja perfeita, requer-se nesta ordem primeiramente a
letra, depois o sentido, e por m a sentença.

.     

Há três gêneros de vaidade. O primeiro é a vaidade da mutabilidade,


que é intrínseca a todas as coisas perecíveis pela sua própria condição.
A segunda é a vaidade da curiosidade ou da cobiça, que é intrínseca à
mente do homem devido a um amor desordenado pelas coisas
transitórias e vãs. A terceira é a vaidade da mortalidade, que é
intrínseca ao corpo humano pela pena que recebeu.

.    

Famoso por sua eloquência, Agostinho disse — e disse corretamente


— que o homem eloquente deve aprender a falar de tal modo que
ensine, agrade e convença. 7 A isso acrescentou que o ensinar
corresponde à necessidade, o agradar à suavidade, e o convencer à
vitória.

Entre esses três deveres, o que está colocado em primeiro lugar, isto é,
a necessidade de ensinar, se constitui por aquilo que dizemos,
enquanto as outras duas pelo modo como dizemos.

Portanto, aquele que falando se esforça para persuadir alguém de algo


bom, não despreze nenhum desses três aspectos, ou seja, que ele
ensine, agrade e convença; rezando e agindo para que seja ouvido de
modo inteligente, benevolente e obediente. Aquele que agir dessa
forma apropriada e conveniente, ainda que não obtenha o
assentimento de seu ouvinte, não sem mérito será dito eloquente.

A esses três pontos, isto é, o ensinar, o agradar e o convencer, o


mesmo Agostinho parece querer acrescentar também outros três
aspectos pertencentes à eloquência: “Portanto, será eloquente aquele
que puder dizer coisas simples com humildade, coisas razoáveis de
modo equilibrado, e coisas grandiosas de modo elevado”.

Assim, quem quer conhecer e ensinar aprenda tudo que deve ser
ensinado e adquira a faculdade de dizê-lo como convém a um homem
de Igreja. Aliás, aquele que deseja ensinar e por vezes não se faz
entender, não julgue que disse aquilo que queria dizer, porque, mesmo
que tenha dito o que de fato entendeu, não será assim considerado por
aquele a quem foi dito. Se, porém, o ensinamento foi entendido,
independente da forma com que tenha sido dito, basta.

Portanto, o doutor das Divinas Escrituras deve ser um defensor da


reta fé, um debelador do erro, e ensinar o bem. E, nesse trabalho de
pregação, deve conciliar os inimigos, levantar os indolentes, e
transmitir aos ignorantes o que devem fazer e o que devem esperar. E
onde ele tiver encontrado, ou mesmo formado, homens benévolos,
atentos e dóceis, todo o restante há de completar conforme o propósito
solicitar.

Se a quem ouve convém somente ensinar, que o seja feito por meio da
narração; mas, se a matéria de que se trata precisa ser claramente
conhecida, para que as coisas duvidosas passem a ser certas, deve-se
raciocinar a partir dos documentos utilizados.
D    
   
1. Humilitas discere volenti necessaria. Principium discendi humilitas
est, cujus cum multa sunt documenta, haec tria praecipue ad lectorem
pertinent. Primum ut nullam scientiam, nullam scripturam vilem
teneat. Secundum ut a nemine discere erubescat. Tertium ut cum
scientiam adeptus fuerit, caeteros non spernat. Multos hoc decepit
quod ante tempus sapientes videri volunt, et ideo ab aliis quod
nesciunt discere erubescunt. Tu vero, li, ab omnibus libenter disce
quod nescis. Sapientior omnibus eris, si ab omnibus discere volueris.
Qui ab omnibus accipiunt, omnibus ditiores sunt. Nullam denique
scientiam vilem teneas, quia omnis scientia bona est. Nullam, si vacat,
Scripturam vel saltem legem contemnas. Si nihil lucraris, nec perdis
aliquid. Apostolus enim ait: “Omnia legentes, quae bona sunt
tenentes”. Bonus lector humilis debet esse et mansuetus, a curis
saecularibus et voluptatum illecebris prorsus alienus, et sedulus ut ab
omnibus libenter discat. Nunquam de scientia sua praesumat, non
videri doctus, sed esse quaerat, dicta sapientium quaerat, et semper
coram oculis mentis quasi speculum vultus sui tenere ardenter studeat.

2. Studendi tria necessaria. — Tria sunt studentibus necessaria,


natura, exercitium, disciplina. In natura consideratur ut facile audita
percipiat, et percepta rmiter retineat. In exercitio, ut labore et
sedulitate naturalem sensum excolat. In disciplina, ut laudabiliter
vivens mores cum scientia componat.

3. Ingenio et memoria polleat. — Qui doctrinae operam dant, ingenio


simul et memoria pollere debent. Quae duo in omni studio ita sibi
cohaerent, ut si alterum desit, neminem alterum ad perfectionem
ducere possit, sicut nulla prodesse possunt lucra, ubi deest custodia; et
incassum receptacula munit, qui quod recondat non habuit.
4. Ingenium est vis quaedam naturaliter animo insita per se valens.
Memoria est rerum et verborum et sententiarum ac sensum
rmissima animi vel mentis perceptio. Ingenium invenit, memoria
custodit. Ingenium a natura pro ciscitur, usu juvatur, immoderato
labore retunditur, et temperato acuitur exercitio. Memoria per
exercitium retinendi et assidue meditandi maxime juvatur et viget.
Duo sunt quae ingenium exercent, lectio et meditatio. Lectio est cum
ex his quae scripta sunt, regulis et praeceptis informamur. Item lectio
est per subjectam ( † ) sensus investigatio. Trimodum est genus
lectionis, docentis, discentis, vel per se inspicientis. Dicimus enim,
lego librum illi, et lego librum ab illo, et lego librum.

5. De meditatione. — Meditatio est frequens cogitatio cum consilio,


quae causam et originem, modum et utilitatem uniuscujusque rei
prudenter investigat. Meditatio principium sumit a lectione, nullis
tamen struitur regulis aut praeceptis lectionis. Delectatur enim
quodam aperto discurrere spatio, ubi liberam contemplandae veritati
aciem affigat, et nunc has, nunc illas rerum causas perstringere, nunc
autem profunda quaeque penetrare, nihil anceps, nihil obscurum
relinquere. Principium ergo doctrinae est in lectione, consummatio in
meditatione. Quam si quis familiarius amare didicerit, eique saepius
vacare voluerit, jucundam valde reddit vitam, et maximam in
tribulatione praestat consolationem. Ea enim maxime est quae
animam a terrenorum actuum strepitu segregat, et in hac vita etiam
aeternae quietis dulcedine, quodammodo praegustare facit. Cumque
jam per ea quae facta sunt, eum qui fecit quaerere didicerit et
intelligere, tunc animam pariter et scientia erudit et laetitia profundit:
unde t ut maximum in meditatione sit oblectamentum.

6. Meditationis tria genera. — Tria sunt genera meditationis. Unum


constat in circumspectione morum, aliud in scrutatione mandatorum,
tertium in investigatione divinorum operum. Mores sunt in vitiis et
virtutibus. Mandatum divinum aliud praecipiens, aliud promittens,
aliud terrens. Opus Dei est et quod creat potentia, et quod moderatur
sapientia, et quod cooperatur gratia. Quae omnia quanta sint
admiratione digna tanto magis quisque novit, quanto attentius Dei
mirabilia meditari consuevit.

7. Memoriae commendanda quae sumus edocti. — Memoria


colligendo custodit ea quae ingenium investigat et invenit. Oportet
enim ut quae discendo divisimus, commendanda memoriae
colligamus. Colligere est ea de quibus prolixius vel scriptum vel
disputatum est ad brevem quamdam et compendiosam summam
redigere; quae a majoribus epilogus, id est brevis recapitulatio
supradictorum appellata est. Memoria enim hominis brevitate gaudet,
et si in multa dividitur t minor in singulis. Debemus ergo in omni
studio vel doctrina breve aliquid et certum colligere, quod in arcula
memoriae recondatur, unde postmodum cum res exigit aliqua
deriventur. Haec etiam saepe replicare et de ventre memoriae ad
palatum revocare necesse est ne longa intermissione obsoleat.

8. Animae rationali tres visiones. Meditationis et contemplationis


discrimen. — Tres sunt animae rationalis visiones. Cogitatio,
meditatio et contemplatio. Cogitatio est cum mens notione rerum
transitorie tangitur, cum ipsa res sua imagine animo subito
praesentatur, vel per sensum ingrediens, vel a memoria exurgens.
Meditatio est assidua ac sagax retractatio cogitationis, aliquid
obscurum explicare nitens, vel scrutans penetrare occultum.
Contemplatio est perspicax et liber animi intuitus in res perspiciendas
usquequaque diffusas. Inter meditationem et contemplationem hoc
interesse videtur, quod meditatio semper est de rebus a nostra
intelligentia occultis; contemplatio vero de rebus vel secundum suam
naturam vel secundum capacitatem nostram manifestis; et quod
meditatio semper circa unum aliquid rimandum occupatur;
contemplatio autem ad multa vel etiam ad universa comprehendenda
diffunditur. Meditatio itaque est vis quaedam mentis curiosa ac sagax
obscura investigare et perplexa evolvere. Contemplatio est vivacitas illa
intelligentiae, quae cuncta in palam habens manifesta visione
comprehendit, et ita quodammodo id quod meditatio quaerit,
contemplatio possidet.
9. Contemplationis duo genera. — Contemplationis autem duo
genera sunt, unum quod et primum est et incipientium in creaturarum
consideratione, aliud quod ultimum et perfectorum est in
contemplatione Creatoris. In Proverbiis Salomon quasi meditando
incessit, in Ecclesiaste ad primum gradum contemplationis ascendit, in
Canticis canticorum ad supremum se transtulit. Ut igitur tria his
propriis vocabulis distinguamus, prima est meditatio, secunda est
speculatio, tertia est contemplatio. In meditatione mentem pia
devotione succensam pertubatio carnalium passionum importune
exurgens obnubilat; in speculatione novitas insolitae visionis in
admiratione sublevat; in contemplatione mirae dulcedinis gustus
totam in gaudium et jucunditatem commutat. Igitur in meditatione est
sollicitudo, in speculatione admiratio, in contemplatione dulcedo.

10. Tria in expositione. — Expositio tria continet, litteram, sensum,


sententiam. Littera est congrua ordinatio dictionum, quam etiam
constructionem vocamus. Sensus est facilis quaedam et apta guratio,
quam littera prima fronte praefert. Sententia est profundior
intelligentia, quae nisi expositione vel interpretatione non invenitur. In
his ordo ut primum littera, deinde sensus, postea sententia requiratur:
quo facto, perfecta est expositio.

11. Vanitatum tria genera. — Tria sunt genera vanitatum, prima est
vanitas mutabilitatis quae omnibus rebus caducis inest per
conditionem. Secunda est vanitas curiositatis vel cupiditatis, quae
mentibus hominum inest per rerum transientium et vanarum
inordinatam dilectionem. Tertia est vanitas mortalitatis, quae
corporibus humanis inest per poenalitatem.

12. Eloquentiae munia. — Dixit quidam eloquens et verum dixit, ita


dicere debere eloquentem, ut doceat, ut delectet, ut ectat. Demum
addidit: Docere necessitatis est, delectare suavitatis, ectere victoriae.
Horum trium quod primo loco positum est, hoc est docendi necessitas
in rebus est constituta quas dicimus, reliqua duo in modo quo dicimus.
Qui ergo dicendo nititur persuadere quod bonum est, nihil horum
spernens, ut scilicet doceat, ut delectet, ut ectat; oret atque agat ut
intelligenter, ut libenter, ut obedienter audiatur. Quod cum apte et
convenienter t non immerito eloquens dici potest, etsi non eum
sequatur auditoris assensus. Ad haec tria, id est ut doceat, ut delectet,
ut ectat, etiam tria illa videtur pertinere voluisse idem ipse Romani
auctor eloquii, cum itidem dicit: Is igitur erit eloquens, qui poterit
parva submisse, modica temperate, magna granditer dicere. Discat
quidem omnia quae docenda sunt qui et nosse vult, et docere,
facultatemque dicendi ut decet virum ecclesiasticum comparet. Qui
vero dicit cum docere vult, quandiu non intelligitur; nondum se
existimet dixisse quod vult, ei quem vult docere; quia, etsi dixit quod
ipse intelligit, nondum ipsi dixisse putandus est a quo intellectus non
est. Si vero intellectus est, quocunque modo dixerit, dixit. Divinarum
igitur debet Scripturarum doctor et defensor rectae dei, et debellator
erroris, et bona docere, atque in hoc opere sermonis conciliare aversos,
remissos erigere, nescientibus quid agitur, quid exspectare debeant
intimare. Ubi autem benivolos, intentos, dociles aut invenerit, aut ipse
fecerit, caetera peragenda sunt, sicut causa postulat. Si docendi sunt
qui audiunt, narratione faciendum est; si tamen indigeat ut res de qua
agitur innotescat. Ut autem quae dubia sunt certa ant; documentis
adhibitis ratiocinandum est.

O     



   
A meditação é um pensamento contínuo, que investiga o modo, a
causa e a razão de cada coisa; no modo, investiga o que é; na causa, por
que é; na razão, como é.
Os gêneros de meditação são três: um é sobre as criaturas, o outro
sobre as Escrituras, e o último sobre os costumes. O primeiro surge da
admiração, o segundo da leitura e o terceiro da observação atenta.

Na meditação das criaturas a admiração dá origem à questão, a


questão gera a investigação, e a investigação, a descoberta. A
admiração considera a disposição; a questão, a causa; e a investigação,
a razão. Disposição, por exemplo, é a consideração da diferença entre o
céu, onde tudo é igual, e a terra, onde existe o alto e o baixo — o que
conduz à admiração. A causa seria o fato de a terra ter sido feita para a
vida terrena, enquanto o céu o foi para a vida celeste — o que propõe
uma questão. E a razão corresponderia à seguinte proporção: tal como
a terra, tal é a vida terrena, e tal como o céu, tal é a vida celeste — é o
que busca a investigação.

Na meditação sobre as Escrituras, porém, ela deve ser concebida do


seguinte modo. Primeiro há a leitura, que proporciona a matéria para
se conhecer a verdade; depois a meditação a relaciona, a oração a
eleva, o trabalho a edi ca, e a contemplação em si mesma a exulta.

Sobre a meditação das Escrituras, vejamos agora como convém


conhecer. Tomemos como exemplo o que está escrito: “Desvia-te do
mal, e faze o bem” (Sl 37, 27). Da leitura decorre a meditação: Por que
o salmista disse primeiro “desvia-te do mal” e depois “faze o bem”? A
causa: Porque, a não ser que os males sejam primeiro removidos, os
bens não podem advir. A razão: Assim como se dá com as sementes,
primeiro se erradicam as más, para depois as boas serem plantadas.

Além disso, por que disse “desvia-te do mal”? Porque as coisas más
ocorrem no caminho. Disse também “desvia- te” porque, onde pela
fortaleza não podemos resistir, pelo conselho e pela razão escapamos
desviando-nos. Da mesma forma desviamo-nos do mal evitando a
matéria do pecado, como quando, por causa da soberba, evitamos as
riquezas; por causa da incontinência, a abundância; por causa da
concupiscência, a visão do que é carnal; por causa da inveja e da
disputa, o amor da posse. Isto é desviar-se.
E, por outro lado, se nos é dado o preceito de nos desviarmos de todo
mal, igualmente somos ordenados a que façamos todo bem. Assim
como é culpado aquele que não se desvia de todo mal, também o é
aquele que não faz o bem. Mas, se é assim, quem não é culpado?
Somos, portanto, incitados a nos desviarmos de todo mal. Contudo,
quanto aos bens, alguns são necessários, outros, voluntários. São bens
necessários aqueles contidos nos preceitos e nos votos; quanto aos
restantes, se algum for feito, será recompensado; se nenhum, não serão
imputados.

A meditação a partir da leitura deve também re etir sobre como são


as coisas compreendidas, por que o são e como devem ser colocadas
em prática. A meditação, pois, deve ser uma re exão do conselho
sobre como são implementadas as coisas que são compreendidas,
porque inutilmente serão compreendidas se não forem
implementadas.

Ademais, na meditação sobre as Escrituras há três considerações a


serem feitas: segundo a história, a alegoria e a tropologia. A
consideração se faz segundo a história quando buscamos a razão dos
fatos ocorridos, ou os admiramos em sua perfeição de acordo com os
tempos, os lugares ou os modos apropriados com que se realizaram.
Exercita-se nesta consideração dos juízos divinos quem medita que em
nenhum tempo faltou o que foi reto e justo, nos quais aconteceu o que
convinha acontecer, e que recebeu sua recompensa aquele que agiu
com justiça.

Na alegoria a meditação se dá na consideração da disposição dos


fatos precedentes tendo em vista a signi cação dos futuros, pela
admirável razão e providência com que foram adaptados à inteligência
e à forma da fé a ser sustentada.

Na tropologia a meditação se ocupa do fruto que podem trazer as


coisas que foram ditas, indagando o que elas insinuam que deve ser
feito, ou o que ensinam que deva ser evitado; é o que a leitura da
Escritura propõe para nossa instrução, exortação, consolação, ou
temor, o que ela nos oferece que ilumina a compreensão da virtude,
que alimenta o afeto pela virtude, que ensina o modo de viver
seguindo o caminho da virtude.

A meditação sobre os costumes tem por objeto os afetos, os


pensamentos e as obras. Nos afetos deve-se observar que sejam retos e
sinceros, isto é, orientados para aquilo que devem ser e do modo de
que devem ser. Evidentemente, é mau amar aquilo que não é bom, e da
mesma forma é mau amar de um modo indevido, ainda que seja
aquilo que deve ser amado. Logo, o bom afeto consiste em se dirigir
para aquilo que é devido e segundo o modo em que é devido.

Amnon amou a irmã, e este era um afeto a algo que era devido, mas
porque amou mal, não o era do modo devido (2Sm 13). Portanto, o
afeto pode ser dirigido àquilo que é devido e não ser do modo devido;
nunca, porém, pode ser do modo devido se não for dirigido àquilo que
é devido. Assim, o afeto é reto segundo o que é devido, e é sincero
segundo o modo devido.

Nos pensamentos deve-se observar que sejam puros e ordenados. São


puros quando nem são gerados de maus afetos, nem geram maus
afetos por sua vez. São ordenados quando ocorrem racionalmente, ou
seja, no seu tempo. De fato, em um tempo que não é o seu, mesmo um
pensamento bom não é perfeito; como no estudo pensar na oração, e
na oração pensar no estudo.

Nas obras deve-se observar primeiro que sejam feitas com boa
intenção. A boa intenção é a que é simples e reta. É simples a que é
sem malícia. É reta a que é sem ignorância. Na verdade, a intenção que
é sem malícia possui zelo, mas a que provém da ignorância e não é
segundo a ciência por esse motivo já não possui zelo.

Assim, convém que a intenção seja reta pela discrição, e simples pela
benignidade.

Em seguida, nas obras deve-se observar também que elas sejam


conduzidas desde a concepção da reta intenção até a sua realização
com perseverante fervor, a m de que nem a perseverança relaxe, nem
o amor esfrie.

Assim também nos costumes a meditação discorre por duas


considerações, a externa e a interna. A consideração externa
corresponde ao que é visto pelos outros, a consideração interna à
consciência. Na consideração externa, devemos examinar o que é
decente e o que é conveniente: a decência baseia-se no exemplo, a
conveniência no mérito; o mérito diz respeito a nós, o exemplo, ao
próximo.

Na consideração interna, que corresponde à consciência, devemos


observar que a consciência seja pura e não possa ser acusada nem pelo
comodismo do bem, nem pela presunção do mal. A consciência é pura
quando nem é acusada do passado justamente, nem se regozija do
presente injustamente.

Nos costumes a meditação deve exercer também sua consideração no


sentido de examinar todos os movimentos que se originam no
coração, de onde vêm e para onde vão. Deve examinar de onde vêm
segundo a origem, e para onde vão segundo o m. Com efeito, todo
movimento vem de algo e se dirige para algo.

Sendo assim, os movimentos do coração às vezes têm uma origem


manifesta, outras vezes oculta; e as que são manifestas podem ser
manifestamente boas ou manifestamente más. A origem que é
manifestamente boa é de Deus; a que é, porém, manifestamente má é
ou do demônio ou da carne. Com efeito, estes três são os autores de
todas as sugestões, e todas as aspirações que invisivelmente surgem no
coração procedem destes três autores.

Quanto às origens ocultas, às vezes são boas e ocultas, outras vezes


más e dúbias. E igualmente as que são boas são de Deus, e as que são
más são ou do demônio ou da carne.

Portanto, sejam boas ou sejam más, as manifestas são julgadas pela


sua origem primeira. No entanto, as que são dúbias na sua origem são
veri cadas pelo seu m. O resultado manifesta o que se encobria no
princípio; e por isso, quem não pode julgar seus movimentos
interiores pelo princípio, investigue seu m e sua consumação.

Logo, as coisas que são dúbias ou incertas são bens ou males ocultos,
sendo os males, conforme foi dito, do demônio ou da carne. Essas
coisas não se distinguem pelo fato de serem más, mas pelo fato de que
as da carne frequentemente surgem por causa de uma necessidade,
enquanto as do demônio surgem muitas vezes para além da razão,
pois, como aquilo que é sugerido pelo demônio é alheio ao homem,
assim também é muitas vezes alheio à razão humana. Por exemplo,
quando se é tomado por uma gulodice logo depois de estar satisfeito,
quando se ca sedento pela bebida antes de embriagar-se, ou quando é
acometido pelo sono depois de ter dormido por um longo tempo.

As obras do demônio se discernem, portanto, por serem estranhas ao


homem e alheias à razão humana, enquanto as da carne e as suas
sugestões quase sempre têm uma necessidade precedente como causa.
Mas porque se excedem no modo e na medida, transformam-se em
frivolidade. Por exemplo, quando se tem um desejo imoderado além
da fome pelo alimento que se há de comer, ou quando não há controle
na quantidade de comida a ser ingerida depois de uma abstinência.

Da mesma forma a meditação dos costumes deve exercer-se por um


tríplice julgamento. O primeiro é o que julga entre o dia e a noite. O
segundo é o que julga entre o dia e o dia. O terceiro é o que julga o dia
todo. Julgar entre a noite e o dia é separar as coisas más das boas.
Julgar entre o dia e o dia é ter o discernimento entre o bom e o melhor.
Julgar o dia todo é avaliar cada um dos bens pelo seu próprio mérito.

A meditação dos costumes também precisa considerar o m e a


direção em todas as relações. O m é aquilo que é buscado. A direção,
aquilo através do qual se chega mais facilmente. Tudo que busca algo, a
ele se dirige segundo algum caminho próprio, e aquilo que prossegue
do modo mais direto, mais rapidamente chega.
Certamente há alguns bens nos quais há muito para se mover e
pouco para se promover. Outros, com pequeno trabalho alcançam um
grande fruto. Sendo assim, estes que rendem mais devem ser
discernidos e escolhidos com prioridade. Pois que, sem dúvida, os que
rendem mais são os melhores, convém julgar toda ação segundo o seu
fruto.

Muitos, não possuindo esse discernimento, trabalharam muito e


progrediram pouco, já que dirigiram seu olhar apenas exteriormente à
aparência da obra, e não internamente ao fruto da virtude. Orgulham-
se por fazerem grandes coisas mais do que por realizarem o que é útil,
e amaram mais aquelas obras em que podiam ser vistos do que aquelas
em que podiam se emendar.

Mas antes de tudo é necessário que na meditação dos costumes se


considere os deveres, seja pelo preceito, seja pelo voto, e se os julgue
como os primeiros a serem feitos. Assim estas obras, se feitas, têm
mérito; se não feitas, geram repreensão. Devem, portanto, ser feitas em
primeiro lugar, já que não podem ser deixadas de lado sem culpa.

Depois destas, se outras são acrescentadas por alguma prática


voluntária, isso deverá ser feito de tal maneira que não impeça aquilo
que é dever. Alguns querem o que não devem e não querem o que
devem; outros, ainda que queiram o que devem, colocam
impedimentos voluntários, passando a querer o que não devem.

Também é responsabilidade da meditação dos costumes a


consideração de evitar na boa ação dois males principais: a a ição e a
preocupação. A a ição gera a amargura, a preocupação gera a
dispersão. Pela a ição amarga-se a doçura da mente; pela preocupação
dispersa-se a sua tranquilidade.

A a ição se dá quando, pensando nas boas obras, somos consumidos


por uma impaciência de realizar coisas que nos são impossíveis. E a
preocupação, quando camos inquietos pela impaciência de realizar
coisas possíveis. Então, para que a alma não que amargurada,
sustente pacientemente as suas impossibilidades; e, para que não se
preocupe de um modo prejudicial, não estenda suas possibilidades
além da sua medida.

Por m, a meditação dos costumes julga também a forma de viver,


percebendo que nem é bom ambicionar impacientemente aquilo que
não se faz, nem se enfadar insensatamente com aquilo que se faz. Com
efeito, quem sempre ambiciona o que não faz e se enfada com o que
faz, nem frui das coisas presentes, nem se sacia com as futuras, pois
desiste do que foi começado antes da sua consumação, e toma antes do
tempo o que devia começar depois.

Por isso é bom contentar-se com o seu bem, aumentando os bens


presentes com os bens que podem sobrevir, sem desprezá-los pelos
futuros.

Ficar trocando de bens é uma leviandade, enquanto o


aperfeiçoamento daqueles já possuídos conduz à virtude. Correm por
caminhos muito diversos os que desprezam os velhos pelos novos e os
que ascendem dos inferiores aos superiores. Certamente quem busca a
mudança é tão soberbo quanto é dedicado quem busca o
aperfeiçoamento.

Avança, pois, retissimamente aquele que é de tal maneira fervoroso


no que pode fazer melhor, que não se desanima no bem que possui, e
sim sustenta o que vem primeiro até que, no devido tempo, alcance o
que vem depois.

D   



O 
   
Meditatio est frequens cogitatio modum, et causam et rationem
uniuscujusque rei investigans; modum quid sit, causam quare sit;
rationem quomodo sit. Tria sunt genera meditationum, unum in
creaturis, unum in scripturis, unum in moribus. Primum surgit ex
admiratione, secundum ex lectione, tertium ex circumspectione. In
primo admiratio quaestionem generat, quaestio investigationem,
investigatio inventionem. Admiratio est dispositionis, quaestio causae,
investigatio rationis. Dispositio est in coelo cuncta aequalia, in terra
alta et depressa: pro hac admiratio. Causa, propter vitam terrenam
terra, propter vitam coelestem coelum: pro hac quaestio. Ratio, qualis
terra, talis vita terrena; quale coelum, talis vita coelestis: pro hac
investigatio. In lectione autem sic considerandum. Primo lectio ad
cognoscendam veritatem materiam ministrat, meditatio coaptat,
oratio sublevat, operatio componit, contemplatio in ipsa exsultat. In
Scripturis meditatio est, quomodo scire oporteat. Exemplum scriptum
est: Declina a malo, et fac bonum. Accedit meditatio lectioni, quare
dixit prius, declina a malo, et postea fac bonum. Causa quia nisi prius
mala recedant non adveniunt bona. Ratio, sicut prius mala germina
eradicantur, postea plantantur bona. Item quare dixit: Declina a malo?
Quia in itinere occurrunt. Item declina, quia ubi fortitudine resistere
non possumus, consilio et ratione declinando evadimus. Item
declinamus mala vitando materiam peccati, ut pro superbia, divitias,
pro incontinentia abundantiam, pro concupiscentia speciem carnis,
pro invidia et contentione vitanda amorem possessionis. Hoc est
declinare. Item, si quemadmodum omne malum declinandum
praecipitur, sic omne bonum faciendum jubetur. Et sicut qui non
omne malum declinat, sic qui non omne bonum facit, reus est. Sed si
sic est quis non est reus? Ergo ab omni malo declinare jubemur. Bona
autem quaedam sunt necessitatis, quaedam voluntatis.

Necessitatis sunt quae sunt in praecepia et voto; de caeteris si quid


supererogatur redditur, si nihil non imputatur. Item meditatio in
lectione est, quomodo sint quae sciuntur, quia sunt, te quomodo
facienda sunt. Est enim meditatio excogitatio consilii quomodo
implentur quae sciuntur, quia inutiliter sciuntur nisi impleantur. Item,
meditatio in lectione est triplicis considerationis. Secundum historiam,
allegoriam, tropologiam. Secundum historiam est, quando eorum
quae facta sunt rationem vel quaerimus, vel admiramur suis
temporibus, et locis, et modo congruo perfectam. In hac consideratio
judiciorum divinorum meditantem exercet, quae nullis temporibus
recta defuerunt et justa, quibus factum est quod oportuit, et redditum
quod justum fuit. Secundum allegoriam meditatio operatur in
dispositione praecedentium, futurorum signi cationem attendens
mira ratione et providentia coaptatam sicut oportuit ad intelligentiam,
et dei formam fabricandam. In tropologia meditatio operatur quem
fructum dicta afferant, exquirens quid faciendum insinuent, vel qui
doceant esse vitandum; quid ad eruditionem, quid ad exhortationem,
quid ad consolatioaem, quid ad terrorem scripturae lectio proponat,
quid ad intelligentiam virtutis illuminet, quid nutriat affectionem, quid
formam vivendi ad iter virtutis edoceat.

Meditatio in moribus secundum affectus, et cogitationes, et opera. In


affectibus considerandum est ut sint recti, sinceri, hoc est ad id ad
quod debent esse, et quomodo debent esse. Diligere enim quod non
oportet malum est, et similiter quod diligere oportet, diligere
quomodo non oportet, malum est. Itaque bonus affectus est, quando
est ad id, ad quod debet et quomodo debet. Amnon sororem dilexit, et
erat affectus ad quod debuit, sed quia male dilexit, non erat quomodo
debuit. Igitur affectus esse potest ad id, ad quod debet et non quomodo
debet. Nunquam autem esse potest quomodo debet, nisi ad id ad quod
debet. In eo ad quod debet rectus, et quomodo debet sincerus. In
cogitationibus considerandum, ut sint mundae et ordinatae. Mundae
sunt, quando neque de malis affectionibus generantur, neque malas
generant affectiones. Ordinatae sunt, quando rationabiliter, hoc est
tempore suo adveniunt. Tempore enim non suo etiam bona cogitare
sine vitio non est, ut in lectione de oratione, et in oratione de lectione.
In operibus considerandum est primum, ut bona intentione at. Bona
intentio est, quae simplex est, et recta. Simplex sine malitia. Recta sine
ignorantia. Quae enim sine malitia est, zelum habet. Sed quae
ignorantia est secundum scientiam, zelum non habet. Itaque
intentionem oportet esse et rectam per discretionem, et simplicem per
benignitatem. Secundo in operibus considerandum est, ut ex recta
intentione inchoata cum perseveranti fervore ad nem perducantur, ut
nec perseverantia torpeat, nec amor tepescat. Item meditatio in
moribus duplici consideratione discurrit, intus et foris. Foris ad
famam, intus ad conscientiam. Foris quid deceat, et quid expediat:
deceat ad exemplum, expediat ad meritum: nobis ad meritum,
proximis ad exemplum. Intus ad conscientiam, ut sit munda
conscientia, nec accusationem patiatur, vel pro torpore boni, vel pro
praesumptione mali. Munda autem conscientia est, quae nec de
praeterito juste accusatur, nec de praesenti injuste delectatur.

Item in moribus meditatio considerationem suam exercet, ut omnes


motus qui oriuntur in corde deprehendat, unde veniant et quo
tendant. Unde veniant secundum originem, quo tendant secundum
nem. Omnis enim motus de aliquo est, et ad aliquid. Motus igitur
cordis aliquando manifestam habent originem, aliquando occultam, et
quae manifesta est aliquando manifeste bona est, aliquando manifeste
mala. Quae manifeste bona est a Deo est; quae autem manifeste mala,
sive a diabolo est, sive a carne. Isti enim tres auctores sunt omnium
suggestionum, et omnes aspirationes, quae invisibiliter cordi
adveniunt, ab istis procedunt. Item quae occulta sunt, aliquando bona
sunt et occulta, aliquando mala, et dubia. Et quae bona sunt, a Deo
sunt; quae autem mala sunt, vel a diabolo, vel a carne sunt. Quae igitur
manifesta sunt, sive bona, sive mala, a prima sua origine judicantur.
Quae autem dubia sunt in origine, probantur a ne. Exitus enim
manifestat quod a principio celabatur, et propterea qui motus suos a
principio judicare non potest, nem investiget et consummationem.
Quae enim dubia sunt vel incerta, bona sunt vel mala occulta. Et quae
mala sunt, sicut dictum est, vel a diabolo, vel a carne sunt. Et sunt mala
utraque, nec differunt in eo quod mala sunt, sed differunt, quoniam
quae a carne sunt, frequentius surgunt propter necessitatem, quae vero
a diabolo sunt, saepius oriuntur praeter rationem. Quod enim a
diabolo suggeritur, sicut alienum est ab homine, ita frequenter alienum
est ab humana ratione, ut verbi gratia, nuper satiatus famem patiatur,
paulo ante inebriatus siti aestuet, post longam dormitionem
consurgens somno pergravetur. In hoc ergo opera diaboli
discernuntur, quoniam extranea sunt ab homine, et aliena ab humana
ratione. Opera autem carnis, et suggestiones ejus saepius
praecedientem habent causam necessitatem. Sed quia modum et
mensuram transeunt, excrescunt in super uitatem. Ut verbi gratia
cum post famem cibus sumendus immoderate appetitur, et post
abstinentiam in sumendo edulio mensura non tenetur. Item meditatio
morum triplici judicio exercetur. Primo quod judicat inter diem et
noctem. Secundo quod judicat inter diem et diem. Tertio quod judicat
omnem diem. Inter noctem et diem judicare, est mala a bonis dividere.
Inter diem et diem judicare, est inter bonum et melius discretionem
habere. Omnem diem judicare, est singula bona pro merito suo
aestimare. Item meditatio morum nem et directionem in omni
conversatione considerat. Finis est, ad quod tenditur. Directio, qua
facilius pervenitur. Omnis enim, qui ad aliquid tendit, secundum
aliquid cursum suum dirigit, et qui directius pergit, citius pervenit.
Sunt enim quaedam bona, in quibus etiam multum moveri parum est
promoveri. Alia compendioso labore fructum magnum adducunt. Et
haec ergo discernenda sunt, et eligenda magis, quae magis prosunt.
Quaecunque enim magis prosunt, meliora sunt, et omne opus
secundum fructum suum judicari oportet. Multi hanc discretionem
non habentes, plurimum laboraverunt, et parum profecerunt,
quoniam oculum habuerunt foris tantum ad speciem operis, et non
intus ad fructum virtutis. Gavisi sunt enim magna se facere, magis
quam utilia exercere, et dilexerunt potius illa, in quibus videri possent,
quam emendari. Item meditatio in moribus primum considerat quae
debita sunt, sive ex praecepto sive ex voto, et ea primum agenda
judicat, quae sic facta habent meritum, ut non facta generent reatum.
Haec ergo primum facienda sunt, quae sine culpa dimitti non possunt.
Post haec si quid voluntaria exercitatione superadditur, sic faciendum
est, ut debitum non impediatur. Alii volunt quod non debent, qui non
valent id quod debent. Alii, et si valent quod debent, voluntaria
impedimenta adducunt, volendo quod non debent. Item meditatio
morum duo mala in bona actione praecipue cavenda considerat, hoc
est afflictionem et occupationem. Afflictio est ad amaritudinem.
Occupatio ad dissipationem. Per afflictionem dulcedo mentis
amaricatur. Per occupationem tranquillitas dissipatur. Afflictio est,
quando pro his, quae non valet per impatientiam uritur. Occupatio est,
quando in his (quae valet) agendis per impatientiam agitatur. Ne igitur
male amaricetur animus, suam impossibilitatem patienter sustineat: ne
autem male occupetur, possibilitatem suam extra mensura suam non
extendat. Item meditatio morum alia consideratione formam vivendi
dijudicat probans nec bonum esse ea, quae non unt, impatianter
appetere, nec bonum esse ea, quae unt, insipienter fastidire. Qui enim
semper quod non facit appetit, et quod facit fastidivit, nec
praesentibus fruitur, nec futuris satiatur. Inchoata enim ante
consummationem deserit, et inchoanda ante tempus apprehendit.
Propterea bonum est bono suo esse contentum, et praesentia bona
supervenientibus bonis augere, non pro futuris abjicere. Levitas enim
est bonorum commutatio, exercitatio autem virtutis multum diversa
currunt via, qui pro novis vetera abjiciunt, et qui ab inferioribus ad
superiora conscendunt. Qui enim mutationem quaerit, fastidiosus est
sicut qui profectum appetit, studiosus est. Rectissime ergo incedit, qui
sic est fervens ad melius, ut in bono non sit fastidiosus, sed sustineat
prius, donec posterius tempore suo apprehendat.
Abadia de São Vítor em 1655.
N  R
1 A instrução dos principiantes, trad. Eduardo Zaratini. Campinas: Kírion, 2021.

2 Didascalicon sobre a arte de ler, ed. bilíngue latim–português, trad. Roger Campanhari.
Campinas: Kírion, 2018.

3 Cf. Mt 7, 24–29; Jo 14, 21; Tg 1, 22–25.

4 Suma Teológica, iia iiae, q. 166, art. 2.

5 Is 54, 13; Jo 6, 45.

6 “Examinai tudo, cai com o que é bom”.

7 Santo Agostinho, De doctrina Christiana, livro iv, cap. 14.

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