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Geossistemas e Planejamento Ambiental

1) O documento discute a concepção de geossistemas desenvolvida por geógrafos soviéticos, que define geossistemas como unidades dinâmicas e hierarquicamente organizadas da natureza. 2) Os geossistemas abrangem complexos biológicos de forma policêntrica, diferentemente dos ecossistemas que se centram nos seres vivos. 3) Os geógrafos soviéticos mapeavam geossistemas em diferentes escalas espaciais para fins de desenvolvimento estatal.

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Geossistemas e Planejamento Ambiental

1) O documento discute a concepção de geossistemas desenvolvida por geógrafos soviéticos, que define geossistemas como unidades dinâmicas e hierarquicamente organizadas da natureza. 2) Os geossistemas abrangem complexos biológicos de forma policêntrica, diferentemente dos ecossistemas que se centram nos seres vivos. 3) Os geógrafos soviéticos mapeavam geossistemas em diferentes escalas espaciais para fins de desenvolvimento estatal.

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GEüüiaFia

Üü BTH
SUBSÍDIOSPARA
PLANEJAMENTOAMBIENTAL

luRannurLUciannsenches
Rüs5
CAPÍTU LO DOIS

ANÁLISE G EOG RÁCICA I NTEG NADA

Hoje o principal trabalho da Geografia, em todo o mundo, não é tanto mais facilitar
o pioneirismo em novas terras e utilização de seusrecursos naturais, como se acre
ditava até muito recentemente, mas primariamente prover de forma compreensiva
os conhecimentos científicos, prestando uma grande ajuda ao homem direcionado
ao diversificado e cada vez mais intenso uso dos já descobertos recursos naturais e
a transformação da natureza e da economia das regiões e paísesjá desenvolvidos.
Gerasimov.1961 apud GrigorieB 1968

Grigoriev (op. cit.) afirma ainda que

a Geografia física nos ú]timos vinte anos [...] mudou de uma ciência ]argamente
descritiva e cognitiva para uma ciência extremamente experimental e de transfor-
mação, o que é essencial para uma alteração proposital das condições naturais para
benefício da economia.

Em suas colocações,os geógrafos russos demonstram claramente, desde


a década de 1960, a importância da Geografia dentro do pragmatismo da po
lítica e da economia soviética. E certamente nesse contexto de uma Geografia
aplicada, ou uma Geografia útil aos interesses do desenvolvimento do Estado so-
viético, que evoluíram as concepçõesgeográficas, sobretudo as que apresentam
maior vínculo com a natureza e, portanto, com a escola alemã desdeos tempos
da monarquia russa.

2.1 GEOSSISTEMAS: CONCEITO RUSSO-SOVIÉTICO

E no contexto da aplicação objetiva da ciência, para fins de desenvolvimen-


to do Estado soviético, que emerge, a partir da contribuiçaãae Sotcliãva (19/õ), o
q:õhceitode "geossistéiiíà1l:))eacordo com o pensamento de Sotchava(op cit.),
a Geografia física baseada nos princípios sistêmicos pode ocupar posições firmes na
moderna Geografia aplicada, apoiada no planejamento de desenvolvimento socioe-
conómico do país, e sugerir medidas para o desenvolvimento e reconstruçãode seus
territórios. Essa abordagem acaba por definir um objeto específico da atuação da
pesquisa geográfica, deixando de se intrometer no campo de outras disciplinas.

Nessa perspectiva, a Geografia


k deve estudar não os componentes da natureza, mzl?ãB tlonexões entre elas; não se
deve restringir à morfologia da paisagem e suas subdivisões mas, de preferência,
:projetar-separa o estudo de sua dinâmica, estrutura funcional, conexõesetc.

CAPÍTULO 23 DOIS
ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambiente
ANÁLISE GEO G RÁFIC A INTEG RADA

Os geossistemas,conforme menciona Sotchava (1978), são uma classe pe-


geossistemas associa-se a uma concepção geográfica da natureza. Para Sotchav:
culiar de sistemas dinâmicos abertos e hierarquicamente organizados, de acordo
(1978), os geossistemassão fenómenos naturais, embora todos os fatores eco
com a definição de Bertalanffy (1973): "A hierarquia de construçãoé a mais nâmicos e sociais afetem sua estrutura e peculiaridades espaciais.Tais fatore:
importante feição dos geossistemas".Assim, tanto uma área elementar da super-
devem ser considerados nos estudos/pesquisas dos geossistemas, pois têm influ
fície da Terra como o geossistemaplanetário, ou as subdivisões intermediárias
ência sobre as mais importantes conexões dentro de cada geossistema, sobretu
do meio natural, representam uma unidade dinâmica, com uma organização
geográfica a ela inerente do naspaisagensfortemente modificadas pelo homem. Esclarece-nosque "(...) a:
paisagensantropogênicas nada mais são do que estadosvariáveis de primitivo:
geossistemasnaturais (...)", podem ser referidas como componentesou elemen
A unidade dinâmica manifesta-se no espaço físico-territorial, possibilitan
tos que interferem na dinâmica da paisagem.
do a distribuição (participação) de todos os componentes de um geossistema,
assegurandosua integridade funcional. Isso, entretanto, não quer dizer que um
Ao pensar sobre as interferências antropogênicas nos geossistemas,consi
geossistema se subdivida ilimitadamente, mas, sim, que as unidades especializa-
dera como sistema tudo que interesse à sociedade humana e que "representa un:
das no território estão na dependência da organização geográfica. Dessemodo,
complexo interativo de diferentes classes de sistemas com seus respectivos para
as diversas categorias dimensionais do geossistema - planetário, regional, to-
metros espaciais, temporais e funcionais (...)", e, além disso, o que "(...) congrega
pológico e intermediários - obedecem a critérios da espacializaçãogeográfica e
sistemas geográficos, económicos, sociais e técnicos". Tal ambiente é entendi
submetem-seàs suaspróprias escalase peculiaridades qualitativas da organiza-
do como um "(...) sistema relativamente complicado, impregnado de dinâmico
ção geográfica.
global ecológico-socioeconómica, sendo um complexo de ambientes e sistema:
interativos". Dessemodo, enfatiza que "os geossistemassão formações naturais
Não se pode entender a concepção de geossistema como sendo a mesma de
experimentando, sob certa forma, o impacto dos ambientes social, económico €
ecossistema. Nesse sentido, Sotchava (1978) explica:
tecnogênico".
Ecossistemasde biocenoses são complexos monocêntricos ou biocêntricos, nos quais
o ambiente natural e suas bases abióticas são examinados do ponto de vista de suas
O geossistema para os geógrafos soviéticos é investigado por meio de tran.
conexões com os organismos. O conceito de ecossistema é biológico.
rectos, estações experimentais, análises de laboratório, métodos gráficos e esta
dísticos,modelagem e mapeamento em grande escala,resultando em uma teoria
Entende-se que a concepção de ecossistema associa-se à Ecologia, cujo cen-
de dimensão geográfica. No sentido de proceder a mapeamentosem variada:
tro de preocupação é a vida animal e vegetal. Dessemodo, explica-se o ecossiste
ma sempre a partir dos seres vivos, os quais definem seu ecossistema específico. escalas e espacialização territorial, estabeleceram-se duas categorias de geos-
sistemas: os geâmeros, quando definem unidades territoriais homogêneas, e os
Tomando-se, por exemplo, qualquer animal - jacaré, capivara, onça-parda -,
seus ecossistemas são toda a extensão territorial onde os mesmos ocorrem natu geócoros, que definem espaços territoriais com o conjunto de unidades heterogê.
neas.Essasunidades se dividem em três níveis taxonâmicos: topológico, regional
ralmente. O autor continua estabelecendodistinção e afirma que "os geossiste-
e planetário. Quanto às categorias, são enter-relacionadas, mas também, ponto a
mas abrangem complexos biológicos, são policêntricos", e não tomam um único
ponto, autónomas.
elemento ou um único componente da natureza como referência, envolvendo a
totalidade dos componentes naturais na perspectiva de suas conexões, inter-re-
C)utro critério importante na classificação do geossistemaé a dinâmica.
lações de dependências mútuas e de seus aspectos funcionais, sendo de espectro
Assim, qualquer geossistema se encontra em um determinado estado de dinâ-
mais amplo do que a concepção ecossistêmica.Conseqüentemente,a noção de
mica, no qual as estruturas primitivas, as mudanças de estado e as funções de

CAPÍTULO 24 OOIS
CAPÍTULO 25 OOIS
l
ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambiental ANÁLISE G EOG RÁFfCA INTEG RADA

[eterminado componente são fundamentais para o seu entendimento e c]assifi- 8 - seleção, processamento e sistematização de informações referentes à paisagem
natural para fins educacionais ou de pesquisas.
:ação.A classificaçãodo geossistemadeve revelar a tendência dinâmica do meio
natural, mostrando as possibilidades do ótÍmum natural diante das sociedades
A proposição teórico-metodológica e prática apresentada por Sotchava (op.
humanas.É também importante o enfoque genético,a reconstruçãodos am- cit.) e demaisgeógrafosda ex-URSS,inserida no modo russo-soviéticode en-
)ientes paleogeográficos,para entender a dinâmica do presente e estabelecera
xergar a Geografia física voltada para a aplicação, é um significativo marco de
:lassificaçãoem função da perspectiva futura da evolução de cada geossistema.
os diante dos problema;lie planejamento e de-
senvolvimento econâm ;oblema$.ê!!!bientais,.-de
A classificação dos geossistemastende para uma sistematização dos geâme-
gl11;re.Desloca-se da posição ítico-descritiva para
os e geócoros,definindo-se níveis hierárquicos que obedecem aostrês grandes
uma Geografia preocupada com a aplicação dentro de um discurso de desenvol-
cíveistaxonâmicos: planetário, regional e topológico. A classificação direciona-
vimento que leve em conta a conservaçãoe a preservaçãoda natureza e, mais do
e ao zoneamento natural, espacializado no território e, portanto, cartografável.
que isso, que tenha a intenção de contribuir para a promoção de melhorias/oti-
) ato de delimitar e definir os contornos de cada um dos geossistemasidentifi-
mização dos ambientes naturais, que são, é possível dizer, nos dias atuais, alguns
:adosleva a estabeleceruma classificação hierárquica em ordens de grandeza,
dos pressupostospara o desenvolvimento sustentável da humanidade.
)artindo de três unidades básicas que se subdividem e se organizam em duas
ileiras: a fileira dos geâmeros e a dos geócoros.
2.2 GEOSSISTEMAS: VERSÃO FRANCESA E SEUSREFLEXOS NO BRASIL

O naturalismo das pesquisas germânicas, como se conhece, ajudou a cons-


Sotchava (1978) profetiza que a participação dos geógrafos nas pesquisas,
truir os paradigmas da Geografia, sobretudo da Geografia física ou, como se
nspeções e experimentos ligados à conservação do ambiente assumirá cada vez
tem chamado mais recentemente, a Geografia da natureza. Também é conhe.
naif significado, consolidando a Geografia aplicada.
cida a influência da Geografiaalemãna França,no final do séculoXIX e em
grande parte do século XX. Diante das dificuldades da língua alemã quanto à
Nesse sentido, considera que, no enfoque de geossistemas, as atuais tare-
sua entrada no mundo de língua latina, a cultura geográfica alemã acabou por
:as-chave da Geografia física são:
se disseminar por geógrafos franceses,que tradicionalmente beberam do néctar
1 - modelização de geossistemas à base de sua dinâmica espontânea e antropogênica geográfico da Alemanha e com isso ajudaram a construir o conhecimento geo-
e do regime natural a ela correspondente; gráfico do século XX.
2 - análise de axiomas e outros princípios de uma teoria espacial de geossistemas
como parte da teoria geral dos sistemas;
3 - investigaçãode métodos racionais para a avaliação quantitativa de geossistemas Não foi diferente com a questão das análises e sínteses geográficas in-
e processosformadores da paisagem, particularmente do aparato matemático ade-
quado à sua descrição; tegradas. Os exemplos mais significativos são o do biogeógrafo Bertrand e do
4 análise sistêmica das conexões espaciais no âmbito geográfico, em níveis plane- geomorfólogo Tricart, que nas décadas de 1960 e 1970 se inspiraram nas con
tário,regional e topológico; cepçõesgeoecológicasde Troll e provavelmente nos geógrafos russo-soviéticos
5 - pesquisassobre a condiçãoespaço-temporaldos geossistemas
e montagemdos
seus modelos geográficos, principalmente dos mapas do ambiente em conexão com para desenvolverem suas pesquisas e chegarem a proposições teórico-metodoló-
os problemas de sua conservação e otimização; gicas próprias. Nessalinha, emerge a concepção de geossistema apresentada por
6 - estudo da influência dos fatores socioeconómicos no ambiente natural e prognose
dos geossistemas do futuro;
Bertrand em 1968, quando publica o trabalho Paysageet geographíephysÍquegZo-
7 - exame geográfico de projetos para a complexa utilização-conservação do ambien- baZe:esquíssemefhodoZogique, traduzido para o português em 1971 pela profa.
te geográfico; Dra. Olga Cruz, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo.

CAPITULO i16 OOIS


ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambienta
A NÁLISE GEO GRÁFICA INTEGRA DA

Mais tarde, em 1977, Tricart publica pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística) o livro Ecodínâmlca, que sintetiza a concepção geoecológica que
impregna a abordagem geomorfológica do já renomado geomorfólogo francês.
Posteriormente, nas décadasde 1980/1990, o próprio pesquisador evolui para a
concepção de Ecogeografia.

É inicialmente por meio de Bertrand (1971) que se conhece o conceito de


geossistemasno Brasil. Faz-senecessário lembrar que o seu trabalho traduzido
para o português com a denominação Paisageme geograNa/z'sacaglobal; esboço
metodológicocausouforte impacto nos estudiososda Geografia brasileira, so-
bretudo pela deficiência dos conhecimentos prévios que estavam sendo gerados
principalmente na Alemanha e na ex-URSS.

Para inserir o novo conceito na literatura geográfica francesa e na brasilei-


ra, Bertrand (op. cit.) tomou como base a construção do conhecimento sobre a
"ciência da paisagem". Nessesentido, procurou demonstrar que o estudo da pai-
sagem deve basear-se no conceito e nos métodos de geossistema. Apoiando-se na
teoria geral dos sistemase no aporte conceitual que levou os biólogos e ecólogos
a definirem o conceito de ecossistemas, do mesmo modo que os russo-soviéti-
cos, Bertrand considerou que "o ecossistema não tem nem escala e nem suporte
espacial bem definido [...] pode ser o oceano, mas também pode ser o pântano
com rãs"; isso porque se apóia não no conjunto de um determinado ambiente
natural, mas em um determinado elemento natural. Um ecossistemabaseia-se
em um elemento vivo (vegetal ou animal) e passa a explicar como ecossistema
os meios biofísicos onde esse determinado ser vivo espontaneamente apareceu
e se desenvolve.Nessesentido, não há, em suma, um comprometimentocom a
dimensão espacial claramente definível.

O suporte teórico de geossistema, t8nto para os russo-soviéticos como para


os franceses, está na noção da "paisagem ecológica", introduzida por Troll a par-
tir do final da década de 1930 e na ampliação do termo e conceito de ecossistema
de Tansley em 1935, que se desenvolvem nas décadasde 1940/1950 e alavancam

#H : KS S ll;
a Geografia física dos russos e franceses nas décadas seguintes. A abordagem
geográfica de "paisagem ecológica" ou, como foi designada mais tarde, de Geoe-
cologia é o estudo da paisagem sob o ponto de vista ecológico. As paisagens são ;=:==lil H

CAPITULO 2Ü DOIS CAPITULO ?9 oois


ECOGEOGRAFIADO BRASIL;.subsídiospara planejamento ambienta ANÁLISE GEO G RÁFIC A INTEG RADA

níveis taxonâmicos temporoespaciais: zona; domínio; região como unidades su- O geossistema corresponde aos dados ecológicos relativamente estáveis. Ele resulta
da combinação de fatores geomorfológicos (natureza das rochas e dos mantos su-
periores, como unidades inferiores; geossistema; geofácies e geótopo perficiais, valor de declive, dinâmica das vertentes [...]), c]imáticos (precipitações
temperaturas [...]), hidro]ógicos (níveis freáticos, nascentes, pH da água, tempos de
[-- Nas unidades superiores, a zona corresponde à primeira ordem de gran- ressecamento dos so]os [...]), portanto, é o potencia] eco]ógico do geossistema.

deza e define-se, sobretudo, pela zonalidade climática: secundariamente, pelas


megaestruturas geológicas, por exemplo, escudo de zona tropical. O domínio O geossistemadefine-se também por certo tipo de exploraçãobiológica
corresponde à segunda ordem de grandeza e constitui divisões dentro de uma do espaço,significando que a cobertura vegetal está diretamente relacionada
determinada zona, como, por exemplo, o domínio dos cerrados do Brasil na zona ao suporte que as condiçõesdo meio físico natural oferecempara o desenvol-
tropical. A região natural compreende a terceira e a quarta ordens de grandeza, vimento do potencial ecológico. O pleno desenvolvimento da cobertura vegetal
correspondendo a uma região natural bem delim:atadano interior de um domí- estabeleceuma relação direta e evidente com a expressãobiológica, definindo
nesses casos o "estado clímax do geossistema".
nio. Pode-sepensar em área com destaque para determinadas características do
relevo, como a vasta planície do Pantanal mato-grossense, que, embora esteja no
domínio dos cerrados, apresenta aspectosbem distintos diante de suas caracte- A geofáciesé um setor fisionomicamente homogêneo, em que se desenvol-
rísticas geomorfológicas. vem uma mesma fase de evolução geral do geossistemae uma parcela restrita,
pequena e diferenciada, na qual crescem complexos biótopo-biocenose, defini-
As unidades inferiores estão na segunda categoria de análise, correspon- dos como geótopo, ou sqa, a menor unidade homogênea de um geossistema.
dendo ao geossistemaum nível taxonâmico que acentua o complexo geográfico
Nesseesforço inicial de Bertrand (1971) para definir, caracterizar e classi-
ou geocomplexoe sua dinâmica. A geofáciesdefine-se pela fisionomia, e o geó
topo, pela menor unidade identificável, no contexto da hierarquia estabelecida. ficar as unidades de paisagense, por conseguinte, os geossistemas,surgiu uma
certa confusão ao estabelecer,sobretudo, os níveis taxonâmicos. O geossistema
Para Bertrand (op. cit.), o geossistema corresponde a "uma paisagem ní- passou a constituir uma unidade de paisagem homogênea e com dinâmica pró-
pria e, ao mesmo tempo, nível taxonâmico. Essatentativa resultou da mistura de
tida e bem circunscrita que se pode, por exemplo, identificar instantaneamente
nas fotografias aéreas". conceitos que não estavam na época suficientemente amadurecidos e acabou por
influenciar a Geografiabrasileira por um caminho não muito adequado,pois se
(Geomorfologia+ clima+ hidrologia) (Vegetação
+ solo+ fauna) difundiu a concepçãode que o geossistemacomo categoria de análise era tam-
bém um nível de classificação dentro de um conjunto de seis táxons.
Potencialecológico Exploração biológica

Ao se tentar aplicar tal proposição, e ao mesmo tempo representa-la car-


\

tograficamente, resultavam grandes dificuldades de se estabelecero que de fato


& Geossistema
poderia ser um geossistema, uma geofácies ou um geótopo, ou, dependendo da
escala de representação, podia-se confundir geossistema com domínio, região
natural, e assim por diante. Torna-se mais evidente quando Bertrand defende
Ação antrópica que "(...) a soluçãomais fácil consiste em designar o geossistemapela vegetação
correspondente, que representa muitas vezes a melhor síntese do meio". Para ele,
Fig. 2.1 Estrutura/uncíonaZ dos geossÍstemas (Bertrand, ]97],) a vegetação é uma espécie de suporte para identificar os geossistemas:

CAPITULO 3Ü OOiS CAPITULO 31 OOIS


ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambiental ANÁLISE GEOGRÁFICA INTEGRADA

(...) como o nome de uma espécienão é suficiente, pode-se utilizar o da formação cendo, portanto, de um maior volume de pesquisase de um número crescentede
vegetal clímax e seu traço ecológico essencial, como, por exemplo, geossistemada estudiosos do assunto, o que possibilitaria maiores reflexões sobre a questão em
floresta de carvalho atlântica (. ..)
território francês. Evidentemente, o avanço dos trabalhos do geossistemapelo
Não se pode, todavia, fazer disso uma regra geral porque o tapete vegetal pioneirismo francês possibilitou uma evolução para superar tais problemas.
não é sempre o elemento dominante, como, por exemplo, certos geossistemasdas
montanhas, ou das regiões áridas (...). Por fim, admite que "(...) a dificuldade é Mais recentemente, em seus escritos apresentados em curso de extensão
menos de chegar a uma definição sintética que de adaptar o sistema de classifica- no Vll Simpósio Nacional de Geografia Física Aplicada, realizado na Universida-
ção ao fato de que a estrutura e a dinâmica das diferentes unidades mudam com de Federal do Paraná, em Curitiba, em 1997, Bertrand trata a questão ambiental
a escala". Nessemomento, põe-se alerta, entretanto sem apresentar a solução, com base em um sistema conceitual tripolar e interativo definido pelo geossis-
de que a classificação em unidades de paisagens ou dos geossistemasdepende tema, território e paisagem; em suma, uma estratégia tridimensional em três
da escala de representação e análise, ficando aí evidente que sua classificação já espaços e três tempos.
surgia com problemas de representaçãocartográfica ao se tentar cartografar as
unidades identificáveis e hierarquizá-las dentro da proposta taxonõmica. O tempo do geossistemaé aquele da natureza antropizada, é o tempo da
fonte dascaracterísticasbiofísico-químicas de sua água e dosseusritmos hidroló-
Bertrand apresentaainda uma proposta, que se torna mais adequada,de gicos. De inspiração russo-soviética, é um conceito de espectro mais naturalista,
classificaçãodos geossistemasem tipos, em função de sua dinâmica e conse- que se prende ao cômputo de massas,volumes e funcionamentos bio-físico-quí-
qüentemente dos diferentes estágios de evolução. Consideram-se três elementos, micos, apoiando-se diretamente nas linguagens, nos conceitos e métodos das
a saber: o sistemade evolução, o estágio atual em função do clímax e o sentido ciências da natureza. O geossistema introduz a dimensão geográfica nos estudos
de sua dinâmica (progressiva, regressivae de estabilidade), inspirando-se na te do ambiente natural, na valorização da dimensão histórica, dos impactos da
aria biorresistásica de H. Erhart. Nesse sentido, estabelece que há dois tipos bá- sociedadee da dimensão espacial: na horizontal, geo-horizontes (espaçosfísico-
sicos de geossistemas, os que estão em biostasia e os que estão em resistasia. Os territoriais definidos),e, na vertical, geotipo,geofácies,geocomplexos
e domí-
geossistemasem biostasia são os que estão mais ou menos estáveis. O sistema de nio, nos quais é mais completo que o ecossistema.
evolução é dominado pelos agentes e processos bioquímicos. Já nos geosststemas
em resistasia, prevalecem as atividades erosivas, ocorrendo a destruição da ve-
O tempo do território é o do social e do económico, o tempo do desenvol-
getação e dos solos. E, portanto, um tipo instável. As subdivisões classificatórias vimento durável da pesquisa,da gestão, da redistribuição, da poluição/despolui-
dessesdois tipos básicostambém são apresentadaspelo autor, mas redundam
ção. É o conceito central da ciência geográfica e não envolve aqui a dimensão
em significativas dificuldades práticas e razoáveis subjetividades analíticas, pois
natural. É de qualquer modo a interpretação socioeconómica do geossistema.
demandam pesquisas temporais, espaciais e de aporte experimental, as quais
Retomaum conjunto de conceitoshíbridos, como potencialidade,ambiente,
nem sempre possibilitam afirmar com absoluta segurança, por exemplo, que um
meio, cuja manipulação exige um longo trabalho semântico e metodológico para
determinado geossistema está em biostasia no estágio climácico ou subclimácico,
atingir aproximações atuais.
porque está mais ou menos bem conservado, ou, ainda, que um geossistema em
resistasia está em estágio de regressão ou de progressão, e assim por diante
O tempo da paisagemé aquele do cultural, do património, da identidade e
Em suma, a versão germano-francesa de geossistema, em seu nascedouro, das representações.É o tempo do ressurgimento do simbólico, do mito e do rito.
apresentouuma sériede idéias e concepções
insuficientementerefletidas.De- A paisagem, uma noção mais que conceito, permite ao geógrafo acessaro mundo
certo, isso é decorrente da época, dos poucos testes de aplicação efetuados, care-

CAPITULO 32 Ools

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ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambienta
ANÁLISE GEOGRÁFICA INTEGRADA

ência com os objetos naturais na sua dimensão geossistêmica.Seguena direção


de uma relação multidirecional e interativa entre o natural e o social.

Monteiro (1995/2000)trabalha o conceitode geossistemaem sua obra


:lHTUIB ;H1:3 HS: :l:
denominada de OsEcossistemascomo eZemer2to de inz:egraçãona sínz:ese
geogr(inca
ejator de promoção interdisciplinar na compreensãodo ambíerzí-e. Apresenta uma
excepcional síntese retrospectiva das contribuições sobre o assunto, mostra suas
posições e elabora suas próprias proposições.

Dessemodo, Monteiro (op. cit.) considera que "(...) mais de trinta e cinco
anos são passados e a idéia de geossistemas continua em progressão (...)".

(...) não houve propriamente uma revolução na proposta e muito menos se poderá
dizer que se atingiu um período normal onde os geógrafoscompartilham, em con-
senso,o paradigma. Muitas têm sido as dificuldades para passar da fundamentação
teórica a resultados mais práticos(...).
2-3 SISTEMAS DE TERRAS E UNIDADES DE TERRAS: O MÉTODO AUSTRALIANO
Ainda conforme argumenta Monteiro (op. cit),

o aprimoramento dessa integração holística é um pré-requisito necessário à com-


preensão da qualidade ambiental, ponto de partida para avaliaçõesquantitativas e
diagnósticos mais precisos possibilitando prognoses ambientais.

A questão do antrópico, na abordagem geossistêmica, desde o início foi


insuficientementetratada, até porque seu desenvolvimentoe aplicaçãocome-
çaram com os trabalhos de Sotchava (op. cit.) para a região da Sibéria, onde a
ocupação era rarefeita. Entretanto, ao ampliar-se sua aplicação para outras áreas
do planeta onde as alterações promovidas na natureza eram maiores e a den-
sidade ocupacional mais intensa, defrontou-se com o problema, pois, dentro da
abordagemnaturalista do geossistema,o antrópico tem sidotratado muito como
o elemento modificador das características físico-biológicas e quase nada se fez
além de uma avaliação dessesimpactos. Para Monteiro (2000), "a integração
antrópica nos geossistemasdeve ser considerada em função de variantes impor-
tantes, configurando o trinâmio:

' a extensão do território focalizado, o que conduz a escolha da escala de aborda


gem (espaço);
. a duração histórica da ocupação humana e sua importância processual no jogo de
relações do geossistema (tempo) ;
' o grau de intensidade sob o qual se manifestam as ações antropogênicas em suas

CAPITULO 34 DOIS
CAPITULO 35 oors
l
ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambiente ANÁLISE GEOGRÁFIC A INTEG RADA

F
. sistemas simples de terras - definidos por planícies e superfícies planas Institute for Geo-lnformationScienceand Earth Observation),sobretudopor
ou aplanadas por erosão; meio de Zonneveld, que considera a unidade de terra um conceito fundamental
. sistemas complexos de terras definidos por uma composição ou con- na ecologia da paisagem e em sua aplicação. A unidade de terra ou ZarldNaif. de
junto de sistemassimples de terras geneticamente distintos, mas morfo- acordo com Zonneveld (1989), "é uma conseqüência lógica da principal hipótese
logicamente semelhantes; de que a paisagem pode ser considerada um sistema, e segue a concepção hojís.
. sistemas compostos de terras definidos por dois ou mais sistemas de tecaque consiste de um todo hierarquizado". Continua explicando que "uma das
terras, contidos em um mesmo espaçodelimitado, porém de caracterís- principais características da Zarzdscape
ecoZogyé que ela contribui para a teoria
ticas genéticasdistintas, por exemplo, terrenos vulcânicos em paisagens holística ao descreverum todo hierarquizadodos organismose sociedadedo
sedimentares. total sistemada terra"

Unidadesde tear(iÉ- correspondem à divisão ou partes menores dos sis- Dessemodo, as unidades de terras são utilizadas nas pesquisas de passa.
temas de terras. Para identificação e delimitação, utiliza-se principalmente das gene ecológicas ou Geoecologia com três propósitos:
formas do relevo. As unidades de terras constituem-se por um conjunto de sítios ou
1 - é um conceito central nas hipóteses geoecológicas (landscape ecoloa«)'
lugares ou, ainda, facetas de terras ou site (na denominação original do inglês). 2-éuminstrumentalparamapeamento; ' ' ' ' ''-o'',
cãoé um meio de transferir conhecimentos da paisagem via avaliação para aplica
Sítio, ZugaC/acesasde z:farras
ou site representao mais baixo nível da
hierarquia. Essenível não é claramente definido, mas são partes de uma feição
Para Zonneveld (op. cit.), a Zartdun z:ou unidade de terra "é uma porção
única de terras. Apresenta variações sutis nos solos,na vegetação,no comporta- de terra que é ecologicamentehomogênea para o nível da escala concebida ou
mento hidrológico ou mesmo na geologia. Poderepresentar partes específicasde
escolhida", sendo "terra" usada como sinónimo de "paisagem", e esta, de acordo
formas de relevo, como, por exemplo, uma vertente coluvial, ou uma escarpa, ou
com Von Humboldt, é "a característica total de uma parte da superfície da terra".
outra forma específica qualquer. ou seja, o tangível ecossistema,incluindo todos os aspectosbióticos e abióticos.
e que pode ser reconhecido visualmente na superfície da terra.
Não há uma preocupaçãogenética para identificar e explicar os níveis
taxonâmicos, definidos pela CSIRO,valorizando-se os aspectosdescritivos. Per- Assim,
cebe-se,entretanto, pela definição do que é cada um dos táxons, que o suporte é
eminentemente geomorfológico e, quando menciona aspectosgenéticos, estesse a paisagemé uma parte do espaço,na superfície da terra, que consiste de um com-
referem única e exclusivamente aosprocessosmorfogenéticos. plexo sistema formado pelas atividades das rochas, da água,'ar, plantas, animais e
homem e é uma entidade que tem fisionomia e forma reconhecível

As unidades de terras são identificadas ou codificadas nos mapas mediante A delimitaçãoe a classificaçãodas unidadesde terras passam obrigato
conjunto de números, e cada sistema de terras é descrito genericamenteem seus riamente pela sua representaçãocartográfica e pelo uso da fotointerpretação
aspectos geológicos, geomorfológicos, de drenagem, quanto a solos e vegetação, O padrão visual em um mapa revela muito dos aspectosposicionais e do en
sendoorganizado e apresentadoem forma de tabelas-síntese. tendimento de cada uma das unidades representadas. Muitas unidades de ter
ras podem ser claramente vistas em imagens. Nesse sentido, o trabalho inicial
Essaconcepção de unidades de terras, introduzida pelos australianos, foi é de identificar e delinear as unidadesque são ecologicamente homogéneas
de certo modo incorporada pelos geógrafos holandesesdo ITC (International Essetrabalho é baseado no conhecimento das formas do relevo e dos processos

CAPÍTULO 36 OOIS CAPITULO 37 oors


ANÁLISE G EOG RÁF l CA l NTEGRADA
ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambienta

{eomorfológicos, da estrutura da vegetação em relação ao ambiente e do relacio- da vegetação, mas nas paisagens pouco alteradas isso é muito freqüente. Os so-
namento entre os solos e a fisiografia. los, entretanto, oferecem maior precisão na identificação das unidades de terras
para escalas de trabalho grandes ou de maior detalhe, mas para isso é necessário
Nessa questão da identificação, delimitação e classificação das unidades um intensivo trabalho de campo.
:ie terras, pergunta-se qual dos atributos é dominante. Zonneveld considera que
Os atributos para a classificação das unidades de terras, para elaboração
na questãoda dominância há três questõesa destacar: qual atributo determina a de diagnósticos, predominantemente utilizam-se dos solos, vegetação e unidades
característica da unidade; qual atributo determina a qualidade da unidade para
de relevo, sendo que os limites de cada um deles no campo não são obrigato
certo propósito; qual atributo determina o mapa imagem ou o padrão fisionâmi-
riamente coincidentes. Será, nessescasos, após a conferência de campo, uma
co. A primeira questão não é muito relevante. A unidade é suposta como um "hó- decisão do profissional, em que o limite será definido no mapa. O autor não
lon", assim todos os atributos são importantes. A segunda questão, baseando-se
apresenta uma classificação hierarquizada em níveis ou táxons, como o fazem
nos princípios da agricultura, pode ser respondida: vários ou todos que se rede outros pesquisadores.Entretanto, considera que a legenda de um mapa de uni-
rem ao manejo dos solos, água e os fatores climáticos. Evidentemente, será mais dades de terras
significante quanto à qualidade da unidade, em função do objetivo para o qual
será utilizado, o documento das unidades de terras. Por exemplo, se for para deverá explanar claramente tanto quanto possível a composição de várias unidades,
o enter-relacionamento dos fatores da terra de cada unidade e o enter-relacionamento
controle de erosão ou irrigação, as vertentes tornam-se mais significantes. Na ecológico das Unidades de Terras no contexto total da paisagem mapeada.
terceira questão, a experiência tem demonstrado que são preferencialmente as
formas de relevo e a vegetação que mais marcam nas fotos aéreas e imagens. Conclui que isso se configura em um sistema que pode ser trabalhado
por meio de um SIG (Sistemade InformaçõesGeográficas)e processadovia
Zonneveld (op. cit.) considera que o conhecimento dos processosgeomor- computador.
fológicos contribui para a delimitação das unidades.
2.4 ECODINÂMICA E ECOGEOGRAFIA:UMA GEOGRAFIA ECOLÓGICA

"As unidades podem freqüentemente ser delineadas pelas formas do relevo No Brasil, em 1977, com a obra Ecodínâmíca, de Tricart, publicada pelo
e da vegetação,que são marcáveis (identificáveis) nas fotos." Destaca que nem IBGE, tomou-seconhecimento de um novo modo de ver a natureza e a sociedade
sempre essecritério do relevo e vegetaçãoé o mais acertado, pois pode ocorrer no contexto do entendimento da abordagem integrada, sobretudo para as ques-
em um mesmo tipo. de relevo, desenvolvido sobre uma determinada litologia, tões da natureza sob os efeitos da sociedade. Assim, define Tricart (1977) que
solosdiferentes, que não são percebidosà primeira análise, exigindo maior con-
(...)uma unidade ecodinâmica se caracteriza por certa dinâmica do meio ambiente
trole de campo e redefinição de unidades e limites. O mesmo se aplica quan- que têm repercussões mais ou menos imperativas sobre as biocenoses. Geralmente a
to à vegetação, considerando que o principal requerimento da homogeneidade morfodinâmica é o elemento determinante (...).
ecológica exige um critério que mais reflete a possível posição ecológica para a (...) a morfodinâmica depende do clima, da topografia (formas das vertentes), do
material rochoso. Ela permite a integração dessesvários parâmetros.
escala concernente. Em uma paisagem natural mais pura, pode-se concluir que o O conceito de Unidades Ecodinâmicas é integrado ao conceito de ecossistemas. Ba-
critério principal para delimitar uma unidade é a vegetação.Entretanto, diferen- seia-seno instrumento lógico de sistema, e enfoca asrelações mútuas entre os diver
soscomponentesda dinâmica e os fluxos de energia e matéria no meio ambiente.
ças revelam-se quando se elaboram observaçõesmais diretamente, que podem
ser ajudadas ou inferidas pelas formas do relevo e padrões de drenagem e, por
O autor defende a importância de se adotar tal concepção na questão do
fim. ser confirmadas diretamente no campo por descrições das características
trRto com os recursos naturais, ressaltando que
florísticas da vegetação.Nem todo limite geomorfológico coincide com o limite a

CAPÍTULO 3R D OIS C APÍTULO 39 D OIS

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ANÁLISE G EOG RÁFICA l NTEG RADA
ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambienta

e até intelectual, pelo meio ambiente, ou seja, pelos demais componentes do ecos
C...)a gestão dos recursos ecológicos deve ter por objetivo a.avaliação do impacto
sistemado qual participa.
da inserção da tecnologia humana no ecossistema.Isso significa determinar a taxa
aceitável de extração de recursos, sem degradação do ecossistema, ou determinar
quais as medidas que devem ser tomadas pma permitir uma extração mais elevada Para o autor, "no momento anual,já não existe nenhum ecossistemaque
sem degradação (...). não seja modificado pelo homem, só que as modificações são de natureza dife
rente e de importância diversa".
Acrescentaainda que "essetipo de avaliação exige bom conhecimento do
funcionamento do ecossistema,ou seja, dos fluxos de energia e matéria que o Tricart considera que a energia da gravidade é algo que se manifesta de
caracteriza". modo uniforme na superfície da Terra (e por isso o autor não a enfoca), ao con-
trário do que ocorre com a energia de radiação, que é a única aproveitada dire-
Í"""' Tricart (op. cit) destacaque as intervenções humanas afetam primeiramente tamente pelos seresvivos, ou seja, pelas plantas na fotossíntese.Por essa razão,
il cobertura vegetal, para se desenvolver em suas atividades, repercutindo sobre: as plantas sãochamadasde produtores primários na Ecologia. Os vegetais cons-
- a energia da radiação que alcança o solo e, por sua vez, as temperaturas do solo,
tituem a base da cadeia trófica, o ponto de partida da cadeia alimentar. Assim, a
com efeitos sobrea respectiva flora e fauna, a mineralização dos húmus, a nitrifica- energia de radiação influencia diferenciadamente, direta ou indiretamente, nos
ção e a fertilidade deste; níveis: da baixa atmosfera, da parte aérea da vegetação, da superfície do solo e
.: a queda de detritos vegetais na superfície do solo e, em conseqüência, a nutnçao
dos organismosredutores, a estrutura do solo e sua resistênciaà erosãopluvial e, da parte superior dalitosfera.
por conseguinte o regime hídrico e a reciclagem dos elementos minerais pelas plan-
No nível da baixa atmosfera,a fração da energiade radiaçãosolar que
a intercepção das precipitações ou seu tempo de concentração e a energia do im-
pacto das gotas, que determinam a possibilidade de erosãopluvial; penetra na atmosfera terrestre é parcialmente interceptada por ela, o que signi-
- a proteçao do solo contra as ações eólicas, capazesde intensa degradação das fica que Ihe transmite energia sob a forma de aquecimento, que é em síntese a
terras
a
'b responsável pela circulação atmosférica.
Nessesentido, coloca em evidência o fato de que apareceo "antinomismo
entre a cobertura vegetal, constituída de produtores primários e base de todo No nível da parte aérea da vegetação, a energia de radiação solar é empre
ecossistema,e a morfodinâmica, fator limitante dos ecossistemas(. ..)". Afirma cada no desenvolvimento da atividade de fotossíntese dqs plantas, considerada
pela Ecologia a base de toda a vida terrestre, pela energia calorífica absorvida
ainda que "a partir da modificação da cobertura vegetal, modifica-se: o valor
pelas plantas para promoção da evapotranspiração. A cobertura vegetal ainda
económico da água (qualidade), a pedogênesee o regime dos.rios (...)".
exerce o papel de interceptadora das precipitações, funcionando como dissipa-
Tricart (op. cit) explica que dora da energia das gotas de chuvas e da energia eólica, graças ao efeito da
rugosidade que resulta na dispersão da energia.
C...)o homem participa dos ecossistemasem que vive. Ele os modifica e, po.r sua
vez, os ecossistemasreagem determinando algumas adaptações do homem. As in-
terações são permanentes e intensas, qualquer que seja o nível de desenvolvimento No nível do solo, a presençade coberturavegetaldensa,comvários ex-
técnico da sociedadehumana.
tratos vegetais, favorece o processode infiltração da água no solo e proporciona
fornecimento de matéria orgânica vegetal, que contribui com a pedogênese,ao
Esclarece também que,
mesmo tempo protegendo o solo contra os processoserosivos laminares e line-
(...) desde a lenta aparição do homem como espécieanimal, os ecossistemasforam ares. A inexistência da cobertura vegetal, além de não condicionar a infiltração
por ele modificados, assimcomo ele foi influenciado em seu desenvolvimento físico,

'"-.«--. i'= CAPÍTULO


ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambiente
ANÁLISE GEO GRÁFIC A INTEGRA DA

das águas pluviais no solo, contribuindo para seu ressecamento, favorece o escoa-
vice-versa é apresentadaporque na natureza não há um corte abrupto de uma
mento superficial, facilitando a atividade erosivo.
situaçãopara outra. O que caracteriza essesmeios é a interferência permanente
da morfogênese-pedogênese, exercendo-se de maneira concorrente em um mes-
No nível da parte superior da litosfera, os fluxos de energia tomam os mo espaço.
seguintes aspectos principais:
' provimento de detritos vegetais onde existe cobertura vegetal. Esses
t/rtídades ecodírtámícas jorz:emente instáveis - nesses meios, a morfogênese
vegetais constituem a alimentação de todo um mundo de microrganis-
é o elemento predominante na dinâmica natural e fator determinante do sistema
mos e pequenos animais, que produzem ácidos carbânicos e gasescarbâ-
nicos, os quais, sendo solúveis na água, possibilitam as reações químicas natural, ao qual outros elementosestão subordinados.Essasituação pode ter
com os minerais das rochas e favorecem o desenvolvimento dos solos; diferentes origens e são suscetíveisde se combinarem entre elas. A geodinâmica
. fluxos de água no solo por gravidade, que tanto servem às plantas como interna mtervém em numerosos casos, em particular no vulcanismo com efeitos
aos vegetais; mais rápidos do que nas demais atividades tectónicas. A cobertura vegetal tam-
. fluxos de energia calorífica no solo produzida pela radiação solar, que bém intervém, introduzindo influência climática, produzindo-sepor isso insta-
favorece o desenvolvimento dos microrganismos e da pedogênese, mete- bilidades onde as condições climáticas são mais instáveis, como, por exemplo,
orização das rochas, acúmulo d'água subterrânea, bem como desenvol- em regiões áridas e semi-áridas. Também as intervenções humanas promovem a
vimento de processosmorfogenéticos. brusca ativação morfodinâmica e contribuem para o desencadeamentode pro-
cessoserosivos agressivoscom rápida degradação dos solos.
Com esses preceitos, Tricart estabeleceu uma classificação dinâmica para
as unidades de paisagensidentificadas, denominando-as de unidades ecodinâ- A concepção de Tricart evolui e outra obra publicada em 1992, denominada
micas ou unidades morfodinâmicas. Reforçou a idéia de que EcogeogrclÊae manejo rufai, escrita em co-autoria com Conrad Kiewietdejonge,
sem perder a contribuição anterior, amplia seu entendimento da relação sociedade
(...) a ótica dinâmica impõe-se em matéria de organização do espaço, e, ao estudar-se
a organização do espaço, deve-se determinar como uma ação se insere na dinâmica natureza e desenvolve o conceito de Ecogeografia. Tricart define, então, que é
natural para corrigir certos aspectosdesfavoráveise para facilitar a exploraçãodos possível distinguir três âmbitos de organização no mundo que nos rodeia, ou
recursos ecológicos (...). seja, do nosso ambiente:

Essasunidades ecodinâmicas foram classificadas em três categorias prin-


- a organização da matéria -- caracterizado pelo arranjo das partíciilas nlje as com-
cipais, que a seguir são sinteticamente apresentadas: põe(estadofísicodamatéria); ' ' ' ''-'-'''------'

Unidades ecodinâmicas estdveís- nesse caso, a noção de estabilidade está


associada ao modelado, na interface litosfera-atmosfera. Evolui muito lenta-
ÜUiilãfil:i ::::t u:uT=='=:n
-- a organização social é baseadana criação de formas de organização social e eco-
mente, sendo dificilmente perceptível. Os processosmecânicos atuam de forma nómica a partir de uma base cultural (socioeconómica) .

tênue e com lentidão. As condições aproximam-se daquelas que os fitoecólogos


designam como em estado clímax. Cada um dessesníveis é caracterizado por estruturas suportadas pelas for-
ças específicas. Tais níveis organizacionais pressupõem certa harmonia funcional.
Unidadesecodínâmícasíntergradas - correspondem a áreas de transição Essa harmonia é baseada na interdependência que se estabelece entre elementos
entre meios estáveise instáveis. Essapassagemdo estável para o instável ou da natureza, elementosda sociedadee entre a sociedadee a natureza.

CAPÍTULO 42 OOIS CAPITULO 43 OOTS

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ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambiental ANÁLISE G EOG RÁFI CA l NTEG RADA

Não se pode esperar que existam no planeta paisagensvirgens que o ho- do ambiente, para produzir mais alimentos, fibras e densas coberturas vegetais
mem não as tenha afetado. Os seres humanos são partes da natureza com a para proteger a terra da degradação,que destrói a capacidadede prover os hu-
qual eles estão conectados por ligações de inumeráveis interdependências. Os manos de sua existência biológica. As modificações na dinâmica dos ecossiste-
humanos, como seres animais, são incapazes de absorver energia solar para pro- mas interferem diretamente nas intensidades dos fluxos de energia e matéria
ver-se de suas necessidades.São também incapazes de absorver diretamente os entre as componentese afetam, portanto, as interaçõese interdependênciase
nutrientes minerais dos solos para permanentemente repor suas necessidades seu desenvolvimento. Os objetivos práticos da pesquisa na concepçãoecodinâ-
de ferro, cálcio, magnésio,fósforo, entre outros nutrientes extraídos do solo, da mica, entre outras coisas,consistem em um bom manejo da terra, no redirecio-
água, dos vegetais e da carne de outros animais. namento ou alteração da dinâmica existente por outra. De acordo com Tricart e
Kiewietdejonge (1992), a visão descritiva e estática do ambiente é insuficiente. É
(. ..) humanos são uma parte integral dos ecossistemase sem os produtores primários
(vegetação) não podem existir. Somente plantas verdes são produtores primários, e preciso ir à direção do entendimento da sensibilidade do ambiente sob o ponto
são o ponto de partida da cadeia trófica (...). de vista da intervenção humana.

Na sequênciaestão os animais herbívoros, seguidosdos animais carnívo Seguindoa lógica do pensamentode Tricart e Kiewietdejonge,torna-se
ros e, por último, os animais herbívoros e carnívoros, como os humanos, que evidente que, do ponto de vista da utilização racional dos recursos ecológicos,
estão na outra extremidade dessa cadeia. Ressalta Tricart (op. cit.) que "todas interessa antes de tudo entender q4,,sua totalidade as interações e relações dos
as formas de organização social dependem da vida, isto é fato fundamental". "A fluxos de energia e matéria entre os diversos componentesda natureza, incluin-
Ecogeografiaé um ponto de vista pelo qual se reconheceisso. Ela estuda como do aí as intervenções das sociedades humanas, na perspectiva de que os seres
os humanos são integrados nos ecossistemase como essa integração é diversi- humanos também fazem parte dos ecossistemas. Nesse sentido, parece-nos que
ficada em função do espaço terrestre"..Tal integração, de acordo com Tricart e é fundamental o entendimento da dinâmica presente e passada, de cada um dos
Kiewietdejonge (1992), assumedois importantes aspectos: ambientes identificados na superfície terrestre, partindo-se daquilo que é mais
facilmente perceptível, que são suas formas ou fisionomias, entendendo-sea se-
as demandas impostas pelos humanos nos ecossistemas dos quais eles participam, guir suas estruturas (estático) e suas funcionalidades (dinâmica) e, por último,
bem como no ambiente físico;
as modiHcações humanas impostas, voluntariamente ou não, no ecossistema, in- suas suscetibilidades diante das atuais e futuras intervenções .humanas.
cluindo o ambiente físico: criação de ecossistemase poluições de todos os tipos.
De acordo com Tricart e Kiewietdejonge (1992), os maiores inputs de ener-
Os humanos, com suas inserções tecnológicas e apropriação dos recursos gia são três:
ecológicos, modificam o funcionamento do ecossistema, sendo agentes decisivos ' energia extraterrestre no sistemasolar, que é a radiação solar e a atração
da ecodinâmica.Entretanto, as influências de estruturas sociaise económicas newtoniana produzindo as marés;
promovem modificações diferenciadas diante de sua distribuição geográfica e ' energia originada no interior da Terra, produzindo tremores da Terra,
suas necessidades de demanda, causando efeitos adversos nos ecossistemas e movimentos crustais e vulcanismo, expressão da atividade tectónica.
que freqüentemente resultam na alteração da ecodinâmica. Essaenergia é o resultado de mudanças na estrutura da matéria produ-
zida por radioatividade, a qual propicia calor e mudança no volume da
Como o "ambiente ecológico está em constante estado de fluxo", ele é matéria mineral;
caracterizado pela dinâmica de certo número de elementos de interações; e es . atividades humanas, nas quais se usam os mais variados materiais do
sesmecanismosprecisam ser entendidos para que se possa fazer melhor uso ambiente. Nesse caso, o homem tem de se proteger ele mesmo dos riscos

'"-'«--'44 ''-; CAPITULO 45 OOIS


ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambiente
l ANÁLISE G EOG RÁFICA INTEG RADA

naturais ao mesmotempo em que promove vastasalteraçõesnas massas ciência para os propósitos voltados ao planeamento ambiental de espectro mais
líquidas, gasosase sólidas. Tais alterações são poluentes e afetam a di- amplo, o qual requer um conhecimento mais completo das sociedadeshumanas
nâmica do ambiente.
e suas dinâmicas, ou seja, as demandas sociais, culturais, económicas e políticas.
para se estabelecer as diretrizes gerais e específicas do planejamento ambiental.
Os mesmos autores chamam a atenção para o fato de que claramente os
seja regional, rural, urbano, seja de todos essessimultaneamente
dois primeiros insumos são anteriores e ocorrem independentementeda pre-
sença da humanidade. Para eles, a quantidade de energia envolvida nessesdois
2-5 PAISAGEM CONFIGURAÇÃO TERRITORIAL E ESPAÇO TOTAL: INTERAÇÃO DA SOCIE-
insumos é enorme, tanto que os humanos são incapazes de modifica-los. Eles DADE COM A NATUREZA
podem somente intervir nos seus efeitos. Já o terceiro insumo, o das atividades
As relações sociedade-naturezasão objeto da Geografia, que deve desem-
humanas, é de natureza diferente. "Ele resulta da tecnologia inventada ao longo
penhar um importante papel, não só para a produção do conhecimento humano.
do tempo histórico e o mesmo é utilizado desigualmente na superfície da terra
de acordo com o nível técnico, sociopolítico e económico da organização das mas também para transformar esseconhecimento em um bem voltado para a
sociedades humanas." humanidade. Nessesentido, não se pode deixar de considerar a contribuição teó-
rica do prof. Milton Santos, nem deixar de mencionar suas obras: /14efamorÕoses
do espaçohabitado, de 1988, e Á rzaz-ureiado espaço,de 1996. Ao mostrar o papel
No contexto da análise integrada do ambiente, na perspectiva de sua dinâ-
da Geografia e do geógrafo, Santos (1996) destaca que
mica, Tricart e Kiewietdejonge (1992) consideram que a análise morfodinâmica
é essencialpara entender o comportamento do ambiente para o uso racional da o geógrafo seria funcionalista se levasseem conta apenasa função, estruturalista
terra e realizar a avaliação da suscetibilidade de certos tipos de riscos de uso da se apenas indicasse as estruturas sem reconhecer o seu movimento histórico ou a
relação social sem o conhecimento do que a produziu
terra diante da degradação ambiental.

E, ainda, defende: "(...) impõe-se, na análise, apreender obljetos e relações


O fato que se destaca é o de que os autores continuam tratando as socieda
como um todo, e só assim estaremos perto de sermos holístas, [...] isto é, preo-
des humanas apenas como agentes modificadores das paisagens ou dos ambientes cupados com a totalidade"
naturais ou dos sistemas ambientais naturais. Com base nisso, classificam e hie-
rarquizam essesambientes em função de dois objetivos que ficam muito claros: Evidentemente, a apreensão da totalidade acaba por exigir o entendimento
' que é preciso entender muito bem a dinâmica dos sistemas ambientais
de outros conceitos de certo modo a ela inerentes, mas que se constituem em
naturais, para que as inserçõestecnológicasdas sociedadeshumanas
coisas distintas. Nessesentido, Santos (1996) explica-nos que "(...) a noção de to-
soam menos prqudiciais à natureza e mais favoráveis ou produtivas aos
talidade é uma das mais fecundas que a filosofia clássica nos legou, constituindo
sereshumanos. Isto é, perceber melhor as potencialidades dos recursos
um elemento fundamental para o conhecimento e análise da realidade". Afirma
ecológicos;
também que:
' que é preciso entender e classificar as unidades ecodinâmicas com a
finalidade de perceber as suscetibilidadesda natureza em função dos nessa idéia, todas as coisas presentes no universo formam uma unidade. um todo.
riscos potenciais de um lado e da degradação ambiental de outro. emboraa totalidade não seja uma simplessoma das partes. As partesque formam
a totalidade não bastam para explica-la, ao contrário, é a totalidade que explica as
partes
Assim, a abordagem da Ecogeografia está com um viés fortemente agronó-
mico-ambiental, que, sem dúvida, é de extrema importância como suporte para Tomando os ensina mentos de Wittgenstein no TractaZ-usZogíco-phíZosophecus,
o planejamento agroambiental e regional-ambiental, mas que não atinge a sufi- Santos (1996) escreve que:

CAPITULO 46 OOIS CAPÍTULO 47 DOIS


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ANÁLISE G EOG RÁF[CA INTEG RADA
ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambiental

a realidade é a totalidade dos estados de coisas existentes, as totalidades das situa- Assim,
ções.A totalidade é o conjunto de todas as coisase de todos os homens, em sua
realidade, isto é, em suasrelações, e em seu movimento. a paisagem é um conjunto heterogêneo de formas naturais e artificiais, formada por
oraçõesde ambas, seja quanto ao tamanho, volume, cor, utilidade ou por qualquer
outro critério. A paisagemé sempreheterogênea.A vida em sociedadesupõeuma
Citando Goldmann (1967), Santos (op. cit.) expõe, "(...) a totalidade é o multiplicidade de funçõese quanto maior o número delas, maior a diversidadede
formas e atores [...]. A paisagem não se cria de uma só vez, mas por acréscimos,
conjunto absoluto das partes em relação mútua". Assim, a evolução da totalida- substituições;a lógica pela qual se fez um objeto no passadoera a lógica da pro-
de. ao se transformar em outra realidade, continua sendo totalidade. Nessa di- dução daquele momento. Uma paisagem é um conjunto de objetos, que têm idades
diferentes, é uma herança de muitos diferentes momentos.
reção, Karpik (1972) apud Santos (1996) manisfesta-se; "(...) essa totalidade do
real compreende, conjuntamente, o planeta, isto é, a natureza e a comunidade
humana Desse modo, Santos (op. cit.) afirma

(...) a paisagem não é dada para todo o sempre, é objeto de mudança. É um re.
Há, entretanto, relativa dificuldade de se entender com maior clareza ou- sulcado de adições e subtrações sucessivas. É uma espécie de marca da história do
trabalho, das técnicas. Por isso, ela própria é parcialmente trabalho morto, já que é
tros conceitos inerentes às abordagens geográficas e que são distintos entre si, formada por elementos naturais e artificiais.
inclusive os conceitos de totalidade, espaço e paisagens, que ao mesmo tempo
em que se assemelhame, portanto, se confundem, na prática, sãodistintos. San- Santos (1996) explica que a natureza em seu estado natural não é traba-
tos (1996) afirma que: lho, já "a natureza artificial resulta de trabalho vivo sobretrabalho morto (...)".
No conjunto de definições e conceitos empregados por Santos (1988), também
todos os espaçossão geográficos,porque são determinadospelos movimentos da está
S a
sociedade, da produção. Mas tanto a paisagem quanto o espaço resultam de mo:
vimentos superficiais e de fundo, da sociedade, uma realidade de funcionamento configuração territorial, que, em realidade, é formada pela constelaçãode recursos
unitário, um mosaico de relações, de formas, funções e sentidos. . . naturais, lagos, rios, planícies, florestas, montanhas, e pelos recursos criados pelo
Tudo aquilo que nós vemos, que nossavisão alcança é a paisagem.Estapode ser homem, como estudas de ferro, estudas de rodagem, condutas, açudes, cidades.
definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas A paisagem é o conjunto das coisas que dão diretamente aos nossos sentidos; a con-
de volumes, mas também de cores,movimentos, odores, sons.
figuração territorial é o conjunto total, integral de todas as coisasque formam a na-
A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção,.o que chega aos nossos senti- tureza em seu aspecto superficial e visível. O espaço é o resultado de um matrimonio
dos [...], a percepção é sempre um processo seletivo de apreensão. ou um encontro entre a configuração territorial, a paisagem é a sociedade.

Dessemodo, afirma Santos (op. cit.): "Se a realidade é apenas uma, cada Em outra passagem, ainda afima
pessoaa vê de forma diferenciada, dessaforma a visão pelo homem das coi-
o espaçoé a totalidade verdadeira, porque dinâmica, resultado da geografização
sas materiais é sempre deformada". Para M. Sorre, conforme citação em Santos da sociedade sobre a configuração territorial, como a sociedade está sempre em
C1996),"a noção capital de complexo geográfico local, cuja expressãoconcreta e movimento, a mesma paisagem, a mesma configuração territorial, nos oferecem, no
transcurso da história, espaços diferentes.
a paisagem", considera que o objeto de estudo da Geografia é a paisagem.
Santos (op. cit.) propõe uma definição de espaço,que é operacional e fun-
CI.Sauer, conforme ressalta Santos (op. cit.), diz que existem dois tipos de dada no real:
paisagens, a natural e a artificial.
O espaçoé formado por dois componentesque interagem continuamente: a) a cona
A paisagemartificial é a paisagemtransformada pelo homem, enquanto grossei- duração territorial, isto é, o conjunto de dados naturais, mais ou menos modificados
ramente podemosdizer que a paisagemnatural é aquela ainda não mudada pelo pela ação consciente do homem, através dos sucessivos sistemas de engenharia; b) a
esforço humano.

'"-'---. 4B''-; '"-'«--' 49 '' ;


ANÁLISE G EOG RÁFICA INTEG RADA

dois últimos séculos, mas, sobretudo, nos últimos 80 anos, transformaram radi-
A abordam,
calmente o homem como ser social. Promoveu-se de modo geral a longevidade
humana com a redução dos índices de mortalidade, mas não foi possível reduzir
a natalidade no mesmo nível, como seria o desejável. Tudo isso resultou em um
rápido crescimento demográfico.

A tecnificação e a sofisticação crescentes dos padrões socioculturais e o au-


mento demográfico interferem cada vez mais no ambiente natural, e a procura
por recursos naturais torna-se mais intensa. Nas regiões em que todo essepro-
cesso de desenvolvimento ocorreu, os desequilíbrios entre crescimento económi-
co e disparidades sociais são menos acentuados, mesmo porque o crescimento
de suas populações também se reduziu pelo acentuado decréscimo das taxas de
natalidade. O mesmo não ocorreu com as regiões que "importaram o progresso
tecnológico". Nessasáreas de influência, o tecnicismo gerou impactos sociais
muito mais agressivos,contribuindo para um verdadeiro desequilíbrio nas rela
çõessociais, culturais, económicase ambientais. Houve rápida modificação nos
sistemas de produção com as novas tecnologias. Essasinserções tecnológicas
proporcionaram um desenvolvimento económico que não foi acompanhado do
desenvolvimentosocial e cultural e mesmo económicopara grande parte da
população.

ANALISE IN'REGRADA APUCAOA AO PLANEIAMENTO: FRAGIUOAOES E POTENCIAL A crescente industrialização concentrada em cidades, a mecanização da
agricultura em sistema de monocultura, a generalizada implantação de paisa-
gens construídas e a intensa exploração dos recursos energéticos e de maté
rias-primas, como carvão mineral, petróleo, recursos hídricos e minérios, têm
alterado de modo irreversível o cenário da Terra e levado com freqüência a pro-
cessosdegenerativas profundos da natureza.

No Brasil, que sofreu uma forte e cada vez mais incisiva influência externa
do desenvolvimento tecnológico, caracterizando-se como "importador de tecno-
logias e capitais", os problemas sociais, culturais e ambientais são marcadamente

'' sü ' .-;


H fruto da disparidade da capacidade e de oportunidades das diferentes camadas
sociais de absorver e ajustar-se aos impactos criados por essemecanismo. A his-
tória económica brasileira demonstra com nitidez a característica de economia
periférica a que sempreo Paísesteve submetido, quer seja com a cana-de-açúcar

CAPITULO 51 OOIS
ECOGEOGRAFIA DO BRASIL:subsídios para to ambiental ANÁLISE G EOG RÁF l CA INTEG RADA

]os séculosXVI e XVll, a mineraçãodo séculoXVlll, o cafédos séculosXIX e Dentro dessa perspectiva de planejamento económico e ambiental do
{X, quer seja com a soja a partir da década de 1970. Produtos quaseúnicos da território, quer seja municipal, estadual, federal, bacia hidrográfica, quer seja
)auta das exportações de suas épocas, sempre colocaram o País nas condições qualquer outra unidade, é absolutamente necessário que as intervenções huma-
:le economia de suprimento complementar dos centros mais desenvolvidos.A nas sejam planejadas com objetivos claros de ordenamento territorial, tomando-
:nineraçãoe as monoculturas da cana-de-açúcar,café e mais recentementea se como premissas a potencialidade dos recursos naturais e humanos, de um
;oja foram responsáveispor surtos económicossignificativos, mas ao mesmo lado, e as fragilidades dos ambientes naturais, de outro. É, portanto, preciso
:empo foram acompanhadas de vigorosos processos de degradação da natureza pâr em prática as políticas públicas com vistas ao ordenamento territorial que
: agressivosprocessos de exploração irracional com grandes desperdícios dos valorize a conservaçãoe a preservação da natureza, na perspectiva do desenvol-
;ecursos naturais. vimento sustentável.

A mancha verde dos cafezais, em 150 anos, percorreu vasta região desde o E imprescindível a pesquisa sobre as fragilidades e potencialidades am.
morro da Tjjuca, no Rio de Janeiro, no primeiro quartel do séculoXIX, até o nar- bientais integradas das relações da sociedade com a natureza.
re do Estado do Paraná, quando praticamente cessou sua marcha, cedendo lugar
à soja na décadade 1970. Nesseperíodo, o percurso deixou marcassignificativas Os estudos integrados de um determinado território pressupõem o enten-
dimento da dinâmica de funcionamento do ambiente natural, com ou sem as
na paisagem, como, por exemplo, uma vasta rede urbana e densa malha rodo-
intervenções humanas.
ferroviária, e na natureza, como os solos empobrecidos pela erosão,florestas e
flora dizimadas e extensivas pastagens, quase sempre de baixa produtividade.
A.monocultura da soja, que, no setor da economia agrícola, substituiu o café, A funcionalidade dos ambientes naturais é alterada pelas ações humanas
e comandada, de um lado, pela energia solar através da atmosfera, e, por outro
alterou profundamente as relações de trabalho no campo com a tecnificação
lado, pela energia do interior da Terra através da litosfera. A troca permanente
agrícola e acentuou os problemas ambientais com o uso intensivo de adubos
de energia e matéria que se processa nessasduas grandes massas,aliada à pre-
químicos e dos controladores das ervas daninhas e dos insetos por meio de de-
sençada água em seustrês estadosfísicos, é a responsávelpela dinâmica e pela
fensivos químicos.
presençada vida vegetal e animal na Terra. São os materiais fluidos, ou sqa, a
água e o ar, os condutores dos fluxos de energia e matléfia entre as partes com-
Em função de todos os problemas ambientais, decorrentesdas práticas ponentes da Terra.
económicas predatórias, que têm marcado a história deste País e que, obviamen-
[e, têm implicações para a sociedadea médio e longo prazos, diante do desperdí-
Aliadas a essespressupostosnaturais é cada vez mais significativa a ação
cio dos recursos naturais e da degradação generalizada, com perda de qualidade
humana, que, ao apropriar-se do território e de seus recursos naturais, causa
ambiental e de vida, é que se torna cada vez mais urgente o planejamento físico-
grandesalteraçõesna paisagemnatural com um ritmo muito mais intenso que
Eerritorial não sÓcom perspectiva económico-social,mas também ambiental. aquele normalmente produzido pela natureza. As intervenções humanas alteram
A.ssim,a preocupação dos planejadores, dos políticos e da sociedadecomo um as intensidades dos fluxos energéticose com isso geram impactos na natureza.
Lododeveria ultrapassar os limites dos meros interesses de desenvolvimento eco-
nómico e tecnológico, visando ao desenvolvimento que leve em conta não só as Os diferentes ambientes naturais encontrados na superfície da Terra, de.
potencialidades dos recursos naturais, mas, sobretudo, as fragilidades dos am- correntes das diferentes relações de troca de energia e matéria entre os compo
bientes naturais perante as diferentes inserçõesdos homens na natureza. nentes, são denominados na concepção da teoria dos sistemas como ecossistemas

CAPITULO 52 OOIS
CAPÍTULO
ECOGEOGRAFIADO BRASIL:subsídios para planejamento ambienta ANÁLISE GEOGRÁFICA INTEGRADA

u geossistemas.As relações de troca energética, absolutamente interdependen- e matéria entre os componentes da


Energia solar
natureza e o uso dos recursos natu-
=s, não permitem, por exemplo, o entendimento da dinâmica e da gênese dos
elos sem que se conheça o clima, o relevo, a litologia e seus respectivos arranjos rais pela sociedade, de Ross et al.
(1995).
struturais, ou, ainda, a análise da fauna sem associa-laà flora - e esta Ihe pro- Atmosfera

)orciona suporte -, que, por sua vez, não pode ser entendida sem o conhecimen-
o do clima, da dinâmica das águas,dos tipos de solos, e assim sucessivamente. Para o conceito de "espaço
total", de Santos(1985) e Ab'Saber
Sem a diversidade da biosfera, sem os gasese o clima da baixa atmosfera, (1994), é necessário conhecer to- [
Biosfera

em a água e os recursos da litosfera, as sociedadeshumanas não podem sobre- das as implicações da organização ''1' L---
,iver. A noção clara dos limites de dependência dos componentes naturais e dos do espaço produzido pelas ativida- Sociedades
humanas
imites de inserção dos seres humanos na natureza necessitade melhor dimen- des humanas. Assim, pressupõe-sel
sionamento e esclarecimento, pois somente assim se torna possível a adoção de que a produção do espaço aolongo
)ráticas conservacionistas e de políticas de recuperação ambiental e desenvolvi- da história não seja algo pronto e
nento sustentável. acabado,mas resultado do trabalho Relevo

da sociedade, em sua totalidade,J


Estrutura rochosa superior
Diante dessesconhecimentos, as sociedades humanas não devem ser tra- em um dado momento histórico.ÍO
:adas como elementos estranhos à natureza e, portanto, aos ambientes onde espaço escolhido pelo ser humano Litosfera

/ivem. Ao contrário, precisam ser vistas como parte fundamental dessadinâmica para realizar suas atividades foi ge

epresentadapelos fluxos energéticos que fazem funcionar o sistema como um nerosamentecriado pela natureza,
Energia da Terra
:odo. Entretanto, as progressivas alterações até então inseridas pelos humanos mas a humanidade, no decorrer do (atavae passiva)

rios diferentes componentes afetam cada vez mais a funcionalidade do sistema e, tempo, tratou de muda-lo na medi-
da exata de suas necessidades.
=omfrequência, induzem a graves processosdegenerativos o ambiente natural, Fig. 2.2 Fluxo da relação sociedade/natureza
:m um primeiro momento, e a própria sociedade, em prazos mais longos. Por
Isso, é cada vez mais urgente que se façam inserções tecnogênicas absolutamen- Embasado pelo espírito de
[e compatíveis com as potencialidades dos recursos naturais, de um lado, e com precaução, Ab'Saber (1994) definiu o "espaço total" como instrumento vital para
as fragilidades dos sistemas ambientais, de outro. análise a implantação de empreendimentos modificadores de remanescentes,
pois "não basta pretender avaliar impactos genéricos: há que conhecer todos os
Os fluxos de energia e matéria entre os componentesda natureza e da se sistemas impactáveis que se sobrepõem e se entrecruzam". Para ele,
ciedadepodem ser sinteticamente representadoscomo ilustra a Fig. 2.2.
espaço total inclui todo o mosaico dos componentes introduzidos pelo homem ao
longo da história, na paisagem de uma área considerada participante de um deter-
Trata-se de um pressuposto dessa abordagem elaborar uma análise inte minado território. O termo paisagemé usado aqui como e suporte ecológicoe bio-
ecológico modificado por uma infinidade variável de obras e atividades humanas.
grada dos componentes naturais, bem como do uso que a sociedadefaz deles.
Para tanto, são importantes as noções de organização do espaçonatural e seus
fluxos vivos, de Ab'Saber (1994), de espaço construído como uma interação entre As diretrizes para gestão territorial, sob a égide do conceito de "espaçoto
fluxos e fixos, de Santos (1985), bem como as relações entre os fluxos de energia tal", deverãoestar calcadasno princípio que norteia o desenvolvimento sustenta.

CAPÍTULO Lb DOIS
CAPÍTULO 54 OOIS
n
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ANÁLISE GEOGRÁFICA INTEGRADA

vel, em conformidade com o que estabeleceo conjunto da legislaçãoambiental. O geógrafo russo Grigoriev (1968) procura explicar a funcionalidade da
Nessesentido, as diretrizes devem ancorar-se no que o diagnóstico socioambien-
natureza e dasrelações da sociedade com ela, a partir da visão antropocêntrica.
tal revela quanto às fragilidades e potencialidades dos sistemasambientais natu-
por meio do que define como sendo o "estrato geográfico da Terra", ou seja, uma
rais e antropizados, com vistas à adoção de ações de preservação, conservação,
estreita faixa compreendida entre a parte superior da litosfera e a baixa atmos.
recuperaçãoambiental e desenvolvimento económico e social. fera, correspondendo ao ambiente em que é possível a vida dos sereshumanos
como entes biológicos e sociais. Esse estrato geográfico tem na humanidade o
Para que essespressupostos possam ser seguidos com fundamento em um centro das preocupações.
ponto de vista humanista e com respeito às leis da natureza, é preciso ter co-
nhecimentos adequados do meio natural e da sociedadedentro da perspectiva
A estrutura físico-biótica do estrato geográfico consubstancia-senas diver-
de que tanto a natureza quanto a sociedade apresentam uma funcionalidade in-
sas camadas ou componentes da natureza, tais como a baixa atmosfera, a hidros-
trínseca. Portanto, é preciso que haja uma compreensão integrada da realidade
fera, a litosfera e a biosfera (onde se inserem os sereshumanos; primeiro, como
socioeconómica, sob a perspectiva da dinâmica dos processosde ocupação e das
entes biológicos, segundo; como seres sociais). Esses componentes se articulam
relações económicas e sociais.
e interagem de forma tal que definem mecanismos extremamente complexosde
A essência do espaço é social. Nesse caso, o espaço não pode ser apenas formado funcionamento e de interdependência.
pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais, cujo conjunto nos dá a na-
tureza. O espaço é tudo isso, mais a sociedade: cada oração da natureza abriga uma
fração da sociedade atual (...). (Santos, 1985) A noção clara dos limites das interdependências de um componente e ou-
tro, bem como dos limites de inserção dos seres humanos na natureza não é
No âmbito do meio físico-biótico, pressupõe-seque a funcionalidade da na precisa e os fluxos de energia e matéria são absolutamente impossíveis de ser
tureza está na perspectiva do conceito do equilíbrio dinâmico, em que as forças mensuradosem sua totalidade. As interferências decorrentesdas relaçõesso-
motoras são as energias solar e terrestre, que, juntas, possibilitam transformar ciedade-natureza produzem concretamente espaçosterritoriais, que podem ser
energia em matéria e matéria em energia e esta última em trabalho, que é a base mais ou menos intensamente modificados pelas inserções tecnológicas dos dife
das riquezas produzidas pelas sociedades humanas. Nesse processo dinâmico de rentes grupos sociais.
troca permanente de energia e matéria entre os componentesda natureza, as
inserçõeshumanas, por meio de seus modos de produção e de apropriação dos Dentro dessa perspectiva, os espaços naturais vão progressivamente dan-
recursos naturais, passam a exercer influências na intensidade dos fluxos ener- lugar a "novos espaçosproduzidos", onde a natureza modificada cede lugar
géticos, modificando os ritmos dos processos interagentes. às atividades económicas diversas, como a implantação de cidades, rodovias, fer-
rovias, barragens, campos de pecuária e campos de agricultura. Nesses"espaços
As inserções humanas, por mais tecnificadas que possam ser, não criam produzidos", passam a ter maior expressividade os componentes socioeconâmi-
natureza, não modificam as leis da natureza, apenasinterferem nos fluxos de cos,pois estesdizem respeito aos sereshumanos, que, em essência,são o centro
energia e matéria alterando suas intensidades, forçando a natureza a encontrar
das preocupações.Isso posto, tem-se a necessidadede compreender a lógica do
novos pontos de equilíbrio funcional. Assim, os diferentes modos de produção processo de ocupação e desenvolvimento económico e social dessas sociedades.
desenvolvidospelos diferentes sistemas económico-sociais, em função de suas
maiores ou menores capacidadesde promover alterações na natureza, modifi Cabe ressaltar, entretanto, que tanto os elementos que determinam as es-
cam e intensificam as trocas energéticas,mas não criam e tampouco mudam as pecificidades dos componentes naturais, como as relações económico-sociais
leis que regem a funcionalidade dos sistemas ambientais naturais. nao terminam no contexto do espaço territorial de um lugar, pois as estruturas +

CAPITULO 56 OOIS CAPÍTU LO


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ANÁLISE GEO GRÁFIC A INTEG RADA

lu'
l geológicas, o relevo, o solo, a vegetação, a fauna e o clima, por serem regidos por
çõesintegradasdeve resultar na identificaçãode espaçosterritoriais a que se
' uma complexidadede mecanismosnaturais, definem espaçosterritoriais pró-
pode denominar de unidades de paisagens, unidades de terras, unidades am-
prios. Igualmente, as relações sociais e económicas das populações humanas,
bientais ou ainda sistemas ambientais, com base nos quais se formula o enten-
assentadasem um determinado lugar, têm vínculos culturais e económicosque,
dimento das fragilidades potenciais e emergentes, bem como as potencialidades
invariavelmente, extrapolam os limites do lugar onde vivem, pois seus vínculos
dos recursos naturais e as potencialidades humanas dos grupos sociais que habi-
e interações são estabelecidos pelos mecanismos económicos, culturais e sociais
tam esses espaços, ou esses lugares.
que não são globais.

Embora os sistemas naturais e as formações socioeconómicassejam apreendidos Essasunidades ambientais ou unidades de paisagens constituem espaços
segundo lógicas distintas, sua integração efetiva ocorre no território e seu reconhe
cimento? através das pesquisas e das representações gráficas e cartográficas, permite
territoriais que guardam certo grau de homogeneidadefisionómica, reflexo dos
o estabelecimento e regulação do seu uso. O grupamento, por exemplo, em unidades fluxos naturais de energia e matéria entre os componentes e das inserções hu-
territoriais básicas, unidade de Terras, unidades de Paisagensou zonas de diferen-
manaspor meio de atividades económicasao longo da história. Essahomogenei-
ciaçãosocioeconómicae ambiental, pressupõeum modelo integrativo e interativo
que, do ponto de vista lógico-conceptual,pode ser entendido e representado através dade é dada pelos elementos que se revelam concretamente às vistas humanas.
da articulação de dados espacializáveis,cuja ponderação deve ser criteriosa no âm- que são o relevo, a vegetação e os usos da terra. Ressalta-se, entretanto, que tais
bito técnico-científico,mas sem a ingenuidade de que também não manifestarão padrões fisionómicos se manifestam de modo mais genérico ou mais detalhado
distintos interesses quanto ao uso e apropriação dos recursos naturais. (De] Preste.
1996) de acordo com a escala de análise. A identificação dessasunidades toma como
suporte teórico a teoria de sistemas que como tal permite identificar um siste-
De acordo com o exposto por Del Prette, depreende-se que as interações ma maior abrangendo um conjunto de outros menores, ou vice-versa, sistemas
resultam de dois processosdinâmicos e distintos os quais se manifestam concre- menores dentro de um conjunto maior. E necessário considerar sempre as ca-
tamente em um determinado espaço territorial. racterísticas da natureza e da sociedade do lugar de pesquisa, mediante níveis
taxonõmicos, partindo-se. das análises regionais e chegando a um nível local.
O objetivo geral desse entendimento integrativo sociedade e natureza dentro dos limites que a escalade trabalho permite.
consiste em obter um conjunto de informações, elaborado e organizado de for-
ma tal que se consubstancie em um conteúdo básico, com o qual sqa possível O mesmo raciocínio deve ser aplicado no que«serefere aos aspectossocio-
desenvolverum planeamento de gestão ambiental para um determinado espaço económicos.Entretanto, a lógica dos sistemasnaturais humanizadosrevela.se
territorial diretamente atingido, com a finalidade de conservar, preservar e recu- pelas inserções tecnocientíficas que as sociedadeshumanas historicamente
perar a natureza e, ao mesmo tempo, não cercear, mas, ao contrário, promover empreenderam no ambiente natural, sempre com objetivos de apropriação dos
o desenvolvimento económico e social em basessustentáveis.
recursos naturais e geração das chamadas riquezas humanas ou riquezas econâ
macas.Esseprocedimento histórico faz com que as sociedadeshumanas alterem
Essasanálises devem resultar em produtos de síntese, tratados no escopo as características naturais do ambiente e produzam diferenciados cenários no
da abordagem geográfica, conforme ressalta Ross (1995a), que obrigatoriamente ordenamento territorial. Nesse sentido, a identificação e a correlação dos dife-
são espacializados no território objeto da pesquisa, devendo contemplar, de for- rentes tipos de usos que se faz das terras revelam um «retrato do momento" de
ma sintética, as informações multitemáticas geradas pelas disciplinas especiali- uma manifestaçãodinâmica da sociedadeque habita tal território. Assim, não
zadas. São produtos temáticos acompanhadosde textos e mapas com conteúdo basta delimitar e identificar os diferentes compartimentos da natureza e as di-
técnico-científico de caráter enter e transdisciplinar. A correlação das informa-
versasmanifestações de uso das terras empreendidaspela sociedade,mas é pre-

CAPÍTULO 5B OOIS
C APITULO 59 O Ois

]
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liso entender as relações socioeconómicas que se estabelecem entre os diversos recursos naturais dentro de uma perspectiva conservacionista e preservacionista
atoressociais,intra ou interlugaresou territórios. dos bens da natureza, com a preocupação de diminuir os impactos ambientais
e possibilitar uma convivência mais harmoniosa entre a sociedadee a natureza.
O processo de desenvolvimento tecnológico e as mudanças de hábitos e
costumes aliados às crescentes necessidadeshumanas por consumo de produtos Conhecer adequadamentea dinâmica ambiental, por meio das caracterís-
diversos, em busca de maior conforto, menor esforço, melhor alimentação, mais ticas comportamentais do relevo, dos solos, das rochas e minerais, das águas de
prazer e lazer, impõem maior necessidadede apropriação de recursos naturais, superfície e subterrâneas, do clima, dos vegetais e animais, como também dos
ora para extrair essências nativas, ora para minerar, cultivar e/ou criar. Esse aspectos sociais e económicos das sociedades humanas é fundamental para apri-
processo dinâmico e intenso obriga à expansão das áreas de cultivo, de criação morar o desenvolvimento sustentável. Para cada ambiente natural, é possível e
e de mineração, bem como exige maior capacidadeprodutiva dos lugares. Esses desejávelo desenvolvimentode atividades produtivas, que sejam compatíveis
são os fatores motores que proporcionam arranjos e rearranjos espaciaisdos com suas potencialidades, de um lado, e com suas fragilidades ambientais, de
territórios. outro. Nessecontexto, o relevo funciona como variável importante, indicador
dos diferentes ambientes que favorecem ou dificultam as práticas económicas,
O relevo e os demais componentes da natureza devem ser levados em conta responsáveis pelos arranjos espaciais e pelo processo de produção dos espaços.
no processo de produção dos espaços,sob dois aspectos fundamentais: as poten-
cialidades dos recursos naturais, diante das novas necessidadesque vão sendo
criadas pelas sociedades humanas, e as fragilidades dos ambientes naturais em
função das interferências possíveisque as tecnologias, cada vez mais desenvol-
vidas, permitem. Essesdois vetores devem servir de parâmetros para nortear
aquilo que se define como planejamento ambiental aplicado à gestão (adminis-
®
ambiental
tração) dos territórios. Nessalinha de pensamento,o planeamento
articula-se convergentemente com o princípio do desenvolvimento sustentável,
o que significa permear todos os níveis das relações sociais e económicas das
sociedades humanas e dos vínculos que estas estabelecem com a natureza. Nesse
sentido, as empresas, as pessoas e as instituições públicas ou privadas devem re
lacionar-secom a natureza ou com os bens naturais na perspectiva de utilização
com conservação, preservação e recuperação dos recursos naturais, que são de
interessepúblico, embora possam ser explorados pela iniciativa privada. Há uma
mudança clara de paradigma, quando se pensa em planeamento para o.desen-
volvimento económico e social, entre o que se programava e fazia nas décadas
anteriores e o que se deve programar e aplicar hoje. No passado, o desenvolvi-
mento era visto como um processo meramente económico; crescer era sinónimo
de desenvolver.Atualmente, desenvolvimento deve significar crescimento eco-
nómico com aprimoramento tecnológico, melhoramento social e apropriação dos

CAPÍTULO
CAPITULO 6Ü oois

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