Pedagogia Integrada
Pedagogia Integrada
Unidade I
1 CAMPO DO CONHECIMENTO ESCOLAR E PERSPECTIVAS PARA O FUTURO
DA EDUCAÇÃO
Se você conhece o atual ambiente das escolas públicas, pode confirmar os dados apresentados nas
pesquisas sobre a educação escolar e as políticas educacionais brasileiras.
Desencantados com a profissão, muitos professores afirmam não se sentirem respeitados pelos
alunos, pelos pais, pela direção da escola, pelos governantes, pelo Ministério Público e pelos
próprios colegas. Queixam-se dos baixos salários, da falta de estrutura dos prédios escolares, das
péssimas condições de trabalho, da indisciplina e da agressividade dos alunos. Denunciam terem
de assumir, na escola, o papel de babá, de psicólogo, de enfermeiro, de terapeuta ocupacional, de
juiz, entre outros, o que lhes desvia do trabalho de educar, sobrando pouco tempo para desenvolver
os conteúdos programáticos, estudados e discutidos por ocasião do planejamento anual. Relatam,
ainda, insegurança no manejo da sala de aula por se sentirem despreparados para enfrentar o
atual alunado.
Os pais alegam, ainda, que suas crianças e seus adolescentes têm aprendido pouco na escola.
Indignados, dizem que, mesmo sem ter concluído o ensino primário, sabem ler, escrever e resolver
problemas matemáticos melhor que seus filhos.
Some-se a isso a escassez de profissionais qualificados que permeia todas as áreas do mercado de
trabalho, tornando-se um dos maiores entraves ao crescimento brasileiro. Todos os anos, milhares de
postos de trabalho ficam em aberto porque não se formaram profissionais suficientes para preenchê-
los ou estes se mostram incapazes de responder às demandas do cargo pretendido.
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ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
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Unidade I
Partindo desses dados desoladores, você e eu podemos levantar algumas indagações: o que
é, afinal, Educação? O que é Educação Escolar? Qual o papel do professor na aprendizagem dos
alunos? O que a Pedagogia pode contribuir para os estudos das problemáticas educativas?
Buscando responder a tais questionamentos, embasaremos nossa discussão nos estudos da Pedagogia
Integrada, objeto de estudo do presente livro-texto, abordando os três núcleos que fundamentam o
curso de Pedagogia: docência, gestão e pesquisa. Para análise desses núcleos, incluiremos temas gerais
sobre Educação e Educação Escolar.
Como você sabe, a educação se dá de várias formas e em diversos lugares; pessoas ensinam
e aprendem ao mesmo tempo e o tempo todo, nas mais variadas situações, no convívio com os
outros etc.
Conforme proposto no artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96,
“a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade e nas manifestações culturais”.
Para Libâneo (2004, p. 162), “a educação é uma ação e um processo de formação pelo qual os
indivíduos podem se integrar criativamente na cultura em que vivem”.
De acordo com sua definição, pode-se afirmar que é por meio da educação que a humanidade
vem ensinando aos mais jovens as formas de produzir e distribuir seu alimento, os rituais de
adoração a seus deuses, os comportamentos aceitos na convivência com seu grupo. Enfim, é pela
educação que as mais diferentes sociedades transmitem sua cultura às novas gerações.
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PEDAGOGIA INTEGRADA
Nas comunidades primitivas, por exemplo, não existiam escolas; os saberes e as experiências dos
mais velhos eram apreendidos pelos mais novos, inicialmente, observando o fazer e, posteriormente,
praticando o que haviam observado.
Para ilustrar tal afirmação, vale a pena recuperar um trecho da resposta que os chefes indígenas
deram aos governantes, muitos anos atrás, nos Estados Unidos, agradecendo e recusando a oferta de
escola dos brancos para os índios:
Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós
e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem
que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim,
os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa ideia de educação
não é a mesma que a nossa. [...] Muitos dos nossos bravos guerreiros foram
formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas,
quando voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida
da floresta e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam como caçar
o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua
muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como
guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. Ficamos extremamente
agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para
mostrar a nossa gratidão, oferecemos aos nobres senhores de Virgínia
que nos enviem alguns dos seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que
sabemos e faremos, deles, homens (BRANDÃO, 1995, p. 3).
Não há, portanto, uma forma única nem um único modelo de educação e, segundo Brandão (1995),
a escola não é o único lugar onde ela se realiza, e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua
única prática e o professor profissional não é seu único praticante. No espaço não escolar, a educação
se dá na vida e no trabalho.
Observação
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Unidade I
Assim, “a ciência e a escola são levadas a substituir o papel da religião e da Igreja nos processos de
socialização. [...] A escola começa a ser entendida como ‘templo do saber’, e a função do professor, como
um apostolado” (BARRETTO, 2010, p. 289).
Abordando esse sentimento em relação à escola, Nóvoa (2009) enfatiza que, para aqueles que
defendem o ensino doméstico, o sistema de ensino encontra-se obsoleto e incapaz de se renovar.
Exemplo de aplicação
Se você observar a atual forma de vida das pessoas, decorrente de transformações dos mais diversos
setores da sociedade, fica fácil identificar as mudanças ocorridas no contexto escolar e também
reconhecer que alguns progressos foram notados.
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PEDAGOGIA INTEGRADA
Se quiser analisar essas questões, você poderá se apoiar em três afirmações: a primeira refere-se ao direito
à educação, incluído na Declaração Universal dos Direitos da Pessoa e na Convenção dos Direitos das Crianças;
a segunda considera a educação recurso vital para transformar a sociedade, o que leva a crer que pessoas
escolarizadas estão mais aptas a participar de decisões. Já a terceira mostra dados desconfortáveis sobre o
número de crianças e adolescentes que se evadiram da escola e daqueles que nem entraram nela. Também
aponta que vários passaram pelo banco escolar e não conseguiram aprender que há adultos analfabetos.
Pensando nessas afirmações, você poderá considerar um grande desafio a tentativa de desenvolver
uma análise sobre a educação ou, no caso, a falta dela!
1) Quais os principais desafios do sistema de educação brasileiro para assegurar educação a todos?
2) Como essas problemáticas são tratadas pelas autoridades governamentais? Qual o futuro da Educação?
Você notará que as respostas a essas perguntas podem variar em termos de causa, magnitude,
influência e outras dinâmicas, já que a educação relaciona-se a aspectos não só regionais e nacionais;
ela sofre interferências internacionais da globalização, também.
Finalmente, se quiser buscar respaldo para sua reflexão, você poderá recorrer aos argumentos de Nóvoa:
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Unidade I
Muitas pessoas têm boas lembranças do tempo em que frequentaram o banco escolar. Algumas
relatam situações divertidas com colegas, vivenciadas em um passado bem recente. Outras, saudosistas,
recordam-se de histórias mais distantes. Porém, há quem relate más experiências, por considerar ter
vivido momentos de sofrimento e insegurança.
No contexto familiar, a criança é tida como a figura mais importante da casa, amada
incondicionalmente e tratada de forma especial pelas pessoas mais velhas. Quando confrontada a
circunstâncias de obrigações, muitas vezes, lhe é permitido cumpri-las de acordo com sua vontade
e seu humor, e é dispensada de tarefas que, provavelmente, seria capaz de realizar. Seus desejos e
necessidades são prontamente atendidos e é poupada de experiências de dor e contrariedade para que
não se sinta frustrada.
No polo oposto, quando atinge a fase de jovem comum no mundo social, a mesma pessoa será
considerada apenas como mais um membro de uma sociedade organizada em status, na qual as relações
se constituem em direitos e deveres. Frequentemente, sem ser poupado por ninguém, o jovem terá de
enfrentar uma série de obstáculos e frustrações para tentar sanar suas necessidades e ter atendidos seus
desejos. Sentirá que pouca ou nenhuma influência seus familiares terão para ajudá-lo na resolução de
seus problemas, ou mesmo não os procurará para solicitar ajuda nem estará disposto a ouvi-los.
Portanto, para que a existência na vida adulta seja experenciada com o mínimo de sobressaltos e
de desequilíbrios cognitivo e emocional, a escola ocupa uma posição de extrema importância, visto que
nela ocorrem as primeiras relações fora da família, marcadas por sociabilidade gradativa.
Ela é constituída de regras de conduta a serem cumpridas por todos os alunos; há horários
para entrada, saída e intervalo para o lanche e não é permitido se ausentar da sala de aula quando
simplesmente der vontade. Há um rol de atividades a serem realizadas, mesmo a contragosto de quem
deve desenvolvê-las.
Na escola existe, ainda, a convivência compulsória entre iguais e diferentes, na qual o aluno se
vê envolto em conflitos que, por vezes, emergem em circunstâncias as mais corriqueiras e afloram,
principalmente, quando ele percebe que perdeu a exclusividade.
Aprenderá, portanto, a se enxergar como parte de uma situação coletiva e a negociar se quiser
alcançar bons resultados em suas pretensões, o que contribuirá para seu amadurecimento emocional.
Nesse sentido, o ambiente escolar deixa de ser mero espaço de aprendizagem formal e se torna palco
de frustrações, realizações, encontros, disputas, competitividade e dificuldades de relações interpessoais.
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PEDAGOGIA INTEGRADA
É lá que, com a ajuda dos professores e pais, o sujeito vai se constituindo ser pensante, questionador.
A escola poderá conservar isso, despertando em seus alunos potenciais criativos, curiosidades e talentos,
e minimizar todas as formas de expressão da subjetividade da criança, contribuindo para a formação do
adulto consciente de si e do mundo ao seu redor.
Saiba mais
Segundo Meirieu (2006, p. 68), a escola constitui-se em um espaço e um tempo estruturados por
um projeto específico de transmissão de conhecimento e de formação de cidadãos e, “assim como ‘a
disciplina de ensino’ e ‘a disciplina na sala de aula’ são tão indissociáveis como a frente e o verso de uma
folha de papel, as disciplinas da Escola” são uma única realidade. Enfim, a escola é:
Meirieu (2005) ressalta que as aprendizagens escolares exigem investimento pessoal que, de certa
forma, é dirigido. É preciso entender que todo aluno tem sua história pessoal, suas necessidades e seu
ritmo de aprendizagem.
Entretanto, a escola deve ajudar a criança a superar seu sentimento egocêntrico. Quando nasce, a
criança é alvo de todas as atenções, por isso tem dificuldade de perceber o mundo fora dela. A atitude
do professor deve compreender esse momento do aluno sem fazer muitas indagações, ou seja, “sem
procurar elucidá-las, ele deve oferecer os meios para elucidá-las”, para que o aluno possa ter condições
de vencer essa nova aventura do aprender. O papel do professor, portanto, é criar condições adequadas
para que o aluno tenha confiança e o tenha como aliado nesse processo (MEIRIEU, 2005, p.115).
Na visão de Meirieu (2005, p. 115), ao correr riscos, as pessoas se envolvem em situação de incerteza
e, no caso das aprendizagens escolares, não é possível afirmar com certeza que todas as crianças terão
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Unidade I
êxitos; o risco de fracasso é sempre uma ameaça, já que “o aluno só aprende se puder embarcar em
uma aventura na qual desempenhe um papel decisivo, na qual tenha um lugar”. Defende a pedagogia
do risco, pois quem corre risco se atreve e descobre a satisfação dessa tarefa. Nesse sentido, o aluno
aumenta sua capacidade para reter aquilo de que necessita.
Na escola, a criança-rei não entende que sua exigência não pode ser atendida. Enquanto instituição,
a escola deve “ensinar às crianças que seus desejos individuais, por mais legítimos que sejam, não
podem ser expressos espontânea e sistematicamente no espaço público, sob pena de comprometê-lo”
(MEIRIEU, 2005, p.117). É importante e saudável que os alunos se comuniquem e desejem comunicar
suas descobertas aos colegas, porém é preciso que isso não seja feito a qualquer momento, é preciso
ensiná-la a respeitar as situações e principalmente ver significado naquilo que faz. Segundo o autor,
é fundamental que a escola ajude a criança se destituir do sentimento egocêntrico e formar nele as
atitudes de aluno que sabe esperar, colaborar e superar as dificuldades.
No entanto, a conduta do professor deve estar de acordo com o que ele diz e faz, caso contrário não
há o que ensinar, nem ao menos impor respeito. Assim, Meirieu (2005, p. 28), defende que a escola deve
ensinar e aplicar o “respeito aos seres e às coisas, respeito aos locais e ao material, respeito aos bens
pessoais e coletivos, sem os quais não é possível nenhum trabalho coletivo”. E todo trabalho coletivo
permite não somente impor o respeito, mas também conviver com as diferenças e se colocar no lugar
do outro.
Assim, cresce a importância de um conteúdo escolar que permita fazer uma ponte entre
o que é trabalhado na escola e o que é encontrado no ambiente real. Meirieu (2005) afirma
que as crianças, em sua maioria, são infelizes e responsabiliza os adultos que as cercam por
essa infelicidade. A criança precisa ver no adulto o seu guardião, ou seja, aquele que lhe dará
referências de autoridade e proteção. E não aquele que a faz submeter-se a respostas prontas,
mas sim que a ensina a questioná-las.
Envolto em suas convicções sobre a importância da Educação Escolar, Meirieu (2005) explora o que
chama de princípios, tensões e referências da escola.
Entre os 14 princípios da escola, vale realçar o princípio 4, o qual Meirieu (2005, p. 35) considera
ser missão fundamental da escola a preparação do futuro para os jovens, com a transmissão do mundo
coletivo. “Por isso, a Escola deverá libertar-se progressivamente de todas as formas de preceptorado e
inventar uma instituição que preserve a continuidade do mundo das veleidades individuais”.
Muito relevante, também, expõe-se o princípio 9, que se refere à necessidade de o professor primar
pela justeza, precisão e verdade a mediação das relações dentro da escola.
Importante ainda apresenta-se o princípio 14, ao abordar a relação entre emancipação e solidariedade,
afirmando que “é preciso que um sujeito possa utilizar sua liberdade para religar-se a outros e, com
isso, fazer com que a humanidade avance um pouco, nele e no mundo” (MEIRIEU, 2005, p. 69,
grifo do autor). Assim, ao contrário de abandonar seus alunos ao mundo, o professor deve abrir-lhes
perspectivas, mostrando-lhes os limites, eliminando as barreiras sem os fazer desistir.
No que diz respeito às tensões presentes no cotidiano escolar, fruto das contradições enfrentadas
pelo professor, Meirieu expõe possibilidades, como a de abandonar arbitrariamente tais contradições
e, até mesmo, oscilar entre ambas. Porém, ressalta que a criação de dispositivos capazes de integrar e
até de ultrapassar os dois polos é a opção mais acertada. Nesse aspecto, defende a articulação entre a
reflexão pedagógica e a reflexão sobre os conteúdos do ensino para o desenvolvimento dos saberes, de
forma a explorá-los e a ensiná-los mais comprometidamente.
Em relação às referências da sala de aula expostas por Meirieu, chamam a atenção questões que
envolvem desde o cuidado com o uso do tempo e do espaço para o desenvolvimento dos trabalhos dos
alunos, a seleção dos recursos mais apropriados para aquisição de determinados conceitos, até a opção
acertada da sistemática de avaliação. Para ele, é na sala de aula que o aluno pode e deve sentir-se
acolhido e seguro para explorar novas posturas e aprender a pensar por si mesmo.
Aranha (2006) também discute a Educação, em especial as mudanças sofridas por ela em consequência
de alguns aspectos específicos. Aborda as características da modernidade, como a valorização da
subjetividade e da ciência, as quais acarretaram novas maneiras de compreender o mundo, alterando o
jeito de pensar, sentir e agir das pessoas. Porém, algumas conquistas sociais, como as chamadas forças
emancipatórias, alcançadas com muita determinação e não sem sofrimento, foram transformadas e
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Unidade I
utilizadas como forças regulatórias, o que, segundo a autora, levou à crise do paradigma da modernidade
e à constituição de modelo pós-moderno de sociedade.
Para ela, tal modelo constitui-se em desafios à Educação e às perspectivas de se pensar a Pedagogia,
no que se refere à forma de “enquadrar” os mais jovens à nova ordem social. Existem riscos de submeter
a escola aos ensejos e apelos mercadológicos, como o de privilegiar a formação do especialista em
detrimento do conhecimento geral e crítico e o de fragmentar o saber, desconsiderando a visão do todo
nos aspectos inter e transdisciplinar.
Assim, segundo Aranha (2006), no enfrentamento de tais desafios, a Escola deve, em primeiro lugar,
reconhecer as mudanças ocorridas na sociedade e no seu próprio meio e se empenhar em descobrir
novas maneiras de intervenções afetiva e pedagógica, investindo na educação permanente, reafirmando
a importância do estímulo à educação integral e criativa, bem como à autoformação.
Nóvoa (2009), também estudioso da Educação, enfatiza que foi em 1870 que ocorreu a consolidação
do modelo escolar, forma concebível e imaginável para assegurar a educação das crianças que
conhecemos atualmente. Segundo o autor, no final do século XIX,
No século XX, a escola expandiu-se e passou a atender a população de trabalhadores. “Ao ganhar a
luta secular contra o trabalho das crianças e dos jovens, a escola define novas formas de organização
da vida familiar e social. É impossível pensar o século XX sem pensar a escola do século XX” (NÓVOA,
2009, p. 2).
Portanto, fazem-se necessárias mudanças urgentes na escola, para que forme alunos competentes,
capazes de enfrentar os atuais e complexos problemas existentes em nossa sociedade.
Lembrete
Preocupado com as questões sociais de sua época, o educador brasileiro Paulo Freire procurou
articular a educação com as possibilidades reais de libertação do homem e de mudança da realidade
que o exclui dos debates e das tomadas de decisão.
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PEDAGOGIA INTEGRADA
Freire dizia acreditar no papel prático da educação na democratização da sociedade brasileira, a qual
tem a função de problematizar a realidade para tomar consciência dela e, compreendendo-a, poder
transformá-la.
Em sua obra Extensão ou Comunicação?, afirma que a educação deve manter uma relação dialética
com a realidade, se quiser se tornar um processo real de libertação.
Alguns pesquisadores, porém, descrevem e discutem o que chamam de “crise” na Educação, na qual
abarcam questões que vão da desvalorização do campo de conhecimento da Pedagogia ao descaso das
autoridades governamentais quanto aos problemas da escola básica brasileira, passando pelo baixo nível
de formação docente. São temas constantes e recorrentes nos debates da Academia que buscam trazer
à luz propostas de melhores ações de enfrentamento de tais questões.
Entretanto, o discurso sobre a crise na educação é antigo, não se configurando como exclusivo das
últimas décadas, momento em que o tema da crise educacional alcançou absoluta centralidade nos
debates pedagógicos. Já se falava em crise desde o final do século XIX, quando a instituição escolar se
consolidava na Europa, a despeito de ainda não se encontrar universalizada; o discurso sobre a crise na
educação e nas instituições modernas já se fazia presente nos textos de Durkheim (2003), que a pensou
como desdobramento de uma crise social mais ampla.
Segundo Arendt (2005), assim, no momento mesmo em que se iniciava o processo de universalização
do sistema escolar e de suas instituições nos Estados Unidos e na Europa, com o desenvolvimento das
primeiras políticas educacionais, o discurso sobre a crise da educação já havia se instalado no meio
científico da educação.
Crítica dos movimentos reformadores de sua época, voltados à pedagogia que atendesse aos
interesses da criança, para a autora, o problema consiste nas constantes mudanças de valores, padrões e
conhecimentos comuns à sociedade que lhe dão relativa segurança da dimensão do passado, reconhecido
nas experiências dos antepassados que são deixadas às gerações futuras.
Em sua visão, as crianças são abandonadas à própria sorte, emancipadas da autoridade dos adultos,
e assim jogadas a si mesmas, sem poder se defender; sua reação tende a ser o conformismo ou a
delinquência juvenil.
Nesse sentido, Arendt (2005, p. 246) compreende que “a função da Escola é ensinar às crianças como
o mundo é e não instruí-las na arte de viver”. Considera a educação como o ponto
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Unidade I
[...] onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-
las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tão pouco
arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e
imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a
tarefa de renovar um mundo comum (ARENDT, 2005, p. 246).
Em suas reflexões, a autora afirma ser a crise da educação consequência da crise da modernidade. “A
crise da autoridade da educação guarda a mais estreita conexão com a crise da tradição, ou seja, com a
crise de nossa atitude face ao âmbito do passado.” (ARENDT, 2005, p. 243).
Referindo-se à ideia de emancipar a criança e liberá-la dos padrões do mundo adulto, Arendt (2005,
p. 230-231) afirma que:
Assim, sujeita à crise e à urgência de ser repensada em sua essência, a autora entende a Educação
um campo permanente de tensão.
Libâneo (2004) também aborda a “crise” na educação pública, quando enfatiza que, afetada pelas
transformações sociais, políticas, econômicas e culturais e impregnada pelas propostas neoliberais para a
educação, é defrontada com a baixa qualidade de ensino. Diz que, para resolver tal questão, é necessário
que haja ações de enfrentamento de todos os setores da sociedade: a reversão do insucesso escolar
deve ser objeto de preocupação de governantes, pesquisadores e planejadores, diretores e professores,
devendo investir de forma a assegurar que a escola esteja apta a dar “respostas concretas às exigências
de modernização e democratização da sociedade” (LIBÂNEO, 2004, p. 199). Como demandas de
enfrentamento à crise atual, enfatiza as ações assertivas, com foco na valorização salarial, nas condições
de trabalho e na formação docente.
20
PEDAGOGIA INTEGRADA
Observação
Chamando de caricatural a forma como apresenta a “evolução” da instituição escolar, Nóvoa (2009,
p. 50) aponta o acúmulo de tarefas que ela foi assumindo:
Começou pelo cérebro, mas prolongou a sua ação ao corpo, à alma, aos
sentimentos, às emoções, aos comportamentos...
O autor refere-se ao conceito de educação integral como a melhor forma de traduzir o projeto da
modernidade escolar e a ambição pedagógica.
É nisto que deve concentrar as suas prioridades, sabendo que nada nos
torna mais livres do que dominar a ciência e a cultura, sabendo que não
há diálogo nem compreensão do outro sem o treino da leitura, da escrita,
da comunicação, sabendo que a cidadania se conquista, desde logo, na
aquisição dos instrumentos de conhecimento e de cultura que nos permitam
exercê-la (NÓVOA, 2009, p. 62).
Assim, o autor sugere o “retraimento da escola”, denotado um espaço público da educação integral
das crianças e dos jovens, sem incorrer no dualismo da escola boa para os ricos e ruim para os pobres.
Uma escola que ofereça a todos aprendizagens para a vivência em sociedade.
Saiba mais
Exercício de aplicação
Se você observar a atual forma de vida das pessoas, decorrente de transformações dos mais diversos
setores da sociedade, fica fácil identificar as mudanças ocorridas no contexto escolar e reconhecer que
alguns progressos foram notados.
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PEDAGOGIA INTEGRADA
Se quiser analisar essas questões, você poderá se apoiar em três afirmações: a primeira refere-se
ao direito à educação, incluído na Declaração Universal dos Direitos da Pessoa e na Convenção dos
Direitos das Crianças; a segunda considera a educação recurso vital para transformar a sociedade, o
que leva a crer que pessoas escolarizadas estão mais aptas a participar de decisões; já a terceira mostra
dados desconfortáveis sobre o número de crianças e adolescentes que se evadiram da escola e daqueles
que nem entraram nela. Também aponta que vários passaram pelo banco escolar e não conseguiram
aprender que há adultos analfabetos.
Pensando nessas afirmações, você poderá considerar um grande desafio a tentativa de desenvolver
uma análise sobre a educação ou, no caso, a falta dela!
Sugere-se que você faça as seguintes indagações: quais os principais desafios do sistema de educação
brasileiro para assegurar educação a todos? Como essas problemáticas são tratadas pelas autoridades
governamentais? Qual o futuro da Educação?
Você notará que as respostas a essas perguntas podem variar em termos de causa, magnitude,
influência e outras dinâmicas, já que a educação relaciona-se a aspectos não só regionais e nacionais,
ela sofre interferências internacionais da globalização, também.
Embasado no estudo que você realizou até aqui, escreva um pequeno texto sobre sua reflexão.
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Unidade I
Desde que existe a necessidade de educar as crianças e de promover sua inserção no contexto social
e cultural, existe Pedagogia.
Observação
Foi pensando a Educação que vários pesquisadores debruçaram-se sobre os estudos da Pedagogia e
dos pedagogos. Entre eles, você poderá acompanhar o destaque de alguns:
O modelo pedagógico diretivo embasa-se na epistemologia empirista, que considera que ao nascer
a criança é uma tábula rasa e que depende totalmente do meio exterior para se desenvolver.
Tal modelo é caracterizado pela dicotomia professor/aluno, na qual o professor, detentor do saber,
ensina, e o aluno, que nada sabe, aprende. No ambiente silencioso e autoritário da sala de aula, prevalece
o monopólio da palavra do professor, certo de seu papel de transmissor do conhecimento para o aluno,
que sem nenhum conhecimento prévio e com postura heteronômica deve ocupar um lugar passivo
nessa relação. É um ambiente coercitivo e disciplinador que desestimula a curiosidade e a criatividade
do aluno, que, subserviente, memoriza e repete o que o professor lhe ensinou.
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PEDAGOGIA INTEGRADA
A Pedagogia Não Diretiva fundamenta-se na epistemologia inatista, a qual considera que o ser
humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética.
Nesse modelo pedagógico, o professor tem a função de facilitador e deve intervir o menos possível
na aprendizagem do aluno, pois acredita que este aprende por si mesmo. Nessa relação, o polo do
ensino, o professor, é desautorizado e despojado de sua função; deve apenas despertar o conhecimento
que já existe no aluno. E o polo da aprendizagem, o aluno, é tornado absoluto, e sua não aprendizagem
é explicada pelo “déficit herdado”. Surge o conceito da carência cultural, entendida como um déficit do
indivíduo, um retardo que prevalece nas crianças pobres, malnutridas e marginalizadas, sem chance de
acompanhar o desenvolvimento dos colegas em sala de aula.
Observação
Já o modelo pedagógico relacional apoia-se nas concepções piagetianas, as quais concebem a criança
produto de sua carga genética e da ação do meio. Nesse pressuposto teórico, o professor compreende
o aluno com uma história de conhecimento já percorrida e que construirá seu conhecimento se agir e
problematizar sua ação.
Assim, a aprendizagem se concretiza por meio da relação que o aluno estabelece com o objeto a
ser conhecido. O professor age intencionalmente e acredita que o conhecimento do aluno é ponto de
partida para a evolução de sua aprendizagem e que é capaz de aprender sempre. Na relação de sala
de aula, estabelece-se a superação da disciplina policialesca, na figura autoritária do professor, e do
dogmatismo do conteúdo a ser cumprido sem interiorização reflexiva e crítica. Trata-se de construir
disciplina intelectual e regras de convivência, criando um ambiente fecundo de aprendizagem e de
conhecimentos novos.
Também Marques (2000, p. 85-86) refere-se a tal modelo, denominado interactivo, que tem como
idealizadores Jean Piaget e Lawrence Kohlberg. Descreve-o como
Entre as concepções tradicionais, as quais priorizam o conteúdo e sua transmissão pelo professor e
o aluno é tido como mero receptor dos conhecimentos, o autor cita a pedagogia de Platão, a pedagogia
cristã, a pedagogia dos humanistas, a pedagogia da natureza e a pedagogia idealista e nomeia alguns
estudiosos, como Comênio, Kant e Hegel.
Já do ponto de vista das correntes renovadoras, Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Stirner, Bergson e
Oury são apontados como seus idealizadores. São assim denominadas a pedagogia da Escola Nova,
as pedagogias não diretivas, a pedagogia institucional e o Construtivismo, os quais consideram a
aprendizagem um processo de construção do aluno que ocorre por meio da sua interação com o objeto
de conhecimento e com os colegas e o professor, tendo o papel de acompanhar e auxiliá-lo a aprender.
Segundo o autor, ela possui objeto, problemáticas e métodos próprios de investigação, configurando-
se como “ciência da educação”, e o pedagógico da ação educativa se expressa na intencionalidade e no
direcionamento dessa ação.
3 PEDAGOGIA E O PEDAGOGO
Embasada nas ideias de Meirieu, Cruz (2014) discorre sobre a necessidade de buscar modificações
na concepção de uma pedagogia somente tradicional e abandonar as ideias simples da pedagogia
fragmentada e misturada, pois muitos educadores não sabem diferenciar as linhas das diversas
pedagogias e metodologia de técnicas. É necessário, também, deixar de reduzir a educação a um mero
treinamento controlado e a aprendizagem a uma mecânica transmissiva.
Apesar de sua relevância nos estudos das ciências da educação, alguns autores, como Libâneo
(2004, p. 171), por exemplo, trataram do que consideraram uma “crise” da Pedagogia, em seus vários
aspectos: “[...] na determinação da especificidade do seu saber; no reconhecimento social do seu campo
profissional; no grau de desempenho e eficiência das instituições e dos educadores”.
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PEDAGOGIA INTEGRADA
A esse respeito, Libâneo (2004) aponta que alguns pesquisadores desqualificam os saberes da
Pedagogia, no que diz respeito à abrangência teórica, investigativa e acadêmica, tratando-a apenas
como campo prático do conhecimento educacional. Já degradação do exercício docente, no que se
refere aos baixos salários, péssimas condições de trabalho, entre outros, vem sendo justificada pelo
baixo nível de qualificação profissional e pelo despreparo dos professores em lidar com as questões
educacionais, provenientes de sua defasada formação.
Aqui, prezado aluno, nos estenderemos um pouco mais para que você possa conhecê-lo melhor e
refletir sobre suas ações e convicções.
Poderá, também, analisar suas obras, Pedagogia do Oprimido (1970); Pedagogia da Esperança: um
Reencontro com a Pedagogia do Oprimido (1992); Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à
Prática Educativa (1996); e Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas e Outros Escritos (2000).
Paulo Freire nasceu em 1921 e morreu em 1997. Graduado em Direito, dedicou-se aos estudos de
Filosofia da Linguagem e ocupou vários cargos ligados à Educação e à Cultura.
Por seu empenho em ensinar os mais pobres, foi perseguido pelo regime militar brasileiro (1964-
1985), sendo preso e exilado.
Sua pedagogia consolidou uma proposta político-pedagógica que busca a transformação social e a
construção de uma sociedade democrática e igualitária. Em seu pensamento e em suas obras, elucidou
a possibilidade da libertação dos desfavorecidos e excluídos pela sociedade, por meio da educação que
os conduz a aprender a ler as palavras, fazendo a releitura do mundo.
Defendeu a alfabetização que forma e conscientiza para a cidadania e para a tomada da história
nas mãos. Mostra a relevância da educação que valoriza o conhecimento do oprimido e que, a partir da
leitura de sua realidade, possa ele próprio, de forma consciente e autônoma, ultrapassar as fronteiras
das letras e se constituir nas relações históricas e sociais.
Nesse sentido, o oprimido deve sair dessa condição de opressão a partir da fomentação da consciência
de classe oprimida.
27
Unidade I
Paulo Freire é considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial,
influenciando fortemente o movimento da Pedagogia Crítica. Sua visão de educação, aliada ao talento
como escritor, o ajudou a conquistar amplo público de pedagogos, cientistas sociais, teólogos e militantes
políticos, quase sempre ligados a partidos de esquerda.
Observação
Em Pedagogia do Oprimido (1970), Freire centra-se na ética pedagógica libertadora, cujo intento
é produzir emancipação e um processo de tomada de consciência do povo marcado pela opressão,
dominação e dependência. É por meio da ética que surge a capacidade de indignação contra toda
injustiça e formas de opressão.
Freire critica o modelo de educação que ele chama de “bancária”, o qual considera apenas o professor
como sujeito, sendo o aluno apenas “depósito”, receptor de conteúdos, que devem ser memorizados
mecanicamente, sem participação e dialogicidade. Outra crítica que faz a esse modelo de educação é
sobre a contradição existente educador-educando: o educador é quem educa, sabe, pensa, disciplina,
opta pelos conteúdos e métodos, é a autoridade, o grande protagonista e sujeito do processo; os
educandos não sabem, escutam docilmente, são disciplinados e fazem o que for mandado fazer, não
são ouvidos, são objetos do processo.
É por meio da dissertação que o “educador bancário” tenta “depositar” no aluno conteúdos
minimizados, sem significados e sem relação com sua vida, fato que o impede de desenvolver seu
28
PEDAGOGIA INTEGRADA
potencial criativo, crítico e reflexivo. Tal educação e o próprio professor tornam-se subservientes à
ideologia da elite dominante e, se não podem matar a intencionalidade da consciência dos alunos,
promovem a sua domesticação.
No polo oposto à educação bancária, Freire aponta a educação reflexiva e crítica, aquela que ensina
o aluno a pensar e a problematizar sua realidade. E, percebendo-se um ser social, sente-se capaz de
interferir em sua condição de oprimido e assumir o papel de agente transformador dessa realidade.
Nessa relação transformadora, ele percebe sua importância.
Assim, para Freire, o diálogo mostra-se a essência da educação, sendo um convite constante para
o repensar e o refazer das práticas pedagógicas centradas na formação integral da pessoa, vividas e
experienciadas na temporalidade histórica.
O desejo de mudança proferido por Freire mostra-se vivo ainda hoje em muitos estudiosos e
educadores que sonham com uma educação de qualidade para todos, no sentido de tomada de
consciência que os fará buscar novas possibilidades. Enquanto isso não ocorrer, como afirma Freire,
sem a problematização da realidade, das práticas políticas, sociais e escolares, parece difícil que ocorra
a superação da consciência ingênua e do senso comum que caracterizam os saberes escolares. Afinal,
como afirma: “ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo”
(1996, p. 110).
Freire enfatiza a importância de o educador ser coerente com o sonho democrático, algo que exige
o respeito a seus alunos e a recusa de se utilizar de recursos que os manipulem em seu pensar e fazer;
ao contrário, o professor deve estimulá-los a abraçar a disciplina intelectual. O autor afirma que a
educação deve estar centrada no educando, e não no educador. O aluno deve ser o senhor de sua
própria aprendizagem. Repudia toda espécie de discriminação e demonstra sua intenção de revolucionar
a história.
Em Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa (1996), Freire mostra que o
sistema educativo não tem correspondido às necessidades dos menos favorecidos. Para ele, educar é
construir, é libertar o ser humano das cadeias do determinismo neoliberal; é “ensinar a pensar certo”, é
um “ato comunicante, coparticipado”, de modo algum produto de uma mente “burocratizada”.
Numa sequência de definições sobre o ato de educar, para o autor, educar não é domesticar, ação
voltada essencialmente à transferência de conhecimentos. É conscientização, é testemunho de vida;
29
Unidade I
é compreensão de que a vontade de saber exige reflexão crítica e prática. O professor que “castra” a
curiosidade da criança, impondo-lhe a memorização mecânica do ensino dos conteúdos, tolhe sua
liberdade, sua capacidade de aventurar-se; a autonomia, a dignidade e a identidade do educando têm
de ser respeitadas.
Ainda, diz o estudioso, a educação deve ser dialógica, para que possa estabelecer a comunicação da
aprendizagem, impregnada de sentimentos e emoções, desejos e sonhos. Sua pedagogia é fundada no
respeito à dignidade e à autonomia do aluno, é voltada às práticas de humanização.
Lembrete
E, em seu último livro, Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas e Outros Escritos (2000), Freire
reitera sua preocupação com a justiça e a ética e enfatiza que não se educa sem a capacidade de se
indignar diante das injustiças. Para o oprimido, a acomodação é a desistência da luta de transformar o
mundo.
Ana Maria Araújo Freire (2001) traz uma síntese de pontos fundamentais de cada um dos ensaios
contidos nessa pedagogia. Envolto em suas preocupações sobre as artimanhas do “pragmatismo”
neoliberal e do treinamento no lugar da formação, Freire (2000, p. 43) enfatiza nessas cartas que “uma
das primordiais tarefas da pedagogia crítica radical libertadora [que] é trabalhar a legitimidade do sonho
ético-político da superação da realidade injusta”. Adverte os pais sobre a questão da autoridade e dos
limites do ato de educar para a liberdade.
30
PEDAGOGIA INTEGRADA
A respeito do direito e do dever de mudar o mundo, o autor diz que “os sonhos são projetos pelos
quais se luta”, defende a legitimidade do “ímpeto de rebeldia contra a agressiva injustiça” e conclama os
educadores a testemunhar a favor da ética universal do ser humano. Fala da necessidade das crianças
crescerem exercitando-se no pensar, no indagar, no duvidar, no decidir, “na assunção ética de limites
necessários”. Defende a marcha dos desempregados; dos injustiçados; dos que protestam contra a
impunidade; dos que clamam contra a violência, contra a mentira e o desrespeito à coisa pública; dos
sem-teto, sem-escola, sem-hospital, dos renegados, considerando esse ato de “a marcha esperançosa
dos que sabem que mudar é possível” (FREIRE, 2000, p. 61).
Assim, Ana Maria Araújo Freire (2001, p. 152), organizadora do livro Pedagogia da Indignação: Cartas
Pedagógicas e Outros Escritos, termina sua escrita:
Embora ainda pouco conhecido na academia brasileira, o francês Meirieu é outro igualmente
importante estudioso que se preocupa com a Educação. Para ele, a definição da Pedagogia assenta-se
nas premissas de que todas as pessoas podem e devem ser educadas e que ninguém pode ser obrigado
a aprender contra sua vontade.
Segundo o autor, a Pedagogia deve ser encarada como uma espécie de arte ou modelagem em
que o educador deve trabalhar os materiais de que dispõe, usando ferramentas a que pode recorrer,
possibilitando que quem aprende aprenda bem e entenda o que aprende. Ela deve ser exercida não nos
ambientes herméticos dos gabinetes de trabalho teórico, mas na realidade, no dia a dia, utilizando os
princípios da educabilidade e da responsabilidade.
Saiba mais
31
Unidade I
Embasado nessas considerações, posso perguntar a você, aluno e futuro professor: qual é, então, o
papel do pedagogo?
Lembrete
Considerando-se as diversas formas de sua atuação, como gestor, supervisor, planejador de políticas
educacionais, pesquisador, professor, coordenador pedagógico e orientador, entre outras, o pedagogo
está presente em várias instâncias da prática educativa e seu papel vincula-se à organização e aos
processos metodológicos de aquisição de saberes.
Segundo Meirieu (2002), na escola, atuando como docente, o pedagogo é um dos polos do “triângulo
pedagógico”, composto pelo educando, o saber e o educador. O caminho didático por ele adotado está
diretamente relacionado com sua facilidade de organizar-se metodologicamente, munindo-se de materiais,
recursos e dispositivos tecnológicos que lhe permitam alcançar seus objetivos junto aos alunos.
Ao referir-se à “profissão de pedagogia”, Meirieu (2002, p. 11) aponta a coexistência de duas ordens
de conhecimentos docentes:
Para Meirieu (2002, p. 32), o professor deve estar no meio dessas ordens e manter vínculo permanente
e irredutível entre elas para que possa ocorrer o ato educativo, no qual “um indivíduo pretende-se
educador, enquanto outros, diante dele, têm a atribuição de serem educados”.
Para atuar como profissional da educação, o professor depende de boa formação interior, de solidez
de valores e atitudes, mas também de boa formação profissional; não é um dom, e sim resulta da boa
aprendizagem e da experimentação constante no sentido de encontrar boas estratégias e da vontade de
executar um bom trabalho. O bom educador vive a sua prática almejando sempre atingir os melhores
resultados (MEIRIEU, 1998).
A ação docente requer, portanto, conhecimentos que levem a atingir dois tipos inseparáveis de
objetivo: de competência, “saber identificado colocando em jogo uma ou mais capacidades em um
campo nocional ou disciplinar determinado”, e de capacidades, “atividade intelectual estabilizada e
reprodutível em diversos campos de conhecimento; termo utilizado, diversas vezes, como sinônimo
de savoir-fair. Esses objetivos garantem certo número de saberes que devem ser adquiridos pelos
alunos, de forma sistemática e organizada. Isso se efetivará buscando-se a competência profissional dos
professores, a qualidade do serviço prestado, a eficiência da gestão das aprendizagens (MEIRIEU, 1998,
p.183-184, anexo 2, glossário).
A respeito da ação docente, Meirieu (1998 e 2005) destaca a importância de o professor estimular
no aluno o desejo de saber, ou seja, atribuir valor ao objeto a ser aprendido ou ensinado. Para isso, deve
desenvolver competências de aprendizagem no aluno, articulando objetivos e conteúdos de ensino com
as condições metodológicas de sua assimilação; deve fazer uso de boas estratégias de aprendizagem.
Portanto, o professor, profissional da aprendizagem, deve mediar as relações de seus alunos com aquilo
que justifica sua presença, hoje obrigatória, na escola.
Outra questão abordada por Meirieu (2002) é a identificação de uma “solicitude” do professor em
relação à criança:
O autor defende que a solicitude em relação à infância deve tornar-se uma constante preocupação
capaz de mobilizar os educadores em suas práticas e em seus discursos pedagógicos. De acordo com
suas premissas, a solicitude deve estar impregnada de inquietude, na qual simultaneamente ocorre a
preocupação com o destino do outro e o estímulo para que ele também tome parte de seu destino. “É o
fato de ser afetado pelo outro, tomado de compaixão em relação a ele e de querer interpelá-lo para que
ele próprio se conduza [...]” (MEIRIEU, 2002, p. 70).
De acordo com o pensamento de Meirieu (2002), essa solicitude pedagógica não deve ser entendida
como algo que somente os seres especiais sejam capazes de praticar, mas, contudo,
Outro aspecto importante que requer solicitude pedagógica é com relação ao atendimento das
diferenças em sala de aula. Sem solicitude pedagógica não há inclusão. A relação que estamos querendo
33
Unidade I
estudar é o atendimento das necessidades educativas especiais, a solicitude exigida nesse atendimento,
o caráter ético dessa solicitude, a inclusão.
O professor, nessa circunstância, já sabe, ou lhe foi dito na formação que recebeu, que deve se
debruçar em conhecer os ambientes, as histórias, os interesses, as tendências e as dificuldades de seus
alunos. Pode, segundo Meirieu, expressar sua solicitude por uma vontade insaciável de conhecer o outro.
Meirieu (2006) discorre que, em seu ofício, o professor deve ser portador da exigência de qualidade,
sem a qual nenhum saber humano jamais se construirá. É necessário envolver cada aluno em
procedimento exigente de busca de qualidade; é a exigência em relação a si mesmo e aos alunos;
exigência nas tarefas banais do cotidiano e também nos momentos excepcionais e ritualizados. É exigir
qualidade impulsionada pelo desejo de atingir a perfeição de humanidade – que distingue o que vale a
pena.
E os conclama a não abandonar a esperança de que alguma coisa importante possa ocorrer, um dia,
em sua classe... alguma coisa que emerge desse “não-sei-o-quê” ou desse “quase-nada” que – no amor
ou onde quer que seja –, como explica Jankélév (MEIRIEU, 2006), sempre faz toda a diferença.
Entretanto, aqui, prezado aluno, você terá a apresentação e a discussão apenas de algumas leis: da
Constituição Federal – CF de 1988, os artigos relacionados à Educação; da Lei nº 9.394/96, os que dizem
respeito à formação e à carreira dos profissionais da educação e das Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Curso de Pedagogia (Resolução CNE/CP nº 1/2006), lei voltada às atribuições do pedagogo. Terá,
também, a oportunidade de conhecer as considerações de alguns estudiosos sobre tal legislação.
Iniciemos com a Constituição Federal Brasileira, promulgada em 1988, em seu título VIII – Da Ordem
Social, do Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto, Seção I – Da Educação, que traz o
propósito da educação: exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.
Observação
• Constituição de 1824;
• Constituição de 1891;
34
PEDAGOGIA INTEGRADA
• Constituição de 1934;
• Constituição de 1937;
• Constituição de 1946;
• Constituição de 1961;
• Constituição de 1967;
• Constituição de 5 de outubro de 1988.
Nos artigos 205 e 206, a Constituição Federal estabelece o dever do Estado e a obrigação de todos
quanto ao direito dos brasileiros à educação. Entretanto, dados do IBGE de 2009 denunciam 9,7% de
analfabetos da população com 15 anos de idade ou mais, ou seja, 14,1 milhões de pessoas que não
tiveram seu direito à educação atendido.
Com certeza, você concorda que é necessário estabelecer políticas públicas eficientes e eficazes para
diminuir e mesmo zerar esses números brasileiros.
Art. 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
35
Unidade I
O artigo 208 da CF se refere ao acesso e à universalização do ensino. Também, de acordo com o IBGE
de 2009, até esse período a proporção de crianças de 6 a 14 anos de idade que frequentava escola foi
superior a 96% e a escolarização das crianças de 4 ou 5 anos de idade foi de mais de 74%.
O artigo 210 dispõe sobre a organização do Ensino Fundamental, no que diz respeito ao ensino
religioso e às comunidades indígenas:
Em seu artigo 211, a CF delibera sobre a colaboração dos poderes nas três esferas regionais, atribuindo
a cada um sua responsabilidade nesse processo:
O artigo 213 da CF delibera sobre a responsabilidade do Poder Público quanto à distribuição dos
recursos públicos:
E, finalmente, o artigo 214 refere-se ao planejamento nacional em longo prazo, visando universalizar
a educação. Vale ressaltar a necessidade de cuidar da qualidade do ensino, visto ainda existir no Brasil
número significativo de analfabetos funcionais, correspondendo em 2009 a 20,3% da população de 15
anos ou mais de idade.
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.
Observação
39
Unidade I
A LDB/96, em seu artigo 1º, afirma que “a educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”
(BRASIL, 1996).
O artigo 2º preconiza “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade
e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996).
Ao tratar da organização do ensino, a LDB/96 estabelece no art. 22 que a “educação básica tem por
finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício
da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 1996).
De acordo com a Lei nº 9.394/96, a educação básica está dividida em três níveis:
• Educação Infantil – gratuita e não obrigatória, compete aos municípios. As creches são destinadas
às crianças de idade entre 0 e 3 anos e a pré-escola oferece ensino aos alunos entre 4 e 5 anos.
• Ensino Fundamental – é subdividido em anos iniciais (1º ao 5º ano) e anos finais (6º ao 9º ano).
Também obrigatório e gratuito, a LDB estabelece que, gradativamente, os municípios serão os
responsáveis por todo o Ensino Fundamental.
Aqui, serão destacados os artigos do capítulo VI, os quais tratam dos profissionais da Educação:
40
PEDAGOGIA INTEGRADA
Os artigos 62 e 63 abordam a formação de docentes para a Educação Básica e têm gerado polêmica
entre pesquisadores e estudiosos, visto a criação dos Institutos Superiores de Educação:
41
Unidade I
42
PEDAGOGIA INTEGRADA
Em 2006, com a aprovação da Lei nº 11.274, é alterada a duração do Ensino Fundamental de oito para
nove anos, transformando o último ano da Educação Infantil no primeiro ano do Ensino Fundamental.
Assim, o aluno iniciará o 1º ano (antiga primeira série) com 6 anos de idade. A Lei nº 11.114, de 2005, que
alterou a LDB 9.394/96, já adotava a matrícula de alunos com 6 anos de idade no Ensino Fundamental.
A seguir, você, aluno e futuro professor, terá a apresentação da análise da LDB 9.394/96 feita por
Andrea Cecília Ramal, em seu artigo de 1997, “A LDB e o processo de renovação pedagógica jesuíta”, no
qual se propõe a destacar alguns aspectos significativos, no que se refere aos elementos constitutivos de
avanços com relação ao contexto educacional, contrapondo-os aos aspectos considerados problemáticos
em função de sua implantação.
Nesses termos, a tendência para o MEC deve ser de não atuar mais como
um regulador, mas sim como coordenador ou articulador do grande projeto
nacional, concedendo a autonomia imprescindível a um espaço que se
propõe desenvolver trabalhos de pesquisa e investigação científica. Ao
mesmo tempo, o crescimento da autonomia se transforma em exigência
de inovação para as universidades: não há sentido na repetição de velhas
práticas se, a partir de agora, é possível começar a empreender mudanças
(RAMAL, 1997, p. 9).
43
Unidade I
Há muitos docentes que veem essa nova realidade como uma ameaça: o
computador seria seu substituto definitivo. Nesse âmbito, o texto é muito
feliz, pois reconhece e estimula as possibilidades de um ensino a distância e
de um ensino presencial moderno e renovado, que supõem evidentemente
o emprego das tecnologias; e, ao mesmo tempo, destaca o amplo papel
do professor, caracterizando-o não como mero docente, mas como zelador
da aprendizagem (art. 13, III), colaborador na articulação entre escola e
comunidade (art. 13, VI) (RAMAL, 1997, p. 11).
Ao apontar alguns problemas relativos à LDB, a autora afirma que, quanto ao Conceito de Educação
Básica, a lei considera a formação que engloba o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Para a autora,
Outro ponto preocupante se refere às funções dos profissionais da Educação Básica, restringidas a:
administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional.
Brzezinsky (2010) também traça suas considerações a respeito da LDB 9.394/96, na qual aponta
avanços e lacunas. Em sua análise, pressupõe a existência de dois mundos bem definidos: um mundo do
sistema (o oficial) e o mundo real (o mundo vivido). O mundo real é o construído na luta dos educadores
brasileiros para resistir e tentar modificar as práticas autoritárias dos detentores do poder econômico e
político. Sua prática se baseia na defesa da cidadania e se torna mais vigorosa cada vez que aparenta ter
sido desmobilizado pelos golpes desferidos pelo mundo oficial. Este, por sua vez, apoiado nos princípios,
nas políticas e nas práticas neoliberais, faz parceria com elites dominadoras e com o capital estrangeiro,
que determinam o Estado Mínimo Nacional.
Para a aprovação do projeto de LDB atual (1988-1996), a tramitação da LDB/1996 revelou a disputa
ideológica entre o público e o privado, entre a defesa da escola pública, laica, gratuita para todos e
44
PEDAGOGIA INTEGRADA
Observação
Em relação aos decretos nº 6.095 e nº 6.096, ambos de 2007, o primeiro estabeleceu diretrizes para
o processo de integração das instituições federais tecnológicas para fins de constituição dos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifets) e o segundo instituiu o Programa de Apoio aos Planos
de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).
Concluindo, Brzezinsky (2010) lamenta que a maioria da população brasileira continue, ainda no
século XXI, desprovida da educação pública, gratuita e de qualidade, em todos os níveis e modalidades
de ensino, como direito fundamental de garantia de cidadania. E acrescenta:
Saiba mais
Exemplo de aplicação
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9.394/96, “a educação básica tem por
finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”.
As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) são normas obrigatórias para a Educação Básica. Seu
objetivo é orientar o planejamento curricular das escolas e dos sistemas de ensino fixados pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE), e são compostas por quinze artigos de lei.
46
PEDAGOGIA INTEGRADA
O artigo 5º define as aptidões requeridas do profissional desse curso, como apresentado em alguns
itens a seguir:
48
PEDAGOGIA INTEGRADA
Ao mesmo tempo que o futuro pedagogo estuda o conteúdo básico, a este se agrega um grupo
de disciplinas para o aprofundamento das áreas em que atuará, assim como um núcleo de estudos
integradores.
O objetivo é a formação global dos pedagogos para que, além dos conhecimentos diretamente
relacionados à profissão, possam trazer o que é esperado desse profissional para sua prática, ou seja,
relacionar a vida na escola com a vida fora dela.
Em seu artigo 6º, as DCNs estruturam o curso de Pedagogia, respeitando a diversidade nacional e a
autonomia pedagógica das instituições, assim constituídas:
As DCNs apresentam no seu artigo 7º a carga horária para o curso de Pedagogia, que deverá ser de,
no mínimo, 3.200 horas de efetivo trabalho acadêmico. Está composta da seguinte forma:
Assim, as 2.800 horas ocorrerão em forma de aulas, visitas, palestras, seminários, apresentação de
trabalhos, em companhia de professor orientador. Já as 300 horas de estágio darão oportunidade de o
universitário conhecer as instituições de Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental e
vivenciar seu contexto, acompanhando, observando e participando das atividades de sala de aula. Ainda,
as 100 horas desenvolvidas de atividades teórico-práticas são integradas às atividades complementares
e fazem a ligação entre o mundo da cultura e da escola.
Os artigos 9º e 10º definem a extinção das habilitações no curso de Pedagogia, tendo o pedagogo a
formação integral para o conjunto das funções a ele atribuídas:
Aguiar et al. (2006) manifestam sua reflexão a respeito das Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Curso de Pedagogia, consubstanciadas nos Pareceres CNE/CP nº 05/2005, 01/2006 e na Resolução
CNE/CP nº 01/2006, os quais, segundo os autores, demarcam novo tempo no campo da formação do
profissional da educação.
Tal formação traz novos horizontes à profissão do pedagogo que, em formação integrada, poderá
atuar na docência, na gestão e na avaliação de sistemas e instituições de ensino, na elaboração, na
execução e no acompanhamento de programas e das atividades educativas (Parecer CNE/CP nº 05/2005).
Nesse sentido, os autores compreendem que, a partir desse novo olhar, a formação do pedagogo
exigirá nova concepção de educação, de escola, da pedagogia, de docência e de licenciatura.
Essa sólida formação teórica, por sua vez, exigirá novas formas de se pensar
o currículo e sua organização, para além daquelas concepções fragmentadas,
parcelares, restritas a um elenco de disciplinas fechadas em seus campos de
conhecimento (AGUIAR et al., 2006, p. 832-833).
Outra questão importante, na opinião dos autores, é a reforma do Ensino Superior, no que se refere
ao papel da universidade e das faculdades, aos centros de educação e departamentos de educação e à
formação dos educadores, professores e profissionais para a Educação Básica.
Saiba mais
COMO uma estrela na Terra: toda criança é especial. Dir. Aamir Hussain
Khan. China: Aamir Khan Productions, 2008. 165 minutos.
Resumo
51
PEDAGOGIA INTEGRADA
Unidade II
5 CURSO DE PEDAGOGIA: BREVE HISTÓRICO
Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder
ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de
posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo
(Paulo Freire).
Se você, prezado aluno, tem criança – ou algum familiar e amigo que as tenham – que frequenta os
primeiros anos do Ensino Fundamental, conhece a realidade profissional e a formação dos profissionais
que ali trabalham.
Embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96 recomende a formação
de professores em nível superior, há, ainda, número considerável deles atuando nas escolas brasileiras
apenas com a conclusão do curso de Magistério, em nível médio, ou do Curso Normal Superior. Esses
cursos formaram os professores para exercerem, somente, o magistério na Educação Infantil e nas
quatro primeiras séries do Ensino Fundamental (atuais cinco primeiros anos do Ensino Fundamental).
Saiba mais
Enfatiza-se ainda que grande parte dos cursos de Pedagogia, hoje, tem como
objetivo central a formação de profissionais capazes de exercer a docência na
Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nas disciplinas
57
Unidade II
Para que você entenda a trajetória do curso de Pedagogia no Brasil e tenha mais dados para
suas reflexões, apresenta-se a seguir a história do curso, contida no Relatório Parecer CNE/CP nº
5/2005.
O curso de Pedagogia teve início em 1939 como um “estudo da forma de ensinar”, tendo como
objeto de estudo e finalidade “os processos educativos em escolas e em outros ambientes, sobremaneira
a educação de crianças nos anos iniciais de escolarização, além da gestão educacional.” (BRASIL, 2005,
p. 2). Foi regulamentado pelo Decreto-Lei nº 1.190/1939 e definido como lugar de formação de
“técnicos em educação”.
Oferecia estudos superiores em Pedagogia aos professores primários que, já exercendo o magistério
na Educação Infantil e nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, pleiteavam outras funções no
Ministério da Educação, nas secretarias dos estados e dos municípios, como administração, planejamento
de currículos, orientação a professores, inspeção de escolas, avaliação do desempenho dos alunos e dos
docentes, de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da educação.
Alinhado à concepção normativa da época do esquema 3+1, esse curso separava o campo da ciência
Pedagogia do conteúdo da Didática, abordando-os de forma distinta, e os licenciados em Pedagogia
ainda podiam lecionar Matemática, História, Geografia e Estudos Sociais, no primeiro ciclo do ensino
secundário.
Observação
O curso de Pedagogia de então era caracterizado pela dicotomia entre bacharelado e licenciatura, já
que, com o primeiro, o pedagogo atuava como técnico em educação e se portasse a licenciatura poderia
lecionar as matérias pedagógicas do Curso Normal de nível secundário, no primeiro ciclo, o ginasial –
normal rural, ou no segundo.
Em 1968, a Lei da Reforma Universitária nº 5.540 ampliou o leque de especializações que facultava
a oferta das habilitações de Supervisão, Orientação, Administração e Inspeção Educacional, assim como
outras especialidades necessárias ao desenvolvimento nacional e às peculiaridades do mercado de
trabalho.
Em 1969, o Parecer CFE n° 252 e a Resolução CFE nº 2, que dispunham sobre a organização e o
funcionamento do curso de Pedagogia, indicavam como finalidade do curso preparar profissionais da
educação assegurando possibilidade de obtenção do título de especialista, mediante complementação
de estudos.
Em 1961, a Lei nº 4.024/61 organizava a formação de professores em três dimensões: Ensino Normal,
etapa de formação de professores e especialistas para atuar no nível primário, Faculdades de Filosofia,
Ciências e Letras, de formação dos professores para o Ensino Médio, e Institutos de Educação, para
formação dos professores atuantes no ensino normal.
Ainda de acordo com os autores, a Lei nº 5.540/68, sustentada pelo regime militar, vinculou as
universidades ao mercado capitalista e reforçou a burocracia e a centralização de seu poder estrutural,
contrariando os conclames de estudantes e professores universitários daquele momento.
Observação
A Lei nº 7.044/82 alterou a 5.692/71, no que se referia ao nível de formação dos professores para
o magistério nos 1º e 2º graus. Os professores de 1ª a 4ª série deveriam ter, no mínimo, a habilitação
de 2º grau e os professores de 1ª a 8ª série, licenciatura de curta duração. Já os professores do 2º grau
deveriam ter licenciatura plena.
Em 1996 foi promulgada a nova LDB, Lei nº 9.394, que dispunha sobre a questão dos professores e
a valorização do magistério e estabelecia critérios de ingresso, referindo-se à necessidade do plano de
carreira nas instituições.
Na descrição das funções dos docentes, a LDB afirma que eles: “participam da elaboração da proposta
pedagógica das escolas”; “elaboram e cumprem planos de trabalho”; “zelam pela aprendizagem dos
alunos”; “estabelecem estratégias de recuperação”; “ministram os dias letivos estabelecidos e participam
integralmente do planejamento/avaliação”; “articulam escola/família/comunidade”.
60
PEDAGOGIA INTEGRADA
Nessa Resolução, se comparados aos cursos Normais Superiores, a ampliação da carga horária e
o prazo mínimo de três anos para sua conclusão mostram-se um diferencial importante no curso de
Pedagogia.
Assim, para a formação do pedagogo, foi regulamentada a ampliação da carga horária mínima para
3.200 horas de trabalho acadêmico, distribuídas em 2.800 horas de aulas (seminários, pesquisas, visitas
a instituições de ensino e consultas a bibliotecas), 300 horas de estágio supervisionado e 100 horas
de atividades complementares (como iniciação científica ou monitoria), ficando a cargo dos órgãos
competentes acompanhar e avaliar, sistematicamente, os cursos de Pedagogia, para que se cumpram a
implantação e a execução dessas diretrizes curriculares.
A despeito dos mais variados e controversos posicionamentos que se delinearam a respeito das
Diretrizes Curriculares Nacionais, você, que é licenciando em Pedagogia, debruçar-se-á, a partir de
agora, a analisar os três eixos integrados e indissociáveis de atuação pedagógica: docência, gestão e
produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo educacional.
Para o exercício efetivo e eficiente da docência, faz-se necessário que o licenciado em Pedagogia
conheça e domine os processos de letramento e os modos de ensinar a decodificação e a codificação
da linguagem escrita e das linguagens da matemática, já que nos anos iniciais do Ensino Fundamental
os alunos devem ser introduzidos nos códigos instituídos da língua escrita e no raciocínio matemático,
com a finalidade de desenvolver seu manejo.
Em relação ao trabalho pedagógico em espaços não escolares, vale salientar que vivemos novas
perspectivas para o profissional da educação, em decorrência de empresas, hospitais, ONGs, associações,
eventos e outros ambientes formarem novo cenário para sua atuação.
Diante desse novo nicho que se vê desenhar, surgem oportunidades de reflexão e conhecimento de
inovações nas práticas que podem ser desenvolvidas pelo pedagogo.
Essa realidade vem quebrando preconceitos e ideias de que o pedagogo está apto apenas a exercer
suas funções na sala de aula, o que lhe abre novas portas de ação.
Saiba mais
62
PEDAGOGIA INTEGRADA
Segundo eixo: Gestão – compreende a atuação do pedagogo na gestão das instituições, planejando,
executando, acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais e em processos educativos,
na organização e no funcionamento de sistemas e de instituições de ensino.
Na visão de Ferreira (2006, p. 1352), o termo “gestão” se refere à tomada de decisão e à organização,
à direção e se aplica à gestão da educação, exprimindo “a responsabilidade pela ‘direção’ e pela garantia
de qualidade da educação e do processo educacional em todos os níveis do ensino e da escola”.
Vale salientar que, na escola, ao ter de tomar decisões na condução do processo educativo, o professor
está exercendo a gestão do ensino, a gestão da classe, a gestão das relações, a gestão do processo de
aquisição do conhecimento.
Na visão da autora, é ele quem, na prática, gere o processo de aprendizagem dos alunos
quando, por exemplo, decide coletivamente o projeto político-pedagógico da escola, elabora o
plano de ensino das disciplinas, dos conteúdos, das atividades necessárias para a efetivação do
processo pedagógico, dos procedimentos de avaliação e do tempo para a sua realização. Por meio
de tomada de decisões, é o professor/gestor responsável pela formação da cidadania de seus
alunos.
Assim, afirma Ferreira (2006, p. 1353), a tomada de decisão é consequência de um processo complexo
que se constrói por meio de etapas sucessivas e exige consciência da necessidade de decidir, advinda
dos problemas que se apresentam e que demandam solução. O processo de decisão coletiva tem se
mostrado interessante e de bons resultados “no confronto de argumentos diferentes que se constroem
no próprio processo coletivo de consciência do problema em questão”.
Outra forma de pesquisa, estendida no curso de Pedagogia, refere-se à investigação das especificidades
da aprendizagem, as quais abordam as etapas de desenvolvimento nas quais se encontram as crianças,
suas hipóteses de leitura e escrita, entre outras. Estudos demonstram que o desconhecimento dessas
particularidades tem gerado aos professores a utilização de procedimentos impróprios e de intervenções
inócuos, quando não desastrosos.
Tal concepção de pesquisa se contrapõe à ideia de que somente no meio acadêmico é possível
pensar, investigar e produzir conhecimento.
Conforme discutem Esteban e Zaccur (2002), a concepção de investigação das práticas do cotidiano
da escola traz em seu bojo o conceito de professor-pesquisador, já que ele questiona suas próprias
práticas e reflete sobre seus saberes e fazeres.
Segundo Silva (2007, p.106), no âmbito da sala de aula, a práxis é elemento essencial da produção
do saber, já que o pedagogo faz “das situações concretas em que vive o seu instrumento de reflexão
e elabora saber, esse mesmo saber faz com que o docente se relacione mais profundamente com o
conhecimento”.
Em suma, os três núcleos de estudo que fundamentam atualmente o curso de Pedagogia propiciam a
múltipla formação do profissional, que cuida, educa, administra a aprendizagem, alfabetiza em múltiplas
linguagens, estimula e prepara para a continuidade do estudo, participa da gestão escolar, imprime
sentido pedagógico a práticas escolares e não escolares e compartilha os conhecimentos adquiridos em
sua prática.
Até aqui, caro licenciando, você pôde ter uma ideia geral sobre a forma como as leis afetam a
Educação. Pôde ver que a aprovação da Resolução CNE/CP nº 1/2006, que estabeleceu as Diretrizes
Curriculares Nacionais do curso de Pedagogia, deveu-se a um processo longo, desde a década de 1990,
que perpassou as discussões e reivindicações realizadas por estudiosos da Educação e as reformas
ocorridas na educação brasileira, bem como sua adaptação às transformações do mundo produtivo.
A partir de agora, você acompanhará uma análise mais específica de cada um dos três núcleos de
estudos que fundamentam o curso de Pedagogia, quer dizer, serão abordados de forma mais aprofundada
os eixos que compõem a Pedagogia Integrada, base dos estudos deste livro-texto: docência, gestão e
pesquisa.
64
PEDAGOGIA INTEGRADA
Nesse sentido, e de acordo com a Resolução nº 1/2006, o pedagogo está apto a atuar na docência,
nas funções de administração do sistema escolar e nas atividades de pesquisa. Seu espaço de atuação
abrange instituições escolares e não escolares, bem como a produção e difusão do conhecimento
científico e tecnológico.
Esses eixos são estruturantes e devem funcionar como elementos norteadores do currículo do curso
de Pedagogia.
Sendo exercida na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, no Ensino
Médio de modalidade Normal e nos cursos de Educação Profissional, a docência caracteriza-se na
área de serviços e apoio escolar. É tida como referência da identidade profissional do educador e
configura-se em conceito alargado, que vai além da relação ensino-aprendizagem, em situações
formais ou não.
Saiba mais
partir de então, a docência deixa de ser prática docente em sala de aula e assume dimensão mais
abrangente:
Você pode inferir, portanto, que o egresso do curso de Pedagogia deverá estar preparado para
assumir as funções de sala de aula, no processo de ensino-aprendizagem, inclusive para as intervenções
pedagógicas junto aos alunos que apresentam dificuldade de aprendizagem, e igualmente capacitado
para exercer o papel de gestor e pesquisador.
Conforme definido no artigo 13 da LDB nº 9.394/96, na função docente, compete aos professores,
entre outros aspectos:
Arendt (1972) também ressaltou a importância do educador e suas responsabilidades diante das
novas gerações, e ele deve se mostrar capaz de apresentar aos alunos o legado das gerações anteriores,
permitindo que dele se apropriem para ampliá-lo e/ou renová-lo.
Só assim, segundo a autora, o aluno poderá se inserir na cultura, fazendo parte dela, e, tendo acesso
ao que foi produzido, tornar-se também autor da produção.
Considera, ainda, que a autoridade do professor não deve ser confundida com poder ou violência.
Arendt (1972, p. 129) explica que “onde a força é usada, a autoridade já fracassou”.
A autora salienta que o professor não deve ser um mero aplicador de técnicas de ensinar, sem
dominar sua área específica de atuação. Mostra tal preocupação quando afirma que “não raro o professor
encontra-se somente a um passo dos alunos em termos de conhecimento” (ARENDT, 1972, p. 129).
Ainda Freire (1996, p. 113) aborda a importância da docência, quando assim se refere à professora
progressista:
Lembrete
É importante que aprofundemos as ideias de Freire (1996), constantes em sua importante obra
Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa.
Capítulo 1 – Não há docência sem discência: o professor deve se convencer de que ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção; ensinar
inexiste sem aprender e vice-versa.
1.1 – Ensinar exige rigorosidade metódica: reforçando a capacidade crítica do educando, sua
curiosidade, sua insubmissão, o educador deve trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica
com que devem se aproximar dos objetos cognoscíveis.
1.2 – Ensinar exige pesquisa: não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Ao pesquisar sobre
o conhecimento e sobre seu aluno, o professor torna-se capaz de constatar suas necessidades e intervir
de forma mais acertada: ao educar seu aluno ele aprende, se educa também.
1.3 – Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos: saberes socialmente construídos na prática
comunitária; discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino
dos conteúdos.
1.4 – Ensinar exige criticidade: uma das tarefas precípuas da prática educativo-progressista é o
desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil.
1.5 – Ensinar exige estética e ética: o ensino dos conteúdos não pode acontecer de forma dissociada
do ensino da reflexão moral. O desenvolvimento dos conteúdos deve visar à formação do aluno para
sua vivência coletiva.
1.6 – Ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo: o professor que realmente ensina,
busca adotar condutas de acordo com o que diz, já que sem tal atitude não há o quê nem como ensinar,
nem impor respeito.
1.7 – Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação. O educador
que busca conduzir o respeito entre os alunos, ensina-os a buscar o diálogo sobre o novo e os desafia a
produzir, sem polêmica, a devida compreensão do que está sendo comunicado.
1.8 – Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática: aprender a pensar criticamente implica o
movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer.
68
PEDAGOGIA INTEGRADA
Capítulo 2 – Ensinar não é transferir conhecimento: é criar as possibilidades para a sua própria
produção. O professor deve estar aberto às indagações, à curiosidade.
2.1 – Ensinar exige consciência do inacabamento: como professor crítico, sou capaz de assumir a
necessidade da permanente auto-formação na interação constante do diferente. A inconclusão do ser
interage com sua experiência vital.
2.2 – Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado: desde o seu nascimento o indivíduo está
condicionado a aspectos genéticos, culturais, sociais, históricos, de classe, de gênero, sob os quais se
constitui o seu “eu”. É a marca e a referência de sua identidade.
2.3 – Ensinar exige respeito à autonomia do educando. Conhecendo seus saberes e suas habilidades
o professor terá o ponto de partida para ensinar-lhe a se desenvolver como um ser pensante e
autônomo, na trajetória da incompletude. É, portanto, um imperativo ético, favorecer a autonomia
para a vida.
2.4 – Ensinar exige bom senso: exercer a autoridade de professor na classe é saber o momento
certo de se aproximar ou se distanciar do aluno, para que este tome suas decisões, oriente-se e se deixe
orientar nas atividades, adquirindo responsabilidade nas tarefas, de produção tanto individual quanto
coletiva. E o professor estará cumprindo seu dever.
2.5 – Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores: o combate
em favor de sua dignidade é tão importante quanto o respeito que deve ter à identidade do educando,
à sua pessoa, a seu direito de ser.
2.6 – Ensinar exige apreensão da realidade. O professor deve propiciar momentos de reflexão sobre a
realidade, já que compreendê-la é condição primordial para poder intervir e transformá-la.
2.7 – Ensinar exige alegria e esperança: o processo de aprender e ensinar envolve sentimentos que
ajudam a superar os obstáculos; inquietar-se com os problemas e dificuldades e acreditar em suas
capacidades já é atitude de superação.
2.8 – Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível. Ao contrário da assunção de meras e
irrefletidas atitudes rebeldes, as posturas revolucionárias mostram o engajamento no processo radical
de transformação do mundo.
2.9 – Ensinar exige curiosidade. O bom clima pedagógico-democrático é o em que o educando vai
aprendendo à custa de sua curiosidade e sua liberdade deve estar sujeita a limites, mas em permanente
exercício.
69
Unidade II
3.2 – Ensinar exige comprometimento. A presença de professor é em si política. Ele deve revelar
aos alunos sua capacidade crítica para ajudá-los a analisar a realidade e se decidir por mantê‑la
ou transformá-la, se assim for necessário. Seu compromisso com a verdade e a justiça deve ser
constantemente perseguido, o que trará a eles segurança para se aproximar e buscar apoio em suas
reflexões e atitudes.
3.3 – Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo. De
forma dialética e contraditória, o professor propiciará o entendimento que a participação coletiva
pode implicar a reprodução da ideologia dominante em determinadas situações e em outras, o seu
desmascaramento.
3.5 – Ensinar exige tomada consciente de decisões. A raiz mais profunda da politicidade se acha na
educabilidade do ser inacabado, o qual se torna ético, de opção, de decisão.
3.6 – Ensinar exige saber escutar. O professor deve saber escutar seu alunos, apoiando-os em suas
dúvidas, em seus receios e em sua incompetência provisória. É a abertura e a escuta que o impulsionam
para o acolhimento e diálogo no contexto escolar.
3.7 – Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica. A “miopia” que nos acomete dificulta
nossa percepção e aceitamos docilmente o que vemos e ouvimos como a verdade.
3.8 – Ensinar exige disponibilidade para o diálogo. Abrir-se ao mundo e aos outros inaugura
a relação dialógica de inquietação, curiosidade e inconclusão em permanente movimento na
História.
3.9 – Ensinar exige querer bem aos educandos. Amorosamente cumprindo seu dever, a prática
educativa constitui-se de afetividade, alegria, capacidade científica, luta política por respeito aos direitos
e à dignidade.
70
PEDAGOGIA INTEGRADA
Exemplo de aplicação
Você concorda? Qual a imagem que lhe vem à cabeça sobre essas palavras de Paulo Freire? Faz você
se lembrar de algum professor que teve e que agia segundo essa concepção?
O francês Meirieu é outro estudioso que vale a pena nos determos um pouco mais para analisar
suas concepções e práticas sobre a docência. Suas ideias aproximam-se das desenvolvidas por
Paulo Freire.
Para que possamos contextualizá-lo no meio educacional, passaremos a relatar sucintamente sua
trajetória intelectual e profissional, bem como suas concepções acerca da docência.
Da mesma forma que Freire valoriza o empenho ético e consciente do professor em suas funções
sociais e pedagógicas, Meirieu demonstra formar-se intelectualmente embasado em questionamentos
e inquietações que envolvem a ética e a instrumentalização.
Tal como Freire, ao desempenhar o papel de professor, Meirieu logo observou existir na escola a
“reprodução das condições de exclusão em alunos destituídos de instrumentos linguísticos e de
estímulos intelectuais familiares e a ausência de ferramentas necessárias para que eles encontrassem
algum sentido na apropriação dos conhecimentos” (CRUZ, 2011, p. 27-28). Enfrentou fortes críticas a
respeito de suas convicções e condutas em prol da aprendizagem relacionada às práticas sociais e à
formação da cidadania consciente e responsável.
71
Unidade II
Ainda como nas concepções freireanas, Meirieu assegura que, para se autoformar, é necessário que o
professor reflita sobre suas aquisições, condição de base para a autocrítica e a criatividade na promoção
de transformação.
Em suas obras, ao contrário de culpabilizar o professor pelas mazelas da educação, enfatiza sua
“desoneração parcial”. Segundo Cruz (2011, p. 14), “mostra-se pesquisador familiarizado com o cotidiano
docente, conhecedor de seus anseios e de suas aflições, bem como de suas angústias e sentimento de
impotência diante do aluno que insiste em resistir ao seu projeto pedagógico”.
Meirieu diz saber que, afetados e envolvidos no mal-estar da profissão, muitos professores sentem-
se impotentes, frustrados e desencorajados a prosseguir em suas condutas e convicções. Afirma que
não devem abandonar a “esperança de que ‘alguma coisa’ importante possa acontecer, um dia, em sua
classe”. “‘Alguma coisa’ que emerja desse ‘não-sei-o-quê’ ou desse ‘quase-nada’ que – no amor ou onde
quer que seja – como explica Vladimir Jankélévitch (1981), sempre faz ‘toda a diferença’” (MEIRIEU,
2006, p.12).
O autor reforça a ideia de que o professor é um informante privilegiado na sala de aula, mas não
o único. Os alunos também aprendem muito uns com os outros, em nível escolar e social, desde que
as habilidades interpessoais e sociais sejam ensinadas; eles melhoram seu aproveitamento escolar e
desenvolvem importantes habilidades para a vida toda.
Depois de dez anos de pesquisa e docência universitárias, voltou a ministrar francês em um curso
técnico para adolescentes pobres. Por conta dessa decisão, recebeu o desprezo de colegas universitários
e a desconfiança e suspeita de professores da escola secundária.
Lembrete
A respeito do “acontecimento pedagógico”, o autor enfatiza que nesse momento, ambos, professor
e aluno, sentem-se realizados, já que, ao contrário do que parece, a aprendizagem se concretiza e
concretiza o ato de ensinar e de aprender, mostrando que o esforço resultou em êxito comum.
Outro importante destaque nas obras de Meirieu refere-se à “solicitude pedagógica”, considerada
a verdadeira expressão da preocupação do professor consigo mesmo e a preocupação com o aluno.
Chama a atenção para a relação que o professor deve estabelecer com o aluno para conhecê-lo melhor,
no sentido de não intencionar com isso justificar certas manipulações para impor um jeito de ser que
desrespeite a identidade e a história de vida desse aluno.
72
PEDAGOGIA INTEGRADA
Para o autor, a solicitude2, capacidade de se preocupar consigo e com o outro, deve permear as
ações da sala de aula: “ela se insere em um fundo de inquietude, beira o tormento, manifesta-se pela
preocupação assumida pelo futuro do outro tanto quanto pela vontade de estimulá-lo a agir ele
mesmo, a se pôr em movimento e a decidir sua própria trajetória.” (MEIRIEU, 2002, p. 70).
Nesse sentido, a sala de aula constitui-se lugar estratégico para o professor desenvolver valores
éticos e estabelecer, com os alunos, a legitimidade das rotinas e das regras, no diálogo responsável,
em clima de participação e liberdade. Os programas educativos devem ser flexíveis para atender aos
“desejos” de aprender, sem deixar de exigir investimento pessoal que, por sua vez, deve ser estimulado
pelo professor.
Ao conduzir seus alunos, as ações do professor devem se apresentar de acordo com o que ele diz e
faz; “caso contrário não há o quê nem como ensinar, nem ao menos impor respeito” (MEIRIEU, 2005,
p. 28). O professor deve ensinar e aplicar o “respeito aos seres e às coisas, respeito aos locais e ao
material, respeito aos bens pessoais e coletivos sem os quais não é possível nenhum trabalho coletivo”
(MEIRIEU, 2005, p. 28). O trabalho coletivo impõe atitudes de respeito para a convivência com o outro e
a possiblidade de se colocar em seu lugar.
Similar ao termo “Administração Escolar”, anteriormente utilizado, Gestão Escolar refere-se à função
exercida pelo diretor na escola, que, de acordo com o Dicionário Interativo da Educação Brasileira, é
uma expressão relacionada às questões concretas da escola e de sua administração, baseadas no que se
convencionou chamar de “escolas eficazes”. Estas possuem características de orientação para resultados,
liderança marcante, consenso e coesão entre funcionários a respeito dos objetivos da escola, ênfase na
qualidade do currículo e elevado grau de envolvimento dos pais. Incluem-se, ainda, nesse conceito, a
autonomia administrativa, financeira e pedagógica e o estabelecimento de mecanismos que assegurem
a escolha de dirigentes.
2
“Qualidade essencial para a evolução psicossocial do homem” (ERIKSON apud MEIRIEU, 2002, p. 128).
73
Unidade II
Na análise da atual legislação, Evangelista e Triches (2009, p. 193) enfatizam o novo valor dado
ao conceito “gestor”, que, agora estendido ao professor, este será tratado como professor-gestor,
agregando-lhe os termos “gestor de conhecimento, gestor de conflitos, gestor de projetos, entre outros”.
Assim, o gestor é o líder capaz de inovar a escola, sensibilizar a comunidade, captar recursos, eliminar
gargalos no fluxo e melhorar o desempenho escolar.
De forma crítica, as autoras afirmam que, na atual atribuição do pedagogo, o campo de práticas
docentes e de gestão é priorizado em detrimento do campo de teorias, reflexões e pensamento
educacional.
Vieira (2011) também considera que a gestão passou a ser um dos aspectos fundamentais na
formação do licenciado em Pedagogia.
Lück, outra importante estudiosa da gestão escolar, traça uma análise comparativa entre os modelos
de direção de escola, anterior e posterior às Diretrizes Curriculares.
Para a autora, o diretor do primeiro modelo não tinha autonomia para tomar decisões em relação
aos problemas existentes no estabelecimento do ensino e era desresponsabilizado dos resultados de
suas ações e respectivos resultados. Seu papel era repassar informações, controlar e supervisionar, de
acordo com as normas dos órgãos centrais, e era considerado bom diretor se cumprisse essas obrigações
plenamente.
Nesse modelo, em nível das decisões concretas, de caráter administrativo e pedagógico, as decisões
ocorriam de cima para baixo, eram pautadas nas velhas relações em que o diretor e um pequeno grupo
da comunidade escolar, na sua maioria professores, de fato decidiam as questões, fazendo valer a sua
vontade.
Com a visão de mundo que se desenhou na sociedade democrática, dinâmica, conflitiva e contraditória
nas relações interpessoais, surgiu um novo paradigma de educação, escola e gestão, o qual exige uma
direção escolar participativa e responsável, com atuação especial de liderança e articulação. “É a partir
dessas questões que conceitos como descentralização, democratização e autonomia da escola se tornam
não apenas importantes, mas imprescindíveis” (LÜCK, 2000, p.16).
Ao contrário de ações isoladas e concentradas nas mãos do diretor, a escola demanda decisões
advindas de ações conjuntas de todos os participantes do contexto escolar.
Nesse contexto,
Em suma, a gestão escolar democrática implica a participação da comunidade nas decisões de ordens
administrativa e pedagógica, as quais se concretizam por meio de seus órgãos colegiados, tais como o
Conselho de Escola que, segundo Dourado (2006), promove o diálogo com a comunidade quanto às
decisões mais acertadas para promoção da aprendizagem dos alunos. É formado por representantes dos
diversos segmentos da comunidade: estudantes, pais, funcionários, professores, pedagogos, membros da
comunidade e diretor da escola.
Observação
• Diretor aprovado em concurso público: essa via de ingresso à direção da escola é mais utilizada
por transparecer objetividade na escolha por méritos intelectuais. Porém, sua prática tem se
mostrado inadequada, por excluir a participação da comunidade escolar e permitir a permanência
da pessoa do dirigente até sua aposentadoria. Em muitos casos, o diretor sente-se e age como
“dono da escola”.
76
PEDAGOGIA INTEGRADA
• Diretor indicado por listas tríplices ou sêxtuplas ou processos mistos: com consulta à
comunidade escolar para a indicação de nomes dos possíveis dirigentes, fica a cargo do órgão
executivo nomear o diretor (com tempo definido de mandato), entre os nomes destacados, e
submetê-lo à fase de realização de provas para avaliação de sua capacidade cognitiva para a
gestão da educação. Vista com muitas vantagens para a escolha do gestor escolar, corre o risco de
ser indicado por critérios não político-pedagógicos.
• Eleição direta para diretor: considerada a mais democrática, tal modalidade propõe-se a
legitimar o gestor escolar e mostra-se de formas variadas nos estados e municípios que a adotam.
Porém, é necessário que a participação ocorra de forma consciente e livre dos vícios das eleições
gerais, como o voto de cabresto e as trocas de favores.
Observação
Se o termo gerir significa administrar e direcionar, você, licenciando de Pedagogia, pode inferir que,
por ter a função de planejar as estratégias de ensino para desenvolver os conteúdos contidos no plano
de ensino e de conduzir e avaliar os conhecimentos adquiridos pelos alunos, o professor é, portanto, o
gestor da sala de aula, o gestor do processo de aprendizagem.
Segundo Meirieu (1998), para que a gerência da aprendizagem se efetive, é necessário que o
professor concentre suas ações nas dimensões: relação pedagógica, caminho didático e estratégias de
aprendizagem.
Na gerência da sala de aula, a relação pedagógica supõe o enigma que cria o desejo e busca os pontos
que permitem a mediação, embasado no tripé educando, educador e saber mediador. As atividades e os
agrupamentos dos alunos devem ser bem planejados pelo professor, já que os alunos também aprendem
uns com os outros, em nível escolar e social.
No caminho didático, o professor deve utilizar diferentes metodologias se quiser que todos os
alunos aprendam; precisa trabalhar com grupos que conjuguem homogeneidade e heterogeneidade.
O caminho didático por ele adotado está diretamente relacionado com sua facilidade de se organizar
metodologicamente, munindo-se de materiais, recursos e dispositivos que promovam a aprendizagem.
Deve envolver “capacidade de alternar diferentes métodos ao longo do tempo”, “organizar tempos de
trabalhos individuais” e implantar “grupos de necessidade” (MEIRIEU, 2005, p. 202-203).
Segundo o autor, a ação docente requer conhecimentos que levem a atingir dois tipos inseparáveis
de objetivo: de competência, “saber identificado colocando em jogo uma ou mais capacidades em um
campo nocional ou disciplinar determinado” (MEIRIEU, 1998, p.183, anexo 2, glossário), e de capacidades,
“atividade intelectual estabilizada e reprodutível em diversos campos de conhecimento; termo utilizado,
diversas vezes, como sinônimo de savoir-fair” (MEIRIEU, 1998, p. 184, anexo 2, glossário), que garante
certo número de saberes, e de savoir-faire, que devem ser adquiridos pelos alunos de forma sistemática
78
PEDAGOGIA INTEGRADA
Nóvoa (1999) também aborda a gerência da sala de aula, porém olhando para uma escola que, após
a democratização do ensino, tem a incumbência de atender a totalidade da clientela em idade escolar.
Pontuando o fenômeno denominado “mal-estar docente”, o autor o desenha como fruto das
dificuldades e impossibilidades do professor em lidar com os problemas presentes no cotidiano de seu
trabalho, o que lhe traz sentimento de angústia, desconforto e impotência quanto às novas exigências
de sua função.
Esse termo é empregado “para descrever os efeitos permanentes, de carácter negativo, que afectam
a personalidade do professor como resultado das condições psicológicas e sociais em que exerce a
docência, devido à mudança social acelerada” (NÓVOA, 1999, p. 98).
No caso do professor iniciante, o autor enfatiza que este se sente traído pelos conceitos adquiridos
em sua formação inicial, já que a visão idealizada do ambiente escolar e das relações estabelecidas entre
professor-aluno-objeto de conhecimento se contrapõe à realidade por ele encontrada. É o chamado
“choque com a realidade”.
O mal-estar docente sentido tanto pelo professor novato quanto por aquele mais experiente
influencia a imagem que ele tem de si mesmo e de seu trabalho, acarretando-lhe desajustamento em
relação ao alcance do seu desempenho profissional e “crise de identidade”.
O autor afirma que, na tentativa de enfrentar tal problema, os professores podem apresentar quatro
reações:
1) Atitude positiva – assumindo que é necessário se adaptar para encontrar respostas adequadas
às demandas sociais e escolares.
2) Atitude de inibição e negação – em desacordo com a ideia de mudança, porém com o cuidado
de não se expor, continua sua rotina de sala de aula, sem qualquer alteração.
3) Atitude contraditória – já que, em alguns momentos, considera ser positiva a situação de
mudança e, em outros, demonstra descrença de que as mudanças trarão benefícios para sua
prática.
4) Atitude de medo – já que se preocupa com a mudança, que trará exposição de suas deficiências
e incapacidades para lidar com os conteúdos, com as metodologias de ensino e com os alunos.
79
Unidade II
No que se refere às consequências do mal-estar docente, Nóvoa (1999, p. 113) descreve os sintomas
demonstrados pelos professores:
– “Stress”.
– Reacções neuróticas.
– Depressões.
Analisando a situação de desânimo diante do sentimento de impotência por não conseguir atender
às novas exigências de sua função docente, Nóvoa (1999) sugere uma redefinição do papel do professor,
partindo da assunção de que o atual sistema de ensino exige ações distintas daquelas expostas e
estudadas em sua formação inicial e continuada.
Segundo o Dicionário Online de Português, a pesquisa tem a ver “com a descoberta de novos
conhecimentos em vários domínios, principalmente, no âmbito científico”.
80
PEDAGOGIA INTEGRADA
E ampliando tal conceituação, Marques (2006, p. 95) considera que “pesquisar é buscar um centro
de incidência, uma concentração, um polo preciso das muitas variações ou modulações de saberes que
se irradiam a partir de um mesmo ponto”.
Nesse sentido, a pesquisa é o cerne do conhecimento e é por meio dela que o indivíduo é capaz de
pensar e de sistematizar seus saberes.
Em conformidade com o Parecer CNE nº 5 de 2005, a fim de que o pedagogo obtenha formação
sólida para desempenhar suas funções, o referido curso deve oferecer um núcleo de estudos básicos, um
de aprofundamentos e diversificação de estudos e um de estudos integradores.
E a Resolução CNE nº 01/2006, em seu artigo 4º, ao estabelecer que o curso de Licenciatura em
Pedagogia deve formar o professor para exercer o magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, institui a produção e a difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo
educacional como atividades docentes também.
Ainda, em seu artigo 5º, a mesma resolução pontua que o egresso do curso de Pedagogia deverá
estar apto a:
81
Unidade II
Para analisar a contribuição desse terceiro eixo, você pode considerar a produção de conhecimentos
como meta do professor, que se coloca na postura de quem interroga sua própria ação, bem como a
ação dos alunos para a efetivação da aprendizagem.
Assim, segundo Esteban e Zaccur (2002), a pesquisa associada ao aprofundamento teórico torna-se
relevante à medida que busca responder a questionamentos que se encontram em constante renovação
e que valorizam o diálogo entre o pesquisador-acadêmico e o professor-pesquisador para que se efetive
o conhecimento crítico acerca de uma determinada realidade.
As autoras afirmam que a assunção da função de pesquisador do cotidiano escolar por parte do
professor direciona-o a refletir e a teorizar sobre a dinâmica pedagógica, levando-o a elaborar novos
conhecimentos e novas alternativas que viabilizem a transformação escolar. Tal procedimento evidencia
a importância de unir teoria e prática para a formação docente.
Para os autores,
Também Nunes e Cunha (2007) estudam o papel da pesquisa na formação docente e consideram
positiva a ideia de o professor pensar sua prática e, a partir de seu julgamento, produzir mudanças,
colocando-se em constante superação.
82
PEDAGOGIA INTEGRADA
Afirmam, ainda, que a reflexão que o professor pode realizar sobre sua ação tem estimulado o
desenvolvimento de formas de atualização mais concretas e coerentes com o contexto em que atua,
sendo a pesquisa-ação reconhecida nos meios acadêmico e científico como a melhor alternativa para
a articulação entre teoria e prática. Entretanto, há aqueles que consideram pouco ou nada contribuir a
pesquisa para a prática pedagógica, analisando que a produção científica não ajuda a melhorar a escola
e o processo de ensino-aprendizagem.
Marcondes (2010) apresenta outro tipo de pesquisa, a autoinvestigação, definida como estudo
desenvolvido pelo professor por meio da reflexão sistemática sobre sua própria experiência, que exige
equilíbrio particularmente sensível entre biografia e história.
Segundo a autora,
A autora ressalta que, embora o saber docente seja estratégico no desenvolvimento de importantes
pesquisas, há ainda sua desvalorização, já que o professor continua sendo visto como mero transmissor
de conhecimentos, e não capaz de produzir saberes.
Assim, ao assumir a tarefa de investigar, o educador se depara com muitas dificuldades, e é com
base nesse princípio que o licenciado em Pedagogia deve ser um profissional comprometido com o ato
investigativo, somente por meio de trabalho contínuo e sério ele poderá vencer os obstáculos quando
estiver no exercício da profissão. Portanto, a introdução à prática de pesquisa em educação deve iniciar
na Pedagogia tal qual como nos propomos a fazer.
Alguns estudiosos lançam, porém, críticas a respeito da forma como é tratada a produção de
conhecimento na formação do pedagogo.
Segundo Vieira (2011), a ideia de conhecimento nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de
Pedagogia (DCNP) ficou secundarizada, e o maior peso recai sobre a formação do docente e do gestor.
Vieira (2011, p. 145) entende que o conceito de conhecimento presente na Resolução CNE/CP nº
01/06 do CNE “compactua com essa visão de pesquisa separada da produção de conhecimento teórico e
pautada na prática. Esse processo leva a um esvaziamento conceitual e a um empobrecimento da noção
de conhecimento”.
Segundo os autores,
Triches e Evangelista (2012, p. 7), também em análise crítica, evidenciam o alargamento que o
conceito de docência sofre nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, o qual traz
a esse profissional acúmulo de exigência e responsabilidade. Denominam-no “superprofessor”, “cuja
aparência é a de um profissional com poderes e condições de dar conta de todas as demandas”.
Nesse sentido, também consideram que à pesquisa coube papel secundário, e os eixos da docência e
da gestão têm enfoque prioritário para o desempenho de suas funções.
84
PEDAGOGIA INTEGRADA
Enfatizam que nesse documento são utilizadas as denominações professor, docente e profissional da
educação para se referir ao licenciado em Pedagogia e emitidos os termos pedagogo, educador, mestre
ou pesquisador, o que, para elas, caracteriza a perda de análise crítica e de produção de conhecimento.
Triches e Evangelista (2012) afirmam, ainda, que há nas DCNP certo empobrecimento teórico, já
que, ao se priorizar a docência e a gestão, são adicionadas a elas outras demandas. Como consequência,
restringe-se a concepção de docência, gestão e pesquisa e a formação se dá na perspectiva prática e
utilitarista.
Elas embasam suas observações com termos retirados da própria Resolução CNE nº 01/2006, que
aponta as atribuições do docente:
Assim, o superprofessor
Em seu artigo 6º, no item III, a Resolução CNE nº 01/2006 enfatiza o núcleo de estudos integradores
que proporcionará enriquecimento curricular e compreende participação em:
85
Unidade II
Vale ressaltar que também as 300 horas dedicadas ao estágio supervisionado, prioritariamente em
Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental e em outras áreas específicas, constituem-
se em atividades de pesquisa e investigação da prática escolar.
Os saberes adquiridos na relação dos estagiários com a realidade escolar, sobretudo por meio da
vivência institucional sistemática e intencional, oferecem-lhes momentos de reflexões críticas a respeito
do ambiente escolar e da ação docente, efetivando-se como forma salutar de pensar sua própria
formação.
Com a aquisição de uma sólida formação teórico-prática e interdisciplinar, o professor sentirá mais
facilidade em se familiarizar com o exercício da docência e da organização e gestão pedagógica, em
participar de pesquisas educacionais, bem como em aprofundar seus estudos e realizar trabalhos que lhe
permitam articular, em diferentes oportunidades, ideias e experiências, explicitando reflexões, analisando
e interpretando dados, fatos e situações e dialogando com os diferentes autores e teorias estudados.
Como afirmam Silva et al. (2007, p. 106), o campo de atuação do pedagogo se consolidará na relação
entre teoria e prática, a qual lhe proporcionará possibilidades de desenvolver, “mediante a investigação,
a reflexão crítica, a experimentação, a aplicação das contribuições dos vários campos de conhecimentos,
em processos de formação continuada em todo seu percurso profissional”.
Barros, Silva e Vásquez (2011) também avaliam como positiva a vivência do licenciando na prática
do estágio, defendendo que as situações reais proporcionam conhecimento, compreensão e aplicação
de suas aquisições acadêmicas, permitindo o estreitamento e a articulação entre teoria e prática.
Pensando o estágio como oportunidade de o licenciando refletir de forma crítica sobre a prática
docente, podemos citar Freire (1996, p. 22), quando salienta que “o próprio discurso teórico, necessário
à reflexão crítica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunde com a prática”.
Outro item abordado no artigo 4º, da Resolução CNE nº 01/2006, relacionado aos conhecimentos
docentes, refere-se ao domínio tecnológico:
Segundo Perrenoud (2000), além de outros objetivos, essa formação deve se voltar para o julgamento
e o senso crítico, já que é necessário que o professor observe e pesquise antes de adotar qualquer
estratégia de navegação em grande quantidade de dados, de textos e de imagens, caso a opção recaia
sobre a utilização da Internet. “A competência requerida é cada vez menos técnica, sendo, sobretudo,
lógica, epistemológica e didática” (PERRENOUD, 2000, p. 131).
No que se refere ao computador, o autor enfatiza que seu uso no âmbito escolar requer do professor
o trabalho de conceber, organizar e acompanhar seus alunos na realização das atividades.
87
Unidade II
Há de se convir que, para utilizar as redes para fins de formação nas diversas
disciplinas escolares, impõe-se um mínimo de precauções. Todavia, para que
os alunos não se tornem escravos das tecnologias e façam escolhas lúcidas,
o desenvolvimento do espírito crítico e de competências aguçadas parece
mais eficaz do que as censuras (PERRENOUD, 2000, p. 136).
Para o autor, “o computador, ao lado de sua face instrutiva e mesmo divertida, pode proporcionar
ambientes pertinentes de aprendizagem, desde que compareça o compromisso inequívoco de
reconstrução” (DEMO, 2000, p. 7). Pensa a tecnologia (o computador, em especial) como ferramenta
da aprendizagem que tem o professor como peça indispensável para transformar a informação, por ela
captada, em formação dos alunos.
Por isso, a importância de os professores prepararem-se em seus cursos para aprender e se familiarizar
com as novas tecnologias.
Na visão de Demo (2000, p. 8), no uso do ciberespaço podem ocorrer diferentes aprendizagens, por
meio de:
Ainda se referindo ao uso das tecnologias (em especial computador e internet) na escolarização
das pessoas, Demo (2009) enfatiza o fato de que na atualidade as crianças são capazes de se alfabetizar
mais efetivamente em casa ou em outros lugares onde haja acesso virtual e que, ao se deparar com
o computador, lidam sozinhas com ele e sem saber ler, não precisando de curso específico para
manuseá-lo.
No computador, ela encontra não apenas material para “ler”, mas também para ver, escutar e mexer,
e descobre facilmente que na internet pode se comunicar com colegas. Nele, sua aprendizagem ocorre
de forma significativa, já que experimenta no “mundo virtual” situações de sua vida concreta.
Tratando da familiaridade que a criança demonstra com a tecnologia, Demo (2009, p. 65) afirma
que “o computador parece feito para a criança. [...] Vemos isso também no celular: a criança é capaz de
mexer nele todo, usar todas as funções, programar e reprogramar e, por vezes, até consertar (depois de
o estragar!) [...]”.
Em relação aos professores e aos temores que alguns relatam sentir diante do computador, o
autor os considera “eternos aprendizes”, profissionais que assumem o compromisso de fazer os outros
aprenderem também.
Freire (1996, p. 82) também se refere ao domínio tecnológico e, de forma crítica, enfatiza que:
Abordando outros recursos tecnológicos, considera ainda importante saber utilizá-los, como é o
caso da televisão, que requer postura crítica para compreensão dos fatos e acontecimentos por ela
veiculados. “Debater o que se diz e o que se mostra e como se mostra na televisão me parece algo cada
vez mais importante” (FREIRE, 1996, p. 88).
89
Unidade II
Diante disso, o curso de Pedagogia da UNIP, tomando a regulamentação federal, que faculta a oferta
de até 20% da carga horária do curso na modalidade a distância, inseriu em sua matriz curricular as
disciplinas na modalidade a distância, utilizando os mesmos recursos humanos e tecnológicos disponíveis
no curso ofertado em EaD para o presencial.
Em suma, assim como Vieira (2011), você pode inferir que, ao determinar que a docência não
se restrinja às atividades de sala de aula e compreenda atividades de organização e gestão de
sistemas e instituições de ensino, as Diretrizes Curriculares atendem ao princípio da flexibilização.
O licenciado em Pedagogia será um profissional polivalente, uma vez que seu título lhe oportunizará
desenvolver profissionalmente várias atividades em espaços escolares e não escolares, tendo um alto
índice de adaptabilidade ao mercado de trabalho.
Exemplo de aplicação
Analise o que foi discorrido sobre os três eixos da formação do pedagogo e reflita sobre as implicações
de uma sólida formação no desempenho das funções pedagógicas.
90
PEDAGOGIA INTEGRADA
Observação
Segundo o PPC, na UNIP, o curso de Pedagogia tem sua origem na criação da própria Instituição, em
1972, por meio do Instituto Unificado Paulista (IUP), juntamente com os cursos de Letras, Comunicação
Social e Psicologia.
Ainda de acordo com o PPCP, inicialmente, sob o modelo de habilitações para a docência,
das disciplinas pedagógicas nos cursos de Magistério em nível médio, e para os “especialistas”,
para atuarem junto às escolas e sistemas de ensino, administradores escolares, supervisores,
orientadores educacionais e inspetores de ensino, por meio de incessantes trabalhos de análises
e reformulações, no ano de 2010, o NDE e o colegiado de curso decidiram pela proposição de
um novo projeto de matriz curricular, com o estabelecimento dos três eixos estruturantes, assim
organizados por ordem de importância, de acordo com as DCN: docência, para a formação de
profissionais da Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental; gestão, para a
formação dos profissionais da administração e planejamento da educação em ambientes escolares
e não escolares; e pesquisa e construção do conhecimento, para a inserção do estudante de
Pedagogia no contexto da pesquisa educacional.
91
Unidade II
Observação
O desenho estrutural de articulação dos três eixos do curso de Pedagogia e sua respectiva carga
horária, distribuída nos seus sete semestres, ou três anos e meio de curso, está assim apresentado nas
páginas 68 e 69 do PPCP:
92
PEDAGOGIA INTEGRADA
Quadro 1
O PPCP detalha os procedimentos adotados pela UNIP nos direcionamentos dos três grandes núcleos:
estudos básicos, aprofundamento e diversificação de estudos e estudos integradores.
Em relação ao Núcleo de Estudos Básicos, por meio de desenvolvimento de reflexão e ações críticas,
o PPCP (2013, p. 70 e 71) mostra que o curso procura articular:
95
Unidade II
Esses núcleos são constitutivos da matriz curricular do curso de Pedagogia da UNIP, conforme consta
no PPCP.
Quadro 2
Carga
Núcleo de Estudos Básicos horária
Componentes Curriculares total
Interpretação e Produção de Texto, Homem e Sociedade, Fundamentos de Filosofia e Educação, História da Educação,
Comunicação e Expressão, Ciências Sociais, Psicologia do Desenvolvimento: ciclo vital, História do Pensamento
Filosófico, Educação Ambiental, Política e Organização da Educação Básica, Didática Fundamental, Filosofia,
Comunicação e Ética, Alfabetização e Letramento, Psicologia do Desenvolvimento e Teorias de Aprendizagem,
Estrutura e Organização da Escola de Educação Infantil, Jogos e Brinquedos na Infância, Orientação e Práticas de
Projetos na Infância, Psicologia Construtivista, Metodologia e Prática do Ensino da Matemática e Ciências, Psicologia
Sociointeracionista, Orientação em Supervisão Escolar e Orientação Educacional, Gestão Educacional, Metodologia e
Prática do Ensino de Língua Portuguesa, Metodologia de Arte e Movimento: corporeidade, Metodologia do Trabalho 2010
Acadêmico, Estatística, Didática e Metodologia do Ensino Médio: normal e educação profissional, Orientação em
Práticas e Projetos de Ensino Fundamental, Metodologia e Prática do Ensino de História e Geografia, Educação
de Jovens e Adultos: fundamentos e metodologia, Métodos de Pesquisa, Escola, Currículo e Cultura, Relatório do
Projeto de Pesquisa, Sociologia e Educação, Avaliação Educacional, Orientação e Prática em Gestão da Educação
em Ambientes Escolares e Não Escolares, Seminários Temáticos na Educação, Economia Aplicada a Educação,
Didática Aplicada a Educação a Distância, Pesquisa Educacional: diversidade de modelos pedagógicos, Planejamento
Educacional, Projetos e Ação Pedagógica, Trabalho de Conclusão de Curso.
Carga
Núcleo de Aprofundamento e Diversificação de Estudos horária
Componentes Curriculares total
Tecnologia e Comunicação na Educação, Língua Brasileira dos Sinais – Libras, Relações Étnico-raciais no Brasil,
Educação Inclusiva, Estudos Disciplinares, Pedagogia Interdisciplinar, Pedagogia Integrada, Tópicos de Atuação 490
Profissional, Marketing Pessoal/Desenvolvimento Sustentável (optativas).
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PEDAGOGIA INTEGRADA
Carga
Núcleo de Estudos Integradores horária
total
Atividades Complementares, Projeto e Prática de Ação Pedagógica, Atividades Práticas Supervisionadas, Estágio
Supervisionado. 1.280
Conteúdos básicos: estudos relacionados às ciências sociais, filosofia, políticas públicas, sociologia,
psicologia, ciências da comunicação e da informação.
Todas as âncoras temáticas serão permeadas por práticas significativas, associadas às teorias em estudo
que darão oportunidade à perspicácia na formação do pedagogo-pesquisador. Além dos agrupamentos
(retro)mencionados, os conteúdos serão sistematizados em diferentes áreas do conhecimento, a serem
elencadas anualmente, conforme as demandas regionais e as tendências socioeconômicas presentes à
época.
Todavia, como sugestão, os temas deverão se concentrar nas áreas de saúde pública, socioeducação,
arte-educação, diversidade, inclusão, alfabetização e outros que se apresentem carentes da contribuição
do alunado nas diferentes regiões do país.
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