—_sidie 3 edie
0 homem na idade da técnica
umberto galimberti
PAULUS,33. a época moderna ¢ 0 primado da ciéncia
eda técnica como corrente teolégica
10 depois do pecado original, o homem decaiy
ee teu estado de inoceniae do seu dominio
sobre as coisas ciadas. Mas tudo isso pode ser
‘ecuperado, pelo menos em part, nesta vida,
0 primeiro estado}, mediante a religido e a fé
‘o segundo, mediante as técnicas as ciéncias.
BACON, Novum Organum, Livro Il, pat. 52,
41, A mmudanca judaico-crista do sentido grego de verdade
“Asperguntas heideggerianas que fecharam o artigo anterior nao tém nada
de apocaliptco; antes, evidenciam as conseqiinciasinscritas nessa virada de
perspectiva que se iniciou com a época moderna, quando o agir intelectual,
‘que os antigos gregos chamavam de theoria,c 0s latinos de contemplato,'
8 ceixou de ser pensado como o fim imo, queestaria subordinado o agit
pritico,e passou a ser visto como instremento operacional, O programa
baconiano scientia est potenti expressa claramente a destinagao do saber
¢asua funcionalidade em relagio ao poder: possibilidade de fazer ede mo-
ifcara natureza, tendo em vista projetuaidade humana. Para os antigos,
‘ conhecimento da natureza se deinha diante da imodificabilidade desta,
‘e entio se aquietava; para os modemnos, a natureza se enquadra dentro
da projetualidade humana, que, por isso, se torna medida do fazer, que jé
rio assume a imodificabilidade da natureza como seu limite.
"Cfo capi 31, pat. 2:0 prima da toi sobre a px".
seif Been, strato Maga, Pars secundes Novem Orgarum (1620)
ade instaracon, Pare senda: Nuovo organo, Lito, pat. 3 in Sri filsof
be Tri, 1986p. 85 paagueae
1 €poca moderna © 0 primado ds céncia
‘A raz dessa attude (moderna) no grega,masjy
«ssa tradigio, Deus colocou 0 homem no mundo 2
dominadore, dominando,fzese obra de verdade
acepsdo grega de alétheia, que significa “desvelamento” das kis ca
da natureza, fungio que cabe & theoria, masa verdade na cercag rn
: fazer” \cepGao hebraj-
ca de ‘omet, que significa “faze” 0 que Des prescreten pasts
Uma verdade, pois, que no se contrapde a0 “erro” ou fal ides mes
“nfdelidade” a0 mandamento de Deus, ou “preguica® Diemer
da verde rea, verdad hernia no alo que cn masa
Ina de“aquele que Fiza verdade [ho d poién tn alten” *oulamesa
aque “nio facamos a verdade [ou poiocnen ton aléthean)”$
> Abandonada a verdadegrega que se contempa, demo da inode.
bilidade da natureza, a época moderna adotaa verdad ebay, que sefag
no tempo, com o conseqientee indiscutivel primado do fazer sobre oon,
templar. Um ze operativo que produztano os conhcimentos cnc,
«que permitem o dominio da natureza, quanto as condiges histicas para
a transformagio das condigdes de vida. Quando Bacon subordina o saber
20 poder, e Mana contemplago do mundo sua transformacio$ ambos,
embora sob registos diferentes, eforgamo hebraic “zea verdade”,que
4 adeus definitivamente ao cardter contemplativo da vrdade reg.
Essa descontinuidade entre mundo antigo ¢ época moderna écom-
preensivel tendo-se presente, como quer a interpretacio de Jaspers,’ a
tlcoctis Segundo
fim de que fosse o seu
Nao mais verdadeng
2 Vee a ese propdsto: S. Quins, Laeroce ei mula, Adelphi, Mio, 1984,
‘especialmente p, 23-25, dedicaas a confrontoente alee ‘em, onde Quinto
esclatece que “o hebraco fazer a verdade €relzas, fazend a votade de Dest a
tedengio do mundo
*Aquele que faz a verdade se aproxima da uz sem medo de que ptesam mans
‘asa suas obras, porque si fitas segundo Deus”. Evungelio de Jodo 32,
5 *Sediséssmos estar em comunhdo com ele, mas vvesenos nas Wes, ment
amos e nfo fariamos de fato a erdade”,Primeira Carta de Jodo 16
Os flsofos apenas interpretarom de vic mancras o mundo; ates agora de
transformé-lo™.K. Marx, Thesen ber Feuerbach (i843), pimeta ei nF Engels,
Ludwig Feuerbach und der Auspong der Hasschen detschen Piosophi Stes,
1888; it, Tesi su Feuerbach in Marx Engels Opere Complete, vl V, Et Riss
Roma, 1972, Tee XL, p. 5.
K. Jaspers, Vom Ursprumg und Ziel der Geschichte (1949, it Origine ceo
|, Milo, 1965.
319psicheetechne
incubagio medieval em que o cristianismo reformula a sua visio de
mundo, substtuindo as categoriasgregas pelasbiblicas. Nio se dar conta
disso, como acontece na interpretacio de Heidegger, que também indica
amaidanga de sentido da palavra “verdade" significa nfo compecender
a razio da mudanga e, sobretudo, a sua irreversibilidade, porque, se 4
mundo for interpretado com categorias judaico-cristi, ndo sera possive
por nenhum limite al |e aos efeitos da sua expansio,
De ato 0 eixo da tradigiojudaico-risti€ vontade de Deus, que
quer 0 senhorio do homem sobre o mundo. “Fazer a verdade”, ser fe]
a0 mandamento de Deus, significa, entdo, direto.ao dominio. A técnica,
aque oferece as condigdes para o exercicio desse direito, se inscreve no
horizonte teoligico, onde Deus € 0 fundamento que justifica a bondads
do operar técnico e a obrigatoriedade da sua execucio.
2. Bacon ea inscrigao do projeto cientifico
dentro do horizonte teol6gico
Confirmagio disso nés temos en{ Bacon), que, a0 expressar uma
incondicional confianga nas possibilidades da cignciae da técnica a fim
de melhorar a condigio do homem, oferece um programa substancial-
‘mente desprovido de coneretoseconvincentes resultados cientifios, mas
fortemente animado pela conviegio de que a transformacio cienifia
do mundo a servigo do homem nao é algo que estd para acontecer, mas
algo que se deve fazer acontecer, algo que assume o tom moral de uma
fungio a ser executada religiosamente, como ocorre quando a gente est
dliante de um mandamento divino. Esse, pelo menos, é o sentido que,
com toda evidéncia,transparece das expressGes com que Bacon fecha 0
seu Novum Organsem:
Logo depois do pecado original, o homem decaiu do seu estado de
inocéncia edo seu dominio sobre as coisas criadas. Mas tudo isso pode
ser recuperado, pelo menos em parte, nesta vida. O primeiro [estadol
''M. Heidepger, Vom Wesen der Wabrbeit (1930), eit. Dellessenza della verity
Segnava, Adelphi, Mllo, 1987, . 133-157,
320
a €poca moderna € 0 primado da citncia,
mediante a religiio e af 0 segundo, mediante as tnicas¢ as cinciag
sempre rebelde: em vrtude daquela maxima “ganhatis o pio como suor
do teu r0st0” (Genesis 3,19), por meio de muito forgo (no certamente
com as disputas ou as initeis ceriménias da mapa) ela finalmente &
cobcigada a dar 0 pio ao homem, ou sea, € obtigada a se adaptar aog
hibitos da vida humana?
‘A ciéncia baconiana em nada difere, quanto & efcicia, da ciéncia
claborada na antiga Grécia. A prépria nogio de “forma”, que Bacon
introduz como fundamento da “nova ciéncia”,nios6nio se disingue da
“forma” aristotélica, mas parece mesmo retomada da Fisica de Aristéte-
les. No entanto, Aristteles, no De dignitate et augments scentianum, &
comparado por Bacon a0 Anticristo!e, no Redargutiophilosophiarum,
€ acusado, junto com Platio, de soberba intelectual por ter tentado o
conhecimento da natureza s6 com os recursos da propria mente." Mas,
© ataque mais feroz encontramos em Temporis partus masculus, onde
—®Bacon chama Aristételes de “um miserdvel sofista”; a sua légica, de “um
manual de tolices”; a sua metafisica, de “uma superestrutura de teia de
aranha, sustentada por um mimisculo fundamento de realidade”.O seu
juizo sobre Plato é ainda mais severo:
‘Chame-se agora & cena Plata, esse descarado enganador, ess arrogante
poeta, esse delirante te6logo. f certo que tu, Plato, enquanto buscavas
‘io sei quais balelasflosoficas e as colocavas descaradamente juntas ¢
simulavas sabedoria ostentando ignorancia, ¢ atraias ¢ enfraquecias os
cspiritos com vagas indugdes, pelo menos tiveste 0 mérito de oferecer
argumentos para os discursos que fazem, as vezes 05 literatos ¢ 0s ho-
mens cultos, e de acrescentar graga e simpatia is conversas quot
7 Bacon, La grande instauratione, Pate seconda: Nuovo organo, Livo Il, pas
52, in Scrit flosofii cit, p- 798
E Bacon, De dgnitat et augments scentinam (1623), tut, La dinitae pro-
resto del sapere divino ed umano, Livro I, pat. 25, in Scriti lsofcs cit p. 160.
5, Bacon, Redargutio philosophiarm (1608), tit La confuacione delle floof
| Seti oso, cit, p. 408-419, 427-429.
32pricheetechne
quando, pocémafemasfalsamente que ada wna moradora atiya
rio vem do exterior, quando desvias as
daa mente humana, €4€ ossas
aor ean dabistiacdscrias-em C40 dequss pce,
pipes somos suicenercnt Fespeitoss € ae MOF NUNCA Sucientemene
sentose obedientes ~ quando nos ensinas a voltar para dentro 0s olhog
dda mente ca humilhar-nos diante dos nossosidolos egos €confusos, sob
co nome de contemplagio, entdo tu cometes um pecado capital. E,além
disso, com um pecado no menos Brave, fizeste a apoteose da loucurg
‘eousasteapoiar os teus pensamentos despreziveis com argumentos re.
ligiosos. [.] Mas ainda € tempo, meu flho, de nés nos retirarmos para
fazermosa reparagio por ter tratado~ainda que coma intengio de langar
descrédito sobre elas ~ coisas tio profanas ¢ sujas [profana et polluta)
‘As acusagées que dig a todos eles [sto é, a Patio e a Avstteles ea
muitos outros pensadores antigos e modernos) nio esto, ainda, & altura
da monstruosa culpa dees [pro ipsorum sontssimo reatu). Talver nio
compreendas a minha contestagio e, sem diivida, consideres as acusages
{que dirigi a eles como meras ofensas. [..] Mas, na verdade, nio éassim,e
se quiseresrefletir um pouco conseguirds ver, sob a aparéncia de ultraje,
‘espitto das minhas acusagbes concentradase condensadas, por assim
dizer, com muito cuidado, em cada uma das minhas palavras, e que ew
dirigi¢ vibrei com agudissima visio, justamente contra as pragas dos
delitos deles. De fato, aqueles a quem eu acusei sao culpados e participes
de toda essa culpa, mas eu os declarei culpados um por um, ¢ tomando
por base provas especificas, suficientes para uma condenagao capital.
espirito humano, meu filho, pleno das observagées que derivam dos
seus contatos com o mundo das cosas, gerae produz muitas diferentes
espécies de erros. Aristételes, por exemplo, é a planta mais alta de uma
dessas espécies; Plato, de uma outra, € assim por diante."?
Aculpa principal esta bem-descrita no Prefacio Historia ventorum,
‘onde Bacon acusa Platio ¢ Aristételes de terem cometido a mesma “fa-
{ha dos nossos progenitores, que quiseram ser semelhantes a Deus”. De
"°F Bacon, Temporispartusmasculus (1602-1603), tit. Ifparto maschio del tempo,
in Seti filosfc ct. p. 108-109, 117-118.
a2
1 época moderna ¢ o primado da ciécia
far, a0 invés de “buscar com dilgécia descobric a marca de De
coisas” preferiram “seguir os ditamessé danossarao® Seen
de Indo horizont teclgco que promoreo programa cent
Bacon, corremos o risco de ndo entender oalcance desta olemien
long de se idiosincrasia pelo pensamento antigo, mer ce
co énfsepr6pria da Epoca, de um lado fina difeene a
¢ a nova ciéncia e, do outro, liberta 0 fazer técnica,
Ambito da vontade de Deus.
Enquanto pura theoria, que promoveoconhecment da natueza
por mera dedugao da mente~ nio por induzio ou, como ds aces
“por paciente busca nolvro da criagio~aespculgiopatdnico-ann
tdica €como ogesto de Adio sna de soberba e,como finemsi mene,
contemplagao esti e ineficaz. A cincia moderna, qu sends
inaugurar, renuncia& soberba dos antigose, a0 invés de“impor a marca
da imagem humana sobre as criaturase sobre as obras de Deus, busca
com humildade e diligéncia descobrir a marca de Deus nas coisas” —
esse modo, a pesquisa experimental, posta em ago pela descobera
das leis da natura, é lida como busca da marca de Deus, uma busca qu,
em sua humildade, no s6 corrge, segundo Bacon, a “soberba ext” da
theoria dos antigos, mas adquire a linguagem da natureza, que € a Giica
“ano softer a confusio de Babel”. Uma vez “de pose dese allabeo",0
hhomem pode dominar a natureza, porquantodescobriuas suas ese ras
a.essedominio, pode “experimentarrespeitoeadmiracio pelo Cader, que
se torna manifesto em suas obras, esr caridoso com os homens diminuin-
do as necessidades e 0s sofrimentos humanos”, Assim, Bacon inscreve 0
Programa técnico-cientifico dentro do horizonte teolégico cristo:
entre a antiga
inscrevendo-o no
F. Bacon, Historia ventorum (1622), in The works of Francis Bacon cit. po R.
1. Els J. Spedding, D. D. Heath, Londres, 1857-1859, em reimpesso foscopiada,
Fromana, Stugart, 1962, vol. Vil, p. 198. A Historia ventonum fx pare da Historia
naturals et experimertais ad condendam philosophiam sive Phaenomena rivers quae
(st Instauratonis magnae pars tertia, © liv contéa um Precio gra, una Norma
Astoria praesenis a Historia ventorum. Todo oCatalusbistoriarun patria
‘ecundum capita, que contém 0 elenco de 130 *histrias particulars” de nica de
inio da narueza se encootra no Parsceve ad bistoriam naturlem etexperinetlen,
{que constitu a Premissa 3 Parte tecceira da Istawatio Magna tit, Preparation als
Soria naturale esperimentale, in Sei flosofc tp. 797-820
323wich etecne
Sem dividends pagamosa cup dos mosos progenitores, que quiseram
ver semethanesa Des. NOs, progenic des, queremos ainda mais, De
foo, eiamos mundos, fxamos Is para 4 NAEEEA © NOS Apossamag
somo agradadivina Sabedora, ou como realmente sio na
dele : aa
‘atwez, [i Impornosa marca da nossa imagem humana nas ciaturas
Seana cashiiaaosera igéncia descobrir a marca de
Deusnas coisas. Merecidamente, pis, prdemos de novo o nosso dominio
sabre a criagio;e enquanto, depois do pecado original, permanecera pelo
menos certo poder sobre a natureza rebelde ~ pois ela podia ser subme.
sida edirigida por mio de verdadztas esbidas écnicas~ agora somos
privados quase completamente também desse poder, por causa da nossa
soberbs, porque quisemos ser semelhantes a Deus e seguir 0 ditames
nicamente da nosaranS0 (.] Por iso, se existe em n6s ainda algum
sentimento de humildade diante do Criador, de respeito e de admiracio
plas suas obras seh ainda caridade pelos homens e elo em diminuir
as necesidades € 0 sofrimentos humanos; se h ainda amor & verdade
no estado das coisas naturais, bio &ignorincia, desejo de puficar 9
iintelecto; se assim for, nio podemos nos cansar de suplicar aos homens
‘que abandonem por algum tempo, ou ao menos ponham de lado, aquelas ae
losofas inconsistent € absurdas que preferem as teses as hip6teses, que
tém mantido aprisionada a experincia e insultado as obras de Deus; é
preciso suplicarhes que leiam com humildade e certa reveréncia o livro
da criagio e meditem sobre ele, a fim de que, limpos ¢ purificados, eles
‘possam, em espirito de castidade ¢ integridade, libertar-se da mutabili-
dade da opinido. Sao essas as palavras ¢ a linguagem que se espalharam
até 05 confins da Terra, e que nao sofreram a confusio de Babel: essa é a
linguagem que os homens devem aprender. Nao deixem de ter em mios
‘esse alfabeto, reencontrando o frescor da sua juventude e tornando-se,
de novo, semelhantes a ciangas
% Assim, insert num programa religioso, 0 projetotécnico-ientico
‘que inaugura a idade moderna pensa a si mesmo, de um lado, como
"idem, p. 198.199,
34
8 €p0ca moderna eo pimado da cna
executor de om programa dvina,¢, do outro,
de wma missio moral. Nessecontexto,a pot
na “nova cenit” aparece como ato de hunilide nn
expiagdo daquela culpa expresa na sberba inten ae
cxgem, do qual nfo ext sents aniga epi gay tae
skim subocdnava 0 “faze” 20 “ver contemplate ge take
objeto a natures imutivelemsexconun, aca madera rane
o “ver” ao “fazer manipulatvo™, que nasi da attra véemoca
Deus, na descoberta dels, as condiies da redenio humane
Como eficazcomprimento
cia copnoscitiva implica
3. Bacon e a origem religiosa da idéia de progresso
Dentro dessa moldura rligiosa € que surge a idia de progress,
aque a ciéncia nfo tarda em assumic como ditetriesemido da prepa
busca. A essa idéia se subordina nio s6 a critica baconiana a flosofa
antiga ~ como contemplagio estérile infecunda, incapaz de se clevar
Aaquele operativismo ativo que, melhorando as condigées de vida, per-
rite um efetivo progresso da humanidade ~ como também o primado
da inducio, que em Bacon no é apenas o primado de um método sobre
outro, mas de uma mentalidade, a mentalidade que prefere i contem-
plagio da verdade, a descoberta de novas verdades que nio sio obtidas
2 partir dos silogismos da propria mente (dedugio}, mas da pesquisa
Paciente no livo da natureza (indusio). A comparagio com as “virgens
infecundas” é bastante elogiiente a esse propésito, assim como o titulo
De dignitate et augmentis scientiarum que Bacon dé a essa obra, onde
seestabelece que a dignidade da ciéncia esti no progr
do saber operative.”
> Aqui insistimos em buscar a origem da idéia de progresso no con-
texto religioso cristio, que, ao propor @ meditagio medieval a figura
do éschaton, abriu a perspectiva de futuro. Com Bacon, 0 conteido
‘escatolégico € separado da sua matriz rigiosa. A(Gopid)da Nova
incremento
"0 De dignitate et augmentisscentiaram (1623) é uma teelaboragio¢ uma an
‘lagi em lingua latina da obra The two books of profcence advancement of arsing
‘vine and humane, que F. Bacon havia publicado em 1605, em lingua ingest.
aspoche erechne
1 ge resolve na imanéncia Futura; mas 0 futuro foi abertg
nti
ana eon propaga peo xstanismo. A essa dda farig
ca rdas as wos segue, das centiins 3s revolucionéia,
refeéncia todas a5 "
fl encontrar a
em exja base & sempre poss a do “homem
ova, deainado aviver em "NON0s EUS € VAS TFS", que jf ni
aio projtados para a tanscendénela, mas para um futuro imanente,
nse futuro no € para ser esperado, mas construido, em conformidade
com 0 principio operativo do progesivo dominio do homem sobre q
aureza; para Bacon, esse €0 objetivo da ciéncia e da técnica, depois
de lo deduzido do ensinamento biblico.
‘Aoinaugurara revolusdo cientifca, Bacon observava que “a busca
das eausas finas€estri, gual a uma virgem infecunda, que no conse-
‘gue parr nada ano ser monstros uivantes”."” Dois séculos depois, ag
prognostica a revolugio socal, P. J. Proudhon diré que “a busca das
casas primeirase das causas nai é eliminada pelas ciéncias econdmicas
ce pelas ciéncias naturas. A idéia de Progresso substtui, na filosofia, a
idéia de Absolut. A revolugio sucede & revelagao”.””
idéia de Absoluto, A revolugto sucrt areveme’
i a nM, wee Nis tn he
E Bacon, La dignitie il progresso del sapere divino e umano, cit., Livro l, par. 4,
pane ee def eran ap ee oe
Hi BS se togre n
ips es Pra «in tae
Frea ecoen n ee a o
foe lo cnr SS Bn ema
cue ea rng Ve lo
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sentence ie 7D a va
Hg semens ee a r e
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Se ec ere
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preenge eoe prspoes e o ae
Apne cnet alo de pee
‘ean de cen do pve aft para lone oy ses coma Mas
ert pans rea aonsammarnn ingen mn
™ p.J-Proudhon, Idée générale dela révolution au XIX siecle (1882), in Oemnes
326
8 poca moderna e 0 primado da cicia
4. Bacon: do reino de Deus ao reino do homem
A realizagio do programa baconiano nio podia encontrar execu:
tores mais fii. De fato, embora em Bacon 0 programa fos cheio de
esperanga cri
© a expectativa estivesse voltada para o reino de Deus,
co que de fato se estava preparando era, finalmente, oreino do homem,
daquele homem que, justamente a partir de Bacon, comecou a se consi.
derar criador do proprio mundo e do préprio futuro.
Mas 0 futuro fica bloqueado atribuindo-se a natureza um card
orginico-vitalista,
Porque a mente humana nio é capaz de penetrar
e dirigit 0 processo da vida, como se podia facilmente deduzir, nos
tempos de Bacon, da fléncia da tentativa mégica de dominar a energia
primordial supostamente presente em todos os entes naturais, Para ser
dominada, a natureza devia apresentar-se com outra face, exclsivamente
(GeeMMea\porque o homem, embora néo saiba como acrescentar um
‘centimetro sequer & propria altura, sabe, porém, removeré amontoar a
terra e Construir para si um ponto de apoio. As transposigbes mecinicas
‘aio requerem outra atitude a nao ser aquela de calcular, pesar, deslocar,
‘ransferir para um espago matematicamente pré-caleulado,
‘A concepgio mecanicista G2 natUreZa, a tadugio da onem qua
Titativa numa ordem quantitativa, o abandono das causas primeiras
em prol da dedicagao as causas segundas, empiricamente verifcsveis, a
mensuragio do tempo ea determinagao do espaco, apresentamse como
condiges prévias para a instaturacio do regnum hominis, porque s6 um
mundo que se deixa resolver em relagdes mecinicas e mensuriveis pode
set plenamente dominado pela mente humana.
Em vista do regnum hominis, a physis (a natureza) tl como fora
concebida pelos gregos, passa de manifestacio original do sera realidade
fisica, expressa por pontos,linhas, forcas e medidas, que tém no projeto
‘matemitico da mente humana a sua compreensio antecipada- Por isso
Bacon escreve: “a pesquisa sobre a natureza encontra a sua melhor
realizagio quando 0 dado fisico se conclui no matemético”,” porque a
2 F Bacon, La grande instawazione, Part seconda: Nuovo organo, Lveo I pat
+p. 648,
37pricheerechne
x4 i e é poder”, capaz de reduzir tod
saremitica garante um “saber que é poder”, capaz de re as as
a Ee ec pode sr corals plo TOME ——
paola cceahiney ns Se SEE a,
5. Descartes: a garantia divina do pensamento humano
¢0 dominio do mundo
“Apartr de Bacon, a matematicidade do pensamento se apresentarg
ceomo esse vinculo que é capaz de unir nio s6 as diversas correntes filo-
séficas, mas também as expresses especulativas e as forgas produtivas.¢
priticas que caracterizardo 0 rosto da nossa cultura, cujas raizes devem,
pois, ser relacionadas mais com a matriz judaico-cristi do que com a
srega. Como, aliés, oportunamente observa Jaspers:
© grego concebe 0 cosmo como o ser perfeito€ organizado, como 0 ser
racional e conforme a norma, como o ser eternamente subsistente; 20s
thos dele, o resto é nada, é matéria incognoscivel, que nem merece ser
conhecida. Mas, se o mundo é criagio de Deus, entéo tudo 0 que existe,
porquanto criacio de Deus, édigno de ser conhecido; no hé nada que nio
sedeva aprender e saber. Conhecer & como um repensar os pensamentos
de Deus. Aqui deparamos com Descartes.”
Seguindo a trilha aberta pelo aniincio biblico, Descartes € a mais.
4 €poca moderna € 0 primado da ciéncia
prvlgio do homem nase odesptencameno da natueza, que nfo &
mais physis origindria, mas “a disposigio ea ordem que Dis dase
paaascoinscadat.A propia dtgiocanciamanicreenen
eres extensareprodus a dstingio crit entre interioridad de ine
exterioidade do mundo. E essa €a raxio pela qual Descartes atreg
8 rela do homem com Deus uma importncia fundamental para
reconstrusio fisico-matemética do mundo natural, porque averdade de
pensamento humano funda-se sobre a veridicidade de Deas
Deus ¢o homem sio biblicamente pensados como mais proximos
do queo homem e o mundo, porque o homem pode conhecer a esiéncis
de Deus na reflexio sobre si mesmo, imago Dei, pode estabelecer com a
alma ova mente uma rela sem a medio dos sentidos, voltados para
as coisas do mundo externo. Andloga concepsao podemos encontré-la
em N. Malebranche:
Nio me admira que a maior parte dos homens ¢ os flésofos pagios
considerem, na alma, s6 a sua relagio ea sua tnizo com o corpo, sem
reconhecer a sua relagio ca sua unio com Deus, mas me surpreende que
filésofos crstios [..] considerem a alma mais como forma do corpo do
«que como algo feito & imagem ¢ pela imagem de Deus; ou sea, segundo
Agostinho, pela Verdade, com a qual (esomente com a qual tem uma
interessante confirmacio da tese segundo a qual a esséncia do pensamen-
to moderno enraiza-se na tradigio biblica, a qual, ao pensar o homem
| ligago imediata, & verdade que a alma esté unida ao corpo eé natural-
‘como imago Dei, funda a metafisica da subjetividade, que encontraré a |
\
‘mente, a sua forma, mas € também verdade que est ligada a Deus por
‘um lago muito mais estreito e essencial. A relagio que ela tem com o seu
‘corpo poderia também nao exists, masa relagio que ela tem com Deusé
io essencial que, sem ela, éimpossivelconceberacriagio de um espirito,
da parte de Deus. [.] Portanto, a relagio que 0s espicitostém com Deus
€ natural, necessiria e absolutamente indispensivel, enquanto a relagSo
‘que © nosso espitito tem com o nosso corpo, embora sea natural no é
absolutamente necesséria nem indispensivel.
sua conclusio no super-homem nietzschiano, que proclamaré a morte de
Deus. Descartes éo ponto nodal dessa parbola. O seu cogito,desigado
do mundo naturale da comunidade humana, privilegia a subjetividade
pensante, que & 0 que torna o homem semelhante a Deus. |
Entre as idéias inatas hospedadas pelo cogito, ha as mateméticas,
necessirias para a submissio da natureza, ¢ aquela de um ser absolutoe
perfeito que o homem, ens creatum, nao pode ter dado a si mesmo, mas
deve ter recebido de quem o quis a propria imagem e semelhanca. Do
"*R. Descartes, Discours de la méthode (1637), tt it. Discorso sul metodo, in Opere,
lates, Bari 1986, vo Pate Vp 317
. Maicbranche, Dela recherche dela vr (1678, eit La icra del verity
» X, Jaspers, Origine e senso della storia, cit, p. 123. i, 1983, Prefanione,p. 3-4.
328 aspriche etechne
Mas, €justamente nessa intimidade do pensamento humano com,
Deus que se opera a imprevistareviravolta do ateismo do pensamentg
modemo, que chega & proclamagio nietaschiana da morte de Deus
Descartes pensa Deus como 0 fundamento da verdade do pensamento
rhumano, ¢ por isso a afirmacio da existéncia de Deus significa que g
pensamento humano pensa a si mesmo como algo divino, € por ser
divino opera com a matemética para dominar 0 mundo i)
re emia, a que DEEATTEFUTIWGT Valor abrolimo, porque ma,
temitico é também 0 pensamento de Deus, 0 homem pode se tornar
“senhor e possuidor do mundo [maitre et possesseur du monde|” 2
Ein conformidade com a sua esséncia, o Homem na0-€ 56 um corpo.
intramundano, nem s6 um mecanismo fisico, mas cogitatio, um eu que
pensa e que tem vontade,
Diante de tais definigGes, apresenta-se com toda a sua superficial
dade a rejeigio cartesiana da tradicio escoléstica.™ Para além do distan-
ciamento proclamado hi, de fato, em Descartes a assungio integral da
dimensio intelectualista e voluntarista que o pensamento medieval, uma
vez cristéo, havia cuidadosamente preparado e desenvolvido25
A definigio cartesiana do homem como maitre et possesseur du
monde imita a definigio de Hugo de S. Vitor, para quem Deus criou
‘© homem como “possuidor e senhor do mundo. De fato, se Deus fez
todas as coisas para o homem, o homem &a causa de todas as coisas”
Nessa logica biblica que anima a especulagao medieval esté contida
® R, Descartes,Ditcorzo sul metodo, ct, Pate Vp. 318.
® X ese proplito, Descartes exrev: “Tao logo comple tods a wes dos
estado a0 ial ds quis em gral slgém €inclido a ol da sibs, madeicomle
Tames de pinto. De fatomevisobo pes de tantasdivida eros que me press et
{rado, das minhastentatva de nseuitme, um Geo Iuro: 3 erescente dessert
‘minha ignocincia".Eainda: "Por esa rao, to logo a dade me permit sae dala
dos meus professors, abandonei completamente oestudo das ees decid no bast
fura cia a nfo ser aqucla que eu podesia encontrar dent de mim mesmo oa m2
sande lio do mundo" R. Descartes, Discorso sul metodo, cit, Pat p. 293,27.
8 chy a propésto, U. Galimbert, Linguaggo civil, Musa, Nii, 1377, €
especialmente o eapitelo ¥ *Lo smarvcs del Enguaggio in inte e vlonsf
waster.
0 temo latino fala do homem como “potsessorem et dminem mand Siete
omnia Devs fect proptr hominem, causa omnia homo est™ Ugo i San Vitor, Dé
aha animae (1139) te ity | dont dela promessadivna, in Didasclco, Rus
Milo, 1987, p.229,
330
4 época moderna ¢ o primado da eiéncia
(por antecipagio) a conclusio atéia do pensamento moderno, porque
se é verdade que o homem nio pode ser a causa causante do mundo,
porquanto © mundo, por vontade de Deus, tem a sua causa final ng
criagio do homem, 0 homem mesmo pode se tornarcriador, a partir
do momento em que Deus nio seja mais digno de fe, embora continue a
subsistr a idéia do homem como imago Dei, como foi preigurada pela
tradigao biblica. Por isso, escreve Jaspers:
Deus, que no sistema cartesiano servta somente para a forma pura da
argumentagio, desaparecendo quase por completo do conteidogeral, de-
pois foi de todo eliminado, porque a razio havia conquistado a confianga
em si mesma € porque, no fundo, por uma razio absoluta, um Deus era
desde 0 inicio totalmente supérfluo.”
—
2K, Jag artes und die Philosophie 1c im,
p97 Adis Des id die Philosophie, W, de Gruyter & Co. Berlim, 1937,
3134, a emancipagao da técnica em relacao
3 ordem teolégica e a fundacao do humanismo
Aconstituigio do homem como primeiro e auténtico
subjectum traz consigo o seguinte,
‘o homem torna-se aquele ser no qual todos os
seres se fundam, quanto a0 seu modo de ser
‘e8sua verdade. O homem torna-se o centro
de referéncia do ente como tal. Onde se
revela essa mudanga? Qual é, em conseqiéncia,
a esséncia do mundo modecna}
M, HEIDEGGER, L’epoca dellimmagine
del mondo (1938), p. 86.
1. Amatematicidade do pensamento moderno
A emancipagio da técnica em relagio & ordem teolégica est4 inscrita jé
notipo de verdade inaugurado pela técnica: uma verdade a ser feita, a
set construida. A verdade antiga nfo devia ser “feita”, mas simplesmente
“descoberta” (verdade como manifestagao: alétheia). mesmo diga-
se da verdade medieval, que, diferentemente da antiga, nao esté mais
inscrita na ordem imutavel da natureza, mas na mente de Deus (Tomas
de Aquino) ou na sua vontade (Agostinho de Tagaste), & qual é preciso
adequar-se (verdade como correspondéncia: adaequatio).
P Quando, na idade moderna, Bacon, Descartes, Galilew vem nas
leis da natureza a expresso das idéias de Deus, nao hi outro modo de
se adequar a Deus, a ndo ser percortendo a via que leva & descoberta
dessa leis. Mas, e5sa via esta toda paca ser construida, por meio desses
instrumentos de que o homem dispe, que sio 0 niimero ea antecipacio
‘matemitica. De fato, impotente para gerar processos de vida, o homem é
capazde organizar movimentos mecanicos nos quais toda a natureza pode
resolver-se, desde que traduzida em nimeros ¢ antecipagao matemética-
4 emancipasio da ténica
[Os antigos gregos também dispunham de
femitica da natureza, a mathimata, de ao, significa, em pep, ag
coisas antcipadas”, mas esas antecpages,em seu conjunto, io cone,
twfam uma hipotéticaconstrusao gnoseoligica, mas uma sida esruture
smetafisica que, visualizada pela alma, quando esta habitava no mundo
hiperurdnico, permitia & alma, decaida no mundo, vere entender (dein)
todas as cosas. Por isso Plato diz que “investigate aprender sio, no
fundo, recordat”,' onde “cecordae” significa “coniliac® aguilo que se
vé com o modelo matemitico visto antes.
Tendo caido o Hiperurinio, é a mente humana que constréi os
modelos matematicos ou as antecipagdes hipotétcas com que se in-
terpreta a natureza, € nessa l6gica nasce e se desenvolve o pensamento
moderno. Seu intento é o de se colocar como projeto matemitico do
mundo, em cujo centro esté o homem (Fundagéo do humanisma), que
dispBe da natureza antecipadamente representada como objeto mate-
itico € fisico.
uma visualzasio ma-
Essa orientagdo é plenamente declarada pela corrente racionalista
4a filosofia moderna, que, a parti de Descartes, quer fxar a flosoia
como procedimento matemético, a ponto de projetar, com Spinoza,
uma Ethica ordine geometrico demonstrata,? mas é também clara no
empirismo, em que os autores acentuam, sim, o valor da experiéncia
sensivel, mas sob a condigao de poder sempre interpreté-1a com propo-
sigdes mateméticas. Nao por acaso a redugao da variedade qualitativa
da experigncia sensivel a uma diferenga exclusivamente quantitativa é
‘um principio unanimemente actito, tanto pelo racionalista Descartes
quanto pelo empirista Locke. O que importa, para ambos, nfo & como
ara os antigos, o desvelamento da natureza (alétheia),masasua-redu-
{ibilidade ao esquema matematico antecipado {mathema), considerado
© tinico instrumento idéneo para o dominio dela.
2 tnico instrumento idéaeo para o dominio de
1 Platio, Menon, 81d.
28, Spinoza Ethics ordine geometrco demonstrat (3665, ediado posumamerte em
1667), eit Eticadimostrata Secondo Vordine geomettco,Boinghieiy Turin, 1959
333price eechne
2, Do niimero sagrado ao miimero matemstico
[Na base da visio matemitica do mundo esti © mimero, pata cuja
formagao concorrem, embora com sinas diferentes nas vias culturas,
conccito de necessidade ede limite, O destino prego, andnke, a moira,
inerpretando as partes, delimitam segundo a necessidade. A causalidade
da citncia moderna, ordenando o futuro, cadencia, segundo a necessi-
dade, a sucessio das partes. O mimero, na sua hist6ria, expressou tanto
‘a incompreensibilidade do destino quanto a compreensio do mundo e
‘seu dominio.
Para o grego, omimero era semelhante i palavra e,como a palavra,
destinadoa compeeender, a marcar, a circunscrever, a delimitar as impres.
sées que se tm do mundo. Nos termos em que Pitdgoras o entendeu, 0
rimero, como sinal de uma completa limitagio, éesséncia de qualquer
realidade conhecida edelimitada, portanto algo que se oferece na delimi-
tagio da sua individualidade, fora daquela dinamica ndo-matematizével
constituida pelo devi origindtio (phyein) da natureza (physis)
Para elevar-e a essa compreensio, o timero nao deve se reduzir s6
‘ expressio quantitativa que de-termina e de-limita, mas deve assumic
também aquela expresso mistica pela qual o niimero é “idéia matem-
tica”, ou simbolo do que nio se deixa esquematizar nem quantificar.
Nesse sentido, a origem dos nimeros é idéntica & do mito, isto & da
palavra (mythos) que alude & ulterioridade indizivel. Como no mito a
palavra evoca a divindade, o nomen evoca o momen, assim na matemitica
antiga 0 nimero expressa os sinais visiveis de uma sacralidade que, em
sua esséncia, nos escapa. Mediante nomes e niimeros, o homem antigo
pensa o sagrado,
Com Platéo e Aristétees, junto com a significagio pitagérica do
‘nimero, é anunciada uma outra, mais mundana que sacra, mais subju-
‘sadora que evocadora. O temor respeitoso por aquilo que ulkrapassa a
Poténcia do homem cede lugar & idéia, que, vista como exemplar, serve
para ordenare subjugar o que antes era venerado ¢ temido. A invocasio
que supica € substituida pela visio tranqiila que olha as coisas a partit
de um ordenamento em que é legivel a delimitagao do espago (chéra)
ue hospedou o nascimento do mundo,
344
a emancipagio da tenia
A incerteza angustiant,o obsticulosagrado,o deseo obscuro de
aproximagio, mas também de distanciamento, que 0 mito primitive
€-a wragédia grega haviam expressado e significado no nimeto, so
substituides plo conhecimentosistematico segundo caus, portant
colocago de limites mediante conccitosenimeres. Aslinguagens name.
rica da matemitica e gramatical dos nimeros tém, no fundo, a mesma
estrutura. Mediante nomes e niimeros, 0 intelecto Platénico-aristotélico
dé adeus ao sagrado ¢ adquite esse olhar matemitico sobre a ‘natureza,
‘em que esto as premissas para 0 seu dominio,
3. Do néimero como grandeza ao niimero como funcio
Na expressio platénico-aristotélica, de fato, o nimeto ja € mate-
mético, isto é, antecipa uma ordem, um esquema do mundo, mas nio é
ainda o niimero no sentido em que concebe o pensamento moderno,
porque é ainda sensivel e aderente ao espaco visual que se oferece ao olhar
humano. O dpeiron de Anaximandro, por exemplo, nio é designado
por nenhum “niimero” em sentido platénico-arstotlic, porque no
tem nenhuma grandeza apreciavel, no se deixa ver (idein) em nenhum
limite, nem se submete a medida alguma. Como tal, é sem medida, éa
antiforma, matéria na acepgao grega de “nada” (mé hd), como 0 bloco
de pedra do qual o escultor ainda nao tirou a estitua,
‘Seguindo as linhas desse exemplo, pode-se compreender 0 que dis-
tingue a matemitica plat6nico-aristotélica da matemética propriamente
‘moderna. A primeira assume o niimero como uma grandeza, e niocomo
uma relago ou uma funco abstrata, Por isso, 0 aitmético se dea tra-
duzir no geométrico, ¢ © geométrico, na delimitagio do extenso, ¢ no
‘num sistema de relagdes. Euclides chama de “lados [pleyrai]” os fatores
de um produto, ¢ a linha, “extensio sem extensio [mékos aplatés]” ?
Para a matematica moderna, tais definigées soariam grosseiras, a0 passo
‘que, para a matematica grega, citcunscrita a0 espaco visualizdvel, eram,
a0 invés, definigdes excelentes.
2 Ch. Gli elementi di Euclide e la critica antics ¢ modems, Zaicheli,Bolosh,
1930-1935.
335riche evechne
que expressa uma grandeza fnita, 0 nimero
ula uniadesdelimitadas e coneretas que se
Tha sien; or iss, a antguidade conhece 86 rimerog
ofrecer 20 oc interos), afatando-se do zero edo miimero negari-
naturis (positives salto 2er0 como nimero & itrepresentive,
re co ma
Como limite fisico
‘como um:
Pc setratou de medir o lado do quadrado com a sua diago-
al ou de medir adres do circulo, aconteceu, na matemitica grega, a
primera oportunidad de separaroconcito de mimero do de grandezas
enimero irracional que dele surgia (V2, x) pareceu algo inquietante,
tomo se algvém esivesse na iminéncia de descobrir um p
tério, Pelo menos é 0 que transparece de um antigo relato, retomado
também por Giamblico e por Clemente de Alexandria, segundo os quais
«quem divulgouo segredo do ieracional pereceu num naufragio, “porque
© inexprimivel, 0 sem-rosto, deve permanecer sempre velado”.* Essa
tejcigio do nimero iracional, que para o antigo grego destruia a série
dos niimeros inteiros em que se representava a ordem césmica, em si
percta, foi superada por Plato, que a esse propésito escrever
Nés, gregos, sustentamos que nlo se devem fazer pesquisas sobre o sumo
deus e sobre 0 cosmo todo, ¢ que nem se deve meter 0 nariz em seus ne>
“Os rstemunhos, a propio, sio encontrives em Giamblico, segundo 0 qua
“Dizem gue Hipaso era um prtaginio,e que teria morido no mar como impio porter