0% acharam este documento útil (0 voto)
35 visualizações8 páginas

Ileo Paralítico (Outubro 2010)

Enviado por

Yara Almeida
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
35 visualizações8 páginas

Ileo Paralítico (Outubro 2010)

Enviado por

Yara Almeida
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 8

Rev Port Coloproct.

2010; 7(2): 60-67

Artigo de Revisão ÍLEO PARALÍTICO PÓS-OPERATÓRIO:


Review Article
FISIOPATOLOGIA, PREVENÇÃO E
TRATAMENTO

Resumo

A. GOULART1 O Íleo pós-operatório, uma alteração transitória da motilidade gastroin-


S. MARTINS 2 testinal, é uma causa frequente de atraso no retorno à motilidade intesti-
nal normal após a cirurgia abdominal.
Os doentes que desenvolvem íleo pós-operatório apresentam uma maior
utilização de recursos de cuidados de saúde, com atrasos na alta hospitalar,
aumento da morbilidade e dos custos mas, apesar da investigação realiza-
da com o intuito de reduzir este fenómeno multifactorial, não existe ainda
uma estratégia única que reduza o íleo pós-operatório.
Nas páginas que se seguem, os autores revêem a fisiopatologia, prevenção
e tratamento do íleo pós-operatório.
Rev Port Coloproct. 2010; 7(2): 60-67

Abstract

Postoperative ileus, a transient impairment of gastrointestinal motility, is a fre-


quent cause of delay in return to normal bowel function after abdominal sur-
gery.
Patients who develop postoperative ileus have greater health care resource uti-
lization, with delays in hospital discharge, increased adverse outcomes and
costs. Despite significant research investigating how to reduce this multifacto-
(1) Interno de Formação Específica de rial phenomenon, a single strategy has not been shown to reduce postopera-
Cirurgia Geral do Hospital de Braga
(2) Assistente Hospitalar de Cirurgia
tive ileus.
Geral do Hospital de Braga In the pages that follow, we review the pathophysiology, prevention, and trea-
Unidade de Coloproctologia, tment of postoperative ileus.
Serviço de Cirurgia, Hospital de Braga Rev Port Coloproct. 2010; 7(2): 60-67
(Director: Dr. Mesquita Rodrigues)

Introdução
O início da investigação dos processos fisiológicos inerentes à motilidade
do tubo digestivo remonta aos finais do século XIX. Contudo, só em 1906
Cannon e Murphy esboçaram a primeira definição de íleo paralítico e em
1917 Paul Trendelenburg descobriu o sistema nervoso entérico (SNE) (1).
Inicialmente, pensava-se que o SNE fazia parte do sistema nervoso
autónomo periférico e que os neurónios da parede intestinal eram
neurónios parassimpáticos pós-ganglionares. Hoje em dia sabe-se que o
Correspondência SNE funciona independentemente dos sistemas nervosos central e pe-
André Goulart riférico, fazendo a ligação entre estes e o intestino, sendo constituído pelos
Rua da Universidade, nº 48 Hab305 plexos mioentérico (Auerbach) e submucoso (Meissner) que se encontram
4710-057 Braga interligados por numerosas fibras nervosas. Este sistema controla a motilidade
Tlm.: (00351)915300875
intestinal, a secreção exócrina e endócrina e a microcirculação do tubo digestivo, con-
e-mail: [email protected]
tribuindo ainda para a regulação imune e de processos inflamatórios (2).

60
Rev Port Coloproct. 2010; 7(2): 60-67

Actualmente, reconhece-se que a motilidade intestinal


demora várias horas a retomar a sua actividade normal
após uma cirurgia abdominal. Enquanto o intestino del-
gado demora apenas algumas horas, o estômago e o
cólon demoram a normalizar 24 a 48 horas e 48 a 72
horas respectivamente(3). Esta resposta fisiológica à
agressão cirúrgica só tem importância clínica se se pro-
longar para além de 3 a 5 dias e quando associada a dor
abdominal difusa, náuseas, vómitos ou intolerância ali-
mentar, distensão abdominal e ausência de trânsito
para gases (4). Perante este quadro clínico torna-se impe-
rativo diferenciar entre íleo pós-operatório e oclusão
intestinal, pois a abordagem terapêutica é radicalmente
diferente.
O íleo pós-operatório consiste numa disfunção tran-
sitória da motilidade intestinal. Pode ocorrer após vários Figura 1 - Fases do desenvolvimento do íleo paralítico.
procedimentos cirúrgicos, mas mais frequentemente Fonte: Boeckxstaens e Jonge (2009)
após uma cirurgia abdominal. Um atraso da motilidade sencadeiam um estímulo nociceptivo que, pela acti-
intestinal de 1-2 dias faz parte do processo normal de vação do sistema simpático, leva à libertação de nora-
recuperação cirúrgica. No entanto, a prorrogação desse drenalina e subsequente à inibição da motilidade intes-
período tem sido associada com o desenvolvimento de tinal. Com o decorrer da cirurgia, a manipulação do
um conjunto substancial de morbimortalidade hospitalar(5). intestino vai activar mais nociceptores e mecanorrece-
ptores que acentuam essa inibição adrenérgica intesti-
nal (7). Associado a esta via adrenérgica, alguns autores
Fisiopatologia defendem a existência de outra via inibitória não-
adrenérgica mediada pelo nervo vago que acentua o
A fisiopatologia do íleo pós-operatório não está ainda desenvolvimento do íleo pós-operatório (7).
totalmente compreendida. A disfunção do sistema ner- Recentemente, foi publicado um estudo laboratorial
voso autónomo parece ser primordial no desenrolar da desenvolvido para avaliar a importância do nervo vago
dismotilidade intestinal pós-operatória. O sistema ner- na modulação intestinal nas primeiras horas após a
voso simpático, que geralmente é inibitório para o tra- cirurgia. Os autores desse trabalho concluíram que a
cto gastrointestinal, torna-se hiperactivo no período inervação vagal é irrelevante para o desenvolvimento
pós-operatório. Em contrapartida, o efeito estimulante da dismotilidade intestinal e que a sensibilidade aos
do sistema nervoso parassimpático, que promove a li- estímulos provenientes dos nociceptores e mecanore-
beração da acetilcolina no plexo mioentérico, está ceptores não é mediada pelo nervo vago, sendo da
inibido (6). Sabe-se ainda que certas hormonas e neuro- responsabilidade dos nervos espinhais (8).
transmissores como o óxido nítrico, o péptido intestinal Com o terminar da cirurgia, seria de esperar que a
vasoactivo e a substância P contribuem para o íleo pós- ausência de estímulos nociceptivos levasse o intestino a
operatório, mas o seu papel na patofisiologia deste dis- recuperar a sua motilidade normal. Contudo, a adinamia
túrbio da motilidade intestinal ainda não está esclareci- intestinal perpetua-se devido à existência de uma fase
do (6). inflamatória.
Actualmente dispomos de uma maior compreensão de Na serosa e no mesentério, especialmente junto aos
alguns mecanismos que contribuem para a alteração da vasos que penetram na parede intestinal, encontram-se
motilidade gastrointestinal após a cirurgia, que incluem mastócitos, que são activados durante a manipulação
mecanismos neuroimunes, factores farmacológicos e intestinal e libertam histamina e proteases na cavidade
alterações electrolíticas (6). abdominal. Estes mediadores vão provocar um aumen-
to transitório da permeabilidade da mucosa intestinal
permitindo que bactérias e produtos bacterianos pene-
trem na parede intestinal, sendo posteriormente fago-
Mecanismo Neuroimune citados por macrófagos residentes na parede. Estes
macrófagos também são activados por damage-associ-
O desenvolvimento do íleo paralítico após a cirurgia ated molecular patterns (DAMPs) que são libertados pela
abdominal ocorre em duas fases: inicialmente uma fase lesão desencadeada pela manipulação intestinal e liber-
neurogénica e posteriormente uma fase inflamatória (7). tam citocinas e quimiocinas pro-inflamatórias que vão
(Figura 1). aumentar o fluxo de leucócitos para o intestino (7).
A incisão da pele e a abertura da parede abdominal de- Os macrófagos residentes e os leucócitos recrutados

61
Rev Port Coloproct. 2010; 7(2): 60-67

produzem grandes quantidades de óxido nítrico (NO) e Prevenção e Tratamento


prostaglandinas (PGs) que impedem a contracção das
fibras musculares lisas da parede intestinal (7). Contudo, a Diversas atitudes médicas e cirúrgicas têm sido ava-
paralisia da actividade mecânica ocorre por todo o liadas com o objectivo de reduzir o íleo paralítico que
intestino e não apenas nas zonas manipuladas pelo complica muitas cirurgias abdominais. A evidência
cirurgião. As PGs produzidas pelo infiltrado inflamatório mostra que algumas medidas são deletérias e devem
potenciam a activação de vias adrenérgicas inibitórias ser evitadas enquanto outras são benéficas. A melhor
levando à diminuição da motilidade intestinal em áreas atitude será combinar diversas dessas medidas no peri-
distantes. Esta hipomotilidade generalizada deve-se operatório (5) (Figura 2).
também às quimiocinas e produtos bacterianos circu-
lantes que, através da circulação sanguínea, activam
macrófagos residentes em áreas não manipuladas (7).
Medidas Benéficas
Factores Farmacológicos
Analgesia Epidural
É universalmente reconhecido que os opióides exacer-
bam o íleo pós-operatório. Quando administrado em Como descrito anteriormente, as vias neuronais simpáti-
doses adequadas para analgesia o sulfato de morfina cas desempenham um papel fundamental no desen-
aumenta a amplitude das contracções intestinais, mas volvimento do íleo pós-operatório e podem ser inibidas
atenua a propulsão cólica. O resultado final é a por anestésicos locais ou opióides administrados
diminuição da motilidade gastrointestinal (6). através de cateter epidural.
Estes fármacos exercem a sua acção actuando em três Os anestésicos locais inibem a despolarização da mem-
tipos de receptores existentes no sistema nervoso brana ao interferirem nos canais de sódio de todas as
central e SNE: μ, δ e κ. O receptor μ possui dois subtipos fibras neuronais de uma forma dose-dependente não-
μ1 e μ2. O primeiro subtipo predomina no SNC e é selectiva, ou seja começam por inibir as fibras C (fibras
responsável pela analgesia, enquanto o segundo existe nociceptivas e autónomas – o objectivo do bloqueio),
na medula espinhal e tubo digestivo e é responsável progredindo para as fibras motoras e sensoriais.
pela depressão respiratória e disfunção intestinal. Os opióides actuam em receptores específicos, pelo que
Através do subtipo μ2 os opióides induzem os seus os seus efeitos laterais são mínimos. O uso concomi-
efeitos no sistema gastrointestinal: inibição da activi- tante de opióides com anestésicos locais potencia o
dade nervosa entérica, inibição da actividade motora efeito da simpatectomia química, reduzindo os efeitos
propulsiva, inibição da actividade secretora e alteração laterais dose-dependentes dos anestésicos locais
da função imune das células. Actualmente uma das (hipotensão e défices motores e sensoriais). Para serem
áreas de investigação da indústria farmacêutica tem eficazes, os analgésicos têm de ser administrados a nível
sido em descobrir fármacos selectivos do receptor μ2 médio-torácico a fim de bloquearem todas as fibras
para contrariar o efeito inibitório da função intestinal aferentes intestinais.
sem alterar o efeito analgésico dos opióides (1, 9). Estudos recentes mostram que a analgesia epidural está
Os fármacos utilizados na anestesia são também referi- associada a um melhor controlo da dor pós-operatória,
dos com responsáveis pelo desenvolvimento de íleo diminuição do íleo pós-operatório e recuperação mais
pós-operatório. Contudo, os novos anestésicos intra- rápida, contudo não reduz o tempo de internamento (1, 4-5, 10).
venosos (propofol) e inalatórios (sevoflurano e desflura-
no) e opióides (remifentanil) raramente causam dis- Preparação Intestinal Mecânica
função intestinal prolongada (1). Pré-Operatória

Apesar de ter sido usada na cirurgia abdominal durante


Outros Factores muitos séculos, estudos recentes mostram que a
preparação mecânica intestinal aumenta o risco de deis-
Deficiências de magnésio e potássio estão comum- cência de anastomoses e de infecção da ferida cirúrgica
mente associadas a trocas entre os compartimentos de e não diminui o risco de complicações sépticas. A
fluidos fisiológicos e podem prolongar o íleo pós-ope- preparação intestinal também está associada a um
ratório (6). aumento da duração do íleo paralítico pós-operatório e
O tempo operatório, a perda hemorrágica peri-ope- do tempo de internamento (5). Uma meta-análise recente
ratória e a dose total de opióides administrada no pós- que incluiu mais de 5000 doentes veio corroborar a
operatório são factores de risco independentes para o noção de que a preparação mecânica do cólon não
desenvolvimento de íleo paralítico pós-operatório (5-6). diminui o risco de infecção da cirurgia cólica podendo

62
Rev Port Coloproct. 2010; 7(2): 60-67

Considerar hidratos de carbono


Evitar jejum prolongado
Considerar suplementos
probióticos
Medidas Evitar preparação intestinal
pré-operatórias
Considerar inibidores COX-2
Controlo da dor
Considerar anestesia epidural
com anestésicos locais
Cirurgia minimamente
invasiva
Medidas
intra-operatórias
Restrição de fluidos IV
adequada

Evitar SNG e drenos

Uso limitado de opióides


Controlo da dor
Considerar antagonistas dos
opióides
Medidas Deambulação precoce
pós-operatórias

Alimentação oral precoce

Considerar procinéticos

Figura 2 - Medidas usadas na prevenção e tratamento do íleo pós-operatório.


Fonte: Story e Chamberlain (2009) .

mesmo prejudicar as anastomoses intestinais (11). O papel analgesia intensa (opióides) desempenha também um
da preparação intestinal na cirurgia rectal ainda está por papel importante na diminuição do íleo pós-operatório
definir (11). que é difícil de dissociar do benefício da laparoscopia
per si. Assim, o benefício da laparoscopia no pós-ope-
ratório parece ser multifactorial (1, 5).
Medidas Provavelmente Benéficas
Administração Pré-Operatória de Antagonistas
Cirurgia Minimamente Invasiva Opióides

Este tipo de técnica cirúrgica produz menos lesão Os opióides são fármacos muitas vezes usados no con-
tecidular que a cirurgia laparotómica e, consequente- trolo analgésico pós-operatório, contudo os seus efeitos
mente, menor resposta imune (12). Com base no que foi laterais, nomeadamente a potenciação do íleo pós-
descrito anteriormente, esta menor resposta imune operatório, limitam o seu uso na cirurgia abdominal (5, 12).
poderá ter efeitos benéficos na motilidade gastrointesti- Para contrariar este efeito, surgiram os antagonistas dos
nal, porém os estudos existentes não são concordantes receptores opióides. Os primeiros fármacos a ser usados
em demonstrar diminuição do íleo pós-operatório com foram o naloxeno, nalmefeno e naltrexona. Estes anta-
esta abordagem cirúrgica. Para além da diminuição da gonistas atravessavam a barreira hemato-encefálica e a
resposta imune, a laparoscopia apresenta também dose necessária para impedir o desenvolvimento da
diminuição da dor pós-operatória com menor necessi- dismotilidade intestinal revertia a analgesia ou desen-
dade de analgesia intensa, melhoria da função pul- cadeava síndrome de abstinência dos opióides. Para
monar e alta mais precoce. Esta menor necessidade de ultrapassar este problema, estão a ser desenvolvidos

63
Rev Port Coloproct. 2010; 7(2): 60-67

antagonistas periféricos que não atravessam a barreira Administração Pré-Operatória de Inibidores COX-2
hemato-encefálica e, por conseguinte, não bloqueiam a
analgesia ou desenvolvem síndrome de abstinência. Como descrito anteriormente, a COX-2 desempenha um
Foram criados dois fármacos novos com esse objectivo: papel fundamental no desenvolvimento do íleo pós-
alvimopan e metilnaltrexona. O alvimopan é um anta- operatório, pelo que a sua inibição através de anti-infla-
gonista dos receptores μ com uma sensibilidade de matórios não esteróides (AINE’s) ou inibidores da COX-2
200 x para os receptores periféricos, assim é usado para tem sido largamente estudada.
tratar a disfunção induzida pelos opióides sem influen- Os AINE’s administrados no pós-operatório para contro-
ciar os efeitos centrais (percepção da dor ou abstinên- lo analgésico permitem reduzir a necessidade de
cia). Estudos mostram que este fármaco diminui o opiáceos até 30% e diminuir a incidência e duração do
tempo de recuperação gastrointestinal e o tempo de íleo pós-operatório, contudo o seu uso associa-se a risco
internamento. Os efeitos deste fármaco são dose- aumentado de hemorragia na incisão cirúrgica (1, 5). Para
dependentes, sendo a dose ideal 12mg 2id até a um contrariar este efeito lateral, têm-se estudado o uso de
máximo de 15 tomas (7 dias). O fármaco só pode ser inibidores selectivos da COX-2. Com esse propósito, Sim
usado por via oral e a primeira dose deve ser admi- e colaboradores (2007) (15) desenvolveram um estudo
nistrada antes da cirurgia a fim de ocupar os receptores prospectivo randomizado no qual associaram valdeco-
μ antes do uso dos opióides. A metilnaltrexona é um xib vs placebo ao esquema analgésico de doentes sub-
antagonista periférico puro, pode ser administrado por metidos a cirurgia colorectal. Os autores concluíram que
via intravenosa e tem efeitos idênticos ao alvimopan (1, 5, 9). o valdecoxib reduz o tempo do íleo pós-operatório de-
vido a três motivos: diminuição do uso de opióides,
Administração Limitada de Fluidos Intravenosos deambulação precoce por melhor controlo da dor e
diminuição da resposta inflamatória por inibir a COX-2.
Apesar de não ser consensual, a evidência sugere que a Tal como este trabalho, outros estudos que evidencia-
hidratação excessiva peri-operatória pode levar a alte- ram o benefício no uso de inibidores COX-2 não foram
rações da função cardíaca e pulmonar e ao desenvolvi- capazes de demonstrar que a redução do íleo pós-ope-
mento de edema intestinal que piora o íleo pós-ope- ratório é independente da redução da utilização de
ratório. A dose ideal ainda não está definida, sendo opiáceos. Assim, parece que o principal benefício tem
necessários mais estudos com esse objectivo (1, 5). sido a redução da dose de narcóticos necessários para o
controle adequado da dor (10).
Administração Pré-Operatória de Hidratos de
Carbono

No período pré-operatório, o jejum era mandatório a


partir da meia-noite do dia da cirurgia para evitar com- Medidas Modestamente Benéficas
plicações durante a cirurgia (5). Contudo, a evidência
mostra que é seguro administrar líquidos por via oral Alimentação Entérica Precoce
até duas horas antes de uma cirurgia electiva, podendo
mesmo ser benéfico (13). Um estudo randomizado Há mais de duas décadas que se estuda os benefícios da
recente dividiu os doentes que iam ser submetidos a alimentação entérica precoce após a cirurgia abdomi-
cirurgia colorectal em 3 grupos (Grupo 1: jejum após a nal. A definição temporal de alimentação entérica pre-
meia-noite anterior; Grupo 2: administração intravenosa coce não está bem delimitada, alguns estudos referem
de glicose; Grupo 3: solução liquida por via oral à base menos de 24 horas após a cirurgia e outros vão até 48
de hidratos de carbono e electrólitos). Os autores con- horas, porém todos os artigos que estudaram essa
cluíram que os doentes que tinham ingerido a solução medida concordam que a alimentação deve ser iniciada
líquida antes da cirurgia apresentavam melhor satis- antes da presença de ruídos hidro-aéreos ou do doente
fação psicossomática (diminuição de queixas rela- referir trânsito para gases e/ou fezes. Esses estudos
cionadas com sede, fome, ansiedade e dor), menor mostram uma diminuição do tempo de internamento,
resistência à insulina, melhor função cardíaca sistólica e melhoria das anastomoses entéricas, da ferida cirúrgica
diastólica e menor volume gástrico residual, sem e ausência de aumento da incidência de complicações,
aumentar o risco cirúrgico (14). Outros estudos mostram mas falharam em mostrar uma diminuição do íleo pós-
ainda que a administração de líquidos ricos em hidratos operatório, provavelmente por outros factores que o
de carbono algumas horas antes da cirurgia diminui o influenciam (opióides e tipo de anestesia) não terem
tempo de recuperação do intestino no pós-operatório (5). sido bem controlados (1, 5, 16).

64
Rev Port Coloproct. 2010; 7(2): 60-67

Medidas Possivelmente Benéficas nais realizadas e reduzia a taxa de complicações pul-


monares e da ferida cirúrgica. Contudo, meta-análises
recentes mostram que o uso por rotina de SNG para
Fármacos Procinéticos além de ser ineficaz pode mesmo aumentar a taxa de
complicações pulmonares. Assim, as recomendações
Apesar de estudos em animais mostrarem que os são para abandonar o seu uso por rotina, sendo acon-
procinéticos melhoram o íleo pós-operatório, os fárma- selhada em situações de vómitos intratáveis para pre-
cos que actualmente temos disponíveis para uso médi- venir a aspiração e situações de distensão abdominal
co apesar de alterem a motilidade do tubo digestivo persistente (1, 5-6, 12).
alto, não possuem efeitos sobre o íleo pós-operatório. A
eritromicina e a metoclopramida não mostraram efeitos Deambulação
benéficos. Contudo, a neostigmina, o cisapride, o cerule-
tide e os laxantes mostraram algum efeito, pelo que são A deambulação precoce diminui a incidência de trom-
necessários mais estudos para determinar o seu papel boembolismo venoso nos membros inferiores e de
no tratamento do íleo pós-operatório (1, 5,12). Um estudo complicações pulmonares como a pneumonia e a
recente mostrou que a lidocaína administrada por via atelectasia. Houve ainda quem defendesse que a deam-
intravenosa apresenta efeitos promissores na dimi- bulação precoce pudesse interferir na duração do íleo
nuição do tempo de recuperação intestinal pós cirurgia (17). pós-operatório, contudo, a evidência científica não
suporta essa hipótese. Assim, as recomendações são
Pastilha Elástica para incentivar a deambulação precoce, mas para pre-
venção de outras complicações que não o íleo pós-ope-
O uso de pastilha elástica estimula a motilidade intes- ratório (1, 5-6).
tinal e as secreções gástrica, pancreática e duodenal
através da estimulação cefalo-vagal e libertação de neu- “Multimodal Fast-Track Approaches”
ropéptidos (gastrina e neurotensina) (18-19).
Teoricamente, o uso de pastilha elástica estimula o trato Nenhuma medida isolada demonstrou ser eficaz em
gastrointestinal de igual modo que a alimentação oral, prevenir ou tratar o ílio pós-operatório, pelo que se tem
mas com menor risco de vómito e aspiração(12). Estudos desenvolvido vários algoritmos de tratamento (multi-
recentes de revisão e meta-análise mostraram que a modal fast-track approaches) que combinam os efeitos
passagem dos primeiros gases e a percepção dos movi- benéficos de várias medidas peri-operatórias descritas
mentos intestinais foram antecipados e o tempo de anteriormente (5).
internamento tende a ser reduzido nos doentes que A maioria das abordagens multimodais incluem a uti-
usaram pastilha elástica. Os autores salientam a necessi- lização de técnicas de cirurgia minimamente invasiva,
dade de mais estudos para demonstrar o efeito do uso anestesia e analgesia regional ou epidural, controlo da
da pastilha elástica na recuperação do íleo pós-ope- dor e reabilitação pós-operatória intensiva com deam-
ratório(18-20). bulação e alimentação oral precoces (1). Estas medidas
pretendem acelerar a recuperação pós-operatória e
Administração Pré-Operatória de Probióticos diminuir o tempo de internamento e não apenas
diminuir o íleo pós-operatório, pelo que incluem medi-
A vantagem da administração pré-operatória de pro- das que isoladamente não influenciam a adinamia intes-
bióticos tem sido largamente investigada. Os últimos tinal (por exemplo a deambulação precoce e nutrição
estudos mostram que o uso de preparações de lacto- oral) (1).
bacilos específicos pré e pós-operatoriamente podem Kehlet e Wilmore (2008) (21) fizeram uma revisão bibliográ-
ajudar a manter a motilidade gastrointestinal e a fica do progresso existente na actuação cirúrgica peri-
diminuir o íleo pós-operatório. Todavia, são necessários operatória e mostraram que a combinação de várias
mais estudos para demonstrar o seu benefício(5). medidas em abordagens cirúrgicas multimodais pode
melhorar a recuperação pós-operatória. Segundo essa
revisão, a evidência científica mostra que este tipo de
Medidas sem Efeito Demonstrado abordagens diminui significativamente a disfunção
orgânica pós-operatória e por conseguinte o tempo de
Descompressão Nasogástrica internamento (Quadro I), diminui o risco de compli-
cações médicas e a quantidade de cuidados de enfer-
Antigamente, inseria-se uma sonda nasogástrica (SNG) a magem por paciente. Em relação aos custos, os dados
todos os doentes submetidos a cirurgia abdominal, pois existentes actualmente mostram que este tipo de abor-
acreditava-se que este procedimento diminuía o tempo dagens poderá diminui-los, mas ainda não existe uma
de íleo pós-operatório, protegia as anastomoses intesti- evidência inequívoca que suporte essa afirmação.

65
Rev Port Coloproct. 2010; 7(1): 60-67

Quadro I - Resultados de programas cirúrgicos fast-track seleccionados.

Procedimento Tempo de internamento

Cura cirúrgica hérnia inguinal 1.5-6h


Colecistectomia >80% com alta no mesmo dia
Cirurgia bariática ~80% com alta em menos de 23h
Ressecção cólon 2-4 dias
Procedimentos colorectais complexos 3-5 dias
Ressecção pâncreas 7 dias
Cirurgia de refluxo 7-8 dias
Fonte: Kehlet e Wilmore (2008)

Este tipo de abordagem implica o empenho dos vários nal por rotina. Outras medidas em estudo mostram
profissionais de saúde, nomeadamente cirurgiões, algum efeito na diminuição do íleo pós-operatório,
anestesistas, enfermeiras e técnicos (21). nomeadamente a administração oral até 2 horas antes
Apesar da eficácia aparente destas abordagens fast- da cirurgia de soluções ricas em hidratos de carbono, o
track e da evidência deletéria de algumas práticas tradi- uso de inibidores da COX-2, a restrição de fluidos intra-
cionais, os cirurgiões mostram-se reticentes em adoptar venosos peri-operatoriamente, a administração de fár-
essas abordagens na prática clínica(5). Kehlet e colabo- macos procinéticos e de probióticos e o uso de pastilha
radores (2006)(23) desenharam um inquérito para avaliar elástica no pós-operatório. Recentemente a indústria
a prática clínica na cirurgia do cólon em 295 hospitais farmacêutica desenvolveu dois antagonistas dos rece-
na Europa e EUA. Segundo este estudo, a preparação ptores opióides (alvimopan e metilnaltrexona) que con-
intestinal foi realizada em mais de 85% dos doentes; 40- trariam os efeitos laterais gastrointestinais dos opióides
66% mantinham SNG no pós-operatório, sendo removi- sem alterar o efeito analgésico e sem causar síndrome
da, em média, ao 3º dia; foram necessários 3-4 dias e 4-5 de abstinência.
dias para que metade dos doentes tolerasse dieta líqui- A combinação dos efeitos benéficos dessas medidas
da ou sólida, respectivamente; e 4-5 dias para que 50% levou ao desenvolvimento de protocolos multimodais
dos doentes referissem sentir movimentos intestinais. O que apresentam resultados muito promissores na
íleo pós-operatório persistiu mais que 5 dias em 45% diminuição do íleo pós-operatório e tempo de interna-
dos doentes e o tempo de internamento rondou os 7 mento (Quadro I).
dias nos EUA e os 10 dias na Europa, o que é bastante
superior aos 2-5 dias que os protocolos multimodais
preconizam (Quadro I).

Bibliografia
Conclusão
1. Person B, Wexner SD. The management of postope-
O íleo pós-operatório resulta de uma interacção de fa- rative ileus. Curr Probl Surg. 2006;43:6-65.
ctores neuronais, imunes, farmacológicos e electrolíti- 2. Goyal RK, Hirano I. The enteric nervous system. N
cos que podem ser modificados ou mesmo evitados. Engl J Med. 1996;334:1106-15.
Um estudo de coorte retrospectivo norte-americano 3. Sabiston DC, Townsend CM. Sabiston textbook of
que envolveu mais de 17.000 doentes identificou 17,4% surgery: the biological basis of modern surgical
de internamentos complicados por íleo pós-operatório. practice. 18th ed. Philadelphia: Saunders/Elsevier;
Esta complicação aumentou em 29% o tempo de inter- 2008.
namento e em 15% os custos de hospitalização (22). 4. Litkouhi B. Postoperative ileus. In: UpToDate. 17.3;
Diversas medidas têm sido estudadas com o intuito de 2008.
prevenir/tratar esta complicação. As medidas mais efi- 5. Story SK, Chamberlain RS. A comprehensive review
cazes dizem respeito ao controlo rigoroso da dor pós- of evidence-based strategies to prevent and treat
operatória com o recurso mínimo a opióides, o recurso postoperative ileus. Dig Surg. 2009;26:265-75.
a abordagens cirúrgicas minimamente invasivas e o 6. Carroll J, Alavi K. Pathogenesis and management of
abandono de medidas deletérias como sejam o uso de postoperative ileus. Clin Colon Rectal Surg.
sondas nasogástricas e a preparação mecânica intesti- 2009;22:47-50.

66
Rev Port Coloproct. 2010; 7(1): 60-67

7. Boeckxstaens GE, de Jonge WJ. Neuroimmune me- Garcia Romero J, Roig Vila JV. [Evidence of early oral
chanisms in postoperative ileus. Gut 2009;58:1300-11. feeding in colorectal surgery]. Rev Esp Enferm Dig.
8. Gao Z, Muller MH, Karpitschka M, et al. Role of the 2007;99:709-13.
vagus nerve on the development of postoperative 17. Harvey KP, Adair JD, Isho M, Robinson R. Can intra-
ileus. Langenbecks Arch Surg. 2010;395:407-11. venous lidocaine decrease postsurgical ileus and
9. Becker G, Blum HE. Novel opioid antagonists for opi- shorten hospital stay in elective bowel surgery? A
oid-induced bowel dysfunction and postoperative pilot study and literature review. Am J Surg.
ileus. Lancet. 2009;373:1198-206. 2009;198:231-6.
10. Lubawski J, Saclarides T. Postoperative ileus: strate- 18. Noble EJ, Harris R, Hosie KB, Thomas S, Lewis SJ. Gum
gies for reduction. Ther Clin Risk Manag. 2008;4:913-7. chewing reduces postoperative ileus? A systematic
11. Slim K, Vicaut E, Launay-Savary MV, Contant C, review and meta-analysis. Int J Surg. 2009;7:100-5.
Chipponi J. Updated systematic review and meta- 19. Vasquez W, Hernandez AV, Garcia-Sabrido JL. Is gum
analysis of randomized clinical trials on the role of chewing useful for ileus after elective colorectal sur-
mechanical bowel preparation before colorectal gery? A systematic review and meta-analysis of ran-
surgery. Ann Surg. 2009;249:203-9. domized clinical trials. J Gastrointest Surg. 2009; 13:
12. Johnson MD, Walsh RM. Current therapies to shorten 649-56.
postoperative ileus. Cleve Clin J Med. 2009;76:641-8. 20. Purkayastha S, Tilney HS, Darzi AW, Tekkis PP. Meta-
13. Ljungqvist O. Preoperative carbohydrate loading in analysis of randomized studies evaluating chewing
contrast to fasting. Wien Klin Wochenschr. gum to enhance postoperative recovery following
2010;122:6-7. colectomy. Arch Surg. 2008;143:788-93.
14. Kaska M, Grosmanova T, Havel E, et al. The impact and 21. Kehlet H, Wilmore DW. Evidence-based surgical care
safety of preoperative oral or intravenous carbohy- and the evolution of fast-track surgery. Ann Surg.
drate administration versus fasting in colorectal sur- 2008;248:189-98.
gery a randomized controlled trial. Wien Klin 22. Iyer S, Saunders WB, Stemkowski S. Economic burden
Wochenschr. 2010;122:23-30. of postoperative ileus associated with colectomy in
15. Sim R, Cheong DM, Wong KS, Lee BM, Liew QY. the United States. J Manag Care Pharm. 2009;15:485-
Prospective randomized, double-blind, placebo- 94.
controlled study of pre-and postoperative adminis- 23. Kehlet H, Buchler MW, Beart RW, Jr., Billingham RP,
tration of a COX-2-specific inhibitor as opioid-spa- Williamson R. Care after colonic operation is it evi-
ring analgesia in major colorectal surgery. Colorectal dence-based? Results from a multinational survey in
Dis. 2007;9:52-60. Europe and the United States. J Am Coll Surg.
16. Villalba Ferrer F, Bruna Esteban M, Garcia Coret MJ, 2006;202:45-54.

67

Você também pode gostar