Silva FernandoCesarDa TCC
Silva FernandoCesarDa TCC
UNICAMP
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
Campinas
2008
1
TCC/UNICAMP
Institutt ^--'ociencias
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1290003800/IG
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Orientador:
Campinas
2008
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Campinas
2008
3
3
Agradecimentos
Agradeço a instituição Unicamp e a todos os elos não mencionados abaixo, mas que a
como tal. Minha gratidão aos funcionários da Gi*aduação e da Biblioteca do IG, aos professores,
Agradeço a minha família e a todos os lugai*es que me acolheram no decorrer desses anos.
Obrigado.
4
Sumário
,6
Introdução
7
Capítulo 01
Principais Idéias e Conceitos da Obra de José Ortega Y GASSET (1987) em “A Rebelião das
Massas
●5^
7
25
Capítulo 02
5
Introdução
Esse trabalho está dividido em três capítulos: primeiro, uma interpretação da obra de José
Ortega Y GASSET (1987) em “A Rebelião das Massas”; segundo, uma interpretação da obra de
Jean BAUDRILLARD (1985) em “À Sombra das Maiorias Silenciosas - O Fim do Social e o
Surgimento das Massas” e um último (Considerações Finais) que consiste em estabelecer um
eixo comparativo e dialógico (não exatamente sincrônico) entre as duas obras mencionadas
anteriormente. Tal eixo resulta entre similaridades e divergências de acordo com o objetivo
6
Tese Central - seria o assunto de que trata a obra e uma definição do objeto;
Processo Histórico - os fatos históricos (culturais, políticos, econômicos) que resultaram na
tese central e a justificam;
Argumentação Empírica — exemplos citados pelo autor que corroborem o elemento central
de sua argumentação;
7
Capítulo 01.
Esta preocupação surge por uma diferença básica e fundamental entre o homem moderno
e 0 antigo. Este procura no passado um modelo para a situação presente, o outro, tende sempre
para o futuro e sente-o sempre como a dimensão mais substancial. Além disso, o autor destaca e
problematiza o tempo moderno como:
“E eu concluía destacando o fato muito evidente de que nosso tempo se caracteriza por
uma estranha pretensão de ser mais que qualquer outro tempo passado; mais amda: por se
desligar de todo o passado, não reconhecer épocas clássicas e normativas, e ver-se a si mesmo
como uma vida nova superior a todas as antigas e irredutível a elas.” (Rebelião das Massas, p.64)
' GASSET, José Ortega Y. A Rebelião das Massas. São Paiüo: Livraria Martins Fontes Editora LTDA, 1997. Página
127/128. Nas citações que se seguem será dado apenas o número da página.
8
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E ainda, resumidamente, para o autor a vida compõe-se de dois elementos fundamentais:
as possibilidades ou circunstancias (mundo de fato) e as decisões ou o que podemos ser (vida
A meta não é meu caminhar.
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9
“Diz-se, por exemplo, que isso ou aquilo não é próprio da altura dos tempos. De fato: não
0 tempo abstrato da cronologia, que é todo plano, mas o tempo vital, o que cada geração chama
de ‘nosso tempo’, tem sempre certa altura, eleva-se hoje sobre ontem, ou se mantém igual, ou cai
abaixo”. (Rebehão das Massas, p.51)
No entanto, como se avaliam ou se diferenciam os diferentes tempos? A resposta não é
clara, mas parece estar na idéia de decadência:
uma vida que não prefere nenhuma
“Para mim não há dúvida quanto ao sintoma decisivo:
outra de antes, de nenhum antes, portanto, que prefere a si mesma, não pode ser chamada de
decadente em nenhum sentido sério.” (Rebelião das Massas, p.57);
“... entendo como tal o que Leibniz já chamava de ‘revolução geral , a vontade de
transformar de uma só vez tudo e em todos os gêneros*^” (Rebelião das Massas, p.26)
Quanto à revolução russa:
“... dentre as muitas frases já feitas pela velha experiência humana sobre as revoluções.
nenhuma que não seja uma deplorável confirmação quando aplicada a ela. ‘A revolução devora
seus próprios filhos! A revolução começa por um partido moderado, em seguida passa para os
9 6
extremistas e logo começa a retroceder para uma restauração’ etc., etc.” (Rebehão das Massas, p.
107);
● Reforma -
“Pois bem: o melhor que humanamente pode ser dito de alguma coisa é que precisa ser
reformada, porque isso indica que ela é imprescindível e que é capaz de uma nova
vida.” (Rebelião das Massas, p. 157);
● Multidão -
10
B
“A rigor, a massa pode definir-se como um fato psicológico, sem necessidade de esperar o
aparecimento dos indivíduos em aglomeração. Diante de uma só pessoa, podemos saber se é
massa ou não. Massa é todo aquele que não atribui a si um valor - bom ou mau - por razões
especiais, mas que se sente ‘como todo mundo’ e, certamente, não se angustia com isso, sente-se
bem por ser idêntico aos demais.” (Rebelião das Massas, p.38);
“Por ‘massa’ - adverti no início - não se entende especialmente o operário; não se designa
aqui uma classe social, mas uma classe ou modo de ser homem que acontece hoje em todas as
classes sociais, que por isso representa o nosso tempo, no qual predomina e impera” (Rebehão
das Massas, p.l22);
● Minorias -
“Nobreza, para mim, é sinônimo de vida dedicada, sempre disposta a superar a si mesma,
a transcender do que já é para o que se propõe como dever e exigência” (Rebehão das Massas, p.
82);
● Cultura e Barbárie -
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o autor perpassa ambas à impertinência da norma, sejam elas quais forem, mas que sejam
uma instância de regulação. Sendo assim:
“Não há cultura onde não há princípios de legalidade civil a que se apelar. Não há cultura
onde não há respeito a certas posições intelectuais últimas a que se referir na disputa^ (...) A
barbárie é a ausência de normas e da possibilidade de apelação.” (Rebelião das Massas, p.88);
● Mando -
“Por ‘mando’ não se entenda aqui primordialmente exercício de poder material, de coação
física. Porque aqui se aspira a evitar enganos, pelo menos os mais grosseiros e patentes. Pois
bem: essa relação estável e normal entre homens a que se chama mando nuncã repousa
na
força, mas é justamente o inverso, porque é o fato de um homem ou um grupo de homens exercer
0 mando que põe à sua disposição esse apai*ato ou máquina social que se chama ‘força’. (...) O
mando é exercício normal da autoridade, o qual se fundamenta sempre na opinião pública -
sempre, hoje ou há dez mil anos, entre os ingleses ou entre os botocudos. Jamais alguém mandou
na terra baseando seu mando essencialmente em outra coisa que não na opinião
pública.” (Rebelião das Massas, p.l40);
● Estado -
Para o autor o Estado é sempre movimento, sempre projeto; mas a fim de que se “veja” o
Estado é preciso uma interpretação estática:
“... o Estado constituído é só o resultado de um movimento anterior de luta, de esforços,
que se voltavam para ele. Ao Estado constituído precede o Estado constituinte, e este é o
princípio de movimento.
Quero dizer que o Estado não é uma forma de sociedade que é dada de presente ao
homem, mas que precisa ser forjada penosamente.” (Rebelião das Massas, p. 162/163);
“O Estado, qualquer que seja sua forma - primitiva, antiga, medieval ou moderna -, é
sempre a conclamação que um grupo de homens faz a outros grupos humanos para executarem
uma empresa juntos. (...) Estado e projeto de vida, programa de trabalho ou de conduta humanos,
são termos inseparáveis.” (Rebelião das Massas, p.l76)
● Estado Moderno e/ou Estado-Nação -
O autor dá continuidade à concepção anterior de Estado, porém acrescenta as vertentes de
democrático e plebiscitário:
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“Um Estado onde os povos mais diversos colaborem, ao qual todos se sintam solidános.
Não um centro que manda e uma periferia que obedece, mas um gigantesco corpo social, onde
cada elemento seja ao mesmo tempo sujeito passivo e ativo do Estado.” (Rebelião das Massas, p.
169);
“Mas os povos novos apresentam uma interpretação do Estado menos material. Se ele é
um projeto de empresas comum, sua realidade é puramente dinânuca: um trabalho, a
continuidade em atuação. Segundo isso, é paite ativa do Estado, é sujeito político, todo aquele
que dá sua adesão à empresa - raça, sangue, filiação geográfica, classe social ficam em segundo
plano. (...) O Estado nacional é democrático de nascimento, num sentido muito mais decisivo que
todas as diferenças nas formas de governo.” (Rebelião das Massas, p.l77);
“Vejo 0 Estado nacional, pois, uma estrutura histórica de caráter plebiscitário.” (Rebelião
das Massas, p.l80);
● Nação -
O autor inicia suas indagações expondo, segundo suas palavras, a conhecidíssima
sentença de Renan:
“Ter glórias comuns no passado, uma vontade comum no presente; ter feito grandes
coisas juntos, querer fazer mais outras; eis aqui as condições essenciais para ser um povo... No
passado, uma herança de glórias e remorsos; no porvir, um mesmo programa a realizar... A
existência de uma nação é um plebiscito cotidiano.” (Rebelião das Massas, p.l78)
E, logo o autor traz a idéia de movimento (o estático apenas como desfinte de “ver”), a
mesma utilizada para o Estado:
“...0 âmago essencial de uma nação, que se compõe destes dois ingredientes: primeiro, um
projeto de convivência total numa empresa comum; segundo, a adesão dos homens a esse projeto
incitativo. (...) Porque, na verdade, uma nação nunca está feita. Nisso se diferencia de outros tipos
de Estado. A nação está sempre se fazendo ou se desfazendo.” (Rebelião das Massas, p.l81);
● Direito -
13
Sendo assim, emprega - como anteriormente visto nas concepções de Estado e de Nação -
a idéia de movimento, propondo:
“O homem precisa de um direito plástico e em movimento, capaz de acompanhar a
história em sua metamorfose.” (Rebelião das Massas, p.210/211);
“É muito importante reduzir a conceitos claros essa situação efetiva de direito que
consiste em puras ‘margens’ e puras ‘elasticidades’. Porque a elasticidade é a condição que
permite a um direito ser plástico, e, se lhe é atiibuída uma margem, é porque se prevê seu
movimento.” (Rebelião das Massas, p.211);
No entanto, o autor alerta que esse direito não pode ser construído num vazio social, e sim
dirigido a uma sociedade portadora desse direito e anterior a ele.
● Vigências -
“As vigências são o autêntico poder social, anônimo, impessoal, independente de todo
grupo ou indivíduo determinado. (...) Quando uma opinião ou norma chega a ser verdadeiramente
‘vigência coletiva’, não recebe seu vigor do esforço que determinados grupos sociais fazem para
impô-la ou mantê-la.” (Rebelião das Massas, p.218).
Tese Central
que, por isso, é idêntico de um extremo a outro da Europa. (Rebelião das Massas, p-12)
Processo Histórico
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o viver, para o autor, não é mais do que lidar com o mundo. Portanto, no passado viver
significava dificuldades, limitações, escassez, etc.; no novo mundo as possibilidades são
praticamente ilimitadas. Esta análise surge a partir de três princípios que tomaram esse novo
mundo possível:
"... a democracia liberal, as experiências científicas e o industrialismo. Os dois últimos
podem ser resumidos num só: a técnica.” (Rebelião das Massas, p.75).
Segundo o autor, ambas resultam em dois séculos de educação progressista e um paralelo
crescimento econômico na Europa, mas cabe especificamente ao século XIX a formação das
grandes multidões.
Notemos que a estmtura de formação do homem-massa a que o autor se refere baseia-se
em dois pilares: democracia liberal e técnica, características da Europa do século XIX.
A técnica contemporânea é uma associação entre capitalismo e ciência experimental. Esta
progrediu de forma mecânica e baseada na especialização:
“A firmeza e exatidão dos métodos permitem essa transitória e práticas desarticuladas do
saber. (...) O especialista ‘sabe’ muito bem seu mínimo rincão de universo; mas ignora
radicalmente todo o resto.” (Rebelião das Massas, p.l24).
Esta mesma técnica permitiu que o mundo se mundializasse de fato em meados do século
XX, ou seja, que o homem médio vivesse habitualmente todo o planeta. Sendo assim, temos um
aumento espaço-temporal do mundo por conseqüência de se incluir mais coisas. Concluindo, a
técnica contemporânea tem feito crescer a vida do homem médio na dimensão das
potencialidades e o mesmo conta com um leque de possibilidades que aumentaram
significamente:
“... convencendo-nos que o organismo humano de nosso tempo possui capacidades
15
“...desde o século XVI toda a humanidade entrou num gigantesco processo de unificação,
que em nossos dias chegou a seu ponto insuperável. Já não há pedaço da humanidade que viva à
parte - não há ilhas de humanidade.” (Rebelião das Massas, p. 140)
)
A metáfora que o mundo aumentou é válida e o contrário também. Segundo o autor, a
técnica contemporânea provocou a seguinte situação:
“...para os efeitos da vida pública universal, o tamanho do mundo diminuiu subitamente.
Os povos se encontram de repente dinamicamente mais próximos. E isso acontece justamente no
momento em que os povos europeus mais se distanciaram moralmente.” (Rebehão das Massas, p.
221).
Quanto à democracia liberal, o princípio também é válido. Na época do sufrágio universal
as multidões escolhiam entre os programas propostos ao qual aderir, sabiam que existiam as
classes ou “castas”. No entanto, o homem médio “atual” aprende que todos os homens são iguais
16
! ii
E, com efeito, o tipo médio do homem europeu atual possui uma alma mais sã e mais
44
II
) forte que as do século passado, porém muito mais simples.” (Rebelião das Massas, p.70).
i) Concluindo:
Minha tese é, portanto, a seguinte: a própria perfeição com que o século XIX organizou
44
certas esferas da vida é a origem do fato de que as massas beneficiárias não a considerem como
organização, mas como natureza.” (Rebelião das Massas, p.77)
... tirar as seguintes conclusões: primeira, que a democracia liberal fundada na criação
44
}
conhecido; segimda, que esse tipo de vida não
técnica é o tipo superior de vida pública até agora
será 0 melhor imaginável, mas o que imaginarmos como melhor terá que conservar o essencial
daqueles princípios; terceira, que é suicida qualquer retomo a formas de vida inferiores à do
5 século XIX.” (Rebelião das Massas, p.71)
... o mundo organizado pelo século XIX, ao produzir automaticamente um homem novo,
44
deu-lhe apetites formidáveis, meios poderosos de toda ordem para satisfazê-los - econômicos,
corporais (higiene, saúde média superior à de todos os tempos), civis e técnicos (entenda-se por
)
estes a enormidade de conhecimentos parciais e de eficiência prática que tem hoje o homem
) médio e de que sempre careceu no passado). Depois de lhe ter dado essas potências todas, o
século XIX 0 abandonou a si próprio, e então, seguindo sua índole natural, o homem médio se
fechou dentro de si. Desse modo nos encontramos com uma massa mais forte do que a de
nenhuma outra época, mas diferente da tradicional, fechada em si mesma, que não atende a nada
e a ninguém, acreditando que se basta a si própria - em suma: indócil.” (Rebehão das Massas, p.
83).
Argumentação Empírica
O primeiro fator notável que inicia a análise do fenômeno estudado pelo autor é a
concepção do termo cheio”. Este fato está ligado diretamente às aglomerações (multidão), ou
44
seja, 0 cheio” tem relação com a percepção de concentração de pessoas em lugares que antes
44
17
“Simples de se enunciar, mas não de se analisar, eu denomino o fato da aglomeração de
‘cheio’. (...) O que vemos, que nos surpreende tanto? Vemos a multidão como tal, de posse dos
locais e utensílios criados pela civilização”. (Rebelião das Massas, p.36)
“Há quinze anos existia aproximadamente o mesmo número de pessoas. (...) Os
indivíduos que integram essas multidões já existiam, porém não como multidão.” (Rebelião das
Massas, p.37)
Outra característica inerente ao processo e evidência do homem-massa é a homogeneidade
das situações - impossibilidade prática de opções entre possibüidades - conduzidas pelos
extremos que integram tudo de maneira hermética; politicismo integral praticadas pelo
reacionário ou pelo revolucionário, ambos considerados como exemplos claros de homem-massa:
“O politicismo integral, a absorção de todas as coisas e de todo o homem pela política é a
mesma coisa que o fenômeno da rebelião das massas descrito aqui.” (Rebelião das Massas, p.22)
“Por isso 0 bolchmsmo e o fascismo, as duas ‘novas’ propostas políticas que estão
surgindo na Europa e arredores, são dois claros exemplos de regressão substancial. (...)
Movimentos típicos de homens-massa, dirigidos, como todos que o são, por homens medíocres,
extemporâneos e sem grande memória, sem consciência histórica ... (Rebelião das Massas, p.
106)
Este novo homem do século XX fracassa não mais pela falta de técnica (como no passado
- queda do Império Romano; exemplo dado pelo autor), mas por não conseguir acompanhar o
progresso de sua civilização e por uma ignorância histórica incrível. Esta “alma hermética” do
homem-massa transita pela civilização como se fosse um primitivo, usufruindo-se para si próprio
dos avanços da ciência empírica (fator de sustentação das massas) como bárbaros:
“Pois repare-se qual é a situação atual: enquanto, de maneira evidente, todos os demais
campos da cultura tomaram-se problemáticos - a política, a arte, as normas sociais, a própria
moral há um que. a cada dia que passa, comprova, de forma indiscutível e adequada para
sua maravilhosa eficiência: a ciência empírica. ( Rebelião das
impressionar o homem-massa
Massas, p.99)
“Mas as ciência experimentais sim, essas necessitam da massa, como estas necessitam
delas, sob pena de sucumbirem, já que num planeta sem fisico-química não seria possível manter-
se o numero de homens hoje existentes.” (Rebelião das Massas, p.lOO)
18
Portanto, baseando-se nos adjetivos primitivo e bárbaro que qualificam o homem-massa,
0 autor estabelece a relação desse novo homem com o mundo difícil e complexo que o rodeia:
“O homem-massa acha que a civilização em que usa é tão espontânea e primigênia como
a Natureza, e ipso facto converte-se em primitivo”. (Rebelião das Massas, p. 104)
“...o europeu que começa a predominar seria, relativamente à civilização complexa em
que nasceu um homem primitivo, um bárbaro emergindo pela escotilha, um ‘invasor
vertical’.” (Rebelião das Massas, p.lOl)
Sendo assim, diante dessa aparente facilidade em que o mundo se apresenta, o autor
caracteriza a personalidade do homem-massa como ingrata, de grandes apetites e motivado por
necessidades externas:
“O mundo que rodeia o homem novo desde seu nascimento que não faz com que ele se
limite em nenhum sentido, não lhe apresenta nenhum veto nem contenção, mas, ao contrário.
fustiga seus apetites que, em princípio, podem crescer mdefinidamente. (...) uma segurança
inabalável de que amanhã será ainda mais rico, mais perfeito e mais amplo, como se gozasse de
um espontâneo e inesgotável crescimento. (...) dois primeiros traços: a livre expansão de seus
desejos vitais, portanto, de sua pessoa, e a radical ingraditão para com tudo que tomou possível a
facilidade de sua existência.”( Rebelião das Massas, p.76)
“Conforme se avança pela vida, vai-se notando indubitavelmente que a maior parte dos
homens - e das mulheres - são incapazes de qualquer esforço que não seja o estritamente
imposto como reação a uma necessidade externa.”(Rebelião das Massas, p.82/83)
Para o autor:
especialidade; mas tampouco é um ignorante, porque é ‘um homem da ciência’ e conhece muito
19
bem sua porciúncula de universo. (...) Em política, em arte, nos usos sociais, em outras ciências,
tomará posições de primitivo, de ignorantíssimo: mas as tomará com energia e suficiência, sem
admitir - e aí está o paradoxo - especialistas nessas coisas. (...) Eles simbolizam, e constituem em
grande parte, o atual império das massas, e sua barbárie é a causa mais imediata da
desmoralização européia.” (Rebelião das Massas, p.l25)
A vulgaridade, o direito à vulgaridade, a indocilidade, a especial vaidade, a falta de razão,
0 direito a não ter razão e a imposição de suas opiniões são outras características do homem-
massa:
"A característica do momento é que a alma mlgar, sabendo que é vulgar, tem a coragem
de afirmar o direito da \n.dgaridade e o impÒe em toda parte" (Rebelião das Massas, p.41)
“Era isso que no primeiro capítulo eu anunciava como característico de nossa época: não é
que 0 vulgo pense que é excepcional e não vulgar, mas sim que o vulgar proclama e impõe o
direito da vulgaridade, ou a vulgaridade como um direito.” (Rebelião das Massas, p.87)
“A análise de sua anatomia pode ser resumida em dois pontos: primeiro, as massas
executam hoje um repertório vital que coincide, em grande parte, com o que antes parecia
exclusivamente reservado às minorias: segundo, ao mesmo tempo, as massas se tomaram
indóceis diante das minorias; não as obedecem, não as seguem, não as respeitam, mas, ao
contrário, as ignoram e as suplantam.” (Rebelião das Massas, p.45)
“A massa - quem diria ao ver seu aspecto compacto e multitudinário? - não deseja a
convivência com o que não é ela. Odeia mortalmente o que não é ela.” (Rebeüão das Massas, p.
92)
'Mas o homem que estamos analisando está habituado a não apelar por si mesmo a
nenhuma instanciafora dele." (Rebelião das Massas, p.80)
“... distinguíamos o homem excelente do homem vulgar dizendo: que aquele é o que exige
muito de si mesmo, e este é 0 que não exige nada, mas está satisfeito com o que é, está encantado
consigo .
1 ”
(Rebelião das Massas, p.80/81)
Entre as espécies de sindicalismo e fascismo aparece pela primeira vez na Europa um
ter razão, mas que, simplesmente, mostra-se
tipo de homem que não quer dar razão nem quer ter razão, a razão da sem
decidido a impor suas opiniões. Aqui está o novo: o direito a não
razão.” (Rebelião das Massas, p.89)
20
“Resumo: O novo fato social aqui analisado é o seguinte: pela primeira vez a história
européia parece estai- subordinada à decisão do homem vulgar como tal. Ou, dito em voz ativa: o
homem vulgar, dirigido anteriormente, resolveu governar o mundo.” (Rebehão das Massas, p.
111)
Diante do poderio das massas, caiacterística da época em questão, a imposição de sua
opinião se dá pela “ação direta”, não apelando a nenhuma instancia fora dela:
“Mas o homem massa sentir-se-ia perdido se aceitasse a discussão, e instintivamente
rejeita a obrigação de acatar essa instancia suprema que se acha fora dele.” (Rebelião das Massas,
Rebelião das Massas, p.89)
“... quando a massa, independente do motivo, atuou na vida púbhca, o fez na forma de
‘ação direta’.” (Rebelião das Massas, p.90)
“Toda convivência humana vai entrando nesse novo regime em que são suprimidas as
instâncias indiretas,” (Rebelião das Massas, p.91)
Como última metáfora para descrever o homem-massa, o autor lança mão de outras
comparações, como com a da “criança mimada”, com a do primitivo rebelde e com o do
“senhorzinho satisfeito”:
'Esse conjunto de facetas nos fez pensar em certos modos deficientes de ser homem,
como a ‘criança mimada’ e o primitivo rebelde; isto é, o bárbaro. (O primitivo normal, ao
contrário, é homem mais suscetível a instâncias superiores que jamais existiu - religião, tabus.
tradição social, costumes.)” (Rebelião das Massas, p. 111/112)
“Acredito que isso mostre com suficiente clareza a superlativa anormalidade que
representa o ‘ senhorzinho satisfeito’. Porque é um homem que nasceu para fazer o que lhe dá
vontade. (...) Mas o ‘senhorzinho’ pensa que pode se comportar em qualquer lugar como em sua
casa, pensa que nada é fatal, irremediável e irrevogável.” (Rebelião das Massas, p.l 15)
“Porque esta é a tônica da existência do homem-massa; a falta de seriedade, a
‘brincadeira’.” (Rebelião das Massas, p. 118)
carência de moral e consecutivamente do
O poderio das massas é fruto (também) de uma
mando do dinheii o:
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21
Instituto de Geociências
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Estudando-se a estrutura psicológica desse novo tipo de homem, a partir de seus efeitos na vida
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pública, encontra-se o seguinte: 1°, uma impressão inata e radical de que a vida é fácil,
6
superabundante, sem limitações trágicas; portanto, cada indivíduo médio tem em si a sensação de
domínio e triunfo que, 2°, leva-o a se auto-afirmar tal como é, a considerar seu haver moral e
\ intelectual como bom e completo. Esse contentamento consigo o induz a se fechar para qualquer
\
instância exterior, a não escutar, a não submeter suas opiniões a julgamento algum e a não contar
\
com a existência dos outros. Sua intime sensação de domínio faz com que exerça constantemente
predomínio. Portanto, agirá como se só ele e seus congêneres existissem no mundo; e, assim, 3°,
\ intervirá em tudo impondo sua opinião vulgar, sem considerações, contemplações, trâmites ou
reservas - isto é, segundo um método de ‘ação dii*eta’.” (Rebelião das Massas, p.l 11)
humanidade, ímpar, mas também pode ser uma catástrofe do destino humano.” (Rebelião das
Massas, p.93)
O advento do homem-massa significa uma potência do maior bem e do maior mal da
civilização, bastando apenas um breve descuido para que o homem-massa rebelde retroceda à
22
barbárie. Motivado por sua indocUidade e pela sua alma hermética não conseguirá seguir
ninguém e desejará ser senhor:
“Quer-se que o homem médio seja senhor. Então não se estranhe que ele atue por si e
diante de si, que reclame todos os prazeres, que imponha sua vontade com decisão, que se negue
a toda servidão, que não siga ninguém docilmente, que cuide de sua pessoa e de seus ócios, que
arrume sua indumentária: são alguns dos atributos perenes inerentes à consciência de senhorio.
Hoje encontram-se no homem médio, na massa.” (Rebelião das Massas, p.47)
(as massas) ...tenham um momento de boa vontade e aceitem a direção de minorias
“...os meios atuaisis de comunicação produzem seus efeitos, por ora, daninhos. Porque a
recebe constantemente sobre o que acontece com o outro é
quantidade de notícias que um povo
enorme. ’ (Rebelião das Massas, p.224)
Sustento, pois, que a nova
estrutura do mundo converte os movimentos da opinião de um
- movimentos que antes eram quase inócuos - em autênticas
país sobre o que acontece no outro
incursões. ” (Rebelião das Massas, p.228)
23
Assim como antes postulávamos uma nova técnica jurídica, reclamamos aqui uma
nova
“...o homem-massa vê o Estado um poder anônimo - vulgo crê que o Estado é coisa
sua." (Rebelião das Massas, p. 131)
■‘A massa diz para si mesma: ‘O Estado sou eu’, o que é um erro completo. O Estado só é
idênticos porque nenhum deles se
a massa no sentido em que pode dizer que dois homens são
S coincidem em ser anônimos. Mas acontece
rhama João. O Estado contemporâneo e a massa so
que 0 homem-massa pensa
. de fato, que ele é o Estado, e tenderá cada vez mais a fazê-lo
funcionar a qualquer pretexto, a esmagar com ele qualquer minoria criadora que o perturbe - que
indústria. (...) A sociedade terá que
o pertui'be em qualquer campo: na política, nas idéias, na
(Rebehão das Massas, p.l32)
viver para o Estado; o homem, para a máquina do Governo. mando do dinheiro será cada
uma sociedade estão em crise, o
Como os valores que regem
is coisas estiver a venda:
maior, tanto quanto mais
vez
“ o poder social do dinheiro - ceteris paríbus - será tanto maior quanto mais coisas
ão quanto maior for a quantidade do próprio dinheiro.” (Rebelião das
houver para se comprar, e nao
Massas, p.236)
24
Capítulo 02.
“A sociologia só pode descrever a expansão do social e suas peripécias. Ela vive apenas
da hipótese positiva e definitiva do social. A assimilação, a implosão do social lhe escapam. A
hipótese da morte do social é também a da sua própria morte.” (À Sombra das Maiorias
Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p. 11)
O mesmo acontece com o termo massa. Ele, na maioria das vezes, é concebido de forma a
não passará de noções fluidas e acríticas. Portanto, a combinação errônea de ambos os termos:
“São a obsessão de todo projeto social, mas todos malogram nelas, porque todos
permanecem enraizados na definição clássica de massas, a de uma esperança escatológica do
social e de sua realização. Ora, as massas não são o social, são a reversão de todo social e de todo
socialismo.” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas,
p. 42)
Essa hipótese inverte tudo. Baudrillard anula a idéia de contrato, de ligação e de relação
social. Pai*a ele há apenas questões, desafios:
“O desafio não é uma dialética, nem uma oposição respectiva de um pólo ao outro, de um
termo ao outro, numa estrutura plena. Ele é um processo de exterminação da posição estrutural de
cada termo, da posição de sujeito de cada um dos antagonistas e em particular daquele que lança
o desafio: por isso mesmo ele abandona qualquer posição contratual que possa dar lugar a uma
iigação’.” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p.
58)
Para a compreensão dessa proposta que o autor nos insere, faz-se necessário esclarecer um
tradicionais e a resistência à socialização:
ponto básico entre a massa, os grupos
“... a massa absolutamente constitui uma estrutura passiva de recepção das mensagens dos
meios de comunicação, sejam elas politicas. culturais ou publicitárias. Os microgrupos e os
indivíduos, longe de se alinharem a uma decodificação uniforme e imposta, decodificam as
mensagens à sua maneü'a, as
interceptam (através de Uderes) e as transpõem (segundo nível).
opondo ao código dominante seus sub-códigos particulares, e terminam de reciclar tudo que os
atinge em seu próprio ciclo...” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o
Surgimento das Massas, p. 37)
26
Sendo assim, para o autor, a maneira de resistência das massas (silêncio, benevolência,
etc.) para com o social (ou socialização) não deve ser confundida com as dos micrognipos. Esta
idéia é a base para o fim do social e será exposta nesse trabalho mais adiante; antes
apresentaremos algumas noções (do autor) que acreditamos ser condizentes para tal finalidade:
● O Social -
“Houve sociedades sem sociaL assim como houve sociedade sem história.” (A Sombra
27
não é somente supérfluo e inútil - em toda a parte que aparece esconde outra coisa: desafio,
morte, sedução, ritual, repetição esconde que é abstração e resíduo, ou mesmo simplesmente
^eito de social, simulação e miragem.” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o
Surgimento das Massas, p. 56)
● Funcionalidade -
funcionalidade não qualifica de modo algum aquilo que se adapta a um fim, mas
aquilo que se adapta a uma ordem ou a um sistema.
● Valor/Signo -
“... tanto a ‘fimção’ como a ‘racionalidade’ foram aos poucos mistificadas e a ‘função’, ao
emancipar>se do objeto, adquiriu um valor por si, valor-signo, para posteriormente retomar ele
objeto na condição de ‘exigência cultural’, exigência esta muitas vezes em choque com o
verdadeiro desenvolvimento do homem em sua relação com a tecnologia.” (O Sistema dos
Objetos, p. 220)
“A «ílmcionalização» de qualquer objecto constitui também uma abstracção coerente que
se sobrepõe e substitui em toda a parte à respectiva fimção objectiva (a «funcionalidade» não é o
valor de uso, mas valor/signo).
● Sistema -
Para entender a obra do autor, sistema deve ser entendido no sentido mais amplo do
termo. Não se deve associá-lo com as diversas concepções e construções científicas que o termo
ô-lo
carrega nem supo- como relações/combinações de variáveis, aproximando-se da idéia de
modelo. Afinal, modelo e realidade (combinação) são a base da crítica de Baudrillard para a
construção do que o autor chamou de hiper-realidade.
● Consumo -
’ RAi ÍDRIII ARD Jean. O Sistcnio dos Objetos,. São Paulo: Editora Perspectiva S.A,1989. Página 220. Nas citações
que s!S.em dl ap«a. o mauero da página.
de Consumo. Lisboa: Edições 70,1995. Página 89. Nas citações que
se
diferente da do conceito técnico na reflexão ou na ciência econômica, cujo uso tem origem
anterior. Esta sistematização terminóloga no uso corrente modifica a própria história: é sinal de
nova realidade social. Para falar com propriedade, só existe consumo a partir do momento em que
no entanto, que se operou toda uma reestruturação ideológica dos valores. O facto de semelhante
sociedade se viver como sociedade de consumo tem de constituir o ponto de partida de uma
análise objectiva.”(A Sociedade de Consumo. p.208)
● Informação -
estímulos luminosos ou
(a massa) “Ela é inteiTOgada por ondas convergentes, pot
as estrelas distantes ou núcleos que são bombardeados com
lingüísticos, exatamente como
Isso é a informação. Não um modo de comunicação nem de sentido.
partículas num ciclotron
mas um modo de emulsão incessante, inpul-output e de reações em cadeia dingidas, exatamente
como nas câmaras de simulação atômicas. (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do
Social e o Surgimento das Massas, p. 25)
Posfádo, dos ObJetos. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 1989
29
● Sondagem e o Real -
“Descobre-se que o verdadeiro e o falso são aqui inseparáveis - como igualmente
acontece nas sondagens eleitorais, onde nunca se sabe se o voto real ratificará apenas as
sondagens (deixando de ser acontecimento real e sugerindo unicamente como sucedâneo das
sondagens que, de modelos de simulação indiciosos, se tomam agentes determinantes da
realidade) ou se são antes as sondagens que reflectem a opinião pública. Dá-se nesse caso uma
inextricável relação. Assim como a natureza imita a arte, também a vida quotidiana acaba por ser
a réplica do modelo.” (A Sociedade de Consumo, p.l35)
● O Hiper-real -
O hiper-real, segundo o autor, é:
“O espaço da simulação é o da conílisão do real e do modelo.” (A Sombra das Maiorias
Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p. 68)
“Curto-circuito fantástico: o real é hiper-realizado; nem realizado, nem idealizado: hiper-
realizado. O hiper-real é a abolição do real não por destmição violenta, mas pela afirmação,
elevação a potência do modelo. Antecipação, dissuasão, transfiguração preventiva, etc.: o modelo
Opera como esfera de absorção do real.” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e
2° - O social realmente existiu, ele até existe cada vez mais, ele investe tudo, só há social:
“Vé-se assim o social crescer no decorrer da história como gestão ‘racional’ dos resíduos,
e dentro em pouco produção racional de resíduos.
Em 1544 abriu-se o primeiro grande estabelecimento de pobres em Pai‘is: vagabundos,
dementes, doentes, todos aqueles que o grupo não integrou e deixou como sobras serão adotados
sob 0 signo nascente do social. Este se expandirá às dimensões da assistência pública no século
20. À medida que se reforça a razão social, é a coletividade toda que logo se toma residual e,
portanto, com uma espúal mais. é o social que se alarga, Quando a sobra atinge as dimensões da
sociedade toda, tem-se uma socialização perfeita.'’ Todo o mundo está perfeitamente excluído e
adotado, perfeitamente designado e socializado.” (À Sombra das Maiorias Süenciosas; O Fim do
Social e o Surgimento das Massas, p. 61)
Sendo assim, o ”... próprio social que é resíduo..r e ... não se pode mais dizer que o
social morre, pois ele è desde sempre acumulação do morto. (À Sombra das Maiorias
Silenciosas; O Fim do Social e o Sui*gimento das Massas, p. 60/61)
“Mas 0 que acontece quando tudo está socializado? Então a máquina pára, a dinâmica se
inverte, e é o sistema social que se torna resíduo. À medida que o social em sua progressão
elimina todos os resíduos, ele próprio se toma residual. Ao colocar sob a mbrica ‘Sociedade’ as
(À Sombra das Maiorias
categorias residuais, o próprio social se designa como resto.
Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p. 62)
Atualmente, o social se apresenta de.
„ forma degradada da socialidade lubrificante, assistencial, pacificamente e permissiva
- a forma mais baixa da energia social: a de uma utilidade ambiental, comportamental - essa é a
nossa imagem do social - forma entrópica outra imagem de sua morte.” (À Sombra das
Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p. 63)
32
“Ora, o social só existe num espaço perspectivo, morre no espaço de simulação, que é
também um espaço de dissuasão.” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o
Surgimento das Massas, p. 68)
Portanto, se o social se realiza no “real”, na sociabilidade dialética - a do Estado e da
sociedade civil, do público e do privado, do social e do individual -, no racional do contrato e se
o social é um “modelo” a ser aplicado, então o social se dissolve na hiper-realidade:
“Os signos da hiper-realidade do social estão em toda parte, os signos da repetição social
e de sua realização antecipada. Em toda parte a transparência da relação social é afixada,
significada, consumada. A história do social jamais teve tempo de levar à revolução: ela foi
rapidamente tomada pelos signos do social e da revolução. O social nunca teve tempo de levar ao
socialismo, ele teria sido cuilo-circuitado pelo hiper-social, pela hiper-realidade do social (mas
talvez o socialismo não seja isso?).” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o
Surgimento das Massas, p. 69/70)
a de simulação, dissuasão e implosâo com/no surgimento das massas, isto é, nas maiorias
silenciosas.
Tese Central
A tese central é a quarta hipótese (A implosâo do social nas massas), anteriormente citada.
Processo Histórico
33
... nesse momento em que o político é um jogo e ainda não se deu uma razão. (À
Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p. 20)
Um segundo momento se dá a partir do século XVIII (com a Revolução), quando o
político ganha uma referência social, ou o social se apodera dele. De instrumental que era de
início, aparece como verdade, como representação - surge o povo e sua vontade. No entanto:
“Mas durante muito tempo ainda haverá um equilíbrio entre a esfera própria do político e
as forças que nele se refletem: o social, o histórico e o econômico. (À Sombra das Maiorias
Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p. 20)
No fmal do século XIX uma mudança ríspida ocorre:
“É com o pensamento marxista em seus desenvolvimentos sucessivos que se maugura o
fim do político e de sua energia própria. Nesse momento começa a hegemonia definitiva do
social e do econômico, e a coação, para o político, de ser o espelho, legislativo, institucional,
ia do político é inversamente proporcional à crescente hegemonia
executivo, do social. A autonomia
do social.” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fün do Social e o Surgimento das Massas, p.
20/21)
Depois de dois séculos de socialização acelerada esfria-se a energia social e tem-se o
surgimento das massas:
“O social triunfou..... 0 político se volatüizou, mas em que o próprio social não tem mais
nome. Anônimo. A MASSA AS MASSAS.” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do
Social e 0 Surgimento das Massas, p. 21)
Recentemente , fim do sistema político representativo nas massas:
a massa é ao mesmo tempo a morte, o fim desse processo político que supostamente a
Na massa o político deteriora como vontade e representação. (À Sombra das
se
governa
Maiorias Silenciosas:● O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p. 24)
Argumentação Empírica
Para o autor, as massas não podem ser alienadas, visto que nelas há a impossibilidade de
mais
ão mais sujeito), e nós (como indivíduos) nos comportamos
circulação do sentido (não são
além do sentido - e somos apenas episodicamente condutores do
como massa - aquém ou
34
sentido, além de, nas maiorias silenciosas (massas) não haver mais a possibilidade da
representação, apenas a simulação. Na tentativa de salvai* a representatividade, os produtores de
sentido utilizam-se das estatísticas e das sondagens que são capazes apenas de esboçar uma
representação imagináiia das massas, explica Baudrillai*d, simulando uma forma as mesmas. E,
segundo o autor, a principal cai*acterística das massas está no seu silêncio, na sua indiferença;
cuja função não reside em se calar, mas consiste em proibir que se fale por elas. Sendo assim, o
autor, aponta para o fim da representação das massas, restando apenas as simulações.
Portanto, Baudrillard não está alertando para a crise do “real”, e sim para o hiper-real.
Atualmente, segundo o autor, é o tempo ífaco (o da banalidade, do cotidiano, do privado) que
começa a se sobrepor ao tempo forte (o da história, o da política):
“Os papéis se invertem: é a banalidade da vida, a vida comente, tudo o que se
estigmatizai*a como pequeno-burgués, adjeto e apolítico (inclusive o sexo) que se toma o tempo
forte; e é a história e o político que desenvolvem sua acontecimentalidade abstrata algures.” (À
Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p. 35) (sic)
Para esta inversão segue um alerta:
não entra numa dialética de
'Mas atenção! Esse universo privado e a-social, que
representação e de ultrapassamento para 0 universal, dessa esfera involutiva que se opõe a toda
revolução pelo alto e se recusa a jogar o jogo. alguns desejariam que se tratasse (em particular
uma versão sexual e de desejo) de uma nova fonte de energia revolucionária, desejariam lhe dar
sentido e o reconstituir como negatividade histórica em sua própria banaUdade. Exaltação de
microdesejos, de pequenas diferenças, de práticas cegas, de marginalidades anônimas. Último
sobressalto dos intelectuais para exaltai* a insignificância, para promover o não-sentido na ordem
do sentido. E revertê-lo à razão política. A banalidade, a inércia, o apoliticismo eram fascistas,
mudar o sentido, isto é, sem deixar de ter sentido. Micro-
agora se tornam revolucionários - sem
revolução da banalidade, transpolítica do desejo - mais um truque dos ‘libertadores’. A negação
do sentido não tem sentido.” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o
Surgimento das Massas, p. 36) (sic)
Mas na verdade o que aconteceu foi mais um efeito do antagonismo entre a classe
residual) e a outra, portadora da história, do
despojada de sentido (de uma vingança da massa
político , do social e da cultura. Assim, a força da massa é atual, sem historia;
35
as massas não têm história a escrever, nem passado, nem íuUiro, elas não têm energias
virtuais para liberar, nem desejo a realizar: sua força é atual, toda ela está aqui, e é a do seu
silêncio.” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p.
10)
Este silêncio seria a resistência das massas ao social. Diferentemente dos grupos
ti-adicionais que decodificariam as mensagens (anterionnente mencionado),
as massas:
“... aceitam tudo e desviam tudo em bloco no espetacular, sem exigência de outro código,
sem exigência de sentido, na realidade sem resistência, mas fazendo com que tudo passe para
a do não-sentido, mas a da
uma esfera indeterminada que não é nem mesmo
*‘0 que lhes dá são mensagens, elas querem apenas signos, elas idolatram o jogo de signos
conteúdos desde que eles se transformem numa seqüência
e de estereótipos, idolatram todos os
36
massas opõem ao ultimato do sentido a sua
espetacular. (...) que é em plena ‘liberdade que
as
recusa e sua vontade de espetáculo ” (À Sombra das Maiorias Silenciosas: O Fim do Social e o
Surgimento das Massas, p. 15)
Pai*a 0 autor, o povo de outrora se converteu num público, esta é a grande mudança de
nosso tempo Uma maioria silenciosa cuja essência é a indiferença:
“As massas elas não escolhem, não produzem diferenças, mas indiferenciação - elas
mantêm a fascinação do meio, que preferem à exigência crítica da mensagem. Pois a fascinação
ão depende do sentido, ela é proporcional à insatisfação com o sentido. Obtém-se a fascinação
ao neutralizar a mensagem era benefício do meio, ao neutralizar a idéia em proveito do ídolo, ao
neutralizar a verdade em beneficio do simulacio. (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do
Social e o Surgimento das Massas, p. 33) massas e o fím do social é o
um fenômeno que está em relação (simultaneidade) com
as
terrorismo:
massas e o terrorismo, entre esses dois nâo-pólos de um
... se poderia dizer que entre as uma energia inversa, energia não de
^ tçtmbém passa uma energia, mas
sistema não-representativo, tarnoem t
mas de dispersão do social, de absorção e anulação do
acumulação social e de transformação do Social e o Surgimento das Massas, p.
pohtico.” (À Sombra das Maiorias SUenciosas; O Fun
45) ~ é nem de sentido nem de
Todos os dois estão em
outro lugar, numa ordem que nao
dúvida simulacro ” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O
representação - talvez mítica, sem
Fim do Social e o Surgimento
das Massas, p. 46)
fala não deve ser coníiindido com o “banditismo” e com a
O terrorismo de que o autor
ação de comando, portanto.
a tomada de reféns e o jogo adiado da morte, não
"O tenorisino atual, inauguiado c ios ou inacessíveis, e, de qualquer maneira, é
tem objetivo (se ele pretende tê-los. são úrisórios ieo determinado.” (À Sombra das
i, ineficaz de atingi-los) sem inimigo
exatamente o método ma. ^^ das Massas, p. 4o)
Maiorias Silenciosas; O míticas, assemelham-se à catástrofe
O terrorismo e as massas, . Afinal, como nas catástrofes naturais, o
todas as representações
natural, inaugurando o fun de
37
único referencial possível está na esfera da divindade, ambos constituem reflexos de um social,
de uma política e de um sentido que não existem mais.
Nas maiorias silenciosas:
não há mais investidura política porque também não há mais referente social de
definição clássica (um povo, uma classe, um proletariado, condições objetivas) para atribuir uma
força a signos políticos eficazes. Simplesmente não há significado social para dar força a um
significante político.” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das
Massas, p. 21/22)
Assim, a esfera política e o poder sobrevivera de uma hipótese de credibilidade - as
massas possuem uma opinião e estão presentes atrás das sondagens e das estatísticas - e que são
manipuladas, enganadas e mistificadas. Sim, segundo o autor, as massas possuem um süêncio,
mas:
“... esse silêncio é paradoxal - não é ura silêncio que fala, é um silêncio que proíbe que se
fale em seu nome. E, nesse sentido, longe de ser uma forma de alienação, é uma arma
absoluta.” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p.
23)
Portanto, a massa é o fim desse processo político que supostamente a governa, nunca
houve manipulação, porque a massa é ao mesmo tempo um objeto e um sujeito de simulação, e
também por que:
ia social, mas não a refrata mais. (...) Ela dá a todas as
A massa abson^e toda a energia
questões que lhe são postas uma resposta tautológica e circular. (..) Ela não tem verdade e nem
razão. Embora lhe emprestem todas as palavras artificiais. Ela não tem consciência nem
inconsciente.” (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas,
p. 28)
“Todo mundo a interroga, mas nunca enquanto silêncio, sempre para fazê-la falar.” (À
Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p. 29)
Finalizando:
“Mas constatamos que todos os poderes acabam por se arruinar silenciosamente nessa
maioria silenciosa, que não é nem
uma entidade nem uma realidade sociológica, mas a sombra
38
projetada pelo poder, seu abismo no vácuo, sua forma de absorção.” (À Sombra das Maiorias
Silenciosas; O Fim do Social e o Surgimento das Massas, p. 41/42)
39
assim nossas culturas começam a ser devastadas pela implosão por não terem sabido
controlar e equilibrar o processo explosivo. (À Sombra das Maiorias Silenciosas; O Fim do
Social e o Surgimento das Massas, p. 50)
Portanto, todas as análises esboçadas pelo autor convergem-se ao mesmo ponto, o
processo implosivo de nosso tempo . Este é o prognóstico decisivo e:
salvar os princípios de realidade, de
“A implosão é inelutável, e todos os esforços para
ios de evolução que dependem dos sistemas em
acumulação, de universalidade, os princípios
Inclusive todos aqueles que querem liberar as
expansão
^
são arcaicos, regressivos, nostálgicos travará
1 -aic aa imensidades fragmentanas, etc. (...) Mas nada travara o
o
40
Considerações Finais
silenciosas.
evidências desse período. Gasset tem como fiindamento que toda sociedade é aristocrática e
Baudrillard acredita que as diferenças estão nos estamentos sociais, nas “castas . O primeiro
divide 0 mundo entre maiorias e minorias, o segundo propõe que a massa é um comportamento
social, uma organização da “sociedade de consumo”. Portanto, para Baudrillard as
massas senam
aniquilam todas as
do advento das massas Qasset destaca alguns aspectos relevantes
Na lista sobre os riscos científico devido à especiahzação; uma
: uma estagnação no campo
para o período em questão
crescente falta de mando no
mundo- conflitos inerentes à aproximação dos povos proporcionada
crescente ameaça ao
Estado (tendendo a esmagar as minorias); alem de
pelas novas técnicas; uma do inevitável processo de implosão em
iro. Já Baudrülai-d está convicto
um maior poder do dinheiro
catastrófico ou lento e progressivo,
curso, seja ele violento e a compreensão desse novo tempo social^ promovido pelo
Concluindo, acreditamos que os dois autores - ajuda-nos a entender e
- mesmo que
baseado em apenas
advento das massas decoirer do século XXI, entre elas pode-
inauguradas no/para o
dialogar com as novas propostas
A Multidão
Geografia, que segundo Milton Santos, amda percorre o espaço fragmentado dos geografos.
44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos. São Paulo, Editora Perspectiva S.A,1989.
GASSET, José Ortega Y. Á Rebelião das Massas. São Paulo, Livraria Martins Fontes Editora
LTDA, 1997.
SANTOS, Milton. Por Uma Geograifa Nova: Da Crítica da Geograifa a uma Geograifa Crítica.
São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2004.
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