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Afrodite - Deuses Do Tatame - Mari Monni

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Afrodite

Deuses do Tatame

Mari Monni
Cassia Carducci
Direitos autorais © 2023 Mari Monni e Cassia Carducci

Todos os direitos reservados

Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com
pessoas reais, vivas ou falecidas, é coincidência e não é intencional por parte do autor.

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema de


recuperação, ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico,
fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão expressa por escrito das autoras.

Design da capa por: Natalia Saj


Edição de texto: Criativa Literária
Para todos os corações partidos,
obrigada por nos tornarem mais fortes.

Para todos os amores não correspondidos,


obrigada por nos mostrarem que não há sentimento
melhor do que o amor-próprio.

Para todas as dores que transformam meninas em mulheres,


obrigada por nos provarem que não é um homem que faz a nossa felicidade, e sim a
certeza de que merecemos amar e ser amadas.
Índice

Página do título

Direitos autorais
Dedicatória
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Epílogo
Nota das Autoras
Agradecimentos
Livros dessa série
Prólogo
Afrodite

Alguns homens são bonitos. Outros são gostosos. Também


adoro um macho inteligente e bem-humorado. Mas nada,
absolutamente nada, supera o tal do borogodó. Ninguém sabe
explicar ao certo o que isso significa, mas tem homem que exala
uma sexualidade a ponto de ser impossível resistir.
Dionísio sempre foi assim, mesmo quando era um moleque
magrelo e arrogante. Hoje, a arrogância continua — e o efeito que
tem sobre mim é ainda maior.
Odeio ser apaixonada por ele. Na verdade, nem me lembro de
uma época em que não sonhava acordada com os beijos do meu
melhor amigo. Beijos que nunca recebi, nem nunca receberei. Beijos
que serão apenas sonhos. Fantasias adolescentes que jamais se
tornarão realidade.
E é esse nunca que me mata.
Tão definitivo que me faz perder o ar.
Olho para Dionísio, que abraça sua noiva por trás e sorri para
todos no Olimpo. Acho que nunca o vi tão feliz antes, e é justamente
por isso que sorrio também, apesar de minha vontade ser de chorar,
de gritar, de bater no seu peito duzentas vezes até ele entender que
sou eu a mulher da sua vida. Eu! Aquela que esteve ao seu lado em
todos os momentos, que o deixou chorar, que o apoiou.
Ele acabou de pedir Flora em casamento e, pela primeira vez
na vida, está apaixonado por alguém além de si mesmo. Narciso
deveria ser seu nome no Olimpo, mas como Dionísio é o deus do
vinho e das festas, então não fica tão para trás assim.
Mas ele deveria ser meu Narciso. Meu Dionísio. Meu.
Só que ele não é. Nunca foi. Nunca será. E a consciência
disso me traz ânsia de vômito e um desespero que me consome de
dentro para fora. Meu estômago está congelado, minhas pernas não
têm força e tudo o que eu queria era deixar de existir.
Agora, arrependo-me de não ter contado a verdade para ele
no hospital. Talvez as coisas fossem diferentes se eu tivesse sido
mais explícita. Só que o timing era errado. Dio tinha acabado de
acordar, estava chorando por outra mulher, desesperado por não
saber onde ela estava. O que eu poderia fazer?
“Olha, lindo, sei que ela foi embora, mas estou aqui, prontinha
para você.”
Seria a pior forma de revelar os sentimentos que escondi
durante toda a minha vida.
Mesmo assim, o que disse não foi uma mentira. Falei que o
amava, mas acrescentei o discurso de sempre — que ele e Aquiles
são os irmãos que nunca tive. A cara de alívio que fez ao ouvir isso
transformou aquele no pior momento da minha vida. Porque foi então
que tive certeza do nunca. Sei que a recíproca é verdadeira: Dionísio
me ama e faria qualquer coisa por mim, menos me aceitar como a
mulher da sua vida. Se eu estivesse no lugar de Flora, ele iria atrás
de mim no inferno. Aquiles também. Nossa relação vai muito além do
amor entre casais. Ao longo de nossas vidas, criamos um elo
inquebrável de lealdade e companheirismo. E talvez isso tenha sido
justamente o que fez com que Dio nunca me enxergasse como uma
possibilidade.
A culpa não é de Flora, também jamais competiria com outra
mulher pelo amor de um homem. Ela chegou do nada e deixou meu
melhor amigo enfeitiçado com seu charme de boa moça. Talvez eu
não goste dela por ser o oposto perfeito de mim, mas não por algo
que tenha feito.
Sou alta, forte, lutadora, falo palavrão o tempo todo, não tenho
paciência e odeio ser tratada como mulher indefesa. Treinei minha
vida inteira para que ninguém ousasse falar isso de mim. Pelo visto,
homens têm aquele complexo de príncipe encantado e querem uma
donzela em perigo para chamarem de sua.
Eu não sou donzela, muito menos indefesa. Sei o que quero,
sempre soube: Arthur Werneck.
E agora, o que eu faço? Todas as esperanças que tinha de um
“felizes para sempre” se vão por água abaixo e me deixam no chão.
Só que não vou bater no tatame e desistir da minha felicidade,
mesmo que não seja ao lado dele.
Posso ter muitos defeitos, mas jamais serei a mulher que
rouba o homem da outra.
Ao mesmo tempo que me vejo um tanto sem rumo, sorrio. Um
sorriso largo, que não chega aos olhos, mas que engana a maioria.
Menos Aquiles, que me encara do outro lado do salão e tem os
braços cruzados na frente do corpo.
Nunca disse a ele que amo Dionísio. Nunca precisei dizer,
porque Aquiles sabe muito bem da extensão dos meus sentimentos.
Por isso, não consigo encará-lo de volta. A vergonha me domina,
assim como o medo do que será minha vida daqui para frente.
O homem que sempre esteve em meus pensamentos vai se
casar com outra mulher. Vai criar uma família com ela, dormir ao seu
lado, fazer amor preguiçoso pela manhã e nunca me enxergar como
uma possibilidade.
Enquanto isso, sorrio.
As lágrimas que dançam em meus olhos podem ser
confundidas com emoção, tanto que Eros coloca uma mão em meu
ombro e oferece um aperto leve, como se entendesse muito bem o
que estou sentindo. Mas ele não sabe que são lágrimas de coração
partido.
Meu. Meu Dio. Meu homem.
Por que ele não é meu?
O que fiz de errado?
Aquiles continua me olhando e tenho certeza de que pode
sentir meu desespero a metros de distância. Talvez seja por isso que
faz um gesto com a cabeça, indicando a área do vestiário. Todos os
Deuses e amigos conversam animadamente, falando sobre como
Dionísio e Flora serão felizes juntos.
Não aguento mais a tortura e faço o que Aquiles pede: afasto-
me do grupo, tentando colocar um pouco de firmeza nas pernas, e
sigo até ele.
Vinte passos parecem duzentos. O enjoo apenas aumenta,
assim como a total desesperança.
No instante que estou ao alcance de seus braços, Aquiles me
puxa para perto e me envolve com força. Nenhuma palavra é dita.
São desnecessárias, porque sentimentos só devem ser verbalizados
quando há algum propósito para isso.
O que adianta dizer “perdi o homem que amo”? Nada. Nada
pode ser feito. E, para piorar, ainda me tornarei foco de pena.
Mesmo assim, deixo as lágrimas escorrerem no peito de
Aquiles, que apenas acaricia minhas costas e beija o topo da minha
cabeça. Não sei quanto tempo passamos assim, minutos, horas…
pouco importa.
Quando me afasto, ainda não estou bem.
— Vai dar tudo certo, Afrodite — ele diz em tom consolador.
— Não, não vai. — Minha voz é seca e um tanto trêmula.
Só que Aquiles balança a cabeça em negativa, como se
soubesse de algo que ainda não sou capaz de compreender, e usa
os polegares para enxugar minhas lágrimas.
— Vai, sim. Você vai ver — garante.
Porém, quando abro a boca para retrucar, somos
interrompidos pela chegada do último homem que gostaria de ver
agora.
— Aí estão vocês! — Dionísio é só sorrisos, enquanto eu sou
só o espectro de uma mulher que um dia existiu.
Mas sorrio também.
— Estávamos falando de você — minto. — Até que enfim
criou coragem para admitir que relacionamentos monogâmicos
valem a pena.
— Quando a mulher certa aparece, não temos escolha — ele
diz com sua recém-adquirida sabedoria e as palavras me destroem.
“Eu sempre estive aqui”, quero gritar, mas me contento em
apertar com força a mão de Aquiles, que não desgrudou da minha
desde que o abraço acabou.
— Desejo toda a felicidade do mundo para você. — Desta
vez, é verdade. Porque jamais desejaria algo de ruim a ele, mesmo
que, para isso, eu precise ser infeliz.
— Obrigado, Afrodite. — Ele vem até mim e me abraça com
carinho.
Seu cheiro me invade, seu calor me cerca e posso sentir o
coração bater tranquilo dentro do peito. Tão diferente do meu, que
parou de funcionar quando ele se ajoelhou na frente de Flora e fez a
declaração de amor mais linda que já ouvi na vida. Depois, pediu a
todos nós para que a deixássemos fazer parte do Olimpo.
Ainda bem que ele logo se afasta de mim e vai até Aquiles,
naquele típico abraço masculino, com direito a tapinhas nas costas e
comentários depreciativos.
— Já pensou em quando vai ser o casório? — Aquiles quer
saber.
— Ainda não. Até porque, tenho certeza de que a mãe da
Kiyomi vai querer uma festa para quinhentas pessoas. — Dio revira
os olhos, porém até o gesto irônico não consegue esconder sua
alegria. — Mas queria perguntar uma coisa para os dois.
Aquiles e eu trocamos olhares e, em seguida, voltamos a
atenção para Dionísio, que entrelaça os dedos de forma nervosa.
— O que houve? — Aquiles pergunta.
— Nunca tive irmãos — Dio começa a explicar. — Há muito
tempo não sei o que é ter uma família de sangue, mas vocês dois…
— Ele puxa o ar com força e balança a cabeça. — Eu amo vocês pra
caralho, e não sei o que seria da minha vida se eu não tivesse os
dois comigo.
Maldito.
Filho da puta.
Desgraçado de merda.
Ele não vai fazer isso…
— Aonde você quer chegar? — questiono, louca para arrancar
o band-aid.
— Acho que vocês já sabem — Dio fala, um sorriso tímido e
incerto tomando seu rosto.
O mesmo sorriso que me fez ficar completamente apaixonada.
— Fala logo, Dionísio — Aquiles insiste.
— Quero que vocês sejam meus padrinhos de casamento —
ele joga a bomba, que estoura dentro do meu peito.
Nunca pensei que pudesse odiar Dionísio. Mas agora ele
passou de todos os limites, por me obrigar a estar no altar enquanto
ele promete amor e lealdade a uma mulher que não sou eu.
Então, sorrio.
— Ficaria honrada.
E morta por dentro.
Capítulo 1
Afrodite

1 ano depois

Dizem os mais sábios que, quando a tequila entra, os


problemas vão embora. Uma mágica milenar, e da qual preciso
agora. Não que eu tenha muitos problemas, mas o único que tenho
vale por uns vinte e cinco.
A primeira dose não faz efeito. Nem as outras três que tomo
logo em seguida. Elas só servem para me deixar com azia, provando
que eu não deveria estar aqui.
— Afrodite, minha querida, — Ana Júlia, a mulher de Aquiles e
mãe da minha afilhada, encosta no meu braço quando estou prestes
a alcançar o copinho de shot novamente —, você precisa trabalhar
essa sua cara de pôquer.
Olho para ela sem entender.
— Por que eu precisaria de cara de pôquer? — pergunto,
recuando o braço e cruzando-o na frente do corpo.
— Porque parece que você está planejando o assassinato da
noiva, de tanto que encara a outra mesa. Meu Deus, disfarça,
mulher! — A frase sai em um sussurro.
Logo me mexo na cadeira, desencostando e assumindo uma
postura mais ereta. Viro o rosto para Ana Júlia e noto que ela está
mais tensa do que eu.
— Não vou matar ninguém.
— Espero que não, né? Até porque, quem vai ficar com a Íris
no fim de semana do congresso? Aquiles e eu preparamos uma
viagem romântica e… — A voz dela desaparece no meio dos sons
altos da boate. Primeiro, porque não quero saber de nada que seja
minimamente romântico. Segundo, porque, nesta comemoração, só
está o meu corpo. Minha alma eu perdi no instante que recebi o
maldito convite para estar aqui.
Sentadas a uma mesa na área VIP de um dos lugares mais
badalados da cidade, estamos propositalmente isoladas do resto do
grupo. Enquanto isso, Flora e suas amigas comemoram a despedida
de solteira. Inclusive, neste momento, estão brindando à futura sra.
Werneck.
É claro que ela vai pegar o nome de Dionísio, aquela
ladrazinha. E o pior de tudo é que combina com ela. Flora Werneck
fica bonito para cacete!
— Vamos dançar. — Levanto-me de supetão, fazendo com
que alguns copos tremulem sobre a mesa.
— Não vou dançar. — Ana Júlia se recosta na cadeira, cruza
uma perna e faz um gesto negativo com as mãos. — Já passei dos
trinta, querida. Além disso, trabalhei o dia inteiro. O que eu quero é
chegar em casa num horário adequado, tomar um bom banho,
receber massagem nos pés daquele homem delicioso que chamo de
marido e, depois de um ou dois orgasmos, dormir em paz. Amanhã
cedo, sua afilhada vai me acordar querendo ir ao parquinho e preciso
ter um pingo de disposição.
— Velha — reclamo, colocando as mãos na cintura. — Eu
tenho campeonato no domingo e estou aqui, bebendo que nem uma
cachaceira sem futuro. Afundada na fossa. Perdida na vida. Sem
qualquer perspectiva, Ana Júlia, e você não vai fazer uma visitinha
ao fundo do poço só para mostrar sua solidariedade? — Ergo uma
sobrancelha para enfatizar o exagero, o álcool falando mais alto do
que meu último resquício de dignidade.
Aliás, tenho feito muito isso: procurar respostas que nunca
vou ter no fundo de um copo. Eficaz? Não. Mas sigo tentando.
— Ah, então foi com você que Íris aprendeu a fazer
chantagem emocional, né, sua cadela?
Dou de ombros e jogo o cabelo para trás.
— Ensino muitas coisas a ela.
Minha afilhada só tem três anos, mas comecei seu
treinamento desde cedo. Deus me livre ela virar uma mulherzinha
indefesa. E não estou me limitando a ensiná-la como se defender
fisicamente. Mulheres podem ter um arsenal a seu dispor, caso
queiram. Chantagem emocional, com olhos brilhando e um biquinho,
é só uma das possibilidades.
— Vamos, Júlia, por favor. Se eu precisar ficar aqui por mais
dez minutos, você não vai ter ninguém para cuidar de Íris no fim de
semana do congresso.
— Nem brinque com uma coisa dessas.
— Juro, vou parar na cadeia se ouvir outro “Florinha!” em um
tom típico de qualquer filme de líder de torcida dos anos 2000.
Olho para o grupo de mulheres na mesa ao lado. Todas
sorridentes, conversando alto e usando aqueles enfeites ridículos de
despedida de solteira. Coroas, echarpes de plumas, cordões
brilhantes… tudo deixando claro que Flora estará casada com o
homem que amo muito em breve.
Com a verdade tão exposta na minha cara, pego mais um
shot e, ignorando os protestos de Ana Júlia, viro o copo, bebendo
tudo de uma só vez. O casamento é a última coisa em que quero
pensar agora, e as formas de vingança sussurradas no meu ouvido
pelo diabinho da inveja também não ajudam.
Por isso, estendo a mão para Ana Júlia, que bufa antes de se
levantar.
— Isso! — Entrelaço nossos dedos e a puxo para a pista, sem
convidar ninguém para se juntar a nós.
— Só estou indo porque não quero te tirar daqui carregada,
Afrodite. Caramba! — ela resmunga como a velha que insiste em ser,
mas, no fundo, sei que está genuinamente preocupada comigo.
O problema é que eu não dou muita abertura, até mesmo para
as pessoas que aprendi a amar. E Ana Júlia, além de ser uma
dessas pessoas, também sabe respeitar limites. Acho que é por isso
que gosto tanto dela. Também pelo fato de que ela faz meu melhor
amigo absurdamente feliz. Sem falar do amor que sente por minha
afilhada.
A mulher é o pacote completo!
Quando Aquiles encontrou Íris em uma caixa de papelão na
porta de casa, ele jamais pensou que sua vida mudaria tanto. E parte
dessas mudanças foram por conta de Ana Júlia, que o apoiou e
adotou a filha dele.
Ela entrou na nossa vida e se recusou a sair. Posso não falar
em voz alta, mas sou muito grata por isso. Só que, nos últimos
meses, minha gratidão triplicou. Ana Júlia ficou ao meu lado, me deu
força e, o melhor de tudo, não ficou amiga de Flora. Um pensamento
mesquinho da minha parte, porém verdadeiro — e agora, tendo que
sofrer a felicidade da despedida de solteira, não consigo me sentir
mal por ele.
A boate está escura, ensurdecedora e lotada. Em tempos
normais, estaria aproveitando cada segundo, mas hoje só quero
esquecer. Assim que chegamos à pista, o Universo me dá um claro
sinal de que ainda me ama, porque o DJ começa a tocar a música
nova da Shakira.
— Una loba como yo no está pa' novato'. Una loba como yo
no está pa' tipos como tú, uh, uh, uh, uh![1]— canto sem qualquer
inibição enquanto rebolo a bunda como se fosse a própria Shakira.
Foda-se. Sei que, tecnicamente, Dionísio não me traiu. Nunca
tivemos nada, nem um único beijo. Mas o sentimento dentro de mim
é de completa traição. Por isso, uso a música como forma de
descarregar tudo aquilo que está entalado na minha garganta.
— Cambiaste un Ferrari por un Twingo. Cambiaste un Rolex
por un Casio![2]— grito com ainda mais força, sob o olhar descrente
de Ana Júlia.
Porque sim, ele trocou um Rolex por um Casio. Flora pode ser
linda e milionária, mas não chega aos meus pés. “Eu sou a porra de
um monumento!”, penso enquanto lágrimas escorrem por meu rosto,
misturando-se ao suor.
Posso estar fazendo algo que odeio, que é menosprezar outra
mulher, mas no fundo sei que isso não tem a ver com me sentir
melhor do que ninguém. É exatamente o contrário: eu luto, com
todas as forças, para não me sentir ainda pior do que já estou.
Desespero. Puro e simples desespero.
Danço até ficar sem fôlego. Danço como se isso fosse salvar
a minha vida. Danço a autoestima de Shakira, querendo sugar nem
que seja um pingo dela, já que Dionísio fez questão de destruir toda
a minha confiança.
Mesmo que Ana Júlia prefira estar em casa, ela dança junto
comigo. Sei que não aprova meu ódio por Flora — talvez nem seja
ódio o que sinto —, mas entende o porquê de eu ficar desse jeito. É
claro que Aquiles, aquele fofoqueiro, contou o meu problema logo
depois do pedido de casamento. E, para a minha surpresa, Ana Júlia
ficou do meu lado. Inclusive, está do meu lado até agora, quando o
que eu mais queria era fugir e nunca mais olhar para a cara do casal
felicidade eterna.
Ela não me abraça, mas aperta minha mão com força
enquanto dançamos. Aperto de volta, tentando engolir todas as
lágrimas que insistem em cair, traiçoeiras. Não as quero aqui. Não
quero mais chorar por alguém que nunca vai estar disponível para
sanar a minha dor.
Nem aguento mais isso, na verdade. Já chorei demais no
último ano.
Eu só queria ter o poder de seguir em frente. Aceitar que nem
todas as lutas a gente vence. Só que nunca fui boa em perder,
dentro ou fora dos tatames.
Isso é uma droga, porque, desta vez, sinto como se tivesse
perdido parte do meu coração.
— Você quer ir embora? — Júlia pergunta por cima da
música, e desvio o olhar para que ela não veja que as lágrimas
continuam caindo. — Posso inventar uma desculpa, dizer que estou
passando mal e que você vai me levar para casa.
— Não quero estragar a sua noite — é o que consigo
responder, e seu aperto em minha mão se intensifica, até que sou
obrigada a olhar para ela.
— Te ver assim é o que está estragando a minha noite —
responde, convicta, gritando para que eu possa ouvir. — Não só a
minha noite, Afrodite, mas todos os dias desde que esses dois
ficaram noivos. Eu sequer consigo gostar da Flora, e ela nem tem
culpa de nada! Mas sempre que olho para os dois tão felizes, eu me
pergunto como nenhum deles percebeu o quanto estão te matando
por dentro. Eles são cegos, ou o quê?! Que raiva!
Eu poderia dizer que ela não precisa pensar assim. Que o
meu problema com Flora — que não é bem um problema, já que ela
sequer sabe da existência dele — não tem que influenciar na relação
das duas, mas não digo. Não digo, porque sou egoísta e quero ter
alguém que me escolha nessa história.
Eu preciso ser a preferida de alguém. Mais do que isso,
preciso encontrar uma forma de superar. Não posso passar o resto
da minha vida pensando no amor que nunca tive. Também não
posso ficar esperando — nem torcendo — que os dois se separem e
Dionísio me note.
Tenho que aceitar o balde de água fria do destino e seguir
dando um jeito na minha vida. Preciso mudar. Preciso viver de novo.
Preciso arrancar esse amor que existe dentro de mim.
— Então, me tira daqui. Por favor, só me tira daqui.
Ana Júlia me olha daquele jeito e se rende ao abraço que
tentou conter até agora. Ele é rápido, mas, surpreendentemente, faz
com que eu me sinta um pouco melhor.
Quando ela me solta, dá um sorrisinho triste de canto e diz:
— É pra já.
Capítulo 2
Romeu

— Nós somos os Gladiadores, não aceitamos perder. Vamos


tirar o sangue daqueles malditos que se acham no direito de arrancar
o que é nosso. Merecemos a taça, merecemos o grito de vitória.
Agora, vão lá e destruam seus inimigos!
Às vezes, acho que meu pai rouba discursos de vilões em
filmes de luta. Só pode.
Talvez eu seja o único a ver as semelhanças entre ele e John
Kreese, ou então a galera realmente abraçou todo esse conceito de
No Mercy do Cobra Kai — versão antiga, não o seriado legalzinho e
fora da realidade. Como assim um moleque ganha a faixa preta
semanas depois de começar a treinar? Será que ninguém entende
como é trabalhoso merecer essa honra?
E não é só o tempo dedicado ao tatame — seja lá qual a arte
marcial escolhida. São anos de suor, anos de dedicação. Anos de
comprometimento e estudo. Aí, porque sofreram bullying na escola,
um bando de adolescentes sem louça para lavar resolve que está na
hora de aprender a se defender. De repente, a fada da luta aparece
para ajudar os indefesos, porém honrados. Inclusive, ela pode vir no
estilo The Rock, usando aquela roupinha de fada mesmo. Acho que
vi esse filme com Thiago. Meu irmão mais novo não confessa, mas
acho que ele tem uma quedinha pelo The Rock.
— Realidade chamando. Um, dois, três, chamando. — E por
falar no diabo… Thiago imita um robô enquanto move uma mão na
frente do meu rosto.
— Estou na zona — minto descaradamente, desviando o
olhar. Sei que meu irmão percebe que me perdi em pensamentos
aleatórios. Toda vez que fico tenso, isso acontece. Mas, por algum
motivo, ele resolve não me acusar pela mentira.
— Todo mundo já está entrando. Vai ficar pra trás? — Thiago
aponta para a porta, por onde todos os Gladiadores seguem em
direção à arena.
— Vou em um minuto. — Dou dois tapinhas no ombro dele,
empurrando-o de leve.
Preciso ficar sozinho por um tempo e me concentrar antes da
luta. Hoje é dia de campeonato — nada oficial, apenas um torneio
entre as academias da região — e tenho que dar o meu melhor.
Como sempre faço.
Não que Jiu-Jitsu seja o centro da minha vida. Pelo menos,
não mais.
Eu já quis muito ser um lutador profissional, viver do esporte e
deixar minha família orgulhosa, mas isso foi há muito tempo. Quando
cresci e percebi que metade do que meu pai colocava em nossas
cabeças eram delírios de um homem frustrado, e que o mundo tinha
muito mais a oferecer se eu estivesse disposto a procurar, acabei me
abrindo a novas possibilidades.
Hoje, continuo treinando com afinco, afinal a luta me ajuda a
manter meu corpo em forma e meu cérebro em pleno funcionamento.
Foco, disciplina e atenção redobrada: tudo o que eu preciso para me
ajudar a estudar. Me concentrar em qualquer mínima tarefa é uma
batalha que se torna menos árdua depois de um bom treino.
Outra coisa que me fez deixar o Jiu-Jitsu em segundo plano
foi o incentivo inexistente para qualquer atleta que não seja um
jogador de futebol nesse país.
Olho ao redor e aprecio a beleza que é um vestiário barato em
um clube de merda. O cheiro de suor, os armários enferrujados, as
paredes descascadas, o piso meio grudento… ah, a vida plena de
um atleta brasileiro. O glamour, senhoras e senhores!
Respiro fundo e tento tirar todos os pensamentos aleatórios
da minha cabeça. Em condições normais de temperatura e pressão,
isso é quase impossível. E talvez seja por este motivo que eu goste
tanto de lutar: quando estou no tatame, o resto do mundo parece
desaparecer. O caos vira tranquilidade e consigo focar apenas em
derrotar meu oponente. Não para mostrar que sou melhor, ou por
conta de uma competitividade infundada. É só que… às vezes, sinto
como se este fosse o único lugar onde minha mente fica em silêncio.
Por isso, dou o melhor de mim. Invisto minha alma e meus
músculos em cada golpe. Não desisto com facilidade e treino mais
do que qualquer outro Gladiador da academia. Não é por eles, muito
menos por meu pai. É por mim.
Não quero chegar mais longe do que já estou. Pisando em
qualquer tatame, não importa se de uma grande competição ou só
do Coliseu, sei que tenho tudo o que preciso.
Dou alguns pulinhos no lugar quando ouço o apresentador do
torneio dar início às introduções. Campeonato local, prêmio modesto,
honra e glória para a academia vencedora: toda a ladainha de
sempre. Porém, no momento que ele anuncia o Olimpo, a torcida vai
à loucura. Curioso com a comoção, saio do vestiário e meus olhos
seguem direto para a pequena torcida. Várias mulheres gritam o
nome de Aquiles e Dionísio. Outras chamam por Eros e Hércules.
Enquanto isso, ela está sentada, olhando para o tatame, com
os antebraços apoiados nos joelhos inquietos. O cabelo castanho
preso em uma trança complexa. A expressão determinada, como se
nada neste mundo fosse capaz de afetá-la.
Afrodite.
O nome faz jus à mulher mais impressionante que já vi. E, por
algum motivo, cada vez que a vejo ela parece ter ficado ainda mais
linda. Desviar a atenção é impossível. O apresentador continua
falando, a torcida não para de vibrar e os lutadores se organizam
atrás de cada canto do tatame — cada um reservado para uma
equipe. Enquanto isso, eu apenas a encaro.
“Essa fascinação está ficando ridícula, Romeu”, uma voz soa
em minha mente, e preciso admitir que ela tem razão. Mas não
consigo me controlar. Sou fissurado por essa mulher desde que
descobri para que meu pau funciona — e o desgraçado sempre se
interessou por ela. Sempre.
Tá, não desde tão cedo. Mas talvez quando Afrodite tinha uns
dezoito anos e eu, de vinte e um para vinte e dois. Mesmo assim, é
como se ele soubesse que Afrodite é fruto proibido e, por
consequência, ainda mais gostoso. É claro que o resto do corpo foi
devidamente influenciado. Agora, não consigo estar no mesmo
ambiente que ela sem parecer um idiota que precisa controlar a
própria ereção.
O apresentador anuncia o primeiro duelo, e dou graças aos
deuses da luta que meu nome não é chamado. Mas minha felicidade
logo se desfaz ao ouvir o dela.
Forço meus pés a caminharem para junto dos outros
Gladiadores, porém não me sento, sem conseguir tirar os olhos
quando ela faz uma reverência e entra no tatame. Sua oponente é
uma lutadora de outra academia, já que meu pai jamais permitiria
que mulheres treinassem no Coliseu.
Só os mais fortes têm direito de pisar em nosso solo sagrado,
ele costumava dizer quando eu ainda tentava o questionar. Mulheres
não têm a força necessária, nem o comprometimento. Às vezes, a
babaquice dele passa dos limites, dando motivo para as nossas
constantes brigas. E o pior é que meu irmão mais velho, Júnior,
pensa igualzinho — assim como a legião de seguidores idiotas do
Coliseu. Ainda bem que não são todos.
De repente, a luta começa e meus pensamentos se limitam à
mulher no tatame, que logo mostra a que veio. Afrodite parece
dançar, observando a outra em busca de uma abertura.
Está para nascer alguém que tenha um melhor jogo de lapela,
e Afrodite aproveita seu ponto forte para ir ao chão. É claro que
encontra resistência e acaba ficando por baixo, só que isso não a
impede de fazer o que é preciso. Na verdade, ela é tão bem treinada
que não importa se está por cima ou por baixo, sempre tira vantagem
da situação.
Minha mente logo conjura imagens dela por cima. E por baixo.
E de lado. Com certeza de quatro, com aquela bunda empinada
enquanto eu…
— Ponto! — Alguém do outro lado do tatame grita. Acho que
foi Apolo, que agora comanda o Olimpo.
Zeus, o pai de Afrodite, recentemente se aposentou para ter
mais tempo com a família — principalmente a neta. Mesmo assim,
ele está sentado ao lado da equipe, encorajando todo mundo. Atitude
digna do mestre que eu sei que ele é. Sou da academia adversária,
mas reconheço quando um homem é grande. E quando não é.
É então que Afrodite, com toda a potência de seu 1,62cm e
58kg, chama na guarda, envolvendo a outra com as pernas enquanto
se mantém firme. É quase impossível quebrar a guarda dela agora,
fazendo com que a oponente tenha muita dificuldade de ganhar
espaço.
Afrodite dá uma laçada de lapela, travando a outra e
deixando-a com medo de arriscar. Não sei se é a determinação ou a
consciência de que é a melhor no tatame, mas não demora para que
ela logo encaixe um leg lock perfeito, obrigando sua adversária a
bater duas vezes no chão, desistindo e encerrando a luta com
apenas três minutos.
Essa mulher é um espetáculo, e fica ainda mais irresistível
quando está suada, descabelada, ofegante e com uma expressão
séria após a vitória. Sem comemorar, ela aperta a mão da outra
competidora e vai para junto de seus companheiros de equipe, que a
recebem com abraços e gritos de parabéns.
Aquiles a pega no colo e a sacode de um lado para o outro,
deixando um beijo no topo de sua cabeça antes de recolocá-la no
chão. Pela primeira vez, sinto inveja dele. Não importa quantos
títulos tenha, muito menos o fato de que conseguiu aquilo que antes
eu quis muito — se tornar um lutador profissional. O que realmente
me deixa puto é que ele pode abraçar Afrodite quando bem entender.
Nossa, eu sou patético mesmo. Mas o que posso fazer se, há
anos, sonho em vê-la usando apenas o meu quimono?
— Cara, é sério. O que está acontecendo com você? —
Thiago vem para o meu lado. Otávio também.
— Por que alguma coisa estaria acontecendo?
— Porque você tá com essa cara de novo. — Otávio aponta
para o meu rosto, como se isso justificasse alguma coisa.
— Não tô com cara nenhuma. Só estava assistindo à…
— Afrodite — os dois cantarolam ao mesmo tempo, batendo
os cílios como se fossem adolescentes apaixonadas.
— À luta — corrijo-os.
— U-hum — meu irmão ironiza. — Então, por que não está
assistindo ao Vini perder feio para o Hércules, hein?
— Porque vocês estão me atrapalhando. — Cruzo os braços
na frente do corpo e coloco uma expressão fechada no rosto.
— Continue se iludindo — Otávio brinca. — Vamos pegar uma
pipoca enquanto isso, porque o show é sempre bom.
— Vai ficar melhor ainda se meu pai ou o pai dela perceber
um dia. — Thiago ri. — Ou os irmãozinhos de tatame dela! Quero
estar na primeira fila com o extintor na mão enquanto vejo o circo
pegar fogo.
— Ou você pode pegar esse extintor e enfiar bem no meio do
seu…
— Como você morde a isca fácil, Romeu. Não demorou dois
minutos para ficar puto.
É sério. Como isso aí saiu do mesmo útero que eu?
— Vocês deveriam estar se concentrando para a luta, isso sim
— repreendo, dando fim a essa conversa irritante, embora eu não
possa discordar. Se qualquer um dos lutadores do Olimpo perceber
um olhar mais demorado meu sobre a “irmã” deles, serei caçado feito
um bicho.
Não que ela precise de alguém para defendê-la. Afrodite é
mais intimidadora do que qualquer um deles quando quer. E ela
sempre quer.
— Não dá para ficar concentrado enquanto você parece o
emoji com coração no lugar dos olhos, Romeu. — Meu irmão ri, e
aproveito para mostrar o dedo do meio.
Antes que Thiago tenha a chance de continuar me
provocando, o apresentador anuncia o terceiro duelo, e meu nome é
finalmente chamado. Enquanto abro caminho entre as pessoas que
estão na minha frente, ouço o nome do meu oponente pelos alto-
falantes: Dionísio.
Puta merda, eu odeio lutar contra esse otário.
Não que eu não dê conta dele, porque eu dou. Claro, não sou
arrogante o suficiente para não enxergar o talento e as habilidades
do meu oponente. Dionísio é bom. Não vou morrer se admitir isso.
Mas o contrário parece não acontecer, e o que me falta em
arrogância, sobra nele em deboche.
Mal piso no tatame e o idiota já começa com as provocações:
—Eu até imaginava que seria fácil, mas começar com o mais
fraquinho do Coliseu? — ele sussurra, segundos após fazer a
reverência.
Uma olhada em seu rosto e consigo ver ali o prazer em me
tirar do sério. Não é só pela luta, é muito mais pessoal. Ser um
Gladiador já é ruim, mas, para eles, ser um dos filhos de Júpiter é
imperdoável.
Não dá para dizer que não compartilho do mesmo sentimento.
Às vezes, até eu me irrito por isso.
— Fale menos e lute mais — é o que me limito a responder.
— Aposto que te derrubo em dez segundos — ele diz.
Dou risada. Que cuzão.
Será que esses idiotas do Olimpo ainda não saíram da quinta
série?
— Sonhar não custa nada, Teseu. — Sorrio e me preparo.
Não vou cair em suas provocações, e é isso que o irrita.
Dentre todos os Gladiadores do Coliseu, na maioria das vezes, sou o
único que nenhum deles consegue desestabilizar.
Por que eu sou equilibrado? Nem fodendo.
É porque eu não estou nem aí.
E nada é mais poderoso do que não estar nem aí.
Capítulo 3
Afrodite

Cadê você? Já estamos no bar.

A mensagem de Aquiles pisca na tela. Merda. Não posso mais


enrolar. Eles estão esperando por mim e não tenho uma desculpa
esfarrapada o suficiente para me tirar dessa.
Ter que sair com Dio e Aquiles — em uma despedida de
solteiro que contará com apenas nós três — me faz sentir vontade de
vomitar. Sempre amei passar um tempo com aqueles dois, mas
hoje… hoje eu só queria me entupir de chocolate e comemorar
sozinha a minha vitória no campeonato.
Respiro fundo e encaro meu reflexo, tentando criar coragem
para sair deste vestiário imundo. Depois que a competição chegou
ao fim, vim para cá e comecei a me arrumar. Os meninos fizeram o
mesmo, mas é claro que terminaram em cinco minutos. Já eu preciso
estar no meu melhor. Coloquei meu vestidinho preto, saltos e até
passei maquiagem, caramba! Porém nada disso é suficiente para me
fazer sentir bem comigo mesma.
— O que você quer? — Escuto uma voz masculina vindo do
corredor.
— O que você acha? — Outra voz masculina, que parece ser
de alguém mais velho. Há algo de familiar nela, mas não consigo
reconhecer de imediato. — Precisamos conversar sobre aquele
showzinho de merda, Romeu.
A menção ao nome do Gladiador faz com que todo o meu foco
permaneça na conversa.
— Eu ganhei a porra da luta. Não era isso o que queria? —
Romeu rebate, e sou vencida pela curiosidade.
Dou alguns passos até a porta e abro apenas uma frestinha,
mas que me permite ver os dois no corredor, a uns seis metros de
distância. Eles se encaram, sem notar que há uma tremenda
fofoqueira espionando.
De onde estou, posso ver a semelhança entre Júpiter e
Romeu. Pelo menos, a física. Os dois são altos e musculosos, mas
noto que o filho tem alguns centímetros a mais que o pai — e talvez
seja essa pequena diferença que o faz dar um passo à frente e
manter a postura de desafio.
— Não estou me referindo a você, moleque. Você fez o
mínimo para vencer, como sempre. — Há um certo desprezo na voz
de Júpiter, que me deixa bastante confusa.
A vitória de Romeu foi nada menos do que espetacular. Nunca
tinha visto alguém tão grande se mover tão rápido.
— Então, qual é o problema desta vez?
— O problema?! — Júpiter soa ainda mais irritado. — Você
não viu o vexame que aquele pirralho me fez passar?
— Você está se referindo ao seu filho caçula?
— De quem mais eu estaria falando?
— Talvez de Júnior, porque ele, sim, tomou de lavada do
Aquiles. Thiago, por outro lado, se manteve firme o tempo todo e
perdeu por um mísero ponto. — Posso ver as costas de Romeu
ficarem mais eretas, o que me diz que ele está pronto para a briga.
— Não me venha com essa conversinha. Você sabe muito
bem por que Thiago perdeu.
— Não sei. Por favor, esclareça.
Júpiter solta o ar com força, a ponto de eu conseguir escutar o
som daqui.
— Desde que ele decidiu ser médico, não se dedica mais.
Fora que você deveria ter treinado seu irmão melhor. Se tivesse, o
fedelho teria ganhado. Mas não… — Balança a cabeça. — Vocês
dois preferem ficar com a cara enfiada nos livros em vez de fazer o
que for preciso pelo bem do Coliseu. Como sempre, vocês me
decepcionam. Você, principalmente. Tanto potencial… pra quê? Pra
nada! Nada! Você não serve pra nada, Romeu!
O silêncio fica quase insuportável enquanto os dois se
encaram. Por um momento, penso em sair daqui. Não há dúvidas de
que estou presenciando uma conversa bastante particular — e
surpreendente — entre eles.
Que Júpiter era um tremendo babaca, eu já sabia há anos.
Mas que tratava os próprios filhos assim… não, isso nunca imaginei.
Vejo a respiração de Romeu ficar pesada. As mãos se abrem
e fecham ao lado do corpo, como se precisassem socar alguma
coisa. Entendo o sentimento muito bem. Não estou na conversa e
adoraria socar a cara ridícula de Júpiter.
Mas então Romeu me surpreende:
— Era só isso? — pergunta com uma neutralidade invejável.
Acho que o pai também não esperava por essa indiferença,
porque fica sem resposta por alguns segundos, até que se recupera
do susto.
— Por hoje.
Romeu não pensa duas vezes e começa a caminhar em
direção à saída, enquanto Júpiter acompanha seus movimentos com
os olhos.
Fecho a porta do vestiário bem devagar, dando graças a Deus
pelo pai que tenho.

✽✽✽

— Você deveria estar sorrindo, Dio — aponto o óbvio. — É


sua despedida de solteiro.
— Não estou no clima — é tudo o que ele diz, cruzando os
braços enquanto mantém os olhos presos na luta de MMA que passa
no telão do bar.
— Você não tem que dar tanta importância ao que aconteceu
mais cedo — Aquiles pisca um olho para mim, sabendo que isso
deixará Dionísio ainda mais irritado.
— É normal, acontece com a maioria dos caras e não é
grande coisa — faço uma referência a Friends, o que obriga Aquiles
a soltar uma gargalhada.
— Vá se foder, Afrodite! — Dio xinga, alcançando o copo de
cerveja e bebendo tudo de uma vez só.
Eu deveria estar triste por ele, mas não consigo deixar de
sentir aquela satisfaçãozinha gostosa dentro do peito. Ver Dionísio
largado no tatame após Romeu o ter derrotado em menos de dez
segundos foi a melhor coisa que aconteceu no último ano. E olha
que eu nem gosto daqueles Gladiadores.
Tudo bem que, depois de ouvir aquela conversa, ganhei um
novo tipo de respeito por Romeu — que ficou ainda maior quando
combinado à demonstração de talento. Preciso admitir que o cara é
bom.
Ele finalizou a luta antes mesmo de começar. Segurou
Dionísio pelas lapelas e envolveu o pescoço dele com as pernas,
levando-o ao chão e garantindo a vitória mais rápida que já vi.
Uma pequena vingança do Universo.
Não que eu goste de ver meu melhor amigo com essa cara
arrasada, só que… é bom não ser a única a se sentir uma merda o
tempo todo.
— A próxima rodada é por minha conta — Aquiles avisa e se
levanta do banquinho, seguindo na direção do barman e me
deixando sozinha com Dio.
Diferente de mim, os rapazes não costumam beber, mas a
noite de hoje pede por cerveja bem gelada. Com uma derrota para o
Coliseu e uma despedida de solteiro dentro das mesmas vinte e
quatro horas, não beber seria praticamente um crime.
— É sério, não precisa ficar assim. Romeu é o melhor do
Coliseu e você sabe disso. — Dionísio me olha como se não
acreditasse nas palavras que acabaram de sair da minha boca. —
Você sabe disso — reforço.
Um pouco de humildade não mataria ninguém por aqui.
— O que eu sei é que esse tal de Romeu é um babaca. Um
playboyzinho de merda que não faz porra nenhuma da vida, como
todos esses otários do Coliseu.
Posso ver a raiva evaporando pelos poros dele. E por mais
que meu lado passional tenha adorado vê-lo no chão, meu lado
racional fica em conflito, porque sei muito bem o quanto essas
competições importam para ele, já que meu amigo não se
profissionalizou — como sempre quis.
Elas fazem com que Dionísio tenha motivos para continuar
treinando.
— Olha, eu sei que perder é uma merda. Nenhum de nós
gosta disso. Só que aconteceu, e paciência. Mas essa é a sua
despedida de solteiro, Dio. Tente aproveitar. — As palavras saem
rasgando meu peito, amargas feito fel na garganta.
Não porque são mentira, mas porque, mais uma vez, eu
preciso estar em uma droga de evento que me lembra que esse raio
de casamento está cada vez mais próximo. E eu, grande amiga que
sou, estive presente em ambas as comemorações. Estarei presente
nas próximas também.
Maravilha!
Quando acho que estou quase convencendo-o com minhas
palavras, seu olhar muda de direção, e ele aperta o copo de cerveja
com tanta força que tenho medo de que se quebre.
— Como vou aproveitar, se esse idiota parece que está em
todos os lugares, porra? — Dio quase rosna, os olhos grudados na
entrada do bar. Quando me viro para ver do que ele está falando,
vejo Romeu e alguns amigos entrando, completamente
despreocupados.
Como ele pode estar tão tranquilo depois da discussão que
teve com o pai?
— Eu falei pra gente fazer isso no Olimpo — resmungo o
óbvio, enquanto continuo observando a entrada dos rapazes.
É uma droga que eu tenha olhos, mas é impossível não
reparar em como ele está bonito hoje.
Não que isso — ou o que ouvi — mude o que sinto sobre
Romeu e sua academia de merda. Mesmo assim, tento disfarçar
enquanto aprecio o homem que se destaca no meio da multidão:
1,90m, cabelos castanhos, olhos cor de avelã e um porte de quem
entende muito bem do que é capaz. E essa confiança toda só o
deixa ainda mais desagradável.
— Como eu ia adivinhar que viriam para cá? Até nisso eles
querem ser iguais a gente.
Reviro os olhos com a criancice do meu amigo. O bar que
estamos é o mais próximo da academia, o santuário para os
lutadores fora de época de competição. Tem luta no telão o tempo
todo, cerveja estupidamente gelada e gente bonita para os solteiros
conhecerem.
Estranho seria eles não estarem aqui.
— E a festa acaba de ficar mais interessante — Aquiles
encosta no balcão ao meu lado, enquanto observamos a expressão
de ódio em Dionísio. Não que Aquiles goste do nosso rival, mas se
tem uma coisa que ele adora é o caos.
Se tem chances de o parquinho pegar fogo, ele traz a gasolina
e fósforo só por garantia.
— Nem pense em fazer algo estúpido — alerto, ganhando a
atenção dos dois.
— Do que você está falando? — é Aquiles quem pergunta,
agora um pouco mais alerta.
— Dio já bebeu demais por hoje. — Seguro o ombro dele,
sentindo a palma da minha mão queimar com o calor da pele. Ignoro
a sensação e continuo falando: — A última coisa que você quer
agora é uma revanche, ouviu?
— Ele não seria tão estúpido. — Aquiles reveza olhares entre
mim e Dio, enquanto nos serve de mais cerveja. — Seria?
“Seria”, porém opto por ficar calada.
— Eu adoraria dar uma surra no playboyzinho — Dionísio
confirma minhas suspeitas.
— Zeus comeria teu cu tão lindamente que você não andaria
por uma semana. — Aquiles ri. — E depois seria a vez de Apolo.
Dionísio não responde, apenas bebe toda a cerveja em seu
copo, ignorando nossos comentários. Mesmo assim, posso ver o
“vão os dois se foder” estampado em seu rosto. Sei que ele é
competitivo, mas partir para cima de Romeu agora seria uma
estupidez sem tamanho. Até porque, sem sombra de dúvidas, meu
amigo levaria a segunda coça do dia. É claro que não digo isso a ele.
Perder uma vez para os Gladiadores é ruim. Perder duas é
desmoralizante — e Dionísio sabe muito bem disso. Só que estamos
aqui há algumas horas, e nosso estado ligeiramente embriagado nos
deixaria em grande desvantagem. Fora que nos garantiria o
banimento vitalício do bar — e eu adoro este bar.
— Vamos fingir que ele não está aqui e… — começo a falar,
porém logo sou interrompida.
— Olha só, gente! — O irmão mais novo de Romeu aparece
bem atrás de nós, mas não me viro. — O Olimpo também está aqui!
— Se eu fosse você, Thiago, ficaria do outro lado. — Aponto
para a extremidade oposta do bar, sem ao menos encarar o caçula
de Júpiter.
— Mas eu queria tanto ficar grudadinho em você, Afrodite…
— Ele abaixa o rosto para sussurrar no meu ouvido, ainda às minhas
costas. Então, Thiago coloca a mão no meu ombro, se aproximando
ainda mais.
Um, dois…
Não resisto e me viro, segurando e torcendo o braço dele no
processo, enquanto obrigo sua bochecha esquerda a ficar colada no
balcão.
Escuto risadas ao nosso redor, que são devidamente
ignoradas, e apenas cochicho:
— Nunca me toque sem permissão — ameaço, forçando o
braço e arrancando um gemido dele.
— Desculpe, desculpe.
Solto-o com um empurrão e dou dois passos para trás,
esbarrando em alguém. É então que percebo Dionísio e Aquiles já de
pé, como se estivessem prestes a avançar.
— Eu falei para ele não vir provocar vocês, só que o Thiago
tem hormônios em vez de neurônios no cérebro.
Viro-me abruptamente ao som da voz grossa, e sou obrigada
a levantar o rosto para poder encarar seu dono. Romeu.
De longe, o filho da mãe é bonito. De perto, descubro que é
cheiroso também. Isso não é justo.
— Para a segurança do seu irmão, acho melhor levá-lo
embora daqui. — Encaro Romeu enquanto coloco as mãos na
cintura, no que espero ser uma pose de quem não está nem um
pouco intimidada com a presença deles.
Só que o desgraçado apenas ri.
— Seu desejo é sempre uma ordem, Afrodite. — O modo
como ele fala meu nome parece conter algum segredo, que nem eu
sei do que se trata. E por mais que eu queira confrontá-lo e obrigar
aquele sorrisinho torto a sair de seus lábios, apenas fico parada, sem
deixar que minha expressão revele qualquer coisa. — Espero que a
noite de vocês seja tão boa quanto a minha. — Desta vez, Romeu
encara Dionísio, e o sorriso em seu rosto muda de sedutor para
debochado.
Ah, não…
Antes que eu me dê conta do que está acontecendo, sou
afastada para o lado quando Dio marcha para cima de Romeu,
empurrando-o pelo peito. Só que o diabo é grande, e possivelmente
já estava esperando por alguma reação, porque não cede um
centímetro.
A impressão que tenho é de que o bar inteiro parou o que
estava fazendo para assistir. O MMA na TV não é mais tão
interessante assim.
Olho para os dois homens que se encaram. Enquanto a raiva
transborda de Dionísio, o humor parece dominar Romeu.
— Fale com ela de novo, e juro que você perde a língua —
Dio ameaça, e as palavras que saem de sua boca, mesmo que
inconvenientes, fazem borboletas voarem em meu estômago.
Ele está defendendo a minha honra. Não que eu precise
disso, é claro, só que, ao vê-lo assim, não consigo evitar de sentir
uma pontada de esperança. Porque, lá no fundo, Dionísio também se
importa comigo.
— Você é muito sensível, Teseu… — Romeu brinca,
arrancando risadas de seus companheiros.
No Olimpo, nossos nomes mudam de acordo com as
graduações. Começamos como Heróis e evoluímos para Deuses.
Dionísio um dia foi Teseu, assim como Aquiles se tornará Hades
muito em breve. Nem sei por que ainda não trocou.
Já eu sempre fui Afrodite, que é meu nome de batismo.
— Vou repetir uma única vez: mantenha-se bem longe dela.
— Apenas poucos centímetros separam os dois, e dá para sentir a
tensão a quilômetros de distância.
Em situações normais, não deixaria que um homem me
defendesse desta forma, principalmente porque Romeu não fez nada
demais. Mas ver que Dionísio se importa comigo faz com que aquele
conflito que eu sentia antes se intensifique. Eu quero que ele brigue
por mim. Quero que se incomode quando outro homem está por
perto. E todos os motivos que me levam a pensar assim são
extremamente egoístas e… errados.
Ele está noivo, cacete! Seu casamento acontecerá em uma
maldita semana!
— Afrodite é capaz de lutar as próprias batalhas — Romeu
revida. — Diferente de você, pelo visto. — Agora, ele dá uma
piscadinha suicida.
O rosto de Dionísio fica vermelho com a insinuação, e sei que
meu amigo passou da fase racional. Com mais um passo à frente,
ele elimina o resto da distância até Romeu, deixando-os nariz com
nariz.
— Fale isso de novo e você é um homem morto.
— Chega! — Aquiles se mete entre eles, afastando-os pelo
peito. — Você — diz para Dionísio —, volte para o seu lugar. E você
— ele se vira para Romeu —, volte para o buraco de onde saiu, junto
com os seus amiguinhos. Você pode até ter derrotado Dionísio mais
cedo, só que duvido que consiga o mesmo resultado comigo. — O
tom dele deixa claro que não está para brincadeiras.
— Não vou deixar que esse babaca ameace Afrodite —
Dionísio não desvia o olhar, sua voz cada vez mais grave.
— Não me lembro de ameaça nenhuma. — Romeu ergue
apenas uma sobrancelha, como se o desafiasse a contestar.
É neste momento que me pergunto o que diabos está
acontecendo. Quando foi que eu virei o centro das atenções para
esses dois? Ou será que sou só uma desculpa esfarrapada para se
enfrentarem de novo?
— Fique. Longe. Dela — Dio ameaça outra vez.
— Aprenda. A. Lutar. — Romeu sorri.
Puta merda, esse cara quer morrer. Só pode.
E o resultado da provocação vem logo em seguida, quando
Dionísio o acerta em cheio antes que qualquer um de nós consiga
reagir.
Solto um grito de susto, ao mesmo tempo que me movo até
eles, segurando o braço do meu amigo.
— Pare com isso!
— Foi ele que começou — diz o quinta série. Entro no meio da
briga, de costas para Aquiles enquanto encaro Dio, e aponto um
dedo em seu rosto.
— Chega. Está na hora de você ir para casa.
— Mas estou na minha despedida de solteiro, e agora as
coisas estão ficando bem divertidas, Afrodite.
Olho para trás e vejo que Romeu ainda não tirou o sorriso do
rosto, apesar de ter uma gota de sangue escorrendo de seu lábio
inferior.
— Exatamente, Dionísio. — O Gladiador se desvencilha de
Aquiles. — Você está noivo, na sua despedida de solteiro. Então, por
que se preocupa tanto com a Afrodite?
— Porque ela é minha irmã, caralho. E eu morro três vezes
antes de deixar você chegar perto dela. — A resposta de Dionísio é
como um soco em meu estômago.
Minha irmã.
Merda. Ele nunca me verá de forma diferente. Não que eu
estivesse esperando por isso agora, mas…
— Vamos parar com essa palhaçada? — digo antes que eu
possa fazer uma besteira, como esfregar na cara daquele filho da
mãe o quanto as duas palavrinhas me machucam. — Sério, Dio, vá
para casa. Aquiles, leve ele daqui.
— E você vai ficar com esse playboyzinho?
— O que eu vou fazer é problema meu. — Cruzo os braços na
frente do corpo, desafiando-o a continuar.
— Vem logo. — Aquiles começa a puxar Dio. — Vai ficar bem?
— ele pergunta para mim e apenas assinto com a cabeça.
— Vou terminar minha cerveja e já vou para casa, não se
preocupe.
— Quer que eu volte para te buscar? — oferece.
— Eu pego um táxi — garanto.
Na verdade, tudo o que mais quero agora é não ter que olhar
para a cara bonita de Dionísio. E se, para isso, eu tiver que ficar no
mesmo espaço que um bando de Gladiadores, então que seja. Um
pequeno preço a se pagar.
Aquiles apenas assente enquanto carrega Dio, que ainda solta
fogo pelas ventas.
É claro que Romeu não deixaria quieto. Ele acena com uma
mão e joga um beijinho na direção dos dois, obrigando Aquiles a
usar mais força para conter Dionísio.
Quando penso em mandá-lo caçar sua turma, ele já fez isso.
Sem dizer mais nada, Romeu limpa mais uma vez o canto da boca,
balança os ombros e dá de costas, andando na frente e fazendo
seus amigos irem com ele.
Sem gracinhas, sem provocações comigo. Pelo visto, seu
problema é apenas com Dionísio.
Quem diria… o meu também é.
Capítulo 4
Romeu

Já estou do outro lado do salão, fazendo meu pedido ao


barman, mas não consigo tirar os olhos de onde ela está.
Sentada sozinha, Afrodite não foi embora junto com eles. Ela
enche o copo com a garrafa que ainda está no balcão e bebe quieta.
Mesmo de longe, consigo ver que ela limpa o canto dos olhos, e não
preciso ser um gênio para saber que está chorando. As lágrimas
parecem aumentar, porque ela as enxuga quase com furor, como se
estar assim fosse vergonhoso.
Não é possível que tenha ficado tão chateada por causa
desse desentendimento idiota. Ou é? Se for, eu vou me sentir um
babaca.
— O Dionísio já foi embora, Romeu — meu irmão aponta. —
Então, por que você continua olhando para lá?
Solto o ar com força.
— Vai querer controlar até para onde eu olho agora, Thiago?
— Ele solta uma risadinha, levando o copo à boca. Respiro fundo e
bebo do meu também, dando de ombros. — Ela tá chateada. Só
fiquei preocupado que pudesse ser por causa do showzinho que
demos agora há pouco.
Meu irmão estica o pescoço e, depois, me olha novamente.
— Ela tá esquisita mesmo.
Diferente de Júnior, o mais velho, Thiago não é um babaca.
Meu irmão mais novo é só um moleque de vinte anos que adora
aproveitar a vida, pegar mulher e fazer piada de tudo, até mesmo de
si próprio. O tipo de cara que leva tudo numa boa, sem se preocupar
muito com o mundo à sua volta. Mas nem de longe é mau-caráter.
No máximo, um pouco imaturo.
— Acho que vou lá ver como ela está — profiro as palavras
como se essa fosse a ideia mais inteligente do mundo e me levanto
da cadeira.
Meu irmão tira o celular do bolso, apontando-o para mim.
— Por favor, faça isso — incentiva.
— Que porra você está fazendo?
— Me preparando para filmar o exato momento que você vai
tomar um chute no saco. — Thiago abana a mão livre, incitando: —
Vai, anda logo.
Bom, é inegável que é isso o que vai acontecer se eu me
aproximar dela, então me sento novamente.
Thiago está prestes a reclamar, mas, antes que consiga abrir
a boca, sinto mãos escorregando por meu ombro. Inclino a cabeça
para o lado, apenas o suficiente para ver unhas pintadas de
vermelho arranhando minha pele.
— Oi, Romeu — a loira que se materializa ao nosso lado diz
de forma sensual, me fazendo levantar a sobrancelha. Eu a
conheço? — Vi sua luta hoje, foi incrível.
Ah, isso. Uma maria-tatame.
Lembro-me de já tê-la visto algumas vezes pelo Coliseu com
suas amiguinhas. Inclusive, acho que já ficou com Júnior.
O que ela está tentando? Fazer bingo com a árvore
genealógica da minha família?
— Obrigado. — Discretamente, puxo meu corpo para frente,
fazendo-a tirar suas mãos de cima de mim.
Não consigo ser mal-educado, mas a verdade é que não
tenho interesse nenhum. Normalmente, não recuso aquilo que está
sendo oferecido de bom grado, até porque a loira é bonita em todos
os lugares. Se fosse outro dia, eu até cairia no interesse fingido dela,
mas hoje não. Estou cansado, irritado e com a cabeça em outro lugar
— ou em outra pessoa, para ser mais exato.
Desvio o olhar mais uma vez e noto que Afrodite continua no
mesmo lugar, mas acho que parou de chorar, o que faz meu peito
ficar mais calmo.
— Eu estava pensando, a gente poderia ir para um lugar um
pouco mais…
— Desculpe — corto-a antes que termine a frase —, estou
acompanhado. Só vim até aqui para falar com meu irmão, mas tem
alguém me esperando ali do outro lado do bar. — Thiago engasga
com a própria cerveja e bato em suas costas com um pouquinho
mais de força, desafiando-o sem palavras a me desmentir. Ele
entende o recado, porque não fala nada.
A loira acompanha meu olhar, e cai diretamente em Afrodite.
— Eu já estava de saída — continuo com a mentira. —
Desculpe e obrigado por assistir à luta.
Saio andando em direção à mesa que a filha de Zeus está,
sem saber que porra estou fazendo da minha vida. Olho para trás
depois de alguns passos, mas a loira continua me vigiando,
acompanhada por Thiago e Otávio, que acaba de chegar à mesa.
Achei que eu ia conseguir dar um perdido nela, porém estava
enganado. Ela vai esperar até eu me sentar.
Inferno.
Os segundos até chegar ao balcão onde Afrodite está
parecem virar minutos, que acabam virando horas. Quando
finalmente paro em frente a ela, não sei o que dizer. Minhas mãos
estão úmidas e meus olhos caem no modo como está vestida: suas
pernas estão à mostra em um vestidinho preto. Meu Deus. São
lindas, torneadas e… merda, a única coisa que consigo imaginar é
elas em volta da minha cintura. Ou do meu pescoço.
E não é lutando.
Limpo a garganta, tentando voltar à racionalidade, o que faz
Afrodite erguer os olhos e me ver ali.
— O que você quer? — Seu tom não é amigável, mas
também não é rude.
Neutro é melhor do que raivoso, eu acho.
Olho para trás mais uma vez, e vejo a maria-tatame ainda me
olhando, agora com os braços cruzados na frente do corpo.
Provavelmente está irritada porque tomou um fora, mesmo com
Otávio babando em seus seios fartos, desenhados pela camiseta
justa.
Sento-me ao lado de Afrodite sem pedir licença e, quando ela
abre a boca para protestar, eu falo antes:
— É o seguinte, preciso da sua ajuda.
Ela ri. É, eu sabia que isso ia acontecer.
— Você acabou de sair no soco com o meu melhor amigo. Por
que eu te ajudaria, seja lá com o que for? — Afrodite volta a beber
sua cerveja, como se eu não passasse de um incômodo qualquer.
Sei lá por que estou aqui. Talvez porque eu não saiba falar
não, ou porque odeio ser mal-educado com quem quer que seja. Ah,
foda-se. A quem eu quero enganar? Só queria uma desculpa para
falar com ela — e a loira foi a primeira que apareceu.
Já que estou na chuva, e bem molhado, tento novamente:
— Tem uma maria-tatame atrás de mim. Eu disse que estava
acompanhado, mas ela não pareceu acreditar muito. Então, saí
andando para despistá-la, mas ela continuou me olhando, aí eu
sentei aqui.
— E agora vai levantar.
— Afrodite, por favor. Só conversa comigo e finge que a gente
tá junto. — Meu olhar de desespero deve fazer alguma coisa, porque
ela estica o pescoço, olhando para a mesa onde meu irmão está.
Seu olhar se demora ali um pouquinho, enquanto faz milhões
de contas mentais. Depois, volta seu olhar para mim e, com um
sorrisinho de canto, pergunta:
— E o que eu ganho com isso?
Cruzo os braços na frente do corpo, sorrindo de orelha a
orelha.
— Minha adorável companhia.
Afrodite gargalha. Ou é o álcool fazendo efeito, ou a ideia
parece realmente mais ridícula do que é.
— Sério, Romeu. — Repete a pergunta, mas há algo diferente
em seu tom agora: — O que eu ganho?
Franzo o cenho. Tem algo aí que ela não está contando.
Então, após alguns segundos analisando seu rosto perfeito e
emburrado, devolvo a pergunta:
— O que você quer ganhar?
Ela olha para baixo, levemente envergonhada, e, como se
tomasse coragem, limpa a garganta antes de dizer:
— Preciso de companhia para o casamento do Dionísio. Se
você for comigo, eu fico aqui, dou risada e lanço um olhar que vai
fazer a maria-tatame correr rapidinho. O que me diz?
Logo do Dionísio? Sério, Universo? Eu te peço uma chance
com essa mulher e é assim que ela vem, embrulhada em um papel
de “tudo certo para dar errado”?
— Por que você precisa de companhia para o casamento do
Dionísio? Todos os seus amigos estarão lá, você não vai estar
sozinha.
— Por que você precisa correr da loira gostosa? Tá com medo
de não dar conta?
Ok, entendi. Jogo sujo, Afrodite. Jogo sujo.
— U-hum. Morrendo de medo. Apavorado. Ai, meu Deus, será
que não vou dar conta do recado? — Coloco a mão no peito e faço
uma cara de puro pânico.
É então que Afrodite dá uma risadinha e balança a cabeça,
mas logo suspira novamente, sem parecer disposta a abrir mão da
oportunidade.
— Por que, Afrodite? — insisto.
— Olha, não te interessa. Só preciso de uma companhia. Um
favor pelo outro. Depois, cada um segue com sua vida.
O lógico seria aceitar a oferta sem fazer mais perguntas.
Afinal, qualquer chance de estar ao lado dela já é uma vantagem. Só
que a minha maldita curiosidade acaba falando mais alto:
— Vou ter que me arriscar muito para ir contigo a um
casamento do Olimpo. Ou será que esqueceu o quanto todos lá me
odeiam? — Inclino o corpo para frente, aproximando-me dela. —
Não mereço, pelo menos, uma pequena explicação?
— Não. — Afrodite nem me dá tempo de continuar, já se
levantando da cadeira. Vejo-a cambalear no lugar e franzo o cenho.
Não sabia que estava tão bêbada.
Talvez seja por isso que eu me levante também. Ou talvez
seja só a consciência de que não posso me afastar dela agora. Por
isso, seguro-a pelo braço e puxo-a para perto, antes que consiga dar
um passo.
Grande erro.
Afrodite é um espetáculo de mulher, mas eu não estava
preparado para sentir seu cheiro. Algo adocicado, meio floral, e que
tem uma conexão direta com meu pau carente.
— Me solta — ela rosna o pedido. Sexy pra caralho.
É claro que solto na mesma hora — até porque tenho amor às
minhas bolas —, porém não me afasto.
— Me conta por que precisa de mim — peço baixinho, sem
conseguir desviar os olhos de seu rosto.
O nariz ligeiramente arrebitado, os olhos pequenos e de um
castanho-claro, a boca macia e grossa…
— Não vou contar, assim como não perguntei seus motivos
para precisar de mim hoje. Ou será que você tem medo de loiras? —
A pergunta dela me faz voltar à realidade.
— Não tenho medo de loiras. — Pigarreio. “Só prefiro quando
são morenas, ariscas e com língua afiada”, o pensamento invade
minha mente, mas não o verbalizo.
— Não vou explicar meus motivos… — Afrodite olha por cima
dos meus ombros, encarando a mulher do outro lado do salão. — Se
quiser minha ajuda, tem que ser nos meus termos.
Como se soubesse o efeito que causa em mim, ela chega
mais perto e apoia os antebraços nos meus ombros, as mãos
acariciando os fios na nuca. Preciso conter o gemido que tenta
escapar, ao mesmo tempo que fico hipnotizado.
Afrodite está a centímetros de distância, e meu corpo inteiro
reage à sua presença. Seguro-a pela cintura, tentando me controlar
para não puxar seu corpo e colá-lo ao meu.
Essa mulher não tem ideia do que faz comigo. Tanto que, sem
pensar nas consequências, acabo dizendo:
— Quando é esse casamento?
— Sábado que vem. — Ela morde o lábio inferior.
Em qualquer outro momento, talvez com qualquer outra
mulher, eu poderia interpretar o gesto como “sedutor”. Só que
Afrodite não é qualquer outra mulher. Ela não segue a mesma
cartilha. E o modo como desvia o olhar do meu deixa claro que esse
casamento não é algo pelo qual ela está esperando com animação
— o que só me deixa ainda mais curioso. Parafraseando Hamlet, há
algo de podre no reino da Dinamarca.
— Estarei lá — respondo sem hesitação, fazendo com que
seu olhar suba para encontrar o meu.
Surpresa e descrença estampam seu rosto. Os olhos se
iluminam. A boca abre e fecha algumas vezes. De repente, ela se
joga em cima de mim, abraçando-me com uma força que faz jus à
sua fama no tatame.
— Obrigada! Obrigada! — Não consigo resistir e aperto-a
também, enterrando meu rosto em seu pescoço só para ter a chance
de memorizar esse cheiro delicioso.
Não consigo entender muito bem o porquê dessa reação
exagerada, e resolvo fingir que é por minha causa. Talvez ela
também esteja interessada… Mas provavelmente é só por conta do
álcool mesmo.
Antes que eu possa dizer alguma coisa, ela se afasta e
entrelaça nossos dedos, me puxando na direção de onde meus
amigos estão.
— Humm, Afrodite? — chamo, porém sou lindamente
ignorado enquanto ela continua andando.
— Ei, você. — Aponta para a loira. — Se der em cima do meu
homem de novo, vai se ver comigo no tatame. Estamos entendidas?
Quase me engasgo com a cena, e vejo que Thiago e Otávio
seguem meu exemplo. Meu irmão, que estava bebendo cerveja,
acaba babando. O cotovelo de Otávio, que estava apoiado na mesa,
escorrega. Mas nada se compara à expressão de puro choque no
rosto da loira.
— E-eu não s-sabia — ela gagueja, olhando de mim para
Afrodite.
— Pois agora sabe. Vamos, chuchuzinho, está na hora de
você me levar para casa. — Afrodite começa a me arrastar para a
saída, sem se preocupar com o show que estamos dando.
— Chuchuzinho? — pergunto no instante que chegamos à
rua.
— Não é assim que pessoas em relacionamento se chamam?
Tipo, usando apelidos carinhosos?
Afrodite caminha ao meu lado, e acho que ainda não
percebeu que continuamos de mãos dadas.
— Desde quando chuchuzinho é um apelido carinhoso,
Afrodite? Já comeu chuchu? Aquilo tem gosto de água suja! E por
que o diminutivo seria melhor? Nunca chame um homem pelo
diminutivo. Nunca.
— Temos algum complexo aí, Romeuzão?
Não consigo conter a risada e olho para ela, que está focada
no caminho à frente, me dando uma visão privilegiada do seu perfil.
— Sem complexos, mas porra… — Pigarreio, tentando me
manter sob controle. — Chuchuzinho é demais.
Afrodite solta uma gargalhada, o que a deixa ainda mais linda.
Pela primeira vez, seu sorriso é direcionado a mim, e acho que
nunca vou esquecer este momento.
— Vou te chamar do que quiser e você não vai reclamar — ela
decreta, mas o divertimento ainda toma conta de seu rosto. — Tive
que brigar com outra mulher por conta de homem, algo que eu
jamais faria na vida. Odeio rivalidade feminina.
Apenas assinto, ainda hipnotizado enquanto caminhamos até
a casa dela. Sei que fica a poucos quarteirões daqui, mas, quando
ela começa a virar em vez de seguir na principal, franzo o cenho.
— Você não mora na…?
— Me mudei há seis meses — Afrodite me corrige antes que
eu possa terminar a pergunta. — Meu pai continua lá — explica —,
mas já não aguentava mais dividir meu espaço.
— Certo… — Olho para baixo, para nossas mãos ainda
entrelaçadas, e fico calado. Não quero que ela perceba e se afaste.
Sei que isso é algo quase adolescente, mas quem se importa? O
Romeu de vinte anos está se sentindo realizado agora.
— E você? Mora com seus pais ou…?
É estranho como nos conhecemos há tanto tempo e, mesmo
assim, sabemos bem pouco sobre o outro.
— Saí de casa no dia seguinte ao meu aniversário de dezoito
anos — confesso com um sorriso, para o qual Afrodite responde com
um aceno de cabeça.
— Sábia decisão. — O modo como ela fala, sério, mas com
um toque de sarcasmo, me faz questionar mentalmente se existe
algo por trás de sua mudança.
— No início foi uma merda. Não estava acostumado a cuidar
de tudo em casa, também tinha que me desdobrar entre a faculdade
e o emprego. Só que melhorou com o tempo. Às vezes, sair da zona
de conforto é necessário — comento.
— Exato. — O aperto em minha mão se intensifica,
confirmando minhas suspeitas.
Nem dez passos depois, ela para de andar.
— Eu moro aqui. — Aponta para o prédio de três andares.
— Bom saber. — Sorrio, sentindo meu coração acelerar com a
vontade de me aproximar e…
— Passa o celular — ela diz, rompendo o contato entre
nossas mãos para estendê-la à minha frente.
— Não sabia que você era assaltante à noite.
Sua resposta vem em forma de sobrancelha arqueada, porém
o canto trêmulo dos lábios indica que está tentando conter a vontade
de rir.
— Me passa o celular para que eu anote o meu número, gênio
— Afrodite explica, me fazendo abrir um sorriso digno de comercial
de pasta de dente.
Retiro o celular do bolso e o coloco na palma de sua mão.
Vejo os dedos dela se moverem rápido sobre a tela e, em seguida,
escuto uma notificação de mensagem. Afrodite pega o próprio
telefone, mas o recoloca no lugar logo em seguida.
— Pronto — decreta, me devolvendo o aparelho. — Boa noite,
Romeuzão.
Então, vira-se de costas e rebola até a portaria. Hipnotizado,
só me resta acompanhar seus movimentos.
Acho que o transe dura tempo demais, porque, quando me
dou conta, ela já não está mais ali. Caminho os vinte metros que
separam nossos prédios, sem acreditar que moramos tão perto.
O que será que ela vai pensar quando descobrir o pequeno
fato? E como eu nunca a vi na rua?
Antes que eu possa refletir mais sobre essa divina
coincidência, meu celular apita. Sinto uma empolgação ridícula ao
pensar que pode ser ela, porém franzo o cenho quando vejo que a
mensagem é de Júnior.
Papai teve um infarto.
Capítulo 5
Afrodite

Não sei o que é pior: ressaca alcóolica ou ressaca moral. As


duas são uma merda, e hoje sou vítima de ambas. Estou me
sentindo um lixo — em vários sentidos.
Onde eu estava com a cabeça quando convidei Romeu para ir
ao casamento comigo? Puta merda! Como vou aparecer com o
maior inimigo de Dionísio ao meu lado? E uma semana depois de
Dionísio ter perdido da forma mais espetacular em sua carreira?
Meu Deus!
E quem diria que Romeu poderia ser… legal?
Não, isso só pode ter sido o álcool distorcendo minha
perspectiva de mundo. Porque nunca, jamais, nem em um milhão de
anos, eu confessaria que passar um tempo com um Gladiador não
seria tão péssimo assim.
Nossa, acho que não estou fazendo muito sentido agora.
Tento levantar da cama, só que a dor de cabeça é intensa
demais e me faz tombar de novo nos travesseiros. Solto um gemido
de desconforto, me aninhando entre os lençóis. Mas quando olho
para o relógio do celular…
— Ai, merda! — grito sozinha e, em um pulo, saio da cama.
Vou correndo para o banheiro e me enfio debaixo do chuveiro quase
frio.
Estou quinze minutos atrasada para o trabalho e hoje tenho
uma reunião com um possível cliente. Se eu me atrasar, todo o
esforço que fiz nos últimos dez meses irá por água abaixo — e
minha chance de crescer no mercado coorporativo também.
Saio do banho em tempo recorde e coloco a roupa do dia.
Escolho uma blusa branca de seda, com um laço no pescoço.
Depois, visto uma saia preta bem justa, mas que tem algumas linhas
finas na horizontal. Como ela termina abaixo do joelho, tem uma
fenda generosa na lateral. Calço o scarpin preto e enfio as bijuterias,
a escova e uma maquiagem básica na bolsa. Vou ter que continuar
me arrumando no carro de aplicativo, dane-se. Só passo o perfume e
escovo os dentes enquanto peço um motorista.
Dez minutos depois, estou presa no trânsito — claro, porque
não tenho tanta sorte assim — e as dezenas de mensagem já
começam a apitar.
Será que a gente não tem um minuto de paz nessa caralha de
vida?
Acho que não. Mas, neste momento, o trabalho não é a única
coisa que importa. Se vou precisar encarar o dia com ressaca, talvez
seja menos ruim se eu tentar consertar a merda que fiz ontem à
noite. Por isso, ignoro o que meus colegas mandam e digito uma
mensagem para a última pessoa com quem gostaria de conversar
numa segunda de manhã.

Oi…

Envio e travo. O que mais posso dizer?

Desculpe por ontem à noite. Acho que bebi demais e


acabei falando, e pedindo, coisas que não deveria. Esqueça toda
essa ideia de ir comigo ao casamento do Dionísio.

Pronto.
Respiro fundo e apoio a cabeça no banco, me sentindo um
pouco mais aliviada. Não que essa mensagem realmente conserte a
besteira que fiz, mas é um começo. Só espero que Romeu não conte
para ninguém que cogitei levá-lo para o casamento.
— Tá tudo bem, moça? — o motorista pergunta, olhando para
mim através do retrovisor.
— O desespero faz a gente tomar atitudes bem controversas,
não é mesmo? — comento enquanto coloco as argolas na orelha.
— Ah, com certeza. — Ele dá uma risadinha. — Semana
passada mandei duas dúzias de rosas para a minha ex-mulher, e a
bonita arremessou tudo pela janela. Nem me deu tempo de explicar.
O motorista começa a contar sua história, de que traiu a
mulher, mas está arrependido, e me permito só fingir que estou
escutando. Porém, na minha cabeça, a única coisa em que consigo
pensar é — estranhamente — Romeu.
Nunca fui de me importar com o que as pessoas acham de
mim. Quando fazemos isso, vivemos sob a expectativa do outro, não
da nossa. Mas saber que um Gladiador me viu em um dos meus
momentos mais vulneráveis gera uma ansiedade que não entendo
muito bem.
E, de novo, ainda não consigo absorver o fato de que ele é
simpático. Tudo bem que nossa interação até hoje tinha se limitado a
olhares do outro lado do tatame, mas…
Meu celular apita com a chegada de uma mensagem. De
repente, meu coração acelera e minhas mãos ficam úmidas.

Não culpe a bebida, Afrodite. Ela só te deu coragem para


fazer o que tinha vontade.

Consigo visualizar seu sorriso enquanto diz a frase, o que me


preocupa mais do que gostaria de admitir.

Não preciso beber para ter coragem.

A resposta dele vem segundos depois:

Então, me leve para o casamento.

Mordo o lábio inferior, tentando conter a vontade de rir e


xingar ao mesmo tempo. Só que antes de eu conseguir digitar minha
resposta, outra mensagem dele chega:

Olha, podemos conversar em outro momento? Agora


estou meio ocupado organizando um velório. Não sei se você
ficou sabendo, mas meu pai morreu ontem à noite.

— O quê?! — grito no banco de trás do carro.

— Eu também achei um absurdo — o motorista diz, e acho


que ele estava em uma parte importante da história.
Continuo ignorando-o enquanto releio o que Romeu falou.
Como assim, Júpiter está morto?

Na mesma hora, ligo para o meu pai, que atende no segundo


toque.

— Júpiter morreu — é tudo o que digo.

— Eu sei. — Posso sentir o pesar na voz dele. — Ataque


cardíaco. Ele estava em casa quando…

— Meu Deus! A mulher dele viu?

— Não. Quem o encontrou foi o filho mais velho. A Lena


estava no clube do livro — meu pai explica, e solto um suspiro de
alívio.

Mesmo que Júpiter tenha sido um babaca durante toda a sua


vida, ele ainda era membro de nossa pequena comunidade. E sua
mulher não tinha nada a ver com o comportamento do marido. Meu
pai, que conheceu os dois ainda na adolescência, sempre disse que
não conseguia entender como uma pessoa tão doce quanto Lena
pudesse ser casada com um idiota como Júpiter.

— Já tem horário para o funeral? — quero saber.

— Não, e duvido que sejamos convidados.

— Pai… — começo a falar, porém hesito.

— Fale logo, filhota — ele incentiva.

— Você iria, se fosse convidado?

— Claro que sim. — Sua resposta é firme e direta. — Júpiter e


eu nos tornamos rivais em algum momento da vida. Mas, antes
disso, éramos amigos. Lutamos juntos. Crescemos juntos. — Desta
vez, ouço um leve embargo em sua voz.
— Te amo, pai — digo sem qualquer reserva. — Te amo
muito.

— Eu te amo mais do que Jiu-Jitsu, minha filha. — Abro um


sorriso triste, que me deixa com vontade de chorar.

— Estou chegando no trabalho. A gente se fala mais tarde. —


Despeço-me dele e encerro a ligação.

Em seguida, escrevo uma mensagem para Romeu:

Nem sei o que dizer. “Meus pêsames” parece muito


pouco. Se precisar conversar, estou aqui.

Obrigado pela oferta.

O tom seco da resposta me deixa preocupada. Melhor do que


ninguém, eu sei o impacto que uma perda como esta pode causar na
vida da pessoa.

Digito as palavras antes que eu consiga me controlar:

Posso ir ao velório?

Sua resposta é rápida:


Você realmente quer fazer isso?

Não. Claro que não. Porra, mil vezes não.

Claro que sim. Nós, do Olimpo, não somos tão maus


assim.

É então que me dou conta de uma coisa terrível: estou


flertando com Romeu! E na pior situação possível. Se existe um
lugar no inferno reservado para esse tipo de gente, eu serei a síndica
da unidade.

Só que a resposta dele não demora a chegar:

Nunca pensei que fossem. Hoje, 18h, na capela 3.

✽✽✽

Às 18h30, chego ao cemitério. A capela 3 está lotada, e


resolvo que não cabe a mim entrar. Por isso, fico do lado de fora,
mas perto o suficiente para que Romeu me veja caso ele saia lá de
dentro.

Escuto muitas vozes masculinas e sons de pessoas chorando.


Do outro lado, na capela 4, uma família inteira se abraça enquanto
permanece de frente para um caixão fechado.

A dor neste lugar é palpável, e sinto um frio no estômago por


estar aqui. As rosas brancas que trouxe parecem ridículas se
comparadas aos enormes buquês e guirlandas, o que só me deixa
ainda mais sem graça.

As pessoas dão flores em funerais? Não tenho ideia. E agora


me sinto ainda mais idiota por não ter pesquisado. Damos flores
quando queremos parabenizar alguém, certo?

Ah, merda. Onde eu estava com a cabeça quando resolvi


aparecer?

— Afrodite? — alguém chama o meu nome, e acabo me


virando para ver quem é.

Parado atrás de mim está Thiago. Vestido com um terno preto


e o cabelo arrumado, as olheiras ganham destaque em seu rosto
bonito. Acho que nunca o vi tão… destruído antes. Logo ele, que
sempre está rindo, brincando e tem uma energia contagiante.

— Sinto muito — digo com a voz embargada, dando um passo


em sua direção.

— Obrigado. — Thiago abaixa a cabeça e, por um momento,


encara os próprios pés. Fico me perguntando se ele talvez não
esteja tentando controlar as emoções. Então, quando volta a me
olhar, posso ver as lágrimas não derramadas brilharem em seus
olhos. — Sua presença é muito importante para ele.

Enrugo a testa, sem entender muito bem o comentário.

Importante para quem? Júpiter? Mas isso não faz o menor


sentido.

— Você poderia… — hesito, incerta de como continuar. —


Poderia avisar ao Romeu que estou aqui e… entregar isto à sua
mãe? — Estendo o buquê de flores para ele.

— Entregue você mesma. Ela está lá dentro.


— Não! — Balanço a cabeça de um lado para o outro. —
Duvido que seus amigos do Coliseu me aceitem. Principalmente em
um dia como hoje. Eles podem entender minha presença como uma
ofensa.

— Você veio com o objetivo de nos ofender? — Thiago


pergunta com um sorriso triste no rosto.

— Claro que não! — apresso-me em responder. — Eu só


queria…

— Prestar seu respeito — ele termina a frase por mim.

— Exatamente.

— Então, por favor, entre. Fale com a minha mãe. — Thiago


indica a capela com a mão e vira o corpo de lado, permitindo que eu
passe na frente.

Respiro fundo algumas vezes enquanto revezo olhares entre


ele e capela. Merda. Se eu ficar, vai parecer que pouco me importo.
Se eu for, vai parecer que estou tirando sarro.

O ditado “entre e cruz e a espada” nunca fez tanto sentido.


Mas é a expressão triste no rosto de Thiago que me faz dar o
primeiro passo, ainda me perguntando o que diabos estou fazendo
aqui.

Se fosse o seu pai que estivesse morto, você gostaria de ver


até os inimigos dele prestando respeito, minha consciência diz. É por
isso que, sem pensar duas vezes, me viro no lugar e envolvo Thiago
em um abraço repentino.

De certa forma, eu sei como é perder alguém que te deu a


vida.

— Eu sinto muito. De verdade. — Engulo a vontade de chorar.


Braços fortes me apertam e sinto o rosto de Thiago afundar
em meu pescoço. Sua tristeza é tanta que me contamina, fazendo
com que o momento se torne ainda mais difícil. Uma lágrima escorre
do meu rosto no mesmo instante que Thiago começa a tremular no
abraço. Soluço após soluço, ele chora a perda.

Apenas acaricio seu cabelo e permito-me chorar junto.

Eu não gostava de Júpiter. Não o respeitava como


profissional. E as histórias que ouvi a seu respeito fizeram com que
eu sentisse uma enorme repulsa em relação ao homem que sempre
desafiava meu pai.

Se isso tudo não fosse o suficiente, a conversa que ouvi entre


ele e Romeu depois do campeonato colocou o último prego no
caixão. Ai, meu Deus, que comparação horrível de se fazer neste
momento.

Mas não estou chorando por Júpiter, e sim pelo homem


agarrado a mim. Um menino órfão, assim como eu.

Antes que eu possa duelar mais sobre o assunto, uma mão


toca meu ombro, ganhando minha atenção. Olho para o lado e vejo
Romeu encarar o caçula da família, que desaba mais a cada
segundo. Porém, quando volta os olhos para mim, não encontro a
mesma dor que vi em Thiago.

— Tudo bem? — pergunto sem fazer som, apenas movendo


os lábios.

Sua resposta vem com um aceno de cabeça e um encolher de


ombros, como se dissesse “Tá, né? Fazer o quê?” — e isso me deixa
um tanto confusa.

Não sei quanto tempo passamos assim, em silêncio,


consolando Thiago. Mas, pouco a pouco, os soluços diminuem. É
então que ele ergue o rosto e mantém a atenção fixa em mim. Suas
mãos emolduram meu rosto antes de dizer:
— Obrigado por estar aqui. — Como se pronunciar aquelas
palavras tivesse exigido muita energia, Thiago vira as costas e volta
para a capela, me deixando sozinha com Romeu.

— Obrigado por estar aqui — ele repete as palavras do irmão,


porém o tom que usa é bem diferente. Há uma dureza na voz de
Romeu que não havia na de Thiago.

— Eu não tinha nada melhor pra fazer, então… — É a minha


vez de dar de ombros, mas logo me arrependo. Meu Deus, enfiei a
noção no cu?

Esta não é a hora de usar seu humorzinho ácido, Afrodite!

— Ah, claro. Quem não gosta de um funeral em plena


segunda-feira. Boa forma de começar a semana. — Romeu ergue o
canto dos lábios.

— Não! Desculpa, desculpa. — Enfio o rosto nas mãos,


querendo que o chão se abra e me engula de uma vez. Quero sumir.

— Ei… — Romeu chama e suas mãos envolvem as minhas,


forçando-as a abaixar. — Não precisa se desculpar.

Olho para ele e não vejo qualquer sinal de repreendimento ali.


Então, solto um suspiro de alívio.

— Sei que meu irmão pediu para você entrar, mas… —


Romeu entrelaça nossos dedos e, por alguns segundos, apenas
encara a conexão entre nós dois. Em seus olhos, consigo ler que ele
está me dando a opção de não fazer isso, se for desconfortável
demais para mim.

— Vamos — digo, já me arrependendo. — Quero dar um


abraço na sua mãe.

Então, ele assente e começa a me puxar para dentro da


capela.
Assim que coloco os pés lá dentro, o efeito é imediato: todos
os rostos se viram na minha direção, e algumas lágrimas se
transformam em expressões de descrença. Escuto várias pessoas
cochichando variações de “O que ela está fazendo aqui?”, mas finjo
não dar importância. Apenas sigo com Romeu até sua mãe, que foi a
única que não notou minha presença.

— Dona Lena? — falo baixinho para a mulher pequena e


gordinha, que está apoiada na parede com a cabeça baixa enquanto
usa um lenço para secar o rosto molhado.

Assim que ela me vê, seu lábio inferior treme e as lágrimas


ganham mais potência.

— Ô, menina. — De repente, sou puxada para um abraço.

Com as duas mãos ocupadas — uma carregando as flores e a


outra entrelaçada com a de Romeu —, só me resta envolvê-la de
forma estranha e sem muita firmeza.

— Meus pêsames, dona Lena — digo assim que nos


afastamos. — Foi realmente uma tragédia.

Nem sei exatamente o que aconteceu, mas, pelo modo como


ela está destruída, tenho certeza de que a notícia foi um choque para
todos da família.

— Obrigada, minha querida. — Ela faz carinho no meu rosto.

— Trouxe para a senhora, mas… — Engasgo com as


palavras.

— Ah, quanta consideração. — Os olhos dela brilham,


emocionados.

— Seria consideração maior não aparecer aqui. — Ouço uma


voz grave logo atrás de mim e já sei de quem se trata. — Ou será
que nem morto meu pai merece o respeito de vocês?
Quando me viro, vejo Júnior, o filho mais velho de Júpiter, me
encarando cheio de raiva. Assim como Romeu, ele não chora, mas,
diferente da feição neutra do irmão, a dele está carregada de ódio.

— Júnior, pelo amor de Deus… — Romeu começa, mas ele


sequer deixa o irmão concluir a frase.

— Ela não é bem-vinda aqui. Meu pai não iria ficar feliz de ver
qualquer um daqueles deuses em sua despedida, ainda mais essa
daí. — Provavelmente, ele se refere ao fato de eu ser filha de Zeus,
seu maior desafeto. Como se isso fosse um ponto ainda mais
negativo para mim.

— O nosso pai não está mais aqui.

— Mas eu estou. E como eu vou ficar no lugar dele, quero


essa garota fora daqui.

Tento controlar a respiração, que sai em rajadas trêmulas e


ofegantes. É claro que falho. Estou me sentindo humilhada, mesmo
sabendo o que poderia me esperar caso viesse até aqui.

— Eu não… — Engasgo com as palavras. — Não foi minha


intenção.

— Nós sabemos que não foi, minha querida — dona Lena se


intromete, apertando meu ombro com carinho. Depois, ergue os
olhos para o filho mais velho e diz: — Júnior, não foi essa a
educação que eu te dei.

Provavelmente não, visto o quanto Romeu e Thiago parecem


muito diferentes do irmão. Esse aí com certeza saiu ao pai todinho.

Ele não muda a expressão em um milímetro sequer, deixando


claro que espera que eu vá embora o quanto antes. Se fosse em
qualquer outro momento, eu poderia bater o pé e dizer que ele não é
ninguém para me dizer o que fazer. Mas é o velório do pai dele, e
preciso entender que esta situação é tão dolorosa para ele quanto
para os outros. Não importa o quão ruim Júnior seja, preciso
respeitar a sua dor.

— Deixa, dona Lena. — Acaricio a mão dela, que continua em


meu ombro. — Entendo que minha presença não agrade, e está tudo
bem. Não quero causar nenhuma chateação para vocês neste
momento difícil.

É um milagre que eu consiga soar tão composta depois de um


constrangimento como esse.

Quando olho para Romeu, noto que sua expressão contida


está começando a rachar. Há um tipo de, sei lá… Tem um
sentimento escondido ali. Não sei se é preocupação, luto ou medo,
mas algo está diferente de ontem. E ao mesmo tempo que quero
dizer a ele que tudo vai ficar bem, que o tempo cura todas as feridas,
não sei se é disso que precisa agora.

Então, limito-me a oferecer um sorriso amarelo para Lena e


Romeu, e saio da capela, doida para voltar para casa. Doida para
voltar para o dia anterior, quando eu não me importava nem um
pouquinho com um Gladiador.
Capítulo 6
Romeu

— Precisava ser babaca assim? — Minha voz sai engasgada


pela raiva e meu irmão dá de ombros, pouco se importando de ter
destratado alguém que só quis ser gentil.

— Não quero nenhum deles aqui. Nem nosso pai, nem a


gente precisa da piedade deles. — Júnior aperta os olhos. — Ou do
deboche, né? Duvido que essa daí se importe com o que estamos
sentindo.

Não respondo. Não porque me falte o que responder, mas


porque deixei de fazer isso há muito tempo. Primeiro com meu pai,
depois com meu irmão. Ambos criaram uma rivalidade fora do
tatame que não deveria existir, e que chega a ser ridícula e quase
infantil.

Saio sem falar nada, enquanto me esquivo de um monte de


gente querendo me abraçar e dar suas condolências no meio do
caminho. Não preciso disso, também não quero fingir para as
pessoas que estou destruído — porque não estou.

Ele era meu pai e, tudo bem, ninguém deseja a morte do


próprio pai. Mas acho que sinto mais tristeza pelo que poderíamos
ter sido do que por sua partida em si. Com ele, gostaria de ter
aprendido mais sobre técnicas do que sobre rivalidade. Mais sobre
amor ao esporte do que sobre competição.

Gostaria de ter tido mais momentos entre pai e filho do que


entre um mestre rigoroso e um aluno que só conseguia falhar.
Quando finalmente saio do cemitério, respiro fundo e noto
Afrodite atravessando a rua. A cabeça baixa e os braços cruzados
deixam claro que está chateada, mas quem não estaria? Ela foi
destratada sem motivo, justo no único momento que estendeu uma
bandeira branca e que pude me aproximar um pouco dela.

Mas não vou deixar isso acabar antes mesmo de começar. De


jeito nenhum.

— Afrodite! — grito e, quando ela se vira para trás, seus


passos estancam assim que me vê chegar perto. — Sinto muito pelo
meu irmão. Como você já deve saber, ele é um idiota.

— Não precisa se desculpar. Na verdade, sou eu que devo


desculpas. Não deveria ter aparecido aqui. Eu sabia que vocês
poderiam interpretar errado e…

— Não interpretamos. Meu irmão interpretou, mas, como eu


disse, ele é um idiota. — Dou um sorrisinho chateado. — Foi
importante para mim você estar aqui hoje. Mostra que nunca estive
errado sobre você.

Ela parece surpresa com minhas palavras, mas não questiona


o significado delas. Ou não quer saber, ou tem medo — e não sei o
que é pior.

— Olha, o que eu disse sobre o casamento… esquece, tá? —


ela volta ao assunto. — Eu estava bêbada. Além do mais, você não
estará no clima e é supercompreensível. Então, vamos esquecer isso
e vida que segue.

Balanço a cabeça em negativa.

— Eu já disse que quero ir. — Para quebrar o clima pesado,


tento uma piadinha: — E é muito provável que seus irmãos de
tatame aliviem pro meu lado, já que eu vou estar de luto. Participar
desse evento sem a perspectiva de morrer me parece muito tentador.
Ela arqueia a sobrancelha, como se não acreditasse no que
digo. Claro que é estranho eu estar usando a morte do meu pai para
conseguir algo que quero muito, e Afrodite não deixa isso passar
despercebido. Mas foi ele que me ensinou a lutar com as armas que
tenho — mesmo que sejam questionáveis.

— Você está sob o efeito de drogas, Romeu? — Sua pergunta


é séria, e ela quase me faz sorrir com isso.

— Por querer ir a um lugar que não sou bem-vindo só porque


me importo com você? — pergunto, pausando as palavras para
deixar muito claro que foi exatamente o que ela fez vindo até aqui.
Claro, com o detalhe de que Afrodite jamais assumiria que se
importa comigo. Na cabeça dela, tenho certeza de que só quis ser
gentil.

Ela respira fundo, certamente confusa sobre aceitar ou não.


Mas algo em sua expressão diz que, no fundo, quer muito que eu a
acompanhe.

Só preciso descobrir o motivo.

— Não acho que seja o melhor momento para discutirmos


isso — ela cede em partes. — Vamos conversar depois que passar
esse período complicado, quando você estiver com menos coisas em
sua cabeça.

É óbvio que está envergonhada pelo pedido, o que só me


deixa ainda mais curioso a respeito do motivo que a trouxe até aqui
— e não estou me referindo ao velório. Fora que esperei dez anos
para ter uma chance de ficar a sós com ela. Não posso desperdiçar
agora. É por isso que tomo uma decisão bem ruim, em vez de
apenas aceitar o que ela está pedindo.

— Acho que isso me ajudaria neste momento. Não quero ficar


pensando no meu pai, nem em todas as coisas que vou precisar
fazer agora que ele morreu. Ir com você ao casamento seria uma
boa distração.
Golpe baixo, Romeu…

— Mas o casamento é só no sábado — ela argumenta,


franzindo a testa como se não entendesse a conexão.

— Eu sei. Mas não podemos aparecer juntos sem uma


história para justificar isso.

De novo, o rosto dela se contorce em dúvida. Posso não ter


passado muito tempo ao lado de Afrodite, mas uma coisa é óbvia:
ela não consegue esconder o que está pensando, muito menos
sentindo. E, neste momento, sei que está refletindo sobre os prós e
contras de me levar ao casamento de Dionísio.

— Quer tomar um café? — ofereço antes que ela possa


rebater outra vez. — A gente pode pensar em alguma coisa e…

— Você está falando sério? — Afrodite me encara com as


mãos na cintura.

Preciso controlar minha vontade de sorrir.

— Seríssimo — confirmo. — Olha, não menti quando disse


que preciso parar de pensar em… — Aponto com o dedão para trás,
na direção de onde está o cemitério. — Também não quero voltar lá
pra dentro e receber um milhão de condolências. E meu irmão quer
fazer um evento lá em casa mais tarde. — Reviro os olhos,
pensando na ideia estúpida de Júnior.

— Mas você vai perder o enterro.

— Meu pai vai ser cremado. — Dou de ombros, esperando


que o assunto seja encerrado. — Toma um café comigo?

Por alguns segundos, Afrodite me encara, como se quisesse


ler alguma coisa em mim. Algo que nem eu sei muito bem o que é.

Não entendo o porquê de me sentir desse jeito hoje. Também


não entendo qual é a minha fixação por essa mulher. Mas a última
coisa que pretendo fazer agora é filosofar sobre a minha própria
existência e escolhas. Muito menos pelo fato de que a morte do meu
pai me trouxe uma sensação estranha de liberdade em vez de me
fazer sentir vontade de chorar.

— Você me impressiona, Romeu. De verdade. — Afrodite


relaxa um pouco, seus ombros ficando menos tensos. — Nunca vi
alguém ser capaz de convidar para um encontro e comentar sobre
cremação na mesma frase.

— Sou especial desse jeito. — Abro um sorriso torto,


curvando um pouco o corpo para que nossos rostos se aproximem.
— Só que eu não estava te chamando para um encontro, meu doce
de leite.

Não sei o que a choca mais: se eu ter dito que não a chamei
para um encontro ou o apelido. Mesmo assim, a cara dela é
impagável. Olhos arregalados, boca escancarada e bochechas
vermelhas — de raiva ou talvez de vergonha.

Sim, ela é incapaz de frear as expressões, e vai ser uma


delícia aprender cada uma delas.

— Você… Você…

— Foi você que começou com essa ideia de apelidos, doce


de…

— Se você me chamar de doce de leite mais uma vez, juro


que mando uma mensagem para todos os meus irmãos de tatame e
digo a eles que você tentou passar a mão na minha bunda —
Afrodite solta por entredentes, cruzando os braços na frente do
corpo. — Tenho certeza de que você será castrado antes que possa
dizer “era só uma brincadeira”.

— Onde está seu senso de humor, melzinho? — implico um


pouco mais e chego o rosto para frente, diminuindo a distância entre
nós.
— Melzinho? — Ela ergue uma sobrancelha.

— Prefere “meu manjar”? Precisamos ter muitos apelidos se


vamos convencer alguém naquele casamento.

— Confie em mim, Romeu: ninguém vai acreditar que estou


acompanhada de um cara que me chama de qualquer uma dessas
coisas absurdas.

— Talvez se eu te chamasse de meu limãozinho…

— Que tal você enfiar todos esses apelidos onde o sol não
brilha?

Não consigo me controlar e acabo soltando uma gargalhada


alta. Essa mulher…

— Ô, minha geleia de morango… Por que tão agressiva?

Afrodite enfia o rosto nas mãos e balança a cabeça de um


lado para o outro, como se não acreditasse.

— Se eu aceitar tomar um café com você amanhã, promete


que para com os apelidos? — A pergunta me pega de surpresa. Em
momento nenhum achei que ela pudesse dizer sim.

— Prometo — confirmo sem qualquer hesitação. — Mas só


amanhã?

Afrodite confirma com a cabeça, mantendo os olhos presos


em mim. À luz do fim da tarde, eles estão mais para dourados do que
para castanhos, e fico completamente hipnotizado.

Parados no meio da calçada, o silêncio preenche o espaço


entre nós enquanto carros buzinam e pessoas andam de um lado
para o outro. Mesmo assim, ela é a única pessoa capaz de manter
minha atenção agora. E, pela primeira vez, noto que está vestida de
uma forma que nunca vi antes.
O cabelo escuro está preso em um rabo de cavalo
bagunçado. As roupas são arrumadas demais para quem veio
apenas para o velório de alguém que não gostava. Sou incapaz de
não descer o olhar por suas curvas, que ficam destacadas pela saia
justa.

— Você veio direto do trabalho? — Minha voz sai mais grave


do que gostaria.

— Vim, e é por isso que agora vou para casa. — Afrodite


desvia o olhar, como se percebesse que meus pensamentos
ganharam outro rumo.

— Certo… — Pigarreio, enfiando as mãos nos bolsos da calça


preta. — Onde vamos nos encontrar amanhã?

— Mando uma mensagem com o local e a hora, pode ser? —


De repente, ela parece ter voltado à Afrodite de sempre. Olhando
para os dois lados, solta um suspiro quando vê um táxi, erguendo a
mão para chamá-lo. — Agora, preciso ir.

— Tudo bem — concordo assim que o carro para no meio-fio.


— Obrigado por ter vindo.

Ela já está com a mão na maçaneta quando vira o rosto para


mim.

— Sinto muito por sua perda, Romeu.

Com isso, entra no táxi e desaparece.


Capítulo 7
Afrodite

Onde eu estava com a cabeça quando aceitei tomar um café


com Romeu? E quando foi que decidi manter viva a ideia de levá-lo
ao casamento de Dionísio?

Apoio os cotovelos na mesa do bistrô e puxo o ar com força,


apenas para soltá-lo logo em seguida. Romeu está vinte minutos
atrasado, e estou começando a achar que ele não vem.

É nisso que dá confraternizar com o inimigo. O carma chega


rapidinho.

Tiro o celular da bolsa e verifico se ele mandou alguma


mensagem para justificar o atraso, porém a única coisa que chegou
é uma foto nauseante de Dionísio e Flora, com os dizeres “Faltam 5
dias!” logo embaixo.

Cinco dias para quê? Para eu assassinar aquela mulher linda?


Para eu esfaquear meu melhor amigo? Para eu gritar “Mazel Tov” e
jogar o prato na cabeça deles, em vez de no chão?

Todas as opções são ótimas, mas respondo apenas com uma


sequência de emojis de aplausos. Poderia ser o do dedo do meio?
Sim. O da bomba? Também, mesmo que pegue muito mal com o
histórico dos dois. Porém me contento em fingir — de novo — que
estou bem com isso.

Olho para a caneca vazia de café à minha frente e solto um


suspiro pesaroso, cansada de me sentir assim.

— Já faz um ano, cacete — murmuro para mim mesma,


enquanto tento reforçar as coisas boas que aconteceram desde que
meu mundo desabou.

Primeiro, foquei minha energia em reconstruir o Olimpo.


Levamos alguns meses até que tudo estivesse de volta ao normal,
depois que uma bomba — literalmente — fez com que nossa
academia fosse posta abaixo.

Em seguida…

— Desculpe! — Ofegante, Romeu interrompe meus


pensamentos e toma o lugar à minha frente. — Precisei passar na
faculdade para falar com o meu orientador, mas ele gosta muito de
ouvir a própria voz. Acabei demorando duas horas além do que
pretendia. — Revira os olhos e solta o ar com força.

Com o cabelo bagunçado e uma expressão de quem estava


correndo, ele esfrega o rosto com as mãos e depois me encara.

— Faculdade? Orientador?

Romeu abre um sorriso torto e dá de ombros, antes de dizer:

— Faço doutorado.

A revelação me pega de surpresa.

— Sério? — questiono, descrente.

— Tenho muito conteúdo aqui em cima também, Frofrô. —


Aponta para a própria cabeça. — Ou pensou que eu era só um
rostinho bonito e um corpinho sarado?

— Na verdade, nunca penso em você, chuchuzinho.

— Ai. — Romeu coloca as mãos no peito, como se tivesse


levado um tiro, e faz cara de sofrimento. — Essa doeu.

Não consigo segurar uma risadinha, que acaba escapando.


— A verdade dói — comento, sabendo muito bem o quanto
essa afirmativa é real.

— Só se a gente der importância a ela.

Por alguns segundos, ficamos em silêncio, e aproveito para


analisar o homem à minha frente. O que será que ele quis dizer com
isso? Poderia ter a ver com o fato de que queria sair do velório
ontem para tomar um café?

De qualquer forma, não sei se entrar neste assunto agora


seria uma boa opção, então decido ir por outro caminho.

— Você faz doutorado em quê?

— Sociologia. — Romeu abre um pequeno sorriso, com plena


consciência de que sua resposta é uma tremenda surpresa.

— Nunca imaginaria — confesso.

— Por quê? Não pareço o tipo de homem que pesquisa a


materialidade da religião?

Bom, adivinha só? É claro que não.

— Não! — Minha voz sai em um tom mais alto do que


gostaria.

— Fiz faculdade de Ciências Sociais, depois mestrado em


Antropologia e agora estou no terceiro ano de doutorado. — Romeu
dá de ombros, como se não fosse nada demais. — E você?
— Não sei se deveria falar. Acho que meu complexo de
inferioridade não aguentaria — brinco e ele ri, balançando a cabeça.
— Isso é uma coisa que seu suposto namorado deveria saber.
— Desde quando você é meu suposto namorado? —
questiono, erguendo as sobrancelhas e me recostando na cadeira.
— Você não quer que eu vá ao casamento contigo?
— Quero, mas…
— Por acaso você levaria qualquer homem para o
casamento? Sei lá, um cara que pegou duas vezes?
— Não, mas…
— Então, se eu for, você vai ter que dizer que sou seu
namorado.
Sei que ele tem razão, por mais que eu odeie admitir. Todos
os meus amigos da academia jamais acreditariam que eu levaria
alguém irrelevante para algo tão importante como o casamento de
um deles, principalmente Aquiles e, claro, Dionísio.
Eles serão os primeiros a surtar, mas também são eles que
preciso convencer.
— Meu Deus, isso foi uma ideia de merda… — Penso quando
me dou conta de onde estou me metendo. É então que ouço uma
risadinha debochada do outro lado da mesa, deixando claro que
disse em voz alta.
— Discordo. E, no fundo, eu sei que você também — Romeu
fala sem qualquer preocupação, enquanto analisa o cardápio.
Antes que eu consiga protestar, ele ergue a mão e uma
garçonete vem correndo nos atender, ajeitando o cabelo e abrindo
um sorriso nada discreto. Quando ergo os olhos, vejo que o primeiro
botão de seu uniforme está propositalmente desabotoado, o que me
deixa ainda mais descrente. Está escrito na testa dela “me note”.
Que cara de pau! Tudo bem que não estou com ele de
verdade, mas ela não sabe disso. Respeito, querida.
— Por favor, um queijo quente, uma porção de dez pães de
queijo recheados, um suco de abacaxi com hortelã, biscoitos de nata
e uma fatia de torta alemã. — Ele baixa o cardápio e me encara. — E
pra você, Frofrô? Uma tortinha de limão pra combinar com seu
humor?
— Você prometeu que iria parar com os apelidos — refresco
sua memória. — E eu não quero nada. Pedi um café e já até terminei
de tomar, graças à sua pontualidade britânica.
Romeu dá de ombros e agradece à garçonete, que sai
rebolando com seu pedido anotado.
— Mais uma vez, me desculpe pelo atraso — ele diz em um
tom de seriedade, que dura apenas alguns segundos. — E pelo
apelido. Prometi que não ia mais usá-los, e sou um cara de palavra.
Embora eu deva dizer que realmente gosto muito deles.
— Você vai mesmo comer tudo o que pediu? — Ignoro seu
comentário, porque não estou nem aí para o que ele gosta.
— Claro. Estou em fase de crescimento.
Tá bom. Fase de crescimento.
Não há um único lugar desse homem que precise crescer
mais um centímetro sequer. Bom, pelo menos não um lugar que
esteja à vista. Antes eu estava ocupada demais o detestando por ser
um Gladiador e, depois, distraída demais com o quanto ele pode ser
babaca. Mas agora, de frente para ele, consigo ver claramente:
Romeu é um homem completo.
Rosto esculpido, peito musculoso, mãos grandes e fortes,
sorriso insuportável de tão lindo e alinhado, além de ficar muito bem
em um quimono e mais ainda em roupa casual. E cheiroso! O
maldito também é cheiroso.
— Na verdade, só estou com fome mesmo. Não deu tempo de
comer nada antes de ir para a faculdade, e eu sou um homem
grande, Afrodite.
— De corpo ou de ego?
— Dos dois. — Romeu é categórico, encerrando a frase com
uma piscadinha bem-humorada. — Mas muito mais de corpo.
Preciso de energia para treinar e principalmente para estudar. — Ele
me tira dos pensamentos perigosos sobre seu corpo, me trazendo de
volta à realidade. —Agora, me diga: como você está?
Juro que queria entender esse cara. O pai dele morreu ontem
e, mesmo assim, aqui está ele, me perguntando como eu estou.
Tudo bem, vi o quanto o pai dele podia ser um escroto, mas nem um
indício de sofrimento? Nadinha de nada?
Será que, na verdade, Romeu é um psicopata?
— Acho que quem deveria estar fazendo essa pergunta sou
eu, não? — verbalizo meu pensamento, porque 1) não sou mesmo
muito conhecida pela minha sutileza, e 2) porque estou roxa de
curiosidade. — Romeu, será que você está em choque?
Ele abaixa a cabeça, agindo como se minhas palavras fossem
ridículas.
— Não estou em choque. Só tenho um jeito diferente de lidar
com as coisas, Afrodite. — Romeu ergue os olhos, a íris cor de avelã
cheia de histórias não contadas, implorando em silêncio para que eu
cale a minha boca sobre o que não sei. Ele poderia muito bem me
pedir para que eu não me intrometa em um assunto tão delicado,
porém só diz: — Estou bem. Vai ficar tudo bem.
Concordo, arrependida por ter insistido.
Ouvi como o pai dele podia ser injusto, e não sei quantas
coisas iguais ou piores ele já teve que escutar sem merecer. Então,
quem sou eu para tentar medir o que ele sente ou deixa de sentir?
— E sua família? Sua mãe, seus irmãos?
— Eles estão bem. — Romeu se corrige rapidamente: — Na
verdade, vão ficar. Júnior vai cuidar da academia, Thiago vai cuidar
da minha mãe, e eu provavelmente vou cuidar dos três. O tempo não
cura tudo, mas ameniza.
Não acho que concordo com isso, mas admiro que ele tenha
essa esperança. Já faz um ano e o tempo só serviu para que eu me
torturasse cada dia mais, a ponto de cometer uma loucura como
essa de chamar um inimigo para o casamento do homem que eu
amo.
O silêncio recai sobre a mesa, porque não sei mais o que
dizer, porém Romeu não o deixa durar muito tempo.
— Não vai mesmo me contar por que quer me levar em um
casamento onde todos me odeiam? É algum tipo de plano maligno
para me escalpelarem?
Respiro fundo, ignorando a piadinha. A admiração passou tão
rápido quanto veio, porque se tem uma coisa que eu odeio, é gente
teimosa.
— Já te disse que isso é problema meu.
— Mas precisa da minha ajuda.
— Não preciso — corrijo-o, porque é verdade. Não preciso,
embora fosse bom contar com alguém ao meu lado para não me
sentir tão fracassada. — Seria bom por algumas razões, mas nada
que me impeça de ir sozinha se realmente for necessário. Tô falando
sério, Romeu. Ou você vai sem me perguntar mais nada, ou não
precisa ir.
Ele se recosta na cadeira, me analisando por alguns
segundos. Depois, dá de ombros, como se não tivesse nada mais
importante para fazer mesmo.
— A sua sorte é que eu quero algo para me distrair enquanto
decido o que vou fazer da minha vida. — Ele suspira e uma leve
preocupação passa por seu semblante, indo embora tão rápido
quanto chegou. — Agora, vamos inventar uma história. E ela precisa
ser convincente, meu docinho de coco, porque não quero apanhar
antes da valsa dos noivos.
Ignoro o apelido ridículo que volta quando ele pisca para mim,
e não consigo segurar a risadinha.
Eu poderia dizer que é a felicidade por ele ter aceitado o meu
plano sem continuar insistindo em saber o motivo por trás disso, mas
no fundo sei que tem algo a mais: Romeu é divertido, e embora eu
odeie acrescentar mais uma qualidade à lista mental que venho
fazendo sobre ele desde o dia da competição, sei que esse cara tem
mais atributos do que posso supor.
Quando a garçonete traz o pedido e coloca o copo de suco à
sua frente, ele o ergue para mim, acrescentando:
— Não que você vá se livrar tão fácil assim, meu mel. — Ele
dá um gole na bebida e acrescenta, confiante: — Ainda vou
descobrir por que você precisa de mim, pode apostar.
Tiro o copo de sua mão e viro todo o conteúdo de uma vez só,
mantendo os olhos presos em Romeu. Quando termino, limpo a boca
com as costas da mão e digo:
— Agora vai ficar entalado com esses dez quilos de comida —
declaro. — É sua punição por querer se meter onde não foi
chamado.
Romeu solta uma gargalhada alta, que chama a atenção de
outros clientes no bistrô.
— Como pode alguém tão linda ser tão brava?
Reviro os olhos com a ofensa, ao mesmo tempo que tento
ignorar o fato de ele ter me chamado de linda.
— É um talento — limito-me a dizer. — Agora, vamos
combinar nossas histórias.
Preciso voltar o foco da conversa para algo produtivo, afinal,
não vim até aqui para flertar com um Gladiador. Meu único objetivo é
ter companhia para a tortura.
— Se é isso que você quer… — Romeu enfia um pão de
queijo inteiro na boca.
— É isso que eu quero — confirmo, me obrigando a manter
uma expressão séria no rosto. — Você disse que fez Ciências
Sociais, certo?
— U-hum — ele concorda com a boca cheia.
Assim que termina de mastigar, começa a explicar que
estudou à noite e trabalhou de dia, dando aulas particulares. Então,
conta que, quando terminou a faculdade, acabou empregado em um
cursinho pré-vestibular. Isso foi no período que já estava no
mestrado. Não me surpreendo quando ele diz que passou em
primeiro lugar, o que garantiu uma bolsa.
— E o doutorado? — quero saber.
— Acabou sendo a mesma coisa. — Romeu dá de ombros
enquanto termina o queijo quente. — Sempre gostei muito de
estudar. Eu era aquele nerd na escola, sabe? O que tirava notas
altas e sentava na frente. — Ele ri sozinho, como se a lembrança
fosse engraçada.
— Não, não sei. A última coisa que consigo imaginar é você
levantando a mão quando o professor faz uma pergunta — confesso.
— Não me diga que você, logo você, acredita nos
estereótipos.
— Logo eu? — questiono, sem entender muito bem.
— Ah, Frofrô, você é lutadora também. Vai me dizer que não
levava sua vida fora dos tatames a sério?
— Para ser sincera, não muito. — Meu tom é baixo, quase
envergonhado.
Aqui estou, de frente para um cara que se dedicou muito aos
estudos, enquanto eu sempre fiz o mínimo para passar na escola. Na
faculdade então… Ia só pelas chopadas.
— Você chegou a fazer faculdade? — Romeu inquere,
enfiando outro pão de queijo na boca.
— U-hum. Publicidade e Propaganda — revelo.
— E trabalhou na área? — ele quer saber.
— Durante um tempo, fui social media em uma firma
imobiliária. Mas ano passado resolvi que estava na hora de ter uma
carreira mais sólida. Mandei vários currículos e acabei conseguindo
uma vaga onde estou hoje.
— E isso seria…?
— Trabalho para uma firma de investimentos e sou analista de
projetos. Ou melhor, faço parte de uma equipe que analisa o
mercado, faz projeções e cria estratégias de vendas.
É claro que omito a parte de ter mudado de emprego como
forma de dar rumo à minha vida. Esta foi apenas uma das muitas
coisas que fiz na tentativa de seguir em frente e esquecer Dionísio.
Também me mudei da casa do meu pai, cortei o cabelo, renovei o
guarda-roupa e dei para mais homens do que em toda a minha vida.
Nada funcionou.
— Uau. Chique. — Romeu balança a cabeça em afirmativa.
Com o lanche ignorado, ele mantém todo o foco em mim. A
intensidade com que me olha é quase desconcertante, e me vejo
obrigada a desviar o olhar. Sem saber o que fazer, acabo pegando o
garfo da mesa e roubando um pedaço da torta alemã.
— Humm, muito boa.
— É o que parece. — A voz dele soa mais grave.
Estou prestes a encará-lo de novo quando vejo sua mão se
aproximar. De repente, o indicador toca o canto da minha boca, me
deixando paralisada.
— O que…? — começo a perguntar e finalmente ergo o olhar.
Grande erro, porque olhos impetuosos me deixam refém de
sua intensidade.
— Você tem um pouquinho de chocolate aqui. — Romeu
continua focado em mim, só que, agora, leva o dedo à própria boca,
chupando a pontinha. — Muito boa mesmo — ele diz e me oferece
um sorriso de lado.
O ar entre nós fica carregado. E ao mesmo tempo que quero
sair correndo daqui, também não consigo me mexer. Apenas encaro-
o de volta, incapaz de formular pensamentos coerentes.
Minha respiração fica pesada e, de repente, sinto as mãos
formigarem com a vontade de…
— Vai querer mais alguma coisa? — a garçonete interrompe.
Se eu estava com raiva dela antes, não lembro. Poderia pular
da cadeira e abraçá-la por cinco minutos em agradecimento.
— Muitas coisas — Romeu diz, porém seus olhos continuam
presos em mim. Maldito. — Mas nada agora, obrigado. Ainda tenho
que terminar essa torta. Minha namorada disse que está deliciosa.
— Sua o quê? — pergunto de forma arfante, revezando
olhares entre ele e a garçonete.
— Não ligue para ela. Meu melzinho tem medo de
compromisso, mas estou determinado a fazê-la entender que sou o
amor de sua vida.
Se eu estivesse bebendo alguma coisa agora, com certeza
teria cuspido o líquido na cara dele. Meu Deus, onde Romeu está
com a cabeça?
— Ela é uma mulher de muita sorte. — A garçonete bate os
cílios.
Ah, querida… Eu estava começando a gostar de você.
Antes que eu possa dizer qualquer coisa, ela se afasta,
deixando um Romeu sorridente para trás. Ele se recosta na cadeira,
com uma expressão satisfeita no rosto, e a vontade que sinto é de
voltar à infância e brincar de torta na cara.
— Você parece que quer me matar — Romeu comenta, porém
o sorriso não sai de seus lábios malditamente perfeitos.
— Cê jura?
— Se vamos fingir que estamos juntos, precisamos começar a
treinar, Frofrô. — Ele ignora minha ironia. — Inclusive, acho que
precisamos nos beijar.
Capítulo 8
Romeu

A expressão no rosto de Afrodite é uma mistura de surpresa e


pânico. Preciso me controlar para não rir, ao mesmo tempo que tento
manter a seriedade.
— Beijar? — ela pergunta, descrente.
— Se estamos namorando…
— Não estamos namorando! — solta em um sussurro irritado,
olhando para os lados como se quisesse ter certeza de que ninguém
está ouvindo.
— Então, o que estamos fazendo, melzinho?
Acho que passei um pouco dos limites, porque Afrodite se
levanta da cadeira de supetão, apoia as mãos na mesa e chega o
corpo um pouco para a frente, encarando-me com seriedade.
— Se me chamar de melzinho, Frofrô, pudinzinho ou qualquer
outro apelido idiota de novo, juro por Lúcifer que te faço engolir as
próprias bolas. E não vou precisar da ajuda de ninguém do Olimpo
para isso — ela ameaça, os olhos castanhos agora mais escuros e
brilhando com a raiva.
Linda pra caralho.
Como a última coisa que quero agora é fazer com que se sinta
intimidada, permaneço sentado e apenas permito que ela despeje
tudo o que está entalado.
Tem algo de errado com ela, posso sentir. Porém duvido que
Afrodite me conte seus problemas e inseguranças.
— Tudo bem, vou tentar me controlar — faço uma promessa
impossível de ser cumprida. Acho que ela também sabe disso,
porque semicerra os olhos e fica sem falar nada por vários
segundos. — Mas insisto que precisamos nos beijar.
Mesmo que a frase tenha saído em tom de brincadeira, acho
que não existe algo que eu queira mais neste momento do que beijar
Afrodite.
— E por que eu faria isso? — ela pergunta como se minha
oferta fosse nadar em uma piscina cheia de veneno de rato.
Balanço a cabeça, segurando o riso.
— Porque vamos ao casamento juntos. Precisamos estar…
aclimatados.
— Aclimatados?! — A descrença é nítida em seu tom. Apenas
assinto, sabendo muito bem que ela jamais aceitaria a proposta.
Logo depois, Afrodite confirma minhas suspeitas: — Olha, preciso ir
embora.
Sem me dar explicações, ela pega a bolsa, colocando-a no
ombro.
— Já? Logo agora que estamos chegando na parte boa?
— Já, Romeu. — Ele inspira e, em seguida, solta o ar com
força. — Tive um dia cansativo no trabalho e…
— Você fica linda com essas roupas arrumadas, sabia? — As
palavras escapam antes que eu consiga me dar conta.
De novo, Afrodite apenas me encara. Até que firma a postura
e ergue uma sobrancelha só.
— Fico linda de qualquer jeito. Mas não se acostume. Isso
aqui — aponta para mim e, em seguida, para si mesma — é apenas
temporário.
Sem me dar chance de responder, sai caminhando até a
porta.

✽✽✽

Já é quinta-feira e ainda não paro de pensar em meu encontro


com Afrodite na terça. Tentei me distrair de muitas formas,
principalmente treinando e estudando, mas algo continua a martelar
minha cabeça sem parar. Quero muito descobrir o motivo pelo qual
ela precisa de mim no casamento, mas já cheguei à conclusão de
que só saberei estando lá e vendo com meus próprios olhos.
Saio da aula que acabei de lecionar e, em vez de ir direto para
meu apartamento, resolvo ver como minha mãe está. Preciso
respirar fundo e contar até quinhentos antes de entrar no
apartamento dela.
Parado no corredor mal-iluminado — já pedi ao síndico várias
vezes que trocasse as duas lâmpadas queimadas, mas aquele
bendito sempre “esquece” —, consigo escutar a conversa alterada lá
dentro. E ao mesmo tempo que quero quebrar a cara de Júnior por
estar gritando com ela depois de tudo o que aconteceu, minha cota
de paciência com ele já se esgotou há alguns anos. Isso quer dizer
que, no instante que eu entrar por aquela porta, é possível que a
situação apenas piore.
Mas alguém tem que fazer alguma coisa.
— Eu não vou vender o apartamento! — Mamãe está aos
berros.
— Quem está falando em vender o apartamento? —
questiono, revezando o olhar entre ela, que está na porta da cozinha,
e Júnior, que parece bem confortável na poltrona preferida do meu
pai.
— Seu irmão. — Aponta para ele, que tem uma expressão
inocente no rosto.
— Por que você está insistindo nisso, Júnior? — questiono.
— Temos muitas contas a pagar, muita coisa em atraso— meu
irmão revela algo que não fazia ideia.
— Sério? — pergunto e ele apenas confirma com a cabeça.
— As prestações do Coliseu também. Ainda piores, na
verdade. Encontrei uma carta do banco dizendo que está prestes a ir
à leilão. Nos deram um prazo de dois meses para quitar tudo, ou,
pelo menos, fazer um acordo. — Júnior enfia o rosto nas mãos e,
quando ergue a cabeça de novo, solta um suspiro pesado. — Olha,
eu não quero ser o vilão aqui, mas acontece que estamos afundados
em dívidas.
Levo um choque com a notícia. Meu pai sempre foi o controle
em pessoa. Ao menos era isso o que dava a entender. Só que, por
outro lado, essa história de dívidas faz um certo sentido.
Logo depois que o Olimpo foi reconstruído, ele decidiu que
estava na hora de renovar os equipamentos da nossa academia
também. Comprou um tatame novo, bonecos de treino, pesos,
caneleiras e até mesmo esteiras para que os alunos pudessem fazer
mais cardio. Mas não parou por aí: renovou também a pequena copa
e os banheiros.
Na época, não pensei que meu pai seria burro o suficiente
para fazer isso com a consciência de que se endividaria até o cu. E
tudo por uma competitividade ridícula com Zeus.
— Você sabia? — Viro-me para minha mãe.
— Não tinha ideia. Seu pai… — Ela para de falar e, por quase
um minuto inteiro, parece criar coragem para continuar. Vejo os
movimentos de sua garganta, como se estivesse engolindo o choro,
e isso me faz andar até ela e envolvê-la em um abraço. — Seu pai
não me deixava ver as contas — mamãe choraminga em meu peito.
— Ele dizia que homens de verdade cuidavam de tudo.
Típico. Exceto pelo fato de que ele não cuidou de porra
nenhuma.
Meu pai e sua mania de viver no século passado.
Homens são fortes, são provedores. Mulheres cuidam da
casa. Não há espaço para elas no tatame. Blá, blá, blá…
— É por isso que precisamos vender o apartamento. Nessa
localização, a gente consegue um bom valor, que dá pra quitar tudo.
Talvez morar de aluguel em algum lugar mais barato — Júnior
sugere. — Temos que controlar os gastos.
Nunca pensei que fosse dizer isso, mas concordo com meu
irmão. Não sobre a venda do apartamento, e sim sobre diminuir
nosso padrão de vida. Ou melhor, o deles, porque eu vivo em um
quarto e sala minúsculo, de fundos, em um prédio que não tem nem
elevador. Se eu abaixar mais o meu padrão, ele fica subterrâneo.
— A faculdade de Thiago, por exemplo… — Júnior volta a
falar, mas é logo interrompido.
— Não! — Mamãe sai do meu abraço e começa a andar pela
sala. — O sonho de seu irmão sempre foi fazer Medicina, Cláudio
Júnior!
Cláudio Júnior revira os olhos. Ele odeia seu nome, e com
razão. É péssimo mesmo.
A única coisa mais péssima ainda é a ideia idiota de tirar
Thiago da faculdade. Principalmente porque meu irmão se dedicou
muito para passar no vestibular. Tanto que está na melhor faculdade
particular da cidade, com bolsa de 50%. Mesmo assim, o curso é
bem caro.
Fora isso, Medicina é a única coisa que meu irmão leva a
sério. O único sonho real que ele tem. Jamais vou permitir que ele
abra mão disso.
— Tem alguma ideia brilhante, mãe?
— Posso conseguir um emprego — ela sugere.
— Com quais qualificações? Ou esqueceu que nunca
trabalhou um dia sequer na vida? — O tom acusatório que Júnior usa
é o suficiente para me tirar do sério, principalmente quando vejo o
efeito que causa nela.
— Chega! — solto em um berro. — Não vamos vender o
apartamento e não vamos parar de pagar a faculdade de Thiago —
decreto. — Você vai assumir o Coliseu por alguns meses. Se não der
certo, ele fecha. — Júnior abre a boca para argumentar, porém ainda
não terminei. — Por que a mamãe tem que ser a única a sofrer com
as péssimas escolhas do pai? Não é justo, Júnior, e você sabe disso.
Fora que você também mora nesta casa e, até hoje, não te vi com
um emprego. Já tem trinta e três anos, meu irmão. Tá na hora de
começar a dar jeito na sua própria vida.
— Falou o maioral. — Ele revira os olhos, mas resolvo não
reagir ao comentário.
— Pode deixar que vou cuidar da faculdade do Thiago e das
contas que estão em atraso. E você fica responsável pelas contas
atuais de casa e pelo Coliseu. Pode ser? — Mantenho o olhar fixo
em Júnior, que olha para todos os lados menos para mim. Babaca.
— Como você vai fazer isso, Romeu? — Mamãe acaricia meu
braço, sua voz se limitando a um fiapo.
Até tenho uma pequena reserva, mas não sei quanto tempo
ela vai durar. Talvez dois meses.
— Ainda não sei, mas vou conseguir. — Deixo um beijo no
topo de sua cabeça — Só me prometa que vai ficar bem, mãe.
Ela acena, mas a incerteza está clara em seu olhar. Dou um
sorriso sem graça e, sem me despedir do meu irmão, saio do
apartamento.
Chego lá embaixo o mais rápido que consigo, a garganta
pegando fogo com a mistura de raiva, tristeza e preocupação.
Como meu pai pôde deixar tudo fodido assim, eu não sei. Só
gostaria que ele tivesse dividido isso com a gente enquanto ainda
era mais fácil de resolver. Agora, vou precisar me virar nos trinta e
sequer sei por onde começar.
— Merda! — grito sozinho, passando as mãos pelo rosto,
desesperado.
Até poucas horas, eu ainda estava confuso sobre o que sentia
a respeito da morte do meu pai. Meu lado humano tentou me
convencer a todo custo de que eram apenas as mágoas falando
mais alto. Mas acho que está na hora de encarar os fatos: eu não
gosto dele. Não gostava quando estava vivo, não gosto nem um
pouquinho a mais agora que está morto. Pelo contrário, tenho
motivos para odiá-lo depois de ver minha mãe desesperada sem
saber como será o amanhã.
Tudo isso, mais uma vez, por culpa de seu machismo,
competitividade infundada e falta de amor e respeito por nós.
Enquanto ando pela rua, sem uma direção exata, vou
pensando em minha situação e no que posso fazer para sanar
algumas das dívidas mais urgentes. Repasso mentalmente todos os
meus contatos, pensando se algum deles pode ter um trabalho
temporário que me ajude a ganhar alguma coisa.
É então que me lembro de Dalton, um cara que treinou por
bastante tempo no Coliseu antes de ir para os Emirados Árabes
trabalhar como professor de Jiu-Jitsu em uma academia brasileira
muito famosa por lá.
Puxo o celular do bolso e procuro as redes sociais do cara.
Vejo suas fotos e constato que ele continua ganhando a vida e
vivendo muito bem. Há mais ou menos um ano, ele mandou
mensagem me convidando para integrar um time que estava indo
exclusivamente para dar aula aos membros das famílias reais de lá,
mas declinei o convite porque queria focar no doutorado e em
minhas pesquisas. Claro, eu ainda prefiro ficar por aqui e seguir o
plano, mas agora… Bem, o plano mudou. E segundo o que ele me
falou, dá para se resolver financeiramente muito rápido trabalhando
nos Emirados.
Respiro fundo, colocando na balança o que estou disposto a
deixar para trás a fim de resolver os problemas da minha família,
tentando me enganar de que tenho qualquer outra alternativa em
mãos. Eu poderia até conseguir um emprego melhor — se alguma
escola estivesse contratando fora de época —, só que o doutorado
não permite. Uma das condições da bolsa é que eu não tenha outro
emprego. Por isso mantenho apenas quatro turmas no pré-vestibular
— que consegui depois de ter feito um acordo com o diretor para não
ter a carteira assinada — e escrevo alguns artigos para o jornal. Só
para ganhar um dinheiro extra.
O problema é que, neste momento, não consigo chegar à
conclusão nenhuma, e o dia foi cansativo demais. Minha cabeça está
cheia tanto de problemas quanto de dúvidas, então decido que isso é
algo que deixarei para me preocupar amanhã.
Não me surpreendo quando paro de andar e vejo que estou
exatamente em frente ao prédio de Afrodite, não do meu. De alguma
forma muito louca, meus pés me trouxeram até aqui todo santo dia
desde que descobri que somos vizinhos, mas nunca crio coragem o
suficiente para chamá-la.
Até agora.
Deslizo o dedo pela tela do celular que já está em minhas
mãos e abro o aplicativo de mensagens. Clico em seu nome e decido
provocar, porque só uma Afrodite bravinha e irritada pode me tirar do
monte de merda em que estou afundado até a cabeça hoje.

Estou na frente da sua casa. Pensei em treinarmos aquele


beijo pro dia do casamento, que tal?

Não demora mais do que dois segundos, e sua resposta


chega:

Espero que você esteja blefando… para o seu próprio


bem.

Não disse? Só ela é capaz de fazer isso comigo. Já esqueci


de todos os meus problemas.

Veja por si mesma, Afrodite. Dizem que todo Romeu tem


um fraco por sacadas… Posso te provar essa teoria, se você
quiser.
Envio com um sorriso no rosto.

Romeu…

Meu nome é um aviso, mas gosto do desafio.


Já me engasgando de tanto rir, digito um trecho da obra de
Shakespeare muito útil nessa situação:

Não mais serei Romeu daqui em diante; batiza-me de


novo como amor, ó Afrodite.

Mal clico em enviar e uma luz se acende em um dos


apartamentos mais altos. Ela abre a janela, me olha de lá de cima e,
mesmo com a escuridão e a distância, consigo ver que está brava.

Estou descendo. E vou te matar. Corre.

Sorrio e guardo o celular no bolso, me sentindo vitorioso.


Correr, Afrodite? Até parece.
Só se for para os seus braços.
Capítulo 9
Afrodite

De um modo geral, eu me orgulho do meu jeito. Tenho a


cabeça no lugar na maioria das vezes, e, apesar das reações
impulsivas e do jeito estourado, sou uma pessoa sensata.
Mas chamar Romeu para esse maldito casamento, e o pior,
prosseguir com essa ideia estapafúrdia? Mais idiota impossível.
Só que desde que começamos a conversar, eu o deixei me
alimentar da emoção mais destrutiva que um ser humano é capaz de
sentir: a porra da esperança.
Esperança de que esse último ato seja o que me falta para
esquecer Dionísio.
Esperança de que eu possa seguir em frente.
Mas, principalmente, esperança de ter encontrado alguém que
me irrita na mesma proporção que me faz rir — e essa parte da
esperança vem acompanhada de raiva e medo.
Um Gladiador. Sério, Afrodite?
É vergonhoso como não paro de pensar em minha última
conversa com Romeu. E o pior de tudo foi que ele apareceu cinco
minutos depois de Dionísio ter enviado uma foto para o grupo do
Olimpo. Na imagem, ele, Íris e Flora tinham sorrisos de orelha a
orelha enquanto comiam biscoito no sofá. A legenda dizia “jantando
com as minhas duas princesas”.
Quis responder com um emoji vomitando, mas apenas mandei
um joinha, imaginando o dia que ele enviaria uma foto de sua própria
família.
Quem é esse Dionísio todo apaixonado, que não tem
vergonha de se expor na frente dos amigos? Ele nunca foi assim.
Então, quando eu estava cantando All By Myself e lavando a
louça, outra mensagem apareceu. E agora me vejo aqui, sentada
nos degraus de entrada do prédio, com Romeu ao meu lado e um
coração destruído no peito.
— Bela… roupa. — Ele pigarreia assim que me vê, tentando
evitar contato visual com a minha camisola preta e rendada.
Principalmente o decote avantajado.
Não troquei de roupa justamente para mostrar quão
inapropriada foi sua visita, só que Romeu parece indiferente ao meu
estado. Maldito.
— Você chegou do nada. Já estava pronta para me deitar e
assistir a um seriado antes de dormir — explico. — Não estava a fim
de colocar outra coisa. — Aponto para a camisola que beira a
indecência.
Meu pai… onde eu estava com a cabeça?
E, para piorar, não me conformo com o fato de ele conseguir
ficar tão bonito com apenas uma calça jeans e uma camiseta branca.
Maldito ao quadrado.
— Que cara é essa? — Romeu pergunta, desviando do foco.
Acho que esse desgraçado tem algum tipo de sentido aranha.
— Cara de quem estava quase dormindo quando foi tirada da
cama para ficar sentada na calçada de camisola — minto, porque é
muito melhor do que falar a verdade.
— Se quiser, podemos voltar para a sua cama, Frofrô. Sou
ótimo em dormir abraçadinho — Romeu diz, balançando as
sobrancelhas de forma sugestiva.
— Sim, sim. Mil vezes sim. — Reviro os olhos e ele ri.
— Mas, sério, o que aconteceu? — insiste.
— Nada aconteceu. Só tive um dia cansativo no trabalho. —
Desta vez, não é uma mentira por completo.
— Projeto novo? — ele quer saber.
— Na verdade, fim de projeto. — Acabo me rendendo às
perguntas. — Temos um prazo curto demais para terminar, e sinto
que vai dar merda. Fora que meu chefe é um pé no saco e, em vez
de ajudar no trabalho pesado, fica só dando ordens que não fazem
muito sentido. Juro por Deus, aquele desgraçado só tem um
emprego porque é irmão do dono da firma.
Romeu solta uma risadinha enquanto balança a cabeça de um
lado para o outro. É neste momento que um homem passa na
calçada, passeando com seu cachorro sem coleira.
O animal nem pensa duas vezes e corre até mim, colocando a
cabeça na minha perna.
— Oi, tudo bem? — pergunto a ele, ou ela, e recebo uma
balançada de rabo em resposta.
— Wick, vem pra cá! — o homem chama, mas Wick não faz
menção de se mexer.
— Posso? — Com a atenção focada no cachorro, faço um
gesto com a mão, querendo ter certeza de que acariciá-lo não é um
risco.
— Fique à vontade. Ele é manso demais, e adestrado — o
homem garante. — As pessoas veem um pastor alemão e logo
pensam que é agressivo.
— Eu te entendo — confesso, enfiando os dedos nos pelos
macios do animal. — Tive um quando era criança. O maior banana
que já vi.
Solto um risinho baixo demais para ser ouvido, coçando atrás
da orelha de Wick.
— Ele chegou a passar pelo treinamento para ser cachorro da
polícia, mas acabou reprovando na prova. Então, fiquei com ele.
— Você é poli… — Olho para cima e preciso engolir em seco.
Meu Deus. À minha frente, está a definição perfeita de “alto, moreno,
bonito e sensual”. Puta merda. — Policial? — termino a pergunta,
pigarreando logo em seguida.
— PF — o homem explica.
Acho que estou carente demais, porque não consigo formular
outra frase. Mantenho o foco no animal — tão carente quanto eu — e
finjo que minhas bochechas não estão pegando fogo. Ainda bem que
está escuro na rua.
— Nossa, que legal, cara — Romeu fala em tom sarcástico, e
então me lembro de que ele está aqui. — Estava mesmo falando
para a minha namorada que ela deveria tentar concurso para a PF.
Quase me engasgo.
— Deveria mesmo. Ela tem… humm… o porte certo para isso.
Sem parar de fazer carinho em Wick, olho para Romeu, que
mantém a atenção presa no dono do cachorro. Os dois parecem
estar em uma batalha silenciosa, e adoraria ter a capacidade de ler
pensamentos agora.
— É… Vamos, Wick — o homem chama e, desta vez, o
cachorro obedece, seguindo até ele sem contestar. — Se precisar de
ajuda para estudar, moro naquele prédio. — Aponta para o outro lado
da rua. — Apartamento 607.
— Pode deixar.
— Pode deixar que ela tem ajuda para estudar. — A voz de
Romeu sai firme, e em momento nenhum ele tira os olhos do
bonitão.
— Certo… Boa noite para vocês.
— Pra você também. — Dou um aceno e vejo-o se afastar.
Assim que está longe o suficiente para não escutar nossa
conversa, Romeu solta:
— Que babaca!
— Achei ele bem legal. E o Wick é um fofo. — Mordo o lábio
inferior, sentindo o olhar incrédulo de Romeu sobre mim.
— Legal? Afrodite, o cara estava dando em cima de uma
mulher obviamente comprometida. Com o namorado do lado! — ele
argumenta.
— Há algumas falhas nesse seu pensamento, Romeu. Em
primeiro lugar, não sou comprometida. Em segundo, ele não estava
dando em cima de mim.
— Não há falha nenhuma no meu pensamento. Ele nem
tentou disfarçar, Afrodite!
— Agora sou Afrodite? Para onde foi o Frofrô e o meu mel? —
Deixo escapar uma risadinha contida, e Romeu arqueia a
sobrancelha, me fitando assustado como se eu fosse um fantasma.
— Nossa, isso foi uma risada? Jurava que você fosse incapaz
de se divertir comigo. — Seu olhar se prende ao meu e, de repente,
o policial gostosão perde o lugar em minha mente.
— Eu rio muito, Romeu. Mas, em geral, estou sempre rindo de
algum Gladiador. Rir com um deles é novidade — confesso, jogando
o cabelo para o lado em brincadeira.
— Categoria acabar com o ego de um cara: nota dez! — Ele
bate palmas, ainda nitidamente irritado.
— Tenho certeza de que seu ego aguenta umas porradas.
— Talvez sim, talvez não… — Dá de ombros e se volta para a
frente, apoiando os antebraços nas pernas. — Mas ainda acho um
desrespeito.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, me divertindo com
a reação exagerada de Romeu. Nós não estamos em um
relacionamento, e ele sabe muito bem disso.
Por alguns minutos, nos permitimos ficar em um silêncio
confortável. Encaro a rua vazia e escura, apenas sentindo o ar fresco
da noite. Só que logo minha mente é invadida por um pensamento
novo: por que Romeu está aqui? E por que ele aceitou ir comigo ao
casamento de Dionísio?
Tudo bem que ele me pediu ajuda no bar e coloquei esse
detalhe como condição. Mesmo assim, Romeu poderia ter negado.
Até porque não é tão difícil assim manter uma maria-tatame
afastada. Ele já deve estar acostumado a isso.
— Por que me mandou mensagem hoje? — solto a pergunta,
incapaz de conter minha curiosidade.
Viro o rosto na direção dele e vejo-o puxar o ar
profundamente. Em seguida, libera em uma lufada só e me encara
também.
— Porque eu quis. — Sua resposta é simples e me deixa
ainda mais confusa.
— Por que aceitou me acompanhar? — insisto.
— Porque eu quis — ele repete, e é minha vez de puxar o ar
com força.
— Você tem esse hábito de sempre fazer o que quer, Romeu?
É então que ele me encara. Vários segundos se passam,
porém não desvio o olhar, analisando o rosto bonito ao meu lado.
Essa minha amizade — se é que podemos chamar assim —
repentina com Romeu não faz muito sentido. Menos ainda o fato de
eu conseguir gostar dele.
— Se eu fizesse tudo o que eu quero, muitas coisas seriam
diferentes, meu mel.
Sorrio com o retorno do apelido.
Ah, merda!
— Como o quê? — pergunto, me recostando no degrau
acima. Quando ele não responde, explico melhor: — Se você
pudesse mudar qualquer coisa na sua vida, o que seria?
— Se você tivesse feito essa pergunta um mês atrás, a
resposta seria bem diferente.
— Mas e hoje?
— Hoje? — ele confirma e eu apenas balanço a cabeça em
afirmativa. — Minha conta bancária.
— Ah, a vida de pobre… — ironizo.
— Exato. — Romeu solta uma risadinha sem qualquer humor.
— Nunca reclamei da minha situação financeira. Até porque não sou
um homem de muitos gastos. — Ele dá de ombros. — Só que
algumas… circunstâncias mudaram.
O pesar em seu rosto deixa claro que a situação é bem
complicada. Sei que não deveria me meter na vida dele, mas acabo
perguntando aquilo que meu instinto sugere:
— Tem a ver com a morte do seu pai?
A resposta inicial dele é um aceno de cabeça. Mas então
completa:
— Alguns filhos recebem herança quando o pai morre. Outros
recebem uma pilha de boletos e dívidas. — Romeu não me encara
agora. Apenas esfrega o rosto com as mãos, como se estivesse
muito cansado. — Se for tudo bem para você, não quero falar sobre
esse assunto. Tenho que pensar em muitas coisas e…
— Ei, tá tudo bem. — Coloco a mão em seu braço, tentando
oferecer algum tipo silencioso de apoio. — Sei bem como é ter o
mundo virando de cabeça para baixo quando menos se espera.
— Sua mãe? — Romeu pergunta, tocando em um dos meus
pontos mais fracos.
— Também — confirmo. — Mas minha mãe morreu quando
eu era bebê, então nem me lembro dela.
— Às vezes, é melhor não se lembrar do que lembrar apenas
das coisas ruins… — A tristeza na voz dele não esconde o tipo de
relacionamento conturbado que teve com Júpiter. E a conversa que
ouvi no dia do campeonato só serve como outra prova contra o pai
de Romeu.
— Ele… — Hesito, sem saber ao certo como continuar.
— Ele era um babaca, Afrodite — confessa, e há tanta firmeza
em seu tom que chego a sentir calafrios subindo por meu braço.
— Quer conversar sobre isso? — Minha oferta faz com que
Romeu vire o rosto para me encarar de novo. Mas, ao invés de falar,
ele continua calado, e apenas balança a cabeça.
Fico imaginando o que se passa na mente dele agora. Com o
falecimento de Júpiter tão recente, tenho certeza de que Romeu
ainda não teve tempo de cicatrizar as feridas. Sei que uma de suas
últimas conversas com o pai não foi nada agradável, mas será que
aquela foi a última vez que se falaram? Será que é aquela raiva,
misturada a desapontamento, que o deixa tão… indiferente?
Nem sei por que estou pensando nisso agora. Afinal, não
preciso me importar com os sentimentos de um Gladiador. Eles
sempre foram nossos inimigos. Mas os últimos dias, as últimas
interações com Romeu me mostraram que ele não pode ser limitado
a um título idiota de uma academia ridícula.
Assim como eu — filha do Olimpo —, também não me limito
ao título de Deusa. Vivemos da mesma forma, no mesmo mundo,
porém experenciamos uma vida muito diferente.
Então, mesmo que eu não precise me importar com ele,
certos sentimentos são inevitáveis. Principalmente quando se passa
a conhecer melhor uma pessoa e a descobrir que, no fundo, ela é
mais parecida conosco do que imaginamos.
Quando me dou conta, a mão de Romeu está sobre a minha,
como se ele precisasse de algum contato físico. Viro a palma para
cima e entrelaço nossos dedos, oferecendo, mais uma vez, o meu
apoio.
— Não tem muito o que dizer — Romeu finalmente começa.
— Meu pai era agressivo, mas fingia que não. Levei um tempo para
perceber que o Jiu-Jitsu era a forma que ele tinha de me punir.
— Como assim?
— Quando você era criança e fazia alguma besteira, como
seu pai lidava com isso? — ele pergunta.
— Humm… Conversava comigo e me explicava que era
errado? Me colocava de castigo? — sugiro algumas opções.
— Sabe o que o meu fazia? — Sei que é retórico, por isso
apenas nego com a cabeça. — Me levava para o tatame e me
ensinava uma lição. Às vezes eu tinha sorte com um mata-leão
rápido. Mas quando eu realmente tentava revidar, as coisas
ficavam… intensas.
Não consigo me controlar e acabo arfando em surpresa.
Como um pai é capaz de fazer isso com o próprio filho? Romeu
percebe minha reação, só que se limita a me oferecer um sorriso e
um encolher de ombros.
— As coisas são o que são — ele diz, resignado. — Mas
chega um momento que você decide não fazer mais nada pelos
outros.
— Foi por isso que saiu de casa tão cedo?
— Também. — Romeu aperta minha mão e começa a
acariciar o dorso com o polegar. — Gosto de liberdade, Afrodite. De
poder seguir minha vida do jeito que eu quiser. Se você entrar no
meu apartamento agora, vai ver uma cama bagunçada e uma pia
cheia de louça para lavar. E fico bem com isso, sabe? Odeio que me
digam o que fazer e quando fazer.
— Júpiter…
— Era o rei das ordens — ele completa a minha frase. —
Tudo sempre tinha que ser do jeito dele, simplesmente porque sim e
ponto final. Dentro e fora do tatame.
— Então, por que você continuou treinando no Coliseu? — A
pergunta me escapa antes que eu perceba. — Por que tanta gente
treina lá?
— Por mais babaca que fosse, meu pai era bom. Bom de
verdade, Afrodite. Além de ser um excelente lutador, também era um
bom mestre. Ensinava muitas coisas, apesar de ter alguns
métodos… controversos, vamos dizer assim.
Controverso é um adjetivo fraco demais para definir. Perverso
talvez se encaixe melhor, principalmente se as “lições” que aplicava
em seu filho forem levadas em conta. Mas é claro que não digo isso
para Romeu. Suas mágoas já são profundas demais e ele não
precisa de alguém colocando lenha na fogueira.
Além disso, o que eu poderia dizer nessa situação? Que meu
pai é muito diferente e sempre me tratou com respeito e carinho?
Que, no Olimpo, todos os atletas são como filhos para Zeus? Não
posso fazer isso. De que adiantaria?
Então, limito-me a confortá-lo da melhor forma que posso:
com um pouco de empatia.
— Espero que as coisas no Coliseu não fiquem muito
complicadas de agora em diante. Vocês já decidiram quem vai ser o
novo mestre? — pergunto, querendo deixar a conversa um pouco
mais leve.
— Júnior — Romeu responde de forma seca, o dedão ainda
passeando em minha pele.
— Por que não você?
Ele solta uma risada com a hipótese, como se jamais tivesse
pensado nisso.
— Só sirvo para dar aula de Sociologia, pudinzinho de leite.
No tatame, prefiro lutar.

— Eu te entendo. — Finjo que não ouvi o apelido e seguro o


sorriso. Quando ele me chama de Afrodite, é porque as coisas estão
sérias demais. E, neste momento, gosto que me chame de outra
coisa. — Quando minha afilhada nasceu, Aquiles tirou uns tempos
de folga e tive que cobrir algumas turmas. — Faço um gesto de
vômito. — Odiei cada segundo.

— Por quê? — Romeu quer saber, e agora o sorriso já voltou


ao seu rosto.

— Não tenho talento para lidar com pessoas — confesso.

— Ah, mas com essa personalidade carismática, meu


limãozinho? Ninguém seria capaz de sugerir o contrário!

Mostro a língua para ele, que apenas ri mais alto.

— Estou falando sério.

— Você é uma excelente lutadora, Afrodite. Tenho certeza de


que seria uma professora maravilhosa, se quisesse. — O elogio me
pega desprevenida, tanto que acabo abaixando a cabeça e
encarando nossas mãos entrelaçadas.

— Obrigada — murmuro, sentindo meu rosto ruborizar.


— Mas você é uma mulher do mundo coorporativo! — Romeu
brinca. —Aposto que está no trabalho dos seus sonhos.

— Dos meus sonhos? Ah, não sei… — confesso.

— Se você pudesse mudar qualquer coisa na sua vida, o que


seria? — ele repete a pergunta que eu havia feito antes.

Engulo o bolo que se forma na minha garganta quando a


resposta aparece como uma lâmpada se acendendo em minha
mente: o amor que sinto por Dionísio.

Sou tomada por uma vontade quase incontrolável de chorar,


porém me recuso a demonstrar qualquer fraqueza para Romeu. Não
que ele vá se importar caso eu faça isso — ele me parece ser o tipo
de cara que realmente escuta quando uma mulher tem problemas —,
só que não aguentaria ver sua expressão de pena ao ouvir minha
história.

Antes que eu consiga encontrar alguma resposta simples e


que seja satisfatória, um vizinho sai pela porta e somos obrigados a
nos levantar para que ele passe. É então que me dou conta de que
isso está indo longe demais e me recrimino mentalmente.

— Está ficando tarde — comento, querendo escapar de


Romeu e seus olhos castanhos. — Acho melhor… — Aponto para o
prédio, indicando que preciso subir.

— Certo. É verdade. — Romeu esfrega a nuca, revezando o


olhar entre mim e o chão. — Te pego no sábado?

Ele está inseguro, talvez um pouco vulnerável. Não vou


confessar, mas também estou. Levá-lo ao casamento de Dionísio
será um risco — que não sei se estou pronta para correr. Não
apenas por conta das várias reclamações que sei que vou escutar,
mas também pelo que isso significa: que estou desistindo de vez. As
duas opções são complicadas, e sei que vai dar merda.

Mesmo assim, acabo respondendo.


— Às cinco da tarde.

O sorriso de Romeu toma metade de seu rosto. E, por um


minuto, me permito ser contagiada, sorrindo também.

— Boa noite, minha geleia de morango.

— Boa noite. — Viro-me de costas e começo a subir os


degraus. Porém, quando estou com a mão na maçaneta, resolvo
dizer: — Use uma gravata vermelha para combinar com o meu
vestido.
Capítulo 10
Romeu

Quando ela disse “vestido vermelho”, não imaginava que


seria… isso. Quer dizer, eu imaginei que ela estaria linda, afinal,
Afrodite fica perfeita de qualquer jeito, até mesmo embrulhada em
uma cortina costurada com barbante.

Mas nada me preparou para a visão que tenho ao vê-la


descendo os degraus da entrada de seu prédio em um longo vestido
vermelho, com uma fenda discreta na lateral do corpo exibindo uma
pequena parte da coxa torneada. De alças, o vestido é sensual, mas
nada vulgar e abraça o corpo dela nos lugares certos. Tem uma
pequena abertura entre os seios, que me faz ter uma visão
provocativa, mas não tão reveladora.

Resumindo: uma porra de uma peça escolhida a dedo para


me enlouquecer.

Meu coração quase para de bater, e acho que nunca vi nada


tão lindo quanto ela. Seu nome faz jus ao monumento à minha
frente. Há anos fico maravilhado com ela de quimono, então vê-la
assim é quase que um infarto garantido.

— Uau… Você está… — Perco as palavras e fico parecendo


um bobo, gaguejando enquanto ela me olha apreensiva. A
maquiagem perfeitamente aplicada não é pesada, pelo contrário,
serve apenas para realçar seus traços bonitos. Mas todo o destaque
fica para a boca carnuda, tão vermelha quanto o vestido.

Meu Deus, me dê equilíbrio.


— Tá demais, não está? Estou parecendo uma versão barata
e sem curvas da Jessica Rabbit. — Ela olha para si mesma, a
ruguinha na testa me deixa confuso. Essa mulher é sempre um poço
de autoconfiança e poder, mas agora está aqui, cheia de incertezas.

A Afrodite que conheço não teria dúvidas quanto à sua


aparência em uma situação normal, o que só me faz questionar uma
coisa: será que ela está tentando impressionar alguém nesse
casamento?

Ignoro a dúvida — também o ciúme repentino — e me


aproximo com um sorriso, ficando de frente para ela, que está
parada dois degraus acima de mim.

— Você está linda, Afrodite. Simplesmente magnífica.


Deslumbrante.

Acho que soo sincero, pois ela relaxa visivelmente diante de


mim.

— Olha só, ele sabe palavras difíceis. É seu lado professor?

Meu sorriso aumenta, mas o dela não. Chame de instinto,


porém acho que tem algo de estranho com ela hoje, apesar da
beleza estonteante. É como se o brilho em seus olhos estivesse mais
fraco do que o normal.

— Ainda tenho vários lados para você conhecer. Sou um cara


de muitas qualidades, meu manjar de coco, mas não posso te contar
todos os meus segredos de uma vez só. Tenho que te manter
interessada.

— Não se anime. Continuo te achando um babaca. — É óbvio


que ela está brincando, e confesso que gosto disso. Dessa
proximidade que estamos criando. — Só que agora te acho um
babaca inteligente.

Sem conseguir parar de sorrir — e correndo o risco de estar


parecendo um idiota —, estendo minha mão, que ela segura sem
reclamar. Sinto sua palma gelada e me pergunto se Afrodite não está
nervosa por alguma coisa. Entrelaço nossos dedos para ajudá-la a
descer, e os mantenho assim durante a curta distância entre a
calçada e o carro, apenas soltando sua mão quando abro a porta do
passageiro para ela entrar.

— Não sabia que você tinha um carro — ela comenta, e a


proximidade entre nós chega a ser incômoda. Meu maldito corpo
inteiro reage ao perfume adocicado, me deixando inebriado e com
vontade de afundar o rosto em seu pescoço até que meu coração
volte a bater em um ritmo aceitável.

Refreio a vontade de envolvê-la pela cintura e puxá-la para


perto, porém não me afasto quando digo:

— Não tenho um carro. Só roubei um para te levar ao


casamento. — Dou uma piscadinha e ela arregala os olhos.

— Você fez o quê?! — O choque é nítido em seu tom, e


preciso segurar a gargalhada.

— Fiz apenas o necessário, meu pão doce.

Antes que eu possa dizer que é brincadeira, Afrodite deixa um


tapa no meu peito. Com força.

Mulher gostosa da porra.

— Ai! — Coloco a mão sobre a área ardida. — Pra que essa


agressividade toda?

— Não saio com criminosos.

— Por acaso você está pensando em sair de verdade comigo,


Afrodite?

— Cla-claro que não! — ela se apressa em dizer, os olhos


ainda mais abertos com a insinuação. Só que não leva um tempo
para que perceba o que eu estava fazendo, e então me dá outro
tapa, agora no braço. — Você não vale um centavo furado, seu…

— Brigadeiro gourmet? Churros? Bolinho de chuva?

— Cala a boca, Romeu! — Afrodite coloca uma mão na


cintura e me encara. A imagem perfeita da falsa seriedade. — Como
foi que conseguiu esse…

— Sabia que eu adoro mulheres agressivas? — interrompo-a.


— E você, meu creme brulée, gosta quando um homem te dá uns
tapas na bunda?

— Está decidido! — Ela me empurra pelo peito, que só faz


com que uma pouca distância seja posta entre nós. — Você está
proibido de ir ao casamento comigo, seu tarado.

Afrodite começa a andar, porém seguro-a pela mão antes que


consiga dar dois passos. Lentamente, ela olha para onde nos
tocamos e, depois, sobe o olhar para o meu rosto, como se não
entendesse o que está sentindo agora.

Eu também não entendo, mas percebi que é impossível estar


perto dela e não tocá-la de alguma forma.

Por alguns segundos, o silêncio toma conta. Deixo meu


polegar acariciar sua mão, incapaz de me manter longe e querendo
saciar um pouco dessa minha vontade descabida. Analiso seu rosto,
os olhos amendoados, a boca carnuda…

É então que percebo o quanto fico mais encantado por ela


toda vez que a vejo.

— Eu só estava brincando com você — digo, meu tom mais


grave do que o normal, um tanto embargado pelo momento. —
Peguei o carro emprestado de um amigo.

Diferente de mim, que preciso trabalhar muito para pagar as


contas, Otávio é um tremendo filhinho de papai, mora em um
apartamento de frente para a praia e troca de carro todo ano. Com
certeza teria chances de oferecer a Afrodite uma vida melhor do a
que eu posso prover.

Porra, tem necessidade desse tipo de pensamento agora?

— Não sei se confio em você. — Ainda bem que Afrodite


interrompe meus pensamentos. Ela me olha de cima a baixo e, de
repente, sinto como se eu não fosse o suficiente.

Pouco importa se sou um cara bonito, se tenho uma


reputação intacta no tatame, se estou terminando a porra do
doutorado… Nada disso parece fazer diferença para ela, o que me
deixa um pouco fora do eixo. Só que não vou demonstrar qualquer
vulnerabilidade agora, principalmente porque entendo que este é um
momento delicado para ela — apesar de não saber seus motivos.

— Você já deveria ter entendido que sou a pessoa mais


confiável do mundo, meu tiramisu.

— Sério, Romeu, por acaso você passa as tardes procurando


nome de doces na internet? Porque não é possível! — Ela solta o ar
em exasperação, me fazendo rir com o comentário.

— Não, meu cannoli… — Dou um passo para a frente,


diminuindo a distância entre nós. — Mas passo boa parte do meu dia
pensando em você. — A verdade sai sem qualquer esforço.

Pensei que Afrodite fosse ficar horrorizada com a minha


confissão, só que ela apenas joga a cabeça para trás e solta uma
gargalhada.

Já tinha ouvido as risadinhas dela, mas essa gargalhada é


única, melódica, o som da pura alegria — e fico hipnotizado. Esta é a
primeira vez que a vejo rir desse jeito, e por um momento me
pergunto se essa felicidade toda é real.

— Só você, Romeu. Sério, a cafonice foi longe demais desta


vez — Afrodite diz, secando as lágrimas nos cantos dos olhos. —
Vamos logo, senão me atraso.

Ignoro a sensação calorosa que curiosamente se forma no


meu peito e a levo de volta para o carro. Quando já estamos
acomodados lá dentro, viro-me para ela e, reunindo toda a minha
seriedade, digo:

— Ainda acho que a gente deveria se beijar. Sabe, em prol da


ilusão. — Não sei o que me leva a falar isso, principalmente depois
do que acabou de acontecer. Não que eu entenda o que aconteceu,
mas…

— Eu não vou te beijar, Romeu.

— E por que não? — insisto na questão. Leveza, Romeu.


Mais leveza. — Você beija mal?

Afrodite revira os olhos.

— Eu não beijo mal, seu ridículo.

— Beija, sim. É a única explicação.

Seu queixo cai em indignação e me sinto um pouco mais


calmo. Não posso entrar em questões sérias, como o fato de que eu
estou realmente louco para beijar essa mulher.

— Então, a única explicação para eu não querer beijar você, é


que eu beijo mal? Não pode ser só, sei lá… falta de vontade
mesmo?

Pelo amor de Deus, não. Tudo menos isso, por favor!

— Não — declaro da forma mais simples possível, fingindo


indiferença. — Mas você que sabe.

Viro-me para frente e começo a dirigir. No banco do carona,


vejo Afrodite sorrir. Pelo visto, ela sente uma mistura de raiva e
divertimento quando o assunto sou eu — e não tem nada mais
brochante do que ser esse cara.

Merda.

Sigo dirigindo por alguns minutos e não escuto um som vindo


dela. Quando paro em um sinal, viro o rosto em sua direção e noto
que Afrodite está perdida em pensamentos, com a cabeça apoiada
na janela e o olhar perdido à frente.

O único movimento que faz é com as mãos, que se


entrelaçam de forma nervosa. A sensação que tive antes — de que
ela estava preocupada com alguma coisa — volta com força. O sinal
abre e continuo dirigindo, sem ouvir um pio dela.

O que será que aconteceu para que precisasse de um


acompanhante hoje? Por que será que está desse jeito?

— Afrodite? — chamo depois de alguns minutos em total


silêncio.

— Hum? — Ela me encara, saindo do transe.

— Tá tudo bem? — Acho que minha pergunta a deixa


confusa, como se não imaginasse que eu fosse capaz de notar,
porque franze a testa e estreita os olhos para mim.

Tento manter a concentração apenas na rua, só que é muito


difícil fazer isso quando sei que há algo de errado.

— Tá tudo bem, sim — garante depois de um tempo, mas a


certeza em sua voz é menor do que um micróbio.

Debato se devo ou não insistir no assunto, porque obviamente


ela está mentindo. Por mais que eu esteja curioso para saber o que a
aflige, resolvo dar a privacidade que precisa. Tanto que, pelos
próximos vinte minutos, Afrodite permanece em silêncio, perdida nos
problemas em sua cabeça.
Mas quando a enorme mansão aparece à nossa frente, toda
decorada com flores e vários seguranças na entrada, ela perde toda
a compostura que devia estar lutando para manter.

— Puta que pariu. Puta que pariu. Puta que pariu — começa a
repetir sem parar, se balançando para frente e para trás no banco.

— Ei! O que foi? — pergunto, segurando seu ombro com uma


mão enquanto paro o carro para o manobrista.

— Eu não deveria ter vindo. Não posso fazer isso — ela diz,
ofegante.

— Claro que pode. Ei! — falo mais alto quando percebo que
não estou conseguindo sua atenção. É neste momento que seu lindo
rosto se volta para mim e consigo ver somente desespero e dor. —
Você é a porra da Afrodite. A mulher mais forte que já conheci. Uma
lutadora dentro e fora do tatame. Agora, você vai entrar nesse
casamento e provar para quem quer que seja que nada é capaz de
te abalar, ok?

— Ok — ela responde sem um pingo de convicção.

— Vamos lá, repita comigo: sou a Afrodite e nada pode me


abalar.

— Sou a Afrodite e nada pode me abalar.

— Se sua voz não estivesse tão trêmula, eu até acreditaria —


brinco, fazendo uma careta e ganhando uma risadinha triste em
resposta.

Afrodite fecha os olhos e, em seguida, puxa o ar com força


algumas vezes. Enquanto isso, seguro sua mão e tento oferecer meu
apoio da melhor forma possível.

Por outro lado, sinto uma raiva crescer dentro de mim. É óbvio
que alguém lá dentro fez alguma coisa muito ruim para ela. Por qual
outro motivo estaria desse jeito?
— Estou pronta — Afrodite diz, e a afirmativa vem
acompanhada de um erguer de queixo.

— Do que você precisa? — pergunto. — Que tipo de


namorado devo ser?

Desta vez, um pequeno sorriso aparece em seu rosto.

— O melhor possível — declara. — Quero que você fique ao


meu lado, que me elogie, que dance comigo e, principalmente, não
me deixe cometer nenhum assassinato.

A última parte me faz rir. E também ficar um tanto preocupado,


confesso.

— Prometo que farei tudo que você quiser. Inclusive te beijar


na frente de todo mundo e…

— Romeu! — solta em um grito fingidamente indignado.

— Vamos logo. Espere aí que, como o melhor namorado do


mundo, vou abrir a porta para você. — Ofereço uma piscadinha e
saio do carro, dando a volta para ajudá-la.

Sem hesitar, Afrodite segura minha mão e ajeita o vestido


quando já está de pé.

— Pronto?

— Nasci pronto, baby. — Forço uma voz mais grossa e ela ri,
mas sei que o me espera lá dentro é imprevisível. Talvez eu seja
louco por vir até aqui, mas que se dane.

— Você é impossível. — Balança a cabeça em negativa,


porém não reclama quando passo seu braço no meu e começo a
caminhar até o portão da mansão. — Obrigada por vir com a gravata
vermelha. Combinou com você.
Capítulo 11
Afrodite

Eu deveria estar prestando atenção nas muitas flores que


decoram o altar. Talvez no número absurdo de convidados. Deveria
elogiar — nem que fosse mentalmente — o vestido da noiva. Deveria
saber se o homem que realiza a cerimônia é um padre mesmo ou um
cara qualquer que tirou a licença em um site barato da internet.

Mas a verdade é que eu não consigo me concentrar em nada


além de Dionísio. No terno bem alinhado escondendo as tatuagens e
em como fica bem com esse cabelo arrumadinho. Só consigo ver
seus olhos brilhando e, principalmente, o sorriso enquanto olha para
a mulher que está prestes a se tornar sua esposa.

Outra mulher.

A capela, que fica no enorme jardim da mansão, é apenas um


borrão. O único som que ouço são as batidas aceleradas dentro do
meu peito. Minhas mãos tremem, então as cruzo em frente ao corpo
para disfarçar, agarrando a pequena bolsinha de mão como se fosse
uma tábua salva vidas em um mar aberto e revolto.

Estou me afogando.

Por que amar tem que doer tanto? Amor não deveria ser algo
bom, que te faz feliz, que te faz sorrir e acreditar que o mundo pode
ser um lugar melhor de se viver? Por que, então, desde que me
apaixonei por esse homem, só sei sofrer? Só sei juntar cacos de
uma peça que nunca será inteira, por mais que eu deseje e tente
com tudo de mim?
Ainda bem que chorar em casamentos é algo normal, senão
todos seriam capazes de enxergar o que sinto por Dionísio. Meu
melhor amigo. O único homem por quem me apaixonei na vida. Ele
sempre foi a razão do meu desespero. Meus relacionamentos não
davam certo, porque eu amava outro. Sexo sempre foi sem graça,
porque eu estava pensando em outro. E agora… agora ele está aqui,
segurando a mão de outra mulher e fazendo uma declaração de
amor para ela.

Mais uma vez, sou a espectadora que o assiste seguir com


sua vida enquanto fico parada no mesmo maldito lugar desde os
quatorze anos.

— Eu, Arthur Werneck, recebo a ti, Flora Park, como minha


legítima esposa. Prometo amar-te e respeitar-te, na alegria e na
tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos
os dias de nossas vidas, até que a morte nos separe.

Uma cachoeira de lágrimas escorre por meu rosto. Por dentro,


quero quebrar essa porra de capela. Bater com a cadeira na cabeça
desse maldito que nunca prestou atenção em mim. Quero xingar
todo mundo e sair correndo. Estapear o padre, para ver se o outro
inferno é melhor do que este. Principalmente, quero implorar para
que ele não se case. Para que ele entenda o quanto isso está me
rasgando ao meio.

Mas Dionísio desliza a aliança no dedo de Flora, e sinto todo o


meu sangue virar gelo. De repente, sou inundada por lembranças de
risadas no tatame após o horário de treino; de cervejas em botecos
duvidosos; de companheirismo incondicional em momentos difíceis;
de planos impossíveis de serem alcançados, porém feitos em
conjunto.

O desespero aumenta, a tristeza se intensifica e a


esperança… essa não tem mais espaço no meu coração.

— Eu vos declaro marido e mulher.


Na verdade, acabei de descobrir que não tenho mais coração.

✽✽✽

Meu rosto dói de tanto sorrir. Meu peito só dói. Mantenho a


máscara de felicidade presa no rosto, determinada a não deixar que
ninguém desconfie do que se passa aqui dentro.

De braço dado com Aquiles, caminho pelo tapete vermelho,


desta vez atrás dos noivos. É claro que Dionísio jamais aceitaria ser
tradicional em seu casamento — apesar de ter cumprido com todas
as exigências da família Park —, e por isso carrega Flora no colo até
a saída da capela.

— Foi assim que ela se apaixonou por mim — ele diz para
ninguém em específico. — Salvei minha Kiyomi de um tiroteio e,
depois disso, ela só conseguia pensar nos meus braços fortes.

Se fosse em qualquer outra situação, Flora teria rebatido. Mas


hoje ela está tão feliz que apenas ri no colo de seu marido.

Marido.

— Você tá bem? — Aquiles sussurra no meu ouvido, porém


não tenho forças para encará-lo.

— Não — é tudo o que consigo responder, porque não preciso


fingir para ele. — Mas vou ficar. É uma promessa.

Tenho que ficar. Qual seria a alternativa?

Aquiles coloca a mão livre sobre a minha, oferecendo-me um


aperto leve.

— Talvez isso fosse exatamente o que você estava


precisando para conseguir superar, Afrodite.
Ou talvez seja uma forma de o Universo me punir mais um
pouco.

Veja o amor de sua vida casando enquanto você sorri e


acena: isso paga as merdas passadas e dá crédito para merdas
futuras.

Interessante essa nova forma de carma. Bem moderna.

Mas o que eu queria mesmo era poder me esconder. Deitar na


minha cama, me cobrir até a cabeça, ouvir músicas da Adele e
chorar a alma. Sozinha.

Saímos da capela — finalmente — e cruzamos o jardim até a


área reservada para a festa. Esta mansão é uma das mais caras da
cidade, e conhecida por organizar eventos de famosos e ricaços.
Sempre tive curiosidade de vir aqui, mas acabo ignorando a
decoração caríssima e o espaço enorme. Apenas sigo em frente.

Mesas redondas, com toalhas brancas e vasos enormes de


flores no centro, ocupam o salão. Mais à frente, tem um espaço
reservado para pista de dança, com uma banda já posicionada no
palco.

Eles começam a tocar assim que os convidados tomam seus


lugares nas cadeiras reservadas.

— O que ele está fazendo aqui? — Aquiles para de andar e


pergunta, apontando para a esquerda.

Quando sigo a direção de seu dedo, vejo qual foi o motivo do


espanto.

Romeu está sentado de maneira bem relaxada, com o


antebraço apoiado na cadeira ao lado da sua, enquanto descansa
um copo de whisky em sua perna. Quando me vê ao longe, acena
para mim e abre um sorriso do tamanho do Maracanã, e me
pergunto se ele já entrou no personagem ou se realmente é essa a
reação dele ao me ver.
— Ele é o meu acompanhante — é a única coisa que consigo
dizer, porque na realidade, não preciso dizer mais do que isso. Não
preciso explicar nada para ninguém, nem mesmo para Aquiles.

Só que meu amigo estaca no meio do caminho e se vira para


mim, lívido.

— Ele é o quê?!

Respiro fundo. Eu sabia que isso ia acontecer. Sabia o que iria


enfrentar trazendo Romeu junto comigo. Então, está na hora de
encarar a merda colossal que isso vai dar.

— Meu acompanhante. Sabe a definição? Veio comigo.

— Ah, porra, você não fez isso. Dionísio vai ficar louco.

— Ele não tem que ficar nada. Junto com o meu convite, veio
outro, caso eu quisesse trazer um acompanhante. Eu trouxe. Ponto
final.

Aquiles me olha como se tivesse nascido um terceiro olho


bem no meio da minha testa.

— Por Deus, é o casamento dele, Afrodite! — ele se exaspera


e, neste momento, não consigo controlar as lágrimas malditas que
insistem em querer voltar a ser formar em meus olhos.

— Exatamente, Aquiles. É o casamento dele.

Não preciso falar mais nada, pois sei que ele entende o que
quero dizer. Aquiles está aqui com Ana Julia, Dionísio está com
Flora, e eu? Quem fica ao meu lado?

Então, Aquiles me puxa para um abraço rápido e discreto, que


não levanta suspeitas. Quando me solta, sua voz soa em tom de
alerta, como o maldito bom amigo que é:
— Esteja preparada. Dio vai surtar quando te vir com ele. Aqui
ou em qualquer outro lugar, o efeito será o mesmo. Ele vai pirar. Sei
que você quer se sentir melhor, mas usar outra pessoa, mesmo que
seja um Gladiador, e arriscar acabar com o dia mais importante e
feliz da vida do seu amigo não é a melhor forma de fazer isso.
Porque é isso o que ele sempre foi, Afrodite: seu melhor amigo. —
Então, aponta com a cabeça para os noivos e termina de cravar a
faca em meu peito. — Principalmente a partir de agora.

Engulo em seco. Tanto pela dor que isso me causa quanto


pela vergonha, porque Aquiles tem toda razão. Eu sei dos
sentimentos que tenho por Dionísio. Aquiles sabe dos sentimentos
que tenho por Dionísio. Mas e ele?

Ele é o único no escuro nessa situação toda. Dio nunca


escolheu me magoar. Isso aconteceu porque… é a vida. Já eu,
quando convidei Romeu para vir até aqui, escolhi causar
desconforto. De propósito.

Simplesmente ignorei o que era importante para Dionísio e


coloquei tudo de lado, pensando somente em como iria me sentir
aqui. Que atitude de merda.

Deus, eu me sinto horrível.

— Sou péssima. Uma péssima, péssima pessoa. — Minha


respiração entrecortada denuncia o início de um ataque de pânico, e
só quero que esse dia acabe de uma vez por todas.

— Você não é uma péssima pessoa, porra. — Aquiles me


abraça de novo. — Só está perdida, mas vai se achar. Isso vai
passar e vai ficar tudo bem.

Balanço a cabeça em afirmação, tentando acreditar nas


palavras. Precisando acreditar nelas.

— Mas não agora. Agora, vai dar merda. — Ele aponta para
frente e vejo Dionísio vindo em nossa direção, enquanto Flora brinca
com Íris e conversa com Ana Júlia, alheia a tudo o que está prestes a
acontecer. Ele aperta os olhos, como se quisesse ter certeza do que
está vendo, e só por sua passada consigo ver que está puto da vida.

Quando me viro para o outro lado, vejo Romeu caminhando


com tranquilidade, também em minha direção, mas sua energia é
completamente diferente: com o copo na mão e um sorriso no rosto,
ele se aproxima como se fosse velho amigo do noivo.

Deus, esse homem não tem qualquer instinto de preservação.

No momento que os dois ficam um de frente para o outro —


Dionísio prestes a matar alguém e Romeu como se tudo isso fosse a
maior diversão da sua semana —, a ficha do que eu fiz finalmente
cai e me coloco entre os dois, as mãos prontas para intervir caso
eles se atraquem de novo.

— O que esse idiota tá fazendo no meu casamento? —


Dionísio rosna, tentando manter o tom de voz baixo para não criar
um pequeno escândalo. Graças a Deus por isso, senão o barraco já
estaria armado.

— Cara, eu ia te dar parabéns, mas você já chegou tão


agressivo… Relaxa, é seu casamento! — Romeu provoca, e quase
me dou um tapa na testa. Eu devia estar mesmo muito fora de mim,
seja de cachaça ou de ciúme, para propor essa sandice.

— Romeu, não — intervenho, então me viro para Dio. —


Posso explicar.

— Não precisa explicar, Afrodite. Sei que isso é coisa dele. —


Meu amigo mantém o foco em Romeu, enquanto eu não ganho um
relance sequer. — Com certeza esse merdinha veio até aqui para
tentar estragar o meu casamento.

— Sabe qual é o seu maior problema, Teseu? — Romeu solta


de forma retórica. — Você acha que o mundo gira em torno desse
seu umbigo aí.
De repente, um par de mãos grossas me segura pela cintura e
me puxa contra um peito firme. Dionísio acompanha o movimento
com o olhar, pela primeira vez me enxergando de verdade nessa
festa. Sua expressão fica lívida, e só piora no instante que Romeu
deixa um beijo na lateral do meu pescoço. Seus lábios quentes e
macios fazem com que eu me arrepie toda.

Fico sem entender o motivo que levou meu corpo a reagir


desse jeito, mas prefiro acreditar que foi medo do que está por vir em
vez de admitir que um beijo simples seja capaz de fazer isso comigo.

— Tire. As. Mãos. Dela — Dionísio alerta, pontuando cada


palavra com cuidado.

— Não. — Romeu beija minha têmpora e me aperta um pouco


mais firme contra seu corpo. — Se você ainda não entendeu o que
está acontecendo, eu vim por causa dela. Jamais perderia meu
tempo com você.

É então que uma parede de homens altos e musculosos se


forma atrás de Dio. Sei que, por mais que meu amigo tenha tentado
ser discreto, o restante dos convidados foi capaz de perceber a cena
que se forma — e não tenho ideia de como minimizar o problema
que eu mesma causei.

— Por favor, Dio… — Minha voz não passa de um fiapo.


Neste momento, quase não me reconheço. Para onde foi a mulher
forte e determinada de sempre? — Não trouxe o Romeu para
estragar seu casamento.

— Sério, Afrodite? — Dionísio me encara, descrente. — Por


acaso ele vai fazer um brinde dizendo que o Coliseu me deseja toda
a felicidade do mundo?

Meu coração acelera dentro do peito, já minha respiração é


quase inexistente. Enquanto isso, tudo o que quero é voltar no tempo
e desfazer esse erro monumental.
— De fato, desejo. Nossa rivalidade se limita ao tatame —
Romeu rebate, porém nada é capaz de me acalmar agora. — Assim
como apareci para ajudar na reconstrução do Olimpo, Afrodite foi ao
velório do meu pai. É uma pena que o resto de vocês — aponta para
os homens atrás de Dionísio —, e de nós, prefira viver nessa
briguinha idiota. Mas eu e Afrodite não somos assim.

— Ah, então vocês são o quê? Amiguinhos? BFF? — O


sarcasmo de Dio vem acompanhado de um revirar de olhos. — Ou,
pelo modo que toca nela agora, acho que bem mais do que isso, não
é?

Olho para Aquiles, que está balançando a cabeça em


negativa, e sei que, neste momento, preciso fazer alguma coisa.

— Bem mais do que isso — afirmo, tentando manter um


pouco de firmeza na voz.

Dionísio enrijece na mesma hora, já Romeu deixa outro beijo


no meu pescoço.

— Bem mais do que isso — ele repete. — E não tem nada a


ver com vocês.

— Afrodite? — Dio pergunta, ignorando Romeu.

A verdade está entalada em minha garganta. Poderia


facilmente dizer que só trouxe um Gladiador para o casamento com
a intenção de causar dor e desconforto. Afinal, sou uma egoísta de
merda e não aceito sentir essas coisas sozinha.

Mas é neste momento que descubro mais um fator sobre mim:


além de egoísta, sou uma tremenda mentirosa.

— Romeu e eu estamos namorando. — Enquanto Dionísio


arregala os olhos, descrente, Aquiles fecha os seus, sabendo que a
merda acabou de tomar proporções irreversíveis.
Ouço murmúrios espantados e sei que todos os meus amigos
não conseguem acreditar no que acabaram de ouvir. Apolo me
encara, Hércules e Eros cochicham entre si. Até Perseu, que nunca
se mete em nada, parece incrédulo.

Enquanto isso, meu peito dói, e a vontade de sair correndo só


aumenta a cada segundo. Mesmo assim, permaneço firme no lugar.
Só que meu mundo desaba no instante que uma voz grossa fala por
cima das outras:

— Namorando?

Por trás da parede de homens, meu pai aparece. Os olhos


calmos sobre mim, a expressão falsamente neutra.

Merda, merda, merda. Puta que pariu. Boceta, xoxota,


caralho!

— Namorando, pai — confirmo e ergo um pouco o queixo.

Seu olhar trava em mim, como se ele quisesse ter certeza de


que estou falando a verdade. E mesmo que eu fosse uma atriz
vencedora do Oscar, ele saberia que estou mentindo.

Não há ninguém neste mundo que me conhece melhor do que


Zeus. Sempre fui filhinha de papai — com muito orgulho —, assim
como ele sempre foi o melhor pai do mundo. Aquele que me criou,
que fez minhas maria-chiquinhas e participou dos eventos da escola.
O homem que me ensinou a colocar absorvente quando eu fiquei
menstruada e que conversou comigo sobre o uso de camisinha. Mas
também o que dançava comigo no meio da sala e o que me levava e
buscava das festas.

Meu pai nunca me desapontou, e me mata saber que estou


retribuindo seu amor com dissimulação.

— Dio, desculpa. — Saio dos braços de Romeu e dou três


passos para a frente, me aproximando do meu amigo. — Sei que
hoje o dia é sobre você e Flora, mas achei que não teria problema se
eu trouxesse o Romeu. Não fiz para te provocar, só… — Hesito,
tentando buscar a melhor forma de me desvencilhar dessa situação.

— Estamos juntos, Dionísio — é Romeu quem fala, e sou


obrigada a virar meu rosto na direção dele. — Prometo que não vim
para estragar nada. Também prometo que não vou desrespeitar a
Afrodite. — Desta vez, a frase é direcionada a meu pai.

— Isso — concordo. — Vamos curtir a festa. Hoje é um dia de


amor e harmonia. — As palavras saem rasgando minha garganta.

— Namorando? — Dionísio repete a pergunta de meu pai.

— Namorando, Dio. Por favor, não crie problemas. Aceitamos


Flora no Olimpo. Aceitamos Ana Júlia também. — Olho para Aquiles,
que não faz qualquer menção de reagir. — Agora, aceite quem eu
escolhi. Por favor.

Por alguns segundos, sinto que todos os olhares desta maldita


festa estão sobre mim. Mas é o de Dionísio que importa. Sempre
importou mais do que o dos outros — e isso é uma merda.

O silêncio toma conta, como se todo mundo estivesse


esperando a aprovação dele também. Para a minha surpresa, Flora
se coloca ao lado de Dio, envolvendo seu braço.

— Arthur, por favor — ela fala baixinho. — Se fosse com a


gente…

— Mas, Kiyomi, ele é um Gladiador — Dio argumenta, as


palavras saindo arrastadas.

— Não importa quem ele é para você, apenas quem ele é


para a Afrodite. — Flora sorri para mim, fazendo com que eu me
sinta uma pilha de lixo podre.

Pensei em destruir o casamento desta mulher, de dar uns


tapas na cara dela por roubar o homem que amo… e agora ela está
aqui, lutando por mim. Me defendendo. Me ajudando.
Meus olhos se enchem de lágrimas — lágrimas de dor, de
arrependimento, de tristeza, de sentimentos que ainda não sou
capaz de definir…

É então que Dio faz o impensável: ele vem até mim e me


abraça.

— Nunca vou aceitar Romeu na nossa família — sussurra ao


pé do meu ouvido —, mas também não posso rejeitar a presença
dele. Eu te amo demais para fazer isso com você.
Capítulo 12
Romeu

Com os dedos entrelaçados nos de Afrodite, puxo-a para a


parte do salão onde outros casais dançam.

Ela ainda está cabisbaixa por causa da discussão de antes, e


não sei como animá-la. Chamá-la pelos apelidos bobos parece não
resolver, porque já tentei, e provocá-la com minhas besteiras
também não. Então, opto pelo silêncio. Envolvo sua cintura com o
braço e trago seu corpo para perto do meu, enquanto nos movemos
ao ritmo da música que a banda toca. É lenta, romântica e fala de
amores que vem e vão — o que me faz rir, porque esse recado não
poderia ser mais claro.

— Agora todo mundo acha que a gente tá mesmo namorando,


Afrodite. — Ela não responde, mas se agarra ainda mais ao meu
corpo, como se precisasse se agarrar à mentira que ela mesma
inventou. — Não que eu me importe, mas acho que…

— Acho que está na hora daquele beijo — ela me interrompe,


me pegando de surpresa. — É o único jeito de ninguém desconfiar
do que inventamos.

Encaro seus olhos, que estão mais escuros do que nunca. A


mágoa é nítida ali. Uma tristeza profunda, que parece vir da alma.

— Você sabe que, toda vez que te enchi com isso, eu estava
brincando, não sabe? Você não tem que provar nada para ninguém,
Afrodite.

— Eu sei — ela confirma. — Mas agora quem está pedindo


sou eu. Por favor, não aguento mais parecer uma idiota — confessa
com a voz embargada, e sei exatamente do que está falando.

— Tem certeza? — pergunto e, logo em seguida, quero me


chutar.

Maldito cavalheirismo.

— Não se anime, Romeu. É encenação — deixa bem claro,


mas seu corpo treme levemente em meus braços. — Vai, anda,
antes que eu me arrependa.

Enlaço sua cintura com um pouco mais de firmeza, enquanto


a mão, livre sobe por seu rosto, tocando o queixo com leveza e o
inclinando para mim.

Nossos olhares se fixam um no outro pelo que parecem horas.


Demoro um pouco até dar o próximo passo, oferecendo uma chance
de recuar. Mas Afrodite não faz nada, o que entendo como um sinal
verde.

Seus olhos castanhos me encaram, transmitindo calor. Há


uma necessidade de algo ali — misturada à dor e ao medo. Nem de
longe parece a Afrodite de todos os dias, que é sempre tão para
cima e defensiva. Essa, que me olha como se pedisse
desesperadamente por algo, está acuada e inofensiva, despertando
em mim um instinto de proteção que nunca senti tão forte em toda a
minha vida.

Quero tirar esse sentimento de seu olhar.

Quero fazê-la feliz de novo.

Meu corpo incendeia e sinto as mãos tremerem; não de


nervoso, mas de pura ansiedade. Tenho total consciência de seu
cheiro que me envolve, da curva de sua boca carnuda, que aguarda
que eu me incline e a beije de uma vez.

— Acho que quem beija mal é você — Afrodite provoca,


lembrando da nossa última conversa. Só que não há tanto humor em
sua voz agora. É mais uma súplica desesperada para que eu acabe
com isso de uma vez por todas.

Arqueio uma sobrancelha, desafiando-a de volta, e toco sua


bochecha. Sinto a respiração dela acelerar e o coração bater forte
contra o meu, de tão colados que nossos corpos estão. Deslizo o
polegar pelo queixo, bem devagar, apreciando a maciez da pele
contra a minha mão e dando uma última chance para que ela se
arrependa. Quando não o faz e se mantém ali, tão na expectativa
quanto eu, aproximo lentamente minha boca da sua.

No segundo em que elas se tocam, meu corpo pega fogo.

É o melhor gosto do mundo.

Muito melhor do que imaginei tantas vezes. Seu hálito é doce


e, surpreendentemente, os lábios se abrem, buscando mais de mim.
Deslizo a língua sobre a dela e deixo escapar um gemido grave e
rouco, que vem do fundo da minha garganta. Acho que Afrodite
entende o que significa, pois seu corpo vibra contra o meu. Quero
tirar o máximo proveito disso, porém decido separar nossos corpos,
mesmo querendo ficar aqui até o fim da porra minha vida. Afinal, é
tudo uma farsa, e ela está em um momento complicado.

— Até que não foi tão ruim, não é? — Tento soar descontraído
para não a assustar, mas minha voz oscila e meu corpo me trai. Sei
que percebe isso.

— Ainda não decidi. — Desta vez, é sua mão pequena que


envolve meu pescoço, me trazendo mais para perto. — Deixa eu
conferir mais uma vez.

Nossas bocas se encontram de novo, e é tão


assustadoramente bom como da primeira vez. À medida que os
lábios se envolvem, acaricio sua bochecha — e isso é um grande,
grande erro. Ela treme sob minha palma, intensificando o prazer que
já percorre todo o meu corpo.
Com Afrodite moldada a mim, o desencadear de uma
explosão de necessidade é inevitável.

Preciso de mais.

Esperava que fosse ser bom, mas não desse jeito. Tanto que
meu corpo inteiro reage, enrijecendo de forma bastante inapropriada.

Porra, preciso de muito mais.

Ela inclina a cabeça e eu aprofundo o beijo, minha língua


explorando a sua. Estou com fome dela, e isso só piora quando
Afrodite enfia os dedos em meu cabelo e me puxa para mais perto.
Não sei se faz isso porque está gostando tanto quanto eu, ou porque
realmente precisa encenar. A essa altura, isso não faz a menor
diferença.

Os seios estão esmagados contra meu peito, e é possível


sentir nossos corações batendo no mesmo compasso — enquanto o
mundo ao redor silencia. Não há mais ninguém conversando, não há
mais casamento, nem briga, nem academias rivais. Não há mais
pensamentos aleatórios na minha mente.

Somos apenas eu, ela e nossos lábios colados.

Não consigo parar de beijá-la. Afrodite é viciante. E mesmo


que isso tenha começado comigo no comando, não tenho mais
controle nenhum. Não tenho mais fôlego também.

Só sou tirado do nosso universo particular quando sinto seus


lábios quentes se afastando, e demoro poucos segundos para
entender o que está acontecendo. Quando finalmente o cenário volta
a foco, olho para o lado e vejo um Aquiles soltando fogo pelas
ventas, enquanto sua mulher tenta segurar o riso, os dois dançando
muito próximos a nós.

Ele me encara com raiva e dá seu recado, tomando cuidado


para não chamar a atenção de mais ninguém à nossa volta:
— Aqui, no casamento, eu preciso me comportar. Lá fora, se
eu te pegar atracado com ela assim de novo, eu te mato. — A
ameaça é cristalina como água, mas não me importo, mesmo
quando olho por cima do ombro dele e vejo o restante do Olimpo em
peso nos encarando com o mesmo ódio. — Te juro, filho da puta, não
vão nem achar o corpo.

Porra, eu não me importo mesmo.

— Que seja, Aquiles. — Dou um sorrisinho antes de apoiar


minha mão na base da coluna de Afrodite e deitá-la em meu peito,
ainda no embalo da música que toca. — Vai valer cada segundo.

✽✽✽

O caminho de volta para casa é preenchido por absoluto e


completo silêncio. O beijo ficou lá, naquele salão, e por mais que eu
ainda esteja com o gosto dela em minha boca, decido não tocar no
assunto.

Afrodite está ainda mais estranha do que no trajeto de ida,


mas, diferente de antes, agora eu sei o motivo.

Não só sei, como entendo perfeitamente a merda que é estar


apaixonado por alguém que nunca te notou. Nunca ser
correspondido.

Graças a Deus que, no meu caso, não precisei presenciar o


que ela presenciou hoje, e pior ainda: apadrinhou.

Caralho, Universo, que caô. Tem vezes que você exagera.

— Está cansada? — Despretensiosamente, tento puxar


assunto.

Ela não parece muito inclinada a conversar, entretanto.


— U-hum, um pouco — é a única coisa que responde.

Suspiro, porque não quero forçar nada — e, caralho, eu


também não estou no meu melhor momento. Achei que essa noite
pudesse ser divertida por estar com ela, e até um pouco engraçada
por ver os deuses bravos com minha presença, mas, no final, me
sinto esgotado. Provei da boca que sonho beijar há anos e, na
mesma noite, descubro o porquê a dona dessa boca nunca deu
chance para ninguém.

A perfeita definição de sorte no azar.

Eu já deveria estar acostumado, não é? Na minha vida, as


coisas nunca vêm fáceis. Não seria diferente com Afrodite.

Quando paramos em frente ao seu prédio, ela não faz


qualquer sinal de descer, e eu também não. Apenas desligo o carro,
apoio a cabeça no encosto do banco e espero. De alguma forma, sei
que ficar aqui dentro comigo é mais seguro para ela. Enquanto
estiver aqui, não precisa encarar a realidade. Enquanto estiver aqui,
a noite ainda não terminou.

No escuro, procuro sua mão com a minha e entrelaço nossos


dedos. É estranho, mas esse gesto já se tornou tão comum entre nós
que parece quase normal. Nossa forma de comunicação quando as
palavras não dão conta.

Foi assim na saída do bar, no velório do meu pai e nos


degraus do prédio.

É assim agora, quando ela precisa de mim para dizer que tudo
ficará bem.

— Obrigada por ir comigo, Romeu — Afrodite decide falar. —


Foi muito importante para mim. Foi errado para caramba e me senti
culpada por quase estragar a noite do meu melhor amigo, mas
também foi imprescindível para que eu passasse por… — Ela se dá
conta de que está falando demais e limpa a garganta, fingindo um
sorrisinho. — É que eu odeio casamentos, sabe? Gente feliz e
apaixonada me irrita. Dá coceira.

Eu até poderia rir e fingir que sou bobo, mas Afrodite mesmo
já disse que me acha inteligente, então não dá para seguir nesse
teatrinho sendo que posso ajudá-la muito mais se formos honestos
um com o outro.

Diferente do palhaço que se casou hoje, eu não sou um idiota.


Meu Deus, é tão óbvio! Ele é burro ou o quê?

Decido acabar logo com isso. Não faz sentido ficar me


fingindo de cego, quando, na verdade, posso deixar claro a ela que
estou aqui. Que, para mim, não precisa mais fingir. Já deve ser
horrível ter que fingir para todo o resto do mundo.

— Eu sei que parece clichê barato, Afrodite, mas vai passar,


sabe? — Viro meu rosto, com a cabeça ainda apoiada no assento, e
aperto sua mão, acariciando o dorso com o polegar. — Esse amor
que está aí dentro parece que vai te matar, e talvez realmente tenha
matado alguma parte de você. Mas, um dia, vai passar. Vai ser como
se nunca tivesse existido, e tudo voltará a ser bonito de novo.

Ela engole em seco, lutando contra as lágrimas. Não me


pergunta como eu sei, não tenta negar, nem me manda cuidar da
minha vida. Sequer parece surpresa.

— Um dia, você vai acordar e perceber que acabou. Que doeu


muito até não doer mais, e aí estará livre para amar de verdade e
para ser amiga dele como sempre deveria ter sido. — Porque eu sei
que isso a machuca. Sei que ela se sente culpada por não estar
vibrando com a felicidade dele. Suspendo sua mão e beijo o dorso
dela. — Vai passar.

Ela sabe que é inútil se esquivar do óbvio e que não mudaria


em nada sua dor nesse momento. Então, só enxuga os olhos com a
mão livre e sussurra, tão baixo que mal posso ouvir:

— Promete?
Dou um sorrisinho triste.

— Prometo, minha balinha de coco.

Ela ri, uma risada sincera, misturada com um soluço.

Não está tudo bem, mas vai ficar. Que comece seu processo
de cura, e que eu faça parte dele. Será um prazer mostrar a essa
mulher o quanto ela merece ser adorada todos os dias de sua vida.

— Se você quer saber, acho Dionísio um idiota, Afrodite. Ele é


um idiota não só por não perceber que você brilha mais do que o sol,
e sempre esteve ao lado dele… — O soluço dela se intensifica,
dando a certeza final de que não estou errado. O palhaço quebrou o
coração dela, e eu queria muito quebrar a cara daquele mauricinho
agora. — Mas, principalmente, ele é um idiota por não ter te
escolhido.

— É? — pergunta com a voz embargada.

Mais uma vez, aperto sua mão e assinto com a cabeça.

— Se fosse eu, te escolheria sem pensar duas vezes.


Capítulo 13
Afrodite

Meus pés batem na calçada com força, em um ritmo


constante, enquanto sinto o suor escorrer por meu corpo. A rua não
passa de um borrão. As pessoas que correm também são
insignificantes.

Não sei para onde ir agora. A não ser, claro, para a padaria
aqui perto. Preciso de chocolate e café para conseguir raciocinar
direito. E é para isso que servem os domingos: para planejar a
semana, o futuro. Ou, pelo menos, fingir.

Fingir que não tenho sentimentos por um homem casado.

Fingir que não preciso sair dessa merda.

Fingir que Romeu não me afeta.

Porque ontem…

Ontem foi o pior dia da minha vida, e acho que só sobrevivi


porque Romeu estava ao meu lado. Ele me segurou quando estava
prestes a cair, me abraçou quando estava afundando no desespero,
e me beijou quando tudo o que eu queria era saber se ainda havia
esperança para mim.

Naquele momento, eu precisava saber que ainda era uma


mulher. Que ainda era capaz de beijar e ser beijada. Que ainda era
capaz de sentir — nem que fosse mais dor.

E beijar Romeu…
Não consigo pôr em palavras o quanto aquele momento
significou para mim. O beijo dele me fez esquecer, por apenas um
minuto, que eu estava no fundo do poço. E, durante aquele minuto,
voltei a ser eu mesma.

Fora que primeiros beijos sempre são os melhores. Nada


supera a adrenalina de um primeiro beijo. A curiosidade, a
ansiedade, a necessidade. Primeiros beijos marcam, e o de Romeu
foi inesquecível — por vários motivos.

Foi bom? Sim. Puta merda. Que boca deliciosa aquele homem
tem.

Mas foi inesquecível só por causa da boca deliciosa? Não.


Não, porque ele fez aquilo por mim. Talvez nem estivesse tão a fim
no início. Talvez o beijo tenha sido por pena. Porém, em qualquer um
desses cenários, Romeu me beijou para que eu tivesse algum
resquício de controle sobre a minha vida.

Já eu o beijei porque quis. Para sentir.

Senti, então, o corpo dele encaixado ao meu, o calor que


emanava da pele, o desespero da língua, a ereção contra minha
barriga.

Naquele momento, descobri que ainda havia uma mulher


dentro de mim — mesmo que ela tenha sido negligenciada nos
últimos tempos.

Não mais.

Dionísio está casado e não posso fazer nada a respeito, a não


ser mudar meu comportamento e lutar com tudo que tenho para
esquecer. E é exatamente este o meu plano: a partir de agora, não
pensarei mais nele. Não ficarei remoendo o tipo de relacionamento
que poderíamos ter, muito menos a dor que ele me causou.

Chega.
Meu amigo está casado, feliz da vida, e não é como se eu
fosse do tipo que estraga o casamento alheio. Por isso, basta.

Ouviu, Afrodite? Basta. Chegou a hora de virar a página e


encarar a realidade.

Coloco mais determinação nas passadas, aumentando a


velocidade da corrida. Meus músculos ardem com o esforço do
exercício, porém não paro. Apenas sigo em frente, desviando dos
pedestres e deixando que uma dose de endorfina tome conta de
mim.

Tudo só melhora no instante que vejo a padaria. Reduzo a


intensidade e, quando chego à porta, estou ofegante.

Está na hora de ingerir todas as calorias que gastei.

— Dois croissants de chocolate e uma Coca-Cola, por favor —


digo ao atendente, pouco me importando se são nove da manhã de
um domingo. Afinal, estou comemorando o início da minha nova
vida.

Um minuto depois, estou sentada ao balcão, com um prato à


minha frente e o copo da bebida sendo levado à boca. Ah, era disso
mesmo que eu precisava… Depois de quase duas horas de
exercício, nada como uma bomba de açúcar no organismo.

Como não tenho competições nos próximos meses, resolvo


me conceder o direito de pouco me importar com meu peso. Fora
que acredito na teoria de que comidas só engordam quando não te
fazem bem. Se você come algo por gula, ok, ganha peso. Se você
come algo para aplacar uma dor emocional, não ganha um grama
sequer. Porque, na verdade, quem come não é você, e sim a sua
autoestima — e a minha está morrendo de fome.

Sem medo de ser feliz, devoro os croissants e deixo que o


chocolate cumpra sua função primordial: ajudar mulheres que sofrem
por causa de macho. Tenho certeza de que foi para isso que o
inventaram. Alguma rainha levou um chifre, se sentiu uma merda,
comeu chocolate, melhorou, e resolveu prestar um serviço público
popularizando o doce.

Em nome de todas do gênero, aqui vão nossos mais sinceros


agradecimentos.

Meu celular apita com a chegada de uma nova mensagem.


Retiro-o da bolsa de corrida em meu braço, e preciso respirar fundo
duas vezes ao notar que foi Dionísio quem enviou a mensagem. Na
verdade, é uma foto. Ele e Flora estão no aeroporto, e a legenda diz:
lua de mel, baby!

Divirta-se, querido. Não vou me importar com você. Hoje à


noite tenho um encontro marcado com um pote de sorvete, e as
coisas vão ficar selvagens!

Termino o café da manhã, pago a conta e sigo meu caminho.


Desta vez, não tenho como correr, então apenas ando devagar,
aproveitando o sol. Quando passo pela pracinha, escuto uma voz
familiar:

— Íris, pelo amor de todos os santos, desça daí! — Viro o


rosto na direção e vejo Ana Júlia ao lado do trepa-trepa (inclusive,
adoro esse nome e, ah, que saudade…), enquanto minha afilhada
escala as barras de ferro.

Três anos, senhoras e senhores. Três anos e a bichinha já é o


terror na face da Terra.

— Precisa de ajuda para controlar o Kraken? — pergunto para


Ana Júlia, que solta um suspiro ao me ver.

— Controle sua afilhada, Afrodite, porque eu não consigo. —


Ela solta um suspiro resignado, enquanto apenas rio.

— Ei, meliante! — grito para a pequena, que abre um sorriso


enorme quando me vê. Aproximo-me do brinquedo e estendo os
braços para que ela venha até mim. Íris não desaponta e se joga no
meu colo.
— Dinda! — Deixa um beijo estalado na minha bochecha.

— Não se faça de inocente, criatura. Sei que você estava


aprontando todas com a sua mãe. — Meu comentário a faz sorrir de
forma tímida. Uma tremenda manipuladora. Adoro. — Você não pode
subir tão alto nesse brinquedo, está bem?

— Por quê? — Íris pergunta.

— Porque você pode cair, quebrar o pescoço e morrer. Essa


semana é meu aniversário, queridinha, não tenho tempo de ir a um
enterro. — Os olhos dela se arregalam, porém mantenho a
seriedade. Já Ana Júlia tem uma reação bastante diferente.

— Pelo amor de Deus, Afrodite. Isso não é coisa que se fale


para uma criança — ela diz ao ver a cara espantada da filha,
tomando-a de mim.

— Eu trabalho com verdades.

— Tente não trabalhar com verdades quando estiver cuidando


dela para irmos ao congresso, tudo bem?

— Eu vou cuidar muito bem dela enquanto vocês estiverem


fora. — É claro que, com todos os últimos acontecimentos, acabei
me esquecendo do maldito congresso em que precisarei dar uma de
babá, mas não perco a pose. — E agradeço se você puder não me
dizer como cuidar da minha afilhada, Ana Júlia.

— Eu que agradeço se você puder evitar que minha filha


tenha pesadelos à noite. — Ana Júlia solta Íris no chão, dizendo que
ela pode ir brincar no escorrega.

Então, completamente inabalada, a criaturinha sai correndo


com o cabelo balançando e as perninhas curtas a encaminhando
para a próxima diversão.

— Que fácil essa capacidade de superar uma coisa e seguir


sem qualquer hesitação para outra — comento, sem tirar os olhos da
pequena.

— As metáforas da vida… — ela cantarola.

Olho para Ana Júlia, que finge não prestar atenção em mim.

— Não estava falando… daquilo.

— Aquilo sendo o casamento do seu melhor amigo, que


quase acabou em uma competição de luta-livre? — Esboça um
sorriso de canto.

— Exatamente. Decidi que não vou mais pensar nessas


coisas — garanto.

Ana Júlia começa a caminhar na direção de um banco livre e


nos sentamos. Daqui, podemos ver perfeitamente o que a diabinha
disfarçada de anjo está fazendo, e ao mesmo tempo podemos
conversar.

— Não pensar não significa superar. Só quer dizer que você


prefere ignorar o problema em vez de lidar com ele.

— Pensei que você fosse pediatra, não psicóloga — debocho.

— Não preciso ser psicóloga para comentar o óbvio, Afrodite.

— De boa, cansei de pensar nisso. Cansei mesmo —


confesso, deixando meu corpo tombar para frente. Apoio os
antebraços nas coxas e mantenho a atenção voltada para Íris, que
leva as mãos à cintura enquanto conversa com outra criança.

Pelo visto, o molequinho estava tentando furar a fila, mas


minha afilhada não aceita algo assim. Tanto que está reclamando
com ele, apesar de o menino ter o dobro do seu tamanho e, pelo
menos, uns seis anos.

Vai, Íris.
— Você precisa superar… — Ana Júlia sussurra, e quase não
consigo ouvir por causa das risadas e gritos infantis ao nosso redor.

— Estou tentando — afirmo. — Só não sei muito bem como


fazer isso. Não existe fórmula mágica. Ninguém inventou um manual
de como remendar corações partidos.

— Olha, vou ser muito sincera agora, e não deixe Aquiles


saber disso. — A frase misteriosa ganha minha atenção. Na mesma
hora, empertigo-me no banco, cruzo as pernas e viro ligeiramente o
corpo para ela.

— Pois agora quero ouvir a fofoca.

— Não é fofoca, Afrodite! — Minha comadre ri. — É só…


conhecimento geral.

— Por favor, compartilhe — peço, tentando não soar


desesperada.

Ana Júlia olha para a filha, que conseguiu seu lugar de direito
no escorrega, e depois me encara.

— A melhor forma de superar um homem é ficando com outro.


— A afirmativa me pega de surpresa. — Eu vi você e o Romeu na
festa.

— Todo mundo viu. — Reviro os olhos, lembrando da cena


que causamos. Tanto com a discussão quanto com o beijo.

— Eu sei muito bem que vocês dois não estão juntos de


verdade — Ana Júlia comenta. Aquiles e sua boca grande. — Mas
acho que vale a pena tentar, sabe? Romeu parece gostar de você,
fora que ele é um tremendo de um gostoso. De novo, não conte para
o meu marido — ela se apressa em dizer a última parte.

— Seu segredo está guardado — prometo.


— Ele beija bem? — A pergunta me pega de surpresa e faz
com que um rubor desnecessário suba por minhas bochechas.
Desvio o olhar, concentrando-me em Íris.

— Muito bem — confesso.

É neste momento que Ana Júlia dá alguns pulinhos


comemorativos, ainda sentada no banco.

— Eu sabia! E ele tem cara de quem trepa bem também.

Ana Júlia, sua malandrinha. Plantando verde para colher


maduro, né?

— Não sei dizer. — Dou de ombros. — Só nos beijamos no


casamento, com o propósito de enganar todo mundo.

— U-hum. Sei. — Ela bate duas vezes na minha perna. —


Sua afilhada mente melhor que você, Afrodite.

— Não estou mentindo! — defendo-me. — Aquela foi a única


vez que nos beijamos.

— Ah, nisso eu acredito. Só não acredito na segunda parte. —


Ana Júlia se levanta e me encara. — Ninguém beija aquele homem
só para enganar os outros, Afrodite. — Ela começa a caminhar na
direção da filha, porém para e vira o rosto para mim. — No fundo,
você queria aquele beijo.

Fico sem saber o que falar em resposta, então, mantenho-me


quieta.

Será que eu queria beijar Romeu de verdade?

✽✽✽
Olho para a porta fechada da casa do meu pai pela
milionésima vez nesses quase cinco minutos que estou plantada
aqui.
Não há como negar que eu estava adiando este momento
desde o dia do casamento, porém não há mais como fugir. Afinal, é
do meu pai que estou falando. Posso até disfarçar pelo telefone,
talvez ignorar uma ou outra mensagem, mas não por muito tempo.
Então, é mais fácil encarar a situação de uma vez por todas.
Pensando nisso, respiro fundo, giro a chave na porta e entro,
jogando a bolsa no sofá e deixando os tênis na soleira. Embora eu
não more mais aqui, nunca serei visita na casa que sempre foi meu
lar, e por mais que eu adore meu novo apartamento, às vezes ainda
sinto falta daqui.
Vejo a cabeça dele apontar na sala enquanto papai enxuga as
mãos em um pano de prato.
— Olha só, quem é viva sempre aparece. Desde que se
mudou dessa casa, a gente quase não se vê mais, nem parece que
tenho mais filha. — Abro um sorriso pela recepção dramática, que já
é típica desde que me mudei. Quando ele me solta do abraço
apertado, completa: — Achei que você iria criar raízes ali na porta,
minha querida. Esqueceu como se vira a chave em uma fechadura?
Parece que esse homem sente a minha presença e enxerga
através de paredes. Misericórdia.
— Só estava organizando alguns pensamentos antes de
entrar e te dar toooooda a atenção do mundo, pai. — Tento me
explicar com a primeira coisa que vem à cabeça. — Coisa de
trabalho, nada demais.
Primeira mentira do dia: check!
Ele não responde nada, apenas dá um sorrisinho torto de
quem sabe um segredo. Em seguida, coloca uma garrafa de
refrigerante no centro da mesa.
— Humm, pizza! —solto um gritinho de felicidade quando vejo
a mesa posta.
Ele coloca o dedo indicador rente à boca e indica seu quarto.
— Fala baixinho, a Íris está dormindo, e não foi nada fácil
conseguir essa proeza.
De vez em quando — mais para de vez em sempre —, meu
pai dá uma de babá e fica com a neta para Aquiles e Ana Júlia
descansarem… e Deus sabe o que mais eles precisam.
Embora seja um tanto disfuncional, nossa pequena família é
uma rede de apoio e tanto, e acho isso o máximo. Nada do que
falamos é discurso vazio.
Meu pai abre a caixa de pizza e meu coração se aquece ao
perceber que é meu sabor preferido. Zeus é um homem de detalhes,
por isso é tão difícil esconder qualquer coisa dele.
Bom, por isso e porque ele é um tremendo fofoqueiro,
igualzinho a mim.
—Você acredita que sua tia Hera está viajando de novo? —
ele enfatiza as duas palavras, como se desconfiasse de algo. —
Essa mulher está aprontando.
Dou risada enquanto me sento, já me servindo da primeira
fatia. Ele faz o mesmo e fica de frente para mim.
— Pai, ela só está aproveitando. Minha tia trabalhou a vida
inteira, chegou a hora de curtir.
—Pois eu acho que ela tem um namorado — declara.
Solto o garfo no prato, fazendo um barulhão, e ele me olha
feio. Em menos de cinco minutos, quase acordei Íris duas vezes.
— Seeeerá?
Ele balança o indicador, cheio de certezas.
— Pois eu acho. Não sabe como sua tia se apaixona fácil?
Quem vê aquela casca de durona nem imagina o tanto que acredita
no amor.
Eu diria que Hera acredita em outras coisas, mas meu pai não
iria querer saber isso sobre a própria irmã. Na verdade, queria ser
um pouco mais como ela: pegar sem me apegar. Ao invés disso,
fiquei anos patinando no mesmo amor fracassado.
— Ela deve saber o que está fazendo, pai.
Ele balança a cabeça enquanto mastiga, pensativo. Sei que o
silêncio desse homem nunca é sinal de boa coisa, porque meu pai é
do tipo que, quando está comigo, só sabe fofocar e tagarelar. Não sei
como ele ainda não comentou da vida do vizinho, ou reclamou do
fato de Eros ter pagado mais de doze mil reais em um notebook
novo, mesmo que não vá sair um único centavo de seu bolso.
— E você, minha filha? Sabe o que está fazendo?
Não disse? Calado é perigoso.
Mastigo o pedaço de pizza mais vezes do que posso contar,
enquanto meu cérebro trabalha incansavelmente por uma resposta.
Quando não chego a nada satisfatório, resolvo jogar verde.
— Não entendi, pai. Não sei do que está falando.
Ele dá uma risadinha.
— Ah, você sabe, sim. E essa carinha de sonsa aí só
funcionou comigo até os seus oito anos, no máximo.
— Pai… — Respiro fundo, percebendo que não há saída. Ele
levanta a mão, me impedindo de falar.
— Olha só, eu confio em você. Não lembro quando não
confiei, Afrodite. Eu só não quero que você se machuque. Às vezes,
em situações desesperadas, tomamos medidas drásticas. Só se
certifique de que vai conseguir sair de uma situação antes de entrar
nela, tudo bem?
Ele sabe. Merda, ele sabe que estou mentindo. E, com
certeza, sabe do motivo.
— Tudo bem, filha? — insiste, e sei que não quer me dar
sermão, nem me constranger. Ele só quer dar o seu recado.
E eu o entendi muito bem.
— Pode deixar, pai. Sei me cuidar — atesto.
Só espero não estar mentindo de novo.
Capítulo 14
Romeu

— Eu não acredito que você beijou a Afrodite na frente de


todo mundo e ainda saiu vivo de lá! — Thiago ri, tentando se
desvencilhar do golpe.

— Sua guarda está uma merda. — Ignoro o comentário e


invado a área que ele deveria estar protegendo. É assim que, pela
terceira vez consecutiva, aplico o mesmo golpe nele. — E não foi um
beijo de verdade. — Finalizo meu irmão com uma chave de braço,
obrigando-o a bater no tatame em rendição.

Hoje já é quarta-feira e esta foi a primeira chance que tive de


conversar com ele sobre o que aconteceu no casamento. Às quartas
e sextas, temos treino marcado, e aproveitamos o tempo juntos para
conversar sobre o que está acontecendo.

Levanto-me do chão e, com a respiração ofegante, ofereço a


mão para ajudá-lo.

— De verdade ou não, você estava com a língua na boca de


Afrodite. No meu dicionário, isso constitui como um beijo — Thiago
declara da forma mais simples possível.

Às vezes, tenho inveja dele e da leveza com que gerencia a


própria vida. Enquanto eu sou uma contradição ambulante.

Ver Afrodite prestes a desabar despertou em mim uma


necessidade primal de proteger e cuidar.

Não que ela não saiba como se defender sozinha, mas há


uma diferença colossal entre ter o conhecimento necessário para
enfiar porrada em alguém e a capacidade de se preservar das dores
causadas por pessoas idiotas.

Então, decido fazer isso por ela.

Afrodite mantém aquela armadura firme no lugar, mas sei que,


por trás dela, há uma mulher gentil e com sentimentos profundos.
Por que mais iria até o velório do meu pai só para prestar seu
respeito?

De repente, um raio de raiva me atinge. Como puderam, todos


eles, ignorar o sofrimento dela durante tanto tempo?

Ah, somos família. Olimpo unido e blá, blá, blá.

Enquanto isso, Afrodite estava sozinha, precisando viver a dor


sem ninguém para apoiá-la. Talvez Aquiles, mas o que ele fez?
Nada.

É por isso que eu preciso tomar essa função para mim. Ela
desperta alguns sentimentos que não consigo entender muito bem —
e não estão, necessariamente, conectados ao fato de que há anos
me sinto atraído por ela.

— Você está fazendo aquela coisa de novo — Thiago


comenta, me tirando dos pensamentos.

— Hãn? Que coisa?

— Essa coisa que você faz de ficar calado por um tempão,


olhando para o nada.

— Só estava pensando — confesso.

— Na Afrodite? — Ele sobe e desce as sobrancelhas de forma


insinuativa.

— É bem mais complicado do que você imagina, irmãozinho.


— Em vez de continuar explicando, sigo até os bancos na lateral do
tatame e pego uma toalha para secar meu rosto do suor. Depois,
ajusto o quimono, que acabou se abrindo durante o treino, e me
sento.

— Não sei o que tem de tão complicado — Thiago volta a


falar, sentando-se ao meu lado. — Você gosta dela, e ela deve
gostar um pouco de você, senão jamais teria te levado para um
evento do Olimpo.

Ah, se ele soubesse de toda a verdade…

A única coisa que contei a ele foi sobre o namoro falso, porém
omiti os motivos que nos levaram a isso. Jamais trairia a confiança
de Afrodite desse jeito.

— Não importa. — Balanço a cabeça. — Às vezes, gostar não


é o suficiente.

— Nunca pensei que fosse dizer isso, Romeu, mas você é um


covarde. — Olho espantado para o meu irmão, que, pela primeira
vez, não está sorrindo.

— Por que acha que sou um covarde?

— Ah, pelo amor de Deus! — Thiago se levanta do banco e


para à minha frente. — Há anos você gosta da Afrodite, mas nunca
teve uma chance com ela. Agora que tem, fica no “ain, é
complicado”. Esperava mais de você, irmão.

— Mas é complicado — justifico-me de uma forma quase


infantil.

— Então, vai lá e descomplica. — Ele dá de ombros, como se


fosse a coisa mais óbvia do mundo.

Só que não tem nada que posso fazer para “descomplicar”.


Ela está apaixonada por outro homem, completamente vulnerável, e
eu seria um babaca se me aproveitasse desse momento de
fragilidade.
— Se ela não gostasse de você, não teria te levado ao
casamento — Thiago insiste. — A bola está contigo, Romeu.

Por alguns segundos, apenas o encaro.

Ele não tem ideia da real situação, porém tem razão quando
diz que a bola está comigo. Não preciso dar em cima dela, muito
menos tentar outro beijo agora. Mas posso ser algo diferente do que
está acostumada. Um ouvinte, talvez. Um apoio.

Caralho, só não quero entrar na friendzone.

— E se…? — começo a sugerir, porém acabo travando.

A ideia de sair com ela talvez seja idiota demais, só que não
custa tentar.

— Não me deixa no suspense, caralho. No que você está


pensando? — Thiago soa impaciente.

— E se eu a levasse para jantar? — ofereço.

— Jantar? — Meu irmão bate com o indicador no queixo,


fingindo pensar. Ridículo. — Jantar é pesado, Romeu. Porque tem
toda a brincadeirinha com a “sobremesa”. — Ele faz o sinal de aspas
com os dedos, me obrigando a revirar os olhos.

— Então, sem jantar?

— Talvez uma refeição menos pretensiosa. Não é todo mundo


que gosta de trepar depois do almoço, não é?

— Quem falou em trepar?! — solto rápido demais, e minha


reação exagerada faz com que ele gargalhe.

— Ah, eu sou o Romeu. Gosto da Afrodite desde que descobri


que meu pau funciona. Mas não quero trepar com ela. Vamos ter um
casamento celibatário e recheado de amor puro — ele faz uma voz
grossa, como se estivesse me imitando.
— Vai dar meia hora de cu na esquina, vai.

— Ui, que delícia. — Thiago coloca as mãos no joelho e


empina a bunda.

Puta que pariu, esse moleque…

— Mas, voltando ao jantar — retomo o fio —, talvez seja


realmente pesado. Passa a ideia de segundas intenções, e não é
disso que precisamos agora.

— Ou seja, almoço — meu irmão conclui.

— Café da manhã? — ofereço.

— Muito longe do jantar — ele diz e franzo a testa, sem


entender o comentário. Então, Thiago explica: — Pense comigo. Se
“jantar” diz “quero trepar”, almoço diz “quero trepar, mas posso
esperar um tempo”. Já café da manhã é outro papo. Quer dizer “a
ideia está tão longe da minha mente que quase não faz diferença se
eu trepar ou não com você”.

Acompanhar o pensamento do meu caçula é sempre uma


aventura.

— Caralho, mas que viagem. — Apenas balanço a cabeça em


afirmativa.

— Vai de almoço, meu brother. Vai de almoço.

— Vou de almoço — a única coisa que consigo fazer é repetir.

Levanto-me do banco, dou dois tapas no ombro ele e sigo


para o vestiário.

— Aonde você está indo? O treino não acabou! — Thiago


grita.

— Acabou, sim.
Tenho um almoço hoje.
Capítulo 15
Afrodite

De vez em quando, acho que Marcela deveria entrar para o


Guinness como a pessoa mais irritante do mundo. Voz esganiçada,
falta de personalidade e um puxassaquismo fora do comum: o
combo perfeito para atiçar meu lado homicida. Se eu estivesse na
TPM, a parede já estaria deformada com o formato da cabeça dela.
Ou da minha.

Sorte para nós duas.

— Ain, sériooo. — Ela precisa mesmo alongar todas as


vogais? — Eu achei que a reunião foi um sucessooo. — Reviro os
olhos, caminhando ao lado dela pelo corredor que leva ao nosso
setor. — Tenho certeza de que Rodolfo gostou muuuito do nosso
trabalho.

Cabeça na parede em 3, 2…

— Quem é aquele? — Ticiane, a única pessoa lúcida e


sensata do trio, aponta para a frente.

É então que todas nós paramos de caminhar.

Não, não é possível.

Vindo na nossa direção, está ninguém menos que Romeu.


Com as mãos afundadas nos bolsos dianteiros da calça preta, ele
parece um modelo de passarela. Os passos carregam um certo
gingado — que alguns podem chamar de marra, porém, aí, que
delícia — e o olhar está preso em mim.
— Quem. É. Aquele. Macho? — Ticiane pergunta logo atrás,
olhando por cima de meus ombros.

— Gente do céuuu, o estado da minha calcinhaaa. — Marcela


se abana.

“Meu”, um rosnado sussurra na minha mente. Ignoro-o, claro,


enquanto tento entender o que diabos está acontecendo com a
minha sanidade e por que Romeu está aqui.

— Oi — ele diz quando para de frente para mim.

Uma palavra. Duas letras. Mesmo assim, qualquer coisa soa


indecente nessa voz grossa e aveludada. Preciso de um segundo
para me recuperar, até porque ele está usando uma camiseta
branca, que agarra o abdômen e os bíceps fortes, mas deixa à
mostra o antebraço veiúdo.

Não lembrava de Romeu ser tão… homem assim.

Quando não digo nada em resposta, ele acrescenta:

— Desculpe, sei que não combinamos nada, mas achei que


você pudesse almoçar comigo hoje. — Romeu abre um sorriso, e
posso jurar que ouço as duas mulheres atrás de mim suspirarem.

A minha vontade é dizer: “sim, pelo amor de Deus, me leva


embora daqui”, mas sei que não devo. Não devo por um milhão de
motivos, e eu poderia passar o resto do dia enumerando-os, mas me
limito a uma desculpa esfarrapada:

— Não sei se tenho tempo. Acabamos de sair de uma reunião


e…

— Tem tempo, sim. — Ticiane me empurra para a frente,


quase me fazendo esbarrar no peitoral largo de Romeu. — A gente
cuida dos materiais para a apresentação da campanha.
Olho para ela, que apenas balança a cabeça freneticamente
em um sinal positivo. Já Marcela continua encarando Romeu. A boca
tão aberta que, daqui a pouco, baba vai escorrer.

Cabeça. Parede.

Mas então subo o olhar e encontro Romeu focado em mim. O


sorriso no rosto, os olhos avelãs brilhando. Meu coração dá uma
flutuada estranha dentro do peito, porém finjo que ele não me afeta.

Maldita Ana Júlia e suas ideias. Não só por elas serem idiotas,
mas por estarem se infiltrando em mim e começando a parecer…
boas.

— Eu vou — concordo, engolindo em seco. — Se você


prometer que nunca mais vai aparecer de surpresa no meu local de
trabalho. — Cruzo o braço na frente do corpo. Romeu acompanha o
movimento com os olhos, mas depois me encara sem deixar o
sorriso sair de seu rosto.

Olho para baixo e noto que o gesto fez com que meus peitos
quase pulassem do decote. Assustada, abaixo os braços e endireito
as costas, chegando um passo para trás.

Pigarreio com as bochechas queimando.

— Vá pegar sua bolsa, Afrodite — Ticiane, a traidora, diz. — A


gente faz companhia para o…

— Romeu — ele completa. — É um prazer enorme conhecer


as amigas da Afrodite.

Agora, sim, há um “aaaaaah” coletivo.

Puta merda, né?

— Me espere lá embaixo. Desço em dois minutos — aviso e


começo a caminhar, incapaz de ficar aqui, vendo Romeu ser comido
com os olhos.
✽✽✽

Seguro com força as alças da minha bolsa de mão, assim


consigo disfarçar o quanto estou tremendo. Também me atento aos
barulhos em volta, de forma que consigo ignorar meu coração
ridículo batendo um pouco mais forte, mesmo que eu não saiba por
que ele está fazendo isso.

Deus, é só o Romeu. Não é nada demais.

Então, observo-o olhando tudo a seu redor, também distraído


com o lugar, e me corrijo no mesmo segundo: é tudo demais. O
corpo é demais, o rosto é demais, o sorriso é demais.

Ana Júlia, sua desgraçada, eu vou te matar. Por que estou


pensando em sua ideia idiota pela terceira vez no dia?

— Nunca tinha ouvido falar desse restaurante — confesso,


sentando-me na cadeira que ele segura para mim.

Eu poderia reclamar e dizer que sei muito bem como puxar


a minha própria cadeira, muito obrigada, porém há algo bem
interessante em ter um homem bonito agindo de forma cavalheiresca
com você. Sei lá, dá esperança de que o mundo não é esse lugar
podre a que estamos acostumadas.

— Nunca comi aqui também — Romeu comenta enquanto dá


a volta na mesa e se coloca de frente para mim. Mas é o sorriso em
seus lábios e o leve rubor na bochecha que me deixam intrigada.

— O que foi? — pergunto.

— Nada importante. É só que… — Ele trava, olhando para


mim enquanto mantém o sorriso. — Eu também não conhecia, mas
fiz uma breve pesquisa e descobri que este é um dos melhores
restaurantes do bairro.
Romeu dá de ombros e fico boquiaberta por alguns segundos,
enquanto meu coração dá uma pirueta dentro do peito.

Quieto aí dentro, seu merdinha. Você já me deu trabalho


demais nos últimos anos, nem ouse se animar.

— Aconteceu alguma coisa? — Não consigo segurar a


pergunta.

Em minha cabeça, a possibilidade de ele me chamar apenas


porque queria me ver novamente é impensável. Ou eu quero que
seja impensável, não sei. Quer dizer, tem que haver um motivo, não
é?

— Por que teria acontecido? — O desgraçado percebe minha


inquietação e dá um sorrisinho descarado. Ô vontade de estapear
essa cara bonitinha, viu?

— Você sempre responde perguntas com mais perguntas? —


Enrugo o nariz, ainda sem entender muito bem o propósito de sua
visita inesperada.

— E você sempre fica na defensiva, meu mel?

— Ah, pronto! — Bato com as mãos no tampo da mesa. —


Voltamos aos apelidos?

— Por mim, eles nunca teriam ido embora. Inclusive, passei


oito horas pesquisando uma lista de nomes deliciosos que podemos
usar para…

— Você não fez isso! — acuso, arregalando os olhos.

Mas, em vez de responder, Romeu apenas solta uma


gargalhada. É claro que isso faz com que metade dos clientes se
virem para nós, curiosos com a comoção. Alguns desviam o olhar
logo em seguida, mas outros — ou melhor, outras — continuam
encarando Romeu.
Diversos pares de olhos femininos se fixam nele, como se a
visão de um homem feliz fosse combustível para úteros enferrujados.

— Claro que não fiz isso — ele confessa quando finalmente


para de rir. — Acredite ou não, mas tenho uma agenda bastante
ocupada.

— Pelo visto, não ocupada o suficiente, ou não estaria aqui


agora.

— Meu Deus, você está um docinho hoje! — Romeu balança


a cabeça em afirmativa, sem tirar os olhos de mim. — As patadas
estavam em liquidação ou…?

— Desculpe. — Enfio o rosto nas mãos e puxo o ar com força


por alguns segundos. — É só que a semana não tem sido fácil.

Isso é diminuir, e muito, as merdas dos últimos dias. O projeto


que quase fracassou, a encheção de saco por parte do meu chefe, a
conversa de três horas que tive ontem com meu pai sobre Romeu…

É sério, preciso de férias da minha própria vida.

— Aconteceu alguma coisa? — ele repete a minha pergunta.


— É sobre o casamento de Dionísio?

Ao ouvir o nome que mais odeio, ergo o olhar e encontro o de


Romeu focado em mim. A preocupação é nítida ali, mas não é o
único sentimento estampado em seu rosto.

— Não preciso da sua pena, Romeu — rebato, porém com um


tom manso. Ele abre a boca para dizer alguma coisa, só que ergo a
mão pedindo para que não fale. — Quando cheguei em casa no
sábado, decidi que não pensaria mais nisso. Nunca mais. Por favor,
só… — engulo em seco —, só não toque mais nesse assunto, ok?

— Ok — é tudo o que ele diz, e fico muito grata por isso.


— Por que você foi me buscar? — solto a pergunta sem
qualquer filtro. É o que eu quero saber desde que cheguei aqui, e
não sou muito de enrolar.

— Porque quis. — Romeu sorri, me fazendo lembrar da


conversa que tivemos nos degraus do meu prédio.

— E o que mais você quer?

Não sei se nossos olhares ficam presos por segundos, horas


ou dias. Mas, desta vez, não consigo interpretar o que o dele
esconde.

Romeu não diz nada e apenas me encara como se fosse a


primeira vez que estivesse realmente me vendo. Enquanto analisa
cada centímetro do meu rosto com cuidado, tento conter a
vermelhidão que toma minhas bochechas. Provavelmente falho, mas
ele segue me olhando.

— O que foi? — Abaixo o rosto, minha voz apenas um


sussurro.

— Nada. — Romeu balança a cabeça devagar, de um lado


para o outro. Então, nossos olhos se conectam de novo. — Na
verdade, tem uma coisa.

— O quê?

— Sei que você me pediu para não tocar nesse assunto, e


não vou… — Ele me encara e posso enxergar que não há mais pena
ali, e sim sinceridade no fundo de seus olhos. — Mas, se você
precisar de mim, a qualquer hora, estou a uma mensagem de
distância.

Meu primeiro instinto é não responder. É continuar me


fazendo de forte, vestindo o personagem daquela que não precisa de
nada nem ninguém. Mas Romeu já me provou algumas vezes que é
um cara legal, e que não há problema nenhum precisar de alguém
de vez em quando. Então, limito-me a sorrir e respondo:
— Obrigada.

— Qualquer coisa, Afrodite. Qualquer coisa mesmo.

Desta vez, uma tensão estranha se cria entre nós. Forte,


quase elétrica, e sinto um arrepio subir pela coluna, quase como se
houvesse algum vínculo se criando, atando nós invisíveis.

Os lábios grossos, desenhados em formato de arco, estão


ligeiramente entreabertos, como se respirar fosse difícil. O maxilar
bem definido, porém encoberto por uma barba rala, faz com que ele
sempre tenha uma aparência séria e ao mesmo tempo bondosa. Já
os olhos — na cor de avelã com alguns traços mais claros — me
encaram sem qualquer cerimônia.

Estremeço.

— Vamos… — pigarreio, tentando colocar alguma firmeza na


voz — …pedir alguma coisa para comer? Não posso demorar muito.
— Pego o cardápio e aproveito o momento para colocar minha
mente no lugar.

Posso não saber qual é o prato do dia, mas de uma coisa eu


sei muito bem: a sugestão idiota de Ana Júlia passa pela minha
cabeça pela quarta vez, e parece cada vez mais atraente.
Capítulo 16
Romeu

Quando você precisa reler doze vezes a mesma frase, é sinal


de que seu cérebro está pedindo arrego. Mesmo assim, preciso
continuar. Tenho que entregar um artigo para o meu orientador
depois de amanhã e ainda nem terminei toda a leitura necessária.
Onde eu estava com a cabeça quando decidi que fazer
doutorado era uma boa ideia? Agora estou aqui, em pleno sábado à
noite, enquanto todo mundo que conheço se diverte em algum lugar.
Ergo os braços, inclino o torso para um lado, depois para o
outro. Aproveito e giro o pescoço algumas vezes. Alongar sempre faz
bem. Mas nada parece ser o suficiente para me tirar desse sono
irritante.
— Sete da noite, Romeu — repreendo-me, colocando os
óculos na mesa. — Você já foi melhor do que isso.
Talvez um café ajude na minha situação deplorável.
Levanto-me da cadeira e sigo na direção da cozinha: um total
de três passos, mas quem está contando? Porém, antes que eu
consiga colocar o pó na cafeteira, o celular começa a tocar.
Na mesma hora, meu coração acelera com a expectativa de
que seja Afrodite me ligando. Não que eu esperasse isso dela, mas
não custa sonhar.
Não nos falamos desde aquele almoço, e isso tem me
incomodado mais do que eu gostaria de admitir.
As coisas ficaram… intensas por um minuto. Naquele
momento, tudo o que mais queria na vida era ter a habilidade de ler
mentes. Afrodite sempre demonstra o que está sentindo, mas talvez
eu estivesse tão perdido em sua beleza — e nas inúmeras
possibilidades que se passavam por minha mente — que acabei me
esquecendo de interpretar seu rosto.
Estava me controlando para não pular sobre a mesa e provar
daquela boca carnuda outra vez, só para ter certeza de que ela é tão
doce quanto me lembro. Mas então Afrodite desviou o olhar e, de
alguma forma, recobrei a sanidade.
Desde então, ficou impossível parar de pensar nela — mesmo
com todas as centenas de coisas que preciso fazer. É por isso que
me frustro ao notar que não é o número dela piscando na tela, e sim
um desconhecido, que não parece ser nacional.
— Alô? — atendo, curioso.
— Romeu? — a voz masculina no outro lado da linha diz.
— Eu. Quem está falando?
— Caraca, filho da puta! Que dificuldade é te encontrar. Por
que não respondeu às DMs?
Franzo a testa, ainda sem conseguir identificar o homem.
— Quem está falando? — repito.
— É o Dalton, cara. — Arregalo os olhos. — Você me deixou
uma mensagem dias atrás, pedindo para que eu te ligasse. Estou te
respondendo há três dias por lá e nada de você falar comigo!
— Pô, foi mal, Dalton. Não tenho visto as redes sociais.
Puta merda. Esqueci completamente que tinha tentado entrar
em contato com ele. Fiquei tão concentrado em escrever o artigo que
acabei ignorando o resto do mundo.
— Tá tranquilo. Fiquei surpreso que tu tentou falar comigo,
meu brother. O que aconteceu?
— Soube que meu pai morreu? — Coço a nuca.
Dalton era um bom amigo quando ainda morava no Brasil, e
um dos poucos no Coliseu que não gostava de como meu pai levava
as coisas por lá. Talvez tenha sido isso que nos aproximou. Ou o fato
de que ele era o único que lutava melhor do que eu.
— Porra, nem soube. Foi mal, cara. Como tá tua mãe? E teus
irmãos?
— Todo mundo bem, na medida do possível. — Não entro em
mais detalhes e logo completo: — Júnior vai assumir o Coliseu.
— Deveria ser você — Dalton fala mais baixo.
— Talvez, mas não quero entrar nessa briga. Não vale a pena,
sabe? Se estar à frente do Coliseu fosse meu sonho, eu até tentaria,
mas…
— Mas nunca foi — ele completa por mim. — Você sempre
preferiu seus estudos. Inclusive, passou pro doc?
Dalton foi para os Emirados Árabes quando eu estava
estudando para a prova de doutorado. Desde então, só nos falamos
uma vez, quando ele me perguntou se eu queria ir para lá também.
— Passei, sim — confirmo. — Estou no terceiro ano e
morrendo por dentro. — Dalton solta uma gargalhada com meu
comentário, e quero dizer para ele que não estou sendo dramático.
Se eu tiver que ler Foucault mais uma vez, juro que sou capaz de
tacar fogo em um orfanato.
— Você deveria ter aceitado minha oferta de vir para cá. A
vida aqui é boa. Muito boa mesmo.
— Então, sobre isso… — Faço uma pausa, tentando
encontrar a melhor forma para expor a situação da forma certa. Até
porque não sei muito bem o que fazer agora.
Fiz uma promessa para minha mãe de que cuidaria da casa e,
principalmente, dos estudos de Thiago. Não estou disposto a voltar
com a minha palavra. Aquela mulher fez de tudo por mim a vida
inteira. Brigou com meu pai incontáveis vezes por minha causa, se
colocando em risco contra a ira dele. Sempre me defendeu, apoiou
meus sonhos e fez questão de que eu tivesse a confiança suficiente
para correr atrás de cada um deles.
Agora, tenho a obrigação de cuidar dela. A honra de dizer que
minha mãe não vai passar qualquer necessidade, porque eu lutarei
com todas as forças para que isso jamais aconteça.
Então, engulo as dúvidas, o orgulho e o futuro que tinha
planejado.
— Sobre isso — repito, inspirando com força. — Queria saber
se ainda tem espaço para mim aí.
Escuto Dalton respirar do outro lado da linha, mas leva um
tempinho até ele responder:
— A vaga da academia onde trabalho já foi ocupada — revela,
me fazendo fechar os olhos em desanimação. — Só que posso
perguntar por aí. Talvez alguém tenha uma ideia. Mas por que você
resolveu sair do Brasil?
— Grana, cara. Preciso de grana — confesso.
— E o doutorado? — ele quer saber.
— Vou abrir mão da bolsa e pausar os estudos por um tempo.
Depois de uns dois ou três anos, acho que já poderei voltar. Tenho
que ver o tempo máximo com o meu orientador.
— Romeu, você quer mesmo fazer isso? — A pergunta me
pega de surpresa.
— Claro que não — falo sem qualquer hesitação. — Mas
preciso.
O silêncio na linha deixa claro que ele ficou tão chocado
quanto eu quando descobri que havia uma dívida considerável a ser
paga e que meu pai não contribuía para a Receita Federal, logo,
minha mãe não tem direito a pensão.
Meu salário atual não vai dar conta de cobrir todos os gastos.
Mesmo que, por um milagre, eu consiga aumentar meu número de
turmas, não será o suficiente. Preciso de dinheiro. E rápido.
A melhor forma que pensei de conseguir isso foi usando meu
corpo em Abu Dhabi.
“Péssima piada, Romeu”, minha mente diz, revirando os
olhos.
— Beleza, cara. Me dá uns dias e vejo se consigo algo pra
você.
Agradeço a Dalton e encerro a ligação, sentindo como se eu
tivesse acabado de engolir um tijolo.
Ao mesmo tempo que preciso desse trabalho, a ideia de sair
do meu país e deixar minha família para trás chega a causar repulsa.
Isso sem falar em Afrodite. Finalmente estou conseguindo algum
progresso com ela.
Mas, como disse a Dalton, preciso fazer isso.
Aqui, o esporte não tem muito prospecto. A maioria dos
lutadores é obrigado a ir para os Estados Unidos ou para os
Emirados. Enquanto os caras valorizam o “Jiu Jitsu Brasileiro”, os
próprios brasileiros cagam para ele.
Mesmo assim, preciso tentar. Porque se tem uma coisa mais
desvalorizada do que atletas, são os professores. Professor de
Sociologia, então… um descaso completo.
Coloco o celular sobre a bancada da cozinha e abaixo a
cabeça até encostar com a testa no tampo. Merda, o que vou fazer
agora?
— Você vai terminar de escrever seu artigo — falo para mim
mesmo, encarando o chão. — Vai ignorar a falta de concentração e
todas as merdas que estão acontecendo.
A conversa com Dalton não foi das mais estimulantes, só que,
pelo menos, me fez acordar. Não estou sentindo sono, apenas uma
vontade louca de gritar em frustração.
Olha aí. Chamo isso de progresso.
Sento-me de novo à mesa da sala, recoloco os óculos e pego
o livro que estava lendo. Desta vez, preciso voltar oito vezes para
entender o parágrafo.
E o progresso desceu pela descarga.
Fecho o livro com um baque e solto o ar com força. Pensando
na minha mãe, nos meus irmãos e no meu pai, acabo apoiando os
cotovelos na mesa, tiro os óculos de novo e enterro a mão no rosto.
Sinto como se estivesse recebendo uma punição por não
chorar a morte do homem que me criou. Essa indiferença toda que
senti quando descobri que ele havia morrido está cobrando seu
preço. É a única explicação. Por isso, preciso tomar uma atitude
drástica, senão todos vão sofrer com as consequências do meu
carma.
Irritado, empurro a cadeira para trás com força, arranhando os
pés no piso branco.
— De que adianta escrever esse artigo se você vai largar o
doc? — pergunto para ninguém, ignorando minhas
responsabilidades enquanto ainda posso. — Preciso de um banho.
Sigo na direção do banheiro e arranco as roupas na base de
puxões. Assim que não resta mais peça, enfio-me embaixo do
chuveiro e deixo a água gelada lavar meu corpo. O choque é
incômodo, porém muito bem-vindo, principalmente quando penso em
Afrodite.
É claro que estou me iludindo em relação a ela. Afrodite ainda
não superou Dionísio — e não tenho ideia de quando isso vai
acontecer. Também não posso ficar que nem um babaca, esperando
que ela ligue ou mande mensagem.
Esfrego o corpo com força, até minha pele ficar vermelha com
o atrito. Depois, lavo o cabelo. Quando finalmente decido que a
tortura congelante já durou tempo suficiente, saio do banho e volto
para a sala. Talvez agora eu consiga escrever mais um pouco.
Só que, no minuto que me sento, noto que há uma mensagem
iluminando a tela do meu celular.
Não sei o que me espanta mais: a mensagem ser de Afrodite
ou o significado das cinco palavras.

Preciso de você. Traga vaselina.


Capítulo 17
Afrodite

— Confesso que estou com um pouco de medo de perguntar


por que você me pediu para trazer a vaselina, mas… — é a primeira
coisa que Romeu fala assim que abro a porta, mas ele trava
imediatamente quando pausa o olhar por mais de dois segundos e
me vê por completo diante dele. — Meu Deus, o que aconteceu com
você?
— Minha afilhada aconteceu. — Levanto a mão esquerda,
mostrando o minúsculo anelzinho entalado. — Ela enfiou o anel dela
no meu dedo e não sai com nada. Já tentei detergente, sabão,
condicionador, óleo de cozinha… Aí procurei na internet e descobri
que vaselina ajuda, mas não dá para sair com uma criança a essa
hora pela rua atrás disso.
— Sério? — Ele ri.
— Não ri, Romeu! — Ergo a mão mais uma vez, fazendo com
que preste atenção em meu dedo do meio. — Já está ficando sem
circulação. Se eu perder esse dedo, como faço para continuar
mostrando ele pra você?
— Como sempre, uma graça de mulher. Olha, não sei se fico
aliviado ou decepcionado com sua explicação sobre a vaselina. Na
minha cabeça, era por um motivo muito melhor. — Ele me entrega a
sacolinha da farmácia enquanto dá uma espiada na pequena
meliante assistindo à TV, deitada no sofá como se nada tivesse
acontecido. — Mas eu me referia a toda essa maquiagem conceitual.
— Na sua cabeça, com certeza acontecem coisas que nunca
vou querer descobrir. — Mentirosa, mentirosa, mentirosa, minha
mente me acusa. — E a maquiagem é outra obra de arte da minha
benção.
Romeu continua rindo. Mas ele tem toda razão em fazer isso:
estou parecendo uma palhaça mesmo. Íris acertou em cheio.
— Como foi que você recebeu esse presente? — Deixo-o
entrar no apartamento, notando como a presença dele enche o
pequeno espaço com facilidade.
Estou acostumada a conviver com homens grandes, porém há
algo diferente em Romeu. Principalmente no fato de ele estar aqui,
na minha casa, sábado à noite. Nunca convido ninguém que não
seja bem próximo, muito menos se estou com a minha afilhada.
Balanço a cabeça e tento voltar à realidade, em vez de ficar
presa nos pensamentos.
— Venha, vou te apresentar a ela. — Sem me dar conta do
que estou fazendo, puxo-o pela mão até o sofá, que já está aberto
para que Íris tenha espaço de sobra.
Ela já perdeu o interesse na televisão e, agora, mantém seus
olhinhos azuis focados no homem novo. O melhor é quando fica de
pé no braço do sofá, tentando diminuir a altura entre eles.
— Oi — fala em toda sua eloquência, colocando as mãos na
cintura.
Por alguns segundos, Romeu apenas a encara e os dois
travam uma batalha — e é claro que minha afilhada sai vitoriosa.
— Tem certeza de que não é sua filha, meu mel? Ela parece
mais brava do que você. — O comentário dele me faz comprimir os
lábios para segurar o riso.
— É a dinda! — Íris afirma. Sua vozinha infantil carregada de
determinação. — Minha mamãe é Ana Júlia. E meu papai é Aquiles.
— Ela ergue o queixo, desafiando-o.
Se eu morrer agora por falta de circulação no dedo, pelo
menos deixo este mundo sabendo que fiz uma coisa certa na vida:
ensinei minha afilhada a nunca abaixar a cabeça para homem
nenhum.
Não que eu siga meus próprios ensinamentos, mas… É
aquele ditado, né? Faça o que eu digo, não faça o que eu faço.
— Bom, Íris, muito prazer. Eu sou o Romeu. — Ele estende a
mão para a futura imperatriz do Universo, e os dois apertam em
cumprimento. — Sou amigo da sua dinda.
Mas Íris não parece disposta a ceder, porque continua
encarando Romeu com a testa franzida, como se desconfiasse das
intenções dele.
— Muito bem, querida. — Pego-a no colo e sussurro em seu
ouvido. — Não podemos confiar em homens, muito menos os
bonitos.
Talvez eu esteja exagerando nas lições? Talvez. Mas foda-se.
Ela vai aprender a se defender — contra violência e desilusões
amorosas.
— Você me acha bonito, meu mel? — Romeu me encara, um
sorriso torto tomando conta de seus lábios.
— Se quer alguém para acariciar seu ego, volte para aquela
maria-tatame. — Reviro os olhos e deixo um beijo no cabelo
cacheado de Íris. — Aqui só tenho sarcasmo e críticas a oferecer.
Ele joga a cabeça para trás e solta uma gargalhada gostosa,
que parece contagiar seu corpo inteiro. Enquanto isso, eu e Íris
apenas olhamos a cena, incapazes de nos mexer.
— Não tem problema. Eu sempre tive um pezinho no
masoquismo mesmo. — Ele continua rindo, o que não me impede de
criar cenários nada cristãos em minha mente. Só me basta torcer
para que ele tenha um pé no sadismo também, porque quem seria
Christian Grey perto desse homem se ele decidisse entrar para o
jogo?
Antes que eu consiga lembrá-lo — também me lembrar — de
que o chamei por um motivo muito específico, Romeu se recupera
das risadas e vem até nós, parando a poucos centímetros do rosto
de minha afilhada.
— Aprenda uma coisa, pequena: quanto mais você pisa, mais
os homens gostam. — Ele dá uma piscadinha e, de repente, minha
afilhada começa a rir também. Uma risadinha infantil, de quem não
sabe muito bem o que está acontecendo. Porém uma coisa é clara: a
traidora caiu nos charmes baratos desse Don Juan do Paraguai.
— Quem dá os ensinamentos aqui sou eu — declaro,
recolocando Íris no sofá. — Esqueceu de que te chamei por um
motivo?
Um péssimo motivo, diga-se de passagem. Afinal, poderia
muito bem ter ligado para a farmácia e encomendado a vaselina. A
desculpa que usei para aplacar minha culpa foi que a entrega talvez
demorasse tempo demais — e até chegar, meu dedo poderia ter
caído.
Não que esses minutos de conversa com Romeu possam ser
contados como tempo desperdiçado, mas…
— Certo — ele diz, alcançando o tubo de KY dentro.
— Meu deus! Era só vaselina, seu louco! — solto em um grito,
puxando o tubo de sua mão. — Isso aqui, além de caro, é…
— Sei muito bem o que é. — Romeu recosta o ombro direito
na estante e me encara. — Fiquei bem desapontado quando
descobri que não foi esse o motivo que me trouxe até aqui.
Pelo jeito, não sou só eu que tenho pensamentos impróprios.
— Já começaram a vender os ingressos para o seu show de
stand up, querido? Porque isso só pode ser uma piada sobre algo
que nunca vai acontecer.
— Ah, Frofrô… — Ele fecha os olhos, inspira uma vez e solta
o ar bem devagar. Mas quando me encara novamente, há um calor
inesperado ali. Os olhos parecem mais escuros, mais intensos. A
respiração é pesada. E o sorriso, indecente. — Nunca é uma palavra
muito forte.
— Nunca, Romeu — garanto, colocando na voz toda a firmeza
que não sinto neste momento.
— Tudo bem. — Ele dá de ombros. — Pelo menos o cara da
farmácia achou que eu iria… — Romeu não termina a frase, olhando
para Íris.
— Ou talvez tenha pensado que alguém iria com você. —
Assim que as palavras saem da minha boca, sinto vontade de rir.
— Naaah. O cara da farmácia fez insinuações. — Ele abana
uma mão e, em seguida, se afasta da estante. Depois de dois
passos, para bem à minha frente e abaixa a cabeça, colando a boca
no meu ouvido. — Eu só confirmei que comeria o cuzinho da minha
namorada hoje. — A voz é tão grossa e sussurrada que mal consigo
ouvir.
Mas sinto. Sinto o impacto das palavras e quase comprimo
uma perna contra a outra para aplacar a pulsação que se forma.
— Quem cochicha o rabo espicha, come pão com largartixa —
Íris diz, chamando a nossa atenção.
Puta merda, nunca amei tanto a minha afilhada na vida.
— Desculpa, meu amor. Mas o amigo da dinda é meio mal-
educado. — Faço cara feia para Romeu, que continua com aquele
maldito sorriso estampado naquele maldito rosto lindo. Maldito!
— Vamos resolver esse seu dedo antes que uma catástrofe
aconteça, ok? Fiz Ciências Sociais, obviamente sou um cara de
esquerda, mas a última coisa que quero é você parecida com o Lula.
Desta vez, não consigo conter a gargalhada. Romeu tem as
piores piadas, adoro.
— Você é ridículo.
Sua resposta é uma piscadinha. Mas depois estende a mão
para mim, pedindo o lubrificante, que ficou na mesinha de canto. Nós
nos sentamos ao lado de Íris no sofá, e Romeu segura meu dedo
com cuidado.
— Afrodite — chama de forma séria, e me vejo obrigada a
encarar seu rosto. O maxilar está cerrado, deixando-o ainda mais
reto e definido.
— O que foi? — pergunto, assustada, revezando olhares entre
ele e o dedo preso. — Está ficando roxo? Acha que preciso ir ao
médico? — O medo começa a tomar conta.
— Não. Só queria saber se posso dar uma lambuzada no seu
anel. — E termina a frase com uma piscadinha irritante. De novo.
— VOCÊ NÃO DISSE ISSO! — solto em um berro, que
assusta até a minha afilhada.
Mas Romeu apenas ri, ri e ri mais um pouco, se contorcendo
no sofá com a própria piada ruim.
Antes que eu consiga me controlar, subo em cima dele e faço
um giro com o corpo, agarrando sua cabeça com as pernas e
envolvendo a dele com o braço em um golpe que adoro usar.
— Íris, agora! — chamo o reforço, e o filhote de Aquiles não
desaponta. Ela vem com tudo para cima de Romeu e, enquanto eu o
mantenho imobilizado, ela ataca com cosquinhas.
O homem se debate sob mim, gargalhando sem parar.
No meio do movimento, ele acabou com uma das mãos
posicionada nas minhas costelas, os dedos grandes quase tocando
meu peito. Já com a outra ele agarra Íris, tentando fazer com que ela
pare de torturá-lo com aquelas mãozinhas do capeta.
— Não pare até ele se render! Não pare até ele se render! —
encorajo-a.
É neste momento que minha garota diz a que veio no mundo:
ela imita perfeitamente os meus movimentos, enlaçando o bíceps de
Romeu com as pernas, e usando os braços para controlar a mão
dele.
A cena seria impressionante se não fosse ridícula. Mas o
orgulho da dinda é o sentimento que mais brilha agora. Até porque
não vou prestar atenção ao fato de que tem um homem delicioso
com o rosto a poucos centímetros da minha…
— Eu me rendo! Socorro, eu me rendo! — Romeu grita e Íris o
liberta de uma vez, saltando para o chão e começando a gritar a
vitória.
Solto-o também, mas com um pouco mais de graça — e
relutância, talvez.
— Ganhamos, dinda! Ganhamos! — A pequena continua
comemorando, os bracinhos gorduchos balançando freneticamente,
enquanto tento recuperar o fôlego.
Como se meus olhos tivessem vontade própria, eles se voltam
para Romeu e vejo que ele também olha impressionado para a
garotinha que não para de pular.
— O nome disso é trabalho em equipe, Íris San. E como é
nosso grito de guerra? — pergunto a ela.
— Mulheles. Unidas. Jamais selão vencidas — ela repete
várias vezes, e canto junto com ela.
Claro que sou uma hipócrita de merda, mas voltamos àquela
mesma lógica do “faça o que digo, não o que faço”.

✽✽✽

Com o dedo livre, leve e solto outra vez, carrego o pote


enorme de pipoca para a sala, sentando-me à esquerda no sofá. Íris
e Romeu se tornaram melhores amigos e decidiram que estava na
hora de assistir a um filme bom. Ela queria ver Moana — pela
nonagésima quarta vez —, mas Romeu sugeriu algo mais violento.
— Esse Hécules é muito feio — Íris observa. — O tio Hécules
lá do Olimpo tem um muque glandão! — Ela cruza os braços,
completamente desapontada com o início do filme.
Toda vez que Hércules encontra Íris, pergunta “cadê o muque,
mocinha?”, e ela levanta a manga da blusa para mostrar o braço,
que ele aperta e diz que é grandão. Então, seu comentário agora não
me surpreende nem um pouco.
— Mas ele é forte — Romeu argumenta, desviando a atenção
do filme e virando o rosto sério para Íris, como se estivessem
debatendo um assunto bem importante. — Só não tem muitos
músculos ainda.
Por alguns segundos, minha afilhada apenas pensa. Depois,
estica o braço e pega um tanto de pipoca, que enfia na boca sem
cerimônia. Ela mastiga, mastiga, mastiga e pensa.
De repente, solta a bomba:
— Você tem muque?
Romeu não consegue mais segurar a expressão séria e cai na
risada.
— Tenho. — Ele aproxima o rosto do dela, enrugando o nariz,
e depois fala em um cochicho conspiratório: — Quer ver?
Quando Íris sacode a cabeça várias vezes para aceitar a
oferta, Romeu se endireita no sofá e ergue a manga da camisa. Sigo
o movimento com cuidado, apreciando a exposição da pele
bronzeada. Mas nada nesse mundo me preparou para o efeito que
um simples contrair de músculos poderia causar à minha libido.
Nada.
Puta merda! O “muque” de Romeu é enorme e muito definido.
Bíceps, tríceps… tudo firme, com veias pronunciadas e
completamente lambível.
— Que mucão dulo! — Íris arregala os olhos e suas
mãozinhas curiosas seguem até ele, apertando o braço. — Dinda,
apeta também — a filha do puto convida.
— Não precisa, mas obrigada pela oferta. — Sorrio para ela,
desviando a todo custo do olhar de Romeu.
— É, minha paçoquinha. Aperta aqui. — A expressão safada
no rosto dele ativa minhas tendências homicidas. Ou talvez seja
outra parte do meu corpo que foi ativada.
Meu Santo Cristo, o que aconteceu com esse homem hoje? E
o que aconteceu comigo?
Ignoro o comentário, viro o rosto para a tela e me recosto
melhor no sofá, oferecendo mais pipoca a Íris. Enquanto isso, no
reino da minha imaginação, faço o que ele pediu: acaricio os
músculos, envolvo o bíceps na mão e aperto com força, só para ter
certeza de que são tão firmes quanto imaginei.
Merda, Ana Júlia! A culpa é toda sua.
Capítulo 18
Romeu

— Caramba, ela não cansa fácil, não é mesmo? — Tomo


cuidado com o volume da voz para não acordar Íris.
Demorou um bom tempo para conseguirmos fazê-la dormir e
não quero jogar todo o trabalho fora. Apenas depois de muitas
cócegas, lutinhas e dois filmes infantis que ela finalmente se rendeu.
Mesmo assim, há algo recompensador em embalar uma
criança nos braços. Movo o corpo de um lado para o outro, enquanto
seu rostinho angelical descansa no meu ombro. Íris deixa escapar
alguns muxoxos, acho que sonhando, mas logo volta a se acalmar e
solta um suspiro pesado.
Acho que nunca fiquei com uma criança no colo por tanto
tempo, e a experiência é… boa. Bem boa. Tanto que me faz pensar
na possibilidade de, quem sabe um dia, ter uma filha também.
Deposito um beijinho na testa dela e, delicadamente, transfiro
a menininha apagada em meu peito para o meio da cama de
Afrodite, que arruma os travesseiros em volta para que a pequena
meliante não role e se espatife no chão. Vi minha mãe fazer isso com
Thiago muitas vezes e, apesar de todo o cuidado, meu irmão bateu a
cabeça uma centena de vezes durante a infância.
Talvez isso explique muita coisa.
— Depois deste fim de semana, vou precisar de férias. E um
carregamento de chocolate. Quem sabe, uma laqueadura.
Dou risada de seu drama enquanto voltamos para a sala.
Agora, com Iris dormindo, me sinto menos mal em reparar no
pijaminha que Afrodite veste — que se limita a uma blusinha azul e
um short curto e cinza. Não é para ser sensual nem nada do tipo,
diferente daquela camisola preta e rendada que usou no outro dia,
mas abraça seu corpo em todos os lugares certos. O problema é que
qualquer coisa que essa mulher usa fica provocante. Então, permito
que meus olhos se demorem nas coxas bonitas por alguns milésimos
de segundos, antes de desviá-los e mudar de assunto.
— Onde estão os pais dela? — Não me dirijo até a porta, pelo
contrário, me sento no sofá, deixando claro que estou disposto a ficar
mais um tempo. Contrariando o que achei que ela faria, Afrodite se
senta ao meu lado, virada de frente para mim, com as pernas
cruzadas.
— Em um congresso. Ana Júlia é pediatra, não sei se você
sabe, e como Aquiles não tinha nenhuma luta ou compromisso com
os patrocinadores pelos próximos dias, ele foi como companhia.
— Entendi. Fim de semana das garotas, então?
Ela sorri.
— Sim. Normalmente, Dionísio é quem pula na frente de todo
mundo para ficar com a Íris quando é preciso, mas essa semana ele
está… — Afrodite dá uma leve engasgada, mas tenta não
demonstrar nada. — Bom, ele e Flora estão em lua de mel, bem
longe daqui. Sobrou pra mim, mas não reclamo.
Seus olhos ganham uma nota de tristeza que ela não
consegue disfarçar, por mais que tente.
Durante a minha vida inteira, trabalhei para manter o
temperamento sob controle. A raiva foi uma emoção constante
durante a minha infância e adolescência, justamente por conta de
toda a cobrança e narcisismo do meu pai. Mas, por ironia do destino,
encontrei justamente no Jiu-Jitsu uma válvula de escape saudável
para tudo de ruim que eu sentia e não sabia onde colocar. Quando
decidi usá-lo a meu favor, tanto para controlar minha raiva quanto
meus pensamentos acelerados, fiquei realmente bom no esporte.
Pouca gente sabe, mas não há nada mais prazeroso do que
poder bater em pessoas num ambiente regulamentado e seguro.
O problema é que, quando penso em bater em Dionísio, me
imaginar derrotando-o no tatame não é suficiente — e é aí que
percebo que o sangue ruim do meu pai corre em minhas veias
também. Esse cara sempre me irritou, mas depois que descobri o
quanto ele foi — ou se fez de — cego por tanto tempo em relação
aos sentimentos da mulher que está à minha frente, a ira que sentia
triplica de tamanho.
Eu daria meu reino por dez minutos de porradaria com ele,
sem regras e sem punições. Sem nenhum golpe de Jiu-Jitsu, para
que nenhum de nós desonre o esporte. Só o bom e velho mano a
mano.
Mas prometi a ela que não tocaria mais nesse assunto, e não
o farei. Então, finjo que não percebo nada e continuo a conversar,
enquanto pego seus pés e puxo-os para mais perto, descansando
suas pernas sobre as minhas coxas.
Ela não reclama, não resmunga, e isso só me faz ter
esperanças ridículas.
— Você é uma ótima dinda. — Coloco em palavras o que
pensei a noite inteira.
É o melhor jeito de mudar de assunto — e faz o efeito
desejado, porque Afrodite sorri, seu rosto se iluminando por
completo.
— Acha mesmo? — Ela inclina para mais perto, descansando
o lado direito do rosto na palma da própria mão, que está apoiada no
encosto do sofá.
— Afrodite, eu acho muitas coisas sobre você. — Seus olhos
me encaram, pesados, passando de orgulho divertido para
curiosidade latente.
A tensão entre nós é tão palpável que quase dá para cortar
com uma faca. Neste momento, não consigo desviar os olhos dela.
Poderia dizer que é sua beleza que me hipnotiza, talvez por conta do
contraste entre o cabelo escuro e a pele clara. Ou os olhos
castanhos com alguns toques de dourado. Poderia dizer que é a
boca grossa que me faz lembrar do beijo. Ou que posso sentir seu
perfume daqui, e ele é tão gostoso que me inebria.
São muitas as possibilidades que justificariam o fato de que
sou incapaz de me afastar agora, porém não é nada disso que me
mantém paralisado.
É o modo como me sinto quando estou perto dela. Afrodite
desperta em mim algo que não entendo muito bem. Um nervosismo
misturado à esperança. É quase a mesma sensação de estar prestes
a entrar em uma luta.
A gente se encara por um tempo e, quando acho que ela irá
cortar o momento e se afastar como sempre faz, Afrodite me
surpreende, perguntando:
— Tipo o quê? — Quase não entendo o que ela está falando,
porque me perdi no tempo em que nossos olhares se estudavam.
Mas ela deve saber disso, já que me ajuda: — O que você acha
sobre mim?
Com um sorriso de canto, me aproximo um pouco mais.
Diferente de nossos outros momentos relaxados, sinto que preciso
falar sério com ela. Quero que entenda que não estou brincando
sobre o que penso a seu respeito.
— Acho você inteligente. Determinada. Engraçada. A melhor
lutadora que já vi pessoalmente em um tatame. — Aproximo-me
ainda mais, as palavras cada vez mais difíceis de serem
pronunciadas por queimarem na garganta seca de desejo. — E linda.
Porra, Afrodite. Você é linda pra caralho.
Isso parece pegá-la de surpresa. Desta vez, é ela quem se
aproxima. A esse ponto, nossos rostos estão quase colados. Minha
mão roça sua pele com delicadeza, os dedos subindo e descendo
discretamente pela perna lisinha. Sem falar nada, Afrodite segura
meu queixo e os dedos finos acariciam minha barba por fazer. Ela se
inclina um pouco e sinto sua respiração quente tocar meu rosto,
enquanto eu fecho os olhos.
É só um toque fugaz de seus lábios sobre os meus, que
quase não sinto, e então ela se afasta novamente, como se
estivesse em dúvida. Como se querer isso fosse horrível demais
para ser cogitado.
Ou talvez ela só não queira ser a pessoa que toma a atitude
pela segunda vez. Não que Afrodite seja do tipo que precisa de
permissões ou que siga regras bobas, mas talvez ela precise da
confirmação de que também quero isso. Não só por pena, não só
para ajudá-la, não por fingimento.
Talvez ela só precise saber que é desejada.
— Se você não me parar agora, eu vou te beijar.
Afrodite não se move. Não diz que sim, mas também não diz
que não. Apenas continua olhando meus lábios, e entendo isso como
um sinal verde. Ergo a mão, entrelaço meus dedos nos fios sedosos
e a puxo delicadamente para perto, nossas bocas a poucos
centímetros uma da outra. A necessidade de beijá-la é tão grande
que o resto do mundo desaparece.
Neste momento, só nós dois existimos.
— Diiiiindaaaa!
Afrodite se afasta bruscamente e levanta do sofá em um pulo,
desconcertada. Respiro fundo e acabo soltando uma risada, porque
isso é a nossa cara.
Se fosse fácil, não seria a gente.
— Deve ter sido um pesadelo. Vai lá ver como ela está, meu
docinho de coco. — Resolvo voltar ao nosso tratamento natural,
porque a última coisa que quero é que as coisas fiquem estranhas
entre nós.
Levanto-me também e, antes que ela me responda, ergo a
mão e toco seu rosto levemente. Com a outra mão encaixada na
curva de sua cintura, puxo-a para junto do meu peito, mas não é sua
boca que miro.
Deposito um beijo em sua bochecha, e Afrodite não o recusa.
Pelo contrário, fecha os olhos bem devagar e respira fundo,
esperando meus lábios deixarem sua pele.
Então, sussurro em seu ouvido uma promessa que não
pretendo quebrar:
— Isso não acabou aqui. — Vou até a porta e a abro. — Boa
noite, Afrodite.

✽✽✽

Desço as escadas do prédio com as mãos nos bolsos, ainda


meio atordoado pelas últimas horas. Esta noite começou muito
diferente do que eu esperava, se desenrolou de uma forma que
nunca imaginaria e quase terminou como gostaria.
Prazer, eu sou Romeu, o quase sortudo.
Quando finalmente ganho a rua, ando poucos metros até que
sinto um calafrio no pescoço. Uma sensação ruim de que estou
sendo observado. Antes que eu consiga me virar para avaliar quem
está por perto, uma mão se coloca no meu ombro.
O instinto fala mais alto: firmo os pés no chão, afasto um
pouco as pernas e seguro o homem que tenta me pegar. Abaixo as
costas, inclino um pouco para a direita e, quase sem esforço, faço o
movimento que o leva ao chão.
— Caralho! — Escuto alguém gritar, e é nessa hora que outra
mão é posta no meu ombro.
Seguro o filho da puta pelo braço, a fim de garantir a ele o
mesmo destino que o anterior, porém sou impedido quando alguém
me agarra por trás.
Solto um rosnado, usando o apoio do corpo atrás de mim para
chutar aquele que vem à minha frente.
— Não precisa disso tudo, Romeu! Porra!
Quando percebo que um dos homens usou meu nome,
começo a prestar atenção em quem está por perto. Olho para frente
e, parado ali, está Apolo.
— O que…? — começo a perguntar, mas sou interrompido.
— O que você está fazendo aqui? — Ele cruza os braços na
frente do corpo.
— Vai me soltar ou prefere passar vergonha que nem seu
outro amigo? — digo para aquele que ainda me envolve com os
braços.
Apolo dá um leve aceno com a cabeça e sou liberado. Viro-me
para trás e vejo Hércules — aquele brutamontes — parado ali. Ao
seu lado, está Eros, enquanto Perseu se levanta do chão.
— O que você está fazendo aqui? — Apolo repete.
— Quatro contra um. Devo ser realmente perigoso — ironizo.
— A que devo a honra, rapazes? — Ajeito minha camiseta e abro um
sorriso. — Resolveram mostrar que o Olimpo não é composto
apenas por homens de honra?
— Acho que esse gladiadorzinho de merda quer morrer hoje,
Apolo — Hércules diz, parando ao lado do novo líder da academia.
— Na verdade, tinha outros planos. — Dou de ombros.
Todos eles fecham a cara. Parados lado a lado, me
encurralando contra a parede do prédio que fica entre o meu e o de
Afrodite, nenhum deles ri da minha piada.
E depois reclamam do Coliseu…
— Vai me responder ou prefere ficar aí, se fazendo de
engraçadinho? — Apolo insiste, dando um passo à frente.
— Em primeiro lugar — também me aproximo —, não preciso
dar detalhes do que faço ou deixo de fazer.
— Precisa quando está em cima da Afrodite o tempo todo. Ou
pensa que a gente não sabe que você levou a filha do Zeus para
almoçar no outro dia? — Eros frisa aquela parte, como se o fato de
ela ser a filha de um dos melhores lutadores que já vi na vida
pudesse me deixar com medo.
Jamais direi a ele que deixa. Deixa, sim. E muito.
— Em segundo lugar… — retomo meu pensamento,
ignorando a ameaça de Eros. — Eu moro ali. — Aponto para o meu
prédio, que fica a menos de vinte metros de onde estamos parados.
— Estou pouco me fodendo para onde você mora, moleque. O
que importa aqui é o simples fato de você ter acabado de sair da
casa de Afrodite. E não tente negar, nós vimos! — Apolo cutuca meu
peito com o dedo.
— Por que eu negaria estar saindo do apartamento da minha
namorada em um sábado à noite? — É minha vez de frisar o
importante da frase.
Para melhorar, isso só faz com que os quatro mamutes que
me cercam fiquem ainda mais possessos.
— Você não pode estar falando sério sobre essa parada de
namoro… — Eros esbraveja. — A Afrodite que conheço jamais
namoraria um cara como você.
— Um cara como eu? — pergunto lentamente, arrastando as
palavras como se analisando cada uma delas com cuidado. — Acho
muito interessante vocês falarem isso, sendo que não fazem ideia de
que tipo de cara eu sou.
— Você é um Gladiador. Isso já é o suficiente — Perseu
contribui com sua limitação.
— O suficiente para quê? — rebato. — Para ajudar quando
ela precisa? Para fazer com que ela sorria mesmo estando triste?
— Gla-di-a-dor — Apolo separa as sílabas, como se a única
palavra explicasse tudo.
— Sou, sim, um Gla-di-a-dor. E daí?
— E daí que você e a sua academia são ridículos. Afrodite
jamais aceitaria ficar com um tipinho assim. Então, me diga, Romeu:
como foi que você parou naquele casamento? Ameaçou Afrodite de
alguma forma? Está fazendo chantagem?
A insinuação é tão ridícula que acabo rindo; depois,
gargalhando. Tão alto que devo estar acordando vizinhos. Os quatro
me encaram sem entender o motivo do meu descontrole. Talvez nem
eu o entenda muito bem. Só que imaginar a cena que Apolo pintou é
demais.
Eu? Ameaçando Afrodite? Aquela mulher não se deixa ser
ameaçada por ninguém. É ela quem faz as ameaças — e o pior de
tudo é que anseio cada vez mais por ser o seu alvo, porque são
nesses momentos que Afrodite mostra quem realmente é: alguém
que não abaixa a cabeça, que sabe o valor que tem e não está
disposta a aceitar migalhas dos outros. Gosto disso. Gosto dela do
jeitinho que é — uma mistura perfeita de azedinha e doce.
— Nossa, acertou em cheio. — Balanço a cabeça, sem deixar
de encará-lo. — Mandei uma foto do cachorro dela amarrado, com
uma mordaça na boca. Embaixo, uma nota: se não fingir que é
minha namorada e me levar para um evento onde todos me odeiam,
é ele quem vai sofrer as consequências. — Reviro os olhos. — Ué,
Romeu, mas a Afrodite tem um cachorro? — pergunto, com voz de
narrador, para ninguém em específico. — Não, ela não tem. — Uso
minha própria voz e encerro a distância entre mim e Apolo. — Mas
tinha, quando era criança. Um pastor, né?
— Como você sabe disso?
— Porque a minha namorada me contou. E, hoje, passei a
noite no apartamento dela, porque a minha namorada me convidou.
— Volto a enfatizar nosso status.
Sei que estou correndo um risco do caralho ao falar isso para
quatro homens que me odeiam em uma rua quase deserta, mas não
posso entregar Afrodite. Se eu contar a verdade, as pessoas vão
querer saber o motivo da mentira — e duvido que ela esteja a fim de
revelar a toda sua família que é apaixonada por Dionísio.
— Prove — é tudo o que Eros diz.
— Provar que estou com Afrodite? — pergunto, incrédulo. —
O que vocês querem que eu faça, trepe com ela na frente de vocês?
A resposta ao meu comentário vem em forma de grunhidos.
Posso ver as fumaças metafóricas saindo pelas orelhas desses
imbecis, e sei que fui longe demais. Mesmo assim, não recuo.
— Acho que você quer morrer, garoto. Fale dela assim de
novo, e juro que não verá a luz do dia — Apolo ameaça.
— Cadê a prova, Romeu? — Eros exige, apoiando uma mão
no meu ombro enquanto aperta o local com mais força que o
necessário.
Olho para ele, para Apolo e para os dois outros otários que
me cercam. Eu poderia me livrar deles e ir para casa, só que a
possibilidade de vê-los comerem a própria merda me faz seguir na
direção oposta.
— É de prova que vocês precisam? Ok. — Começo a tirar o
celular do bolso e procuro o aplicativo de mensagens. Com muito
cuidado para não mostrar nada que possa comprometer a mentira,
estendo o aparelho para Apolo, que arregala os olhos.
— Não acredito.
Claro que não. Afinal, ali está a mensagem de Afrodite:
Preciso de você. Traga vaselina.
Ah, o sabor da ironia do destino…
Eros também fica em choque, já Perseu e Hércules balançam
a cabeça, como se acreditar fosse difícil demais.
— Mais alguma coisa, rapazes?
A mão que estava em meu ombro se afasta. Apolo dá dois
passos para trás, ainda incrédulo.
— Agora que vocês parecem mais satisfeitos — não consigo
conter o sarcasmo —, acho que podemos todos ir para casa e ter
uma boa noite de sono neste lindo sábado. Que tal?
— Você vai pagar por isso. — Hércules tenta me assustar com
sua voz grossa.
Tenho medo de Zeus. Apenas dele. Já ouvi histórias o
suficiente para saber que ele é realmente um deus no tatame. Mas
os outros homens do Olimpo? Não. Não mesmo. O único que talvez
se apresentasse como desafio é Aquiles, porque aquele filho da puta
é bom não só no Jiu-Jitsu, mas também em outras artes marciais.
— Tudo bem, eu pago. Só que agora está ficando tarde, e o
vovô precisa dormir bastante. — Aponto para Apolo, que fecha ainda
mais a cara com o meu comentário. — Precisam de mais alguma
coisa?
— Que você volte para o inferno de onde saiu e fique por lá.
— A resposta vem de Perseu.
Meu Deus! Preciso controlar a vontade de rir, porque não é
possível. Estou em um filme ruim dos anos oitenta!
— Pode deixar, querido. — Dou dois tapinhas no ombro de
Perseu e começo a me afastar. Porém, antes que eu dê três passos,
travo no lugar. — O que vocês estão fazendo aqui? — quero saber.
A fila de homens fica calada enquanto os quatro se
entreolham.
— Viemos ver como Afrodite está. Ficamos sabendo que
Aquiles viajou e Íris veio passar o fim de semana com ela — Eros
explica.
— E? — incentivo-o a continuar.
— E é conhecimento geral que Afrodite não tem muito… tato
com criança.
Ah, não. Ele não disse isso.
— Então, vocês acharam melhor vir até aqui, sem serem
convidados, para verificar se Afrodite não matou a Íris por acidente, é
isso?
— Claro que não. É só que… — Perseu começa a falar,
porém interrompo-o.

— É só que vocês não confiam nela — concluo a frase, e


agora os quatro parecem bastante desconfortáveis. — Podem ir
embora — aviso.

Apolo dá um passo para a frente e me encara.

— Você não tem o direito de…

— Cale a boca e vá embora — aviso, dando a volta no grupo


e me colocando entre eles e o prédio dela. — Afrodite é mais do que
capaz de cuidar da Íris. Inclusive, a mensagem que mostrei para
vocês não tinha nada de sexual, seus idiotas. Eu fui ajudar a Afrodite
a tirar um anel que Iris enfiou no dedo dela e que não saia, porque a
minha namorada jamais faria qualquer coisa desse tipo com uma
criança acordada em casa.

Eles parecem um pouco mais aliviados com a minha


explicação, mas eu não. Eu continuo puto.

— A menina estava dormindo quando saí de lá. Já tinha


jantado, tomado banho, brincado… Afrodite não precisa de nenhum
de vocês duvidando das capacidades dela. Também não precisa de
mim para nada. Só fui até lá porque ela acha perigoso sair à noite
com a Iris.

— Quando foi que você virou o defensor da Afrodite? — Eros


pergunta.

— Ela não precisa de ninguém que a defenda — garanto,


olhando para ele. — Só estou tentando impedir que um bando de
homens sem a mínima noção faça com que ela se sinta diminuída.
Porque é isso que vai acontecer se vocês aparecerem lá. Afrodite vai
pensar que ninguém confia nela, e não posso aceitar isso. — Cruzo
os braços na frente do corpo, já analisando cada um deles para
saber qual irei enfrentar primeiro.

— Você não pode estar falando sério — é Perseu que se


pronuncia.

Ótimo. Ele será o primeiro a cair.

— Seríssimo — afirmo. — Quatro homens no apartamento da


minha namorada às onze da noite? Não. Não mesmo. Podem ir
embora. — Faço um gesto com a mão, expulsando-os. — Agora.

— Quem deixou você no comando, garoto? — Apolo chega


para a frente, como se quisesse me encarar.

— Não é sobre estar no comando, e sim sobre fazer de tudo


para que vocês não destruam a autoestima dela. Porque é isso o que
vai acontecer se vocês aparecerem lá, duvidando das capacidades
que Afrodite tem de cuidar da própria afilhada — declaro com o tom
sério e a postura de quem está pronto para a briga.

O silêncio impera na rua escura, e a impressão que tenho é


de que eles estão me avaliando. Não só a minha capacidade de
enfrentar quatro homens bem-treinados ao mesmo tempo, mas
também o valor que minhas palavras carregam.

— Ainda não sei o que vamos fazer com você, mas não se
acostume a essa situação — Apolo diz, antes de virar as costas e
sair andando. — O Olimpo inteiro jamais aceitará esse namoro entre
a nossa Afrodite e um maldito Gladiador.

A ameaça não faz efeito algum. Não preciso que eles me


aprovem.

Preciso que ela me aprove.

E isso já está dando trabalho o suficiente.


Capítulo 19
Afrodite

Sete da noite de segunda-feira e já estou cansada. Tudo bem


que não consegui relaxar muito durante o fim de semana, e a culpa
toda é do furacão Íris. Aquela meliante tem a energia de doze
crianças juntas! Não sei como Aquiles e Ana Júlia aguentam. Ou
talvez seja justamente por isso que meu amigo esteja em excelente
forma. Porque é impossível correr atrás daquela benção o dia inteiro
e continuar sedentário.

Mesmo assim, não posso colocar a culpa só em Íris. A nova


campanha no trabalho vai ser a maior que nossa empresa já fez, e
isso só deixa a minha vida ainda mais difícil — principalmente
porque, desta vez, terei que lidar com Marcela a porra do tempo
todo.

Se isso não é um teste para a minha sanidade, não sei o que


é.

Assim que chego em casa, chuto os saltos para qualquer


lugar da sala, jogo a bolsa no sofá e vou direto para o banheiro.
Normalmente, não sou tão bagunceira, mas hoje eu preciso de um
banho antes de qualquer outra coisa. Até mesmo de reclamar.

Deixo a água fresca do chuveiro fazer seu milagre, enquanto


peço para a Alexa tocar Ed Sheeran. Canto Galway Girl com espuma
no cabelo, usando o frasco do xampu no lugar do microfone, só que
nem isso é capaz de reduzir o estresse do dia. Muito menos a raiva
acumulada por ouvir Marcela dizer “ai, meu deus” duzentas vezes.
Quem ela acha que é, a Janice?
Quando saio do banho, coloco um short roxo de lycra e uma
camiseta preta, com os dizeres “A vida adulta é uma merda”. Achei
apropriado.

Com a barriga roncando de fome, marcho para a cozinha e


abro a geladeira, procurando algo decente para comer. Está vazia,
resultado de um fim de semana com minha afilhada e um total de
zero tempo para ir ao mercado. Então, decido pedir alguma coisa.
Pego o celular e jogo-me no sofá.

— Comida mexicana ou chinesa? — pergunto para mim


mesma, vasculhando o aplicativo de delivery.

Antes que eu consiga me decidir por uma das opções, o alerta


de mensagem soa e o nome de Romeu pisca na parte superior da
tela. Sem pensar duas vezes, clico ali e vejo o que ele tem a me
dizer.

Só que é uma foto que aparece primeiro. Sobre a bancada,


que imagino ser da casa dele, há uma quantidade enorme de
caixinhas brancas com a logo vermelha da franquia de comida
chinesa. Embaixo, a mensagem:

Acho que exagerei no pedido. Quer dividir comigo?

Não consigo conter o sorriso. Quando foi que esse


desgraçado desenvolveu a habilidade de ler mentes? E, por falar em
mentes, a cena que não sai da minha volta a atormentar.
Romeu segurando Íris, que dormia em seu ombro como se
aquele fosse o lugar mais confortável do mundo. Os dois ali, em
silêncio, enquanto ele movia lentamente o corpo de um lado para o
outro.
Homens bonitos não deveriam ser carinhosos com crianças. É
covardia! Porque isso faz os ovários dançarem e o útero bater palma.
E olha que nem quero ter filhos!
“Que mentira deslavada”, uma vozinha soa dentro do meu
cérebro, relembrando todas as vezes que sonhei em ter uma família
com Dionísio. Eu, ele e nossos três filhos, todos lutadores que nem a
mamãe e o papai.
Só que, agora, ele terá filhos com Flora, e todos saberão Jiu-
Jitsu e Tae-Kwon-Do.

Claro que sim! Estou morrendo de fome.

Envio a mensagem para Romeu antes que os pensamentos


indesejados tomem conta.
Ao mesmo tempo, não consigo deixar de me sentir uma filha
da mãe por estar usando um cara tão legal quanto ele para esquecer
o homem que nunca me quis.

✽✽✽

— Se eu comer mais uma folha de alface, sou capaz de


explodir — confesso, colocando as mãos na barriga enquanto me
jogo de costas no sofá.
Romeu apenas ri e enfia metade de um rolinho primavera na
boca.
— Fraca.
— Não sou fraca! — reclamo em tom esganiçado. — Só não
sou um poço sem fundo que nem você. Caraca, Romeu, acho que
nunca vi alguém comer tanto.
— Já disse que estou em fase de crescimento, mas acho que
preferiu me ignorar… — Ele dá de ombros e come a outra metade do
rolinho.
Com a boca cheia, abre um sorriso para mim. Não consigo
deixar de retribuir o gesto, principalmente por causa das bochechas
estufadas de comida.
— É alguma dieta hipercalórica para ganhar massa? — sugiro
a única possibilidade aceitável.
— Viu? Fase de crescimento — ele concorda. — Estava
pensando em trocar de categoria. Talvez subir para o pesado, em
vez de ficar no médio-pesado. Mas não tenho certeza se vale o
esforço.
Romeu vai até a mesa, que ainda tem uma caixinha branca
fechada, e retira de lá outro rolinho primavera. Desta vez, doce.
Meu Santo Cristo, acho que nunca conheci alguém que
comesse tanto na vida! E olha que convivo com homens que fazem
dieta de dez mil calorias por dia para manter a massa muscular.
— Vou falar uma coisa agora, mas não quero que você se
aborreça — começo, porém mordo o lábio enquanto espero-o me dar
o sinal verde para continuar.
— Eu estou gordo? — Romeu coloca uma mão em cada
bochecha e faz uma cara de falso espanto. — Você tem medo de
que eu perca esse meu tanquinho? — Ergue a barra da camisa,
deixando em evidência os músculos da barriga.
Eu queria rir da brincadeira. Juro que sim. Mas a partir do
momento que a pele bronzeada e os gominhos apareceram, todo
pensamento racional se jogou pela janela e morreu na calçada.
A vontade que sinto agora é de me levantar do sofá e
começar a bater palmas, porque olha… Romeu está de parabéns.
— Meus olhos são aqui em cima, pudinzinho. Senão vou
achar que você só me quer pelo meu corpo. — Ele solta a barra da
camisa e o feitiço se quebra.
— Ah, não, chuchuzinho. Eu te quero pela comida grátis e
pelos apelidos maravilhosos. — Reviro os olhos e ele solta uma
gargalhada alta, sentando-se ao meu lado no sofá.
Logo as pernas compridas se esticam e ganham apoio na
mesinha de centro, enquanto Romeu estica os braços para se
espreguiçar.
— Puta merda. Acho que comi demais mesmo. — Apoia a
mão na barriga e solta um suspiro alto.
— Só acha? — Aponto para os vários contêiners vazios,
lembrando-o que foi o responsável por devorar 90% da comida que
havia sobre a bancada. Enquanto isso, eu me limitei a um yakisoba.
Um! E dois rolinhos primavera, mas quem está contando?
— É, talvez eu tenha exagerado um pouco. Não tem
problema, amanhã transformo essas calorias em muque. — Ele
ergue o braço e contrai os músculos, que nem fez com Íris.
— O fã clube do mucão foi embora, querido. Agora você está
na presença da pessoa que menos se impressiona com essas
coisas.
“Mentirosa!”, meu cérebro grita, louco para ter outra visão do
tanquinho. Será que Romeu me deixaria lavar minhas calcinhas
molhadas ali?
— Acho que não vou mais te alimentar, Frofrô. Eu te dou
comida e o que recebo em troca? Soco no ego! — Ele apoia a
cabeça no encosto do sofá, fechando os olhos enquanto fala. — Isso
não é justo. Um homem honesto não merece esse tipo de
tratamento.
— Eu já disse. Se quer massagem no ego…
— Procure uma maria-tatame — Romeu termina a frase por
mim. — Mas a questão é que não estou pedindo massagem em
lugar nenhum. A não ser que você ofereça, claro. — Mesmo de olhos
fechados, ele dá um sorrisinho torto.
Sei que não deveria olhar para ele assim, só que é inevitável.
Se eu tiver que ser sincera, a cada dia que passa, é mais difícil
ignorar Romeu como um todo. Não só os músculos, mas
principalmente o resto. Ele tem um rosto bondoso, que às vezes
carrega um toque de safadeza. Também tem o senso de humor no
estilo quinta série. Já os apelidos… Jamais confessarei, mas acho
que estou me acostumando a eles. E até mesmo gostando.
Por isso, paro de encará-lo e viro o rosto para a frente,
observando o apartamento em vez do homem.
O espaço é pequeno e um tanto apertado para a quantidade
de coisas que tem aqui. Mesmo assim, é a cara de Romeu. Com um
sofá confortável e uma mesinha de centro, fiquei espantada quando
percebi que, na sala, não há uma TV. No canto perto da janela, ele
colocou uma mesa para estudar, onde seu notebook está
posicionado, junto a uma pilha de papeis. De frente para o sofá, fica
uma estante lotada de livros. Mistérios, clássicos, policiais, também
uns famosinhos. Quem diria que Romeu fosse do tipo que lê Dan
Brown. Ou melhor, quem diria que Romeu fosse um leitor tão ávido?
Acho que tem mais de duzentos livros aqui.
Hamlet, Crime e Castigo, O Assassinato no Expresso do
Oriente, Moby Dick, Don Quixote, Grandes Esperanças e até mesmo
a obra completa de Jane Austen.
— Isso aí é… — Pauso, sem acreditar no que estou vendo.
— O quê? — Romeu olha para mim e segue a direção que
meu dedo aponta.

— Cinquenta Tons de Cinza?! — pergunto, espantada.

Mas a resposta dele começa com um dar de ombros


despreocupado.

— Queria ver qual era a da hype. Aquele tal de Christian Grey


precisa de uma boa dose de terapia, puta merda.

— É por isso que você só comprou o primeiro? — quero


saber, controlando a risada.

— Não tenho paciência pra livro mela-cueca.

— Mela-cueca?! — Desta vez, não consigo mais me segurar e


acabo rindo alto. — Ficou com a cueca meladinha lendo as putarias
da tia E.L. James?

Romeu revira os olhos.

— Até parece. A narrativa cansa um pouco, mas não tiro os


créditos dela. Só acho que tem obras melhores por aí. Já leu A
Vênus das Peles? — ele pergunta e apenas faço que não com a
cabeça. — Quem escreveu foi um austríaco, Leopold von Sacher-
Masoch. E é por causa dele que existe a palavra masoquismo.

De repente, Romeu se levanta do sofá e vai até a estante. Da


prateleira mais alta, retira um livro pequeno, de capa preta, com a
imagem de uma mulher mascarada, de perfil e cabelo curto.

— É muito bom — ele diz. — Conta a história de um homem


que gostava de ser maltratado. Mas também tem Fanny Hill, que foi
um dos primeiros romances eróticos.

— Pensei que você fosse citar Madame Bovary — comento,


sem conseguir tirar os olhos dele.
— Madame Bovary não é erótico. É tudo psicológico —
Romeu explica.

Não consigo deixar de me sentir surpresa com essa conversa.


Quem diria que ele é tão… leitor.

— Não sabia que os professores de Ciências Sociais


mandavam livros de putaria como dever de casa — brinco, folheando
a obra que tenho em mãos.

Romeu solta uma risadinha antes de dizer:

— Não mandam. Mas, se não me engano, esse daí foi


sugestão de uma professora que trabalhava muito a questão da
censura. Ela também sugeriu que a gente lesse Marquês de Sade. E
aquele lá é o rei da putaria. Inclusive, a palavra sadismo é derivada
do sobrenome dele. Justine, Juliette, Os 120 dias de Sodoma. Na
verdade, este último nunca chegou a ser concluído. O cara morreu
com setenta e quatro anos, sendo que passou trinta e dois anos
preso, a maior parte em asilos psiquiátricos.

— Por causa dos livros que escrevia?

— Não. A maioria dos livros ele escreveu enquanto estava


preso — Romeu explica. — Só que era tão… sexualmente
degenerado para a época que as pessoas julgaram ser mais seguro
que ele ficasse preso mesmo.

— Meu Deus!

— Pois é. Por acaso a moça dos Cinquenta Tons está presa?


Não. Ou seja, ela precisa comer muito arroz com feijão para chegar
aos pés de Sade. Ele era um velho de setenta anos quando teve um
caso com uma garota de quatorze — fala, e acabo arregalando os
olhos em espanto. — Bizarro.

— Bizarro mesmo.

— Tem muitos ensaios psiquiátricos sobre ele.


Então, me lembro do que ele falou lá em casa, no dia que foi
me ajudar com o anel, e uma luz de precaução se acende em minha
cabeça.

— Romeu, você por acaso também tem um quarto vermelho


da dor? — Assim como Ana Júlia, eu também sei jogar verde. —
Tantos livros sobre isso, aquilo que você falou em casa sobre ter um
pé no masoquismo…

Algo muda no modo como me encara. Há um calor diferente


em seus olhos quando percorrem meu corpo devagar.

— Se eu tivesse um, você iria querer brincar nele?

— Você vai falar sério comigo uma única vez na sua vida?

Ele balança a cabeça, e o sorriso fica ainda mais perigoso.

— Oh, meu mel, desculpe. Mas não, não sou nem sádico
muito menos masoquista, o que não me impediria de tentar algo
diferente se você estivesse a fim…

— Romeu!

— Calma, mulher. Não tenho nem espaço para um quarto


daqueles. — Não sei se fico aliviada ou triste. Não que eu goste de
coisas muito pesadas, mas não deve ser muito ruim ter os pulsos
amarrados por alguém como esse homem… — Eu só gosto de ler, e
muito. Tenho bastante curiosidade sobre temas diferentes e sobre as
múltiplas facetas do ser humano.

É sério: estou embasbacada. Eu sabia que Romeu era


inteligente, que fazia doutorado e que se dedicava aos estudos. Mas
daí a ser um leitor ávido e conhecedor da história de escritores?
Jamais imaginei.

Eu até gosto de ler uns romances de vez em quando, mas


ele…
— Não tinha ideia de que você lia tanto — confesso.

— Meu nome é Romeu, Afrodite. De onde você acha que


mamãe tirou a ideia? — Ele volta a sentar do meu lado. Com a
cabeça apoiada no encosto, ficamos nos olhando.

— Fã de Shakespeare? — quero saber.

— Dona Lena é a maior fã de todos os tempos! — Romeu


abre um sorrisinho, como se falar da mãe o trouxesse uma alegria
imediata. — Quando eu era pequeno, ela lia para mim antes de
dormir.

— Ela lia Shakespeare pra você?! — Não consigo conter o


espanto na voz.

— E outras coisas também, mas principalmente os clássicos.

— Deve ter sido interessante — falo com sinceridade, sem


conseguir tirar os olhos dele. — Também gosto de ler, só que tenho
um pouco de dificuldade para escolher a leitura da vez. E, por Deus,
eu jamais, jamais posso deixar os rapazes me verem lendo esse tipo
de romance. Eu nunca mais teria paz.

Ele ri, mas sei que, no fundo, deve achar meio boba essa
importância que dou ao que o pessoal do Olimpo pensa de mim.

— Vou escolher alguns bons e te dar de presente. — Romeu


me dando livros eróticos? Não sei o que pensar sobre isso. —
Quando você faz aniversário?

Não acredito que ele está me fazendo esta pergunta,


justamente nesta semana.

— Você vai rir, mas meu aniversário é na quinta-feira.

— Tá falando isso porque quer ganhar livro? — Ele arqueia a


sobrancelha.
— Estou falando porque é verdade. — Reviro os olhos e me
ajeito no sofá. — Mas só vamos comemorar no sábado, lá no
Olimpo. Por mim, não faria nada, mas meu pai nunca deixa passar
em branco, então paciência.

Em resposta, Romeu apenas continua sorrindo. Há uma


calma nele que chega a ser contagiante. Talvez até irritante. É como
se soubesse exatamente quem é, o que quer e como agir para
chegar lá.

O tom amendoado de seus olhos me transmite um calor


gostoso, e me vejo presa neles. No sorriso. Na tranquilidade.

Antes que eu perceba o que ele está fazendo, sinto sua mão
segurar a minha. O dedão acariciando o dorso, como sempre.

— Você ia me sugerir alguma coisa antes — Romeu fala


baixinho. — Mas o papo literário acabou interrompendo. Desculpe.

— Não precisa se desculpar — aviso.

Não mesmo. Foi muito bom ver este outro lado de Romeu.
Para deixar isso bem claro, entrelaço nossos dedos e mantenho o
contato visual.

— Afrodite…

— Eu ia sugerir que conversasse com meu pai. Talvez ele


possa te ajudar a trocar de categoria e…

— Não sei se é uma boa ideia, meu mel. — Desta vez,


quando usa o apelido, não há qualquer humor em sua voz. Ele não
está falando para me provocar, nem para ser engraçadinho. E isso
me pega. Então, engulo em seco e deixo-o continuar. — Sua família
toda me odeia, não quero que as coisas piorem.

— Acho que dona Lena foi profética quando escolheu o seu


nome — sussurro. Na mesma hora, ele abre um sorriso triste.
— Só se você quiser viver um romance comigo. — A frase
dele me tira o ar. — Prometo que nenhum de nós precisa se matar
no final.

Então, seu rosto se aproxima do meu. Cada centímetro


percorrido parece um quilômetro. Cada segundo, uma hora inteira.

Sinto meu coração acelerar dentro do peito, lutando contra a


dúvida de se entregar ou se fechar ainda mais.

“Romeu vai me beijar”, uma vozinha soa na minha cabeça.

Agora, seu rosto está tão perto que posso sentir o calor da
pele, o hálito morno, o perfume gostoso. Está tão perto que mal
tenho tempo de pensar.

Levanto-me em um pulo e, com as pernas trêmulas, sigo até a


porta. Pego a bolsa que deixei pendurada na maçaneta, mas, antes
que eu consiga sair do apartamento, uma mão enorme me segura
pelo braço.

Sou virada no lugar, dando de cara com ele de novo.

— Afrodite, pare. Não precisa sair correndo como uma


fugitiva. — Romeu coloca a mão na porta, fechando-a
delicadamente, e me solta. — Você sabe que eu jamais faria algo
que você não quisesse…

Não respondo. Continuo inerte, olhando para seu rosto bonito,


com meu coração ainda acelerado no peito.

Então, algo muda na feição de Romeu.

— A não ser que… — Ele sorri de canto, mas não é um


sorriso debochado. Ele só parece surpreso. — Seu medo é querer,
Afrodite? É por isso que você estava prestes a sair correndo?

Maldito inteligente.
Não respondo porque não preciso. Ele sabe que é verdade.
Droga, eu quero seguir em frente. Quero seguir o conselho de Ana
Júlia. Mas Romeu é incrível, um cara legal demais para ser apenas
usado; além disso, é odiado demais pela minha família para ser mais
do que só uma distração.

Falar que estou entre a cruz e a espada é uma gentileza sem


tamanho neste caso.

— Afrodite. — Meu nome pronunciado pela voz grossa me faz


sair do transe. — Você pensa demais.

Antes que eu consiga racionar sobre o que está acontecendo,


sua boca está na minha.

Não me importo quando minhas costas batem na porta. A


única coisa que interessa é sentir seus lábios, o corpo quente me
pressionando contra a madeira. Tudo o que consigo sentir é o cheiro
delicioso se infiltrando em mim, os músculos fortes de seu peito
contra o meu, o deslizar gostoso da língua.

Paro de pensar tanto e decido me entregar ao momento.


Depois eu penso nisso. Depois resolvo minha vida e o que fazer com
o fato de que é a primeira vez em anos que eu realmente quero
beijar um cara diferente.

Passo os braços por seu pescoço, subindo os dedos pela


nuca, emaranhando-os nos fios curtos do cabelo macio, e
correspondo ao beijo.

Com tudo de mim.

Romeu enfia a coxa entre minhas pernas, me fazendo tremer


sob seu toque. O contato desencadeia uma onda de excitação que
acho que nunca senti nos braços de outra pessoa. Uma excitação
que nunca imaginei sentir com ninguém que não fosse…

Não!
Esse momento não é dele, é meu. Meu e de Romeu, e é aqui
que eu quero estar. Essa constatação quase me faz chorar de alívio,
porque, pela primeira vez, sinto que há vida depois da decepção.

Ele me beija com uma vontade insaciável, e solto um gemido


baixinho, sorrindo entre nossos lábios unidos.

— Era desse jeito que eu queria te beijar desde aquele


maldito casamento — Romeu rosna as palavras contra meu
pescoço, antes de me beijar ali também. — Na verdade, sempre quis
te beijar exatamente assim, muito antes daquele maldito casamento.

Meu cérebro capta as palavras, mas não consigo processá-


las. Continuo presa ao modo como meu corpo corresponde às
sensações que ele me causa, cada centímetro de pele pegando
fogo.

— Romeu… — chamo seu nome, mas não faço ideia do


motivo. É quase como um instinto.

A verdade é que estou com tanto tesão que mal consigo


formular pensamentos coerentes. Enquanto isso, ele segue deixando
um caminho de beijos do meu pescoço até de volta à minha boca,
sua língua me dominando.

Ficamos por minutos — ou horas — nos beijando assim, até


que Romeu me solta, deixando a cabeça cair na curva do meu
pescoço. Ele solta um som baixo, como se estivesse acalmando
seus instintos, e aproveito para ordenar os meus também. Mais um
pouco e eu faria uma loucura esmagada contra essa porta — uma
loucura muito, muito boa; mas, ainda assim, uma loucura.

— Porra, isso foi uma delícia. — Ele respira com dificuldade.

Começo a rir, mesmo sem ter ideia do motivo. Acho que tudo
é tão surreal e essa situação é tão louca que, quando percebo, estou
tremendo e rindo, o que também provoca uma gargalhada rouca
nele.
— Quando eu falo que você sabe como acabar com o ego de
um homem, é disso que eu estou falando, paçoquinha. — Ele ajeita
um fio do meu cabelo, colocando-o atrás da orelha, e rio ainda mais
pelo apelido idiota.

— Preciso ir, mas tenho certeza de que você e seu ego ficarão
bem — respondo, o riso começando a se dissipar, enquanto sou
tomada pelo medo. Não deixo que ele perceba, no entanto. Ele não
merece que eu dê outro showzinho e fuja pela segunda vez na noite.

Acho que Romeu entende que preciso de um momento


sozinha, porque balança a cabeça em concordância. Depois, seus
lábios roçam os meus por um breve momento, sem passar de um
selinho.

Ele abre a porta e, então, se vira para mim.

— Vou te acompanhar até em casa. Venha.

Ah, caralho. Se fosse qualquer outra pessoa, eu mandaria à


merda dizendo que não tenho uma vida inteira de defesa pessoal à
toa. Mas é ele — e Romeu vem quebrando todas as minhas defesas
desde que realmente começamos a nos conhecer.

Suas palavras doces e suas piadas ruins têm se infiltrado


cada vez mais, e agora eu acho que sei como me sinto a respeito
disso tudo.

Eu posso estar mesmo gostando dele. Bastante.

Merda.
Capítulo 20
Romeu

É oficial: estou apaixonado por Afrodite.

Seja o que Deus quiser.


Capítulo 21
Afrodite

— Puta merda! — O grito de Ticiane ecoa pela enorme sala


comunitária onde toda a equipe trabalha.

Levanto-me do meu cubículo para ver qual foi o motivo da


comoção e vejo que vários pares de olhos se fixam no mesmo lugar.
Por um momento, penso que Romeu pode ter vindo me surpreender
de novo, mas então dou de cara com Aquiles parado à porta, sem
saber muito bem para onde ir.

Eu não deveria me sentir decepcionada ao ver meu melhor


amigo. Não mesmo. Ignoro o sentimento, finjo um sorriso e vou até
ele.

— O que você está fazendo aqui? — pergunto, envolvendo-o


em um abraço.

— Não posso vir te buscar para almoçar? — O desgraçado


sorri.

— Claro que pode, mas às dez e meia da manhã de uma


quarta-feira, Dario? — Vejo-o enrijecer quando uso seu nome de
batismo.

— Coé, Afrodite? — Aquiles olha para os lados, como se


quisesse ter certeza de que ninguém me escutou.

É claro que todo mundo ouviu, mas, pelo visto, Ticiane não
prestou atenção. Minha colega continua olhando embasbacada para
ele, mesmo sendo casada e tendo alguns filhos no currículo.
“Olhar não tira pedaço”, ela sempre diz.

— Não tenho tempo para almoçar agora, mas…

— Tem sim! — a abençoada grita de novo.

— Não tenho, não. — Olho para ela de cara feia, e depois


volto a encarar Aquiles. — Mas posso tirar uns minutinhos. Sei lá, a
gente toma um suco.

— Pode ser — meu amigo concorda e indica a saída.

Quando passamos na frente da mesa de Marcela, é claro que


a bonita não perde a oportunidade de fazer um comentário.

— Na semana passada foi o Romeu, hoje é o Aquiles… Você


não perdoa, hein, gata. — Arregalo os olhos e encaro a filha da mãe.

— Só ignora, Afrodite — Ticiane entra na conversa. — Ela


está com inveja desse bando de homem gato que você tem à sua
disposição.

— Pensei que você fosse minha amiga, filhote de cruz credo!


— acuso, sentindo o olhar de Aquiles sobre mim.

Posso não ter me surpreendido tanto com a falta de filtro tão


característica de Marcela, mas Ticiane é a única aqui dentro de quem
realmente gosto. Só que, hoje, as duas parecem determinadas a me
enterrar viva. Tudo bem que nenhuma sabe coisas da minha vida
fora do trabalho — a não ser que luto Jiu-Jitsu, e só porque posto
fotos nas redes sociais —, mas isso não as dá o direito de fazer esse
tipo de comentário. Até porque, imagina a confusão que seria caso
eu estivesse saindo com os dois?

Antes que mais alguma coisa aconteça, saio andando do


escritório. Sei que Aquiles vem logo atrás, porém, neste momento,
não quero olhar para ele.
Merda. A última coisa que eu precisava agora era um sermão
sobre Romeu — e não me resta dúvidas de que é exatamente isso o
que vai acontecer assim que Aquiles e eu estivermos a sós.

Posso sentir daqui sua raiva, e não queria lidar com ela antes
de entender melhor o que sinto por Romeu. Não que eu precise ficar
remoendo sentimentos como se eu fosse uma adolescente cheia de
complexos. Não é isso. Mas, por outro lado…

— Vai ficar em silêncio? — Aquiles interrompe meus


pensamentos.

— Não tenho nada a dizer. — Dou de ombros, fazendo a


sonsa. Vai que cola. — Foi você quem me chamou para almoçar. —
Aperto o botão do elevador e fico encarando a porta fechada de
metal.

— Ana Júlia e eu vamos adotar uma criança — ele joga a


bomba, me obrigando a encará-lo.

— Quê? Como? Quando? Onde? — As perguntas saem


embaralhadas por causa do susto.

— Ah, então assim você me olha. — Ele faz um gesto


negativo com a cabeça. — Só explico quando você parar com a
palhaçada e me disser o que diabos está acontecendo entre você e
aquele mané.

— Aquiles… — Respiro fundo porque sei que, em partes, não


é mentira o que vou dizer. Mas também não chega a ser uma
verdade. Há, sim, algo acontecendo entre mim e Romeu, só não sei
o que é. — Não está acontecendo nada.

— Quer mentir para mentiroso, Afrodite? — Antes que ele


possa completar seu pensamento, a porta do elevador se abre e saio
na frente, ganhando alguns minutos antes de respondê-lo. Com
tantas pessoas aqui dentro, duvido que ele vá insistir no assunto.
Saímos do prédio e atravessamos a rua, indo em direção à
loja de sucos. Nesse calor do Hell de Janeiro, agradeço por ter uma
bem perto do trabalho.

Sentados a uma mesa, fazemos os pedidos. Mas, como era


de se esperar, Aquiles não larga o osso e volta ao assunto que estou
tentando ignorar desde que ele chegou aqui.

Maldita Marcela, é hoje que ela me paga. Vou tapar aquela


boca grande com um chumaço de folha A4.

— E então? Vai me contar a verdade?

— E então… vai me falar sobre eu ser madrinha de mais uma


criança? — Bato os cílios como a boa cínica que sou.

— Não vou desistir de saber, Afrodite. — É um aviso, porém


logo seu rosto se ilumina pela alegria da novidade. — Mas, sim, Júlia
e eu conversamos muito sobre adotar. A gente sempre quis ter
outros filhos. Eu não tive irmãos de sangue, então não cresci com
crianças, mas Júlia sim, e ela disse que isso vai ser ótimo para a Íris.
Meu coração tá dizendo que é o momento, então, quando voltamos
do congresso, nós entramos oficialmente na fila de adoção.

— Aaaaaaaaah, isso é incrível! — Dou pulinhos na cadeira,


genuinamente feliz pela notícia.

Mais uma criança para eu não saber como cuidar, mas quem
se importa? A família vai crescer!

— Não contamos para ninguém ainda, então, por favor, bico


fechado — ele avisa, só que logo sua feição suaviza de novo. — A
gente tá muito feliz.

— E eu tô feliz por vocês — declaro, e é a mais pura verdade.

Ele também sabe que estou sendo sincera, porém não perde
a oportunidade de tentar me arrancar algo, e eu já deveria saber.
Afinal, Aquiles não desiste fácil de nada.
— E por você, também está feliz? — Ele cruza as mãos,
apoiando os cotovelos na mesa, olhando diretamente nos meus
olhos. Meu amigo sabe o quanto minhas expressões não negam, e
está estudando meu rosto como o bom filho da puta que é.

Nem deu tempo de absorver direito a novidade e ficar feliz por


ele.

— O que você quer saber? — pergunto, resignada.

— Quero saber o que está acontecendo.

Desisto de tentar despistá-lo, porque é inútil. Também porque


preciso que alguém me ouça, de preferência a pessoa em que eu
mais confio no mundo depois do meu pai.

— Não sei o que está acontecendo comigo. De verdade.

Ele passa as mãos pelo cabelo, pensativo.

— Olha, sei que, no casamento, você queria se sentir bem,


queria ter alguém ao seu lado… sei lá. Nem quero saber o que você
falou para convencer um Gladiador a ir até lá, mas acabou, Afrodite.
— Os olhos do meu amigo estão cheios de preocupação, e não sei
se sinto raiva ou gratidão por isso. — Dionísio tá casado, e sua vida
precisa…

Bom, é raiva. Decidido.

— Não quero falar de Dionísio. Embora tenha sido para isso


que você veio aqui, não é?

Ele ri, balançando a cabeça.

— Você é impagável. — Quando não mudo minha postura, ele


suspira. — Tá bom, eu vim para saber como você estava por causa
do casamento daquele que não pode ser nomeado. — Não aguento
e rio. — Mas quando a sua colega de trabalho falou do Romeu, eu
fiquei sem entender. Ele está te ameaçando com alguma coisa?
Posso sentar a porrada nele se você quiser. O que disse no
casamento não foi mentira: não vão nem achar o corpo.

Nossos sucos chegam e, enquanto somos servidos, tento


pensar em como falar isso para Aquiles sem infartá-lo antes dos
quarenta anos.

— E se eu te disser que o Romeu não é tão ruim assim? —


solto de uma vez, porque não tem jeito fácil de ter essa conversa.

Ele ergue os olhos para mim, confuso.

— Como assim “não é tão ruim”? Ele é um Gladiador.

De novo essa história. Meu Deus, eu me enfiei mesmo em um


Romeu e Julieta, mas sem as falas rebuscadas e as declarações de
amor.

— Ele é um cara legal. E é muito mais do que um Gladiador.


Romeu não tem nada a ver com o pai dele ou os outros idiotas do
Coliseu, e ele me deu muita força, Aquiles. Na verdade, nem sei o
que seria de mim sem ele nesses últimos dias — confesso.

Aquiles apenas me encara, como se não soubesse o que


responder. Em contrapartida, fui o mais sincera que consegui.
Conhecer Romeu foi… uma boa experiência. Tem sido, na verdade.
Porque, a cada dia que passamos juntos, descubro nele algo que
gosto.

Além de inteligente, Romeu é prestativo, companheiro,


engraçado e, puta merda, gato para um caralho. E isso só me deixa
ainda mais confusa. Afinal, eu não deveria estar gostando dele.

Como posso, se ainda estou apaixonada por outro?

Mas também não quero admitir que estou usando um homem


incrível para superar outro.
— Agora estou me sentindo culpado — Aquiles revela com um
suspiro. — Era eu quem deveria estar te ajudando. — Ignoro sua
autocomiseração, porque já tenho a minha e ela é pesada demais.

— Vou ficar bem — garanto.

— Então, o que isso quer dizer? Você está apaixonada pelo


mané?

A pergunta sequer me pega de surpresa. Aquiles nunca foi


muito de rodeios, e é por isso que nos damos tão bem. Nossa
comunicação sempre foi direta, e por isso ele costuma a ser o
primeiro a saber quando tem algo de errado comigo. Foi o primeiro
— e talvez o único — a perceber o quanto eu estava apaixonada por
nosso outro melhor amigo.

— Não, não estou. — Disso eu tenho certeza.

Não dá para deixar de amar alguém que se amou por tantos


anos do dia para a noite, e toda vez que penso em Dionísio e sua lua
de mel perfeita, meu coração ainda dói. Só que não posso negar que
os últimos dias foram bem menos dolorosos pela presença sempre
descontraída de Romeu.

Também não posso negar que sinto frio na barriga, e calor em


outras partes do corpo, toda vez que me olha daquele jeito que só
ele sabe. Como se pudesse me devorar. E é por isso que não
consigo sequer responder às mensagens que Romeu não para de
mandar: porque não sei o que quero, e acho que ele não merece
minha incerteza.

— Mas estou confusa. Confusa pra caralho, Aquiles.

Primeiro, a boca do meu amigo se abre. Em seguida, se


fecha. Depois, se abre de novo e, após gaguejar durante alguns
segundos, ele consegue dizer:

— Cara, isso vai dar uma merda muito grande.


Afundo o rosto nas mãos, irritada. Odeio me sentir assim.
Odeio querer tanto algo e, ao mesmo tempo, não querer. Odeio ter
vontade de olhar para o futuro, mas não conseguir me desprender do
passado.

— Mas eu tô do seu lado.

— Sério? — Ergo o rosto e o encaro, assustada. Aquiles


escorrega as mãos pela mesa e aperta a minha. Depois, fecha a
cara novamente e se apruma na cadeira.

— Ainda odeio aquele babaca. Não se anime.

Não consigo conter o sorriso. Sempre fomos nós três contra o


mundo. Aquiles, Dionísio e Afrodite: o trio inseparável. Só que a vida
tem formas bem escrotas de testar amizades e amores. Desta vez,
ela chegou a ser cruel. Mas tudo bem. Se é com isso que preciso
lidar agora, que seja. Pelo menos tenho um dos meus melhores
amigos no meu time.

— Tá, mas esse papo sentimental cansa pra caramba. —


Abano uma mão enquanto dou um gole generoso no suco. — Vamos
para um assunto melhor: quero saber detalhes da adoção.
Capítulo 22
Romeu

Sempre pensei que enviar uma terceira mensagem depois de


ter duas não respondidas é desespero. Uma quarta é patético.

Mesmo assim, sete mensagens não respondidas depois, aqui


estou eu: um patético desesperado.

Parado em frente ao apartamento de Afrodite, penso se foi


uma boa ideia vir até aqui hoje. Provavelmente não. Ela não
respondeu a nenhuma das minhas mensagens desde que nos
beijamos, e isso deveria ser motivo suficiente para eu entender que
talvez tenha se arrependido e não queira mais me ver.

Mas, no fundo — e isso é apenas meu lado esperançoso


falando —, eu só acho que ela está confusa. Não é para menos. As
coisas estão acontecendo muito rápido entre a gente, e ainda teve
todo o estresse do casamento do idiota, que mexeu muito com ela.

Eu poderia ficar longe, respeitar esse espaço que Afrodite


pediu através do silêncio. Por outro lado, não estou disposto a
desistir tão fácil. Se ela quiser que eu desapareça da sua vida, ok. É
um direito que tem e irei respeitar. Mas preciso que ela olhe na
minha cara e diga que não está interessada. Se não for assim, acho
que continuarei mantendo as esperanças — mesmo quando o
melhor talvez seja aceitar o óbvio.

Mas não é tão óbvio. Não mais. Não depois do que aconteceu
na segunda-feira.

Ajeito melhor o bolo que carrego em uma mão, segurando


com firmeza a sacola decorada que comprei para colocar os livros
que escolhi — um mais pesado na putaria e outros dois mais leves,
para que ela não pense que sou um pervertido que está enviando
sinais sobre isso —, e bato à porta.

Escuto movimentos do outro lado e, logo em seguida, vejo


uma sombra na fresta perto do chão. Isso me diz que Afrodite está
parada de frente para o olho mágico, se decidindo sobre o que fazer.

Não consigo conter o sorriso.

— Vamos lá, meu bolinho de chocolate. Ninguém deveria ficar


sozinho no dia do aniversário. — Sei que ela pode me ouvir, e isso é
comprovado quando vejo a sombra na fresta se mexer de um lado
para o outro. — Trouxe presentes também.

Desta vez, a porta é escancarada de forma brusca, revelando


uma Afrodite emburrada. Com uma mão na cintura e a outra na
madeira, ela me encara de cima a baixo, até que seus olhos param
na bolsa pendurada no meu braço.

Retribuo o olhar analítico, observando qual é a roupa de


dormir que usa hoje: uma blusa comprida, com certeza masculina,
que para no meio de sua coxa e tem a logo do Olimpo.

Na mesma hora, meu instinto neandertal toma conta, e fico


imaginando quem foi o filho da puta que deu a ela essa blusa.

Será que foi Dionísio?

Uma mistura de ódio e ciúme começa a se formar dentro de


mim, borbulhando no meu estômago enquanto penso de que formas
— criativas e dolorosas — posso matá-lo com minhas próprias mãos
e sair impune do crime.

— Presentes? — Afrodite é a primeira a falar, buscando


confirmação, e apenas faço que sim com a cabeça.

— E bolo. — Estendo a pequena caixa para ela, vendo seu


semblante suavizar. Não sei se o meu acalma também, mas respiro
fundo algumas vezes na tentativa de recobrar um pouco da
sanidade.

— Por quê? — Ela pende a cabeça para o lado, revezando


olhares entre mim e a caixa.

— Então, existe uma coisa chamada aniversário — começo a


explicar, colocando o máximo de seriedade na voz. — No Brasil, é
bem comum cantar parabéns, comer bolo e dar presente para os…

— Alguém já te mandou se foder hoje? — Afrodite me


interrompe.

— Duas ou três vezes, meu limãozinho. — Abro um pequeno


sorriso. — Mas é sempre mais gostoso com você. — Dou uma
piscadinha e ela revira os olhos, porém dá licença para que eu entre
no apartamento.

— Hoje não é um bom dia para piadas, Romeu — avisa,


indicando a bancada que separa a sala da cozinha.

Deposito a pequena caixa ali, vendo sua reação quando abro


a tampa e retiro de lá o bolo branco, com um bonequinho idiota e os
dizeres “28 anos, porém gostosa e mal-humorada”.

É claro que tentei elogiá-la, mas, pelo visto, falhei.

— Não sou mal-humorada — Afrodite rebate, cruzando os


braços na frente do corpo.

— Claro que não, meu mel. Você é um poço de raio de sol e


gargalhadas estridentes. — Meu comentário faz com que ela revire
os olhos enquanto solta o ar pelo nariz. — Pensei que você fosse
reclamar do “gostosa”.

— Mas isso eu sou. — As mãos mudam de posição e ganham


lugar na cintura. — Corro cinco quilômetros todos os dias, treino
quatro vezes por semana e vou à academia nos outros três.
Tento frear meus olhos de analisarem o resultado de tanta
atividade física, porém falho pela segunda vez nos últimos dois
minutos. As pernas torneadas estão à mostra, bem como os braços
firmes. E a expectativa de um dia poder ver o que a roupa esconde é
combustível para a minha imaginação já fértil.

— Certo… — Pigarreio e desvio o olhar. A última coisa que


quero agora é parecer um tarado. — Ainda quer ganhar presentes?
— pergunto e vejo-a morder o lábio inferior, como se analisasse a
oferta. Não demora muito para que Afrodite acene com a cabeça.

— Me dá logo isso aqui. — Ela estende as mãos e preciso


controlar a vontade de rir.

Acho que descobri seu ponto fraco, meu limãozinho.

— Espero que goste. — Entrego a sacola e fico esperando


sua reação.

O primeiro exemplar que ela pega é logo o mais intenso: de


uma autora nacional, famosa por suas putarias bastante descritivas e
numerosas.

— Eu não acredito! — Suas feições mudam quando vê a


capa. — Você… já leu esse?

— Não — confesso. — Mas a Karina disse que é maravilhoso.

— Quem diabos é Karina?! — Afrodite pergunta e, agora, seu


tom carrega uma raiva contida.

Ela ignora o livro e me encara em desafio. Preciso segurar a


vontade de vibrar, porque está na cara que eu tinha razão: Afrodite
não é indiferente a mim.

— A vendedora da livraria — explico com um tom manso,


controlando o sorriso.

— Sei…
Então, volta a analisar o conteúdo da bolsa e retira de lá um
romance de época famosinho, que já tem até uma série no
streaming.

— Espero que ainda não tenha lido esse.

— Não! Mas tava louca pra ler! — Afrodite parece menos


tensa agora e vira o livro para ver a contracapa. — Qual é o outro?

— É um New Adult — revelo, e ela pega o último item. —


Escolhi três romances bem diferentes para você entender melhor o
seu nicho. — Dou de ombros.

— Isso foi… — Afrodite hesita. Então, engole em seco e me


encara. — Foi muita consideração da sua parte, Romeu. Obrigada.
Eu amei.

Apesar das palavras, ainda há algo diferente nela hoje. E não


consigo entender o quê.

— O bolo é um pão de mel recheado com doce de leite. Não


achei que recheio de limão combinaria. — Coço a nuca, um pouco
incerto do que fazer agora. Principalmente porque ela olha para mim
com incredulidade.

Por alguns segundos, ficamos em silêncio, e a impressão que


tenho é de que Afrodite não sabe muito bem como reagir. Nem eu.

Talvez não esperasse algo assim. Menos ainda depois de ter


me ignorado nos últimos dias.

— Eu falei que só comemoraria no sábado… — Sua voz


carrega a mesma incerteza que sinto.

— Sei disso. E teria me mantido afastado se você não tivesse


me ignorado tanto nos últimos dias. — Arrependo-me do que disse
no instante que as palavras saem da minha boca.
A postura dela muda na mesma hora. Afrodite coloca os livros
na bancada, ao lado do bolo, e vira as costas para mim, seguindo
para a cozinha. Ela abre a geladeira e analisa o conteúdo por
bastante tempo, o que me diz que, na verdade, está procurando uma
desculpa para não me encarar, em vez de alguma coisa para comer.

— Afrodite? — chamo.

— Quer beber alguma coisa? Ainda tenho meia garrafa de


vinho aqui e…

Vou até ela e encosto em seu braço, fazendo com que pare de
falar. Sinto-a puxar o ar com força, porém continua com a cabeça
abaixada.

Eu até poderia fazer alguma piada sobre o fato de sua bunda


estar empinada na minha direção, só que tem algo de errado com
ela. Afrodite está mais tensa do que o normal.

— O que aconteceu? — pergunto baixinho.

É então que ela muda de uma hora para a outra, erguendo as


costas e se virando para me encarar.

— Nada aconteceu. — Há uma firmeza estranha em sua voz,


que combina perfeitamente com a expressão séria e resoluta. — Só
não estou a fim de comer bolo nem ganhar presentes hoje, está
bem? Obrigada pela lembrança, mas pode ir embora. E leve essas
coisas com você. — Aponta para a bancada, onde estão o bolo e os
livros.

— Ei, tudo bem! — Ergo as mãos em sinal de rendição, dando


dois passos para trás. — Não queria te aborrecer, é só que…
— Não aborreceu — Afrodite me corta. — Mas agora pode ir
embora. Quero ficar sozinha — ela diz, só que, desta vez, desvia o
olhar.
“De onde veio essa explosão?”, fico me perguntando. E, é
claro, minha curiosidade acaba falando mais alto. É nisso que dá ser
um pesquisador.
— Ok, eu vou embora — garanto —, mas só quando você me
disser o que está acontecendo.
— Já disse que nada aconteceu! — Afrodite explode de novo.
Apenas ergo uma sobrancelha, dizendo em silêncio que não
acredito em uma única palavra que saiu de sua boca.
Entramos em um duelo de olhares, onde ambos decidem que
não vão ceder. Estou pouco me fodendo para o bolo e os livros.
Neste momento, tudo que preciso saber é o motivo que a levou ao
limite. Afrodite está tão séria que qualquer desconhecido acreditaria
que ela nunca sorriu na vida.
— Você vai ficar me encarando ou vai fazer o que pedi e sair
da minha casa? — Ela volta a cruzar os braços na frente do corpo, e
algo me diz que, na verdade, está me pedindo para sair de sua vida.
Será que os filhos da puta que me encurralaram conseguiram
colocá-la contra mim? Será que ela teve uma conversa com Zeus, e
ele também é contra nosso… nosso… seja lá o que estiver
acontecendo entre nós?
— Nem um nem outro — aviso, esticando a mão. — Nós
vamos nos sentar e você vai me dizer por que está desse jeito.
De novo, o maldito silêncio. Só que não é apenas uma
ausência de palavras, e sim uma tensão esquisita. O rosto de
Afrodite, como sempre, não esconde o que ela está sentindo. Há
uma tristeza ali. Algo tão profundo que a única forma que ela tem de
lidar com isso é sentindo raiva.
Quero poder me aproximar, dizer que estou aqui para ouvir o
que quer que seja, mas Afrodite apenas chega para o lado,
desviando de mim.
É claro que não posso deixar que vá. Não agora, quando sei
que ela está sofrendo. Por isso, envolvo-a por trás, passando o braço
por sua cintura, e viro-a para que fique de frente para mim.
Ela se contorce por um momento, mas então seu corpo fica
rígido — e Afrodite apenas me encara.
Posso sentir daqui o perfume de seu xampu, também posso
sentir o bater acelerado de seu coração. A respiração dela fica
errática quando afrouxo o aperto e desço uma mão para a base de
sua coluna, deixando que a outra emoldure o rosto bonito.
Afrodite olha para cima e… porra, acho que nunca pareceu
tão pequena antes. Ela não chega nem à altura do meu ombro, e fico
imaginando como seria estar deitado sobre ela, com meu corpo
envolvendo-a por completo.
Enquanto seus olhos evidenciam uma mistura de choque e
tristeza, a mão fria me segura pelo braço, como se estivesse em
dúvida entre me puxar ou me empurrar — e não tenho ideia do que
fazer para acabar com seu conflito. Só que, por trás dessas duas
emoções, há algo que não consigo discernir muito bem. Desejo,
talvez.
Afrodite olha para mim com tanta intensidade que sinto como
se alguém tivesse enfiado a mão no meu peito e arrancado o
coração lá de dentro. Seu olhar é quase nu, porém cheio de uma
vulnerabilidade que nunca havia visto nela antes. Na verdade, acho
que esta é a primeira vez que realmente a vejo. Olho e enxergo tudo
aquilo que mantém escondido.
A vontade de beijá-la de novo vem com o impacto de um
soco, tanto que a puxo para mais perto, eliminando qualquer
distância remanescente entre nós. Bem devagar para que ela tenha
tempo de reagir, desço o rosto. Meu olhar fixo nos lábios grossos, a
expectativa radiando dentro de mim.
Porque, de alguma forma, eu me vejo obrigado a confortá-la.
Algo em Afrodite desperta um lado meu que nunca tinha conhecido
antes — aquele que exige que eu a proteja, que cuide dela e a faça
se sentir a mulher mais incrível deste maldito mundo.
Uma urgência que só cresce. Um desejo que arde.
Quando ela não faz menção de se afastar, deixo meus dedos
flexionarem na base de sua coluna e fecho os centímetros que nos
separam. É apenas um toque de lábios, mas que representa muito
mais do que isso.
Então, para a minha surpresa, ela apoia as mãos no meu
peito. Só que, em vez de me empurrar, apenas se agarra à minha
camisa, impedindo-me de romper o contato.
Nossos lábios se encontram em um choque de necessidade.
E no segundo que isso acontece, tudo muda.
Não é como o primeiro beijo no casamento, quando Afrodite
precisava de alguém para ter a chance de se esconder dos próprios
sentimentos. Também não é como o beijo na segunda-feira, quando
estava confusa e quase fugindo de mim.
O beijo de agora é pura agonia e desespero. É cru. É mais
real do que todos os outros que já dei na vida.
Sua boca é macia e convidativa, enquanto a minha exige mais
e mais. E quanto mais eu exijo, mais ela oferece. Não tenho como
negar que sou completamente louco por essa mulher.
Afrodite abre os lábios e nossas línguas se conectam.
Dançam. Duelam. Reivindicam aquilo que ambos sabemos ser certo.
Já seus dedos me apertam com mais força, cravando no
músculo do meu peito, ao mesmo tempo que ela fica na ponta dos
pés para encurtar nossa diferença de tamanho. Não muda muita
coisa, mas isso pouco importa.
Pego-a no colo e imprenso-a contra a parede. Na mesma
hora, Afrodite envolve minha cintura com as pernas, completamente
entregue. A confusão foi embora e, no lugar dela, restou apenas o
desejo. Com uma mão apertando sua cintura e a outra emaranhada
nos fios da nuca, puxo sua cabeça para o lado e ganho mais acesso.
Seu corpo se derrete ao meu, e enrijeço assim que escuto-a
gemer baixinho. Mesmo assim, quero mais. Preciso de mais. O calor
de seu corpo pressionado à minha barriga faz com que meu pau
acorde, tensionando contra a calça jeans.
Não é mais sangue que corre por minhas veias, e sim a
necessidade que tenho dela. De sentir seu gosto, de engolir seus
gemidos, de entrar em seu corpo e mostrar que encaixamos da
forma mais perfeita possível.
Mas, agora, limito-me a afastar nossos rostos e apenas a
encaro. Seus olhos estão nublados, os lábios inchados, as
bochechas vermelhas.
Meu Deus, essa mulher é linda demais. Tão linda que nem
acredito que esteja em meus braços. A mais linda que já vi na vida.
Envolvo-a com mais força, ao mesmo tempo que o sentimento
de posse começa a falar mais alto do que qualquer resquício de
sanidade que me restava.
Começo a andar antes que me dê conta, até que chego ao
sofá e me sento, deixando-a por cima. Afrodite não contesta, apenas
se rende ao inevitável. Seus lábios procuram os meus de novo,
enquanto desço as mãos para o quadril largo, pressionando-a contra
a minha rigidez.
Exploro sua boca com cuidado, sem pressa, e ela responde
com movimentos de vaivém, me beijando de volta com o mesmo tipo
de vontade. Tenho certeza de que pode sentir minha ereção, que luta
para ser libertada.
Com a blusa embolada no quadril, a única coisa que a protege
é a calcinha — e de repente sinto uma vontade enorme de saber
qual é o tipo de lingerie que Afrodite usa. Mas nada é capaz de me
tirar daqui agora.
Uma vez conectados, parece que estamos soldados — e
nenhum de nós tenta se afastar.
Sinto o beijo em cada parte do meu corpo, enquanto as mãos
dela me mantêm no lugar, segurando-me pelo cabelo. Apenas rompo
o contato para descer beijos pela mandíbula, chegando ao pescoço.
Beijo, mordisco e chupo a pele macia, enquanto Afrodite joga a
cabeça para trás e rebola sobre mim.
Só que isso não é o suficiente. Então, sem que ela tenha
tempo de reagir, inverto nossas posições e a deito no sofá,
encaixando-me entre suas pernas grossas.
— Quer que eu pare? — pergunto, mexendo o quadril para
frente e para trás. Minha ereção está tão dura que chega a doer, mas
sei que, com uma palavra dela, vou embora daqui.
A última coisa que quero é forçá-la a algo para o qual não está
preparada. Mas isso não me impede de rezar para todos os deuses,
santos e orixás que existem no mundo para que ela me aceite.
Aceite o que tenho a oferecer. Aceite o prazer que estou disposto a
lhe dar.
Afrodite não responde com palavras, porém seu corpo deixa
claro que ela também não é imune ao que está acontecendo. Uma
perna me envolve pela cintura, enquanto o outro pé se mantém
plantado no sofá. Então, ela empina o quadril e exige aquilo que
quer.
Não consigo conter o rosnado baixo, que escapa no momento
que ela me puxa de novo e devora minha boca.
Deixo uma mão escorregar pela perna torneada, sentindo a
maciez por cima dos músculos, até que encontro o fio da calcinha.
Ah, caralho.
— Prometo que só vamos fazer o que você quiser, meu mel —
garanto ao beijar seu pescoço. — Mas preciso te tocar. Tudo bem?
— pergunto, ouvindo a rouquidão na minha voz.
De novo, a resposta de Afrodite vem em gestos: ela arqueia
as costas, como se pedisse mais. Aceito isso como uma permissão e
continuo deslizando a palma por sua pele sedosa.
A cada centímetro que descubro, sinto meu corpo pegar fogo.
Preciso dela. Preciso sentir seu toque, seu gosto. E Afrodite me dá
exatamente isso: suas mãos invadem minha camiseta, e sinto as
palmas quentes e pequenas acariciarem minhas costas. Nossos
lábios agora estão colados e, quanto mais nos beijamos, mais eu
quero desta mulher.
Os toques ficam mais ousados, com minha mão apertando
sua cintura e descobrindo o caminho até a curva do seio. Afrodite
murmura algo ininteligível, mas não faz menção de se afastar.
— Romeu… — ela geme meu nome como se fosse uma
prece, e nunca um som foi tão gostoso.
Mantenho a mão onde está, sem avançar, e olho para ela.
Grande erro.
Seu rosto reflete o mesmo desejo que sinto, e isso só me
deixa ainda mais à beira do precipício.
Movo o quadril sem tirar os olhos de Afrodite, querendo ver
sua expressão agora. Ela pode não usar palavras, mas nunca
esconde o que sente. E, no momento, é tesão. Puro e simples.
— É isso que você quer? — pergunto, imitando aquilo que
pretendo fazer muito em breve. Afrodite morde o lábio inferior, os
olhos nublados pelo desejo, e apenas faz que sim com a cabeça. —
Preciso ouvir você dizer as palavras, Afrodite.
— É isso o que eu quero — ela sussurra, se remexendo sob
mim.
Graças a Deus!
Beijo-a com força, no mesmo momento que minha mão
avança, segurando seu seio enquanto ela emaranha os dedos pelo
meu cabelo. Aproveito e aperto de leve, para depois beliscar o
mamilo com um pouco mais de força.
— Romeu! — geme na minha boca, acelerando os
movimentos do quadril.
— Eu sei, linda, eu sei.
Rolo o biquinho entre os dedos, acompanhando-a na
velocidade. Ela aperta meu cabelo com mais força, e sinto-a
começar a estremecer sob mim.
Ergo o rosto e a encaro, querendo ver o exato momento em
que ela irá se render. Sigo no vai e vem, me controlando para não
gozar na calça, e então a campainha toca. Insistentemente.
— Não! — Afrodite solta em um grito. — Vá embora!
— Ignore. Seja quem for, vai sair se a gente fingir que não tem
ninguém. — Coloco mais velocidade nos movimentos e ela revira os
olhos. Estamos desesperados, com as respirações ofegantes. Posso
sentir o friozinho na espinha que vem antes do orgasmo.
Mas a campainha continua tocando. E tocando. E tocando.
Porque o filho da puta do outro lado parece determinado a me foder.
— Merda. — Afrodite fecha os olhos, fazendo uma careta, e
me empurra pelo peito.
Saio de cima dela, que fica de pé e ajeita a camiseta. Em
seguida, vai até a porta e espia pelo olho mágico, sem dúvida para
ter certeza de que não é ninguém do Olimpo.
Imagina só que desonra ser pega com o inimigo, prestes a
gozar?
Enquanto isso, fico sentado, apenas tentando recobrar a
sanidade — e controlar a respiração.
Logo quando a gente estava progredindo…
Mas então Afrodite abre a porta, e o que espera do outro lado
é, no mínimo, confuso.
— Oi, dona Afrodite — o porteiro diz. — Desculpe incomodar
a senhora a esta hora, mas essas flores chegaram agora. O
entregador disse que era urgente.
Flores?
Coloco-me de pé em um pulo, querendo saber quem foi o
desgraçado que mandou flores para a minha…
Sua nada, Romeu. O namoro de vocês não é nada além de
uma farsa.
— Obrigada, Cristóvão — ela agradece ao porteiro e recebe o
enorme buquê de rosas coloridas. Brancas, chá, vermelhas… pelo
menos trinta flores estão ali. Então, quando fecha a porta e se vira
para mim, Afrodite me encara e diz: — O bolo e os livros eram
suficientes, Romeu.
Engulo em seco.
— Não são minhas, meu mel. — E, agora, me arrependo de
não ter trazido flores também. Merda.
— Como assim? — Afrodite franze a testa e começa a mexer
no buquê, até que encontra um cartão.
Ela coloca as flores sobre a bancada e respira fundo antes de
ler o que está escrito no papel branco. Um minuto se passa. Dois.
Três.
Não sei quantas vezes Afrodite relê o bilhete, mas sua
expressão vai ficando mais triste a cada nova leitura.
— Filho da puta, maldito, desgraçado… — ela sussurra, e
depois uma lágrima escorre por seu rosto.
Vou até ela, passando o braço em torno de seus ombros. Eu
não esperava essa reação, mas não reclamo quando Afrodite afunda
o rosto em meu peito e começa a chorar compulsivamente.
— Ei… O que foi? — quero saber, porém não obtenho
resposta. Ela apenas me entrega o bilhete.

Eu sei que hoje é um dia difícil para você, e queria estar


aí para te apoiar.
Como não posso, por favor, aceite essas flores. Elas são
lindas, cheias de espinhos e marcantes.
Exatamente como você.
O mundo é um lugar melhor porque você existe.
Eu te amo, Afrodite. Obrigado por fazer parte da minha
vida.
Dionísio.

Eu odeio esse cara. Odeio o efeito que ele causa nela. Odeio
que não perceba o quanto esses gestos a machucam. Mas,
principalmente, odeio o fato de que ela o ama.
Porque enquanto Afrodite estiver apaixonada por Dionísio, eu
não tenho a mínima chance de ficar com ela.
Então, recuperando o fiapo de dignidade que me resta, deixo
um beijo no topo de sua cabeça e me afasto.
— Não entendi muito bem o que ele quis dizer com esse
bilhete, mas uma coisa é certa, Afrodite. — Mantenho o tom calmo,
mesmo que a raiva esteja borbulhando dentro de mim. Ela apenas
me encara, sem saber o que está acontecendo, enquanto crio
coragem para dizer as palavras que podem destruir tudo aquilo que
construímos nas últimas semanas: — Você não está pronta para
seguir em frente.
— Não, Romeu — Afrodite me interrompe e vem até mim,
colocando as mãos no meu peito. — Eu estou mais do que pronta
para seguir em frente. Só… só não sei como fazer isso direito.
Puxo o ar com força, sentindo o impacto das suas palavras. A
sensação de que cravaram uma faca no meu estômago quase fala
mais alto do que a preocupação que tenho por ela.
— Entendo que é isso o que você quer — emolduro seu rosto
com uma mão, fitando os olhos amendoados com carinho —, mas
não é o que está fazendo. E não posso ficar aqui, torcendo para você
esquecer que ele existe e perceber que estou apaixonado. Não é
justo contigo, muito menos comigo.
Afrodite dá dois passos para trás, uma expressão de puro
choque tomando seu rosto.
— Você…
— Sim, meu mel. Estou apaixonado por você — reforço aquilo
que acabei de dizer. — E até posso te esperar, mas não vou ficar ao
seu lado enquanto você supera outro homem. E as flores de hoje…
— Minha mãe morreu no parto — ela me interrompe com a
verdade nua e crua. — Meu aniversário é o aniversário de morte
dela. Dionísio sabe disso, por isso enviou as flores.
Fico sem saber o que falar.
— Eu…
Então é por isso que ela não comemora o dia de hoje. E
também o motivo por ela estar tão esquisita quando cheguei.
— Não preciso da sua pena, Romeu. Também não preciso
que você me espere superar o homem que amei durante minha vida
inteira. — Desta vez, sua voz carrega uma frieza que gela meus
ossos.
— Não sinto pena de você, Afrodite. Acabei de perder meu
pai, ou você esqueceu? Mesmo que ele tenha sido um babaca,
entendo que é difícil. — Tento encurtar a distância entre nós, só que
ela não permite. Apenas busca, a todo custo, manter a postura.
Mas sei que ela está quebrando. Não só por Dionísio, não só
por sua mãe, mas por toda a confusão de sentimentos que as duas
coisas juntas lhe trazem.
— Por favor, vá embora. — Afrodite vai até a porta, abrindo-a
para mim. — Só… só vai embora, Romeu.
Ela ergue o queixo, porém as lágrimas continuam descendo.
— Não quero ir embora. — Aproximo-me dela e a encaro.
— Por favor — repete e, desta vez, sua voz sai embargada,
sem tanta certeza assim. — Estou cansada, triste, confusa…
Antes que ela possa dizer qualquer outra coisa, puxo-a para
um abraço.
Estamos em uma situação de merda, mas o que sinto não
mudou nada nos últimos minutos. E por mais que eu seja de
humanas, entendo o mínimo de probabilidade para saber que sairei
fodido dessa situação.
— Eu vou. — Beijo sua têmpora. — Relutante, mas vou.
— Obrigada.
O abraço fica mais forte enquanto suas lágrimas molham
minha camiseta. Afrodite quer me ver longe, porém não quer que eu
me afaste — e isso é confuso para caralho.
— Feliz aniversário, meu mel. — Empurro-a levemente pelo
ombro, apenas o suficiente para poder encará-la. — Nunca pensei
que diria isso, mas Dionísio tem razão: o mundo é um lugar melhor
porque você existe.
Capítulo 23
Afrodite

Pisar no tatame é revigorante. Não importa se cresci aqui:


sempre que meus pés tocam esse solo sagrado, sinto como se eu
ganhasse uma nova chance de viver.
Estou acostumada a ouvir os discursos dos meus amigos, que
relatam como o Jiu-Jitsu salvou a vida deles. No meu caso, não foi
assim. Eu respiro esse esporte. Nasci com ele no sangue e vou
morrer com ele na alma.
E o Olimpo não é só uma academia: é a minha casa. É meu
lugar preferido no mundo, onde posso ser exatamente quem sou e
viver do jeito que amo.
Aperto a faixa preta na cintura e encaro Aquiles.
— Pronto para apanhar de novo? — Arqueio a sobrancelha
em desafio.
— Vai sonhando, iludida. — Ele joga um beijinho para mim e
se coloca em posição de luta. — Mas você tem noção que a gente
deveria estar se arrumando para a festa em vez de lutando, né?
— Todo mundo sabe que odeio meu aniversário. Mesmo
assim, insistem em comemorar. — Aceno com a cabeça e Aquiles
vem para cima. — Prefiro mil vezes isso aqui.
Desvio do primeiro golpe e me preparo para segurá-lo pela
lapela.
— Seu maior defeito é sempre enxergar o lado ruim das
coisas.
— E o seu é não proteger essa guarda direito. — Invado o
espaço dele, levando Aquiles ao chão sem muita dificuldade.
É claro que nossa diferença de peso e tamanho conta muito,
mas é justamente por treinar com esses homens enormes que
sempre venço os torneios contra outras mulheres.
Rolamos no chão por algum tempo, cada um tentando
pressionar o outro a cometer um erro fatal. Mas Aquiles é bom. Muito
bom. Na verdade, ele está cada vez melhor, agora que luta
profissionalmente.
É claro que não vou admitir, mas esse filho da mãe é o melhor
que temos no Olimpo.
— Se eu ganhar — Aquiles começa a falar, a voz ofegante
pelo esforço —, a gente para agora e você vai se arrumar.
— Trouxe a roupa — confesso. — Tomo banho no vestiário.
— Que seja. — Ele tenta um novo golpe, invertendo nossas
posições e segurando minha lapela. — Daqui a pouco Ana Júlia
aparece aqui com as comidas, e Eros vai trazer as bebidas.
Aquiles pode ser maior do que eu, porém sou mais rápida. Ser
pequena tem suas vantagens, e aproveito uma brecha para envolver
sua cabeça com minha perna esquerda.
Vejo o exato momento que ele se impressiona, só que não
desiste e gira o quadril, ficando por cima de novo. Se Aquiles
quisesse, poderia facilmente me erguer do chão, mas é claro que o
homem honrado e cheio de princípios jamais faria isso.
Uma pena para ele, porque logo faço uma inversão e o
envolvo por trás, passando as pernas por sua cintura.
Sendo muito sincera, isso não pode ser considerado uma luta
de verdade, mas é sempre bom ter um tempinho para treinar com ele
— e com Dionísio também.
— Chega! — Aquiles solta, se desvencilhando facilmente do
meu golpe. — Tá na hora de você parar de arrumar desculpas. —
Ele fica de pé, me encarando de cima enquanto me mantenho
deitada no tatame, braços abertos como se eu fosse uma estrela-do-
mar.
— Não quero essa festa — confesso aquilo que ambos
sabemos.
— Mas eu quero. — Uma voz nova soa do outro lado da
academia, me obrigando a desviar o olhar.
Parado na extremidade do tatame, Dionísio tem um sorriso
enorme no rosto.
— Quando foi que você chegou, mozão? — Aquiles pergunta,
já caminhando até ele.
— Agora. — Dio dá de ombros. — Deixei Kiyomi em casa
para se arrumar e vim direto pra cá.
Sento-me no tatame e apenas observo a interação dos dois,
tentando entender o que sinto neste momento.
— Como foi a lua de mel?
A resposta de Dionísio vem em forma de sorriso. Fico
esperando o aperto no peito — que sempre chega quando ele sorri
desse jeito —, e me espanto quando a única coisa que sinto é
felicidade.
— Não vai falar comigo, não? — Dio olha para mim, sem
responder à pergunta.
— Eu, não. Foi você quem viajou, então você que venha falar
comigo. — Mostro a língua para ele, que solta uma gargalhada.
— Sempre tão resmungona. — Observo Dionísio vir até mim
com aquele gingado característico. Quando para à minha frente, ele
me puxa pelas mãos e, imediatamente, sou envolvida por um abraço
apertado.
Afundo o rosto na curva de seu pescoço e inalo seu cheiro. É
familiar, tem aroma de casa, mas, pela primeira vez, não faz tudo
dentro de mim tremer.
É assustador. E incrível.
Também confuso.
— É o meu jeitinho. — Aperto-o de volta, aproveitando mais
dessa nova sensação, ao mesmo tempo tentando ter certeza de que
não enlouqueci. Me acostumei por tanto tempo a morrer por dentro a
cada abraço que nem sei bem como reagir.
— Recebeu minhas flores?
— Recebi. Preferia um pix, Dionísio. As flores você deixa para
o meu velório, tá? Elas são lindas, mas estão morrendo na minha
sala.
— Alguém já te disse que você é um doce?
Dou risada da ironia. Sim, alguém me diz isso todos os dias.
Quando ele me solta, vejo Aquiles nos observando do outro
lado do tatame. Sorrio para ele também, e então seus olhos ganham
uma nota de surpresa, como se ele percebesse o que estou
sentindo.
Como se pudesse ver através de mim.
Como se eu fosse um espelho.
Será que meu alívio é assim tão evidente?
Não é que eu não sinta absolutamente nada. Eu estaria
mentindo se dissesse isso. Dionísio ainda é Dionísio: lindo, forte e
encantador. Cheiroso e gostoso para caralho.
Enquanto ele conversa comigo e com Aquiles, contando sobre
a viagem incrível e tudo que fizeram durante os dias fora, observo os
detalhes que sempre me encantaram no homem que está à minha
frente: o corpo esculpido, o sorriso perigoso, a voz grossa e
sedutora, as tatuagens espalhadas pelo corpo… tudo isso ainda é
lindo, mas sei lá… Hoje Dionísio parece diferente. Ou talvez eu
esteja olhando para ele de outra forma, não sei.
Agora, vê-lo tão feliz por seu casamento não dói como achei
que doeria — e isso me confunde, ao mesmo tempo que me alivia.
É por isso que deixo os próximos trinta minutos serem
preenchidos por conversas aleatórias e narrativas da viagem, porém,
na minha cabeça, continuo tentando entender o que sinto.
Pela milionésima vez em nossas vidas, estamos os três
sentados no tatame.
Estamos em casa. Em família.
Aos poucos, as pessoas começam a chegar, interrompendo
nosso momento. Ana Júlia é a primeira a aparecer, trazendo Íris e as
comidas.
É claro que a pequena traidora corre direto para os braços de
Dionísio, que a recebe em um abraço ainda mais apertado do que
aquele que me deu. Os dois se beijam e começam a rolar pelo
tatame, enquanto Dionísio pede para Íris mostrar os golpes que
aprendeu enquanto ele estava fora.
Eles brincam, riem alto, e eu apenas observo. A relação que
construíram é linda demais, porém não é isso que faz meu coração
dar uma apertadinha, e sim a lembrança de Romeu segurando Íris,
que dormia em seu peito.
Eu não estava preparada para aquela cena. Ela foi a culpada
por muitas mudanças dentro de mim. Afinal, ver um homem de 1,90
e todo musculoso ninando uma criança é a pura covardia.
Carregando o bolo e o restante da decoração, Apolo e meu
pai chegam logo em seguida e interrompem o fluxo dos meus
pensamentos. Ainda bem, porque também não estou a fim de refletir
sobre o que sinto em relação a Romeu. Principalmente depois do
que aconteceu na quinta-feira.
Poucos minutos depois, Eros aparece com as bebidas — e
agora não consigo pensar em mais nada. Como todo ano, o Olimpo
inteiro se movimenta para tornar a data que odeio em algo minimante
suportável, e não poderia ser mais grata pela família que tenho.
— Estou feliz que você voltou. — Dou um soquinho no ombro
de Dio, e ele sorri.
— Você está… diferente, eu acho. — Ele arqueia a
sobrancelha, intrigado. — Não sei por que, mas está.
Sim, estou.
— Não estou, não. É impressão sua. Continuo a mesma chata
de sempre.
— Isso eu posso afirmar — Aquiles se intromete e eu lhe dou
o dedo. — Tá vendo?! O próprio cão.
— Bom, vou tomar um banho enquanto as madames
terminam de tricotar. Já que não tem como fugir dessa festa, quero
ao menos ficar apresentável.
Pego minha faixa que está jogada no tatame e, quando me
ergo, sou surpreendida por outro abraço de Dionísio.
— Feliz aniversário atrasado, coisa insuportável. Minha vida
seria uma bosta sem você. — Ele beija meu cabelo e, desta vez,
pelo gesto tão íntimo, espero o frio na barriga. O calor dentro do
peito. O arrepio. Mas nada vem.
Só um sentimento enorme de gratidão, que eu sequer sei
explicar.
Vou para o vestiário e entro no chuveiro para um banho
rápido. Enquanto a água cai em minha cabeça, não penso no quanto
eu não queria essa festa. Não penso em Dionísio e sua vida perfeita.
Não penso que, por mais um ano, estou sozinha e miserável.
Eu penso em Romeu.
Penso em nosso último beijo e no quanto eu o queria aqui
comigo, durante essa festa.
Tenho certeza de que tudo seria mais divertido com ele ao
meu lado, me irritando com seus apelidinhos idiotas e me fazendo rir
de suas piadas ruins.
No fim das contas, Ana Júlia não estava tão errada assim.
Está na hora de seguir em frente — e se for para escolher alguém,
que seja alguém como Romeu.
Que seja Romeu.
Depois de seu ultimato e de como ele se declarou para mim,
sei que o próximo passo precisa ser dado por mim. Romeu me
respeita e saiu de casa disposto a me dar tempo e espaço, mesmo
estando apaixonado, como ele mesmo fez questão de dizer. Preciso
mostrar que também estou disposta a estar com ele.
Saio do chuveiro já sabendo o que preciso — e quero — fazer.
Pego o celular, abro o aplicativo de mensagens e clico na foto
dele. Com um sorriso no rosto e o coração palpitando, digito:

Festa no Olimpo hoje. Comemoração do meu aniversário.


Gostaria muito que você estivesse aqui.
Capítulo 24
Romeu

Quando alguém muito próximo se vai, há muitas formas de


perceber que realmente acabou: a notícia dos médicos, o choro
inconsolável de sua mãe, o fechar do caixão e as cinzas em uma
urna.
Tudo isso te dá uma boa noção de que, por mais que aquilo
pareça um pesadelo distante e esquisito, é real. A cada uma dessas
coisas, tudo se torna mais palpável.
Mas a pior de todas é quando finalmente você cria coragem
de mexer nos pertences daquela pessoa. Empacotar os pertences de
alguém que morreu é guardar as memórias, os rastros de quem foi
no mundo.
Para mim, meu pai pode ter sido um bosta. E foi mesmo, na
maioria das vezes. Mas é impossível não me emocionar ao ver
minha mãe com uma de suas camisas junto ao peito, cheirando o
perfume que ainda ficou ali enquanto tenta controlar as lágrimas.
Era um puta idiota, mas foi o amor dela em algum momento.
Também foi meu herói por uma boa parte da minha vida. Porém,
apesar dos defeitos, ainda tinha algumas qualidades.
— A gente pode fazer isso em outro momento, mãe. — Passo
a mão por seu braço em uma tentativa de acalentá-la, mas ela
balança a cabeça, negando.
— Acho melhor fazermos isso de uma vez. Estou bem.
Thiago e Júnior também estão aqui. Enquanto o caçula vai
descendo os itens mais pesados de dentro do guarda-roupas, o mais
velho está deitado na cama, vendo toda a movimentação. Como
sempre, não ajuda muito, mas pelo menos está aqui.
Desde que descobrimos a enxurrada de dívidas, Júnior quase
não fica em casa. Está sempre no Coliseu, tentando ser uma versão
mais barata daquele que sempre tomou conta da casa.
Como se isso fosse ajudar em alguma coisa.
— Olha o que eu achei! — Thiago estende a faixa preta que
meu pai guardava a sete chaves. A primeira que ele usou quando
recebeu a graduação e que guardou como uma relíquia por tantos
anos.
— É minha! — Júnior pula da cama, mas, antes que ele
agarre a faixa, Thiago a coloca atrás das costas.
— Ah, mas nem fodendo — meu irmão mais novo declara. —
Se for para ficar com algum filho, então fica com o Romeu. Eu sou
muito novo para ela e você é muito ruim.
Terceira guerra mundial em três, dois, um…
— Ruim é o teu…
— Olha o respeito! — minha mãe grita, parada entre os dois,
enquanto os idiotas discutem.
Não estou nem aí para a faixa, mas com certeza meus irmãos
farão disso uma questão problemática. Thiago, porque adora
perturbar; Júnior, porque não aceita perder para mim nem no par ou
ímpar.
Maldita rivalidade ridícula.
— Romeu não merece essa faixa — Júnior rosna, e poderia
até me sentir ofendido se não conhecesse quem ocupou o útero da
minha mãe antes de mim. — Se meu pai ressuscitasse, com certeza
morreria de novo ao saber o que esse aí anda fazendo. Traidor.
Ah, não.
— Do que você está falando? — Minha mãe olha dele para
mim, sem entender nada. Pelo medo em seus olhos, deve estar
imaginando que estou traficando crianças, vendendo drogas ou
torcendo para o Vasco.
— Tá trepando com a filha do inimigo, aquela… — Antes que
ele consiga terminar a frase, passo por Thiago, por minha mãe e
agarro-o pela gola da camisa.
— Cuidado. Com. A. Próxima. Palavra. — Sou muito claro em
minha ameaça. — É ela quem vai definir se você continua com os
dentes dentro da boca.
— Romeu, para. Tá louco, porra? — Thiago me puxa de um
lado, mas meu braço sequer se mexe.
— Quem tá louco é ele, que não mede as palavras nem
mantém o respeito, mesmo com nossa mãe no quarto.
Continuo encarando Júnior, esperando uma reação. Mas, ao
contrário do que eu poderia imaginar, meu irmão ri de um jeito bem
debochado.
— Não está só trepando, né? Está apaixonado por ela. Você é
mesmo um idiota fraco, Romeu. Bem que meu pai dizia.
Esperado, mas, mesmo assim, dolorido. Porra, era meu pai. E
agora eu sei que, além de falar isso para mim, também falava para
os outros.
— Não estou nem aí para o que ele pensava a meu respeito.
Também não estou nem aí para o que você pensa. Só não saia
transformando esses pensamentos em palavras, Cláudio. É pro seu
bem.
Solto-o com um tranco, enquanto minha mãe assiste a tudo
horrorizada.
— Vocês são irmãos — ela diz com a voz embargada.
Quando olho para seu rosto, percebo que está em choque pela cena
que acabou de presenciar. — Meu Deus, onde foi que eu errei?
Graças a meu irmão, conseguimos tornar o momento ruim em
um ainda pior. Eu me sinto um merda por cair na provocação dele
com tanta facilidade.
— Ainda bem que não é você quem vai ficar no lugar do meu
pai — Júnior continua resmungando. — O Coliseu fecharia em um
mês.
Desta vez, a risada de deboche parte de mim.
— Aquilo vai fechar em um mês, comigo ou com você no
comando, seu otário. As contas estão aí, Júnior. Já conseguiu um
emprego? Não dá pra fingir ser o Rocky Balboa a vida inteira. Nosso
pai fez isso e agora a gente tá afundado até o pescoço.
Não estou mentindo ao dizer isso. Cada vez que olho para os
papéis que me mostram o quanto meu pai deixou de dívidas para
resolvermos, o desespero bate. Mas minha mãe não merece essa
preocupação, e Júnior não parece se importar. Com certeza sabe
que, mais uma vez, eu vou resolver a bucha sozinho — como o bom
idiota que sou.
Viro para minha mãe e meu peito se aperta. Ela está
assustada, então eu a abraço. Vim aqui com o intuito de ajudar na
arrumação, mas não tenho condições de ficar ouvindo merda sobre
Afrodite, sabendo muito bem o quanto estou apaixonado por ela.
— Desculpe, mãe. Isso não vai se repetir. — Pelo menos, não
na frente dela. — Eu volto outra hora, tudo bem? — Beijo sua
têmpora e ela assente, sem dizer mais nada.
Nunca tive medo de conflitos, mas não corro atrás deles e
tento evitar a todo custo os desnecessários. É por isso que saio do
apartamento com pressa, ainda mais irritado e frustrado do que
quando cheguei.
Achei que estar aqui com a minha família poderia me fazer
bem, talvez me ajudar a esquecer toda a decepção que venho
sentindo desde meu último encontro com Afrodite. Mas eu estava
redondamente enganado.
Porra nenhuma ajuda.
E a merda só piora quando ouço o barulho de notificação em
meu celular. Abro o aplicativo e, quando vejo que é de Afrodite,
quase desisto de abrir a mensagem. Só que a curiosidade vence.
Festa no Olimpo hoje. Comemoração do meu aniversário.
Gostaria muito que você estivesse aqui.
Para eu ser seu estepe enquanto você assiste de camarote a
Dionísio brincar de casinha? Para te ver fingir que está feliz por ele?
Para ficar olhando a mulher que amo sonhar com outro homem?
Não, muito obrigado, Afrodite.
Ainda me resta um pingo de orgulho e pretendo mantê-lo.
Capítulo 25
Afrodite

Quando o Olimpo está em festa — seja por qualquer motivo


—, os problemas do outro lado da porta geralmente desocupam
nossas mentes por algumas horas. Mas hoje não.
Hoje, só consigo pensar que Romeu fez sua escolha. E ela
não me inclui. Se incluísse, ele estaria aqui.
— Que cara é essa? — Ana Júlia senta-se ao meu lado, em
um dos bancos que fica na lateral do tatame.
Minha resposta se limita a um negar de cabeça, enquanto
puxo a barra do vestido curto que escolhi usar hoje. Nem consigo
encará-la neste momento.
— Dinda! Dinda! Dinda! — Meu gongo preferido me salva,
correndo com suas perninhas curtas e abanando os bracinhos
gorduchos. Os fios rebeldes do cabelo loiro e cacheado estão para
todos os lados, e é isso que a deixa ainda mais encantadora. — A tia
Kimomi me deu plesente.
Ela estende um kit de pintura enorme, que com certeza Flora
comprou durante a viagem de lua de mel.
— Ah, minha filha… Já sujou a roupa? — Ana Júlia aponta
para a enorme mancha laranja na frente da blusinha rosa. Só que
não há um tom de reprovação em sua pergunta, e sim a constatação
de um fato que se repete com frequência.
Íris é apenas uma criança de três anos, e graças aos céus que
Ana Júlia e Aquiles não colocam nela roupas que a fazem parecer
um miniadulto. Minha afilhada é livre para se sujar, para correr, para
fazer perguntas e expressar seus sentimentos. Coisa que eu não
sou.
Mas se eu fosse, o que falaria?
— Muito lindo, Íris. Faz um desenho de presente para mim?
Tem que ser muito bonito, hein. — Forço um sorriso para ela, que
acena de forma entusiasmada e se joga no chão, abrindo o kit e
tirando de lá os itens que vai precisar.
— Pintura, ballet e Jiu-Jitsu. Uma combinação interessante de
gostos — Ana Júlia comenta, sem tirar os olhos da pequena. De
novo, não consigo responder. O aperto no peito só aumenta a cada
minuto que passo aqui. — Ah, Afrodite… Por que você está assim?
— ela insiste.
— Não estou de jeito nenhum — minto. — Só cansada.
Treinei com seu marido durante horas antes da festa.
— E desde quando um treino com Aquiles te cansa? — Ana
Júlia questiona, desconfiada.
Pelo canto do olho, sei que seu rosto está voltado para mim,
porém não a encaro de volta. Não consigo. Se olhar para ela, vou
acabar chorando — e essa é a última coisa que quero fazer agora.
Então, ergo as costas e respiro fundo, tentando manter minha
dignidade intacta.
— Hoje cansou — é tudo o que consigo dizer, mesmo ela
sabendo que é mentira.
Acho que estou tão focada em não demonstrar o quanto a
ausência de Romeu me incomoda que nem noto a chegada de outra
pessoa.
— Ainda não tive a chance de te dar parabéns. — Olho para
cima, bem à minha frente, e vejo Flora parada ali. Sorrindo.
— Obrigada. — Sorrio de volta.
— Onde está aquele seu namorado causador de catástrofes?
— ela pergunta em tom de brincadeira, sentando-se do meu outro
lado no banco.
Por alguns segundos, apenas me permito encará-la. E, pela
primeira vez, não é o sentimento de inveja que toma conta de mim
quando estou tão perto da mulher que levou embora o homem que
sempre amei. Também não é indiferença. Na verdade, não consigo
entender muito bem o que sinto.
— Desculpe pelo que aconteceu no seu casamento. Não
pensei que Dionísio fosse reagir daquele jeito. — Mais uma mentira.
De repente, sou o Pinóquio. Só falta meu nariz crescer.
— Pensou, sim — Flora acusa, porém o sorriso continua em
seu rosto. — Mas está tudo bem. Um drama é sempre bem-vindo.
Ou esqueceu que coreanos fazem os melhores doramas?
Balanço a cabeça enquanto deixo uma risadinha escapar.
Flora não é burra. Diferente de seu marido, ela sabe como eu me
sinto.
— Mesmo assim, peço perdão. — Olho para frente, na direção
de onde todos os meninos estão conversando.
Aquiles e Dionísio riem alto de alguma coisa que Apolo falou,
enquanto Eros acena vigorosamente, como se garantisse a
veracidade da história.
Por um lado, meu coração está cheio, até quentinho. Estou
cercada de pessoas que amo, e que me amam de volta. Por outro,
sinto como se houvesse um vazio em meu peito.
A ausência de Romeu me incomoda mais do que gostaria de
admitir.
— Mas você não me respondeu — ela diz, revezando olhares
entre mim e Ana Júlia, que permanece calada. — Onde está o
bonitão? Porque, cacete, o cara é lindo, Afrodite. Você mandou muito
bem.
— Mandou mesmo — Ana Júlia concorda. — Ele é uma
delícia!
Sim, ele é uma delícia. E carinhoso, atencioso, inteligente,
gentil, beija bem, tem uma pegada fora do comum e…
— Merda — solto em voz alta.
— O que foi? — as duas perguntam ao mesmo tempo.
— Ele não sabe que penso isso, não é mesmo? — questiono,
recebendo como resposta expressões confusas. — Ele não tem
ideia! E uma mensagem não é o suficiente para explicar.
— Do que você está falando, querida? — Ana Júlia pergunta,
colocando uma mão na minha perna.
Levanto-me do banco e sigo direto até Dionísio, ignorando
todo o meu bom senso. Assim que estou perto o suficiente, puxo-o
para um abraço apertado.
Sinto seu cheiro enquanto braços musculosos me envolvem.
Mas não sinto nada além disso. Meu coração não está acelerado,
nem meu estômago está apertado.
Não há nada além de um carinho enorme.
— Eu te amo — sussurro as palavras que sempre quis dizer
em um outro contexto.
— Eu também te amo — ele responde, me apertando um
pouco mais.
— Estou muito feliz por você e pelo seu casamento. Não sei
se já disse isso.
— Está dizendo agora. — Dio deixa um beijo na minha
têmpora e finalmente me afasto. O melhor de tudo é que, desta vez,
sei que estou me afastando de verdade. Então, sorrio para ele.
Sorrio com uma leveza no peito, um alívio que há muito tempo
não sentia.
Sorrio com esperança. Não uma esperança tola de que um
homem casado possa ser meu, e sim de que, pela primeira vez em
muito tempo, não sentirei dor ao vê-lo com outra.
Sorrio porque nossos sentimentos estão alinhados.
— Por que só o Dionísio recebe abraço da aniversariante? —
Apolo implica.
Sem pensar duas vezes, jogo-me sobre ele. Sou erguida do
chão e rodopiada no tatame.
— Também quero — Eros comenta e, de repente, Apolo me
entrega a ele como se eu fosse uma boneca de pano.
Antes que eu me dê conta, sou passada de mão em mão no
Olimpo, recebendo todo o amor que uma garota precisa para ser
feliz.
Ou quase todo. Porque tem alguém faltando aqui.
O último colo que paro é o de meu pai. De repente, tudo que
aconteceu nos últimos tempos parece me bater com força, e sinto
uma vontade louca de chorar. Só que meu orgulho me obriga a
apenas abraçá-lo com força. Esta é uma época complicada para mim
e, melhor do que ninguém, ele entende isso.
Assim como Romeu fez com Íris lá em casa, papai me segura
com a mesma dose de firmeza e carinho, o que me deixa ainda mais
perto de quebrar. O abraço traz lembranças demais, e por isso não o
largo por muito tempo.
Quando finalmente devolve meus pés ao chão, meu pai não
faz menção de se afastar, apenas permanece com os braços me
envolvendo — os mesmos que sempre me envolveram quando
precisei — e beija o topo da minha cabeça.
— Ela estaria tão orgulhosa de você… — sussurra, e essas
poucas palavras me empurram do precipício.
Molho sua camisa com a saudade de alguém que nunca tive,
do cheiro que nunca senti, do carinho que tanto precisei, porém
nunca recebi. Meu pai é o melhor homem do mundo, e sempre fez
de tudo para que nada me faltasse. Mas, às vezes, tudo o que eu
queria era ter uma mãe. Alguém para me abraçar e dizer que tudo
vai ficar bem. Uma mão suave passeando pelo meu cabelo enquanto
me consola da dor.
E saber que fui a responsável por sua ausência, por sua
morte, só me deixa ainda mais quebrada.
— Pai, o que eu faço? Por favor, me diga o que eu faço —
peço, imploro, rogo por ajuda.
— Ei, olhe para mim. — Ele me afasta um pouco,
emoldurando meu rosto com o mesmo afeto que sempre me deu. —
Você é a Afrodite. A mulher mais linda, por dentro e por fora, que
esse mundo já viu.
O choro aumenta.
— Eu não… — começo a falar, porém sou cortada.
— É, sim. E não há nada neste mundo que me deixe mais
feliz do que ter você como filha. — A declaração vem seguida de um
beijo na minha bochecha molhada. — Eu só quero que você tenha a
mesma felicidade, não importa de onde ela venha.
Perceptivo, papai.
— Estou tão confusa… — confesso.
— Não fique. Está na hora de você correr atrás do que quer,
minha filha. Acho que já aprendeu que, quando não fazemos
acontecer, outra pessoa faz. — Discretamente seu olhar vagueia
para o lado oposto do tatame, e sequer preciso acompanhá-lo para
saber que está olhando para Dionísio e Flora.
Óbvio que ele sabe. Estranho seria não saber.
— E se… eu quiser o Romeu? — sussurro as palavras que
me dão medo, esperando a reação negativa de meu pai.
— Se é ele quem você quer, então vá até a casa daquele
bunda mole e não saia de lá até seus desejos se tornarem realidade.
Estou muito feliz que você conheceu alguém novo. E confio em você,
Afrodite. Confio nas suas escolhas. Mais ainda, confio no seu
coração.

✽✽✽

Quando bato à porta de Romeu, não sei se é raiva, frustração


ou esperança que estou sentindo. Também não importa. Passei as
últimas horas desejando que ele estivesse ao meu lado, e sou
mulher o suficiente para fazer com que meus desejos se tornem
realidade.
Meu pai tinha razão.
Se Maomé não vai à montanha, então a montanha vai a
Maomé.
Soco a porta mais três vezes. Desta vez, escuto um “já vai”
vindo lá de dentro. O problema é que eu não estava preparada para
o que aparece à minha frente quando a porta finalmente se abre.
Um Romeu de toalha, ainda molhado e um tanto ofegante.
Ah, puta merda.
— Você não apareceu no Olimpo — declaro, cruzando os
braços na frente do corpo.
— Como foi que você entrou no prédio? — ele pergunta,
ignorando meu comentário.
— Uma mulher estava saindo e me deixou entrar. Você não
apareceu no Olimpo — repito, fazendo o máximo de esforço para
encarar apenas os olhos dele, em vez de acompanhar as gotículas
de água que descem pelo peitoral musculoso.
— Por que eu deveria ter ido, Afrodite? Não estava a fim de
ver você olhando de forma apaixonada para Dionísio.
— Eu não…
— Vamos parar com isso, tá bem? — Romeu me interrompe,
e logo começa a esfregar o rosto com as mãos. — Cansei dessa
brincadeira de namoro falso. Eu te disse como me sentia e não estou
a fim de me contentar com uma mentira, sendo que tudo o que mais
quero é a porra da verdade.
Não sei o que é pior: ouvir as palavras ou ver a
vulnerabilidade no rosto de Romeu.
Estou acostumada a homens bonitos e arrogantes. Estou mais
do que acostumada a homens que enxergam a falta de exposição de
sentimentos como uma forma de valorização da masculinidade. E
Romeu não é assim — em sentido nenhum.
Ele não se esconde, não finge. Apenas diz o que quer, o que
pensa, o que sente, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Então, sorrio.
— Também não quero um relacionamento falso — revelo
aquilo que grita dentro de mim.
O choque em seu rosto chega a ser cômico.
Com aqueles olhos expressivos, ele me encara por uma
quantidade assustadora de tempo, tentando entender o que eu quis
dizer com a frase. Confesso que também não sei, e acho que foi este
o motivo que me levou a abandonar minha própria festa e vir até
aqui.
Preciso descobrir como me sinto em relação a Romeu, mas,
principalmente, preciso ter certeza de que superei Dionísio.
Agora, olhando para o homem que esteve ao meu lado
durante as últimas semanas, não me resta dúvidas de que sou capaz
de seguir em frente.
É por isso que dou um passo em sua direção, tentando
segurar o nervosismo e o medo de mais uma rejeição. Com as mãos
trêmulas e hesitantes, encosto no peito molhado.
Respirar, de repente, ficou difícil. Falar também. Não há um
pingo de racionalidade em mim quando sinto o coração de Romeu
bater forte, quase tão forte quanto o meu.
Então, sem temer as consequências dos meus atos, deposito
um beijo ali. Depois outro. E mais um. Mais outro.
A cada beijo, sinto as gotas de água, o calor da pele e o
perfume de quem acabou de sair do banho. Só que não é isso o que
me dá vontade de continuar, e sim a consciência de que eu quero
Romeu.
Um desejo que há muito tempo não sentia — pelo menos não
sem a sensação de culpa acompanhando.
— Afrodite… — Um aviso soa na voz grossa, como se me
alertasse de que estou entrando em terreno perigoso.
— Romeu? — Beijo bem em cima do coração de novo e, com
a boca ainda colada em sua pele, ergo o olhar. O que vejo refletido
no dele é uma mistura de fogo e confusão.
Com uma mão me segurando pela cintura e outra
emaranhada nos fios da minha nuca, ele me obriga a encará-lo.
— O que você está fazendo?
O aperto no meu cabelo faz com que arrepios subam pela
coluna. E, agora, manter os olhos abertos também é difícil.
— Não é óbvio? — rebato em um sussurro.
— Quando o assunto é você, nada é óbvio. — A declaração
me faz erguer o canto dos lábios em um sorriso torto.
Desta vez, não preciso tomar muita coragem para falar aquilo
que está em minha mente. Estou tão inebriada e louca por libertação
que as palavras saem com facilidade.
— Vim brigar com meu namorado por ele não ter aparecido na
festa — declaro, sem tirar os olhos de Romeu. — Só que ele estava
tão gostoso quando abriu a porta que achei melhor fazer… outra
coisa.
Sinto um rosnado vibrar em seu peito, que faz meu sorriso
aumentar.
Preciso que Romeu se renda a mim, porque tudo o que mais
desejo é me render a ele também.
— Você não quer fazer outra coisa comigo? — Deixo a língua
escorregar por meu lábio inferior enquanto mantenho os olhos
presos nele.
De repente, sou virada no lugar e imprensada contra a parede
do corredor. O rosto de Romeu paira a centímetros do meu, tanto
que sinto seu hálito morno e mentolado quando ele diz:
— Há anos sonho em te foder bem gostoso. Quero fazer sexo,
amor e outras coisas com você, Afrodite. Mas não sou a porra de um
estepe para ser usado quando for conveniente, e ignorado no dia
seguinte.
Meu corpo inteiro estremece com a declaração, a ponto de eu
dar graças a Deus que estou sendo pressionada contra a parede,
senão eu provavelmente desceria até o chão. Minhas pernas
perderam a firmeza, meus músculos viraram gelatina, meu cérebro
derreteu e meu ventre ficou contraído.
O Romeu bonzinho, que faz piadinhas ruins e me dá apelidos
bobos, já me encanta. Mas esse aqui, que fala que quer me foder,
que me segura dessa forma e que me olha como se pudesse me
devorar, é a minha perdição.
Olho para o homem à minha frente, enxergando-o com
facilidade pela primeira vez. O nariz reto; os olhos castanhos,
pequenos e ligeiramente puxados; a boca grossa, em forma de arco;
o maxilar desenhado… Até mesmo as orelhas desse desgraçado são
bonitas, sem falar na porra da pinta charmosa que ele tem na testa,
no fato que sua altura me faz sentir pequena e frágil, e nos músculos
perfeitamente esculpidos.
Como fui cega a ponto de não perceber que Romeu é a porra
de um deus grego?
— Você está muito longe de ser um estepe — sussurro,
sentindo as lágrimas de alívio se formarem atrás dos meus olhos,
porque sei que é a mais pura verdade. Falo porque quero falar, não
porque quero me enganar, e isso é libertador. — E eu sou sua… se
quiser.
Capítulo 26
Romeu

Eu sou sua.
Espero essas palavras há tanto tempo que, quando as escuto,
não tenho certeza de que são verdade. Acho que estou delirando,
talvez sonhando acordado, não sei… Mas o resultado é o mesmo:
fico estático, apenas olhando para a mulher mais linda que já vi e
esperando o balde de água fria. Talvez alguém gritar “pegadinha do
malandro”, ou algo assim.
Porque não é possível que Afrodite tenha me escolhido.
Já deixei claro o que sinto, bem como o que não aceito.
Mesmo assim, ela disse “eu sou sua”.
— Você me quer, Romeu? — pergunta, e posso ouvir a
vulnerabilidade em seu tom. É justamente isso o que me tira do
transe e me traz de volta à realidade.
— Eu te quero há uma década, Afrodite — declaro. — A
pergunta é: você tem certeza de que está pronta?
Ela apenas acena com a cabeça, mas é o sorrisinho em seus
lábios que me garante a verdade e faz meu corpo inteiro reagir à
proximidade. Com a sede de quem está sem água há dias, ataco sua
boca em um beijo que beira a loucura. Não há reservas no modo
como a devoro. E o melhor de tudo é sentir que ela retribui com a
mesma intensidade.
Foda-se se estamos na porra do corredor. Os lábios carnudos
são deliciosos demais para serem ignorados.
É a porra do paraíso.
Imprenso meu corpo contra o dela, mostrando exatamente o
quanto suas palavras me afetam. Esfrego-me nela sem pudor,
sentindo o prazer se alastrar e aquecer minha pele quando Afrodite
solta um gemido baixo.
O beijo dela se torna meu universo inteiro, tanto que nem
percebo quando minha toalha despenca da cintura e vai ao chão.
Apenas beijo-a com mais força, permitindo que minha língua a
domine e as mãos descubram as curvas de seu corpo com
voracidade.
Afrodite se entrega, cravando os dedos no meu cabelo
enquanto puxo-a pela bunda e a trago para mais perto. Não há um
mísero centímetro entre nós, e odeio cada peça de roupa que me
impede de fazer o que mais quero nesta maldita vida.
Com a necessidade falando mais alto do que meu bom senso,
esqueço que o resto do mundo existe e me concentro apenas em
como é tê-la em meus braços, me beijando como se nada mais
importasse. Como se eu fosse o ar em seus pulmões e o sangue em
suas veias.
Não sei qual de nós dois se move primeiro, só sei que estou
empurrando a porta de casa com os pés, fechando-a atrás de mim.
Então, começo a arrastar Afrodite até onde quero: minha cama.
Ela chuta os sapatos no meio do caminho e quase tropeça em
algum momento, porém envolvo-a pela cintura e garanto que fique
colada a mim. Nada é capaz de nos afastar agora. Não quando
realmente a tenho.
Meu coração martela dentro do peito, já minha ereção pulsa
em desespero contra a barriga dela. A necessidade de conhecer seu
corpo com a boca é quase alucinadora, e ainda bem que chegamos
ao nosso destino, porque não sei por quanto tempo sou capaz de
aguentar.
Arremesso Afrodite na cama, mas me mantenho de pé. Ela
me encara ofegante, me analisando de cima a baixo. Como sempre,
seu rosto diz tudo o que eu preciso. O tesão está ali, o desejo cru.
Mas ainda não é o suficiente.
— Vou consumir você, mulher. De mais formas do que
imagina. Quero que você acorde pensando em mim e durma
sonhando comigo — declaro com firmeza, sem tirar os olhos dela. —
Quero ser o único homem na sua vida e na sua mente. Preciso
disso, Afrodite. Tem certeza de que está preparada? Porque eu não
faço nada pela metade. E se você vai ser minha, então será só
minha.
Pode parecer frase clichê de cara que promete muito mais do
que cumpre, mas não é esse o caso. Só quero que ela tenha
consciência do que estamos prestes a fazer, de como serão as
coisas daqui para frente.
— Romeu, por favor… — ela pede em um sussurro,
esfregando uma perna na outra.
É tudo o que preciso ouvir para me deitar sobre a mulher dos
meus sonhos, afastando suas coxas grossas para me encaixar entre
elas.
— Você me quer? — Esfrego-me nela, sentindo sua calcinha
já molhada.
— Agora, Romeu, por favor. — Ouvi-la implorar é como
música para os meus ouvidos, e meu estado de semidesespero só
piora quando ela começa a rebolar contra mim.
O beijo que segue é uma colisão de necessidade, e não tenho
mais como esperar, principalmente ao senti-la arranhar minhas
costas com as unhas. Desço a boca por sua clavícula, arrastando as
alças do vestido e expondo os seios empinados.
Por um minuto, me permito admirar a pele branca, a aureola
rosada e o tamanho ideal para caber em minha boca. Escorrego a
mão por um dos seios, sentindo a textura da pele lisa contra minha
palma calejada, e ela geme com esse simples toque.
Gostosa.
Perfeita em cada maldito detalhe.
No instante que chupo um dos bicos com força, Afrodite
arqueia a coluna e deixa um gemido alto escapar, seguido de um
arfar de alívio, como se estivesse esperando por isso. Suas mãos
começam a percorrer meu corpo e, a cada centímetro, meu desejo
aumenta.
Sem um segundo pensamento, continuo descendo o vestido e
revelando mais da pele macia. Faço o que quis desde o início e
passeio com a boca por cada curva, adorando a sensação que me
causa. Mais ainda, adorando o que causa nela, porque Afrodite se
contorce sob mim, apertando meu cabelo com mais força.
Ela murmura meu nome, que parece uma reza escapando dos
lábios inchados pelos meus beijos.
Quando o vestido está embolado na cintura, ergo-me do
colchão e me sento de frente para ela. Vejo o subir e descer
acelerado do peito, as bochechas rosadas, os olhos nublados de
tesão… tudo perfeito para que eu tenha ainda mais certeza de que
não existe outra mulher no mundo igual a Afrodite. Porque ela não é
só uma deusa no tatame: é uma rainha na minha cama. E, a partir de
agora, será devidamente reverenciada.
Bem devagar, termino de remover o vestidinho indecente que
ela usa, deixando-a só de calcinha. Uma calcinha minúscula, branca
e rendada, que me obriga a virar o pescoço de um lado para o outro
com a tensão acumulada.
— Alguém já te disse que você é perfeita? — Lembro-me de
dizer que ela era linda pra caralho, porém nada se compara à visão
de agora.
Enquanto nega com a cabeça, seguro seu pé esquerdo e
trago-o até minha boca, depositando um beijo ali também. Afrodite
estremece e não consigo conter o sorriso. Desço beijos pela sola,
chegando ao tornozelo e seguindo até a batata.
Tudo é beijado, tocado, provado. Não consigo manter a boca
longe dessa mulher, também não faço muito esforço para me negar
daquilo que quero. Mesmo que ela apenas esteja deitada, recebendo
o que tenho a oferecer, sou recompensado por seus ofegos e
gemidos, enquanto vejo-a tremer e apertar o lençol com força.
Primeiro, vou até o joelho de uma perna. Depois, repito com a
outra. Não tenho a menor pressa de sair daqui, mesmo que meu pau
já esteja dolorido com o cheiro de excitação que ela exala.
Absorvo cada um dos movimentos, prestando atenção para
saber quais são os pontos fracos dela — e acabo sorrindo quando
Afrodite agarra meu cabelo no instante que beijo o interior de sua
coxa.
— Romeu, por favor… — A combinação dessas três palavras
tem o mesmo efeito de um narcótico.
— Vou tirar sua calcinha agora e descobrir se essa sua boceta
faz jus ao apelido que te dei, meu mel.
Cumpro com a promessa e, bem devagar, liberto-a da
pequena peça, sendo recompensado com a imagem dela molhada e
inchada para mim. Por um minuto, apenas fecho os olhos, inspiro
fundo e me acalmo. Preciso exercer toda a minha força de vontade
para não afastar suas pernas e meter bem fundo de uma só vez.
Depois, abro os olhos e a encaro, sabendo muito bem que,
pela primeira vez, a minha expressão é a mais cristalina entre nós.
Não posso esconder o quanto Afrodite me afeta. E se meu rosto não
deixasse isso claro, com certeza o resto do meu corpo cumpriria a
missão. Meu pau lateja, se movendo sozinho como se quisesse
seguir para dentro dela.
Sou tomado por um calor nímio, quase febril, até que
finalmente me rendo e deito no colchão, com a cabeça entre as
pernas torneadas.
O cheiro doce invade meus pulmões, e acaricio sua boceta
com o nariz, deixando que o aroma que é só dela me domine. Vou
me lembrar desse perfume no dia que eu morrer, e morrerei feliz.
Então, me dou conta do que o pequeno gesto fez com ela
também. Afrodite não consegue ficar parada, segurando meu cabelo
com uma mão e o lençol com a outra. Tão inebriada quanto eu. Tão
perdida e desesperada por mais.
Resolvo que está na hora de acabar com essa tortura e deixo
minha língua tomar conta.
Uma lambida e sei que nunca mais quero provar outra mulher.
— Ah, meu mel… — é tudo o que consigo dizer antes de
beijar sua boceta como se fosse aquela boca deliciosa.
Beijo, sugo, lambo e mordisco o clitóris até que Afrodite esteja
gritando incoerências e se esfregando na minha cara. Sou
surpreendido de uma forma positiva ao ver que, cheia de tesão, ela é
uma mulher sem reservas. Pede por seu próprio prazer sem
vergonha alguma. Busca por ele sem pudor.
E eu amo isso. Amo saber que somos iguais.
Não consigo parar, muito menos me controlar.
Seguro-a com força pelas coxas enquanto afundo o rosto
entre elas, sentindo seu prazer me lambuzar.
— Por favor… — Seu gemido é quase um choro baixinho. E
quando intensifico as investidas, ela se solta: —Não para! — grita
com as duas mãos no meu cabelo enquanto ergue o quadril e rebola
mais rápido. Minha língua é dela para que use como bem entender, e
viverei feliz para sempre enquanto isso for verdade.
Fricciono contra a cama, tentando aliviar meu desconforto.
Mas então Afrodite goza em minha boca e todo o resto desaparece.
O rosto dela ao se perder no clímax é a coisa mais linda que
já vi, e seu sabor fica ainda mais viciante. Não deixo nada escapar,
lambendo tudo como se fosse minha última refeição.
— Caralho… — xingo enquanto subo as pontas dos dedos
pelo interior da coxa trêmula. Então, acaricio o clitóris inchado e
sensível, fazendo com que Afrodite arregale os olhos. — De novo?
— pergunto com um sorriso. — Ou prefere de outro jeito?
Sento-me na cama e seguro meu pau duro feito pedra,
bombeando um pouco para ver se alivia minha dor.
Só que minhas mãos não querem me tocar. Elas anseiam por
mais de Afrodite, e logo me libero para acariciá-la de novo.
— De outro jeito… — ela responde, imitando meu sorriso.
— Quer meus dedos? — ofereço, arqueando uma
sobrancelha.
— Não. — Afrodite passa a língua pelo lábio inferior, antes de
mordiscar o canto da boca. — Quero você dentro de mim, Romeu.
De novo, música para meus ouvidos.
Tudo que essa mulher fala é puramente afrodisíaco.
— Então, fique bem quietinha aí. Se você mexer um
centímetro, acabaremos a noite agora — declaro, olhando para ela
com uma determinação diferente.
Acho que ela percebe a mudança no meu tom, porque não diz
nada, apenas me observa com uma curiosidade nova, enquanto seu
peito continua descendo e subindo ofegante.
— Já volto. — Saio da cama em um pulo, mas não faço
menção de deixar do quarto. Aproximo meu rosto do dela e a beijo
com força. — Olha só como você tem um gosto bom pra caralho.
Antes que ela possa responder, viro as costas e sigo até o
banheiro, pegando da gaveta alguns pacotes de camisinha — porque
uma só não será o suficiente para o que tenho planejado hoje.
Quando retorno ao quarto, não consigo conter o sorriso ao ver
que Afrodite me obedeceu.
Quem diria… Pensei que ela faria o contrário, só para implicar.
Pelo visto, nós dois somos um pouco diferentes quando estamos
entre quatro paredes.
Mantendo o olhar preso nela, visto a camisinha e volto para a
cama, deitando-me entre suas coxas. Sem romper o contato visual,
deixo um dedo descer para sua boceta, verificando se ainda está
molhada.
Enfio um primeiro, depois adiciono outro.
— Você é tão linda… — sussurro. — Porra, você é perfeita.
Beijo-a no exato momento que removo os dedos, substituindo-
os pela minha ereção.
Afrodite solta um gritinho quando a invado de uma só vez,
mas está tão molhada que escorrego com facilidade para dentro
dela. Sem que eu precise pedir, suas pernas envolvem minha
cintura, fazendo com que eu chegue até o fundo.
É minha vez de deixar um gemido escapar.
— Caralho — rosno com o rosto enfiado em seu pescoço,
porém não me mexo. Apenas permito que ela se acostume ao meu
tamanho enquanto beijo-a devagar.
Afrodite é quente, molhada e muito apertada. Preciso fechar
os olhos para me controlar, porque… puta que pariu, essa mulher vai
ser a minha destruição.
Quando ambos estamos desesperados, e não sou mais capaz
de me conter, começo o vaivém.
Cada estocada é mais gostosa que a outra, fazendo com que
arrepios se misturem ao suor que começa a se formar em minhas
costas. Afrodite crava as unhas nos meus ombros e me encontra a
cada impulso, acompanhando o ritmo, que fica mais acelerado.
O quarto se preenche com gemidos e o aroma de nossos
corpos se conectando. Olho para ela enquanto nos movemos em
sincronia, o prazer ganhando intensidade com os movimentos, e
Afrodite me encara de volta.
Mas é a tensão em seu corpo e as contrações ao redor do
meu pau que me mostram o quanto ela está perto de outro orgasmo.
Então, coloco-me sentado na cama. Saio de dentro dela,
empurrando suas pernas para cima, até que a bunda esteja longe do
colchão, e enfio o rosto em sua boceta.
— Ah! — ela grita em surpresa, porém não paro o ataque com
a língua, sentindo a mistura de nossos sabores.
Antes que Afrodite possa chegar ao orgasmo, desço seu
quadril de novo e, ainda sentado, retorno para dentro dela. Sei que
está sensível pelas lambidas e que qualquer movimento a fará gozar
em meu pau. Então, desta vez, vou com força. Fundo. Rápido.
Ouvindo os sons estalados das nossas peles.
Afrodite continua gemendo alto, os seios balançando com o
impacto das estocadas. Não paro, não consigo parar. O calafrio sobe
por minhas costas e sei que também estou quase lá.
— Vem comigo, gostosa. Goza agora — peço, esfregando seu
clitóris enquanto bombeio.
Uma luz forte brilha atrás dos meus olhos e o sentimento mais
intenso que conheci me domina. Ondas de êxtase percorrem meu
corpo e começo a latejar dentro dela, despejando todo o desejo que
tenho por essa mulher.
Impulsionada pelo meu orgasmo, Afrodite alcança o dela,
gritando meu nome enquanto se contrai ao meu redor.
Isso intensifica tudo: é meu nome que ela está gritando. É por
mim que ela está clamando. E eu me sinto o filho da puta mais
sortudo do mundo só por ter o privilégio de assistir a isso.
Desmorono sobre ela, tentando segurar meu peso com os
braços. Mas quando ela me envolve, sei que pouco se importa se a
estou esmagando.
Sinto nossos corações acelerados e as respirações erráticas,
mesmo assim, sou incapaz de me mover agora.
— Nunca… — Pigarreio, fazendo força para conseguir falar.
— Nunca foi assim — confesso.
— Nunca foi assim — ela repete.
Usando toda a energia que ainda me resta, saio de dentro
dela e tombo ao seu lado na cama, puxando-a para se deitar em
meu peito. Onde é seu lugar.
Depois de alguns minutos em silêncio, apenas curtindo os
choques de prazer, deposito um beijo em sua testa suada. Arranco a
camisinha, dou um nó e jogo-a no chão. Foda-se. Em breve, outras
se juntarão a ela.
— Eu sabia que você tinha um lado dominador — Afrodite
sussurra e posso sentir seu sorriso.
— Não sou dominador, meu mel. Só gosto de saber que você
é minha para eu fazer o que quiser.
Ela nem chega a responder. Quando olho em sua direção,
Afrodite já está dormindo.
Capítulo 27
Afrodite

Romeu cumpriu com sua promessa, porque a primeira coisa


que penso ao acordar é ele. Ele e tudo o que fez comigo ontem à
noite.
Sinto os efeitos em meus músculos doloridos, além de uma
parte bem específica estar deliciosamente ardida.
Céus! Ainda nem acordei direito e já preciso de mais. Mais
sexo, mais orgasmos, mais beijos, mais de suas mãos me apertando
com força e me dominando daquele jeito maravilhoso.
Nunca foi assim. Nunca.
Transar sempre foi… ok. Quase como uma necessidade
básica sendo saciada. Mas Romeu me mostrou que pode ser muito
mais do que isso. E as lembranças de como ele me fodeu
divinamente bem só provam que eu estava fazendo sexo errado.
Talvez com as pessoas erradas.
Estremeço com a vontade de senti-lo dentro de mim outra vez
e estico a mão em busca dele, porém a única coisa que sinto é o
lençol gelado e a cama vazia.
Na mesma hora, arregalo os olhos e crio consciência de que
estou sozinha.
“Será que ele foi embora?”, pergunto-me mentalmente, porém
logo percebo que estou sendo idiota. Ele não sairia da própria casa
só porque se arrependeu, não é? Então, a pergunta mais óbvia se
forma: “Será que ele se arrependeu?”.
Sinto o nervosismo me dominar e sento-me na cama, olhando
para os lados em busca de algum sinal dele. Só que, com a porta do
quarto fechada, tudo o que vejo é a minha solidão.
Mas depois de tudo o que ele disse ontem…
— Coragem, Afrodite — falo baixinho para mim mesma e me
levanto da cama, enrolando meu corpo nu com o lençol branco.
O sol entra forte pelas janelas, o que me diz que o dia
amanheceu há algumas horas. Mas, como meu celular ficou dentro
da bolsa, que provavelmente está jogada em algum canto dessa
casa, não posso verificar.
Espero que ninguém tenha ligado atrás de mim depois que saí
correndo do Olimpo.
Com passos hesitantes, saio do quarto enquanto tento
controlar as batidas erráticas em meu peito.
Eu não deveria estar assim, tão… afetada depois de uma
noite de sexo gostoso. Mas é isso o que acontece quando se tem
uma boceta carente e um coração que só se entrega a pessoas
erradas.
“Por favor, que Romeu não seja errado. Por favor, que Romeu
não seja errado”, recito o mantra várias vezes até criar coragem de
chegar à sala.
É então que meu mundo desaba.
Parado de frente para a janela, e de lado para mim, Romeu
está usando apenas uma bermuda de moletom enquanto segura a
caneca de café. Perdido em pensamentos, ele nem nota a minha
presença, e aproveito o momento para soltar o ar em alívio.
Ele não foi embora. Ele continua aqui.
Mordo o lábio inferior para controlar o sorriso.
— Você não estava na cama — falo baixinho e ele vira o rosto
para mim.
Então, percebo que esse homem pode ficar ainda mais
irresistível, porque os óculos redondos que usa têm um efeito direto
nos meus hormônios.
Ah, não. Lindo, gostoso e com cara de intelectual? Puta
merda, são tantas fantasias ao mesmo tempo que chego a ficar
tonta. Só que não tenho como processá-las, porque, para piorar a
minha situação, ele abre um sorriso preguiçoso antes de dizer:
— Acordei muito cedo. Não queria despertar a Bela
Adormecida. — Romeu coloca a caneca na mesa de estudos e vem
até mim, envolvendo-me pela cintura. Como se fosse a coisa mais
natural do mundo, ele abaixa o rosto e começa a beijar meu
pescoço, o que me deixa toda arrepiada. — Vai que ela vira um
dragão.
Nem tenho como absorver a brincadeira disfarçada de insulto,
já que os beijos descem para a minha clavícula e as mãos seguem
para a minha bunda, puxando-me para mais perto.
— Humm… — é tudo o que consigo falar neste momento.
— Dormiu bem? — A pergunta chega abafada, afinal, sua
boca não deixa a minha pele por um segundo sequer.
— Humm… — Jogo a cabeça para trás enquanto seguro
Romeu pelo cabelo, odiando a ideia de que ele possa se afastar.
Acho que minha incoerência é cômica, porque ele solta uma
risadinha.
— Vou interpretar isso como um sim. — Sua boca finalmente
deixa a minha pele e ele me encara, sorrindo.
Permito-me analisar seu rosto mais uma vez, enquanto uma
alegria me invade o peito, de um jeito novo e inexplicável. Sim, o
sexo foi divino, mas é algo mais.
Algo que não quero nunca mais deixar de sentir.
Ele tenta dar um passo para trás, mas puxo sua mão, porque
a ideia de ele se afastar me causa uma estranha sensação de
embrulho no estômago.
Beijo-o novamente, me entregando com força ao momento.
Seu gosto, seu calor e tudo o que diz respeito a Romeu, de repente,
é o que preciso.
Às vezes, pessoas que nunca imaginamos querer por perto
entram em nossas vidas como furacões — no caso de Romeu, como
um arco-íris depois da tempestade —, e a gente não sabe mais
como viver sem elas.
É exatamente assim que me sinto, e não consigo parar de me
perguntar como era minha vida algumas semanas atrás, antes de ele
chegar sorrateiro e dominar meus pensamentos. Parece tão distante
e irreal…
— Acho que você está vestida demais — Romeu resmunga,
fazendo bico. — Por que está com esse lençol enrolado no corpo
quando poderia me dar a melhor visão do mundo, meu mel?
— Porque nem todo mundo tem a confiança de deixar a toalha
cair no corredor — brinco sobre a situação da noite passada. Nosso
tesão era tanto que praticamente cometemos atentado ao pudor. O
pior é que sequer me arrependo. — E você também está vestido.
— Podemos resolver isso agora. — Ele volta a beijar meu
pescoço e amoleço. — Vem cá, me deixe te ajudar com isso.
Meu corpo estremece quando corre as mãos sobre meus
ombros, descendo bem devagar até a barra do lençol. Ele planta
outro beijo em meu pescoço quando puxa o tecido para baixo, me
deixando completamente nua.
Romeu me admira por um instante, antes de se ajoelhar
diante de mim. Os dedos ásperos roçam minha cintura enquanto as
mãos descem pouco a pouco. Quase torturantes. Quando ele chega
na altura da minha bunda, me puxa para mais perto, deixando minha
região mais sensível de frente para seu rosto.
Olho para baixo por um instante, mas, quando ele beija o
interior da minha coxa, não consigo suportar e jogo a cabeça para
trás.
— Estou viciado nessa boceta. Minha boca já está com
saudade. Minha boca, meu pau, meus dedos… Eu passaria a vida
aqui, se você deixasse. — As palavras mexem com tudo dentro de
mim, então enfio meus dedos entre os fios curtos, incitando-o a
continuar.
Já estou latejando de tesão e ele nem começou.
Quando sua boca roça minha pele sensível de desejo, uma
onda de prazer atravessa meu corpo, quase me derrubando. Agarro-
o mais forte para me equilibrar.
— Não, espera — aviso, só que ele não me ouve. — Espera,
Romeu. Minhas pernas não estão obedecendo.
Dando risada, ele se levanta. Com um único movimento,
passa o braço pelas minhas coxas, me levantando como se eu não
pesasse nada.
Envolvo-o pelo pescoço e Romeu me coloca sentada em cima
da bancada de granito que divide a cozinha da sala, me deixando de
frente para ele.
As mãos grandes abrem caminho por minhas pernas,
afastando-as ao máximo. Então, inclina o corpo, mas a boca muda
de rota. Os lábios envolvem meu seio, enquanto os dedos descem
para onde mais preciso dele.
Primeiro, brinca devagar, incitando e provocando pelo que
parece uma eternidade. Não reclamo, apenas sinto a necessidade se
elevar. Solto um gemido agudo quando finalmente ele enfia um dedo
dentro de mim, entrando e saindo, me lambuzando com meu próprio
prazer.
Sua boca alterna entre um seio e outro enquanto seus dedos
trabalham, incansáveis. O prazer é tão intenso que um pensamento
me vem, um pouco nublado pelo desejo, mas estarrecedor na
mesma medida. Sei que não é o momento, mas preciso falar. Preciso
que ele saiba que estou arrependida.
— Como nunca reparei em você, Romeu?
Ele ri, mas não responde. Provavelmente não leva a sério
minha revolta, só continua me beijando e torturando com os dedos,
como se o mundo fosse acabar hoje.
— Não, é sério. — Encontro um fiapo de voz, porque, de
repente, me sinto indignada comigo mesma. — Como eu pude
passar tanto tempo sem olhar na sua direção, caramba?
Acho que minha voz sai chateada o bastante para fazê-lo
parar com os beijos por um momento. Ele me fita com os olhos
baixos de tesão e dá de ombros.
— Não importa. O que importa é que, agora, você está aqui.
— Os dedos continuam a entrar e sair, e sua voz sai abafada quando
ele volta a beijar meu corpo.
— Sim, estou aqui.
— E não vai embora tão cedo — ele decreta, e só me resta
concordar. Em seguida, Romeu volta a escorregar os lábios,
pegando um de meus mamilos em sua boca. — Porque eu sei que,
cada vez que faço isso… — suga com força, e solto um gemido em
delírio —, você entende que esses peitos são meus.
Romeu desce um pouco mais, inclinando o próprio corpo e
acompanhando minha pele, até chegar às minhas coxas abertas.
— Essas coxas são minhas. — Jogo a cabeça para trás,
inquieta. Ele tira os dedos de dentro de mim e os chupa com vigor. —
Esse mel é meu.
Então, sua boca encontra minha pele sensível pelo toque e
pelo desejo — e eu desabo.
— E essa boceta também.
Mal consigo ouvir a voz abafada, mas balanço a cabeça
freneticamente, concordando com todas as suas palavras. Não quero
sair daqui, nem agora, nem tão cedo. Só quero sua boca, seus
dedos, seu pau, seu corpo sobre o meu.
Quero tudo que vem dele.
A posição em que estamos torna tudo um pouco mais difícil.
Mesmo assim, não quero me mover. Com o corpo inclinado, ele me
fode com sua boca enquanto me agarro em seu cabelo, pedindo por
mais. Rebolo contra o rosto bonito, sem conseguir controlar as
lamúrias trêmulas.
No instante que Romeu acerta um ponto específico, um
gemido alto escapa com tanta vontade que ele solta uma risadinha
baixa de satisfação pelo serviço bem executado.
Posso sentir o orgasmo se aproximando, e por mais que eu
também queira fazê-lo gozar, me permito ser um pouco egoísta e me
libero para sentir o tipo de prazer que nunca me foi apresentado com
tanta maestria.
Acho que Romeu também se importa muito mais com o meu
prazer, porque enquanto me devora com a boca, inclui um dedo
dentro de mim e posiciona o polegar em meu clitóris, esfregando-o
levemente, me estimulando de todas as formas imagináveis.
—Ah! — O grito escapa da minha boca —Romeu!
— Goza para mim. Quero você se desfazendo na minha cara.
Sequer consigo pensar de forma coerente, então aperto os
olhos com força e deixo vir. Meu quadril se ergue para facilitar o
trabalho e gozo com tanta força que minha visão embaça. O mundo
ao meu redor se parte em um milhão de pedacinhos.
Não que eu me importe.
Desta vez, vou me despedaçar pelos motivos certos.

✽✽✽

—Não quero sair daqui — resmungo, aninhada no peito de


Romeu.
Depois que gozei apoiada na bancada da cozinha, ele
carregou meu corpo mole e sonolento para o sofá da sala, se deitou
nele e me colocou por cima. Não abri a boca para reclamar disso
uma única vez.
Seus dedos brincam em minhas costas nuas, em um
movimento de vaivém que me dá ainda mais sono.
— Então, não saia. A gente pode ficar aqui o dia inteiro,
bombonzinho.
Dou risada do apelido ridículo. Embora eu morra sem admitir,
adoro essa forma carinhosa que ele encontrou de me irritar.
— Daqui a pouco meu pai manda o BOPE atrás de mim,
Romeu. Ou pior, o Olimpo inteiro pode vir bater na porta da sua casa.
— Ergo a cabeça e sorrio, apertando os olhos. — Você é grande…
— E grosso — ele emenda, confiante.
Mesmo que seja, com o perdão do trocadilho, uma grande
verdade, não lhe dou esse gostinho.
— Você é grande, mas não é dois. Isso que eu ia dizer,
engraçadinho.
Faço um esforço e me levanto do sofá, olhando em volta da
sala, à procura de minha bolsa. Finalmente a encontro ao lado da
minha calcinha, que se perdeu em algum momento.
Puxo o celular e vejo que tem três ligações perdidas de
Aquiles e uma mensagem de Dionísio.
Meu dedo desliza pela tela, refletindo entre abrir ou não a
mensagem. Mesmo que eu tenha plena certeza de tudo o que senti
durante a noite — e esta manhã —, não sei se estou a fim de
estragar o clima com o que quer que seja que meu amigo tenha
enviado.
— Tudo bem? — Olho para trás e vejo Romeu deitado de
forma relaxada no sofá, com os braços atrás da cabeça. Apesar da
ruguinha de preocupação em sua testa, meu coração perde o
compasso diante de visão.
O cabelo bagunçado pós-sexo, os bíceps flexionados
mostrando o desenho perfeito do corpo, manchas vermelhas onde
beijei e mordi.
Lindo que dói.
Puta que pariu, como eu não reparei nele antes?
— Uma mensagem do Dionísio. — Dou de ombros, mas não
deixo passar batido sua feição mudando apenas pela menção do
nome. Então, para tranquilizá-lo, leio em voz alta: — Vá para o
Olimpo em meia hora. Encontrei o cara perfeito para você. Boa-pinta,
um lutador foda e, com certeza, muito melhor do que aquele
gladiadorzinho de merda. Sério, você não vai se arrepender.
Dou uma risadinha inconformada. Dionísio é impagável, e vou
socar a cara dele.
— Que petulante! — brinco. Porém, quando me viro para
Romeu, ele é a imagem do puro ódio.
— Que filho da puta, você quer dizer, né?
Sua postura não está mais relaxada, e entendo o motivo. Ele
acha que isso ainda me afeta, e não posso ser hipócrita em dizer que
adoro ficar recebendo esse tipo de mensagem. Não por ainda estar
apaixonada e ter esperanças, não se trata mais disso.
Fiz minha escolha, e ela é Romeu — mesmo que eu ainda
não esteja preparada para entender exatamente o que isso significa.
E como sou a pior pessoa para decifrar sentimentos, prefiro deixá-los
de lado por enquanto.
Agora, quem Dionísio pensa que é para dar pitacos na minha
vida amorosa? Quando ele escolheu a Flora e eu morri por dentro a
cada dia, nunca me atrevi a dar opiniões não solicitadas.
Solto um suspiro pesado e releio a mensagem algumas vezes.
Sério, é inacreditável! De repente, sou tomada por uma
mistura de raiva e decepção, porque não é possível que o homem
que amei por tanto tempo seja capaz de interferir assim em minha
vida.
Dionísio não confia em mim, isso está bem claro. E só porque
Romeu é um rival da academia, tanto Aquiles quanto ele vão fazer
esse estardalhaço? Se até meu pai me deu seu aval, quem meus
amigos pensam que são? Isso só mostra o quanto ainda precisam
amadurecer.
Esfrego o rosto com as mãos, cansada de viver esse triângulo
amoroso que nunca existiu. Porém, mesmo sem permissão, uma
lágrima acaba escapando. Enxugo-a bem rápido para que Romeu
não perceba e arremesso o celular no sofá.
— Nem vou me dar ao trabalho de responder.
Quando será que minha vida vai ser normal?
Levei um ano para superar Dionísio e, justo quando isso
acontece, o desgraçado quer atrapalhar as minhas chances de ser
feliz?
Não. Não vou deixar que isso aconteça.
Ele que fique no Olimpo com seu bonitão, porque o meu está
bem aqui. Só preciso de alguns minutos para me recompor e voltarei
com a minha programação original: passar o dia trepando com esse
homem delicioso.
— Vou tomar um banho e já volto — aviso, sem conseguir
encará-lo, e sigo para o banheiro, pouco me importando se estou
nua.
Quero que Romeu me veja, porque eu fiquei sem vê-lo por
tempo demais.
Capítulo 28
Romeu

Respiro fundo ao parar na porta do Olimpo.


Talvez eu esteja fazendo a maior merda da minha vida ao me
meter onde não fui chamado.
Talvez esteja até arriscando voltar à estaca zero por deixar
Afrodite com raiva.
Talvez nada disso importe. Sei que preciso fazer algo que
nenhum dos idiotas que se autointitulam deuses parecem achar
necessário: colocar Dionísio no lugar dele.
Porque, porra! Afrodite é clara como água no quesito “não
conseguir disfarçar sentimentos”. Seja raiva, decepção, desejo ou
paixão, tudo fica transparente em seu rosto. Eu, com um pouquinho
de inteligência e boa vontade, vi isso assim que pisamos naquele
maldito casamento. Eu a vi quebrar.
Como eles nunca viram?
Como o idiota-mor não percebeu?
Ele se fez de cego durante todo esse tempo por puro
comodismo ou realmente é burro o bastante para não interpretar um
único olhar apaixonado de sua melhor amiga?
Entro de uma vez na academia e vejo Dionísio apresentando
o lugar a um mauricinho que não tem nada a ver com Afrodite. É
esse o mané que ele disse saber lutar muito melhor do que eu?
Estou ficando pessoalmente ofendido.
Se derrubei Dionísio em dez segundos, preciso só da metade
do tempo — e um único golpe — para garantir que esse zé bunda
descubra se há mesmo vida após a morte.
Me respeita, caralho.
— Teseu! — chamo. Não sou homem de esperar ser notado,
nem estou aqui para perder meu tempo. Vim apenas para dar um
recado, e não saio daqui sem me fazer ser entendido.
Quando ele se vira, arqueia uma sobrancelha, confuso por me
ver em território inimigo, pisando no solo que eles tanto dizem ser
sagrado.
— Romeu? Acho que você está perdido. — Ele dá um
sorrisinho debochado e já reviro os olhos, porque sei que vem
criancice por aí. Na maioria das vezes, compro esse barulho porque
acho engraçado, mas hoje eu não estou aqui para gracinhas. — A
academia dos perdedores é por ali. — Ele estica o braço, indicando a
direção do Coliseu.
Nossa, que engraçado. A nota é dó.
Ignoro, cansado dele e desse comportamento jardim de
infância. Porque nem quinta-série ele é.
— Então, esse é o cara que você acha perfeito para a minha
namorada?
Enquanto o rapaz se assusta com a frase, a expressão de
Dionísio vacila ao se dar conta de que Afrodite dividiu o conteúdo da
mensagem comigo.
— Ela não é a sua namorada.
— Se ficar repetindo isso te faz sentir melhor, vá em frente —
debocho. — Nada muda o fato de que ela é. Nem de que, neste
momento, Afrodite está tomando banho no meu chuveiro. — Vejo
seu rosto se contrair, e eu poderia até ficar com mais raiva se
soubesse que ali existe algum sentimento além de puro egoísmo
infantil. Porque é isso o que ele pensa. Não duvido que Dionísio
queira ver Afrodite feliz, mas só com quem ele acredita ser o mais
adequado.
— Dionísio, acho melhor… — O rapaz assustado, que reveza
o olhar entre mim e meu oponente, indica a saída. Um idiota tão
insignificante que nem se esforça para terminar a frase. Apenas dá
um aceno sem graça e vaza.
Melhor do que eu minha bola esquerda.
— Não entendi aonde você quer chegar. — Dionísio dá de
ombros, pouco se importando com o amigo que foi embora. —
Porque eu duvido que tenha sido a minha Afrodite que te mandou
aqui.
Meu sangue ferve.
Bato em seu peito com as duas mãos abertas, empurrando-o
para trás. Antes que ele consiga reagir e devolver o golpe, aponto o
dedo em sua cara e dou meu primeiro aviso:
— A próxima vez que você chamar Afrodite de minha, não vou
te deixar viver pra terminar a frase. — As palavras deixam minha
boca em forma de um rosnado. — Ela é minha. Só. Minha.
Dionísio se recupera do susto e volta à postura, parando o
rosto bem de frente ao meu.
— Nunca vou aceitar essa palhaçada. Onde já se viu, uma
deusa se rebaixar a um gladiadorzinho de merda?
— Ela é mesmo uma deusa — falo em tom baixo, tentando
controlar o ódio que pulsa em minhas veias. — Mas o resto do
Olimpo não passa de um bando de idiotas marombeiros, que fingem
se importar com os outros. Você, Aquiles, Apolo, Eros… Até mesmo
Zeus. Só tem egoísta de merda nesse tal de “solo sagrado”. — Não
consigo me controlar e acabo esquecendo que filtro existe.
Isso faz com que Dionísio dê um passo à frente, o ódio
faiscando em seus olhos.
— Ofenda o Olimpo de novo e você morre — ele ameaça.
— Este lugar só cria homens egocêntricos, que se fingem
de… — O soco vem, como previ, e não faço nada para impedi-lo.
Ótimo, agora terei uma boa justificativa para quando Afrodite
for visitar Dionísio no hospital. Ele me bateu primeiro sempre
funciona.
Solto uma gargalhada e volto a encará-lo.
— Ah, como você é macho, defendendo a honra de uma
academia. — Limpo o canto da boca e vejo que nem uma gota de
sangue saiu. Fraco. — Mas e a honra da Afrodite, Teseu? Você, um
dia, se preocupou com ela? Honra não, porque foda-se essa
palhaçada. Estou falando dos sentimentos da mulher que você diz
ser sua.
Finalmente a confusão começa a se formar em seu rosto.
— Do que…?
— Cale a boca que agora eu vou falar tudo o que você
merece ouvir. — Meto o dedo em seu rosto, baixando-o quando
percebo que Dionísio está me obedecendo. — Você é um merda,
Teseu. Um moleque. Porque se fosse homem, jamais teria feito tudo
o que fez com ela.
— Vá se foder, Romeu!
— Eu te disse pra ficar quieto — solto em um rosnado. Só a
voz desse idiota já me irrita. — Vou dizer uma vez e não quero me
repetir. Fique. Longe. Dela.
— Ou o quê? Vai me bater? Ai, que medo — debocha.
— Deveria ter. — Abro e fecho as mãos ao lado do corpo,
controlando a vontade de enfiar o punho na cara dele. — Se eu tiver
que te sentar a porrada por causa dela, vou te deixar em coma, filho
da puta. — A frase não passa de um sussurro, e talvez seja
justamente isso que cause o efeito desejado.
Dionísio para de falar e apenas me encara, como se não
entendesse de onde vem tanta raiva.
Por isso, em vez de continuar com as ameaças — muito reais
—, resolvo que está na hora de deixar claro o motivo que me trouxe
até aqui.
— Não mande mais mensagens para ela. Não mande
presentes. Não tente apresentar homens. E, principalmente, não finja
que ela tem alguma importância para você.
Dionísio arregala os olhos. Em seguida, franze a sobrancelha.
— Meu soco te deixou abalado, foi? Porque você parou de
fazer sentido, Romeu.
— Não, você que é burro demais para não entender a merda
que fez, e continua fazendo — acuso.
— Que merda?
A confusão em seu rosto morfa para preocupação. Posso vê-
lo engolir em seco, como se tentando manter a pose.
— Cego? Burro? Egocêntrico? — ofereço algumas das
opções mais educadas. — Afrodite é…
— Não. — Dionísio me corta, finalmente compreendendo
aonde quero chegar.
Solto uma gargalhada contida de raiva. Esse cara é mesmo
uma perda de espaço.
— Durante anos, seu merda. E sabe o que você fez?
— Não… — Ele continua balançando a cabeça. A única
palavra que diz não é uma resposta à minha pergunta, e sim a
completa descrença de um homem que não enxerga um palmo à
frente do próprio rosto.
— Você a chamou de irmã — sussurro em seu ouvido. —
Você tenta apresentar outros homens, manda flores… Até a
convidou para ser a porra do padrinho do seu casamento, porque
nem como mulher você a enxerga. — Meu tom carrega tanto
desprezo que Dionísio dá um passo cambaleante para trás.
— Eu não sabia… — Choque, puro e simples, toma conta de
seu rosto.
Talvez tristeza também, mas estou pouco me fodendo para o
que ele sente. Na verdade, quero que sinta dez vezes mais dor do
que a causada à Afrodite.
— Não sabia porque é narcisista demais para prestar atenção
em outra pessoa que não seja você mesmo. Aquiles, Apolo, Eros e
todos esses outros desgraçados também. Sim, vocês merecem
nome de deus. Mas de um só: Narciso. Preferem ficar olhando para
aquele maldito espelho em vez de olhar para ela.
— Você está errado, Romeu. Afrodite sempre esteve entre as
minhas maiores preocupações. — Ele parece recobrar um pouco da
coerência.
— Se estivesse, perceberia o quanto fez mal a ela — rebato.
— Agora, preste muita atenção no que vou dizer: da próxima vez que
a magoar, eu…
— Eu morro — Dionísio me interrompe. — Nunca pensei…
— Faça um favor a si mesmo e pare com esse showzinho de
sofrência. Só fique longe de Afrodite e deixe que ela…
— Deixe que ela o quê? — Uma voz grossa soa atrás de mim,
e nem precisava ter me virado para saber que Aquiles chegou.
— Ótimo, assim me poupo de ter que repetir. — Olho para ele,
sem demonstrar qualquer sentimento. Um truque que aprendi lidando
com meu pai. — Deixe que ela seja feliz.
— E você acha que não é isso o que eu quero? — Aquiles
cruza os braços na frente do corpo, revezando olhares entre mim e
Dionísio, para quem já até virei as costas. Mas acho que Aquiles
nota o estado em que deixei seu amigo, porque franze o cenho,
preocupado.
— Não importa o que eu acho. Só o que ela acha. Ela tem que
vir em primeiro lugar, não vocês. E se ninguém do Olimpo é capaz de
fazer isso, então assumo a responsabilidade.
O silêncio é quase ensurdecedor enquanto Aquiles e eu nos
encaramos, um medindo o outro. Ele pode até ser melhor do que eu
no Jiu-Jitsu, mas não tem o mesmo motivo para brigar. E hoje eu não
quero luta. Quero briga. De preferência, bem suja.
Se Dionísio sabia ou não dos sentimentos de Afrodite, pouco
importa. Aquiles sabia. E. Não. Fez. Nada. Nem uma mísera
conversa com o amigo para amenizar a dor dela.
Jamais colocaria a mão no fogo por nenhum dos dois, mas
ainda prefiro acreditar que Dionísio não a machucaria tanto caso
tivesse consciência. Era aí que Aquiles deveria ter entrado. Ele a viu
chorar. Mesmo assim, se omitiu do problema.
Suíça é o caralho. Quando você vê caos e não faz nada,
então se torna culpável por ele.
— Nunca vou aceitar que você faça parte da nossa família —
Aquiles declara, caminhando até mim.
— Acha que a sua aprovação faz alguma diferença no que
sinto por ela?
— Foda-se a aprovação! — A voz de Afrodite soa no espaço,
ecoando com indignação ao fechar a porta com uma batida. Fico
surpreso ao vê-la aqui, principalmente porque não disse que viria. —
Desde quando vocês dois têm o direito de se meter nas minhas
escolhas?
Pensei que ela fosse partir para cima de mim, só que, pelo
visto, não sou eu o alvo de sua ira. Marchando até os irmãos,
primeiro para na frente de Aquiles.
— Esse relacionamento é fa… — ele começa a dizer, porém
Afrodite o cala com um olhar.
Um. Só. Olhar.
Mesmo puto, não consigo controlar os efeitos que essa mulher
tem sobre o meu corpo. Sinto-me enrijecer sob a calça jeans, e a
vontade que tenho agora é de reverenciar aquele corpo delicioso.
— Esse relacionamento é a melhor coisa que me aconteceu
no último ano — ela declara, piorando minha situação. — E não é
você, muito menos ele — aponta para Dionísio —, que vai me fazer
desistir de Romeu.
Já não consigo parar de sorrir. De repente, toda a raiva se
evaporou com a presença dela. Ouvi-la me defender — defender o
que estamos construindo — só serve para me mostrar que Afrodite
se importa.
Não levei muito a sério na minha casa, quando se questionou
por que nunca tinha me notado. Pensei que fosse só por conta do
prazer que estava sentindo naquele momento, não que fosse algo
além.
A melhor coisa que aconteceu no último ano vai ser meu novo
sobrenome, e foda-se o resto do mundo.
— Você não pode estar falando sério — Aquiles diz, enquanto
Dionísio permanece em choque.
— Muito sério. E da próxima vez que eu tiver que repetir, a
gente vai se resolver no tatame — Afrodite ameaça. — Não estou
brincando, Aquiles. Eu quero ficar com Romeu, então você vai se
colocar no seu lugar e me deixar em paz.
Outra expressão perplexa e, pelo visto, o que Afrodite acabou
dizer teve mais impacto do que bomba que explodiu no Olimpo.
Minha mulher é fenomenal.
— Meu mel… — chamo baixinho, esticando a mão para
encostar em seu braço.
— E você. — Ela se vira abruptamente e aponta o dedo na
minha cara. — Quem te deu o direito de vir até aqui para brigar com
a minha família?
Ah, aí está ela. É claro que não iria aliviar para o meu lado.
— Dionísio queria te apresentar alguém, Afrodite. Não dava
para…
— Dava, sim. Fui tomar banho e, de repente, você disse que
ia à padaria. Acha mesmo que sou estúpida, Romeu?
— Não. Só linda, mesmo. — Ofereço um sorriso, acariciando
seu rosto.
— Afrodite… — O momento é interrompido pela voz de
Dionísio.
Tanto eu quanto ela olhamos para ele. Não sei o que ele vê
em nossas expressões, porém acaba abaixando a cabeça e começa
a andar. Ele deixa um beijo na bochecha dela — e não perco o foco
da interação por um segundo, caso eu seja obrigado a intervir — e
depois vai embora.
— O que aconteceu? — Afrodite pergunta.
— Nada — Aquiles e eu respondemos ao mesmo tempo.
— Também vou embora. Preciso falar com… — Aponta na
direção de Dionísio, mas não termina a frase. — Se quiser conversar
comigo, você sabe onde me encontrar — diz para ela e, sem olhar
para mim, também sai do Olimpo.
— Acho que finalmente teremos paz — comento quando
estamos a sós.
— Não, Romeu. Acho que você acabou de começar uma
guerra.
Capítulo 29
Afrodite

Com o coração acelerado dentro do peito, tento manter a


postura e fingir que os acontecimentos dos últimos minutos não me
afetaram.
Após ler a mensagem de Dionísio, percebi uma coisa
importante: aos olhos do Olimpo, sempre serei a menina Afrodite. A
princesinha da casa, aquela que precisa ser cuidada, a que todo
mundo vê como irmã caçula.
Mas ao chegar aqui e dar de cara com Romeu enfrentando
meus irmãos, foi impossível não notar o quanto ele me trata
diferente. De repente, virei a mulher Afrodite — e, pela primeira vez,
sinto como se o homem por quem estou… interessada realmente me
enxergasse da forma certa.
Talvez seja por isso que eu não brigue tanto assim com
Romeu. Ou, pelo menos, mantenho o nível quando começo a falar:
— Nunca mais, ouviu?
— Nunca mais o que, meu mel? — ele pergunta com aquele
maldito sorrisinho irresistível.
Com as mãos me envolvendo pela cintura, me vejo obrigada a
apoiar as palmas em seu peito forte. Para piorar a minha situação,
ele marchou até o Olimpo com aquela bermuda de moletom, chinelo
e nada mais. A pele quente me distrai, e a vontade de brigar quase é
substituída pelo desejo que sinto por este homem.
— Nunca mais se meta desse jeito. — Recobro um pouco da
sanidade. — Não sou uma donzela em perigo, Romeu. E você não é
o herói de um livro vitoriano.
— Elisabetano, tecnicamente. Ou renascentista. — Dá uma
piscadinha irritante. — Shakespeare escreveu suas peças durante os
anos de…
— Com todo respeito, foda-se Shakespeare — interrompo-o,
porque não é esse o ponto. É claro que Romeu apenas sorri. — Se
toda vez que eu tiver um problema, você sair correndo para resolvê-
lo, então vou acabar acreditando que não confia em mim. Que não
me julga boa o suficiente para resolver os meus próprios B.O.s —
digo com firmeza.
As mãos de Romeu acariciam a lateral do meu corpo, subindo
e descendo entre o peito e o quadril. Um carinho gostoso, quase
calmante, que combina perfeitamente com a expressão
despreocupada que ele tem no rosto.
— É claro que confio em você, mas não me peça para confiar
neles, meu mel. — O uso do apelido quase me deixa ruborizada.
Quase. Porque não vou pensar agora no que ele disse quando
estávamos em sua cama. Ou em sua cozinha. Ou em… — Eu não
estava apenas defendendo você, e sim o nosso relacionamento.
— Temos um relacionamento? — solto a pergunta sem me
preocupar com as repercussões dela.
Ai, merda. Agora ele vai pensar que eu estou desesperada.
Ou então achar que tenho problemas, porque mal superei outro
homem e já quero me envolver.
Só que, é claro, a reação de Romeu não é a que estou
esperando. Pensei que veria um sorriso debochado, ouviria uma
risada, talvez até fosse beijada. Mas não é isso o que acontece.
De repente, em um movimento fluido, Romeu aplica um golpe
que me leva ao chão. Mal tenho tempo de reagir e arfo com a
surpresa.
Pouco se importando para onde estamos, ele se encaixa entre
minhas pernas, deixando o corpo musculoso pesar sobre o meu.
Nossos rostos a centímetros de distância. Seu cheiro invadindo
meus pulmões.
Estou completamente dominada por Romeu, e —
estranhamente — não me importo nem um pouco.
— Se você fizer essa pergunta de novo, vou te foder neste
tatame e não estou nem aí para quem vai assistir. — A declaração
chega em um tom firme, como se, para ele, não houvesse qualquer
dúvida do que estamos vivendo. — Você me entendeu, Afrodite?
Assinto com a cabeça, sem saber o que falar.
Mas, às vezes, palavras são realmente desnecessárias. E
Romeu comprova esse conceito ao me beijar com força, ainda
deitado sobre mim.
Não tenho como controlar as reações do meu corpo traidor,
porque o gosto desse homem é bom demais e mexe com alguma
coisa dentro de mim. Por isso, apenas me rendo e me permito ser
beijada do jeito que quero. Do jeito que preciso.
— Romeu… — Seu nome não passa de um sussurro, que ele
engole enquanto me beija. Sua boca não deixa a minha, as mãos
passeiam livremente por meu corpo. Estou entregue e não consigo
pensar em mais nada, a não ser ter este homem dentro de mim outra
vez.
Preciso que ele me possua. Que me faça sentir prazer. Que
me domine e me prove.
Estou completamente viciada em Romeu.
— Pensei que era obrigatório usar quimono para treinar no
Olimpo. — A voz grossa de meu pai soa alto.
O susto me faz empurrar Romeu com força, jogando-o para o
lado no tatame. Em meio milésimo de segundo, já estou de pé,
arrumando minha roupa e tentando pentear o cabelo com os dedos.
Puta merda. Puta merda. Puta merda.
Morei com meu pai a vida inteira e ele nunca me pegou nesse
estado. Nunca!
Não sei onde enfiar a cara, mas também sei que não posso
desviar o olhar e demonstrar fraqueza.
— Pai, eu… eu… — gaguejo, sem conseguir encontrar as
palavras certas para usar neste momento. Apenas vejo como os
braços dele estão cruzados na frente do corpo, enquanto me encara
de volta.
Malditas placas tectônicas que não causam terremotos no
Brasil. Suas inúteis! Porque só isso para me livrar dessa situação
agora.
O clima pesado que se instala no Olimpo não dura muito
tempo, porque logo Romeu se levanta também e se posta ao meu
lado, colocando uma mão na base da minha coluna.
— Desculpe por isso, senhor. Não era a minha intenção…
— Se atracar com a minha filha no chão da minha academia?
— pergunta de forma irônica, e posso sentir o desprezo que as
palavras carregam. — Obrigado pela consideração, Romeu. Sempre
soube que podia contar com você para ser respeitoso.
Ai, meu Deus. Vai começar a baixaria.
Meu pai pode ser o cara mais legal do mundo… quando quer.
Mas também pode ser o mais desagradável, e isso normalmente
acontece quando estou envolvida no problema.
— Pode mesmo. — Romeu deixa um beijo na minha
bochecha e começa a caminhar na direção de meu pai.
Será que ele comeu merda?!
Mas então, quando vejo o que está fazendo, solto um suspiro
de alívio. Ele oferece a mão e, após uma pequena análise, meu pai a
aceita. Porém não a solta.
Enfio o alívio no cu e tento me mexer, só que é neste
momento que meu pai puxa Romeu para perto e começa a sussurrar
coisas em seu ouvido. Não consigo escutar o que diz, mas imagino
que não seja bom.
— Pode deixar, senhor.
— Não precisa me chamar de senhor. Zeus está bom. — Meu
pai me encara por alguns segundos, e é aí que percebo que este
pequeno gesto é uma forma de dizer que vai tentar.
Por mim, ele vai tentar aceitar Romeu.
— E desculpe outra vez pelo… incidente.
— Na minha época, a gente chamava de outra coisa.
— Pai! — reclamo em um grito, finalmente saindo do transe.
— O que você está fazendo aqui?
— Gosto de treinar sozinho aos domingos. Você sabe disso —
ele explica, e me limito a acenar com a cabeça.
— Eu até me ofereceria para treinar contigo, mas não sei se
hoje é um bom dia — Romeu diz.
— Com certeza não. — O tom inabalado que meu pai usa me
dá arrepios.
Sério, às vezes acho que Romeu veio ao mundo sem
qualquer senso de autopreservação, porque não é possível! Meu pai
é capaz de matá-lo se tiver a chance e a justificativa certa. No
momento, ele tem as duas.
— Acho que o dia de hoje já teve conflitos demais. — Tento
ser o ramo de oliveira. Meu Deus, a que ponto cheguei? — Vamos
embora.
Alcanço Romeu e seguro sua mão, começando a puxá-lo para
a saída.
— Esperem um pouco — meu pai interrompe. — Preciso de
algumas explicações.
— Pai, prometo que não vai acontecer de novo e…
— Não estou falando do que vi, minha filha, mesmo sentindo
agora uma súbita vontade de arrancar meus olhos com um garfo. —
O nó no meu estômago se intensifica. — O que quero saber é o que
está acontecendo entre vocês dois. E nem se atrevam a mentir para
mim.
É então que o silêncio se instala no Olimpo.
Neste momento, não consigo olhar nem para meu pai, muito
menos para Romeu. Nós dois estávamos conversando sobre isso
justamente quando fomos interrompidos. E pelo rumo que a
conversa estava tomando, acho que o resposta da pergunta é meio
óbvia.
De qualquer jeito, não consigo deixar de me sentir uma
adolescente de quinze anos, que está apresentando o primeiro
namorado ao pai — mesmo isso estando bem longe da verdade.
Só que dizer “estou namorando” parece infantil demais se
comparado ao que quero de Romeu. Não preciso de um namorado,
mas quero que ele seja meu homem. E falar isso agora só me
colocaria em uma posição ainda mais vulnerável do que a estou.
Antes que eu possa dizer qualquer coisa, sinto a mão de
Romeu se desvencilhar da minha. Porém, em vez de se afastar, ele
apenas me envolve pela cintura e me puxa para perto. Lado a lado,
nos entreolhamos — e é nos olhos cor de avelã que tenho as
certezas que preciso. Então, Romeu responde por nós dois.
— Estamos juntos. E muito felizes.
Capítulo 30
Romeu

Leio. Releio. Leio novamente enquanto minha mente tenta


processar a informação. Não pode ser, pode?
Claro que pode. Se tratando dele, tudo é possível.
— Romeu? — minha mãe chama ao fundo e então eu pisco,
voltando à realidade. Preciso explicar para ela o que esse papel
significa, mas não sei como terei coragem. — Isso está errado, não
está? Este apartamento é nosso. Nós o quitamos há muitos anos.
Engulo em seco, amaldiçoando meu pai pela décima vez
desde que ele morreu. Se ainda estivesse vivo, até quando
esconderia tudo isso de nós?
— Mãe… — Sento-me ao seu lado e tomo a pequena mão
trêmula na minha. — O papel não está errado, infelizmente. Júpiter…
— falo seu nome, porque não consigo chamá-lo de pai. Não agora,
com a raiva que estou sentindo. — Ele refinanciou o apartamento,
provavelmente para fazer as últimas melhorias do Coliseu.
— Como assim, refinanciou? — desta vez, é Thiago quem
pergunta. Graças a Deus que Júnior não está aqui. Não sei se
conseguiria lidar com ele querendo defender nosso pai acima de
tudo, mesmo em uma situação como esta.
— Ele pegou o valor do apartamento em dinheiro e voltou a
pagar do zero. Como se estivesse comprando pela primeira vez. —
Ergo os olhos para minha mãe e posso ver o desespero estampado
ali, mas não tem jeito fácil de fazer isso. Também não posso
esconder nada dela. — E fazia muitos meses que ele não pagava as
parcelas.
Ela coloca a mão na boca, desesperada.
— Então, a gente está sendo mesmo despejado? —A voz não
passa de um fio e eu quero morrer. Odeio ver minha mãe assim, e o
pior: sem nenhuma solução à vista. — Com essa idade, você quer
dizer que eu estou prestes a morar na rua?!
— Mãe, calma. — Thiago vai até ela e a abraça. — Eu posso
trancar a faculdade. Com a minha mensalidade, conseguimos pagar
um aluguel.
— Não — falo devagar, sem gritar ou me desesperar. Isso não
significa que eu esteja, de fato, calmo. — Em primeiro lugar, a
senhora nunca vai morar na rua. Vou dar um jeito. Na verdade, já
estou… tentando. Você não precisa sair da faculdade. — Volto-me
para Thiago e, pela primeira vez, vejo preocupação nos olhos dele,
que é sempre a imagem da alegria.
Afinal, estamos falando, dentre outras coisas, de seu maior
sonho.
— Não é justo com você. — As palavras quase não saem da
boca do meu irmão. Embora não saiba o que pretendo fazer, pelo
menos desconfia que eu vá me lascar com força para resolver toda
essa confusão.
— Nunca foi, não é agora que começaria a ser. — Sou
sincero, porque já estou farto de esconder minhas emoções. Mas
eles não têm culpa, então abraço minha mãe e repito o que já falei
uma vez: — Não se preocupe. Vou dar um jeito.
Não sei como, mas vou.

✽✽✽

— Agora que a gente tá se vendo pelado, achei que toda


mensagem sua que eu recebesse seria um convite para transar. —
Sorrio, levantando a sacola de comida italiana que trouxe. — Afinal,
sou mesmo muito bom nisso.
Afrodite revira os olhos, mas não discorda e me beija,
enquanto me puxa para dentro.
Porra, ainda não me acostumei com isso. Mas adoro.
Adoro demais.
— Primeiro, deixa de ser convencido. Segundo, tem alguém
com mais saudade de você do que eu. — Ela indica o tapete cheio
de brinquedos e a criança que está ali, perdida entre almofadas e
ursinhos de pelúcia. Ao fundo, uma música sobre uma galinha toca
alto na televisão.
— Ei, Íris! — Agacho-me e, quando ela se vira e me vê, abre
um sorrisinho gostoso. É tão linda que, por um mísero segundo,
quase deixo de detestar o pai dela, apenas pelo fato de que ele foi
capaz de fazer essa perfeição. Eu disse quase.
Sem pensar duas vezes, a pequena se levanta do meio da
bagunça e vem correndo até mim, ignorando por completo o
desenho que, até há pouco, absorvia toda sua atenção.
— Tio Omeo!
Abraço-a com força e, depois, ergo-a no alto, jogando-a para
cima, enquanto Íris gargalha. Ao nosso lado, Afrodite parece prestes
a infartar.
— Por favor, não quebre a criança. Não quero ter que fazer
outra para colocar no lugar.
— Eu não me importo de treinar, meu limãozinho.
Sem dar chance para ela responder, me sento em seu sofá e
coloco Íris no joelho, chacoalhando devagar enquanto ela volta a se
concentrar na TV. Como em um passe de mágica, a garotinha
sossega, então chamo Afrodite para se sentar ao meu lado.
Deito a cabeça no encosto macio de seu sofá, e ela deita a
cabeça em meu ombro. Tudo nesse lugar tem o cheiro dela, e dou
graças a Deus por isso. Depois de todo o estresse que passei por
causa das dívidas que meu pai deixou — e ainda sem receber
qualquer resposta de Dalton —, só mesmo o cheiro feminino e
relaxante dessa mulher para diminuir a tensão acumulada e fazer
com que eu me acalme.
Afinal, em todo e qualquer cenário dessa história, eu me ferro
muito, muito feio. Se Dalton não me responder, não conseguirei
pagar as contas. Se ele me responder, o que faço agora que estou
finalmente com a mulher que sempre quis?
— Aconteceu alguma coisa? — Afrodite parece ler meus
pensamentos. Fico me perguntando se já criamos uma conexão a
esse nível ou se o desespero está mesmo estampado na minha cara.
Penso em omitir os problemas, mas, no fundo, sei que não
conseguiria enganá-la nem que eu quisesse — e a verdade é que eu
não quero.
Aliás, a verdade é que eu estou cansado para um caralho.
Principalmente por não ter com quem conversar sobre as coisas
difíceis. Claro, tenho Thiago, e sempre fomos melhores amigos. Uma
amizade que vai além da relação de irmãos e que eu valorizo muito.
E é até por isso que estou disposto a fazer o necessário para que ele
não saia prejudicado nessa história de terror.
Palhaços demoníacos é o caralho. O que dá mais medo é a
dura realidade da vida.
Mas esse problema em específico não posso despejar nas
costas dele, senão Thiago se sentirá ainda mais culpado por estar
gastando ao invés de ganhando. Também não quero arriscar que ele
largue a faculdade, que, além de poder lhe dar um futuro promissor,
é seu sonho desde que aprendeu a falar.
— Aconteceu, sim — é a única palavra que sai da minha
boca, e Afrodite se endireita imediatamente.
— Ai… o que foi que meu pai falou para você naquela hora?
É lógico que ela iria pensar que tem a ver com o flagra que o
pai dela deu em nós alguns dias atrás.
Bem que meus problemas poderiam se limitar só a nossas
famílias se odiando e o circo pegando fogo enquanto a gente assiste
a tudo de camarote.
— Não tem nada a ver com isso, meu mel.
— Tem, sim. Eu conheço meu pai, Romeu. Meu Deus, aquele
homem é… — A essa altura, Íris já pulou do meu colo e voltou a
dançar em frente à TV, completamente alheia a nós. Então, passo a
perna pela sua e rolo por cima de Afrodite, nos aproximando ao
máximo.
— Para de ser doida — falo bem próximo à sua boca,
enquanto meus olhos passeiam por seu rosto lindo. — Não tem nada
a ver com o que seu pai disse para mim.
— E o que ele disse? — Suas mãos puxam os fios de trás do
meu cabelo, me provocando.
A sorte dela — ou azar — é que tem uma criança muito feliz
na sala, senão Afrodite não estaria mais vestida.
— Coisa de macho.
— Pare de ser ridículo — gargalha e me empurra, me fazendo
voltar à posição que eu estava.
— Foi sendo ridículo que te conquistei, meu mel — aponto o
óbvio e ela parece concordar. Mas como sei que Afrodite não vai me
deixar em paz, sorrio e falo logo de uma vez: — Ele só me deu
alguns avisos básicos. “Machuque minha filha, e eu te mato”, “Faça
minha filha chorar e eu te mato”, “Desrespeite minha academia mais
uma vez e eu te mato”. Em qualquer cenário, eu sou um homem
morto. Nada que eu não esperasse…
Ela ri.
— Sabe que ele não está blefando, né?
— Ah, sei. Seu pai não é homem de fazer promessas vazias.
Beijo sua boca gostosa, mostrando da forma mais clara que
ameaça nenhuma me assusta. Seja de seus irmãos de tatame ou até
mesmo de seu pai, ninguém será capaz de nos afastar. Exceto,
claro, os meus problemas financeiros.
Eles, sim, podem acabar com tudo.
Como se sentisse minha vibração mudar, ela volta a insistir.
— Então, o que foi? Fale logo antes que eu perca a paciência.
— Afrodite se vira para mim e cruza os braços na frente do corpo.
Por mais que ela tente assumir essa postura de brava, sei que, no
fundo, só está preocupada.
Por isso, discorro brevemente sobre como meu pai se afundou
em dívidas e como tudo está vindo à tona agora, após sua morte.
Também falo sobre o apartamento, sobre a faculdade de Thiago e
como minha mãe está desesperada. Conto que me comprometi a
ajudar, resolver o problema. Não porque quero mentir para ela, mas
porque não quero preocupá-la. Não sem antes ter um motivo
concreto para isso.
Falar sobre isso em voz alta torna uma possível separação
real, e sou sensato demais para encarar o problema antes da hora.
Talvez covarde.
— Sinto muito — é a única coisa que ela diz, e sei que é
verdade. Não há o que opinar, nem o que sugerir, porque, se
houvesse, ela faria. Sei que posso contar com Afrodite, assim como
ela sabe que pode contar comigo.
Nossa relação vai além do sexo fenomenal e das brincadeiras
infantis.
Inclusive, o que temos agora nasceu exatamente disso: da
necessidade de ajuda.
— Tá tudo bem, docinho. É o que família faz, não é? — Dou
de ombros, encenando um sorriso. — A gente ajuda quando precisa.
“Mesmo se for às custas dos nossos sonhos”, penso, mas isso
guardo só para mim.
— Você está certo. Eu faria o mesmo pela minha.
Chega desse papo pesado. Não quero trazer isso para nosso
relacionamento, não agora. Então, decido voltar para o modo Romeu
Irritante, que, por mais que ela negue, é a sua versão favorita de
mim.
— Já que estamos falando sobre família, preciso confessar
uma coisa. — A reação de Afrodite é arquear a sobrancelha,
esperando que eu continue. — Além de seu pai ter me visto em cima
de você, também chamei o Aquiles de egoísta de merda e ameacei
deixar o Dionísio em coma. — Coço o queixo, pensativo. —Acho que
o próximo evento no Olimpo vai ser bem tranquilo.
Em vez de me bater, Afrodite explode em uma gargalhada, e
rio junto, porque, meu Deus, eu amo esse sorriso. Amo sua
autenticidade. Amo como tudo nela é verdadeiro.
Já saí com algumas garotas, a maioria marias-tatame, que
faziam joguinhos demais. Riam quando não queriam rir, falavam uma
coisa quando queriam dizer outra, mentiam para me agradar a
qualquer custo.
Mas ela não. Afrodite é a pessoa mais verdadeira que existe.
Se está puta, está puta. Se está feliz, está feliz. Fala o que pensa e
não espera ser compreendida.
E eu adoro isso.
Abaixo a cabeça para lhe dar um beijo, mas, antes de nossas
bocas se encontrarem, Íris escala o sofá e pula em meu pescoço,
rindo.
— Cavalinho, Tio Omeo!
Sequer fico triste por ela ter atrapalhado o beijo, porque,
quando olho para o lado, vejo Afrodite sorrir não só com a boca, mas
com os olhos. Ela está feliz de verdade, e eu também.
Neste momento, eu não desejaria estar em nenhum outro
lugar do mundo.
Capítulo 31
Afrodite

— Ela acabou de dormir — aviso assim que abro a porta para


Aquiles.
Ele e Ana Júlia foram jantar fora e eu era a única disponível
para ficar com a pequena meliante — não que eu reclame disso.
Amo tanto essa menina… Passar um tempo com ela é gostoso
demais, e tenho plena consciência de que preciso aproveitar esses
momentos antes que ela cresça e vire uma adolescente insuportável.
— Obrigado, Afrodite. — Aquiles me olha com a cara típica de
quem fez merda e sabe muito bem. Uma cara que já conheço há
anos. Não estou com vontade de falar sobre isso agora, depois de
uma noite tão divertida, principalmente com Romeu dormindo no
sofá.
— Que fique claro que fiz pela Ana Júlia, não por você —
decreto, mas nem eu acredito nisso. Dou um passo para o lado,
permitindo que ele entre de uma vez por todas. — Íris se divertiu
muito. Se divertiu tanto que cansou bem rápido. — Aponto na
direção do sofá, onde ela dorme com a cabeça apoiada em Romeu,
enquanto ele está apagado também.
Os dois juntos é uma cena linda, que mexeria com qualquer
um — menos com o meu melhor amigo.
— Sério? — Aquiles me olha desacreditado. — Já não basta
perder você, agora você quer que eu perca minha filha também?
Meu Deus, tããããão dramático.
Puxo-o para a cozinha, sem querer acordar Íris. Então,
quando estamos a sós, digo sem rodeios:
— Você não está perdendo ninguém. Deixe de ser idiota.
— Não é exatamente isso, Afrodite — Aquiles começa a
negar, porém interrompo-o.
— Sei que você odeia Romeu, e não vou implorar para que dê
uma chance a ele. Cada um sabe o que faz, Aquiles. Mas espero
que você entenda que minha escolha é ele. — Estico o braço,
apontando para a sala, onde Romeu continua dormindo com a
pequena no colo.
— Afrodite…
— Não — interrompo-o de novo. — Escute o que vou dizer —
peço, e ele cala a boca. — Romeu passou as últimas horas fazendo
tudo o que Íris queria. Brincou de cavalinho, se deixou ser maquiado,
correu pela casa, viu filmes e dançou a valsa da Bela e a Fera com
ela no meio da sala. Mesmo assim, você fica com essa cara.
Aquiles não responde de imediato. Apenas me encara e
absorve o que acabei de falar.
Não sei de onde vem tanto preconceito, muito menos a
racionalidade por trás dele. Só que o modo como meu amigo
enxerga Romeu não muda em nada o que sinto.
— Você disse que estava no meu time… — solto baixinho,
lembrando-o da conversa que tivemos semanas atrás, quando ele foi
me encontrar no trabalho.
— Sei disso. Mas é que…
— Mas é que você prefere viver nessa briga idiota do que dar
o braço a torcer. Prefere ficar preso à rivalidade entre duas
academias em vez de perceber o quanto Romeu me faz bem. — A
verdade chega sem filtro.
Nitidamente frustrado, Aquiles esfrega o rosto com as mãos e
puxa o ar com força.
— Não quero discutir sobre isso, tá? Ana Júlia está esperando
no carro. Só vim buscar a Íris. — Ele começa a caminhar de volta
para a sala.
A decepção me invade. Pensei que, em algum momento
dessa conversa, Aquiles cederia — ao menos um pouquinho. Mas
meu amigo continua irredutível. Ele disse que estava no meu time,
porém a verdade é que ele só enxerga o que quer. E Romeu, apesar
de todas as suas qualidades, continua sendo um Gladiador.
Depois de soltar o ar com força, sigo-o até onde Íris e Romeu
dormem.
— Vá pegar sua filha.
Quando Aquiles não se move, coloco as duas mãos na
cintura, olhando feio para ele. Enquanto isso, meu amigo mantém a
atenção presa no sofá.
A cena é linda demais, e não sei como Aquiles não se sente
abalado por ela.
Romeu dorme sentado, enquanto Íris está esparramada em
seu peito. Com a mãozinha pequena apoiada na bochecha dele, ela
chega a ressoar, de tão apagada que está. Porém, em seus lábios,
há um sorriso de puro contentamento.
— Pegue ela logo. A menina está um chumbo e não vou
detonar minha coluna só porque você não quer encostar no meu
namorado, como se ele tivesse uma doença contagiosa.
— Não precisa. — Ouço a voz sussurrada de Romeu.
Aquiles e eu olhamos juntos na direção deles. Meu namorado
apoia a cabecinha de Íris com a palma da mão e se levanta devagar
para não a acordar. Com cuidado, passa a pequena para o colo do
pai, onde ela se aninha automaticamente.
Há um segundo de silêncio na sala, até que Aquiles dá um
aceno discreto com a cabeça. Mesmo que isso lhe custe o próprio
orgulho, reconheço o esforço. Não sei se por mim, ou se por Íris,
mas ele finalmente diz:
— Obrigado. — Seu olhar vai de Romeu para a minha
direção, e se volta para ele. — Aos dois, por cuidarem dela.
Assim que ficamos a sós, solto um suspiro pesado, que
carrega toda a tristeza e frustração que sinto no momento.
— Tá tudo bem? — Romeu quer saber.
Sim? Não? Mais ou menos?
Não sei muito bem o que responder. Então, opto pela verdade.
— Queria muito a aprovação dele, sabe?
Braços fortes me envolvem com carinho e Romeu deixa um
beijo gostoso no meu pescoço, que me faz estremecer da cabeça
aos pés.
— E se você nunca tiver a aprovação dele? E se ninguém do
Olimpo aceitar que estamos juntos?
A pergunta é justa, e acaba atingindo um ponto certeiro dentro
de mim. Um que machuca mais do que posso admitir. Por outro lado,
essa minha jornada de autovalorização só me mostrou o quanto sou
merecedora de amor e confiança.
Durante minha vida inteira, usei uma armadura de mulher
forte, uma máscara de segurança. Mas depois de tudo que
aconteceu — depois de eu ter morrido por dentro e lutado muito para
me reconstruir —, acabei consciente do meu valor. Sei que mereço o
melhor. Que tenho direito de ser feliz.
E se Aquiles não aceitar a minha felicidade, então ele não me
merece como amiga. Esse pensamento dói demais, porém me
mantenho firme quando olho para Romeu e digo:
— Se ninguém do Olimpo não aceitar — engulo em seco —,
não há nada que eu possa fazer. Vou continuar com a minha vida do
jeito que eu quero e foda-se o resto do mundo.
Fico na ponta dos pés e passo os braços em torno dos
ombros de Romeu.
É então que nossas bocas se encontram em um beijo calmo,
cheio de sentimentos, mas que logo ganha intensidade e se
transforma em puro desejo.
Antes que eu perceba, estou nua no sofá.

✽✽✽

Nada é melhor do que acordar sem o despertador, após oito


horas de sono induzido por orgasmo. Então, quando começo a abrir
os olhos, logo fecho-os novamente. Não posso arriscar que a noite
passada tenha sido um sonho e descobrir que, na verdade, Romeu
dura dois segundos e meio.
Mas assim que sinto o peito musculoso subir e descer sob
minha bochecha, a mão grande descansando na curva da minha
cintura e o cheiro delicioso que é tão característico dele, tenho
certeza de que esta é a minha nova realidade.
Puta merda. Este homem aqui, dormindo tranquilamente na
minha cama, é meu de verdade. Não estamos em um namoro falso.
Não o estou usando para superar alguém. Tudo o que ele fez comigo
ontem à noite, após Aquiles buscar Íris, foi porque ambos quisemos.
Ele me exauriu, e peguei no sono porque não tinha mais
energia para me manter acordada.
Sexo não deveria ser tão bom, porque faz com que a gente
não sinta vontade de sair da cama. A não ser para fazer sexo em
outros cômodos da casa — ou em lugares mais criativos.
Só que foda-se a criatividade. Acordar com Romeu me deixa
com tesão. Saber que ele é meu me deixa com tesão. Pensar no que
vamos fazer pelo resto do dia me deixa com tesão.
Sou uma puta safada e não tenho vergonha de admitir.
Para provar meu ponto, resolvo acordar o meu homem — ai,
que delícia falar isso — de uma forma que é famosa por agradar.
É então que abro os olhos bem devagar e me levanto um
pouquinho, apoiando o corpo no cotovelo. A visão que tenho de
Romeu é nada menos que deliciosa. Ele está dormindo com a boca
ligeiramente entreaberta, enquanto o braço que não me envolve fica
embaixo da cabeça.
A única coisa que protege seu corpo nu é o lençol lilás,
fazendo com que eu quase perca o fôlego.
Nossa, acertei demais na escolha de macho. Puta merda.
Acho que nunca vou me cansar de vê-lo assim. De acordar ao lado
dele e poder apreciar o nariz reto, o maxilar definido, os músculos
espalhados pelo corpo…
Quero que ele acorde agora e diga “bom dia, meu mel”, talvez
corra até a padaria e compre croissants de chocolate para que eu
não fique de mau humor. Quero que ele me beije até eu perder o
fôlego e me foda até eu não conseguir andar. Porque essas são
coisas tipicamente romeunianas, e amo cada uma delas.
O pensamento intruso me faz arfar, ao mesmo tempo que
sinto o coração bater um pouco mais forte dentro do peito.
Merda.
Durante as últimas semanas que estivemos juntos, me recusei
a tentar entender o que sentia por ele. Só que, neste momento, é
impossível não ver claramente o quanto eu gosto de Romeu.
Mas será que esse gosto pode ser substituído por um verbo
que começa com a letra A?
Borboletas alçam voo no meu estômago, e sei que a resposta
não é a que eu quero ouvir — afinal, o trauma que esse sentimento
causou não é facilmente superado. Porém, depois de tudo o que
aconteceu entre nós, negar o óbvio seria muita burrice da minha
parte. Também não preciso sair por aí gritando o quanto eu estou…
apaixonada.
A-pai-xo-na-da.
Eu estou apaixonada por Romeu. E se achei que admitir isso
me deixaria com medo, estava redondamente enganada.
Sendo muito sincera, estar apaixonada me deixa com tesão. A
ponto de me fazer esticar a mão e começar a acariciar a pele quente.
Meus dedos fazem caminho pelos entalhes acentuados do abdômen,
descendo bem devagarzinho enquanto observo alguma reação em
seu rosto.
Romeu segue dormindo, não afetado por meu toque. Vamos
ver por quanto tempo ele continua assim.
Com cuidado para não o acordar, me movo na cama e paro
entre as pernas dele. Levanto o lençol e… preciso respirar fundo por
alguns segundos.
Esse homem é uma obra de arte, puta merda.
O pau grosso está tombado para o lado, dormindo que nem
Romeu. Porém tenho planos para nós três.
É difícil compreender essa intimidade que criamos. Eu quero
Romeu em um nível quase primal, tão forte que quase sinto ódio dos
meus próprios sentimentos. São tão intensos que me confundem e
me instigam na mesma proporção.
Mas, no momento, preciso manter a calma. Continuo com os
dedos na barriga definida, percorrendo os músculos com cuidado.
Minha vontade agora é de repetir os movimentos com a língua, então
é exatamente isso o que eu faço.
Inclino o corpo um pouco para frente e circulo seu umbigo.
Romeu tensiona sob mim, porém não acorda.
Sento-me na cama e, com uma sutileza que não me é familiar,
acaricio o V que se forma em seu quadril. Depois, sem nenhum
pingo de vergonha, minha mão continua descendo até alcançar a
área com pelos curtos.
Romeu se mexe involuntariamente, como se o instinto o
estivesse mandando acordar. Mas nada de ele abrir os olhos. Vamos
ver se agora as coisas ficam mais interessantes…
Abaixo a cabeça e paro a poucos centímetros de seu pau,
inalando o cheiro dele e sentindo minha boca salivar com a vontade
de descobrir se o gosto é tão bom quanto o aroma masculino.
Com a pontinha da língua, percorro sua extensão. Até mole
esse homem é grande, e estou doida para senti-lo enrijecer enquanto
eu o chupo. Coloco só a cabeça rosada na boca e dou uma
sugadinha.
— Humm… — Romeu geme ainda de olhos fechados. Então,
sugo de novo, agora com um pouco mais de força.
Na mesma hora, sua mão vai para a minha cabeça. Olhos
borrados de sono encontram os meus, e o reconhecimento do que
está prestes a acontecer faz com que ele finalmente acorde.
— Acordei com fome — digo, colocando-o na boca de novo.
— Posso provar você?
Romeu me encara por um segundo, e há um brilho perigoso
em seu olhar.
Se eu já não estivesse excitada, com certeza ficaria agora.
— Faça comigo o que quiser, meu mel. Eu sou seu.
Eu sou seu.
Essas palavras me destroem, ao mesmo tempo que me fazem
ter certeza de que isso que estamos vivendo é certo. Esperei a vida
inteira por um amor recíproco, e nada irá me fazer desistir desse
homem.
Talvez seja por isso que eu o abocanhe de uma vez só. Ou
talvez seja só a vontade de senti-lo gozar na minha boca, gritando o
meu nome.
— Afrodite… — ele rosna, uma mão apertando meu cabelo
enquanto a outra aperta o lençol.
Então, o que mais quero acontece: Romeu fica duro como
pedra. Tão grande que nem metade cabe na minha boca.
Mas não sou mulher de desistir de desafios.
Segurando-o pela base do pau, começo a subir e descer.
Revezo chupadas e lambidas, sem esquecer de dar atenção especial
à cabeça sensível. Durante todo o tempo, mantenho os olhos presos
nele, querendo ver meu homem desabar por minha causa.
Masturbo, chupo e passeio com a língua por sua extensão,
acompanhando o caminho destacado pela veia protuberante. Só que
estou corajosa hoje, e por isso desço mais um pouco, colocando
uma de suas bolas na boca.
Romeu grunhe e joga a cabeça para trás, o quadril
começando a bombear. Mas ainda não estou satisfeita. Depois de
repetir o gesto com a outra bola, desço mais um pouquinho.
— O que você está fazendo? — ele pergunta no instante que
minha língua brinca com a próstata.
— O que você acha? — Continuo com a carícia proibida.
Nunca senti vontade de fazer isso com outro homem, mas Romeu é
diferente.
Com ele, eu quero tudo. Quero me entregar e quero possuir.
Então, afasto um pouco suas pernas e circulo o ânus com a
língua. O gemido alto que ele solta serve como prova de que
também está disposto a coisas novas comigo. Só que não me
demoro muito ali e logo retorno ao pau, que já está pingando com a
intensidade do que acabei de fazer.
Coloco-o na boca de novo e sugo com mais força, mais
rápido, masturbando-o enquanto o devoro.
Romeu geme sem parar, e os dedos emaranhados em meu
cabelo forçam meu rosto para cima e para baixo. Ele já perdeu o
controle, e eu também. Estou me esfregando no colchão para ver se
isso me ajuda a aplacar o incômodo que se instalou entre minhas
pernas. Não paro em momento nenhum, apenas acelero os
movimentos.
— Caralho, caralho, caralho — ele começa a dizer.
Mas agora segura a minha cabeça no lugar, deixando-a
parada, e começa a bombear no ritmo que quer. O desespero dele é
tanto que sinto seu pau encostar no fundo da minha garganta. As
lágrimas que escorrem por meu rosto são deliciosas, e só consigo
pensar em como é bom estar assim.
Então, solto um gemido — e isso o faz cair do precipício.
Jato atrás de jato, ele despeja seu prazer em minha boca. E
enquanto goza, grita o meu nome.
Capítulo 32
Romeu

Morri e fui para o céu.


Capítulo 33
Afrodite

— Tem certeza de que é isso que você quer? — pergunto


assim que vejo onde o táxi está nos deixando.
— Tenho — Ana Júlia garante, dando dois tapinhas na minha
perna antes de agradecer ao motorista e descer do carro. Respiro
fundo algumas vezes, criando coragem para descer também.
Hoje de manhã, quando ela me convidou para sair, nem
hesitei antes de dizer sim. Também não me preocupei em perguntar
quais eram seus planos — o que agora se mostra uma tremenda
burrice da minha parte. Apenas combinei de nos encontrarmos lá em
casa para um esquenta, e que sairíamos perto das oito da noite.
Na minha cabeça, Ana Júlia provavelmente estava falando em
tomar uma cerveja gelada no pé-sujo da esquina. Talvez uns drinks
frufru em um bar chiquezinho. Afinal, a velha só gosta de ir a lugares
que têm cadeira e pouca música, para que a gente possa conversar
como as mulheres cansadas que somos. Já minha única exigência é
que tenha álcool.
É nisso que dá não impor limites, porque agora estou aqui,
com um vestido rosa-claro, de alcinha, tão curto e justo que acho
possível de caber em Íris sem precisar de qualquer ajuste. Inclusive,
um vestido que Ana Júlia me deu de presente de aniversário, e a
única peça rosa no meu guarda-roupa.
Mas não posso reclamar. No último ano, essa mulher esteve
ao meu lado todas as vezes que precisei, então o mínimo que posso
fazer é aceitar calada quando ela decide sair para dançar.
Franzo o cenho ao vê-la explicar alguma coisa para o
segurança e… voilà! A entrada é liberada sem que a gente precise
enfrentar uma fila que vai até a esquina.
Nossa, não sabia que Ana Júlia tinha esses contatinhos
interessantes.
— Pai de um paciente — ela confessa assim que vê meu
rosto incrédulo. Ah, tá explicado. — Ele me deu um convite para a
área VIP quando ajudei o menino a se livrar de uma alergia que
nenhum outro médico conseguia tratar. Todo mundo achava que era
alimentar, mas não. O garoto tinha…
— Desculpe interromper o clímax da história, mas preciso de
uma tequila para conseguir acenar e fingir que me importo nas horas
certas.
Mantenho uma expressão estoica, enquanto Ana Júlia
arregala os olhos e fecha a boca.
— Olha, Afrodite… — Balança a cabeça em negativa. — Às
vezes você consegue ser uma tremenda filha da puta. Com todo
respeito à sua falecida mãe. — Ela me mostra o dedo do meio e
começa a caminhar para dentro da boate.
Enlaçamos nossos braços e seguimos lado a lado.
— Ei! Vou escutar todas as suas histórias, prometo. Só me dê
combustível, por favor. Minha semana foi um cu fedido. — Não
consigo falar mais nada sem gritar. O barulho alto e o número
excessivo de pessoas nos obriga a seguir até a área VIP.
— É no segundo andar! — ela berra por cima da música e me
limito a acenar em concordância, seguindo-a até a escada na
extremidade esquerda.
Para chegarmos lá, temos que passar pela horda de seres
humanos desagradavelmente felizes. Enquanto mulheres rebolam e
jogam os cabelos para os lados, homens fingem que estão
dançando, mas, na verdade, apenas decidem quem será a presa de
hoje. Já eu quero ir embora daqui, voltar para a cama de Romeu e só
sair de lá quando o sol nascer na segunda-feira.
Quando foi que eu me tornei esse tipo de pessoa? Será que
devo me preocupar?
“Divirta-se um pouco, meu limãozinho”, posso ouvir a voz
relaxada daquele bendito me encorajando. E talvez Romeu
imaginário tenha razão: não saio para dançar desde a despedida de
solteira de Flora — e aquela noite foi tudo, menos divertida.
Como se uma lâmpada acendesse em cima da minha cabeça,
faço com que Ana Júlia pare de andar quando estamos passando no
meio das pessoas. Ela me encara, confusa, mas apenas dou de
ombros e começo a mexer o corpo no ritmo da música.
Tenho motivos para comemorar.
Uma canção que não conheço começa a tocar e apenas me
entrego ao ritmo acelerado e à batida sensual. Passo as mãos pelo
pescoço, até enfiar os dedos entre os fios do meu cabelo solto,
erguendo-o um pouco e liberando a nuca.
Danço a minha liberdade.
Danço por saber que, apesar de eu estar com Romeu, não me
sinto presa a ele. Pelo contrário, eu escolho visitar sua cama, sentir
seus beijos, estar nos seus braços. Escolho compartilhar risadas e
comidas. Escolho… ele. Apenas isso.
Porque Romeu conseguiu o que achei ser impossível: ele me
curou de um coração partido. Não porque usou superbonder para
colocar as peças no lugar, e sim porque me mostrou que eu posso
ser feliz — se quiser.
Então, danço para ele, mesmo que não possa me ver. E
danço para mim mesma, por ter conseguido me reerguer.
Ana Júlia se junta ao momento, e o sorriso em seu rosto
garante que ela também está comemorando. Por um minuto, penso
em perguntar se teve alguma novidade no processo de adoção,
porém resolvo ficar quieta.
A vida lá fora precisa ser posta de lado. Não que ela seja ruim,
mas porque precisamos de algumas horas para sermos apenas
mulheres que querem sorrir, dançar, suar e beber.
Passo os braços pelos ombros dela, e Ana Júlia me segura
pela cintura. Parecemos um casal lésbico, o que é ótimo! Mantém os
homens afastados. Ninguém precisa saber que o amor que sinto por
essa mulher é de irmã.
E este é outro motivo para a minha comemoração.
No meio da pista, puxo-a para um abraço inesperado. Ana
Júlia fica sem entender o motivo do gesto, tanto que solta os braços
ao lado do corpo e tensiona por um segundo. Porém, mãezona
carinhosa que é, ela logo me envolve.
— Obrigada por tudo — grito em seu ouvido e ela ri, me
apertando com mais força. — Te amo.
Sou péssima em declarações e em expor meus sentimentos,
mas sei que ela merece ouvir o quanto foi essencial para que eu
sobrevivesse ao último ano e chegasse até aqui.
— Eu também te amo. — Ana Júlia deixa um beijo em minha
bochecha e, em seguida, se afasta um pouco. Um enorme sorriso
toma conta de seu rosto, e faço questão de plantar um no meu
também.
Dançamos três músicas juntas, até que a sede me obriga a
parar. Ela aponta na direção da área VIP e apenas faço que não com
a cabeça, indicando o bar. Ana Júlia concorda com entusiasmo e
seguimos até lá. Pedimos dois cosmopolitans e finalmente nos
permitimos subir as escadas.
Outro segurança está na porta, então ela retira da bolsa dois
passes pretos e somos liberadas.
Assim que entramos no espaço, solto um suspiro de alívio. A
música também está tocando aqui, mas com um volume bem mais
baixo. Olho ao redor, procurando uma mesa para nos sentarmos e…
travo.
Travo por vários segundos, talvez até alguns minutos. Horas,
quem sabe.
Porque, sentada no sofá em meia lua que fica no canto direito
da sala, está ninguém menos do que Flora Werneck.
— O que ela está fazendo aqui? — pergunto, sem ter certeza
de como reagir agora.
— Ei, olhe para mim. — Ana Júlia me vira pelos ombros,
obrigando-me a encará-la. — Você ainda ama o Dionísio?
Sua pergunta vem como uma flecha certeira, atingindo-me
bem no meio do peito. O impacto é tanto que quase cambaleio para
trás.
Mas então sou estabilizada pelo alívio.
— Não. — Minha voz soa com uma tranquilidade estranha.
Acho que estou passando tempo demais com Romeu. — Ou melhor,
sim — corrijo-me. — Sempre vou amar Dionísio. Ele foi uma das
partes mais importantes da minha vida durante anos. Aprendi o que
é amor por causa dele, mas também aprendi a escolher que tipo de
amor eu quero para mim.
Sei que o que digo não faz muito sentido, tanto que Ana Júlia
apenas me observa enquanto tento justificar meu pensamento.
— Não quero um amor que me consuma a ponto de me fazer
esquecer que eu existo e mereço ser feliz. Não quero um amor que
se limita à esperança de que vai dar certo. Quero algo real e calmo.
Tangível. Suave. Mas que, ao mesmo tempo, pegue fogo e vire meu
mundo de cabeça para baixo. Quero alguém que me queira de volta,
porque ama quem sou. Porque me enxerga como a única opção —
solto toda a minha incoerência, e não me importo se me fiz entender.
Mesmo assim, Ana Júlia sorri.
— Você está apaixonada por Romeu — declara. Tão baixinho
que quase não escuto.
— Talvez — minto. — Ou talvez eu só esteja livre de novo. —
Dou de ombros, sem querer me preocupar com coisas complexas.
Mas então lembro-me do que me levou a falar tudo isso e viro
o rosto na direção do sofá.
— Achei que estava na hora de vocês conversarem. — Ana
Júlia acaricia meu braço, como se quisesse oferecer apoio.
Olho para ela, respiro fundo duas vezes e digo:
— Já até passou da hora.
Caminhamos os poucos metros que nos separam de Flora e,
quando ela nos vê, se levanta e vem nos abraçar.
— Acabei chegando mais cedo — ela explica, parecendo um
pouco envergonhada. — Minha irmã mais nova quis vir também, e
não aguentava de ansiedade em casa.
— Onde ela está?
— Só Deus sabe. — Flora faz uma careta despreocupada. —
Oi.
Ela olha para mim e, de repente, sinto um certo desconforto
no ar.
Mulheres têm um sexto sentido aflorado, e sabem exatamente
quando outra se interessa por seu marido. A Flora, desde o início,
tinha certeza de como me sentia em relação a Dio.
É por isso que, em vez de acreditar que minha comadre é
uma traidora, respondo ao oi de Flora com um abraço.
— Gente, vai nevar no Rio de Janeiro! — Ana Júlia grita para
toda a área VIP ouvir. — Afrodite deu dois abraços em um dia só!
— Vá se foder! — brigo com ela, afastando-me de Flora,
porém com um sorriso no rosto.
— Não, obrigada. Prefiro que meu marido faça isso. — Solta
uma gargalhada, como se a própria piada fosse engraçadíssima.
— Ana Júlia, comporte-se. Você só tomou um drink — acuso.
— E já quero outro. — Ela termina o conteúdo da taça de uma
vez só e, em seguida, ergue a mão para uma garçonete. Adoro as
chiquezas da área VIP.
A mulher se aproxima em questão de segundos e Ana Júlia
pede um refil.
— Quer saber? — pergunto retoricamente. — Também quero.
— Imito minha comadre e viro o cosmopolitan de uma só vez.
Ao nosso lado, Flora vibra, dando pulinhos no sofá.
— Um pra mim também. — Rimos todas juntas.
É neste momento que pergunto o que diabos está
acontecendo comigo? Onde foi parar aquela Afrodite de sempre?
Será que a quantidade de orgasmos em um dia influencia no nosso
humor?
Acho que sim. É a única explicação.
— Me conta, como foi a lua de mel? Não tivemos tempo de
conversar direito — Ana Júlia pede, cruzando as pernas e virando o
corpo na direção de Flora.
— Duas semanas em um lugar paradisíaco e isolado com o
homem que amo? Melhor impossível. Bora Bora é fantástico, e o
bangalô em que ficamos era bem confortável.
Ela continua falando da viagem, explicando mais sobre a
Polinésia Francesa e como a vida lá é gostosa.
Neste momento, a inveja bate. Não por ela ter passado duas
semanas lá com o Dionísio, mas por Flora ser bilionária. E a inveja
não é direcionada apenas a ela. Se eu tivesse tanto dinheiro assim,
acho que sumiria no mundo e ninguém veria minha cara de novo.
Meu sobrenome se tornaria Ostentação e eu viveria à base de
champagne, caviar e orgasmos.
A dura verdade é que nasci para ser herdeira, mas acabei
nessa vida de assalariada.
— Aquiles e eu estamos pensando em levar Íris para a Disney.
— O comentário de Ana Júlia me tira das fantasias.
— A Daisy ama! Está louca para voltar lá. — O rosto de Flora
se ilumina ainda mais quando menciona a irmã caçula. — Bem que a
gente podia marcar de irmos todos juntos, né? — sugere.
— Nossa, seria ótimo! — Ana Júlia concorda, mas em seguida
olha para mim. — Você poderia ir com o Romeu… — ela deixa as
palavras no ar, balançando as sobrancelhas.
— Meu amor — olho para ela —, se eu for viajar com aquele
macho gostoso, juro pra você que não iremos ao parque de diversão.
As duas soltam gargalhada, na mesma hora que os drinks
chegam.
— A machos gostosos. — Flora estica a taça, propondo um
brinde.
— A machos gostosos! — Ana Júlia e eu falamos juntas e nós
três bebemos à maravilha que é encontrar alguém que saiba o
verdadeiro significado de satisfação feminina.
— Como estão as coisas entre vocês? — Flora quer saber, e
posso ver a expectativa em seu olhar.
Sei que ela torce por mim, mesmo que eu também saiba que
seu interesse em minha felicidade está diretamente relacionado à
sua própria. Afinal, se Dionísio souber o que senti por ele, tenho
certeza de que isso o deixará confuso. Não em relação ao que sente
por Flora, mas sobre todo o resto. Todas as suas atitudes e o modo
como sofri em silêncio.
Ele ficará se culpando, e não quero que isso aconteça. Posso
não estar mais apaixonada por ele, mas sempre o amarei. Assim
como Aquiles, ele é meu irmão. E pensar nisso sem sentir um aperto
no peito só me faz abrir um sorriso enorme quando respondo à
pergunta de Flora:
— Estão maravilhosas. — Mordo o lábio inferior, tentando
controlar minha cara de idiota.
— Eu sabia! — Ana Júlia canta vitória. — E ele é…? — Cola
um palma na outra, e depois começa a afastá-las.
— Enorme! — confesso, e a gargalhada que segue faz com
que as duas vibrem no sofá. — E o melhor de tudo é que ele sabe
como usar. Ô homem dedicado!
As risadas aumentam enquanto bebemos e conversamos
sobre aqueles que preenchem nossas vidas.
Ana Júlia comenta sobre as proezas de Aquiles — e confesso
que é difícil ter que ouvir certas histórias sem fazer expressão de
vômito —, já Flora é mais discreta quando compartilha suas próprias
experiências com Dionísio. Acho que ela não quer me machucar.
Mesmo sendo uma preocupação desnecessária, fico feliz por ela
pensar no meu bem-estar.
Está na hora de eu dar uma chance de verdade a essa
mulher. E a hora é agora.
— Flora — chamo e ela me encara. — Desculpe — solto de
forma abrupta e vejo-a enrugar a testa em confusão. — Desculpe por
todo o desconforto que te causei, e desculpe por quase ter estragado
o seu casamento. Você não me conhece muito bem, mas preciso
que você saiba que eu jamais faria algo que pudesse separar você
de Dionísio. Apesar dos sentimentos que um dia tive por ele, nunca
daria em cima de um homem comprometido ou faria qualquer coisa
que destruísse a felicidade de outra mulher.
É uma diarreia verbal, e agora não consigo mais me controlar.
Preciso tirar de mim todo esse peso, essa culpa que me corroeu
desde que ela me foi apresentada.
— Eu te odiei, senti inveja, te desejei mal durante muitos
meses. E por isso eu imploro o seu perdão. Vivi anos sonhando com
o dia em que Dionísio me notaria, e isso nunca aconteceu. Mas sabe
o que mais? Ainda bem. Porque hoje ele tem você, e posso ver
nitidamente o quanto meu amigo está feliz — falo com toda
sinceridade, esticando a mão para segurar a dela. — Principalmente,
ainda bem por mim. Porque eu aprendi a ser mais forte e a dar mais
valor a mim mesma. — Respiro fundo, oferecendo a ela um
sorrisinho de canto. — Será que você pode me perdoar?
Flora parece chocada. Eu também estaria, se uma louca
começasse a falar do quanto me odiou e desejou o homem que eu
amo. Mas é a vida. Se quero consertar meus erros, tenho que
começar admitindo quais são — e me desculpar por cada um deles.
Ana Júlia também ficou calada de repente, e não tenho ideia
do que ela está pensando agora. Será que falei merda demais?
De repente, Flora solta sua mão da minha e entrega a taça à
Ana Júlia. Em seguida, se arrasta no sofá até mim e me envolve em
um abraço.
— Parabéns pela coragem — sussurra para que apenas eu
escute. — E obrigada por me pedir desculpas. Nunca te ressenti,
muito menos odiei, mas está perdoada do mesmo jeito.
Envolvo-a de volta e permito que o alívio substitua o
sofrimento.
— Eu também quero! — Ana Júlia se joga em cima da gente,
e o abraço triplo é um dos melhores que já dei na minha vida.
Nem acredito que finalmente consegui.
Consegui superar. Consegui esquecer. Consegui me libertar.
Acima de tudo, consegui parar de odiar quem não tem culpa
de nada. E, de bônus, parei de me odiar também.

✽✽✽

Duas horas, cinco cosmopolitans e muita risada depois, Flora,


Ana Júlia e eu precisamos dar um tempo da pista de dança, nem que
seja por dez minutos. Meus pés já estão doendo por causa dos
saltos enormes e finos que resolvi usar. Minhas bochechas também
doem de tanto sorrir. Só uma parte do meu corpo que não está
doendo agora — e preciso remediar essa situação imediatamente.
Por isso, sentada no sofá da área VIP, envio uma mensagem
para Romeu, junto com a minha localização.
Preciso de você agora.
Capítulo 34
Romeu

Assim que entro na boate, sinto vontade de dar meia-volta.


Nunca gostei muito de lugares cheios e barulhentos — sempre
preferi os barzinhos —, mas não tem essa de gostar ou desgostar
quando o assunto é Afrodite. Ela me pediu para estar aqui e, na
mesma hora, larguei o que estava fazendo e vim.
Foda-se se meu sábado à noite, como sempre, estava
destinado a estudar. Afrodite está em primeiro lugar — e não me
arrependo da decisão de ter vindo. Nem quando um idiota esbarra
em mim e quase derruba toda a sua cerveja na minha camisa. Ainda
bem que meus reflexos são bons e giro o corpo para o lado, fazendo
com que o líquido fedorento caia no chão.
Deveria ser impossível encontrá-la no meio de tantas
pessoas, mas é como se eu tivesse um sexto sentido quando se
trata de Afrodite. Como se meu corpo soubesse exatamente onde ela
está. No meio da pista, ao lado de Flora e Ana Júlia, ela dança com
abandono. A cabeça jogada para trás, o cabelo grudado no rosto
pelo suor, o corpo se movendo de forma sensual…
Essa mulher é muita areia para o meu caminhãozinho, e não
sei onde foi que eu acertei para que ela aceitasse ser minha.
Mesmo assim, não vou questionar os milagres da vida.
Apenas sigo até lá, me desvencilhando da horda que nos separa.
Porém, antes de alcançá-la, paro de andar e observo. Ela está tão
feliz, tão livre… O sorriso vai de orelha a orelha enquanto se move
ao ritmo da música, já as mãos passeiam pelo próprio corpo, como
se precisasse ser tocada agora.
Vejo um bando de filhos da puta olhando para ela, babando na
mulher mais linda deste mundo, sonhando em poder chegar perto.
Eles não são dignos de sequer respirar o mesmo ar que Afrodite,
muito menos encostar um dedo. Neste momento, eu poderia até ficar
com ciúmes, mas só consigo pensar que ela é minha.
É no meu pau que goza. É o meu nome que grita. É na minha
boca que geme.
Então, incapaz de me manter longe por mais um segundo,
elimino a distância que nos separa e a envolvo por trás. Na mesma
hora, ela tensiona.
— Sou eu — sussurro em seu ouvido e Afrodite relaxa. Relaxa
e rebola contra mim, subindo os braços para me envolver pelo
pescoço.
Não presto atenção em Ana Júlia nem em Flora. Se me
oferecessem um milhão de reais para dizer qual música está
tocando, perderia o dinheiro. Todo o meu foco está em Afrodite e no
modo como seu corpo se molda perfeitamente ao meu.
Acaricio a barriga, parando bem abaixo dos seios. Enquanto
isso, deixo beijos no pescoço suado. O gosto salgado se mistura ao
dela, e é inebriante demais.
— Eu estava vendo você dançar — sussurro de novo e sinto o
corpo amolecer em meus braços. Mesmo em tão pouco tempo, já
consigo reconhecer cada reação dessa mulher. — Tão linda, tão
perfeita, tão minha…
— E gostou do que viu? — provoca.
Meu pau duro roçando em sua bunda é um indicativo mais do
que válido, mas se ela precisa de palavras, eu tenho todas do mundo
para convencê-la de que o simples fato de ela existir já é o suficiente
para que eu colapse.
Fixo as palmas em sua cintura e viro-a para mim, nos
colocando frente a frente. Seu rosto se ilumina em um sorriso safado,
mas são os olhos que me fascinam: o castanho que eu amo ganha
tons mais vivos. Nuances de roxo, amarelo e azul se fundem em
uma mistura hipnótica debaixo das luzes que piscam frenéticas.
— Se eu gostei? — Tomo sua mão e a pressiono firme contra
minha ereção. Mesmo com o jeans atrapalhando, ela envolve os
dedos ao redor do meu pau, da forma como pode. — Acho que isso
responde à sua pergunta.
— E o que vamos fazer a respeito desse problema? — Ela
morde o lábio inferior, colocando um pouco mais de força no aperto.
— Vou te comer prensada contra a primeira parede que achar
nessa porra de lugar, Afrodite — falo dessa forma para que ela
entenda o desejo urgente que tenho, mas me surpreendo quando ela
sorri de forma maliciosa e diz:
— Foi para isso que te chamei aqui.
Gostosa pra caralho.
Antes que eu possa cumprir com o que ambos queremos,
resolvo que preciso ser a parte sóbria e consciente dessa equação.
— O quanto você bebeu? — pergunto.
— O suficiente para ter coragem de dar para você aqui, mas
não o bastante para que isso seja um problema. — Seus dedos
sobem e descem pela extensão do meu pau, me deixando ainda
mais doido de tesão. —Você disse que estava disposto a tentar
coisas novas por mim. E eu quero coisas novas — ela enfatiza,
falando cada palavra pausadamente.
— Seu desejo é sempre uma ordem, meu mel.
Olho para os lados e a boate ferve. Está tudo muito escuro,
exceto pelos lampejos rítmicos e coloridos. A cada vez que o globo
de luz roda, aproveito para procurar um lugar onde eu possa
satisfazer a fantasia da minha mulher.
Depois de observar por alguns minutos, pego-a pela mão e
começo a conduzi-la para um lugar que noto estar mais vazio. Ela
nem se preocupa em avisar às meninas, e elas também não
parecem se importar muito, pois veem que Afrodite está comigo.
Passo pelos banheiros e ela pensa que vou parar ali, mas
continuo andando. Banheiro de boate, além de ser lotado, é nojento
— e queremos uma noite selvagem e diferente, não uma doença.
Andamos mais um pouco até chegar em um corredor estreito,
que dá acesso à escada que leva ao palco do DJ. Empurro Afrodite
para atrás dela, em um espaço sem saída. É um canto mais discreto,
porém não estamos completamente escondidos.
Quando a encosto contra a parede, ela ri, nervosa.
— Aqui?
— Confia em mim. — Estico o braço, agarro seu pescoço
delicado e a puxo para mim.
Antes de nossas bocas se encostarem, ela sorri de um jeito
safado, deixando claro que está tão excitada com essa situação
quanto eu, mas, principalmente, que confia em mim.
O beijo que vem a seguir é uma explosão, e o gosto de bebida
em sua boca desperta meus sentidos. Não sou um cara que gosta
muito de exibicionismo, mas a combinação de seu corpo colado ao
meu enquanto a música vibra faz com que o risco de ser pego valha
muito a pena.
Afrodite geme quando minha língua envolve mais a sua, e a
vibração do som em minha boca ateia fogo em meu corpo.
Pressiono-a contra a parede e sinto seu corpo tremelicar, mas ela
não cede. Pelo contrário, geme ainda mais e esfrega o corpo no
meu, implorando por contato.
As luzes pulsam, iluminando quase toda a boate de minutos
em minutos, mas aqui, próximo à escada, nosso cantinho permanece
mais escuro.
— Tem alguém muito próximo? — pergunto em seu ouvido e
ela balança a cabeça, negando. Então, meus dedos vão para a parte
de trás de seu vestido, subindo o tecido devagar. Passo as mãos por
sua bunda, agarrando a carne firme, e ela geme de novo. Sua frente
está completamente protegida por mim, e as costas, pela parede.
— Romeu… — Afrodite implora, e não sei bem pelo quê. Mas
estou disposto a dar o que me pedir. — Me toca.
Uma das mãos que está em sua bunda desliza para frente e,
então, dedilho sua bocetinha quente por cima da calcinha. Meus
dedos ficam molhados, e engulo em seco, precisando me controlar.
Preciso protegê-la e, ao mesmo tempo, tornar essa
experiência única.
— Você tá tão molhada, porra… — Mordo seu lábio e ela
geme. — É porque estou prestes a te comer com plateia, meu mel?
Ou você já estava molhada antes, enquanto dançava na pista?
Quando não fala nada, deslizo um dedo para dentro dela.
— Responda.
Ela continua calada e apenas geme. Por isso, decido puni-la.
— Bom, acho que você não quer isso tanto assim.
Abaixo seu vestido, cobrindo a bunda novamente, mas
Afrodite não se deixa vencer. Pega minha mão e a coloca novamente
na barra de seu vestido, fazendo o movimento por mim e levantando-
o até a cintura.
— Anda logo. — Tenta soar autoritária, porém sua voz sai
necessitada. Quase desesperada.
Sorrio.
— Já disse que gosto de saber que tenho você para fazer o
que eu quiser? E o melhor de tudo é que você gosta também. —
Pego em seu ponto fraco, e ela não nega. — Quero que você me fale
no que estava pensando enquanto dançava. — Deslizo novamente
minha mão e sinto seus músculos se contorcendo sob meu toque.
— Isso, por favor — ela choraminga.
— Pensou no meu pau bem fundo na sua boceta? — Ela
confirma, balançando a cabeça várias vezes, enquanto meus dedos
brincam com sua excitação. Minha respiração fica acelerada, e
minha voz está cada vez mais grave e rouca. — Ou imaginou minha
cara enfiada entre suas pernas?
Afrodite morde o lábio, confirmando mais uma vez, então beijo
seu pescoço, depois desço a boca, roçando os dentes em seu
ombro.
— Não acredito que a gente está fazendo isso. — As palavras
saem chiadas enquanto ela se esfrega em meus dedos. Afrodite
empurra o corpo em minha mão, e mantenho o ritmo, fodendo-a com
dois dedos até que esteja ofegando.
— Nada de gozar na minha mão. — A ponta do meu dedo
circula seu clitóris, provocando lentamente, enquanto meu rosto está
escondido entre seu cabelo. Com meu pau pressionando a barriga,
seus gemidos aumentam a cada movimento que faço. — Você só vai
gozar comigo dentro de você.
Quando os olhos castanhos me encaram, consigo ver muito
além de uma mulher extremamente excitada. Neste momento,
Afrodite está se entregando a mim. Entregando todo o controle, toda
a confiança.
Beijo seu pescoço de um jeito faminto, explorando tudo. O
queixo, a orelha e o ponto de pulsação em seu pescoço, onde posso
sentir bater freneticamente.
— E se alguém aparecer aqui? — Dou uma última
oportunidade de parar com isso, mas ela morde o lábio mais uma
vez, fazendo as paredes do meu bom senso ruírem.
— Não ligo.
Como prova disso, ela engancha os dedos na lateral da
pequena calcinha e abaixa, tirando-a completamente. Assim que o
tecido atinge seus pés, estico a palma e ordeno:
— Me dá.
Ela entrega o pequeno pedaço de tecido e, sem falar nada,
ergo sua perna direita, colocando-a na altura da minha cintura.
— Segura meu pescoço com as duas mãos.
Ela obedece assim que peço, enquanto tento ser rápido ao
tirar do bolso de trás uma embalagem de camisinha.
Quando consigo, coloco meu braço entre nós e desabotoo a
calça, apenas o suficiente para libertar meu pau. Antes que eu possa
colocar a camisinha, Afrodite solta uma das mãos do meu pescoço e
envolve minha ereção com os dedos, para logo em seguida esfregá-
la contra a pele molhada de sua boceta.
— Não brinca com isso — gemo, a cabeça do meu pau
sentindo as paredes quentes a envolvendo. — Sério, meu mel, me
deixa colocar essa camisinha antes que eu te foda sem nada.
Caralho, seria um sonho.
— Vai me marcar com a sua porra, Romeu? Para qualquer
macho que se aproximar saber que eu sou sua? — Afrodite está
bêbada, mas não é de álcool. É de tesão. Posso ver seus olhos
caídos e o sorriso de quem adora falar uma baixaria no meio do
sexo.
Com isso, constato o óbvio: só essa mulher serve para mim.
Passo o polegar por seus lábios, deslizando para dentro da
sua boca. Ela toma meu dedo e o suga, fazendo meu pau pulsar lá
embaixo, respondendo ao estímulo.
— Bem que eu queria — declaro a verdade. Por mim, eu a
marcaria para que ninguém nunca se aproxime do que é meu.
Sem enrolar mais, coloco a camisinha e deslizo para dentro
dela. Enquanto Afrodite envolve minha cintura com uma das pernas
e tenta me puxar para mais perto, sua outra perna serve de
sustentação.
Observo enquanto me enfio dentro dela e, neste exato
momento, algumas pessoas passam muito próximo, conversando e
rindo. Por estarem atrás de nós, devem pensar que estamos
dançando, talvez apenas nos beijando e nada mais.
Afrodite praticamente para de respirar, mas não interrompo
meus movimentos. Sigo no ritmo lento, quase torturante. E quando
elas se afastam, intensifico as estocadas e ela geme baixinho,
mordendo o próprio lábio para se controlar.
Ergo seu queixo e tapo sua boca para que fique em silêncio,
mas continuo arremetendo com força. Suas paredes internas
apertam meu pau, enquanto ela fecha os olhos, absorvendo o prazer.
Agarro sua cintura, buscando me apoiar, empurrando com vigor,
prensando-a ainda mais contra a parede, e Afrodite volta a se soltar,
rebolando em busca de contato.
— Queria muito ver seus peitos agora… — sussurro em seu
ouvido, sem parar de fodê-la. — Queria ver os dois balançando
enquanto eu te fodo. Mas não se preocupe, não vou te expor assim.
Posso não a expor, mas quero senti-la.
Então, discretamente, agarro um seio e aperto o mamilo.
Afrodite solta um gritinho e seu corpo continua vindo de encontro ao
meu, implorando por mais.
— Tem gente por toda parte, e eu aqui, comendo essa
bocetinha gulosa que não aguentou esperar até chegar em casa —
falo ao pé do seu ouvido, inclinando meu corpo para beijar seu
pescoço. Sinto o ritmo selvagem de sua pulsação sob os meus lábios
e sorrio. — Se alguém chegar um pouquinho mais perto…
Provoco, sabendo que que isso a excita. A adrenalina de
poder ser pega no flagra torna tudo ainda mais intenso. Ela ofega e
aperto seu mamilo um pouco mais forte, fazendo-a gemer alto.
— Me fode, Romeu — suplica, agoniada. — Anda, mais forte.
— Você é uma safada, sabia? — provoco mais, levando-a ao
limite. E confirmo isso quando sua boca se abre, sem emitir som.
Aumento a velocidade, querendo ir ainda mais fundo. Sinto
sua barriga tensionar contra mim e a cintura pressionar de volta, com
insistência, pedindo por mais.
No meio da boate, com as luzes pulsando ao nosso redor,
com pessoas passando perto demais sem saber o que realmente
estamos fazendo, assisto quando ela se perde.
Minhas estocadas vão aumentando, tanto em intensidade
quanto em velocidade. Já minha atenção está reduzida à penetrá-la,
em esfregar com firmeza seu clitóris com a pelve, em sentir minha
pele molhada com sua excitação.
O mundo ao redor, de repente, silencia. A única coisa que
posso ouvir são os sons abafados de súplica que emite. Seus dentes
mordem meu pescoço e as mãos agarram meus ombros, firmando-
se cada vez que o orgasmo chega mais perto.
E como um presente para os amantes safados, a música para
por um segundo e a escuridão toma conta, todas as luzes se
apagando de uma vez só.
—Sintam esse som como se estivessem de olhos fechados!
Deixem que ele guie vocês — o DJ grita de lá de cima e as batidas
voltam a soar com força embaixo de nossos pés. — E tirem o pé do
chão, vai!
Enquanto todos pulam e a escuridão toma conta, levanto a
outra perna de Afrodite, passando as duas ao redor da minha cintura.
Preciso ser rápido para aproveitar o momento. Por alguns perfeitos
minutos no breu total, começo a fodê-la sem qualquer reserva.
Com urgência, ela deixa os gemidos mais deliciosos do
mundo escaparem em meus ouvidos — e isso é o começo da minha
queda.
— Ai, que delícia. Não para! — ela geme, e só de pensar em
onde estamos e na possibilidade de alguém me ver possuindo-a com
tanta força, acabo me perdendo.
Porra, ela é tão quente e apertada que, se não gozar logo,
não vou aguentar por muito mais tempo. Felizmente, como se lesse
meus pensamentos, Afrodite enterra as unhas em meus braços, o
corpo enrijecendo enquanto ela geme em abandono.
Meu orgasmo também vem em sequência, quente e forte o
bastante para me fazer ver estrelas. Minha vista se escurece quando
me afundo nela uma última vez, a cabeça enterrada em seu
pescoço, perdido para qualquer outra sensação enquanto gozo
profundamente dentro de Afrodite.
Quando vem o silêncio e nós dois voltamos à consciência,
finalmente tomo coragem e abro os olhos: tudo parece estar em seu
devido lugar. As pessoas dançam, a música explode nos alto falantes
e, bem devagar, como se soubesse que terminamos por aqui, as
luzes voltam a piscar enquanto muda a música.
— Isso foi… — começo a falar, porém sou interrompido.
— Incrível. A melhor foda que tivemos. — Ela sorri e emenda:
— Inclusive, vou criar um fã clube para o seu pau, mas serei a única
participante.
Arrasto meus dedos pela cintura de Afrodite enquanto
gargalho e desço minha mão, buscando o fecho da calça. Ela faz o
mesmo e ajeita o vestidinho curto.
— Agora, cadê a minha calcinha? — Estende a mão, e posso
ver que está tremendo. Não sei se pelo orgasmo ou pela loucura.
Abro um sorrisinho maldoso.
— Agora é souvenir, meu mel. Pra gente nunca esquecer
deste dia. — Encosto a boca em seu ouvido e falo baixinho: — Além
de facilitar, caso eu queira te comer em mais algum canto daqui
antes de irmos embora.
Ele aperta os olhos, mas não reclama. Pelo contrário, fica na
ponta dos pés para beijar meus lábios. Só então se dá conta das
marcas de seus arranhões e mordidas em meu pescoço.
Sua expressão cai, quase arrependida.
— Vai ficar marcado.
Sorrindo, beijo mais uma vez sua boca.
— Espero que fique.
Capítulo 35
Afrodite

Acho que nunca tremi tanto na vida. Também esqueci como


se faz para respirar. Sinto as pernas amolecerem e, de repente, não
tenho mais forças. Então, seguro o braço de Romeu e espero que
ele perceba meu estado e faça alguma coisa a respeito. Só que o
desgraçado apenas ri.
— Fique calma — ele diz naquele maldito tom tranquilo, e sou
tomada por uma vontade súbita de estapear aquela carinha linda.
— Calma? — repito. — Calma?! — O grito ecoa no elevador
enquanto subimos até o oitavo andar. — Eu poderia estar gozando
neste exato minuto, Romeu. Mas não! Você resolveu me trazer até
aqui, e agora preciso…
— Conhecer a minha mãe, Afrodite. — Ele sorri.
— Já conheço a sua mãe — argumento, sentindo meu
estômago revirar.
— Não como minha mulher. — Romeu deixa um beijo em
minha têmpora.
É demais pra mim.
Aperto o botão que faz o elevador parar e o encaro.
— E se ela não gostar de mim? — Encolho-me em um dos
cantos. Deveria ter usado um tom acusatório para fazer a pergunta,
porém a única coisa que consegui foi sussurrar as palavras.
— Ela já gosta de você. Thiago também. E Otávio… Bom,
Otávio gosta de todo mundo. — Romeu dá de ombros e vem até
mim, me envolvendo pela cintura enquanto mantém os olhos nos
meus. — Não se preocupe, meu mel. É só um almoço com a minha
família.
Ele faz parecer tão simples… Mas a verdade é que nunca
estive nessa posição antes. Nunca tive um namorado sério, com
quem eu quisesse realmente ter o tipo de relação que envolve
famílias. Então, a experiência que eu deveria ter aprendido aos
dezesseis anos está chegando agora.
E no pior contexto possível.
Simplesmente não sei lidar com pessoas. Não sei fingir que
sou simpática. Não sei filtrar meus pensamentos.
Nunca tive problemas com esse meu jeitinho especial, porém
não posso ser a Afrodite de sempre quando sair deste elevador.
— E se eu disser pra sua mãe que você tem um pau grande?
E se ela perguntar o que fizemos ontem e eu responder “sexo
selvagem, com direito a tapas na bunda e dedo no cu”?
— Meu Deus, Afrodite, se acalme, mulher! — Romeu cola a
testa na minha e posso ver que está se controlando para não rir. —
Inclusive, essa câmera tem áudio também, então os porteiros já
sabem do dedo no cu.
Arregalo os olhos.
— O quê?!
— É brincadeira!
— Seu idiota, filho da puta! — Encho o braço dele de tapas,
mas nem isso é capaz de tirar seu bom humor.
— Mamãe não vai gostar de você se souber que me agride
tanto, meu limãozinho — ele implica mais um pouco, e a vontade que
eu tenho é de sentar e chorar.
Em vez de fazer isso, decido empurrá-lo pelo peito e começo
a andar de um lado para o outro, mesmo que dentro do elevador.
— Ei… — Enquanto surto, Romeu me segura pelo braço,
cortando a caminhada. — Por que tanta preocupação? — Desta vez,
não há humor em sua voz.
Ele se apoia em uma das paredes e me puxa pela cintura. Vou
sem reclamar, precisando um pouco desse contato para tentar
manter um pouco da compostura.
Enquanto olho para Romeu, me concentro em respirar.
Entender o que sinto agora é complicado, até porque vai contra tudo
que acredito.
— Já tem pessoas demais odiando o nosso relacionamento.
Não quero que sua mãe seja mais uma torcendo para a gente
fracassar. — O efeito de minhas palavras é imediato. O olhar dele
suaviza e sei que também está pensando que essa situação toda é
uma merda.
Não é segredo que tenho o péssimo hábito de tentar esconder
o que sinto. Visto uma armadura todos os dias de manhã e finjo que
a opinião dos outros não me afetam. E, para ser sincera, isso é
verdade com a maioria das pessoas. Por outro lado, Romeu me
conhece o suficiente para saber que, mesmo sem admitir, queria
muito ter a aprovação de Aquiles, Dionísio e dos outros membros do
Olimpo. Essas pessoas são minha família. Com elas, minha
armadura nem sempre funciona.
— Seu pai aprova. — Sua voz é baixinha enquanto sobe e
desce carícias na lateral do meu corpo.
— Não sei se aprova mesmo — sussurro de volta. — Ele quer
a minha felicidade, disso não tenho dúvidas. Mas daí a te aprovar?
Não sei, Romeu.
É difícil tentar ser feliz quando o resto do mundo não deixa.
Quando tudo e todos ao redor torcem para o nosso fracasso.
— Vamos fazer dar certo. — O tom dele carrega uma firmeza
que sou incapaz de sentir agora. — Se alguém lá em casa fizer
menção a ir contra o nosso relacionamento, iremos embora, ok?
Limito-me apenas a encará-lo, sem saber como responder.
Então, em vez de usar palavras, deixo as mãos passearem por seu
peito enquanto tento engolir o medo da rejeição.
Como se soubesse exatamente do que preciso, ele inclina o
rosto para baixo e permito que nossos lábios se encontrem. O beijo
não passa de um selinho, mas é o bastante para dizer “estamos
juntos nessa merda toda”.
— Ok — acabo dizendo.
Romeu estica o braço e libera o elevador, que volta a subir até
o apartamento de dona Lena. Ficamos de mãos dadas pelo resto do
percurso, e continuamos assim quando caminhamos pelo corredor
até a porta da casa dela.
Meu coração parece uma britadeira, e acho que só não infartei
porque sou atleta. Mas, neste momento, trocaria todos aqueles
malditos exercícios por um pote de sorvete de chocolate e dois quilos
de batata frita. Foda-se.
Acho que nunca estive tão nervosa na vida, e o ataque de
pânico no dia do casamento de Dionísio, de repente, parece uma
brisa comparado a essa ventania.
O blimblom da campainha só piora a minha situação.
Finjo que respirar é fácil e coloco um sorriso no rosto assim
que a porta é aberta.
— Oi, mãe. — Romeu dá um passo à frente com a intenção
de beijar o rosto da mulher, porém é empurrado para o lado antes de
fazer isso.
— Beijo você há mais de trinta anos, moleque. Quero é
abraçar minha nova nora! Ai, meu Deus! Estou tão emocionada! —
Dona Lena é um furacão quando vem até mim e me puxa para um
abraço apertado.
Com o filho esquecido no corredor, ela me envolve com seus
braços gordinhos e aconchegantes e começa a beijar meu rosto.
— Linda, linda, linda. Nem acredito que você finalmente notou
esse garoto feio. Você sabe há quantos anos ele baba por você? —
A mulher não para de falar.
— Mãe! Por favor, né? Que tal manter minha dignidade
intacta? — Romeu zanga, mas, quando olho para ele, não vejo um
pingo de raiva em seu rosto.
Fico curiosa para saber mais sobre essa história, porém
decido guardar as perguntas para mais tarde, quando Romeu e eu
estivermos a sós.
— Você perdeu sua dignidade quando fez xixi na cama aos
treze anos, querido.
— Mãe! Aquilo foi culpa do Júnior. Ele colocou minha mão na
água quente e…
— Tudo bem, tudo bem. Já passou. Pode usar as desculpas
que quiser.
Os dois falam como se pouco se importassem com a minha
presença, só que, até agora, dona Lena ainda não me soltou.
Continuo com a cabeça enfiada em seu peito amplo, enquanto ela
me mantém presa em seu abraço.
— Vai soltar minha namorada ou prefere que ela morra
asfixiada?
— Namorada! — dona Lena grita e me afasta pelas
bochechas em um empurrão que me faz cambalear. Mesmo assim,
ela não me solta, apenas me encara com os olhos marejados. — Tão
linda. Você é a cara da sua mãe, menina.
Sou beijada de novo, duas vezes em cada bochecha, até que
Romeu me puxa pela mão.
— E a sua preocupação era com o quê? — ele sussurra em
meu ouvido e não consigo conter o sorriso.
— Quem cochicha o rabo espicha — dona Lena solta uma das
frases preferidas de Íris e acabo rindo um pouco. — Venha, minha
menina, fiz lasanha. É a comida preferida desse daí, e espero que
você goste também. Como não sabia se você preferia à bolonhesa
ou aos quatro queijos, resolvi fazer as duas. Também preparei uma
focaccia. Receita da minha mãe. Quando vocês dois se casarem,
será meu presente de casamento. É um segredo guardado na minha
família há mais de cem anos!
Meu Deus. Onde fui me meter?
E casamento? CASAMENTO?!
Olho espantada para Romeu, que abana a mão como se
dissesse “ignora que é mais fácil”. Tento respirar fundo e fazer o que
ele pede, mas agora vou ficar com isso na cabeça — e talvez ter
alguns pesadelos e várias noites de insônia.
Eu? Casamento?
Forço um sorriso e encaro dona Lena, que é a imagem
perfeita da mamma italiana e não se envergonha disso por um
minuto sequer. Ela parece pensar em 200 coisas ao mesmo tempo e
transiciona de um assunto para o outro com a maior facilidade que já
vi.
— Ela já chegou? — Uma voz masculina soa de algum lugar
da casa. Assim que me viro para ver quem é, dou de cara com
Thiago, e o sorriso dele é igualzinho ao da mãe.
No instante que encontra sua resposta, o caçula da família
corre até mim e me toma nos braços. Talvez seja porque estou
emocionada, ou então porque eu já ouvi muitas histórias a respeito
de Thiago, mas a imagem dele treinando no Olimpo me vem à
mente. Esse garoto não combina nada com o Coliseu.
Quem sabe um dia.
— Se não soltar a Afrodite, seu irmão é capaz de te matar —
um outro homem diz atrás de mim.
— Duvido. Ela me protege. — Thiago deixa um beijo bem
estalado na minha bochecha antes de me colocar no chão. — Né
não, cunhadinha?
— Com certeza. — Pisco para ele. — E… oi — digo, virando-
me no lugar para ver quem está atrás de mim.
— Afrodite, Otávio. Otávio, Afrodite — Romeu faz as
apresentações.
— A gente já se viu por aí — comento, lembrando-me dele ao
lado de Romeu em diversas situações. Inclusive no bar, quando
aquela briga quase aconteceu.
— Ah, sim. E como você está, Afrodite? Como é a vida de
namorada do Romeu? — ele pergunta, e a falta de filtro me faz ter
certeza de que foi criado por dona Lena. Ao menos parcialmente.
— Um horror — minto. — É muito difícil conviver com esse
traste. — Reviro os olhos enquanto os dois rapazes caem na
gargalhada.
— Não se contente com pouco, minha filha. — Dona Lena
aparece na sala, colocando os pratos na mesa. — Se ele não for
bom para você, mande embora e escolha outro. E você, Romeu, não
me envergonhe. Te criei com Toddynho verdadeiro, não com marca
vagabunda. Trate de ser um bom homem para ela.
Todo mundo começa a rir com o comentário, até mesmo
Romeu, que me envolve pela cintura e deixa um beijo na minha
cabeça.
— Pode deixar, mãe. Prometo que ela será tratada como a
rainha que é. — Agora o beijo é no meu pescoço, e não mais
consigo conter a vermelhidão que se alastra por meu rosto.
— Vocês são tão lindos juntos… — Dona Lena suspira,
pendendo a cabeça para o lado enquanto nos analisa.
— Ownnnn… — Thiago e Otávio soltam ao mesmo tempo,
fazendo cara de apaixonados.
— Pelo amor de Deus, gente. Vamos parar com isso! —
Romeu pede, sem me soltar. — Vocês querem que ela fuja para as
colinas e nunca mais apareça aqui?
— De jeito nenhum! Preciso passar a receita da focaccia. —
Dona Lena arregala os olhos e balança o rosto de um lado para o
outro, desesperada.
— Claro que não, né? — é a vez de o caçula falar. — Você
está mais agradável agora que trepa com…
— Cala a boca, Thiago! — Romeu grita, ao mesmo tempo que
dona Lena arremessa o chinelo nele.
— Se continuar com esse vocabulário sujo, lavo sua boca com
sabão, menino — ela ameaça, apontando o indicador para ele.
— Desculpe, mãe. Mas aprendi na faculdade de Medicina que
orgasmos frequentes são…
— Venha, minha querida. — Dona Lena ignora o filho e
começa a me puxar pela mão. — Tenho uma coisa para te mostrar.
Romeu, por favor, fique de olho nas lasanhas que estão no forno.
Thiago, melhore esse seu comportamento. Temos visitas. E você,
Otávio, querido, pegue o que quiser na cozinha. Tenho certeza de
que não comeu nada antes de sair de casa.
E como se o resto do mundo obedecesse às suas ordens com
frequência, ela sai da sala comigo à tiracolo.
Seguimos pelo corredor e conto cinco portas. Nossa, esse
apartamento é maior do que imaginei.
— Aqui é o meu escritório — dona Lena diz, tirando uma
chave do bolso e girando a maçaneta da última porta.
— Uau. — A exclamação me escapa quando entro no espaço
pequeno e amontoado.
Sofá, máquina de costura, uma mesa cheia de tecidos,
instrumentos de crochê (talvez tricô, sei lá)… Tudo isso iluminado por
um abajur de lâmpada amarela, que dá ao cômodo um ar quase
místico.
— É o meu cantinho da casa, sabe? — ela diz, liberando
espaço no sofá para que eu me sente. — Viver com quatro homens
não é fácil.
— Sei muito bem disso — concordo. — Minha vida inteira foi
ao lado de homens. Tanto em casa quanto no Olimpo. Mulheres
precisam de um pouco de privacidade.
— Exatamente. — Dona Lena aponta para o sofá e nós duas
nos sentamos.
— Eu queria perguntar como a senhora está depois de… —
Não termino a frase, mas também não preciso. Ela sabe muito bem a
que me refiro.
— Alguns dias são mais fáceis do que outros. — Ela solta um
suspiro resignado. — Meu marido não era o melhor homem do
mundo, mas, para mim, ele sempre foi um bom companheiro.
Coloco minha mão sobre a dela, querendo retribuir — ao
menos um pouco — o carinho que ela me ofereceu desde que entrei
em sua casa.
— Se a senhora precisar conversar… — ofereço.
— Obrigada, menina, mas estou bem. Melhor a cada dia,
prometo. — Como se quisesse garantir a veracidade das palavras,
ela me oferece um sorriso fraco. Então, apenas assinto. — E é
sempre bom ter novidades para tirar a cabeça da tristeza. — Dá uma
piscadinha bem-humorada, e descubro onde foi que Romeu
aprendeu o gesto.
— Se tudo der errado entre seu filho e eu, pelo menos servi
de entretenimento.
— Não vai dar errado, Afrodite. — Desta vez, há tanta certeza
em sua voz que quase perco o ar.
Abaixo a cabeça, sem saber muito bem o que fazer agora.
— Espero que não — falo bem baixinho, sentindo meu
coração acelerar dentro do peito. — Eu estou apaixonada por ele,
dona Lena. — A confissão sai no mesmo tom, mas crio coragem
para encará-la.
E ali, no rosto da mulher que lia Shakespeare para um menino
pequeno, vejo a pura satisfação refletida. Uma lágrima desce pela
bochecha redonda, mas é o sorriso que me faz sentir borboletas no
estômago.
— Tenho uma coisa para te mostrar. — Ela se levanta do sofá
e segue até uma parede toda decorada por fotos. Algumas delas,
inclusive, de seu maior ídolo. Como foi que ela conseguiu tantas
fotos de um homem que nasceu no século XVI, jamais vou entender.
— Olha aqui.
Sigo a direção apontada por seu dedo e, de repente, meus
joelhos perdem a força.
Na parede de dona Lena, vejo meu rosto. Mas não sou eu
naquela foto antiga e em preto e branco.
— Minha mãe… — Ofego.
— Angelina e eu estudamos juntas na escola — ela explica.
— Éramos melhores amigas, sabe? — Por mais que todo meu foco
esteja na mulher sorridente, de cabelos escuros e olhos vivos, sinto a
mão macia de dona Lena segurar a minha com ternura. — Afrodite?
Forço-me a desviar o olhar e a encaro.
— Obrigada por isso.
— Obrigada por ter escolhido o meu filho. Você não tem ideia
do quanto sua mãe e eu sonhávamos com isso. Inclusive… — Ela se
afasta, como se tivesse se lembrado de alguma coisa. Então, segue
até o gaveteiro no canto e começa a procurar alguma coisa lá dentro.
Quando finalmente encontra o caderno, passa algumas
páginas e acha o que queria. Em seguida, entrega-o para mim.
Na página amarelada, um desenho se destaca.
— Isso é…
— Um convite de casamento — dona Lena explica. — Este
era o nosso caderno da amizade. Escrevíamos nossos planos e
esperanças para o futuro. Lembro do dia que desenhamos isso.
Estávamos no último ano da escola, durante uma aula chata de
Matemática. Enquanto o professor explicava, a gente sonhava
acordada com o dia em que nossos filhos se casariam e a gente se
tornaria família de verdade.
— Mas os nomes…
— Por que você acha que a academia de seu pai se chama
Olimpo? Por que você acha que ele se chama Zeus e você, Afrodite?
— Sei que a pergunta é retórica, por isso não respondo. — Sua mãe
fez faculdade de história e pesquisava Grécia Antiga. Tudo que seu
pai construiu foi em homenagem a ela.
Não são lágrimas que escorrem dos meus olhos, e sim uma
cachoeira de saudade e dor. Choro compulsivamente, enquanto
dona Lena me puxa para seu abraço e me consola com carinho. As
mãos suaves afagam meu cabelo. Beijos doces são depositados em
minha têmpora.
Aperto-a com força, porque, durante todos esses anos, não
tinha ideia da conexão que as duas mantinham. E, de alguma forma,
sinto como se um pedacinho da minha mãe estivesse aqui.
— A briga entre meu marido e seu pai me mantiveram longe
de você, querida. Sei que não sou sua mãe, mas se quiser…
— Sim! — falo, sem deixar que ela termine. — Por favor, sim.

✽✽✽

Depois de me recuperar, finalmente consegui voltar para a


sala. É claro que Romeu notou minha mudança de comportamento
— além do inchaço em meus olhos — e logo me abraçou,
perguntando o que tinha acontecido. Apenas balancei a cabeça e
ofereci um sorriso.
A conversa que tive com dona Lena é só minha. E por mais
que eu esteja apaixonada por Romeu, aquele é um momento que
não quero compartilhar com ninguém.
Agora, com uma garfada enorme de lasanha na boca, escuto
os dois irmãos discutirem sobre quem tem mais direito de usar o
título de doutor: um médico ou alguém que terminou o doutorado.
— Só não aceito advogados usando — Thiago reclama. —
Onde já se viu?
— Delegado também — Otávio contribui.
— Você está vendo com o que tenho de lidar todos os di… —
Dona Lena começa a falar, porém é interrompida quando a porta se
abre.
De repente, um terceiro homem invade o espaço.
— O que ela está fazendo aqui? — Sem “boa tarde”. Sem “oi,
mãe”. Sem nada. Júnior apenas aponta para mim e sua expressão é
de puro ódio.
— Ela é minha namorada. Veio almoçar com a gente —
Romeu fala em um tom tranquilo, segurando minha mão por baixo da
mesa.
— Como você tem a coragem de trazer a filha do inimigo para
cá? Essa é a casa do nosso pai!
Após deixar um beijo na minha têmpora, Romeu se levanta
calmamente da cadeira e segue até o irmão, parando bem de frente
para ele. Eles só não ficam cara a cara porque meu namorado tem
uns quinze centímetros a mais — e isso me dá um certo tipo de
satisfação oculta.
— Nosso pai está morto, e você não é o chefe da casa. —
Ouço dona Lena arfar e sei que a briga vai ficar séria.
É por isso que me levanto também e sigo até os dois.
— Romeu, por favor… — Puxo-o pela mão. — Não quero
causar problemas.
— Meu único problema é ele, Afrodite. Ele e esse maldito
hábito que tem de se achar o próximo Júpiter.
— Eu quero essa garota fora da minha casa — Júnior rosna.
— Ela nunca será aceita aqui dentro. Nunca.
— Cláudio Júnior, pelo amor de Deus! — dona Lena solta em
um grito.
O clima divertido — e até um pouco emocionado — se esvai
com a presença do filho mais velho. Diferente de Romeu e Thiago,
ele carrega todas as características de um verdadeiro Gladiador.
Sendo mais explícita, Júnior é um babaca.
— Não preciso ser aceita por você — defendo-me. —
Inclusive, estou pouco me fodendo para o que você pensa a meu
respeito.
Encaro-o sem medo, e vejo a raiva transformar seu rosto.
— Típica filha de Zeus. Sem um pingo de respeito. — Júnior
balança a cabeça de um lado para o outro. — Gostosinha por fora e
podre por dentro.
Nem tenho tempo de reagir.
Meio segundo depois, Júnior está no chão, com o nariz
ensanguentado e uma expressão de pura descrença no rosto.
Sentado em cima dele, Romeu o puxa pelo colarinho da camisa,
trazendo seu rosto para bem perto do dele.
— Fale assim dela de novo e você morre. Entendeu?
Capítulo 36
Romeu

Coloco as mãos atrás da cabeça e aprecio a vista.


— Não, Marcela. Não vou ter tempo de passar no
departamento de… — Afrodite para de falar e solta um suspiro
pesado. — Vai você. Ou pede ao Felipe, tanto faz.
Andando de um lado para o outro no quarto, ela nem percebe
que tem um tarado em sua cama, observando cada um de seus
movimentos. Mas não é minha culpa se ela saiu do banho com uma
toalha enrolada no cabelo e nada mais.
Eu sou fraco! Meu autocontrole é nulo quando se trata dessa
mulher. O que posso fazer se meu pau bate continência sempre que
ela está por perto? Nua, ainda por cima! Por isso, apenas continuo
deitado, analisando com cuidado a perfeição à minha frente.
— Marcela, isso era sua responsabilidade — Afrodite enfatiza.
— Não posso sair correndo toda vez que você esquece alguma
coisa. — Ela escuta o que a pessoa do outro lado tem a dizer. —
Não. Não vou chegar no escritório em dez minutos… É impossível…
Porque não moro na esquina! — diz em um berro. — Olha só, estou
me arrumando. Chego o mais rápido que puder. Enquanto isso, tente
consertar a merda que você mesma criou.
Afrodite encerra a ligação, arremessa o celular sobre a cama
e coloca as mãos na cintura, respirando de forma acelerada.
— Tudo bem? — pergunto, mesmo que eu já saiba a
resposta.
Ela me encara, nem um pouco afetada por sua nudez —
diferente de mim, que já estou dolorosamente afetado —, e depois
começa a liberar o cabelo do turbante feito com a toalha.
— Sabe qual é o problema em ser muito bom no que faz? —
ela pergunta, passando os dedos pelos fios bagunçados. — Todo
mundo quer que você faça tudo, que resolva tudo, que seja mil e
uma utilidades a porra do tempo todo!
— Eu sei uma coisa em que você é muito boa. — Dou uma
piscadinha. — E juro que não vou pedir para você fazer tudo. Se
quiser, eu faço tudo.
— Não me tente, pelo amor de Deus.
— Por que não, meu mel? Chegar no trabalho depois de
alguns orgasmos é sempre mais produtivo. Dizem as boas línguas
que ajuda bastante a controlar o ódio por colegas insuportáveis. —
Ela solta uma risada melódica, e não consigo mais ficar parado. Vou
até a beirada da cama e a puxo para perto, beijando seu corpo
cheiroso e macio.
Apesar dos problemas no trabalho e da ligação incômoda às
seis e meia da manhã, Afrodite relaxa e se permite ser adorada.
Minhas mãos passeiam pelas curvas suaves, enquanto a boca
explora as áreas mais sensíveis. Ela me segura pelo cabelo assim
que coloco um dos mamilos na boca, e o gemido que solta faz meu
pau pulsar com a vontade de se perder dentro dela.
— Feliz um mês de namoro. — Olho para cima e vejo quando
a consciência toma conta de seu rosto. Porém, antes que consiga
responder, eu me movo de forma rápida e inverto nossas posições,
deixando-a de costas no colchão.
Ajoelho-me no chão, coloco suas pernas em meus ombros e
decido dar o primeiro presente do dia.

✽✽✽

— Essa cara de idiota apaixonado está me dando nos nervos


— Thiago comenta ao meu lado, enquanto caminhamos até o
Coliseu.
— Faço um mês de namoro com a Afrodite hoje — confesso,
olhando para ele com um sorriso típico de idiota apaixonado. Afinal,
é exatamente isso que sou.
— Já?
— Já. Passou rápido demais. — Enfio as mãos no bolso da
calça, segurando a caixa de veludo que tenho carregado comigo o
tempo todo. — Isso sem contar o tempo que ficamos antes, quando
estávamos fingindo um relacionamento.
Chegamos em frente ao Coliseu e meu irmão para de andar,
colocando uma mão em meu ombro.
— Estou feliz por você, Romeu. De verdade. Você merece
toda a felicidade do mundo. — Ele me oferece um sorriso sincero,
que me enche de alívio.
Saber que minha família apoia o relacionamento que estou
construindo com Afrodite é bom demais. E por mais que ela ache
que o pai não aprova tanto assim, Zeus é um homem racional. Tenho
certeza de que ele também não é contra, só não quer ver a filha
machucada. E isso é algo que jamais irei fazer.
— Já comprou um presente para ela? — Thiago quer saber,
olhando para mim com expectativa.
— Claro que sim, mas ainda não dei. Não tive a chance hoje
de manhã.
— Uuuuuuh. — Ele esfrega uma mão na outra e balança as
sobrancelhas. — Estavam muito ocupados, é?
Estávamos. Muito. Mas não é isso o que respondo.
— Você só pensa merda, garoto — implico. — Ela estava
atrasada para o trabalho. — Não é exatamente uma mentira. Ela já
estava atrasada quando eu a fiz se atrasar ainda mais.
— Então não é o sexo que está te deixando feliz desse jeito, e
sim toda essa parada de romance?! — questiona, indignado. —
Esperava mais de você, meu irmão. Esperava muito mais de você.
Ah, se ele soubesse…
Mas não posso expor Afrodite desse jeito. O que eu e ela
fazemos é problema nosso.
— Pense o que quiser, irmãozinho. Pense o que quiser. —
Volto a caminhar para dentro da academia.
— Você não me disse o que comprou — o curioso quer saber.
Cruzamos a porta de vidro e paro na recepção, colocando a
bolsa sobre a bancada. Do bolso, retiro a caixinha preta, de veludo.
— Sim, sim! Mil vezes sim! — Thiago pula no lugar, colocando
as mãos no rosto e fazendo um show.
— Não é um anel — garanto.
Ainda não.
Entrego-o o presente e ele abre a caixa, revelando o cordão
dourado, com um pingente de camafeu oval, com um rosto feminino
em alto-relevo.
— Porra. Deve ter costado uma fortuna, cara…
Antes que eu possa dizer que comprei em um brechó, escuto
uma risada desagradável se aproximando.
— É claro que Romeu gastou o dinheiro que não temos com
aquela namoradinha dele. — Júnior aparece à minha frente, já
vestido com seu quimono. Atrás dele, uma fila de outros lutadores do
Coliseu aparece, e fico me perguntando o que diabos estão fazendo
aqui tão cedo.
Mais de quinze homens, em plena segunda-feira de manhã.
Fora que meu irmão mais velho sabe muito bem que este é o horário
que uso para treinar com Thiago, já que não tem nenhuma turma em
andamento.
— Faço o que quiser com o meu dinheiro, Júnior. — Recosto-
me no balcão, sem demonstrar o quanto a presença dele me
incomoda.
Thiago me entrega a caixinha e a coloco de volta no bolso,
sem romper o contato visual com aquele que encara.
— Você deveria estar ajudando a pagar as contas, Romeu.
Mas não… Prefere comprar presentes idiotas para a filha do nosso
inimigo.
— Do seu inimigo — corrijo-o. — Não tenho nada contra Zeus.
Além disso — continuo —, já paguei as contas esse mês. Tanto a
parcela do apartamento quanto a faculdade de Thiago. — E fiz um
rombo nas minhas economias. Agora, só tenho o suficiente para
arcar com tudo por mais um mês. — Esqueceu do nosso acordo?
Provavelmente sim. Ou preferiu ignorar, já que ele se acha
acima de quaisquer responsabilidades. Mesmo assim, o combinado
que fizemos foi cristalino: eu pagaria as prestações do apartamento e
a mensalidade de Thiago, enquanto ele tomaria conta dos gastos da
casa e do Coliseu.
O problema é que não tenho como arcar com as dívidas
anteriores. O máximo que posso fazer é garantir que elas não
aumentem.
— Foda-se o nosso acordo. Foda-se você e a sua namorada.
Quer burlar as regras? Fique à vontade. Mas não ache que as coisas
vão continuar as mesmas.
— Do que você está falando, Júnior? Que regras? —
pergunto, já sem paciência, porém sem dar sinal de desagrado.
Ele e seus seguidores se entreolham. Vejo vários acenos de
cabeça, como se já tivessem chegado a uma decisão, e esperassem
o momento da sentença.
— Estou falando do seu namoro com a filha do inimigo — ele
repete a idiotice. — Se você não terminar com ela hoje, não terá
mais o direito de treinar aqui.
“É serio isso?”, pergunto-me, olhando incrédulo para o meu
irmão.
Toda essa brincadeira de Romeu e Julieta está ficando ridícula
demais. Já é o século XXI, cacete! As pessoas podem escolher com
quem ficam.
— Não vou largar a Afrodite — declaro, sem um pingo de
dúvida na voz.
— Então — Júnior diz, erguendo o queixo —, a partir de hoje,
você está banido do Coliseu.
— Você só pode estar brincando — é Thiago quem diz, antes
de dar um passo à frente.
Estico o braço, impedindo-o de ir adiante, e me afasto do
balcão.
Olho para todos os presentes. Alguns membros novos, que
mal reconheço. Outros que cresceram comigo, naquele tatame ali.
Olho para Júnior, que tenta esconder a apreensão por trás de uma
fachada de orgulho. Com o queijo erguido e as narinas dilatando pela
respiração pesada, ele apenas finge que está confiante em sua
decisão.
É justamente por isso que pergunto:
— Você tem certeza de que é por este caminho que iremos
seguir? — Meu tom é calmo. O mesmo que aprendi a usar sempre
que discutia com meu pai.
Não adiantava berrar, chorar ou tentar racionalizar com ele.
Quanto mais eu perdia o controle, mais ele se aproveitava da
situação e me colocava em um lugar de vulnerabilidade.
É por isso que descobri a melhor forma de lidar com conflitos:
indiferença.
Ao ouvir minha pergunta, Júnior tensiona o maxilar e começa
a olhar para o lado, possivelmente refletindo sobre o que possa dar
errado caso ele me expulse.
Conheço o irmão que tenho: não importa o resultado da
reflexão, ele vai agir da forma que o faça sair por cima. Júnior é
orgulhoso demais para desistir ou mudar de ideia. Também é burro
demais para entender que nosso ego nunca pode ser maior do que
nossa inteligência.
— Está banido, Romeu. Você não é mais um Gladiador do
Coliseu.
Os seguidores de Júnior dizem “isso aí”, “com certeza” e
outras variações da mesma merda.
— Você não pode fazer isso! — Ao meu lado, Thiago está
vermelho de raiva, revezando o olhar entre mim e Júnior como se
não acreditasse que no acabou de acontecer. — Nosso pai…
— Não só posso, como já fiz. — O projeto Júpiter cruza os
braços e estufa o peito. — Aposto que ele apoiaria a minha decisão.
Enquanto isso, apenas sorrio.
Sorrio porque, mesmo sem saber, meu irmão acabou de me
libertar.
Gladiadores eram forçados a lutar pela própria vida — sempre
à mercê de escolhas alheias. Dedões virados para cima ou para
baixo determinavam se seguiam vivos ou se morriam. O Coliseu, que
hoje é considerado uma das maravilhas do mundo moderno, na
verdade era uma arena de morte. De arbitrariedade. De escravidão.
Mas não sou um escravo. Não sou um Gladiador. Inclusive,
acho que nunca fui, mesmo que tenha ficado preso por tanto tempo.
— Tudo bem, Júnior. — Deixo dois tapinhas no ombro do meu
irmão. — Boa sorte com o Coliseu.
Capítulo 37
Afrodite

— Ainda não acredito que Júnior teve a cara de pau de te


expulsar do Coliseu — falo com indignação, colocando a bolsa de
treino sobre o banco na lateral do tatame. — Não tenho ideia de
como duas pessoas tão diferentes podem ter saído do mesmo útero.
Sério. Seu irmão é um poço de arrogância e estupidez.
Na mesma hora, Romeu me abraça por trás. Com uma mão
só, ergue o meu cabelo e deixa um beijo bem na nuca, fazendo
arrepios descerem dali até o pé. Estremeço com ele às minhas
costas e escuto uma risadinha rouca.
Puta merda, meu corpo não consegue resistir quando ele está
por perto. Inclusive, Romeu tinha razão quando disse que qualquer
motivo era uma desculpa para ficarmos pelados — e, desde que
ficamos juntos, são muitas as desculpas.
Ele tem dormido na minha casa durante a semana, e eu fico
na casa dele nos fins de semana. Simplesmente não conseguimos
ficar longe um do outro.
Estou viciada neste homem, e saber que ele sente o mesmo
por mim só deixa tudo ainda mais gostoso. E intenso.
— Júnior me deu duas opções: o Coliseu ou você — Romeu
sussurra contra a minha pele, revezando palavras e beijos. — A
escolha foi fácil.
Por mais que a declaração seja bonita e me faça sentir
especial, odeio tudo o que ele diz. Na verdade, odeio o significado
disso.
Não entendo a lógica de sempre termos que renunciar uma
coisa para ter direito à outra.
Por que Romeu precisou ser banido do lugar onde cresceu
apenas por estar em um relacionamento comigo?
Por que meus amigos não aceitam que estou feliz ao lado
dele?
Nas últimas semanas, com exceção de Aquiles, todo mundo
do Olimpo se afastou de mim. Como se estar com Romeu fosse o
mesmo que ter alguma doença contagiosa. É a prova de que
Gladiadores e Deuses não são tão diferentes assim. Não quando o
assunto é essa rivalidade descabida.
Apesar de tudo, Romeu tem razão quando diz que a escolha
não foi difícil. Por mais que eu ame o Olimpo com todo o meu
coração, jamais conseguiria ficar onde não me aceitam. Onde não
aceitam quem sou e quem amo.
Por isso, acaricio a mão dele, que está sobre a minha barriga,
e digo:
— O Coliseu não te merece.
O beijo em minha nuca fica mais gostoso, e então vai se
espalhando até o pescoço. Depois, ganha caminho até a orelha.
Enquanto isso, Romeu me puxa para mais perto, fazendo com que
não haja um centímetro separando minhas costas da sua frente.
— Na última semana, o Coliseu acabou perdendo mais de
trinta membros — Romeu confessa, a voz enrolada por estar
sugando o lóbulo da minha orelha. Só não reajo ao comentário com
mais intensidade porque minha mente está virando gelatina neste
momento. A boca macia continua me beijando enquanto ele fala, e
quase não registro as palavras. — Nem sabia que as pessoas de lá
gostavam tanto assim de mim. Mas, quando souberam o ultimato de
Júnior, eles não pensaram duas vezes e viraram as costas. Acho que
Thiago e Otávio tiveram muito a ver com isso.
— Não — declaro, vendo meu corpo ganhar vida própria e
começar a rebolar contra Romeu. — Ninguém precisa de Thiago
nem Otávio para perceber que Júnior é um babaca. Era você quem
tinha que ter herdado o Coliseu. O mais honesto. O mais talentoso.
O mais digno de transformar aquele lugar em um espaço de
aceitação e dedicação ao esporte.
— Quer dizer que sou digno, honrado e talentoso, meu mel?
— Romeu me vira abruptamente, deixando-me cara a cara com ele.
— Qual é o meu maior talento? — pergunta, e há tanta malícia em
sua voz que acabo aproximando meu rosto do dele e puxando seu
lábio inferior com os dentes.
Romeu solta um rosnado baixinho, as mãos apertando minha
cintura com força.
— Seu maior talento? Hummm… — Finjo estar pensando.
Então, fico na ponta dos pés e aproximo meu rosto de seu ouvido
para sussurrar: — Aquela coisa deliciosa que você faz com a língua.
— Continue falando assim e não iremos treinar — ele diz,
subindo as mãos pela lateral do meu corpo, até que estejam
esbarrando nos seios.
A este ponto, já me esqueci do que nos trouxe ao Olimpo em
pleno domingo à noite. Ah, é! O treino. Romeu precisa de um lugar
novo, mas ainda não teve tempo de procurar uma academia. Por
isso, eu o convidei para treinar comigo — e como o Olimpo está
fechado aos domingos, ele acabou aceitando, mesmo que com
relutância.
Só que agora estamos aqui, e as mãos dele passeiam por
meu corpo. Apenas isso já é o suficiente para me deixar beirando a
incoerência.
— Nós vamos treinar, sim. — Invoco do âmago uma versão
minha menos piranha e mais determinada, e bato em sua mão. —
Não foi para isso que viemos e você não pode ficar sem treinar até
achar uma academia nova.
Resista, Afrodite. Você é forte.
— Tem razão — ele concorda, e a safada em mim fica um
pouco decepcionada. — O que eu quero fazer com você pode
esperar até chegarmos em casa.
Pronto, safada feliz de novo!
Após nos trocarmos rapidamente, começamos os
aquecimentos. Primeiro, uma série de transferências e trocas de
base, seguido de abdominais suspensos e, por último, aquecimento
jacaré.
— Quer só lutar de boa ou quer treinar algo específico? —
pergunto quando terminamos a última série.
Ele para com as duas mãos na cintura, enquanto regula a
respiração.
— Que tal um treino de pegada? Thiago tá pecando muito
nisso e preciso pegar firme com ele quando a gente puder voltar a
treinar. Ele é bom, mas fica perdendo por besteira.
Lembro da conversa que ouvi entre ele e o pai no dia do
campeonato. Era exatamente disso que Júpiter estava reclamando, e
fico me perguntando se, mesmo não estando mais aqui, a
desaprovação de seu pai ainda o assombra, ou se é apenas o amor
de irmão querendo sempre o melhor.
Independente do que for, estou aqui para ajudar.
— Beleza, vamos lá. — Bato uma mão na outra e o chamo
para vir para cima.
Romeu inicia todos os exercícios e eu o acompanho, fazendo
o papel de aluna. Já sabia que ele era um lutador talentoso por todas
as lutas que assisti em competições, mas vê-lo tão de perto, analisar
seus movimentos, sua precisão e principalmente seu espírito de
liderança só me faz sentir ainda mais ódio por Júnior, o merda ter
ficado com um lugar que deveria ser dele.
O cara não chega nem aos pés do meu namorado!
Treinamos por tanto tempo que mal vejo a hora passar. Estou
cansada, descabelada e minha respiração está ofegante, mas não
quero parar.
É aqui que encontro minha paz. E percebo que, na companhia
dele, tudo fica ainda melhor. É como se o mundo silenciasse, e toda
a mesquinharia e bobagem de famílias que se odeiam não existisse.
Em um último movimento, Romeu me segura por trás dos
joelhos e me derruba, caindo por cima de mim. Tento me levantar e
reagir, mas ele se coloca entre minhas pernas e segura meus braços
abertos contra o tatame, aproximando o rosto do meu.
— Chega, meu mel. — O sorriso que me dá é indecente de
tão lindo, e revela que ele também adorou este momento. É a
primeira vez que lutamos juntos, e acho que nunca vou me esquecer
disso. A sensação de estar com quem é certo é sem igual, não
importa a situação. — Embora você esteja adorando minhas
pegadas, acho que está na hora de descansar.
Sorrio junto.
— Mesmo correndo o risco de te deixar ainda mais
insuportável do que já é — ergo um pouco o pescoço e beijo sua
boca rapidamente —, você tem mesmo uma pegada muito boa. Mas
isso eu já sabia.
Ele se levanta em um pulo e me dá a mão, me erguendo do
tatame. Ajeito o cabelo em um rabo de cavalo e desamarro o
quimono, soltando a parte de cima e ficando só de top. Está calor
demais, e depois de tanto exercício, ficar de quimono é sufocante.
Porém, quando coloco os dedos para desamarrar a parte de baixo,
Romeu ergue a sobrancelha:
— E se alguém entrar aqui? — Ele olha para a porta,
desconfiado, e eu dou risada. Pelo visto, Romeu ficou traumatizado
com nossa última interrupção.
— Ninguém vai entrar aqui. Domingo é dia do meu pai treinar
e todo mundo sabe disso. Mas eu o avisei que viríamos e ele cedeu
o horário quando contei sua situação — tranquilizo-o e explico minha
tática: — Por isso, te falei que que não teria problema treinarmos
hoje.
Termino de tirar a calça, dobro tudo e coloco dentro da bolsa,
ficando apenas de top roxo e um shortinho preto, que sempre uso
por baixo do quimono.
— Então, quer dizer que você vai ficar andando assim na
minha frente — aponta para mim, o indicador subindo e descendo
para enfatizar meu corpo seminu —, e espera que eu não faça nada?
O modo como ele me encara seria cômico se não fosse
puramente carnal.
— Assim, como? — Coloco as mãos na cintura e o encaro. —
Com mais roupa do que a maioria das mulheres da academia?
— Você vai assim para a academia?! — ele pergunta, porém
não me encara. Seus olhos permanecem fixos em meu corpo, e
qualquer um que chegasse agora diria que Romeu nunca me viu nua
antes.
— Vou — minto. — Tem algum problema com isso?
— Vários.
— Quer regular as roupas que visto, Romeu?
— Ah, não. Você entendeu errado, meu mel. Meu problema
está no fato de não usar isso em casa, comigo. Por outro lado,
prefiro você nua.
— Jura que não se importa que eu vá para a academia
assim?
— Homens que dizem o que mulheres podem vestir são
idiotas e inseguros, minha trufinha. Não sou nenhum dos dois. Mas
confesso que estou com inveja daqueles filhos da puta que te veem
toda suada, descabelada e usando isso aqui. — Ele deixa um dedo
subir por minhas costas, traçando a espinha bem devagar, e depois
desce até a base da coluna. O toque, apesar de sutil, me faz fechar
os olhos. — Mas eles não sabem, e nunca vão saber, a perfeição
que existe por baixo.
— Só você pode me ver, Romeu. — A frase tem mais de um
sentido, e ele sabe muito bem disso. Tanto que, de repente, sou
erguida do chão.
As mãos de Romeu se posicionam na parte de trás da minha
coxa, logo embaixo da bunda. Solto um gritinho de surpresa, que não
o afeta em nada.
Comigo no colo, ele começa a caminhar, ignorando as bolsas
e a bagunça que deixamos no tatame. Os olhos presos no meu, o
desejo brilhando ali.
Romeu empurra uma porta e quase não noto que estamos no
vestiário masculino. Também não importa. Porque logo minhas
costas batem contra o armário — que, ironicamente, é o de Dionísio
—, e ele segura meu rosto com uma mão grande, enquanto a outra
me mantém erguida. A necessidade arde em seu rosto, me fazendo
derreter ainda mais.
— Acho que me enganei — declara naquele maldito tom
tranquilo. — O que eu quero fazer com você não pode esperar até
chegarmos em casa.
Sua boca toma a minha em um beijo sem qualquer reserva.
Solto uma risada trêmula, ciente de que era isso que eu
desejava desde o início.
Com as pernas enroscadas em sua cintura, Romeu agarra
minhas mãos, levantando-as sobre minha cabeça. Ele segura os
pulsos com força e se inclina para me beijar, a língua passeando
pelos meus lábios de forma provocativa.
Meu corpo se curva instintivamente, pressionando os seios
contra seu peitoral firme. Pendo a cabeça para o lado, dando livre
acesso a meu pescoço.
— Olha o que você faz comigo, meu mel — ele diz em um tom
grave, enquanto sinto seu pau prensando minha área mais sensível
e carente. — Prefiro correr o risco de morrer linchado a ter que
esperar mais um minuto para me enterrar em você…
De repente, nada mais importa. A única coisa que merece
minha total atenção é a sensação de sua boca em mim, do meu
cabelo em suas mãos, de seus lábios pressionando palavras
sussurradas em minha pele.
Tenho consciência de absolutamente tudo. Cada beijo e cada
suspiro. Cada toque e cada passear da língua. Cada respiração e
cada som.
Então, beijo-o com toda a paixão que sinto, querendo tocá-lo
e, ao mesmo tempo, adorando a sensação de estar presa. Sua
ereção fica cada vez maior e mais dura, enquanto as batidas do meu
coração aceleram.
— Eu até poderia te foder contra a parede hoje — Romeu
sussurra, mordendo meu queixo de levinho —, mas tenho outra coisa
em mente.
Não consigo encontrar palavras, por isso me limito a gemer
baixinho enquanto me esfrego nele sem qualquer pudor. O suor
escorre por meu corpo, enquanto apenas busco por mais contato.
De repente, Romeu libera minhas mãos e começa a me
carregar até os chuveiros. Depois, dá um passo para trás.
— Tire o top — ordena com uma expressão séria no rosto
assim que me recoloca no chão.
É claro que obedeço sem hesitar, liberando-me do
confinamento e exibindo os mamilos já eriçados pela expectativa do
que vai acontecer. Enquanto isso, Romeu apenas me observa,
esfregando o polegar no lábio inferior.
Se eu já não estivesse excitada, com certeza ficaria agora,
porque o modo como ele me olha é típico de um predador prestes a
devorar sua presa. E o mais incrível de tudo é que eu quero ser
devorada. Quero que Romeu me foda daquele jeito que só ele sabe.
Quero que me faça ver estrelas de tanto gozar. Quero que use meu
corpo para o seu prazer.
Com ele, eu quero tudo. O tempo todo, de preferência.
Largaria meu emprego, desistira do Jiu-Jitsu e viveria uma vida
orgásmica até meu pobre coração não aguentar mais.
Então, fico parada na frente de Romeu, com os seios
expostos e a necessidade pulsando. Minhas mãos tremem sob o
olhar lascivo que ele me lança, porém não faço menção de sair do
lugar, apenas esperando que me dê a próxima ordem.
— Agora, tire o short. — Indica com o queixo e, mais uma vez,
obedeço sem contestar. Fico só de calcinha, sentindo meu corpo
queimar com a vontade de ser tocado. — Vire de costas.
O último comando me deixa um pouco confusa, porque não
sei para onde ele vai com isso. Mesmo assim, faço o que pede.
Consigo contar até quinze, ouvindo os sons dele removendo a
própria roupa, e então sinto o calor que emana de seu corpo. Sei que
o rosto está a centímetros do meu ombro, já que minha pele suada
fica toda arrepiada quando ele diz:
— Essa bunda é minha. — A ponta de um dedo sobe da
minha coxa até o quadril, bem lentamente, apenas para se enrolar na
tira lateral da calcinha e descê-la até o chão. — Hoje, vou te comer
por trás.
Desta vez, não consigo conter o som estrangulado que
escapa por minha boca seca. Estou ofegante, com o coração
acelerado e a boceta pingando com a vontade de tê-lo dentro de
mim. E no instante que ele segura minha bunda com força e a puxa
para trás, tenho ainda mais certeza de que não estou sozinha no
desespero.
As mãos de Romeu perdem qualquer inibição quando
começam a passear por meu corpo, acariciando a curva da cintura
até chegarem aos seios. Ele os envolve com força, apertando sem
dó e beliscando os mamilos.
— Aaaah! — solto um grito que é metade prazer, metade dor.
— Mais. Eu quero mais.
Antes que eu possa dizer qualquer outra coisa, Romeu liga o
chuveiro e a água gelada bate em mim. Deliciosa, porém nem perto
de ser fria o suficiente para reduzir o calor que sinto por dentro.
Mesmo assim, deixo que acaricie meu corpo molhado.
Jogo a cabeça para trás, apoiando-a em sua clavícula, e me
permito sentir cada movimento. Agora com mais calma, as mãos
ásperas passeiam pelo vale entre meus seios, enquanto ele beija
meu pescoço.
Nem presto atenção quando alcança o sabonete líquido e
começa a me lavar. Braços, peito, barriga… tudo ganha igual
atenção.
Romeu reverencia meu corpo, ao mesmo tempo que satisfaz
minha alma.
Estar com ele é uma experiência inigualável, e não sei como
consegui passar minha vida inteira sem ter algo assim. Sem tê-lo ao
meu lado. Sem amar com essa intensidade.
Por mais que ter consciência disso me deixe em um lugar
vulnerável, nunca me senti tão segura. Nem tão certa de que é ao
lado de Romeu onde quero viver para sempre.
Então, quando ele desce a mão e encontra minha fenda
molhada, apenas relaxo e permito que faça comigo o que quiser — e
o que ele quer é me dar prazer.
Seus dedos me afastam e encontram meu clitóris inchado.
— Por favor… — começo a implorar, já me remexendo na
busca por mais.
— Está com pressa, meu mel? — Afasta meu cabelo e deixa
um beijo gostoso no meu pescoço, chupando logo em seguida.
— Me marca — peço. — Me marca com força.
Não sei o que me leva a pedir isso, também não é hora de
filosofar sobre essa vontade súbita de carregar uma exibição de que
sou dele.
Como se sentisse minha necessidade, Romeu me segura
pelos peitos, me puxa para trás e faz exatamente o que pedi. Sua
boca puxa a pele do meu pescoço, até que solto um gritinho de dor.
Antes que eu possa agradecer, sou virada no lugar e minhas
costas são imprensadas contra a parede de azulejos frios. Arfo em
surpresa, mas logo minha boca fica ocupada com a língua dele, que
me beija com fúria.
As mãos fortes me seguram pelo cabelo enquanto o peito
musculoso se esfrega em mim. Não tenho qualquer controle neste
momento, então apenas acaricio tudo o que posso, arranhando-o
dos ombros até a bunda.
Romeu geme na minha boca, e juro que sinto seu pau ficar
ainda maior.
— Diga que você é minha.
— Eu sou sua — ofego as palavras, tremendo de desejo.
— Diga que essa boceta é minha. — Com dois dedos, ele me
invade de repente, me fazendo gritar de prazer.
Gozo sem ao menos perceber que estava tão no limite.
— Romeu! — chamo seu nome, agarrando seus braços para
não cair.
Seus dedos entram e saem rápido, prolongando meu
orgasmo.
— Diga, Afrodite — ele manda.
Completamente rendida, apenas falo o que quer ouvir:
— Essa boceta é sua. — As palavras saem de forma rouca,
enquanto afundo o rosto em seu peito.
Quando se dá por satisfeito, Romeu remove os dedos de
dentro de mim, porém não por muito tempo. Antes que eu perceba o
que ele está fazendo, sinto os mesmos dedos lambuzados seguirem
para trás.
— Diga que esse cuzinho é meu — ele sussurra no meu
ouvido, circulando bem devagar a área nunca tocada.
— Tudo é seu. — Não há qualquer hesitação em minha voz,
não quando estou tão perdida nas sensações.
— Vou te comer aqui hoje, meu mel. Quero te fazer gritar de
tanto gozar no meu pau.
— Me faça gritar, Romeu — é tudo o que consigo dizer,
completamente inebriada.
No instante seguinte, já estou em seu colo, sendo carregada
para fora do chuveiro. Olho para ele e, refletido no rosto bonito, está
uma mistura de luxúria, reverência e carinho. Os mesmos
sentimentos que espero demonstrar agora também.
Enquanto caminha de volta para o centro do vestiário, sem se
preocupar em estar molhando tudo, ele me beija. Um beijo que
reveza devassidão e suavidade. Amor e loucura.
Não consigo sentir direito minhas pernas quando Romeu me
recoloca no chão, perto da mesa de apoio.
— Afrodite… — ele sussurra meu nome, acariciando meu
rosto enquanto mantém os olhos fixos em mim. — Quero você sem
nada nos separando. — Levo alguns segundos para decifrar o que
isso quer dizer, mas, assim que consigo, mordo o lábio inferior.
— Tenho um DIU — revelo, acariciando a barriga definida.
— Fiz os testes antes do último campeonato. Desde então, só
estive com você. — Saber disso me faz abrir um sorriso.
— Eu também.
Não preciso dizer sim, porque Romeu entende o que isso
significa. Tanto que volta a me beijar com força, as mãos mapeando
as curvas do meu corpo. Porém, antes que eu me sinta satisfeita, ele
se afasta.
— Vamos fazer outra coisa, meu mel?
Sem pensar duas vezes, giro no lugar e apoio os cotovelo na
mesa, empinando bem a bunda. Viro o rosto de lado e pergunto:
— É isso o que você quer?
Com um rosnado, Romeu cai de joelhos atrás de mim, as
mãos afastando minha bunda e a língua circulando meu ânus
virgem.
Solto um gritinho de surpresa.
Nunca permiti que ninguém chegasse ali. Nunca confiei em
ninguém o suficiente para relaxar. Mas com Romeu… Com Romeu
tudo é fácil. É instinto.
E eu sou dele.
Enquanto a língua me estimula, dois dedos invadem minha
boceta carente.
— Tão molhada… Tão quentinha…
Não tenho como responder. Com os peitos pressionados
contra a mesa fria, os dedos longos me penetrando num vaivém
gostoso e a língua brincando com meu ânus, estou vivendo uma
sobrecarga de sensações. A única coisa que consigo é gemer alto,
sem qualquer inibição, enquanto rebolo na cara dele.
— Apenas sinta, Afrodite — Romeu sussurra. — Sinta o que
vou fazer com você.
Então, o dedo que penetrava minha boceta substitui a língua.
Só uma pontinha entra, mas já é o suficiente para enfraquecer meus
joelhos. Ainda bem que ele está me segurando.
— Alguém já disse que você é linda aqui também? — Bem
devagar, o dedo vai mais fundo. — Só relaxe, meu amor. Relaxe que
vou cuidar de você.
O vaivém continua. Primeiro devagar, depois um pouquinho
mais rápido. Agora o dedo inteiro está dentro de mim, e a sensação
é… incrivelmente boa. E confusa.
Queria ter tempo de decifrar melhor o que está acontecendo,
mas então Romeu enfia o rosto por baixo de mim, entre minhas
pernas, e começa a chupar meu clitóris.
— AAAH! — solto em um grito e preciso me agarrar à mesa
para não cair de tanto prazer.
Estou tão perto de gozar que sinto meus dedos começarem a
se contrair. Só que, de repente, Romeu se afasta.
— Por que parou? — questiono, ofegante.
— Porque tenho planos melhores para você, meu mel.
— O q… Nã… — gaguejo incoerências, virando o rosto para
encará-lo.
Quando faço isso, vejo-o já de pé, atrás de mim, com um
sorriso indecente no rosto e nada cobrindo seu corpo definido.
— Fique bem quietinha aí.
Obedeço como a boa cadela no cio que sou. Ele dá um tapa
na minha bunda e, em seguida, deixa uma mordida no mesmo lugar
que bateu.
Preciso fechar os olhos e morder o lábio para segurar o
gemido.
Então, Romeu se afasta um pouco e fico me perguntando o
que diabos ele tem em mente. Presto atenção a cada um de seus
movimentos e me sinto ainda mais confusa quando o observo se
abaixar para pegar o quimono que havia deixado no chão.
Mas, na verdade, não é o quimono que ele pega, e sim sua
faixa preta. Com ela nas mãos, Romeu caminha até mim. Não há
mais sorriso em seu rosto, apenas uma determinação que acelera
meus batimentos.
Seu corpo inteiro está rígido: uma prova de que ele também
está ansioso pelo que vai acontecer.
— Vamos brincar, Afrodite? — A voz grossa me causa
arrepios, e a promessa contida nas três palavras me faz contorcer no
lugar. — Braços para trás.
Hesitante, porém sem desviar o olhar do dele, cruzo os pulsos
na base das costas e vejo-o sorrir.
Adeus, Romeu bonzinho.
Olá, Romeu devasso.
Há uma perversidade controlada ali, e não sei qual versão
dele eu gosto mais.
Ele amarra meus pulsos com a faixa, dando um nó firme. Em
seguida, puxa para verificar se não vou conseguir me soltar sozinha.
Ao ver que conseguiu me deixar exatamente do jeito que quer, dá
dois passos para trás e me observa.
— Quase perfeita — diz e franzo o cenho.
Meu Deus, o que mais ele quer? Já estou com o torso deitado
em uma mesa, com a bunda para o alto e uma faixa preta amarrando
minhas mãos.
Estou prestes a reclamar quando Romeu começa a subir
beijos pelas minhas costas, até chegar ao ombro. Ele se inclina
sobre mim e sussurra:
— Fique quietinha aí que eu já volto. — Sinto seu pau duro
roçar na fenda da minha bunda e preciso me conter para não rebolar
contra ele.
Também não tenho tempo, porque, com um último beijo no
meu cóccix, Romeu se afasta calmamente.
Maldito.
Conto até dez, que aumenta para trinta, quarenta… No
cinquenta e três, ele reaparece carregando uma outra faixa preta.
— Hoje, quero que você se entregue a mim de todas as
formas. — Não sei se é uma promessa ou uma ameaça.
Não importa, porque minha resposta é a mesma:
— Sim.
Ele sorri e assente. Em seguida, como se já tivesse o plano
todo mapeado na mente, Romeu se aproxima do meu rosto e me
beija. Sua língua domina a minha com destreza.
Tento me levantar para beijá-lo melhor, só que sou empurrada
para baixo de novo. Ele não coloca muita força no movimento,
apenas o suficiente para que eu entenda seus desejos: não posso
sair daqui.
Quando abro a boca para contestar, ele passa a faixa por
entre meus lábios, calando-me.
Arregalo os olhos com a surpresa, sentindo meu coração
martelar dentro do peito. Ao mesmo tempo, sei que nunca estive tão
molhada. Meu ventre se contrai com a necessidade de senti-lo
dentro de mim.
— Se não quiser… — ele diz.
Não sei se balançar a cabeça traria uma resposta que ele
possa entender. Por isso, respondo de outra forma: rebolando contra
aquele pau duro e delicioso.
Nunca pensei que viveria um momento como este. Na
verdade, nunca pensei que confiaria tanto em alguém a ponto de me
permitir ficar tão vulnerável. Mas com Romeu…
Para ele, eu me entrego por completo. Sem reservas. Tanto
meu corpo quanto meu coração.
Acho que Romeu vê exatamente o que sinto no modo como
olho para ele, porque seu sorriso muda. Por um minuto, volta a ser
meu Romeu de sempre e desce o rosto de novo para me beijar —
mesmo que por cima da faixa que já enfiou na minha boca.
— Vou te foder bem gostoso agora — ele sussurra, suga o
lóbulo da minha orelha e me penetra de uma vez só.
Solto um grito, abafado pela faixa, quando sinto-o dentro de
mim. Sem. Nada. Nos. Separando. Finalmente estou preenchida,
tanto que minha boceta o agarra com força, como se o estivesse
proibindo de deixá-la.
— Que gulosa… — Romeu sente cada uma das contrações e
me aperta pela cintura. — Já estava com saudade de mim, amor?
O impacto do novo apelido bate, e não sei para onde olhar
agora. Então, apenas contraio um pouco mais e ele geme, sem
perceber o quanto é capaz de me afetar.
Ele ergue as costas e começa a realmente se mexer. O entra
e sai é bruto, e fica ainda mais gostoso quando deixa outro tapa na
minha bunda.
Um gemido escapa no mesmo instante que ele desacelera. Se
eu pensei que as coisas ficariam menos intensas, estava muito
enganada, porque Romeu aproveita o passo lento para rodear meu
ânus com o dedo.
No instante que a pontinha me invade, fecho os olhos e
relaxo.
Seu pau entra e sai da minha boceta encharcada, seguindo o
mesmo ritmo do indicador. Logo em seguida, o dedo do meio se
junta… e o gemido agora é quase um berro.
Romeu me fode com força, segurando-me pela faixa enquanto
me puxa contra seu corpo.
Meu Deus, acho que vou morrer.
— Goza pra mim, Afrodite. Quero sentir você me lambuzar
inteiro.
Ele não precisa pedir duas vezes. Todas as minhas células
respondem ao mesmo tempo, explodindo ao seu redor e me fazendo
ver uma luz branca quando fecho os olhos.
Desta vez, Romeu realmente precisa me segurar para que eu
não vá ao chão.
— Gostosa pra caralho — diz com o rosto colado ao meu.
Sinto seu corpo inclinado me tocar e nossos suores se misturarem.
— Como é bom sentir você sem nada. Mas, agora, vamos tirar isso
aqui. — A faixa é removida da minha boca, me permitindo esboçar
um sorriso lânguido. — Preciso que você fale comigo, está bem?
Preciso que me diga se está doendo.
Acho que ainda estou meio arrebatada pelo orgasmo, porque
só entendo o que ele quis dizer quando seus dedos saem de dentro
de mim e são substituídos por algo mais grosso.
— Tudo bem? — pergunta.
Levo um tempo para formular uma resposta. Não porque
esteja ruim, mas porque tudo está acontecendo rápido demais.
— Ótimo — esforço-me para dizer.
— Vou bem devagar, meu amor… — Sinto-o se mexer atrás
de mim, e ele me penetra mais. — Um pouquinho de cada vez.
Assinto, mas essa calma toda me irrita.
— Romeu? — chamo
— Quer que eu tire?
— Não — é tudo o que digo antes de chegar o corpo para trás
e engolir seu pau de uma só vez.
Não sei quem grita mais alto, porém o prazer é tanto que
pouco importa. Romeu me segura pela faixa, a coluna já ereta, e me
mantém parada no lugar.
— Caralho, mulher! Quer me matar?
— Me fode com força. Você prometeu que me faria gritar de
tanto gozar.
Ele solta uma risada maliciosa e, com um tapa na minha
bunda, começa a se mexer. O vaivém começa lento, como se Romeu
precisasse ter certeza de que estou bem.
Quero dizer a ele que nunca estive melhor, porém limito-me a
encontrá-lo em cada um de seus movimentos, empurrando para trás
enquanto ele empurra para frente.
Nunca pensei que ser comida assim era tão prazeroso. Mas
talvez seja apenas a consciência de que estou fazendo isso com
alguém que jamais me machucaria. Como se quisesse me provar
isso, Romeu diminui a intensidade das estocadas e sai de dentro de
mim.
Antes que eu possa protestar, ele me faz erguer as costas e,
em seguida, me vira de frente. Tudo é feito devagar e com carinho.
— Vem aqui. — Romeu me pega no colo e me leva até o
chão, colocando a parte de cima do quimono estendida para que eu
me deite por cima.
Ele se ajoelha entre minhas pernas, ergue um pouco meu
quadril e apoia minhas coxas nas suas. Depois, bem devagar, me
penetra de novo. Cada maravilhoso centímetro me alargando ao
máximo.
É impossível não revirar os olhos com a invasão deliciosa, só
que tudo fica ainda mais intenso quando sinto seus dedos buscarem
meu clitóris.
— Promessa é dívida, amor. — Então, ele me masturba
rápido, ritmando com as estocadas vigorosas.
Seguro meus seios com um braço, enquanto estico o outro
para alcançá-lo. Romeu estende uma mão e segura a minha, já a
outra permanece me enlouquecendo.
Neste momento, estou reduzida a gemidos incoerentes e
sensações incontroláveis. Não sou nada nem ninguém, ao mesmo
tempo que sou e sinto tudo. Uma confusão deliciosa de prazer,
ouvindo meu homem dizer meu nome compulsivamente.
Ele soca com força, sem pena, e adoro cada segundo dessa
mistura de prazer ilícito e dor estimulante.
— Romeu? Não para. Por favor, não para — imploro, sentindo
algo crescer dentro de mim. — Tem alguma coisa acontecendo…
Antes que eu consiga explicar o que não entendo, ele solta a
minha mão e enfia dois dedos dentro de mim, curvando-os um
pouco, enquanto os outros seguem balançando meu clitóris de um
lado para o outro.
— Vem, amor.
Eu não sei como ele consegue fazer isso, mas já estou
berrando. Berrando e subindo. Berrando e… caindo.
Quando desabo, a impressão que tenho é de que fui jogada
de um prédio. O berro rasga a minha garganta, ao mesmo tempo que
uma contração intensa me obriga a… a…
Arregalo os olhos e vejo aquilo que não consigo entender. O
prazer é tão intenso que um jato sai de mim. Um esguicho longo e
transparente, que molha a barriga de Romeu, e a minha também.
Arqueio as costas, tremendo dos pés à cabeça, porém ele não
para de me estimular.
Não sei quantas vezes gozo, mas sei que esguicho de novo
quando sinto-o latejar dentro de mim.
— Afrodite, caralho!
Romeu tomba na minha direção, enterrando o rosto no meu
pescoço enquanto urra de prazer. Envolvo-o pelas pernas,
compartilhando o impacto do que acabamos de fazer.
Um minuto se passa. Talvez dez ou trinta, não sei. Romeu sai
com cuidado de dentro de mim e sinto as evidências de seu orgasmo
escorrerem por minha bunda.
— Como você está se sentindo? — ele pergunta, caindo para
o lado. Em momento nenhum para de me tocar, tanto que, agora,
uma mão acaricia meu rosto enquanto a outra apoia a cabeça.
— Responderei à sua pergunta quando recobrar a consciência
— brinco, oferecendo minha boca para um beijo.
Sou recompensada com algo doce, calmo. Íntimo demais.
— Você é perfeita, sabia?
— Se você me criticasse depois de tudo o que fizemos, juro
que arrancaria seu pau fora — aponto o óbvio e ele solta uma
gargalhada gostosa.
— Eu não te critico, meu mel. Eu só te amo mesmo.
Ah, essas palavras… Elas são capazes de destruir e
reconstruir. Só que, no momento, me vejo incapaz de segurá-las por
mais um segundo sequer.
— Também te amo, Romeu.
Meu coração parece que vai sair pela boca a qualquer
segundo, porém o sorriso que recebo em resposta acalma tudo
dentro de mim.
Romeu aproxima o rosto do meu e cola nossas testas. Sua
respiração está pesada, como se ele não soubesse o que fazer
agora.
— Pensei que você nunca me diria essas palavras, meu
limãozinho. — Ele deixa um beijo rápido na minha boca, nada além
de um selinho. — Obrigado.
O fato de ele agradecer representa muito. Com essa única
palavra, ele está dizendo que valoriza meu sentimento, que sabe o
quanto é difícil para mim conseguir verbalizar o que se passa aqui
dentro. Que vai valorizar o meu amor.
— Obrigada por me mostrar que o amor não foi feito para
doer.
— Tudo o que eu quero é te fazer feliz, Afrodite — Romeu
garante, e o tremor em meu estômago, pela primeira vez na vida, me
faz sorrir.
É por isso que me jogo em cima dele e encho-o de beijos,
cansada de me segurar. Fodam-se as reservas. Foda-se a armadura.
Nunca me senti tão livre.
— Acho que precisamos de outro banho — ele diz, antes de
se levantar e oferecer a mão para mim.
Quando fico de pé, sinto os efeitos do que acabamos de fazer.
— E eu preciso de uma massagem quando chegar em casa.
— Rolo os ombros e Romeu me oferece um sorriso torto.
— Já te disse, amor: seu desejo é uma ordem.
Ele entrelaça nossas mãos e começa a me puxar até o box.
Porém, antes de conseguirmos entrar, o celular dele toca.
— Se for uma ex, uma maria-tatame ou qualquer contatinho,
juro por Deus que…
— Que você vai fazer alguma coisa com meu pau — ele
termina a minha frase e deixa um beijo rápido na minha boca. —
Confie em mim, Afrodite. Eu sou seu.
Ah, essas três palavras.
Com a maior cara de idiota apaixonada, observo-o pegar o
celular. Só que no momento que encara a tela, sua expressão muda
e Romeu fica branco como papel. Por mais que eu não saiba explicar
o motivo, algo dentro de mim estremece.
Então, ele atende.
— Oi, Dalton.
Capítulo 38
Romeu

Um mês passa voando quando você finalmente está com a


mulher por quem sempre foi apaixonado. Três dias se tornam a porra
da eternidade quando você tem que deixar essa mesma mulher para
trás. Principalmente por algo que você não tem a menor culpa.
Sabia que isso iria acontecer. Na verdade, procurei por isso.
Liguei e pedi uma oportunidade porque sabia que esta era a
única chance de conseguir o dinheiro necessário para quitar as
dívidas. O tempo está ficando curto demais, e com minha mãe
prestes a perder o apartamento, tive sorte de ter conseguido esse
trabalho.
Sorte. Que irônico.
Por um lado, consegui o que preciso. Por outro, estou prestes
a perder o que quero.
São essas dualidades que fazem da vida uma boa merda.
Só que eu também tinha plena consciência de que não estaria
preparado para quando acontecesse, principalmente depois de ter
Afrodite para mim. Foi por isso que, durante o último mês, mal
pensei no assunto. Foquei no presente e na dádiva que era ter a
mulher mais incrível do mundo ao meu lado.
Eu me iludi achando que o destino poderia sorrir para nós
dois. Afinal, desde que ficamos juntos, nada foi fácil. No início, ela
estava apaixonada por outro. Depois, nossas famílias fizeram de
tudo para nos separar. E agora… agora não tem jeito mesmo.
Estou fodido e não tenho ideia do que fazer.
Dizer que não consigo dormir direito desde que Dalton me
ligou é um eufemismo. A verdade é que, desde que desliguei o
celular e fui obrigado a encarar os olhos assustados de Afrodite e
explicar para ela o que eu precisava fazer para consertar o estrago
que meu pai causou, meu mundo parou.
Tudo ruiu bem na minha frente, como um castelo de cartas em
meio a uma ventania.
Primeiro, ela não processou direito a informação e tentou de
todas as formas me ajudar a pensar em alternativas. Sugeriu
empregos na cidade, pegar um empréstimo e até virar famoso no Tik
Tok (porque, de acordo com Afrodite, eu tenho o corpo perfeito para
isso). Mas quando coloquei as cartas na mesa e mostrei que os
gastos não eram qualquer coisa, que o teto sobre a cabeça da minha
mãe e o sonho do meu irmão dependiam disso, ela entendeu que
aquilo estava realmente acontecendo.
Entendeu, mas não sei se aceitou.
Eu não aceitei, caralho! E o pior de tudo é que estou arcando
com as consequências dos atos alheios. Meu pai criou o caos e me
deixou para resolver a merda sozinho. Nem do túmulo esse filho da
puta me dá sossego!
Mas não adianta reclamar. A dura realidade é que preciso ir
embora.
Então, quando Afrodite percebeu o tamanho do problema, ela
foi para sua casa. Disse que precisava de um tempo para pensar.
Que tinha que lidar com os próprios sentimentos sozinha.
Mesmo com o coração sangrando, deixei que fosse.
Mas, quando pisei em meu apartamento e tudo parecia gritar
a presença dela, eu me desesperei. Liguei, mandei inúmeras
mensagens e… nada. Sem resposta. Então, andei pela casa,
estilhacei um copo na parede, gritei sozinho com o ar, amaldiçoei
meu pai e verifiquei meu celular mais vezes do que posso contar.
A pior parte de seu silêncio é saber que ela está sentindo o
mesmo que eu. Que está tão machucada quanto eu. Mas quando
estava a ponto de ir bater na porta de sua casa às três da manhã, ela
me surpreendeu fazendo isso primeiro.
Com os olhos vermelhos e o rosto inchado, sua agonia refletia
aquilo que me corroía por dentro. Sem conseguir me segurar, puxei-a
para um abraço apertado, sem dizer uma única palavra. Quando
senti suas lágrimas em meu ombro, tinha certeza de que era capaz
de morrer.
E as palavras dela quase terminaram o serviço:
— Já que só temos três dias, quero ficar com você.
✽✽✽

Dobro com cuidado a blusa fina de linho e a coloco na mala


aberta sobre a cama. Estou levando pouca coisa, apenas o básico.
Por algum motivo, isso me dá a sensação de que o tempo que vou
passar em Abu Dhabi será menor. Que não é nada permanente.
Como se, de alguma forma, isso fizesse eu me sentir um pouco
melhor.
Que mentira da porra. Quem eu estou tentando enganar?
Nada é capaz de fazer com que eu me sinta melhor, nem
mesmo saber que esta é a única solução para todos os malditos
problemas que estão me levando até lá. Principalmente quando olho
para a poltrona no canto do quarto e vejo Afrodite ali, enrolada em
uma manta minha, aninhada em uma bola.
Ela não esboça nenhuma reação: não fala, não me ajuda com
as malas, não faz qualquer comentário e mal responde às minhas
perguntas.
O pior é que, por mais terrível que seja vê-la nessa situação,
ainda prefiro que esteja ao meu lado do que longe. Quero aproveitar
cada minuto de sua presença, mesmo que em absoluto silêncio.
Preciso que Afrodite saiba que, se não fosse pelos motivos certos,
eu jamais iria para longe dela.
Sei que não me odeia pelo que preciso fazer. Ela já deixou
isso muito claro em todas as conversas que tivemos desde que
recebi a fatídica ligação. Mas, por algum motivo, preciso dessa
confirmação mais uma vez. Preciso ter a certeza de que ela sabe
que não a estou abandonando, não três dias depois de tê-la ouvido
dizer que me ama pela primeira vez. É só uma fase, e vamos passá-
la juntos.
— Você entende por que preciso ir, não entende, meu mel?
Afrodite abre os olhos, vermelhos e inchados, e me fita por um
longo tempo. Não diz nada pelo que parece uma eternidade, e meu
coração começa a acelerar. Quando acho que perdeu a capacidade
de conversar comigo, ela finalmente diz:
— Claro que entendo. — Seu suspiro é alto e pesado demais.
— Eu faria o mesmo pelas pessoas que amo.
Eu deveria saber disso. Ela tem um coração tão grande e um
amor tão genuíno pelas pessoas que são importantes para ela que
não pensaria duas vezes em se sacrificar como estou fazendo, nem
me julgaria por tal ato.
Mas isso não impede que esteja ferida. Afrodite nunca
conseguiu esconder o que sente, e agora está mais nítido que
nunca.
Eu deveria encontrar algum pingo de felicidade em vê-la
devastada. Afinal, isso prova que realmente me ama. Que não disse
aquelas palavras em vão. Mas não consigo. O único sentimento que
corre em minhas veias é desespero.
Queria me arrepender de ter pedido um emprego a Dalton,
mas aí minha mãe perderia a casa e meu irmão, seu sonho de ser
médico.
Queria poder odiar meu pai com ainda mais força, só que não
adiantaria de nada. Ele está morto, e não há nada que possa fazer
para consertar as merdas que causou em vida.
Queria encontrar alguma solução que não me levasse para sei
lá quantos mil quilômetros de distância dela.
Eu queria muitas coisas, só que, no final, eu só quero Afrodite.
— Você também é uma pessoa que eu amo — digo, porque
preciso que se lembre disso enquanto eu estiver fora. Porém, em vez
de responder, ela fica calada.
Largo as roupas de qualquer jeito na cama e vou até a
poltrona. Agacho em frente a ela, buscando seus olhos, confuso e
aflito com essa reação inesperada. Quando desliguei o telefone após
a ligação de Dalton, imaginei que ela me xingaria, me mandaria para
o inferno, chamaria o Olimpo em peso para me bater. Mas isso? Isso
é completamente novo, e não sei como reagir.
Levanto a mão e corro os dedos por seu rosto, lembrando dos
detalhes de como ela se entregou a mim no Olimpo. De como
confiou e deu tudo de si — de corpo e alma —, de como disse que
me amava pela primeira vez, para logo em seguida eu a
decepcionar.
Porra, me sinto um merda.
— Amor, por favor… Fale comigo.
Nada.
— Eu queria que tivesse alternativa. Eu queria que… —
Guardo as palavras, porque elas não mudarão o que precisa ser
feito. Mas tudo dentro de mim dói, queima e arde.
Então apenas encosto minha testa em sua perna, pousando
as mãos em suas coxas, uma de cada lado. Queria ter um
superpoder capaz de tirar a dor que nós dois estamos sentindo. Ou,
pelo menos, saber a coisa certa para dizer neste momento. Mas
como não tenho porra nenhuma, digo apenas o que sinto
profundamente dentro de mim.
— Me perdoa?
Depois do que parece uma hora, sinto seus dedos correrem
por meu cabelo, em um carinho apático. Ela abaixa o próprio corpo,
deitando seu rosto sobre minha cabeça, e sinto as lágrimas
molharem meu couro cabeludo. É neste momento que eu quero
morrer.
— Não preciso te perdoar. — Sua voz soa tão baixa que
demoro um pouco para entender que ela estava falando algo. — O
que você está fazendo é o certo pela sua família. Eu só…
— Vem comigo — peço, agarrado a ela. Incapaz de soltá-la.
— Você sabe que não posso. — Afrodite funga e sinto seu
choro aumentar. — Tenho meu trabalho, meu pai, a Íris…
— Vem comigo por alguns meses, depois você decide se quer
continuar ou não — argumento, tentando encontrar qualquer
maneira, nem que seja irracional, de sanar um pouco desse
sofrimento.
— Não posso — ela decreta, ao mesmo tempo que sua mão
para de me acariciar. — Ir atrás de você significaria abrir mão de
mim, e nunca mais farei isso. Sem contar que não tenho um
emprego lá e precisaria ser sustentada.
— Faria isso com um sorriso no rosto, amor.
— Eu sei, mas eu odiaria cada segundo. — A confissão dela é
uma faca no meu peito. — Além do mais, você precisa de cada
centavo que vai ganhar. Se eu fosse, seria um gasto extra.
— Sei que tem razão, mas odeio tudo isso. Odeio ter que me
afastar de você, mesmo que por um ano ou dois.
Dalton conseguiu não um, mas dois trabalhos para mim. Um
deles é como professor na sua academia, e outro é como professor
particular de um príncipe não sei das quantas. Ele e a filha mais
velha querem ter aulas de Jiu-Jitsu, e por que não contratar alguém
para ir ao palácio às terças e quintas?
Inclusive, é por causa deles que preciso sair daqui em tempo
recorde: as aulas começam semana que vem. Passei os últimos dois
dias resolvendo coisas com a faculdade e cancelando meu contrato
de aluguel. Minha mãe e Thiago vão ficar responsáveis pela
mudança. Enquanto isso, Júnior continua sendo um pau no cu que
não ajuda em porra nenhuma.

— Um ou dois anos… — Afrodite repete, como se dizer em


voz alta tornasse o tempo que passaremos longe real.
— Vai ser difícil no começo, amor. — Beijo sua pele, enquanto
continuo sentindo suas lágrimas caindo. Isso só faz com que eu me
sinta ainda mais desesperado em manter vivas as esperanças de
que daremos certo, mesmo à distância. — Mas vai passar rápido.
Darei um jeito de te ligar todos os dias. E assim que eu tiver dinheiro
o suficiente para resolver tudo, vou voltar. Eu te prometo, meu mel,
vai ficar tudo bem.
— Vai ficar tudo bem — ela repete, soluçando de leve. Só de
ouvi-la dizer isso já relaxo um pouco. — Você me fez bem desde que
nos conhecemos, Romeu. Me mostrou que eu não precisava de
ninguém quando já era completa. Você pegou uma alma em pedaços
e provou que eu poderia voltar a viver. Que eu poderia ser feliz como
nunca fui. E tudo isso muito antes de ficarmos juntos. — Há uma
pausa, como se ela estivesse tomando coragem para dizer o que
precisa. — Isso me fez ver uma coisa: não quero ficar sem você,
mas sei que posso, se for necessário.
Há um silêncio mortal enquanto processo o que ela acabou de
dizer. Meu estômago se revira, porque estou entendo aonde vamos
chegar com isso.
— No momento, acho que é necessário. — Devagar, ela se
levanta da poltrona, me obrigando a tirar a cabeça de seu colo.
As palavras me deixam atordoado. Talvez não tenha ouvido
direito.
— O que você quer dizer com isso, amor?
Faço um esforço hercúleo para me erguer do chão. Minhas
pernas não obedecem, meus músculos perderam a rigidez. E meu
coração… nem sei o que falar sobre ele.
Mas, neste momento, Afrodite não me encara. Ela segue até a
janela e apoia as mãos no peitoril, abaixando a cabeça. Vejo sua
respiração ficar mais pesada. A minha também fica.
Não sei o que está acontecendo, também não quero saber.
Quero ignorar o mundo, puxá-la para a cama e fingir que
todos os problemas não existem.
Mas então ela se vira abruptamente e fixa os olhos em mim:
— Você vai ficar bem, Romeu. Nós vamos ficar bem.
— Juntos, você quer dizer? — busco confirmação. E no
momento que ela tomba o queixo, meu mundo desaba outra vez. —
Afrodite?
Acompanho cada respiração pesada, cada ofego e cada
lágrima que volta a escorrer. Sem conseguir me manter longe, corro
até ela e a seguro pelos ombros, forçando-a a me encarar.
— Afrodite?
— Não posso fazer isso, Romeu. — Sua voz não passa de um
fiapo, como se estivesse usando todas as energias que restam para
partir meu coração. — Não posso viver um amor platônico de novo.
Não posso passar anos esperando um homem que talvez nunca seja
meu. Não posso… — Afrodite engasga as últimas palavras e se joga
sobre mim, chorando compulsivamente.
Não chorei quando meu pai morreu, mas agora é inevitável.
Ouvi-la dizer que não tem espaço para mim em sua vida é a
pior sensação do mundo. E me corta por dentro saber que sou eu o
causador de tanto tormento.
Com uma necessidade gritante, busco seus lábios uma última
vez.
— Eu te amo, Afrodite. — Sei que soo desesperado, mas é
porque estou.
Por favor.
Por favor, por favor, por favor.
Ela apenas balança a cabeça, piscando para afastar as
lágrimas, e sei o que isso quer dizer. Ela também me ama, mas para
que colocar em palavras, se estou indo embora?
Seu rosto está carregado de angústia quando ela alcança a
porta do meu quarto, e a postura diz que eu não devo ir atrás.
Assisto à mulher que amo ir embora, enquanto lágrimas correm por
minhas bochechas, ensopam minha camisa, rasgam meu peito de
dentro para fora.
— Tchau, Romeu. Tenha uma ótima viagem.
Sem dizer mais nada, Afrodite sai da minha vida.
Capítulo 39
Afrodite

Não sei há quanto tempo estou andando sem rumo no meio


da rua. Perdida no bairro que vivi minha vida inteira, como se essas
mesmas calçadas que me viram crescer fossem completas
estranhas.
Meus pés batem no pavimento, porém não sinto nada.
Também não sinto quando a chuva começa a cair, tão fraca e
insignificante quanto eu. Apenas continuo andando.
Não posso ir para casa agora. Tudo lá dentro já tem o cheiro
de Romeu.
No último mês, minhas gavetas foram invadidas por suas
roupas, meu banheiro tem sua escova de dente, o perfume que
sempre usa e até um maldito creme de barbear — que aprendi ser
melhor do que sabonete líquido na hora de raspar as pernas. Na
cozinha, a geladeira está cheia das coisas que ele fez. A sala tem
uma pilha de livros que Romeu estava lendo para o seu doutorado.
Minha vida foi preenchida por ele e nem me dei conta. Apenas
aceitei que, daquele momento em diante, aquela era minha
realidade. Uma realidade confortável e compartilhada, cheia de
carinho, risadas, sexo e apelidos.
Romeu invadiu meu mundo e deixou sua marca nele. Apenas
para me deixar logo em seguida.
É por isso que ando sem destino, porque até o Olimpo — o
lugar que sempre foi meu refúgio — tem lembranças dele. E não são
lembranças fáceis.
Foi no Olimpo que me dei conta de que não estava mais
apaixonada por Dionísio e tomei a decisão de ficar com Romeu. Foi
no Olimpo que enfrentei meus medos por ele, brigando com a minha
família para defendê-lo. Foi no Olimpo que me entreguei por
completo e disse que o amava.
Pensei que álcool fosse um bom entorpecente, mas nada se
compara à potência da tristeza. Essa tristeza profunda, que rasga a
alma e dilacera o peito. Que transforma seu sangue em lágrimas e
faz com que você se resuma a uma poça de nada.
E por mais que eu tenha jurado nunca mais chegar ao fundo
do poço por conta de um homem, é impossível controlar a dor
lancinante da perda.
Romeu diz que faremos dar certo, mas não posso… Paro de
andar, sentindo que o ar não está entrando em meus pulmões
quando o pensamento me toma.
Apoio as mãos nos joelhos e ofego. Tento respirar, mas é em
vão. Meu coração martela dentro do peito, como se lutasse contra as
barreiras do meu corpo. Ele quer sair de dentro de mim e correr até
seu dono. Quer correr até Romeu e se jogar aos pés dele, implorar
para que fique, que não nos abandone.
A impressão que tenho é de que uma mão invisível se fecha
ao redor da minha garganta, bloqueando as vias aéreas e me
provando que não nasci para ser feliz. Não nasci para sentir.
Não nasci para amar.
Sempre que eu amo, eu perco. Sempre que eu perco, eu
morro um pouco por dentro.
Pior do que a dor da perda, só a dor da reconstrução.
Cansei de lutar. Cansei de me refazer. Cansei dessa vida de
merda, que parece me odiar pelo simples fato de eu existir.
Romeu me deu o mundo e me mostrou a felicidade, apenas
para ir embora. Para me deixar sozinha de novo, sem saber o que
esperar do amanhã.
Um ou dois anos, ele disse.
Pode ser pouco tempo para alguns, porém tento imaginar
como será minha vida sem ele durante vinte e quatro meses.
Setecentos e trinta dias. Dezessete mil, quinhentas e vinte horas.
Isso é, sim, tempo demais longe da pessoa que amo. Daquele
que me faz rir. Daquele com quem posso ser eu mesma e amar à
minha maneira.
Ter consciência disso remove o resto de força que minhas
pernas lutavam para manter. Sem qualquer controle, acabo indo ao
chão. Desabando, tanto na rua quanto em lágrimas.
O choro compulsivo toma conta de mim, e não vou tentar
segurá-lo. Não quero.
— Ei, moça, tá tudo bem? — Escuto uma voz chamar, porém
não a registro. Não é a voz de Romeu, então não faz diferença. —
Moça!
De repente, minha bochecha começa a ser lambida e me
assusto. Quando olho para cima, dou de cara com um cachorro
nitidamente desesperado. Ganindo baixinho enquanto enfia o rosto
no meu.
Conheço esse cachorro.
— Wick, sossega. Deixe a moça respirar. — Subo o olhar
mais um pouco e dou de cara com meu vizinho policial. Seu rosto
fica embaçado por causa das lágrimas que não param de cair.
Não lembro o nome dele. Na verdade, nem sei se ele me
disse. Só que nada disso importa. Apenas continuo no chão, sem ter
como me erguer.
Uma metáfora perfeita para a minha vida.
— Moça, você precisa de ajuda? — O homem se agacha ao
meu lado e o reconhecimento toma conta de seu rosto. — É você!
As palavras travam dentro de mim, incapazes de sair. Neste
momento, só consigo chorar. Wick vem para o meu colo, me
lambendo e tentando me despertar desse transe de tristeza.
É com muito esforço que ergo a mão e acaricio seu pelo
macio. Mas assim que enfio os dedos na pelagem, a quantidade de
lágrimas aumenta.
Agarro-me ao animal, enfiando o rosto em seu pescoço, e
desabo ainda mais. Preciso de alguém. Preciso de um abraço.
Preciso saber que não estou sozinha de novo — nem que minha
companhia seja a porra de um cachorro desconhecido. Mas Wick
não parece se importar. Ele fica parado, servindo de apoio
emocional.
— Ei, o que aconteceu? — O homem pergunta e sinto sua
mão tocar meu ombro.
Talvez eu devesse reclamar, porém apenas agarro-me ao cão
com mais força.
— Shhh… Qual é o seu nome? — Não consigo falar. —
Vamos, por favor. Você não deveria ficar sozinha na rua, a essa hora
da noite. A chuva está começando a piorar
Bem devagar, ele remove minhas mãos de Wick e me pega no
colo. Quero protestar, dizer que não sou uma criança que precisa ser
carregada, só que apenas o abraço de volta e choro em seu peito.
Patética.
Se Romeu me visse agora, com certeza morreria de ciúmes.
Mas Romeu vai embora nas próximas horas, e não há nada
que eu possa fazer para que ele fique comigo. Também não sou
egoísta a ponto de obrigá-lo a me priorizar, quando é sua mãe quem
precisa de mais ajuda agora.
Por isso, limito-me a tirar as energias de um estranho.
— Venha. Vou te levar para casa. — Ele começa a andar
comigo em seus braços, e posso ouvir os passos do cachorro ao
nosso lado.
Leva um tempo para eu registrar o que disse, mas assim que
o faço, ergo o rosto, assustada.
— Minha casa não — sussurro, fazendo um esforço
monumental para dizer as poucas palavras.
— Para onde você quer ir? Está machucada? Precisa de um
médico? Um hospital?
Quero perguntar se ele conhece algum médico que conserte
corações partidos, porém sei que não existe. Já procurei… e falhei.
Então, balanço a cabeça em negativa.
— Tem certeza? — A expressão espantada dele só prova que
meu estado é realmente deplorável. — Você não parece nada bem.
Acho melhor te levar para…
— Não. — Soo rouca, mas crio forças para ditar o único
endereço que me lembro.

✽✽✽
— O que aconteceu com ela? — meu pai pergunta aos berros
quando me vê no colo de um estranho.
— Não sei. Ela não quer falar nada.
De repente, sou trocada de braços. E no instante que sinto o
cheiro tão familiar do homem que sempre esteve ao meu lado,
agarro-me a ele com força e choro ainda mais na curva de seu
ombro.
— Pai… Me ajuda.
Escuto os dois conversando alguma coisa e, logo em seguida,
ouço o barulho de porta sendo fechada. Então, sou carregada para o
quarto, onde meu pai me coloca na cama e se deita ao meu lado,
envolvendo-me com carinho.
— Ô, filha… — Ele acaricia meu braço. — O que aconteceu?
Sei que está preocupado. Qualquer um estaria, nesta
situação. Só que preciso organizar as ideias antes de colocá-las para
fora. Por enquanto, a única coisa que consigo fazer é chorar.
Não sei por quanto tempo ficamos aqui, mas acho que, em
algum momento, pego no sono.
Quando acordo de novo, é por causa dos gritos irritados que
soam da sala.
— Eu vou matar aquele filho da puta! — Isso é… Dionísio?
— Eu seguro e você bate. — Também reconheço a voz de
Aquiles.
Mas o que será que esses dois estão fazendo aqui?
Por mais que eu queira sair da cama e verificar o que diabos
está acontecendo, o máximo que consigo fazer é chamar meu pai. É
claro que ele aparece ao meu lado menos de dois segundos depois.
— Afrodite? — Acaricia meu rosto, a preocupação estampada
em suas feições. — O que aconteceu, meu amor?
— Foi aquele idiota do Romeu, não foi? Eu sabia que o
gladiadorzinho de merda…
Antes que Dionísio possa ofender ainda mais o homem que
amo, sento-me na cama e o encaro.
— Tome muito cuidado com as suas próximas palavras,
porque elas podem definir o tipo de relacionamento que nós dois
teremos daqui para frente.
Sua expressão é de puro susto. Mas estou cansada, triste,
quebrada, e a última coisa que quero é me preocupar com o ego de
Dionísio.
— Do que você está falando? — Ele se senta ao pé da cama
e apoia a mão na minha canela. — Não foi ele que te deixou desse
jeito? Preciso matar alguém?
— O que aconteceu, Afrodite? — desta vez, é Aquiles quem
pergunta.
Olho ao redor e vejo três dos homens mais importantes da
minha vida me cercando. Todos exibindo nítidos sinais de
preocupação. Neste momento, eu deveria me sentir grata. Amada.
Cuidada.
Só que apenas sinto raiva. Não só deles, mas de tudo. Do
mundo. Principalmente de Romeu.
— Não quero conversar agora — limito-me a falar. — Só…
Só…
A consciência de que estou sozinha, apesar de rodeada por
pessoas que se importam comigo, faz com que eu agarre um
travesseiro, enfie a cara nele e chore mais um pouco.
Nem sei como ainda tenho lágrimas, ao mesmo tempo que
também não sei por que estou chorando tanto. Depois de tudo que
sofri por Dionísio, deveria ter aprendido a ser mais forte.
”O amor platônico jamais terá a mesma intensidade de um
amor real”, minha mente traiçoeira diz.
Queria discordar dela, mas não posso. Mesmo que por pouco
tempo, o que vivi com Romeu me marcou e fez de mim uma pessoa
melhor. Por outro lado, me mostrou o quanto eu não quero ficar sem
ele.
Não é sobre conseguir. Eu sei que consigo. Porém não quero.
— Romeu foi embora — aviso, querendo arrancar o curativo
com um único puxão para ver se dói menos.
— Eu não… não estou entendendo — Dionísio volta a falar e
quero morrer, porque não preciso que ele entenda nada. Não preciso
que ninguém entenda nada, apenas que fiquem ao meu lado como
eu fiz milhares de vezes por cada um deles. — Por que está
defendendo esse cara, se a gente tem razão?
Chega. Não aguento mais isso.
Há um momento que a barragem estoura, e sinto que o meu
momento é agora. Se eu não desaguar as verdades que preciso, vou
morrer afogada.
— Vocês não têm razão! — grito e, antes que eu sequer
perceba o que estou fazendo, me levanto, indo em direção a ele com
o dedo em riste. Sei que posso estar parecendo uma louca neste
momento, mas é exatamente assim que me sinto. — Vocês não têm
razão porra nenhuma! Quando vão perceber isso, meu Deus do céu?
Vocês nem conhecem o Romeu, não sabem o que aconteceu e já
estão aí, tomando conclusões precipitadas.
Meu peito sobe e desce, tomado pela decisão primal de
defender aquele que sempre me defendeu. Posso estar
estraçalhada, mas é pelo amor que sinto, não pela falta de amor de
Romeu. São duas coisas completamente diferentes.
Estou sofrendo porque fui amada demais. E por pouco tempo.
— Então fala! — Dionísio estoura, perdendo a paciência. —
Fala, caramba! Você sofre porque guarda tudo dentro de si mesma e
nunca deixa a gente ajudar.
O modo como ele me olha revela que não está falando só de
hoje. Não preciso de muito para saber exatamente o que Romeu foi
fazer aquele dia no Olimpo, e esse é mais um dos motivos que tenho
para amá-lo com tudo de mim. Ele sempre me colocou em primeiro
lugar, muitas vezes antes do próprio orgulho.
Quando Dionísio me encara, sua voz se amansa novamente.
— Não se feche, Afrodite. Por favor.
— Romeu foi embora porque o maldito do Júpiter deixou uma
dívida astronômica nas mãos dele. Dona Lena estava prestes a
perder o apartamento, Thiago seria obrigado a trancar a faculdade, e
Romeu não permitiu isso porque é bom demais. Bom de um jeito que
vocês nunca fizeram questão de querer saber. Por isso, ele vai se
enfiar em um avião hoje à noite e vai pra porra do outro lado do
mundo trabalhar na única coisa que pode resolver os problemas da
família.
Limpo as lágrimas com as costas das mãos, mas não consigo
parar. Agora que estou falando, sinto que preciso colocar tudo para
fora.
É por isso que não meço as palavras quando continuo com o
vômito de palavras:
— Você quer ouvir, Dionísio? Então ouve: Romeu me
reconstruiu. Colou todos os pedaços que estavam quebrados pelo
motivo que todos aqui sabem e nunca deram a mínima atenção. Ele
cuidou de mim, me ensinou que eu sou tudo o que uma pessoa em
sã consciência pode querer. Ele me ensinou como olhar para mim
mesma como a mulher foda que sou! Então, me perdoe se eu estou
defendendo a única pessoa que me enxergou muito além do que eu
aparento ser.
As pessoas sempre enxergam lutadoras como mulheres
fortes. E somos. Mas também sofremos. Não nos limitamos a socos
e golpes. Sangramos fora do tatame, muito mais do que dentro.
Aquiles se adianta, se colocando na frente de Dionísio,
enquanto meu pai assiste à cena em choque. Sei que ele não entra
no meio de nós porque sabe que preciso disso. Preciso colocar pra
fora o que sinto, não só em relação ao que aconteceu hoje, mas ao
que vem acontecendo há muito tempo.
— Isso é injusto, Afrodite — é a vez de Aquiles se intrometer,
mas sua voz não carrega tanta certeza como antes.
— Não. Injusto é vocês nunca terem me perguntado o que eu
sentia sobre estar com ele. Ficaram presos à briguinha de bairro e
esqueceram de mim. Claro, mais uma vez.
— Filha… — Meu pai tenta intervir, mas Dionísio toma a frente
mais uma vez com suas indagações ridículas.
— Se ele é tudo isso, por que está indo embora? Por que não
resolveu tudo por aqui? Por que não assumiu o Coliseu? — A veia
em seu pescoço pulsa, e minha vontade é de atacá-lo com as unhas.
— Por que não ficou com você, porra?!
— Porque o Coliseu vai fechar! — grito de volta. — O idiota do
Júnior expulsou Romeu de lá por minha causa, como se o lugar não
fosse dele também. Com isso, mais da metade dos alunos saíram
por não concordarem com essa palhaçada. Porque pessoas normais
enxergam que essa rivalidade extrema entre Olimpo e Coliseu é
ridícula!
Há um silêncio após minha declaração, e a única coisa que
consigo ouvir são os sons de nossas respirações alteradas. Mas se
essa é a única forma de ser ouvida, que seja.
— O Coliseu vai fechar? — meu pai, que até agora estava em
silêncio, se pronuncia. — Como assim?
— É só uma questão de tempo. Júnior não tem como manter
o lugar com tão poucos alunos — respondo, aos poucos voltando a
mim. — Romeu precisa manter a mãe. Ele usou todas as economias
que tinha, mas chegou a um ponto que simplesmente não tem mais
como. Um amigo antigo ofereceu um emprego nos Emirados. O Jiu-
Jitsu é muito forte entre os ricos de lá, e a oportunidade é única. Ele
vai trabalhar para um príncipe. Está indo para lá hoje.
Volto o olhar para os meus irmãos.
— E ele quis me levar, se essa é a dúvida de vocês. Ele
implorou para que eu fosse com ele. — Meu peito dói, lembrando a
expressão perdida em seu rosto quando eu disse que não podia ir. —
Mas sabe por que eu fiquei? — Eles respondem com silêncio. —
Dentre muitas coisas, por vocês. Porque não sei deixá-los para trás,
mesmo quando vocês sequer notam o quanto estou destruída pela
falta de apoio daqueles que dizem me amar tanto.
As últimas palavras mal saem, porque engasgo com o choro
que volta com força total. Minha garganta queima e se fecha, e me
sinto perdida. Justo agora que eu estava tão feliz, por que isso tinha
que acontecer?
Sem falar nada, Dionísio encerra a distância entre nós e me
abraça, tão forte que mal consigo respirar. Depois de alguns
segundos, o aperto fica mais forte ainda. Quando consigo abrir os
olhos, vejo que Aquiles e meu pai se juntaram ao abraço, formando
uma barreira de proteção enquanto despedaço dentro dela.
Como se dissessem que aqui é um espaço seguro para eu
desmoronar. Como se dissesse que estão aqui para me segurar
enquanto eu caio.
Mas agora é tarde demais. Não há mais nenhum motivo para
que eles aceitem nosso relacionamento, já que acabou. Também não
precisam se compadecerem de mim, porque aguento o tranco
sozinha.
Vou sobreviver a mais essa, como sempre sobrevivi.
Depois de um tempo, eles me soltam, e decido que não quero
mais estar aqui. Quero ficar sozinha, com meus próprios
pensamentos e tristeza. Quero sofrer sem precisar me explicar.
Quero paz.
— Vou para casa. — Limpo os olhos e respiro fundo. — E não
quero ninguém atrás de mim. Vou ficar bem. Vai ficar tudo bem.
Porém, antes que eu atravesse a porta, digo uma última coisa.
Talvez a única que os faça pensarem pela primeira vez em Romeu
como um ser humano, não como um gladiadorzinho.
— O sacrifício que Romeu fez, eu faria por qualquer um de
vocês. — Engulo em seco. — Então, não tentem julgá-lo pela
decisão que tomou, não quando qualquer um de nós, deuses
superiores, faríamos exatamente a mesma coisa.
Capítulo 40
Romeu

— Mãe, eu te garanto que vou ficar bem. — Abraço-a mais


uma vez, repetindo a mesma coisa que estou falando há três dias,
incansavelmente. — Vou comer direito, vou tomar cuidado e, assim
que possível, estarei de volta.
Ela me aperta entre os braços por um longo momento.
Quando me solta, posso ver as lágrimas em seus olhos. De todas as
promessas que proferi, a última com certeza é a mais importante.
Estou indo porque ela precisa disso, mas não significa que
minha mãe esteja feliz com a decisão.
— Você sempre foi um menino tão bom, tão altruísta. Sempre
fez de tudo para me proteger, desde pequenininho. Obrigada, filho.
— Ela segura minhas mãos entre as suas e posso senti-las
tremerem. — Estou tão triste por você ter que abdicar de todos os
seus sonhos. Já disse mil vezes que não precisa ir, meu amor.
Daremos um jeito, mesmo com você aqui.
“Não, não daremos”, quero responder, porém apenas balanço
a cabeça em negativa. Durante o último mês, procurei emprego, me
candidatei a vagas e até me inscrevi para um concurso, porém a
prova é daqui a nove semanas. Até lá, e até ser chamado — caso eu
passe —, ela já foi despejada. Não posso deixar que isso aconteça.
— Eu disse que assumiria a responsabilidade, mãe — repito
aquilo que tenho dito a mim mesmo. — Não posso deixar você e
Thiago sofrerem por algo que meu pai fez.
— Mas e Afrodite, filho? Sinto tanto por te dar esse tipo de
aborrecimento.
Estou profundamente arrependido de ter contado sobre o meu
término com Afrodite tão cedo, porque isso só piora as coisas e o
modo como minha mãe se sente sobre esse trabalho.
— Cuidar de você nunca será um aborrecimento, mãe.
Seus olhos brilham por causa de minhas palavras, mas sei
que ele preferiria que isso não estivesse acontecendo. Eu também
não. Mas a vida, às vezes, é uma tremenda filha da puta.
— Prometo que vou cuidar dela como se fosse a filha que
nunca tive. É o mínimo que posso fazer. — Sua voz sai embargada
quando força um sorriso.
— Sei disso, mãe — é o que me limito a dizer.
Apenas falar o nome dela dói, e prefiro que minha família não
perceba o quanto estou destruído. Eles se sentiriam ainda mais
culpados e eu correria o risco de abandonar esse plano e voltar para
ela. Para os braços da mulher que amo. Para o aroma doce. Para os
beijos desesperados e o companheirismo entre duas pessoas que se
amam.
Por isso, não penso nela. Não digo seu nome.
Não posso, ou decepcionarei minha família.
Aqui é o último lugar que vou passar antes de ir para o
aeroporto. Thiago insistiu em me acompanhar até lá, mas optei por ir
sozinho. Essa viagem já está sendo difícil demais, e ter que ver o
rosto deles — e não ver o rosto da mulher que eu amo — enquanto
estiver embarcando vai tornar tudo pior.
— Se cuida, cara. — É a vez de Otávio me abraçar. — A
gente vai tomar conta de tudo aqui, inclusive da dona Lena.
Bato no peito do meu amigo, dando um sorrisinho. Otávio é
um cara do bem, que sempre esteve ao nosso lado em todas as
situações. Até mesmo agora, que me emprestou algum dinheiro para
que eu pudesse quitar algumas das parcelas retroativas e evitar que
minha mãe fosse despejada. Não foi muito, apenas o suficiente para
que eu possa mandar mais dinheiro nos próximos meses e consertar
a situação de vez.
— Faça esse moleque treinar, Otávio. — Aponto para Thiago,
que está do outro lado da sala.
De todos, ele é o mais arrasado. Júnior sequer se deu ao
trabalho de vir se despedir. Segundo ele, estou indo viajar e viver
bem nos Emirados Árabes, enquanto eles ficarão no Brasil cheios de
dívidas.
Otário.
Agora eu consigo compreender a predileção do meu pai por
ele. São idênticos, tanto na falta de caráter como na visão limitada.
O centro do umbigo é o Universo do meu irmão, mas acredito
que a vida se encarregará de ensiná-lo que nem tudo é sobre ele.
De braços cruzados e apoiado no batente da sala, Thiago
continua em silêncio. Solto a mala do ombro e caminho até ele,
envolvendo meu irmão em um abraço apertado.
— Não me decepciona, porra — falo baixinho em seu ouvido,
tentando controlar as lágrimas. — Pegue firme nos estudos, não caia
na pilha do Júnior, cuida da mamãe e não esquece o Jiu-Jitsu.
Ele segura minha camisa entre os dedos, tentando se fazer de
forte.
— Estou me sentindo um merda. Você está largando tudo,
inclusive quem ama, por minha causa. Isso não é justo.
Não, não é justo. Em um mundo ideal, nada disso estaria
acontecendo. Mas o mundo não é justo nem ideal, e ficar
reclamando disso não resolve nenhum dos problemas que tenho. O
jeito é encarar, como fiz durante toda a minha vida.
Júpiter era um merda, mas, mesmo que de um jeito torto e
errado, ele me ensinou a não ser um covarde.
— Quando você se formar, vai ser sua vez de retribuir. —
Tento consolá-lo.
Não que eu realmente espere isso dele, também não insisto
para que continue na faculdade por causa do dinheiro que ganhará
no futuro. Quero que ele continue porque sei que ama cuidar das
pessoas. Cuidar da minha mãe será apenas consequência.
Thiago balança a cabeça, concordando.
— Fica de olho nela, tá?
Ele concorda mais uma vez, sabendo muito bem de quem
estou falando desta vez.
Puxo do meu bolso a caixinha que venho carregando comigo
desde que comprei. Era pra ser o presente do nosso primeiro mês de
namoro e a minha intenção era entregar depois do que fizemos no
Olimpo, mas meu mundo desabou e não tive a oportunidade.
De qualquer forma, ainda penso que o melhor lugar desse
colar é com ela, então coloco a caixinha na mão do meu irmão e
peço um último favor antes de ir embora.
— Enquanto eu estiver no aeroporto, entregue isso para ela.
— Engulo em seco, me controlando a todo custo para não chorar na
frente da minha família. — Diga que não desisti de nós dois.
Meu irmão sorri, concordando.
— Também vou dizer que você a ama.
Desta vez, quem sorri sou eu.
— Disso ela não tem dúvidas.
Antes que eu possa me arrepender da pior decisão que já
tomei, abraço as pessoas mais importantes da minha vida mais uma
vez e vou até a porta. Porém, quando estou com a mão na
maçaneta, ouço minha mãe gritar meu nome.
Viro-me de costas e vejo-a correr até mim. Ela estica os
braços para emoldurar meu rosto e, com os olhos molhados, fala
com a voz trêmula:
— Nenhuma mãe sentiu tanto orgulho quanto eu. Agradeço
todos os dias por ter um filho tão maravilhoso quanto você Romeu.
— Sou puxado para um último abraço, apertando-a com força.
Quando finalmente crio coragem para sair do lugar mais
seguro do mundo, olho para ela e recito um trecho de Romeu e
Julieta:
— Minha generosidade é tão ilimitada quanto o mar. Meu
amor tão profundo. Quanto mais eu te dou, mais eu tenho, pois
ambos são infinitos.
Capítulo 41
Afrodite

— Obrigado por me receber. — Thiago coça a nuca,


parecendo mais encabulado do que já o vi antes.
A ligação dele foi uma surpresa, principalmente por ser tarde
da noite e bem no horário que Romeu deveria estar no aeroporto,
esperando para embarcar. Olho para o relógio e vejo que já são dez
e meia da noite. Às onze e cinquenta, ele estará voando para longe
de mim.
É claro que decorei todas as informações do voo. Rio de
Janeiro – São Paulo. São Paulo – Abu Dhabi. Voo 3746, pela
Emirates. Assento 3A no primeiro, 5A no segundo, porque o bonito
vai de primeira classe, é claro. O príncipe das arábias fez questão de
arrastar meu homem para longe em grande estilo. Maldito!
— Desculpe meu… estado. — Aponto para a roupa que estou
vestindo. Ou a falta dela. A única coisa que consegui colocar quando
cheguei em casa foi uma camiseta usada que Romeu deixou aqui.
De alguma forma, precisava estar com ele. Precisava sentir
seu cheiro me envolvendo. Um pouco patético, eu diria, mas a essa
altura eu não me importo com mais nada.
— Sem problema. Também não vou demorar. — Thiago me
oferece um sorriso triste. Sei que ele está sofrendo tanto quanto eu.
— Só vim trazer isso aqui… — Ele estende a mão.
— O que é isso? — Pego a caixinha de veludo e abro a
tampa.
Ofego quando vejo um colar de camafeu.
— Romeu queria te dar isso de presente. Um mês de namoro,
né? Só que, no meio da confusão, acabou não dando tempo. —
Thiago dá de ombros e, em seguida, enfia as mãos nos bolsos.
O gesto me faz lembrar de seu irmão, e sinto o aperto se
intensificar em meu peito.
— É lindo… — Deixo a caixinha sobre a bancada e corro o
dedo pela silhueta feminina.
Parece antigo demais, e fico me perguntando onde foi que
Romeu conseguiu essa relíquia. Apesar de não combinar muito com
o meu estilo, sei que ele escolheu este presente porque tem algum
significado especial — mesmo que eu ainda não saiba qual é.
— Abra — Thiago diz e encaro-o sem entender muito bem.
Então, ele explica: — Abra o pingente. Tem um botãozinho aí do
lado.
Com os dedos trêmulos, faço o que ele pede e aperto o botão.
Na mesma hora, o pingente se divide em dois e o ar me falta.
De um lado, está gravado “Serei teu à tua ordem”. Do outro,
“Apenas chama-me de amor”.
Fico sem palavras. Acho que Thiago também, porque o único
som que escuto é do meu coração já estraçalhado se partindo ainda
mais.
— É um trecho de…
— Romeu e Julieta — concluo o pensamento. Não porque
conheço a peça em detalhes, mas porque conheço o homem. E ele
não perderia uma oportunidade de ser romântico. — Não sei se amo
ou odeio seu irmão — confesso, enxugando uma lágrima que
começa a escorrer.
— Os únicos que odeiam Romeu são aqueles que não o
conhecem de verdade. Dê uma mísera chance a ele, e o filho da
puta te conquista em um estalar de dedos.
Acabo sorrindo, porque não existe ninguém no mundo que
saiba disso melhor do que eu. Uma brechinha e pronto, Romeu se
instalou em minha vida.
— É verdade. — Trago o cordão para o peito, abraçando-o
que nem uma louca. Fecho os olhos e penso em Romeu. Em como
fomos felizes, mesmo que por pouco tempo. Ele se lembrou do
nosso aniversário, enquanto eu nem fazia ideia da data. — Pode
colocar em mim? — Estendo o colar para Thiago e viro-me de
costas, segurando o cabelo.
— Claro. — Ele se aproxima e, rodeando a peça delicada em
torno do meu pescoço, fecha o gancho na parte de trás. — Quero ver
como ficou.
Volto a ficar de frente para ele e acaricio a joia.

— O que achou? — pergunto, mesmo que a resposta não


faça muita diferença. Vou usar esse cordão até o dia que Romeu
voltar. Ou até eu conseguir superar sua perda.

— Acho que você não deveria ter terminado com ele.

Uau. Alerta de mudança de assunto.

— Não tenho como manter um relacionamento desse jeito.

— Por quê? Acha que Romeu pode te trair?

— Não! Eu confio nele — sou sincera —, mas já perdi tempo


demais com homens errados e…

— E Romeu é o certo para você. — Thiago coloca as mãos


nos meus ombros, mantendo os olhos fixos em mim.

— Eu sei que é — garanto em um sussurro e meu estômago


se revira com a expectativa do que terei de viver nos próximos anos.

— Ele quer que você saiba uma coisa… Romeu não vai
desistir de vocês dois. — Thiago dá de ombros. — E eu sei que ele
não vai mesmo, Afrodite, sabe por quê? Porque aquele cara era
apaixonado por você muito antes de você notar que ele existia.
Agora que sabe o quanto vocês são bons juntos, nada vai parar
aquele desgraçado. Ouça bem, Afrodite: nada. Nem mesmo o fim
desse namoro, nem mesmo a distância. Enquanto houver chances,
ele terá esperanças.

Balanço a cabeça, concordando, e é impossível controlar as


lágrimas.

— Eu também. — A essa altura, não é mais necessário negar


o óbvio. Também mantenho vivas as esperanças de que, um dia,
tudo voltará ao normal.
— Então, por que não facilitar isso? Porque não ficar com ele?

Por mais justa que a pergunta seja, não quero compartilhar a


resposta. Até porque não estou a fim de admitir o quanto ainda luto
para ser independente — em todos os sentidos.

Ou talvez haja uma boa diferença entre fazer as coisas


sozinha e querer fazer as coisas sozinha. Pouco importa.

Preciso provar a mim mesma que sou capaz de sobreviver.

Qual é minha outra opção?


Capítulo 42
Romeu

Chego ao aeroporto mais cedo do que o previsto. Não porque


estou ansioso, nem porque tenho medo de perder o voo. Faço isso
por ser mais fácil de encarar que realmente estou indo embora. Que
realmente estou deixando minha família, Afrodite, meu doutorado e
meus sonhos para trás.
É como um tipo de autoflagelo. Quanto mais cedo eu entender
que tudo mudou, mais fácil será de aguentar. Ou menos pior, não sei
exatamente qual é o termo correto.
Enrolo um pouco por ali, como alguma coisa, abro o aplicativo
de mensagens e releio todas as conversas que tive com Afrodite
desde que começamos a nos falar. Por algum motivo, nunca apaguei
nada, e agora agradeço por isso. Assim, posso reviver alguns dos
momentos que tivemos enquanto leio suas respostas malcriadas.
Claro que acabo rindo, certo de que nunca mais vou achar alguém
que me complete desta forma.
Não que eu tenha a intenção de procurar.
Vou trabalhar o máximo que conseguir e aproveitar todas as
oportunidades que surgirem, rezando para Deus e todos os santos
para que Afrodite não encontre alguém enquanto eu tento consertar
os erros que não cometi. Assim que eu puder, voltarei para seus
braços.
O que pedi para meu irmão dizer a ela é a mais profunda
verdade: não desisti de nós dois. Enquanto houver esperanças, vou
tentar achar meu caminho de volta para Afrodite.

O tempo no aeroporto passa se arrastando, até que ouço meu


voo sendo chamado pelos autofalantes e respiro fundo, sabendo que
chegou a hora. Ajeito a alça da mochila nas costas e puxo a outra
mala de rodinhas, caminhando pelo saguão como se ela pesasse
uma tonelada.

É o peso dos meus sonhos.

A cada passo que eu dou, meu coração dói mais. Abaixo a


cabeça e, mesmo sendo um pouco descrente de tudo, peço a Deus
que algo aconteça e me impeça de ir. Um milagre, qualquer coisa.
Até promessas começo a fazer.

Nossa, acho que estou enlouquecendo.

Quando já estou na fila para embarcar, quase na minha vez,


ouço meu nome sendo gritado. Desesperadamente.

— Romeu! Romeu, ei! — Apuro os ouvidos e franzo o cenho,


me perguntando se estou escutando direito, porque essa voz é…
masculina? — Romeu, espere! Você não pode ir!

Viro-me lentamente e, por um instante, me pergunto se estou


protagonizando um filme de comédia romântica às avessas. Em vez
de ver a mocinha correndo desesperada ao meu encontro, com
lágrimas nos olhos, vejo ninguém mais, ninguém menos do que o pai
dela acenando enlouquecidamente.

— Zeus?

O homem enorme para quase à minha frente e coloca as


mãos na cintura, me pedindo um segundo enquanto regula a
respiração. Eu até poderia achar essa cena engraçada, mas então
me toco de uma coisa: por que ele está aqui?

O desespero, então, me toma.

— Aconteceu alguma coisa com a Afrodite?

Ele ofega, revezando o olhar entre mim e o chão.


Ai, meu caralho. Será que ela passou mal? Será que…? Nem
sei o que pensar, mas a aflição toma conta enquanto chego para o
lado da fila, deixando as pessoas atrás de mim passarem na frente.

— Zeus, por favor, não me faça infartar. Aconteceu alguma


coisa com Afrodite?

— Não. Ela está bem — responde, agora me encarando. —


Na verdade, está bem mal, só que nada aconteceu.

— Então… — olho para os lados, e o que já era esquisito se


torna ainda pior: Dionísio e Aquiles estão lá atrás, observando nossa
interação de braços cruzados. Franzo o cenho e questiono: — Por
que estão aqui?

Tenho até medo de perguntar. A vida já me fodeu tanto nos


últimos tempos que corro o risco de descobrir que nem preciso mais
ir embora porque minha mãe foi despejada no meio da noite.

Por isso, apenas respiro fundo e torço pelo melhor.

— Você não pode ir embora — Zeus anuncia, como se fosse a


coisa mais óbvia do mundo.

— Olha, eu sei que… — começo a falar, mas logo sou


interrompido.

— Afrodite apareceu lá em casa carregada, destruída — ele


diz, cravando uma faca no meu peito. — Ela desabou no meio da
rua, Romeu.

Puta merda. Porra. Caralho.

— Nunca pensei que…

— Não está na hora de você falar, apenas de ouvir. — Zeus


me encara com aquela expressão de quem está prestes a entrar no
tatame.
Os olhos, fixos em mim, carregam uma seriedade bruta. Como
se me dissessem que, se eu disser uma única sílaba agora, irei ao
chão. Por isso, aceno com a cabeça e deixo que continue.

— Quando vi minha filha naquele estado, tive certeza de que


ela realmente te amava. De que você, apesar de ser filho de Júpiter,
era o homem que ela tinha escolhido. — Ouvir essas palavras só me
faz sentir ainda pior. Afinal, de que adianta tanto amor se ele não
pode ser vivido? — É por isso que estou aqui: para dizer que você
não pode ir embora.

— Eles também? — Aponto para os dois idiotas que


continuam no mesmo lugar, apenas observando. Eu até acharia essa
vibe “seguranças do presidente” engraçada, se não fosse a situação
merda em que me encontro.

— Eles também — é a única coisa que Zeus diz, e me


surpreendo. — Você não pode ir embora, Romeu.

— Queria que fosse fácil desse jeito — confesso, odiando


cada segundo da interação.

— Não é fácil. Mas nada na vida é fácil. É por isso que


continuamos lutando — ele diz, colocando a mão em meu ombro. —
Agora, você está disposto a lutar por ela?

— Eu lutaria por Afrodite até o dia da minha morte. Estou


pouco me fodendo se fui expulso do Coliseu e se os seus lutadores
aprovam ou não nosso relacionamento. — Indico Aquiles e Dionísio
com o queixo. — Não é por isso que estou indo embora.

Abaixo a cabeça, sendo tomado por um cansaço extremo. O


peso em meus ombros — que, na verdade, é o peso da realidade —
parece quase impossível de ser carregado.

Será que ninguém percebe isso? Ou será que as pessoas


acham que fazer a mulher que amo sofrer me deixa feliz?
— Você está indo embora por causa das dívidas de seu pai —
Zeus fala baixo, porém escuto cada letra. Então, espantado, ergo o
rosto para encará-lo.

— Como você sabe disso?

— Porque minha filha contou. Na verdade, ela berrou na cara


de Dionísio e Aquiles que você jamais a abandonaria por escolha
própria. Que sua decisão foi única e exclusivamente para ajudar a
sua família. — Zeus me oferece um pequeno sorriso, mas acho que
não é direcionado a mim, e sim à Afrodite. — Ela te defendeu com
unhas e dentes, mesmo destruída. E é por isso que estamos aqui.
Independente de qualquer coisa, a felicidade dela vem primeiro, para
todos nós.

Sinto um bolo se formar em minha garganta. Ao mesmo


tempo que lágrimas lutam para cair, forço-as a ficarem guardadas.

— Sua filha é o amor da minha vida, Zeus. — Preciso que ele


saiba disso. — Eu nunca a magoaria de propósito. Só estou indo
embora porque não há opção.

— Sempre há opção, Romeu. — A frase enigmática me faz


franzir a testa em confusão. — Hoje, a opção sou eu.

— Não quero um sugar daddy, obrigado. — Meu comentário


faz Zeus soltar uma gargalhada alta.

— Sou muita areia pro seu caminhãozinho, garoto. — Ele


entra na piada. — Mas nem era sobre isso que eu estava falando.

Com o coração na mão e um pingo de esperança se formando


dentro de mim, pergunto:

— Então, qual é o seu plano brilhante?

Sinto minhas mãos começarem a suar de tanto nervoso.


— Quero investir em você — declara. Novamente, fico sem
entender muito bem. — Afrodite disse que metade do Coliseu
debandou depois que você foi expulso de lá.

— Pois é. Não tenho certeza do número, mas meu irmão falou


que cerca de trinta alunos saíram. Fora os mais graduados, que
também estão se recusando a continuar treinando com Júnior —
explico por alto o que sei.

Por mais grato que eu tenha ficado pela prova de lealdade,


não dei muita atenção a isso. Por que deveria?

— Ótimo. E ainda vamos converter mais alguns.

— Do que você está falando, Zeus?

— Estou falando em construir uma academia para você. Algo


novo, com uma mentalidade muito diferente do Coliseu. Um lugar
que te dê orgulho, onde você seja o único a ditar as regras.

Meu coração quase para de bater.

— Como? — pergunto, aflito. — Não posso me endividar


ainda mais e…

— Não estou te emprestando dinheiro, Romeu. Já disse que


quero investir em você.

— Senhor! — A atendente chama. Viro-me para ela e vejo que


a fila enorme desapareceu, me deixando sozinho no saguão. —
Preciso fechar.

— Já vou — aviso a ela.

— Não vai, não. — Zeus aperta meu ombro com força. — Eu


te ajudo, Romeu. Ajudo sua mãe também. Se minha esposa
estivesse viva, ela jamais deixaria que sua melhor amiga fosse
despejada.
Sinto o aperto na garganta. Quase não consigo respirar.

— Senhor, por favor — a atendente me apressa.

— Não vá, Romeu. Afrodite precisa de você.

A confusão toma conta, e o pior é que nem tenho tempo de


pensar. Por um lado, tenho Zeus me oferecendo a chance de ficar e
tentar fazer dar certo com Afrodite ao meu lado. O problema é que
essa chance é incerta demais. Uma academia nova? Pode dar certo.
Mas também pode dar muito errado e eu acabarei afundado ainda
mais em dívidas. Por outro, tenho um emprego garantido, com um
salário foda. Só que é do outro lado do mundo.

— Senhor! Vamos fechar a porta agora! — a mulher grita.

— Não vá, Romeu — Zeus repete.

Merda.
Capítulo 43
Afrodite

Click. Click. Click.

Depois de chorar até cair no sono, desperto com o barulho


insistente da chuva batendo contra a janela. Sento-me na beirada da
cama e tento organizar os pensamentos.

Romeu indo embora. A discussão com Aquiles e Dionísio.


Thiago me entregando o presente que Romeu deixou.

Levo a mão ao peito e toco o colar, respirando fundo e me


trazendo de volta à razão, enquanto a dor me acerta pela segunda
vez, tão lancinante quanto da primeira. Ele foi mesmo embora. Não
foi uma alucinação ou sonho ruim, sequer um delírio. Ele se foi.

As lágrimas salpicam meus olhos e jogo o corpo para trás, me


afundando novamente na cama. Não aguento mais chorar. Será que,
em algum momento, isso irá passar? Será que as coisas ficarão mais
fáceis com o passar do tempo?

Um ou dois anos, ele disse.

Click. Click. Click.

Apuro os ouvidos, reconhecendo um barulho mais forte. Não


parece com gotas de chuva contra o vidro, e sim algo mais forte.
Mais duro.

Levanto-me da cama e vou até a janela, abrindo a cortina


enquanto observo atentamente.
Click.

Isso foi uma… pedrinha?

Ah, não é possível. Quem é o infeliz que, no meio da pior


fossa da minha vida e debaixo dessa chuva que Deus manda para
irrigar meu sofrimento, está me atormentando?

Só que a silhueta lá embaixo está ocultada pela sombra da


noite, me impedindo de ver claramente. É claro que o poste estaria
queimado, porque não tenho sorte mesmo. Preciso saber quem
estou xingando e nem isso consigo.

— Ô filho da puta! Vai quebrar a janela da mãe! — berro,


despejando um pouco da minha raiva no insolente.
— Oh! Fala uma outra vez, anjo brilhante, pois nesta noite tu
és gloriosa como é no céu o alado mensageiro para os olhos
revirados em espanto dos mortais que se inclinam para o ver quando
ele monta nuvens indolentes e voga em pleno âmago do ar. — Não
sei se é a voz grossa ou a frase confusa que me faz descobrir que, lá
embaixo, está ninguém menos que…
Quase perco o ar e caio da janela com o susto, porém me
seguro no parapeito e impulsiono o corpo para frente, só para ter
certeza.
— Romeu?! O que você está fazendo aqui? — A confusão em
minha voz ecoa perfeitamente o que se passa em minha cabeça
agora.
— Tentando ser romântico — ele grita, mas com uma
simplicidade irritante. — Inclusive, acho que você poderia descer.
Não vai ser nada romântico se eu escalar a sua janela e cair de
costas no asfalto. E também acho que seus vizinhos não gostam da
minha mira impecável.
Estou tão atordoada que, por um segundo, penso que posso
estar bêbada. Olho para dentro da sala e vejo meia garrafa de vinho
ainda sobre a mesinha de centro. Não, não foi o suficiente para me
deixar em um estado de pura alucinação.
Por isso, com as pernas trêmulas e o coração martelando
dentro do peito, calço o chinelo ao lado da porta e desço, pouco me
importando se continuo com apenas a camiseta de Romeu.
A descida pelas escadas parece levar uma eternidade. Vou
tão rápido que posso me estabacar e cair a qualquer momento, mas
não me importo. Nada importa. Só o homem que me espera lá
embaixo.
A impressão que tenho é de que meu cérebro não funciona
mais. Sinto as borboletas levantarem voo no estômago e preciso
controlar a respiração ofegante.
Quando finalmente chego ao hall de entrada, mal abro as
portas e já estou correndo para a rua, precisando ter certeza de que
não fiquei louca. Assim que o vejo, ofego:
— Romeu…
— Não mais serei Romeu daqui em diante; batiza-me de novo
como amor, ó Afrodite. — Começo a rir da frase, lembrando-me de
quando ele a disse pela primeira vez, sem acreditar mesmo que isso
está de fato acontecendo.
— Por acaso você veio decorando frases de Romeu e Julieta
no táxi de volta? — pergunto com a voz trêmula, dando passos
hesitantes à frente.
Paro perto dele e estico a mão uma vez, apenas para recolhê-
la logo em seguida, sem coragem de encostar e descobrir que isso
não passa de uma alucinação.
— Vim.
Romeu não me deixa mais falar, apenas emoldura meu rosto
e enfia as mãos nos fios do cabelo, puxando-me para um beijo
desesperado. No meio da rua. Na chuva.
Maldito homem perfeito.
Romeu me beija como se fosse a última vez — e rezo com
tudo dentro de mim para que não seja. Conheço a sensação de um
futuro incerto com ele, e nunca mais quero senti-la.
Não sei se o beijo de volta ou se apenas fico aqui, respirando
enquanto me permito ser adorada. Sentindo o alívio ao provar seu
gosto. A leveza ao ter seu toque. A calmaria no meio de sua paixão.
É sublime e, ao mesmo tempo, confuso.
— Por que você está aqui? Como… — pergunto, afastando-
me apenas alguns centímetros.
Por favor, não diga que está aqui porque o voo foi adiado.
Será muita maldade e não tenho estrutura emocional para dizer
adeus de novo.
— Não vou mais embora. — As palavras são sussurradas em
meio a salpicos de beijos, porque Romeu se recusa a afastar a boca
de minha pele. Bochecha, olhos, nariz, pescoço… tudo é beijado de
forma rápida e entusiasmada, como se ele não conseguisse controlar
a própria felicidade.
Então, antes que eu possa fazer mais qualquer pergunta, sou
envolvida em um abraço apertado, e depois erguida do chão. É
instintivo: passo as pernas em torno da cintura dele e me permito
ficar em seus braços — que é o lugar onde pertenço neste mundo.
Meu Deus, o amor me deixou cafona!
Quer saber? Foda-se. Aperto Romeu com força, retribuindo
com a mesma euforia, e enfio o rosto na curva entre o ombro e o
pescoço. Inalo o aroma delicioso, que me faz lembrar de
gargalhadas estridentes e dias felizes.
— Por favor, explique isso — peço, ainda tentando colocar em
ordem a confusão que se instalou em mim.
— Temos muito o que conversar, meu amor. Mas agora… —
Sinto-o puxar o ar com força, como se ele também não acreditasse
muito bem nas palavras que saem de sua boca. — Agora só quero
ficar com você.
— Só agora? — Afasto o rosto bem devagar, apenas para
poder encará-lo.
— Agora. — Romeu apoia uma palma em meu rosto,
enquanto a outra se mantém firme em minha bunda, segurando-me
no lugar. — E para sempre. Nunca mais vou te deixar, Afrodite.
Neste momento, não consigo dizer nada. Apenas sorrio para
ele, que sorri de volta. Encosto nossas testas e me permito respirar a
tranquilidade que emana do homem que amo.
— Nunca mais, ouviu? — forço as palavras, precisando que
ele saiba o tamanho do meu desespero.
Sua resposta vem ao colar nossos lábios. É então que a
chuva aumenta, molhando nosso beijo e abençoando a promessa.
Perco-me em seu gosto e entrego-me a seu amor.
Deslizo meu corpo molhado pelo dele até ficar de novo em pé.
Quero continuar beijando-o, mas Romeu me pega de surpresa e
desliza os dedos por meu cabelo preso, soltando-o.
Quando menos espero, ele se ajoelha no chão molhado da
rua escura e estende o elástico de cabelo, como se fosse um anel.
— Se você disser que sim, nunca mais vou sair do seu lado.
— Ele ergue o elástico, rindo — E eu sei que não é o pedido perfeito.
Tá chovendo, a rua está completamente deserta, eu não tenho um
anel e…
— E faz pouco mais de um mês que estamos juntos —
completo sua frase. Ou talvez não, porque, meu Deus, não é
possível que ele esteja fazendo isso!
— Faz pouco mais de um mês — Romeu concorda. — Mas…
Mas está aqui. Voltou por mim, seja lá como tenha conseguido
isso. E isso basta para que eu saiba a resposta dessa pergunta.
Coloco as duas mãos na boca, sem acreditar que isso esteja
mesmo acontecendo. Antes que ele consiga continuar falando
qualquer coisa, me ajoelho também, de frente para ele. Seguro seu
rosto com as duas mãos e lhe dou outro beijo, ainda mais cheio de
amor do que o primeiro.
—É claro que é perfeito. Tudo com você é perfeito. — Sem
hesitar, estico a mão para que ele coloque o “anel” em meu dedo.
Pode ser a coisa mais cafona do mundo, e provavelmente é,
mas não o trocaria por nada. O brilhante mais caro perderia seu valor
diante desse momento que estamos vivendo.
— Isso é um sim, meu mel?
Abraço seu pescoço e me jogo por cima dele, fazendo nós
dois cairmos para trás. Se alguém passar na rua agora, pensará que
somos dois loucos, mas é isso mesmo.
Somos loucos um pelo outro.
— Sim! Mil vezes sim! — repito a brincadeira que fiz enquanto
estávamos sentados na escada, na primeira vez que ele veio até
aqui. Só que, agora, é a mais pura verdade.
E eu não poderia estar mais feliz.
Porque sim, eu sobreviveria sem ele, se fosse necessário.
Mas não é, e eu não quero. Não quero uma vida sem Romeu, muito
menos uma vida sem a felicidade incomparável que ele me faz sentir.
Não quero acordar em uma cama vazia. Não quero ficar de mau
humor sem ele por perto para me chamar de limãozinho. Não quero
usar a faixa preta apenas na cintura.
Romeu é a minha escolha.
Não escolhi me apaixonar por ele, porém escolho viver ao seu
lado.
E algo me diz que é a melhor decisão que eu poderia tomar.
Capítulo 44
Romeu

— Meu Deus, estou tão feliz! — Minha mãe segura os dois


lados do meu rosto, enquanto me beija sem parar —Acho que sou a
mãe mais feliz do mundo!
É, eu também acho.
Depois que saí do apartamento de Afrodite logo de manhã,
vim diretamente para cá. Thiago está na aula e vai tomar um baita
susto quando chegar e me encontrar por aqui. Vou ter que repetir
tudo, mas não tem problema. Eu contaria uma novidade tão boa
como essa quantas vezes fossem necessárias.
Ou melhor, as novidades.
A primeira é que vou ficar, e é por isso que minha mãe está
surtando. Quando ela me viu chegar, achou que era uma miragem.
Depois se desesperou. E quando eu contei a ela a proposta que
Zeus tinha feito — e que eu tinha aceitado —, ela caiu no choro.
— Zeus sempre foi um homem muito bom, filho — ela diz,
secando as lágrimas. — Sabe, nada daquilo que seu pai falava era…
— Verdade — completo. — Eu sei, mãe. Parei de acreditar
nas alucinações dele quando completei dez anos.
Ela balança a cabeça, concordando.
— Mas não quero dar tantos gastos para vocês. Depois que
você saiu por aquela porta, eu me arrependi tanto de não ter te feito
ficar, meu filho.
— Tá tudo bem, mãe — afirmo, apesar das incertezas. Estou
empolgado com todo esse lance de ter uma academia só minha e de
Afrodite, de poder continuar ao lado das pessoas que eu amo e até
continuar o doutorado, que é outro sonho meu.
Mesmo assim, ainda é um negócio incerto.
Por isso, Zeus se dispôs a pagar algumas parcelas retroativas
do apartamento, garantindo o tempo necessário para que eu me
estabilize na nova academia. Também vou ter que ir ao banco e ver a
possibilidade de uma renegociação da dívida. Ou melhor, da dívida
da dívida. Sei lá. É tudo muito confuso e burocrático, e eu sou de
humanas. Faço conta na calculadora e não tenho tato para finanças.
Mas precisarei ter, se quiser fazer com que meus próximos passos
deem certo.
— E se a gente vendesse o apartamento? — minha mãe
oferece, andando pela sala. — Podemos vender esse aqui, nos
mudar para um lugar menor… Assim causa menos transtornos.
— Não compensa, mãe. Antes de aceitar a proposta do
Dalton, eu tinha pensado nisso, até pesquisei a respeito. Mas o
imóvel está refinanciado. Vai perder muito valor de mercado, mesmo
sendo em uma boa localização. Vamos sair praticamente no zero a
zero. É vender para pagar a dívida e ficar sem nada. Não tem
sentido.
Sua expressão cai.
— Ai, Romeu… — choraminga.
— Também é melhor manter o cantinho de vocês: Thiago com
espaço para estudar, a senhora com a sua salinha de costura, um
lugar para os seus livros… — Tudo o que quero agora é garantir a
ela que tudo dará certo. — Todas as nossas memórias estão aqui,
mãe.
— Nunca tive coragem de pintar o batente da porta. Sabe
aquele com as marquinhas que eu fiz para acompanhar o
crescimento de cada um de vocês? Então, continua do mesmo jeito.
— Tá vendo, mãe? A senhora não pode sair daqui. E Zeus me
garantiu que não é problema algum. Eu vou pagando minha dívida
com ele aos poucos, quando a academia engrenar.
Ela concorda com a cabeça e solto suspiro, tendo pelo menos
um assunto resolvido.
Por mais que este apartamento seja o motivo de todos os
meus problemas, também sei que ele representa muito para a minha
mãe. Foi aqui que construiu sua vida. Aqui que criou seus filhos. E
dona Lena é a mulher mais sentimental que conheço. Essas coisas
importam demais para ela. Afinal, o lar que construiu sempre foi seu
mundo.
É por isso que respiro fundo e me preparo para contar a
segunda novidade do dia — sobre ter pedido Afrodite em casamento.
Sei que ela vai enlouquecer quando souber. Mas antes que eu possa
revelar a melhor notícia de todas, ouço a porta se abrir.
— Ué, o que você está fazendo aqui? — Diferente de todos
que ficaram felizes com o fato de eu não ter ido embora, Júnior
parece apenas indiferente. Talvez um pouco confuso. Porém não há
um pingo de alívio em sua expressão. — Não era para você estar lá
na casa do caralho, fingindo que é um super-herói?
Minha mãe está tão feliz que mal assimila a grosseria do
meu irmão.
— Ele não vai precisar mais viajar, filho! Zeus vai ajudar meu
Romeu a ter a sua própria academia, assim não precisamos…
Vejo os olhos de Júnior mudarem de cor, tamanha sua fúria.
Ele sai da frente da minha mãe, vindo até mim, enquanto as palavras
dela somem e ela ganha uma expressão confusa.
— Zeus? O idiota que acabou com a carreira do nosso pai? —
Seu peito inflado quase encosta no meu.
Poderia até me intimidar, não fosse o fato de que sou bem
maior do que meu irmão. Além disso, sou um homem, enquanto ele
é um moleque briguento. Se vier para cima de mim, ele ficará bem
íntimo do meu punho. O esquerdo, inclusive, porque não quero
gastar minha mão dominante com esse babaca.
— Só você mesmo para cair nas historinhas que o lunático do
nosso pai contava, Cláudio Júnior. — Fico indignado com tamanha
cegueira. — Zeus não destruiu nada. O que destruiu Júpiter foi sua
própria inveja.
— Não fale assim do meu pai! — ele berra na minha cara, os
olhos arregalados de ódio.
Enquanto isso, continuo impassível. Não vou perder meu
precioso tempo.
— Bom, acredite no que quiser. Mas a verdade é essa: vou ter
minha própria academia e vou me casar com Afrodite. E você só terá
um teto porque meu futuro sogro teve a generosidade de consertar
as cagadas que seu amado pai fez.
Vejo Júnior ficar lívido, e o rosto ganha um tom vermelho-
tomate.
— Nunca. Eu prefiro morar no Coliseu. Lá é tudo meu! — Será
que ele não se lembra de que o Coliseu também está afundado em
dívidas? Acho que não, porque logo se vira para minha mãe e rosna:
— Se a senhora aceitar isso, eu vou embora. Juro vou embora, mãe!
Encaro minha mãe, enquanto ela reveza olhares entre nós
dois. Então, com lágrimas acumuladas nos olhos, ela caminha até
Júnior e apoia as duas mãos em seu peito, fazendo um carinho por
cima da roupa antes de finalmente dizer:
— Eu nunca, nunca te colocaria para fora, meu filho. — Entro
em desespero, porque esse idiota vai colocar tudo a perder. Mas
então, ela faz algo que me surpreende. — Porém não posso impedir
que você vá, se quiser. Seu irmão se propôs a deixar tudo para trás
na intenção de resolver nossos problemas, enquanto você está
sendo egoísta. Comigo e com ele.
— Eu? Egoísta? Só estou…
— Chega! — minha mãe grita, e talvez essa seja a primeira
vez que a vejo fazendo isso. — Chega, Cláudio Júnior. Nunca
imaginei que você pudesse ser tão idêntico ao seu pai, mas,
infelizmente, você é. E eu aguentei muita coisa dele, meu filho.
Muita. Perdi minha melhor amiga, não estudei, vivi para criar vocês e
cuidar dessa casa. Ele me viu como um ser inferior até o dia da
morte dele, mas agora eu sou livre para tomar minhas decisões. E a
minha decisão é aceitar ajuda, queira você ou não.
Ele balança a cabeça, indignado.
— Eu vou embora, mãe. Estou falando sério. — Ele tenta sua
última chantagem emocional.
De novo, dona Lena mostra que não tem mais medo de
confrontos. Apenas apruma o corpo e responde, cheia de calma:
— E eu vou te aceitar de volta no minuto que você precisar,
porque sou sua mãe. Mas não vou te impedir de ir, também não vou
te implorar para ficar. Está na hora de crescer, Cláudio Júnior. E
crescer significa deixar o orgulho de lado quando for necessário.
Diante das palavras certeiras, meu irmão vai até seu quarto e
volta, minutos depois, com uma mala pequena. Ele não fala nada,
apenas passa por nós e vai embora, batendo a porta cheio de raiva.
Que vá.
Que vá aprender que a vida não é um seriado de TV, e que,
na realidade, adultos trabalham, se comprometem e têm problemas
de verdade. Que se fodem várias vezes antes de conseguir o
sucesso.
Quando ele finalmente passa pela porta, minha mãe desaba
no choro, mas corro ampará-la. Abraço seu corpo pequeno e acaricio
as costas curvadas.
— Sinto muito, mãe.
— Não sinta, filho. Às vezes, nosso papel de mãe também é
esse. Dar limites, mesmo que seja tarde. — Ela enxuga as lágrimas
mais uma vez e diz: — Seu pai nunca deixou que eu o corrigisse da
maneira certa, mas ele não está mais aqui.
Ficamos um tempo abraçados. Tanto tempo que nem sei.
Abraço-a por tudo do que ela já foi privada e, mesmo assim, por
nunca ter descontado suas frustrações em nós. Abraço-a por todo o
amor que me deu, por todos os livros lidos tarde da noite para que
meu pai não visse, por todo o incentivo com os estudos.
Abraço-a por ser ela, e somente ela. Uma das melhores
pessoas que já conheci.
— Você vai mesmo se casar com a Afrodite? — Sua voz sai
fininha em meu aperto e eu rio, porque isso me pega desprevenido.
Dona Lena é mesmo uma caixinha de surpresas.
— Vou, mãe. Agora que ela disse sim, eu vou.
Capítulo 45
Zeus

Alguns meses depois

O vozerio virulento e enfurecido derramava-se em maré de


violência sem fim pelas ruas da cidade ao entardecer.
Só que, neste caso, a tal maré de violência não vem do
clangor das espadas. Na verdade, o motivo de tanta indignação na
bela Verona dá-se por nada mais, nada menos do que uma fatia de
bolo.
Tento disfarçar, porém não consigo parar de sorrir. Além de
mim e Lena, apenas um outro homem está feliz: Romeu é só sorrisos
quando recebe o primeiro pedaço de bolo da aniversariante.
— Pro meu tio proforido — Íris estende o pratinho e ele se
ajoelha para receber a honra.
— Isso é traição! — Aquiles grita.
— Eu sou o seu preferido, garotinha! — Dionísio protesta.
Todos os outros já sabiam que não tinham chances, mas a
pequena surpreendeu até os pais quando resolveu dar a primeira
fatia para o membro mais novo do grupo — o mesmo que, há pouco
tempo, era o mais odiado.
— Nunca mais te passo ensinamentos preciosos, Íris San. —
Minha filha está de braços cruzados, olhando a cena e se fingindo de
incomodada.
Na verdade, sei muito bem que adora o fato de sua afilhada
ser tão apaixonada por seu noivo quanto ela mesma.
Depois de tudo o que passaram, ver a felicidade deles me traz
uma sensação maravilhosa de dever cumprido. Principalmente
quando olho ao redor e vejo o que Romeu conseguiu construir nos
últimos meses. Com muito esforço, muita dedicação e o apoio
incondicional de Afrodite, hoje é o dia da inauguração de Verona: a
nova academia de artes marciais. E nada mais justo do que usar o
espaço para comemorar o aniversário de quatro anos da pessoa
mais amada deste mundo.
O local foi todo pensado com cuidado e elaborado com
carinho, e o nome escolhido é a cara deles. Os dois pegaram um
pouco de sua história e transformaram em seu futuro. Dá orgulho de
ver como uma loja velha, fechada há mais de uma década, se
transformou em algo assim. E por mais que Romeu tenha aceitado
minhas sugestões e feito questão de me incluir no processo, 99%
disso aqui só existe por causa dele.
Posso ver que realmente fiz a escolha certa ao investir nesse
garoto. Não apenas porque minha filha o escolheu para estar ao lado
dela, mas por ver que Romeu é um homem que não desiste quando
encontra pedras no caminho. Ele as junta e constrói um castelo.
E o resultado de sua perseverança está aqui.
— Obrigado, senhorita. — Romeu faz uma mesura
extravagante, que arranca risadas de minha neta. A pequena fica tão
encantada com o gesto que seu rosto ruboriza e ela se joga em cima
dele, que a pega no colo com uma mão enquanto equilibra o bolo na
outra.
— Eu não acredito que fui trocada! — Afrodite bufa, jogando o
cabelo por cima do ombro.
Às vezes, ela é tão parecida com a mãe…
— Você jamais será trocada, meu mel. Eu te amo mais do
que…
— Não estou falando de você, Romeu — minha filha o
interrompe. — Estou falando dela. Essa traidora me trocou e agora
fica aí, te abraçando como se não tivesse feito nada de mais.
Os gritos de indignação são substituídos por risadas.
— O que eu posso fazer? Né, Íris? Somos um time agora. —
Ele deixa um beijo estalado no rosto da menina, que o envolve com
força pelo pescoço.
— E vai ser meu mestre — Íris completa, sorrindo de orelha a
orelha.
Agora, sim, o ódio sequioso por sangue faz olhos faiscarem.
Desde que anunciou que Verona teria horários específicos
para aulas infantis, Íris não pensou em outra coisa. Fala o tempo
todo em como seu “tio proforido” será seu mestre também. Ainda por
cima, chamou vários coleguinhas da escola para se juntarem à
turma.
No início, Romeu ficou em dúvida se a academia daria certo
— e entendi muito bem sua apreensão. Porém, enquanto construía o
espaço, Afrodite fez uma campanha de marketing que acabou
garantindo o sucesso antes mesmo de abrir.
Romeu terá turmas o dia inteiro, e seu foco será em crianças
e adolescentes. É claro que os antigos membros do Coliseu
migraram para cá sem nenhuma hesitação, mas é a quantidade de
alunos novos que acabou tranquilizando meu futuro genro. Confesso
que também fiquei mais tranquilo.
Coloquei quase tudo que juntei ao longo da vida nisto aqui, e
não me arrependo por um segundo. Principalmente porque estou
cuidando do futuro da minha filha, ao mesmo tempo que garanto sua
felicidade.
Eu sei o que é viver sem o amor da minha vida, e jamais
desejaria isso a ela. Por isso, quando a vi naquele estado, sabia que
precisava fazer alguma coisa para aplacar sua dor. E o que é
dinheiro se comparado ao sorriso daqueles que amamos? Não é
nada!
Então, emprestei um pouco mais para que o apartamento de
Lena não fosse leiloado e dei o restante para que Romeu montasse
Verona. Em menos de três meses, ele tirou os planos do papel,
trabalhando dia e noite para que a academia ficasse pronta.
No começo, os rapazes, principalmente Apolo, demoraram um
tempo para entender por que eu estava fazendo tudo aquilo
justamente pelo filho do inimigo. Então tive que esclarecer que,
assim como apoiei cada um deles em seus sonhos, era a hora de
apoiar Afrodite. Não era só sobre Romeu e não tinha a ver com
academia ou dinheiro, mas sim com amor.
O amor por ela.
O mesmo que sinto por todos eles. Porque eu sempre estarei
ao lado de cada um.
Tem a ver com presença, suporte e apoio incondicional, não
com dinheiro. De mim, todos eles terão isso na mesma medida.
E ainda bem que criei homens de caráter, que sabem
reconhecer quando erram e são injustos. Eles entenderam meu
ponto, tanto que, no fim das contas, ajudaram nos últimos retoques
de Verona — em um trabalho de equipe que encheu meu coração de
amor.
Afrodite continuou com seu emprego, porém também dedicou
todo o tempo livre para ajudar seu noivo, e preciso admitir que eles
formam um time e tanto.
— Quando será que teremos netinhos? — Ao meu lado, Lena
quase quica no lugar de tanta empolgação.
Olho para a mulher que conheço há mais de trinta anos e,
apesar de carregar as marcas de uma vida inteira, noto que o brilho
em seu olhar permanece o mesmo de quando era adolescente.
— Em breve — falo com segurança.
— Será mesmo? Afrodite não parece muito inclinada a ter
filhos agora.
— Talvez não, mas sei que ela quer muito ser mãe.
Mesmo que sempre tenha sido tratada como a filha preferida
do Olimpo, na verdade, é ela quem cuida de todo mundo e nunca
deixa de apoiar aqueles que precisam. Desde cedo, seu instinto
materno é aflorado. Não da forma típica, porque ela nunca foi muito
chegada a crianças, mas a seu próprio modo. Cuidar, proteger, dar
carinho, ser uma presença constante e amar profunda e
incondicionalmente: esta é a Afrodite que todos nós conhecemos e
adoramos.
O fato de ela não ficar fazendo caretas fofas para bebês na
rua não quer dizer nada. E depois que Íris nasceu, minha filha tem se
mostrado muito mais responsável do que imaginei. Ela faz de tudo
por aquela menina. Nunca imaginei que Afrodite trocaria fraldas e
daria banho em alguém, porém ela fez isso várias e várias vezes. Se
oferece para cuidar da pequena e a leva sempre para passear, além
de compartilhar seus “ensinamentos preciosos” e estar disponível a
todos os momentos.
Agora, com Romeu, não me resta dúvidas de que está no
caminho de construir uma família própria.
Logo com quem…
Se bem que é necessário relembrar que, há muitos anos, esse
chegou a ser um desejo de todos nós: Júpiter, eu, Lena e Angelina.
Um grupo de quatro amigos inseparáveis, que faziam tudo juntos,
inclusive planos para o futuro.
Enquanto Lena e Angelina sonhavam com casamentos e
filhos, Júpiter e eu sonhávamos com nossos títulos de Jiu-Jitsu, e
treinávamos na academia onde hoje é o Olimpo.
O problema é que, muitas vezes, pessoas que consideramos
amigas carregam dentro de si monstros que elas mesmas mal
conhecem. Sempre achei que seríamos um pelo outro até o fim da
vida, mas quando nosso mestre passou o legado da academia para
mim — assim como fiz com Apolo —, Júpiter se enfureceu. Ele
sempre achou que aquele lugar seria dele, afinal, treinava lá há mais
tempo, e foi ele quem me levou para o esporte.
Na cabeça de Júpiter, era o justo.
Mas eu me dediquei mais, trabalhei com mais afinco, abdiquei
de festas e outras coisas para me tornar o melhor. Mesmo sem a
intenção, recebi a maior honra que nosso mestre poderia me dar:
continuar seu legado.
Júpiter, contudo, não aceitou isso muito bem. Proibiu Lena de
continuar vendo Angelina e cortou relações comigo. Quando me
casei e transformei o lugar no Olimpo, ele decidiu que precisava
provar para o mundo de uma vez por todas que era melhor do que
eu. Foi assim que nasceu o Coliseu, em um berço de ódio e
rivalidade.
A partir daí, tudo o que eu fazia, ele copiava. Em todas as
competições que eu estava, ele também estava. Nunca levei isso
muito a sério, pelo contrário, achava que, em algum momento, cairia
em si de quão ridícula a situação era. Mas um dia, durante um
campeonato, ele fez algo que foi a gota d’água, e o que me fez
nunca mais dirigir a palavra a ele: jogou na minha cara que tinha
uma esposa viva e filhos machos legítimos, enquanto eu precisava
adotar moleques delinquentes porque só tinha sido capaz de ter uma
filha imprestável, que matou a própria mãe.
Aquela foi a única vez que ele conseguiu o que queria e me
fez perder a razão. E nunca me arrependi de mandá-lo para o
hospital por isso.
Claro que me causa tristeza saber o que a insanidade do meu
ex-amigo causou. Uma rivalidade desnecessária, a separação de
pessoas que se amavam, o endividamento de Lena — afinal, ele
usou dinheiro que não tinha para tentar deixar o Coliseu melhor do
que o Olimpo. No fim das contas, não resultou em nada. Ele morreu
e deixou mais mágoa do que amor para trás.
Júnior até tentou tocar o lugar, mas após expulsar Romeu e
perder muitos alunos, o futuro do Coliseu era certeiro: fechar as
portas. E foi isso que aconteceu um mês após Júnior se mudar para
lá. Agora, o filho mais velho de Lena, que ficou sem lugar para morar,
se recusa a voltar para o apartamento que eu ajudei Romeu a
manter. Está por aí, em uma república de lutadores, e ainda solta
uma ou outra ameaça vazia, que nem o pai costumava fazer. Nunca
imaginei que alguém pudesse ser tão parecido com Júpiter assim.
Talvez, de alguma forma, eu tenha sido culpado por alimentar
nos meus meninos essa rivalidade descabida. Mas eles assistiram a
muitas coisas e criaram seus próprios rancores. No entanto, Romeu
e Afrodite estão nos fazendo enxergar que todo ciclo pode ser
quebrado. Que toda mágoa pode ser enterrada.
Então, que Júpiter descanse e encontre a paz que nunca teve
em vida.
— Acho que nossos sonhos de juventude se tornaram reais,
Lena. — Passo o braço pelos ombros da minha velha amiga e
aperto-os com carinho. — De um jeito meio diferente do que
imaginamos, mas se tornaram.
— Com certeza, Heitor Ricardo — ela fala meu verdadeiro
nome baixinho e ri. Coloco o dedo em riste sobre meus lábios,
pedindo para que se cale. Afinal, depois que o Olimpo foi criado, só
ouço esse nome em consultas médicas e burocracias.
Não é que eu não goste dele, mas…
Quando olho para frente e vejo Romeu beijando Afrodite, que
tenta se desvencilhar ainda se fingindo de brava; Íris dançando no
tatame enquanto Dionísio corre atrás dela, tentando recuperar seu
posto de preferido; Flora rindo da cena; Aquiles abraçando Ana Júlia;
e Apolo rindo com Eros e Perseu, percebo uma coisa.
São meus filhos. Todos meus.
— Sabe, Lena, acho que prefiro ser o Zeus.
Epílogo
Afrodite

Três anos depois

Deitada no chão que sempre me amparou, encaro o teto e


xingo:
— Sai de mim, caralho! Saaaaai!
— Calma, porra — Dionísio aperta minha mão.
— Calma? — Esforço-me para sentar, toda desengonçada, e
quase não consigo. — Quero ver você tem calma com um alien de
vinte quilos na sua barriga.
— Não é um alien de vinte quilos, Afrodite, meu Deus. —
Aquiles está ao meu outro lado e também tenta me apaziguar. — É
só seu filho.
— Ou filha — Dionísio comenta com um sorriso. — Ainda
aposto que será uma menina.
Desde que eu engravidei, todo dia alguém aposta alguma
coisa sobre meu filho, principalmente seu sexo. Acho até que está
rolando um bolão entre as academias. Mas como eu gosto de
contrariar, decidi não saber até a hora do parto. Nada de frufrus ou
quarto cheio de carrinhos. Meu bebê tem todos os pertences em
cores neutras e elegantes. Orgulho da mamãe antes mesmo de sair
da barriga!
— Tomara que não. Já temos a Íris e a Nix — Aquiles se
refere a suas duas meninas. — E vocês têm a Lily e estão grávidos
de novo. Espero que seja um menino também, senão nosso time
estará desfalcado.
— Quero, mesmo, ter um menino desta vez. Já acabaram os
nomes de flores, Aquiles! E eu me recuso a chamar minha filha de
Camélia. Ela não vai nascer com noventa anos, caralho.
— Você acha que não penso nisso? Ana Júlia quer adotar
mais uma criança, mas encontrar nomes de deusas também é difícil.
Qual será o próximo? Ártemis?
— O que tem de errado com nomes simples? — pergunto,
revezando olhares entre os dois malucos que chamo de irmãos.
— Fale com suas cunhadas. São elas as causadoras de
problemas — Aquiles passa a mão pelo rosto, nitidamente cansado.
— Por outro lado, não posso ter um menino… — Dio solta,
recostando os cotovelos no tatame enquanto reflete sobre o assunto
de alta importância. — Dona Catarina vai escolher um nome
esdrúxulo, tipo Gerânio ou Crisântemo. Juro por Deus, eu morro se
tiver que gritar “Antúriooooooooo” na pracinha. Para onde vai minha
dignidade, Afrodite?
Apesar dos movimentos incessantes dentro da minha enorme
barriga, não consigo conter a risada. Imaginar a cena é bom demais.
“Por favor, dona Catarina, por favor! Nunca te pedi nada na
vida!”, penso, porém resolvo não aumentar a ira de Dionísio.
— É por isso que, se for menina, ela se chamará Alícia. —
Aponto para a minha barriga. — Se for menino, Ravi.
— Ainda bem que Romeu não insistiu para usar Teobaldo ou
Rosalina — Aquiles faz piada, citando nomes de personagens da
história que temos como nossa.
— Eu me divorciava na hora! — falo com convicção.
Mas é claro que isso não passa de uma boa mentira. Não há
nada neste mundo que possa me separar de Romeu. Nem escolher
nomes terríveis para o ser que cresce dentro de mim.
Acho que nunca fui tão feliz quanto nos últimos três anos.
Acho, não. Tenho certeza! Romeu me irrita e me faz sorrir todos os
dias. Ele me ajuda, me incentiva e nunca esquece de dizer que sou
uma mulher maravilhosa. Isso sem contar todos os orgasmos e a
eterna paciência com minhas mudanças loucas de humor —
causadas pela gravidez, óbvio, porque normalmente sou uma pessoa
calma e fácil de se lidar.
Nunca pensei que encontrar o amor pudesse ser tão…
natural. Estar com ele é fácil. É certo. É chegar em casa após um dia
louco no trabalho e receber um sorriso, como se ele também
estivesse esperando há horas para me ver.
Agora que estou grávida, Romeu faz questão de me mimar o
tempo todo. Mas tem uma coisa que me tira do sério: ele reserva
meia hora do dia para conversar com o bebê. Fico deitada na cama
enquanto ele fala com a minha barriga. Durante esse tempo, tenho
que manter a boca fechada. “Momento pai e filha”, ele diz. Porque
Romeu tem certeza de que será uma menina.
Já eu não me importo. Só quero ser feliz com o meu marido e
o ser que, por enquanto, me chuta sem parar. Espero um pouco mais
de carinho depois que empurrá-lo pelo pequeno buraquinho da
minha xoxota.
— Ai! — grito, sentindo mais um chute. Parece que não sou a
única temperamental aqui, e o bebê sabe quando o estou xingando
mentalmente.
— Quero sentir — Dionísio diz, já colocando a palma na
minha barriga, por cima do quimono.
— Eu também. — Aquiles imita o movimento.
De repente, estou sentada no tatame, com meus dois irmãos,
e vendo o amor incondicional que existe entre nós três.
Mais de quinze anos se passaram desde a primeira vez que
fizemos isso, e por mais que muita coisa tenha acontecido no meio
do caminho, nada mudou.
Absolutamente nada.
Somos nós: Aquiles, Dionísio e Afrodite.
Mas também somos mais. Agora, temos Ana Júlia, Flora,
Romeu, Íris, Nix, Lily e mais duas crianças a caminho. Isso sem
contar meu pai e dona Lena. Os dois se tornaram inseparáveis e
retomaram a amizade de infância. Inclusive se encontram toda
semana no clube do livro — que a mãe de Romeu está obrigando
meu pai a frequentar. Acho que, na verdade, é só uma desculpa para
os dois fofocarem sobre nossas vidas.
A pequena família que criamos está crescendo. E, apesar dos
quebra-molas, permanecemos firmes.
— Por que você está chorando? — Aquiles limpa a lágrima
que escorre por minha bochecha.
— Não sei. Acho que são os hormônios — minto.
Na verdade, estou feliz.
Uma felicidade tão intensa que me consome. Quero gritar
para o mundo e dizer que, finalmente, tudo está bem na minha vida.
Nos últimos três anos, meus irmãos e meu marido se
tornaram amigos. A rivalidade entre Olimpo e Coliseu chegou ao fim,
trazendo uma era de harmonia. Tudo bem que o Coliseu não existe
mais, porém a briga entre academias não se estendeu a Verona —
graças a meu pai.
Meu amado, querido, perfeito pai.
O homem que nos criou, nos deu amor, nos ofereceu apoio
em todas as etapas de nossas vidas. Foi ele a ponte que uniu dois
mundos diferentes.
— Vou te falar… Nunca imaginei que estaríamos desse jeito
— Dio solta o comentário, me oferecendo um sorriso.
— Desse jeito, como? Esparramados no tatame?
— Não… — Ele balança a cabeça. — Nunca pensei que
seríamos três adultos com famílias, filhos, sonhos… Que parada.
— Que parada — Aquiles repete, parecendo tão perplexo
quanto Dionísio.
— Sabe o que deixaria tudo ainda melhor? — pergunto,
revezando olhares entre os dois.
— O quê? — os dois falam ao mesmo tempo.
— Hambúrguer, batata frita e milkshake. — Minha boca saliva.
Neste momento, vou fingir que é desejo de grávida e não apenas a
tradição que temos de comer besteira escondidos quando estamos
no Olimpo.
Na mesma hora, os dois concordam.
— Vou pegar o celular e pedir pelo aplicativo. — Aquiles
começa a se levantar, porém seguro seu braço.
— Pode deixar que peço a Romeu. Ele chega em dez minutos
com o que eu quiser.
— Como aquele desgraçado consegue fazer isso? — Dionísio
pergunta, balançando a cabeça.
Os dois levaram um tempo para realmente se entender. Havia
muito rancor ali. Pouco a pouco, eles se permitiram uma chance.
Foram se conhecendo e, hoje, são amigos. Amigos de verdade, que
tomam cerveja juntos, assistem a jogos de futebol, compartilham
momentos e se ajudam em tudo. A ponto de Dionísio dar aulas para
algumas turmas na Verona.
Não sei exatamente quando tudo mudou. Talvez tenha sido no
momento que Dio percebeu o quanto eu amava Romeu. Talvez tenha
sido depois, quando viu que Íris o amava também. Ou talvez tenha
sido o que Thiago falou: basta darmos uma oportunidade a Romeu, e
ele nos conquista.
Pouco importa.
Hoje, Lily é minha afilhada também, junto com Aquiles. Já a
criança que Flora carrega será apadrinhada por Romeu e Violeta,
uma das irmãs dela.
— Meu marido tem superpoderes — afirmo, sem conseguir
conter o sorriso.
— O superpoder de te mimar, só se for. — Aquiles revira os
olhos, voltando a acariciar minha barriga.
“Não. Não só de me mimar”, quero responder, porém fico
quieta. Romeu apenas faz de tudo para não me decepcionar. Ele
sempre diz que uma rainha deve ter o que quer. E, desde que
ficamos juntos, esta é sua maior missão.
Quem sou eu para reclamar?

[1] Uma loba como eu não está para novatos. Uma loba como eu não está para tipos
como você.
[2] Trocou uma Ferrari por um Twingo. Trocou um Rolex por um Casio.
Nota das Autoras
Foi 2020, no auge de uma pandemia horrível, que os Deuses do
Tatame surgiram. De início, era apenas um exercício de escrita. Nós
duas estávamos travadas, sem conseguir escrever uma vírgula
sequer. Com isso, decidimos brincar — e da brincadeira nasceu
Aquiles.
Ficamos tão envolvidas pela história dele que o livro acabou
sendo publicado, mesmo que essa não fosse a ideia.
Nós nos encantamos por Aquiles, nos apaixonamos por Dionísio
e, agora, estamos completamente rendidas por Afrodite. Durante a
escrita, rimos, choramos, berramos e quase desistimos, porém
sempre tivemos a certeza de que este livro seria marcante. Afinal,
nossa Rainha merecia um amor inesquecível.
Ela demorou a chegar, até porque a história em si é dolorida. É
de reconstrução. E nem sempre nós, escritoras, estamos prontas
para enfrentar isso.
Mas conseguimos. De coração, esperamos que vocês tenham
gostado.

Grande beijo,
Mari e Cassia.

P.S.: Até o próximo livro?


Agradecimentos

Em primeiro lugar, queremos agradecer demais àquelas que


acompanharam todos os livros da série. Vocês são maravilhosas
demais! Afrodite foi feita com muito carinho para vocês.
Depois, não podemos esquecer da nossa terceira parte. Se
Aquiles e Dionísio têm Afrodite, Mari e Cassia têm Natalia Saj. Nossa
princesa maravilhosa, que além de ter feito as capas da série e lido
todos os livros, é uma pessoa que está sempre disposta a nos
ajudar. Amamos você, mulher!
Jess, obrigada por nos aturar no meio da loucura. Além de uma
assessora linda, você também é uma pessoa incrível.
Às betas, Melissa, Andressa e Dany, nem sei o que falar.
Perfeição que chama, né?
Às nossas famílias, por entenderem o surto que é o final de um
livro. Obrigada pelo apoio incondicional.
Por último, e não menos importante, aos Deuses do Tatame,
obrigada por transformar nossa amizade em algo inquebrável.

Amamos todos vocês!


Livros dessa série
Deuses do Tatame

Aquiles
“Parabéns, você é papai.”

Em poucas palavras, o mundo de Aquiles virou de cabeça para


baixo.
Até agora, seu único objetivo era deixar de ser apenas um Herói e se
tornar um Deus do Olimpo. Os treinos eram exaustivos e as horas,
longas: não é fácil ser um lutador profissional de Jiu-Jitsu.
Se ele achou que essa seria a maior dificuldade de sua vida, então
terá uma surpresa.

Para Ana Júlia, aquele era apenas mais um dia de trabalho. Porém,
quando seu consultório foi invadido pelo homem mais lindo que já viu
na vida, tudo mudou. Não só por conta dele, mas pelo fato de que
trazia um recém-nascido no colo.
“Ele foi abandonado”, era tudo que aquele “deus grego” conseguia
dizer.
Como médica, ela não pode se apegar. Mas quando a sua vida e a
de Aquiles se entrelaçam, nada mais é garantido.

Dionísio
Eles se odeiam, mas é impossível controlar a atração.

Foi em um casamento que se conheceram. Flora era a madrinha.


Dionísio, o segurança.
Se o primeiro encontro já não foi amigável, tudo piora quando ele é
contratado para ser o guarda-costas dela. Agora, Dionísio vai aonde
ela for. De terno bem-alinhado e sempre com um sorriso safado no
rosto, Flora tem vontade de enforcá-lo com a própria gravata, ou
então de arrastar aquele maldito para o quarto e obrigá-lo a fazer
melhor uso da boca. Ela ainda não se decidiu.
Por outro lado, Dio sabe muito bem o que quer: irritar a princesinha a
todo custo. Ela é mimada, chata e possivelmente a mulher mais linda
que já conheceu. Só que isso não importa.

Nenhum dos dois quer se envolver, mesmo que resistir esteja cada
vez mais difícil. E quando a vida de Flora fica em perigo, Dionísio
será o único capaz de mantê-la em segurança.

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