Pequeno S Guard I Ões Natureza
Pequeno S Guard I Ões Natureza
UBERLÂNDIA – MG
2023
JULIA MARIA SOUZA DA SILVA
Banca examinadora:
UBERLÂNDIA – MG
2023
RESUMO
Figura 1 - Roda para a descoberta do casulo com a carta convite para a aventura. 17
Figura 2 - Primeira carta: Convite mágico. 18
Figura 3 - Quebra-cabeça: O código do cadeado. 19
Figura 4 - Pequenos guardiões montando o quebra-cabeça casulo. 20
Figura 5 - Elementos presentes no baú misterioso. 21
Figura 6 - Baú misterioso com os materiais para construção dos amuletos da coragem. 21
Figura 7 - Segunda carta: A realização do amuleto de passagem. 22
Figura 8 - Amuletos da coragem. 23
Figura 9 - Roda para o ritual de passagem. 24
Figura 10 - Atravessando o portal mágico. 25
Figura 11 - Salamandra se apresentando como elemental do fogo. 26
Figura 12 - Salamandra iniciando o ritual de transmutação do medo. 26
Figura 13 - Mentalizando os medos nos gravetos. 27
Figura 14 - Desenhando e brincando com as sombras. 28
Figura 15 - Queimando as folhas com a lupa. 29
Figura 16 - Queimando os medos no fogo representados pelo graveto. 29
Figura 17- Ritual de passagem pelo portal. 30
Figura 18 - Elfo e Gnomo, elementais da terra. 31
Figura 19 - Apresentação dos elementais e contação. 32
Figura 20 - Cultivando sementes de girassóis. 34
Figura 21 - Plantando a árvore mágica. 35
Figura 22 - Cantando o canto da abertura do portal envolta da árvore. 35
Figura 23 - Foto dos pequenos guardiões da terra com os elementais. 36
Figura 24 - Conhecendo o poder da água. 38
Figura 25 - Fazendo escalda pés. 39
Figura 26 - Brincando de passar água de folha em folha para o balde. 40
Figura 27 - Fazendo perfumes com ervas e flores. 40
Figura 28 - Foto do pequenos guardiões da água com os elementais. 41
Figura 29 - Roda para fazerem os acordos. 42
Figura 30 - Atravessando o portal. 43
Figura 31 - Conhecendo a Fada do Ar. 44
Figura 32 - Terceira carta: Despedida do portal. 46
Figura 33 - Passando pela metamorfose: Ovo. 48
Figura 34 - Passando pela metamorfose: Lagarta. 48
Figura 35 - Passando pela metamorfose: Casulo. 49
Figura 36 - Passando pela metamorfose: Borboletas. 49
Figura 37 - Voando com asas de fitas ou tecidos. 50
Figura 38 - Carta de despedida. 51
Figura 39 - Recebendo os bastões de guardiões da Natureza. 52
Figura 40- Foto final do processo com as mestras, as aprendizes e os pequenos guardiões da
natureza. 52
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 5
2. PROCESSO DE DRAMA 8
3. A BORBOLETA, A NATUREZA E A CRIANÇA 14
3.1. OS PEQUENOS GUARDIÕES DA NATUREZA E A MAGIA DO PORTAL
DOS ELEMENTAIS: A história do processo de drama. 14
3.1.2. SEGUNDO EPISÓDIO - O OVO E O FOGO 23
3.1.3. TERCEIRO EPISÓDIO - A LAGARTA E A TERRA 30
3.1.4. QUARTO EPISÓDIO - O CASULO E A ÁGUA 36
3.1.5. QUINTO EPISÓDIO - A BORBOLETA E O AR 41
4. CONCLUSÃO 53
5. REFERÊNCIAS 55
5
1. INTRODUÇÃO
“Você tinha de quatro a cinco anos de idade e amava deitar em cima do capô do fusca
com o seu pai, lembro disso, que gostava de ficar lá olhando o céu. Observava a lua, contava
as estrelas e cantava a música “se essa rua fosse minha”. (Cristiane Paula de Souza Silva)
Esse foi um dos relatos que minha mãe fez ao contar sobre a minha infância. Minha
mãe conta que em nossa família existe uma crença que diz que a criança tem que brincar com
terra, porque quando a criança brinca com terra ela se desenvolve melhor, cria imunidade. Ela
sempre me deixou livre para brincar, pois queria que eu tivesse um desenvolvimento
saudável.
Eu era uma criança que gostava muito de histórias, pedia para os meus pais lerem ou
contarem histórias e estava sempre a inventar outras novas, misturava uma história com outra
e criava brincadeiras. Minha mãe conta que eu vivia no mundo do faz de conta, que em dias
eu dizia ser uma fada, em outros dizia ser uma princesa. Que eu me vestia com as roupas dela
e do meu pai, subia em cima do sofá e pulava de um para o outro, dizendo que estava voando.
Riscava, desenhava e coloria as paredes brancas de casa, e a minha justificativa para a arte era
dizer que estava dando aulas para os meus alunos.
Eu conversava muito comigo mesma, apesar de ter sido uma criança com muitos
amigos, não precisava de companhias para brincar, dava vida para os meus brinquedos e
falava com eles, passava dias e tardes brincando no mundo da imaginação. Preferia brincar
fora de casa, no quintal existiam todas as possibilidades que me interessavam. Era apaixonada
por brincar de casinha, com água, gostava quando meus pais enchiam um balde cinza grande
que tinha em casa, e eu entrava dentro e molhava todos ao meu redor. Gostava de brincar com
a terra no quintal, de fazer comidinhas, montanhas e desenhar no barro. Estava a todo
momento dançando e cantando, adorava abrir os braços e girar sentindo o vento.
Gandhy Piorski, no segundo Diálogos do Brincar, do canal Território do Brincar1 do
youtube, afirma que quando a criança se liga ao mundo, à materialidade dele, ela se liga por
um pensamento anímico, ela anima a vida. A criança encanta o mundo pela materialidade do
mundo. Essa força de encantamento é imaginária e quando a imaginação encontra a natureza,
1
TERRITÓRIO DO BRINCAR. Diálogos do Brincar #2: 'Criança e Natureza', com Gandhy Piorski. Brasil,
2016. 1 vídeo (59 minutos). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=L4u8pnqMkQQ. Acesso em: 21
dez 2022.
6
essa capacidade se potencializa, torna-se não só uma elaboração fantasiosa mas se torna
capacidade criadora, a imaginação criadora capaz de gerar conhecimento.
Dessa forma, analisando a minha infância, especificamente a primeira fase dela, em
que as experiências vividas nesse período ecoam durante toda a existência do ser humano,
percebo que o mundo natural, seus elementos, materialidades e comportamento tiveram a
capacidade de influenciar em meu desenvolvimento vital, biológico, cognitivo, motor e
psíquico. Por meio da potência imaginativa, do livre brincar e estar, é que se estabeleceu o
meu vínculo com o mundo natural.
Compreendo que foi por meio deste, que a minha criança desenvolveu a capacidade de
expressar, sentir e estar. E por fruto desse laço, essa criança se encontra na arte, na
sensibilidade, no contato e na necessidade de expressão e contemplação. Das diversas formas
que experienciei de expressar essa arte, conectei-me desde pequena com as visuais, como
desenho, pintura e artesanato.
Apesar disso, foi aos oito anos, quando meu pai me matriculou em um curso de teatro,
que me encontrei. Desde então, sempre estive em contato com a cena, pois me sentia muito
confortável para criar e usar minha imaginação. Aos catorze anos, participava de uma
companhia, chamada “Teatro de Sala”, coordenada por Murilo Gussi, na qual estudávamos
literatura infanto-juvenil e realizamos espetáculos para este público, em escolas e eventos.
Essa experiência contribuiu muito no aprofundamento do meu contato com as
crianças, mas foi na universidade que me reconheci na licenciatura. Vivenciando projetos e
disciplinas como o PIBID, orientado por Vilma Leite, os Estágios Supervisionados, orientados
por Wellington Menegaz e Mariene Perobelli, as Pedagogias do Teatro, orientadas por Paulina
Maria Caon, Maria de Maria e Mariene Perobelli, pude trocar experiências e saberes que me
encantaram e despertaram meu interesse para trabalhar e pesquisar no campo da educação.
De acordo com Paulo Freire, ensinar exige compreender que a educação é uma forma
de intervenção no mundo e que a mudança é possível. Eu acredito que é na transformação da
infância que essa mudança pode acontecer, e por isso, escolhi pesquisar o desenvolvimento da
criança em contato com a natureza, visto que esta foi determinante para traçar o meu caminho.
Unindo a prática teatral ao livre brincar, escolhi o Processo de Drama como via para vincular
a natureza e a criança e a natureza na criança através da imaginação.
2. PROCESSO DE DRAMA
2
CABRAL, Biange; DE MEDEIROS PEREIRA, Diego. O espaço de jogo no Contexto do Drama.
Urdimento-Revista de Estudos em Artes Cênicas, v. 1, n. 28, p. 285-301, 2017.
3
Dorothy Heathcote foi a pioneira do método. Desenvolveu uma abordagem não ortodoxa para o drama
educacional que estimula a imaginação das crianças e inspira o trabalho de professores e pesquisadores pelo
mundo.
4
Cecily O’Neill teve seu trabalho voltado para a estruturação do Drama na sala de aula, sendo responsável por
tornar a prática do Processo de Drama acessível aos educadores.
9
5
Mariene Perobelli é doutora em Artes Cênicas pela UNIRIO e professora do curso de Teatro da UFU. Atriz,
contadora de histórias, professora e pesquisadora com ênfase no desenvolvimento infantil, formação de
professores e parentalidade. Foi aluna de Beatriz Cabral, tendo participado dos primeiros processos de Drama no
Brasil.
6
Wellington Menegaz, carinhosamente conhecido como Tom, é pai do Joaquim. Pai do Carlson e da Capitu (os
filhos de 4 patas). Casado com o Du. Gosta de ser menino folha e menine vento. Ator. Professor. Sonhador.
Pesquisador. Artesão. Um curioso com a vida. E um apaixonado pelo Drama.
7
Flávia Janiaski é doutora em Artes Cênicas pela UFBA e professora pela UFGD. Tem experiência na área de
artes cênicas, com ênfase em Teatro-Educação, Produção Cultural, Contação de História, Orientação de Estágio,
Improvisação e Montagem Teatral. Foi aluna de graduação de Beatriz Cabral, tendo participado dos primeiros
processos de Drama no Brasil.
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O Drama se mostrou vivo e orgânico, ele atravessa a experiência e ganha vida por
meio da imersão. É um contexto ficcional, mas uma vivência concreta, essas características
são o que o tornam fantástico.
Após o encantamento e atravessamento com a magia da experiência, me aproximei
dos conteúdos expostos na disciplina e, aconselhada pela minha orientadora, definimos que o
Drama seria o meio para estabelecer o vínculo da criança com a natureza. Ao iniciar o
processo da disciplina de Pesquisa I, determinamos que em estágio III deveria estruturar,
realizar e avaliar um processo de Drama com crianças de 4 a 6 anos de idade.
A turma de Estágio supervisionado III foi organizada em duplas e nossa tarefa era
desenvolver um plano de aula para realizarmos com as turmas nas escolas. Eu e parceira de
estágio, Júlia Felix8, com a orientação da professora Mariene Perobelli, acompanhamos as
turmas do 1º Período, supervisionada pela professora Geise, e 2º Período, supervisionada pela
professora Maura no Centro Educacional Eurípedes Barsanulfo9.
Observamos as turmas por cinco encontros, as aulas aconteciam das 13:00 às 17:00
horas. Júlia e eu revezamos as salas, e no final de cada encontro compartilhamos as memórias,
os diálogos e as histórias vivenciadas. Durante esses encontros tínhamos que conhecer as
crianças e nos vincularmos com elas, dessa maneira, seria possível desenvolver um pré-texto e
um contexto ficcional que iria conectá-las com o processo.
No primeiro encontro, ao conhecermos a professora Geise, ela nos apresentou o que
viria a inspirar o nosso contexto ficcional e pretexto, o conteúdo partilhado era o processo de
metamorfose das borboletas. As crianças estavam acompanhando a transformação de algumas
lagartas da folha de couve colhida na horta de Geise. O borboletário era formado por um pote
de vidro com uma rede fina na tampa, dentro do pote tinha um tronco grosso, muitas lagartas
comendo a folha da couve verdinha e um casulo formado pendurado no canto.
Os nossos olhos e os nossos corações brilharam nesse encontro, a professora havia
dito que estava procurando desenvolver algum trabalho a partir da experiência com o
borboletário e que nós poderíamos ajudá-la com esse projeto. No mesmo dia tivemos a
oportunidade de participar da reunião pedagógica da escola com o centro de convivência,
nessa amostra foram compartilhados alguns trabalhos realizados com as turmas, e ambas as
professoras apresentaram livros com contações de histórias criadas pelas crianças. Uma das
8
Júlia Silva Felix, graduanda de Licenciatura em Teatro pela Universidade Federal de Uberlândia.
9
O CEEB é um projeto espírita filantrópico educacional, que oferece educação infantil, ensino fundamental e
projetos sociais como centro de convivência.
11
histórias contava sobre a borboleta da asa amarela e preta, com uma asa maior que a outra que
havia falecido ao nascer.
Ao lermos as histórias e observarmos os desenhos, cores etc notamos que estávamos
lidando com crianças sensíveis e amorosas, crianças que já estavam conectadas com a
natureza.
Assim, delimitamos o contexto ficcional do Drama, uma aventura de descoberta e
vínculo com os quatro elementos da natureza, a convite da borboleta da asinha quebrada.
E definimos o pré-texto, a história a ser idealizada, partiria da borboleta que está em outro
plano, e recebe o chamado para transformar as crianças em pequenos guardiões da natureza.
Ao fazer um Processo de Drama, abre-se possibilidades de contexto que não se
restringe apenas à sala de aula com a percepção de adentrar no contexto ficcional. Para Cabral
(2006), a experiência de responder a situações realizando ações e assumindo atitudes,
transforma-se em aprendizagem, uma vez que essas abordagens possibilitam experiências de
respostas ou atitudes reais.
O(A) professor(a) estabelece um contexto ficcional a partir do momento em que
conduz e articula um processo por meio do pré-texto definido anteriormente (CABRAL,
2006). Assim, com o pré-texto, é possível formar um contexto ficcional que orientará o
percurso da situação escolhida.
Antes de iniciarmos a prática, durante o período de observação, seguimos
acompanhando as turmas do primeiro e segundo período, nos aproximamos das crianças,
conhecemos suas individualidades e particularidades e fomos desenvolvendo vínculo com
elas. Dessa forma, estabeleceríamos um ambiente seguro e acolhedor para instaurarmos o
drama.
Cabral (2006, p.15) define o pré-texto, como “o roteiro, história ou texto que fornecerá
o ponto de partida para iniciar o processo dramático, e que funcionará como pano de fundo
para orientar a seleção e identificação das atividades e situações exploradas cenicamente”.
Conforme a autora, o(a) professor(a) atua como maestro, apontando as situações e caminhos a
serem percorridos e, o pré-texto guiará os temas a serem trabalhados, o contexto e os papéis
dos participantes, criando expectativas, estipulando padrões de comportamento, despertando a
atenção, abrindo perspectivas e desafiando a participação.
Julia e eu tínhamos como fundamento para o processo instigar e aprofundar o vínculo
das crianças com a Natureza, de modificar a concepção de que a natureza é apenas provedora
de recursos, gerando a consciência de que ela é a força que nos constitui, que constrói nosso
ser e tudo que conhecemos do mundo. Reconhecer a Natureza que está fora e dentro de si.
12
10
Autoficção é um termo usado na crítica literária para se referir a uma forma de autobiografia ficcional.
14
O vento soprou para a chuva, a chuva pingou na terra, da terra raiou o sol e o sol
amanheceu o dia, iluminando a copaíba. Todos ali então já sabiam que uma história estava
para acontecer. Foi o Guardião deste lugar que pediu para que o vento soprasse e passasse a
mensagem.
Era chegada a hora dos pequenos seres de luz que brincam e aprendem em volta da
copaíba, conhecerem os elementos que formam todo universo: o Fogo, a Terra, a Água e o Ar,
a matéria presente em tudo que há, em tudo que é. O Grande Espírito do todo, por ser um
grande xamã, convocou a força de todos os elementais para começarem a escrever a história.
No dia destinado, estavam todos sintonizados na mesma frequência para planejarem o
que estava por vir. A calorosa Salamandra, elemental do fogo, estava em combustão de
entusiasmo e depositou a sabedoria da transmutação. Já o Elfo e o Gnomo, elementais da
terra, destinaram para os pequenos seres de luz a força e a energia da criação. A encantadora
Sereia Azul e seu companheiro Ondino, trouxeram a nutrição no movimento, na fluidez e na
purificação. A travessa, alegre e avoada Fadinha do Ar soprou a leveza e a criatividade para
os jovens coraçõezinhos.
Duas almas ainda aprendizes que estavam adormecidas no mundo do intelecto foram
sintonizadas na frequência encontro dos elementais com o Grande Espírito, e durante uma
aula receberam o chamado para ajudarem a escrever a história. Tinham elas três mestras que
as aconselhariam e orientariam, Mestra Mar, Mestra Gê e Mestra Ma. Aceitaram com muita
honra e entusiasmo a missão de acompanhar e proteger, os pequenos seres de luz, as crianças,
durante toda a jornada.
Estava um dia ensolarado e quente quando a Mestra Gê apanhou a folha de couve em
que eu estava morando e colocou em um grande pote de vidro. Lembro que depois de alguns
dias no escuro, ouvindo muitas vozes diferentes, o ovo, que era minha casinha, começou a
ficar pequeno e quando menos esperava, a casca quebrou. Acabava de nascer uma pequena
lagarta com listras amarelas e pretas, em um lugar conhecido como Centro Educacional
Eurípedes Barsanulfo.
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Mestra Gê, sendo um ser muito sábio, colocou muitas folhas de couve para que eu
pudesse me alimentar. Eu sentia tanta fome que comia o tempo todo, e todos os dias era
prestigiada com folhas fresquinhas. Ao longo do tempo fui conhecendo meus companheiros
de jornada. Eles possuíam uma forma humana e tinham entre 4 e 6 anos de idade, eram
formados por luz, amor e alegria. Alguns mais espoletas que outros, mas todos me
observavam com carinho e graciosidade. Foram algumas semanas em que eu passei me
deliciando com as folhas e crescendo sem parar, me tornando uma lagarta grande e forte.
Como já havia atingido toda a potência que estava preparada para viver como lagarta,
comecei a construir a minha segunda morada: um poderoso casulo. Fui para o topo do pote e
me pendurei para tecer em volta do meu corpo uma seda. Grudei nela pedaços de folhas e
pequenos galhos secos, então meu corpo se transformou em pupa, estava nesse momento
metamorfoseando.
Foi durante esses dias no casulo que o Grande Espírito me revelou que a história
estava começando a acontecer. Acordamos que ao sair do casulo devia me apresentar para as
crianças em minha nova forma, mas teria que partir rapidamente para outro plano, pois nele
me tornaria a guardiã da missão da história.
As minhas asas cresceram e o casulo começou a ficar apertado, já me sentia preparada
para quebrar a parede e sair. Voei, ainda dentro do pote, e as crianças ficaram impressionadas.
“Olha! Ela tem uma asa menor que a outra!”,”Ela é tão linda! É amarela e preta”.
A Mestra Gê que acompanhava a turma aconselhou para que no final da tarde me
libertassem para voar livremente. Antes que pudessem voltar a atenção novamente para mim,
a matéria desassociou do meu ser, foi rápido como o bater de asas. Meu corpo ainda estava
ali, mas eu já não mais estava.
Me senti abraçada por todos quando fizeram na terra uma casa para o meu corpo e o
guardaram. Foi lindo vê-los escrevendo uma história sobre a minha passagem, estava cada vez
mais feliz por estar ali e já me sentia em casa quando adormecia nos galhos da copaíba. Voava
tranquila enquanto os observava, sem me dar conta que estava sintonizada na frequência da
elevada missão e tinha um grande poder em minhas asas, a capacidade de transformá-los em
guardiões da natureza. Meu propósito era preparar as almas aprendizes para serem a ponte
entre as dimensões e tecer toda a história a ser vivida.
Encaminhadas pela Mestra Mar, as almas despertadas foram conhecer os meus amigos
da copaíba. Ficaram encantadas com tudo, com o espaço, com as árvores, com as galinhas,
com as crianças e com as duas mestras fantásticas que ainda não conheciam, a Mestra Gê e a
Mestra Ma. Era fascinante como as mestras dominavam a magia do conhecimento, tinham
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com elas histórias que falavam com a essência das crianças, possuíam o potente elixir da
imaginação e a grande capacidade de enxergar a alma de seus alunos.
Conheci as duas aprendizes que me ajudariam na missão. Elas compunham o clã de
estagiárias no mundo do intelecto, orientadas pela Mestra Mar, uma forte e corajosa xamã,
com a potência de resplandecer o poder de cada coração que por ela passa, dando o amparo
para florir o despertar das almas. Então, éramos eu, duas Julias e uma história. Uma era
orientada pelo ar, a outra, pela água, mas eram conectadas pelo poder da terra no tempo do
fogo. Os elementos constroem a vida e a vida faz do universo ser o universo. Tudo é inteiro e
tudo faz parte de tudo.
Como uma magia adormecida nos corações das Julias, brotou a semente que plantei.
Nesta semente estavam presentes todas as intenções e forças depositadas pelos elementais e
pelo Guardião de tudo que há. Nasceria ali a história construída pelo Grande Espírito com os
poderosos elementais. Fiz da história um processo de passagem com os quatro elementos pela
minha metamorfose. Tudo está ligado, como uma grande rede, tudo faz parte de tudo.
Com o passar dos dias, as aprendizes foram reconhecendo o brotinho, o propósito
presente em si e começaram a materializar as intenções. Trouxeram um conhecimento
adquirido durante os estudos e fizeram dele um dispositivo para que eu pudesse, de forma
segura, abrir os portais dos elementais para as crianças. O conhecimento era identificado no
mundo do intelecto como processo de drama, um efeito mágico que transita entre planos e
cria atmosferas imaginativas, capazes de transportar todos para uma viagem em qualquer
realidade.
A história traçada para acontecer se transformou no roteiro do processo, desta forma,
ela poderia se concretizar nesta dimensão humana. As jovens aprendizes transcorriam o
enredo do coração para a cabeça, da cabeça para o papel, e assim o roteiro foi se tornando
uma fantástica magia para transformar as crianças em pequenos guardiões da natureza. As
intenções manifestadas e transmitidas pelos guardiões eram a essência de tudo que estava para
acontecer.
O roteiro foi composto por cinco viagens: a primeira viagem se trata da apresentação
do propósito, do convite para a aventura e da criação do amuleto da coragem para a entrada
nos portais de cada elemento. A partir da segunda viagem, com o poder do amor e da
coragem, o portal surgiria e eu tinha o dever de atravessar todos para a dimensão dos espíritos
da natureza em segurança.
O poder da magia da missão transformou as duas almas aprendizes em borboletas. A
alma vinculada com a água se tornou a borboleta da asa de folhas, e a alma vinculada com o
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Figura 1 - Roda para a descoberta do casulo com a carta convite para a aventura.
Aos poucos, as aprendizes foram lendo e conversando sobre o que se tratava a carta. O
que é fauna e flora? Para que existe a natureza? Quais são os quatro elementos? Disseram que
a natureza eram os animais, o céu e as árvores. Fomos surpreendidas quando apenas uma das
crianças respondeu sobre os elementos, disse ela que são a terra, fogo, água e vento.
Foi naquele momento, enquanto observava os corpinhos inquietos de entusiasmo e os
olhinhos brilhando, que pude entender: estávamos escrevendo uma história transformadora
com pingos de luz na terra.
Foram muitas perguntas, risadas e curiosidades. Ao finalizarem a leitura da carta,
juntos começaram a decifrar o enigma de onde poderiam encontrar o código do cadeado para
que pudessem abrir o tesouro misterioso. Era como um caça ao tesouro, em que primeiro,
teriam de desvendar o código do cadeado do tesouro e em seguida teriam que procurar pelo
baú misterioso.
Rapidamente perceberam que o enigma se tratava da sala de aula, então correram até
elas e cada turma entrou na sua sala. Encontraram pequenos casulos embaixo das mesas e
dentro de cada um tinha uma peça do grande quebra cabeça dos elementos, assim, precisariam
se unir para conseguirem montar e decifrar o código.
O código se apresentaria no desenho do quebra - cabeça, era uma imagem complexa
composta por uma grande quantidade de peças de tamanho pequeno e as crianças por serem
muitas, e estarem eufóricas e inquietas, tiveram dificuldade para montá-lo sozinhas. Percebi
que esse desafio levou mais tempo que o esperado, o grau de dificuldade estava alto para as
crianças e ficaram agitadas. A Mestra Mar, soprou para as aprendizes que uma delas deveria
sentar com as crianças e cantar, enquanto a outra auxiliava na montagem unindo as peças que
ainda não tinham encaixado. Aos poucos foram acalmando e concluindo a montagem.
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da senha, 724. Agora que já tinham o código para abrir o cadeado, precisavam encontrar o
baú. Na carta do convite mágico, contei para as crianças que poderiam procurar o baú
misterioso no jardim encantado. Um lugar com plantas mágicas e poderosas onde elas
cuidavam das plantas e flores, ideal para guardar o tesouro fantástico. Dentro dele tinha a
fórmula secreta para a passagem pelos portais, o grandioso amuleto da coragem. O amuleto
era feito com sementes de diversas árvores e um fio de algodão, poderia ser um colar ou
pulseira e a magia só atingia o amuleto se nele tivesse muito amor e cuidado.
A alma do ar lembrou os pequeninos o que indiquei na carta, sobre onde poderia estar
o baú, então, os pequeninos foram correndo até o jardim. Um deles rapidamente levantou a
caixa que estava cobrindo o baú e todos vibraram felizes com o que poderia ser o tesouro.
Foram todos para o galpão da escola desvendar juntos aquele mistério. Para que pudessem
abrir, as duas aprendizes foram à frente das crianças com o tesouro e pediram para todos
juntos dizerem o código do cadeado, mandando energias positivas com as pontas dos dedos.
E, assim, com a energia de todos, o baú se abriu.
Figura 6 - Baú misterioso com os materiais para construção dos amuletos da coragem.
Nele tinham pedras coloridas encantadas como quartzos, ágatas, ametistas e tantas
outras transmitindo a virtude da terra. Várias conchas de diversos formatos e texturas
demonstrando a sabedoria da água. As folhas e pétalas secas pelo sol traziam a transmutação
do fogo. Por fim, as tiras de tecido mostravam a leveza e delicadeza do ar. Todos os elementos
juntos para se conectarem com os corações dos pequenos seres de luz.
Dentro do baú, também estava a segunda carta que escrevi. Nela, apresentei o potente
amuleto de passagem e anunciei que em breve teriam visitas. Contemplaram curiosos os
elementos presentes no baú e começaram a criar seus amuletos.
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Da grande explosão do astro rei, rochas se espalharam pelo espaço, e, atraídas pela
força gravitacional, passaram a girar em torno do sol. As mudanças geradas na atmosfera e na
crosta terrestre com a ação da terra, do fogo, da água e do ar possibilitaram a combinação para
que as primeiras células de vida pudessem existir. Nessa história, o fogo simboliza o momento
em que eu estava dentro do ovo, quando estava me tornando uma lagarta. Ele é a primeira
fonte de energia do Todo, é o que propicia o movimento, a ação, a explosão, o surgimento de
tudo.
Neste dia, com a magia da imaginação, transformei umas das aprendizes em uma bela
borboleta, assim, ela poderia transitar pelas dimensões, e, juntas, poderíamos com cautela
atravessar todas as crianças pelo portal até a dimensão dos elementais. A borboleta das asas
de flores foi até as salas de aula para convidar as crianças para a primeira aventura, e se
apresentou como minha grande amiga. Esclareceu que o portal se formaria no pergolado em
frente a copaíba e orientou que levassem os amuletos.
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Os corações foram juntos até o gramado da copaíba, formaram uma roda, e então a
borboleta apresentou o canto para o ritual de passagem. Em conjunto, saudaram os elementos
com o canto e ativaram o poder do amuleto com o calor do coração.
12 Dandhara Morena, nome artístico de Dandhara Morena Miranda Araújo Chagas, é atriz, diretora, arte
educadora, mãe e co-fundadora da Corpo HabitARTE. Seu campo de trabalho une tecnologia, artes e educação
objetivando a ativação do corpo por intermédio das diferentes linguagens artísticas, visando reavivar o fogo
interno da criatividade e do sentir.
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Ela conversou com as crianças, falou sobre o fogo e sua energia. Que o fogo é a
energia que corre dentro nós quando corremos, pulamos. Sobre a chama acesa dentro de nós, a
chama que reluz o brilho nos olhos e ilumina o caminho que devemos seguir pelo nosso
coração. É o calor que nos alimenta e nos mantém vivos. É a luz que nos permite viver e nos
nutre.
Usou a tinta do fruto do fogo para perpetuar nas crianças a sua força, com urucum fez
nelas um traço com o dedo na linha no queixo, representando uma marca de passagem pelo
portal. Depois de terem conhecido seu poder, tiveram a oportunidade de absorver suas
virtudes com o ritual do fogo. A Salamandra fez uma fogueira com grandes troncos e das
pontas dos dedos acendeu uma tocha que deu vida para a fogueira, começaram então o ritual
da transmutação do medo. A guardiã do fogo, cantou a canção de abertura, que vinculou o
movimento do corpo com a dança do fogo, de um lado para outro, como chamas vivas e
calmas.
Eu sou a salamandra do poder do fogo
E eu vim aqui te ajudar,
Coloque o seu medo no graveto que vamos juntos queimar
Queimar
Queimar
Queimar
Queimar13
13
Canção autoral da Dandhara Morena, realizada para a apresentação da elemental Salamandra.
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Em seus gravetos, materializaram seus medos com a imaginação, e aos poucos foram
se desapegando e os colocando na fogueira. Foi emocionante ver o brilho dos corações
pulsando nos olhos das crianças, sentir o calor vibrar e fazer dos medos, poeira espacial.
Medo de barata, medo do escuro, medo de aranha e diversos outros foram queimados.
Vinculadas ao fogo, começaram a brincar com ele. Usaram do poder do sol para
queimar as folhas secas com lupas, as aprendizes mostraram que ao alinhar a luz, a lupa e a
folha conseguiam fazer buracos de queimadura. Com paciência e muita atenção as crianças
conseguiram não só fazer bolinhas de queimada, como começaram a desenhar nas folhas com
a lupa e o sol.
No papel kraft desenharam os traços feitos pelo sol, com a mágica da sombra traçaram
com gizes coloridos as formas que surgiam. Usaram diversos materiais naturais para fazerem
sombra, pedras, folhas, pedaços de madeira, sementes e até objetos plásticos como bonecas e
carrinhos. Exploraram as formas do corpo humano também, mãos, braços, pés, não tinha
limites para as possibilidades de desenhos com a sombra. Passaram horas se divertindo com a
Salamandra.
Figura 14 - Desenhando e brincando com as sombras.
Escutei uma pequena menina falando que suspeitava ser o dia da salamandra da água,
mas o Guardião com o poder do portal encaminhou todos para a dimensão da terra com a
presença de seus elementais. O Elfo14 e o Gnomo15 foram os primeiros de toda linhagem da
14
Diego Leonardo é capoeirista, ator-pesquisador, contador de histórias, arte-educador, palhaço e graduando de
Licenciatura em Teatro pela Universidade Federal de Uberlândia.
15
Kleber Maronezi é ator, palhaço e performer. Idealizador do núcleo de palhaçaria “Payaso sem Teto” e
graduando em Teatro pela Universidade Federal de Uberlândia.
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vida, solidificando os corpos, fertilizam os solos e guardam o cristal da fonte da vida. São
seres elementais construídos pelas virtudes de seu elemento, e eles têm o poder da criação, da
abundância e do conhecimento ancestral.
Ao passarem para a forma humana, ficaram altos e vistosos. O Elfo tinha longas e
pontudas orelhas, vestia uma roupa bem verdinha com bordados de ouro e trazia um cajado
feito de grandes galhos unidos pelo fio da vida com pedras encantadas e sementes penduradas.
É um ser muito sábio, dizem que dentro de seu chapéu moram todas as histórias mágicas. Já o
Gnomo, tinha pele amarelada e um olhar profundo e curioso. Era alegre e ágil e se
movimentava rapidamente, tinha uma risada engraçada, um grande chapéu marrom e
carregava em seu cinto o chocalho com todas as sementes do mundo, o tambor com a batida
do coração da terra, o triângulo da saudação e o pandeiro feito de risadas.
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16
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
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No fim do dia, posso dizer que cumpri parte da missão com sucesso. Passamos todo
nosso tempo juntos ritualizando o elemento da terra, as crianças não hesitaram em momento
algum, ao contrário, mostraram-se curiosas e conectadas desde o primeiro contato, enquanto
escutavam as histórias do Elfo e do Gnomo. Ao longo do dia, vincularam-se plantando,
dançando, sentindo e criando com o elemento, e agora, já eram guardiões do fogo, e da terra.
A água está presente em tudo que tem vida, para os humanos ela é capaz de nutrir e
proteger o feto na gestação, assim como na minha metamorfose, na qual o suco ácido
transforma o tecido do meu corpo de lagarta e desperta as células para produzir um novo
corpo. Ela é imprescindível à existência da vida na terra.
Estava um dia ensolarado e quente no cerrado, as crianças aguardavam a visita das
borboletas para a próxima viagem. Senti que o Grande Espírito havia elevado a influência da
água no campo energético de todos que estavam ali: as mestras, as crianças, as borboletas e
até eu estava tranquilizada e equilibrada. Estávamos harmonizadas em uma mesma
frequência.
As queridas borboletas da asa de flores e da asa de folhas, levaram as crianças mais
uma vez para o gramado em frente a copaíba. O portal se formou e o ritual de passagem
começou: cantaram, rodaram e se transformaram em novos animais. Ao atravessarem o portal,
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17
Maitê Máximo é atriz, cantora e dançarina com experiência em ballet clássico, ballet contemporâneo, jazz,
sapateado e vogue. Atualmente, graduando em Teatro pela Universidade Federal de Uberlândia.
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Vinicius Severo graduando em Teatro pela Universidade Federal de Uberlândia com pesquisa voltada para
audiovisual.
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Os elementais falaram sobre o poder da água, que pode nos limpar física e
emocionalmente, que transporta os nutrientes na terra e em nossas veias, que hidrata a vida,
que traz balanço e fluidez para a dança do universo, e que ela constitui a maior parte do nosso
corpo. A Sereia Azul nos presenteou com o seu canto, os olhares eram de contemplação e
admiração, as respirações foram acalmando e todos ficaram serenos.
GUALBERTO JR., João. A chuva vai cair: Flor de Luz. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Ld4HQhk2668. Acesso em: 23 nov. 2022.
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As borboletas, com a ajuda dos elementais, prepararam para as crianças bacias para o
escalda pés, com água e as ervas secas com sal grosso. Organizaram as crianças em trios, cada
grupo com a sua bacia, assim, todos teriam a oportunidade de terem seu pé lavado e de lavar o
pé do outro. As borboletas conduziram as massagens para que todos pudessem passar pelas
duas experiências, com os pés e com as mãos.
O dia se encerrou com muita diversão e corpos energizados da água, todos estavam na
mesma frequência enquanto sentíamos o elemento. Nos despedimos, e os elementais
batizaram as crianças como guardiões da água. Agora já eram guardiões da terra, do fogo e da
água. Estava em paz e grata com a história que estávamos construindo, é recompensador e
reconfortante ter em mim memórias de momentos como esses. Ainda bem que a Mestra Gê
me levou de encontro com os seres de luz.
O Grande Espírito do tudo que é desejou que levássemos as crianças até a morada dos
guardiões elementais, e sinalizou que o portal se abriria no lar dos seres mágicos. Pela
primeira vez o portal se abriria em um lugar em que as crianças ainda não conheciam. As
crianças, junto a suas mestras, foram levadas para a casa dos elementais. Enquanto estavam a
caminho, as borboletas e a Mestra Mar já estavam na morada preparando todos os detalhes
para esse encontro.
Senti que seus corações estavam apreensivos por ser o último encontro, e eu também
estava assim, pois, estar nesta missão e ser guardiã da história foi para mim uma segunda
metamorfose. Transformá-los me transformou também. Agora sigo com o meu coração maior,
bem maior do que ele era.
Quando chegamos nos deparamos com um lugar deslumbrante, não só para as vistas,
mas para o coração também. Meu ser estava leve, havia muitas árvores, pássaros nos galhos e
dançando com o vento, insetos livres para serem, um grande gramado com coelhos, lindas
flores coloridas e muitas árvores de várias espécies. Estávamos todos amparados e protegidos
pela força da majestosa mãe natureza.
Fizemos uma grande roda, na frente da parede de flores roxas no gramado verde. As
borboletas conversaram com as crianças sobre o respeito e o cuidado que deveriam ter com
aquele lugar, pois era o templo onde manifesta-se a manutenção de todo planeta, um templo
de guardiões elementais, co-criadores da vida. O Reino elemental canaliza a energia através
das vibrações de pensamento e emoções, portanto deveriam nutri-lo com bons
comportamentos, com cuidado e com amor.
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Fernanda Puttinick é atriz, pesquisadora da arte na infância e graduanda de Licenciatura em Teatro pela
Universidade Federal de Uberlândia.
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Ela conversou com as crianças sobre o poder do ar, falou do sopro, do assobio, da
frequência sonora da voz e dos sons que chegam. Contou dos ventos que limpam por onde
passam e espalham as sementes pela terra, da respiração, do oxigênio, dos pássaros e da
presença do ar. Depois de conhecerem a Fada, escutaram dela a canção do ar e desejaram
poder voar.
Tudo vem do ven-tudo vem
Tudo bem
Alimenta o fogo
Atormenta o mar
Arrepia o corpo
Joga o ar no ar
Levanta os lençóis
Entra na janela
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Nuvens de areia
Folhas no quintal
Canto de sereia
Roupas no varal
Tudo bem
Sacode a cortina
Alça os urubus
Cabelo embaraça
Bate no portão
Espalha a fumaça
Varre a plantação
Lava o pensamento
metamorfose. A Mestra Gê nos presenteou com uma bela canção sobre a metamorfose, e
assim, as minhas amigas e a Mestra Mar começaram a conduzir, logo, as crianças foram
respondendo com o corpo.
Nesse momento estavam se arrastando pelo gramado como lagartas e mascando sem
parar fazendo o som do nhac nhac. “Ai que soninho, quero descansar, vou fazer um casulo”,
“Como a lagarta fica no casulo? Como ele é?”, ergueram os braços como se estivessem
pendurados, começaram a se esticar e se torceram. “Tá crescendo uma coisa nas minhas
costas”, “O que é isso? Uma asa?”, “Agora eu tenho uma asa?”, “Vou sair para voar”. As asas
foram simbolizadas com tecidos e arcos de fitas coloridas, as crianças escolheram suas asas e
foram voar livres pelo espaço.
Correram, saltaram, brincaram, levaram o vento e foram levados por ele. Estavam
livres e soltas, apesar de entusiasmadas estavam centradas, com os sentidos estimulados. Por
se tratar de um espaço amplo cheio de árvores, pássaros, com coelhos, e o rio, era um lugar
repleto de infinitas possibilidades. Podiam perceber e sentir as inúmeras texturas, descobrir
flores, cores, cheiros, poder correr e saltar, subir nas árvores, se esconder entre elas,
transformar galhos em varinhas e espadas.
Depois de muito explorar e brincar, fizemos um piquenique em volta de uma grande
árvore, alimentaram-se e acalmaram-se. Enquanto isso, estava encaminhando para as
borboletas a última carta dessa grande história. Junto dela, enviei também os bastões dos
guardiões para acompanhar as crianças pela jornada.
Fizeram uma roda e sentaram para conversar, então, a borboleta da asa de flores
começou a ler a carta de despedida. Os corações que ali estavam foram atravessados e
sentiram o quanto esse processo tinha os transformado. “Será que as borboletas voltam
semana que vem?” .
Agora eram guardiões dos quatro elementos e de toda natureza, estavam prontos para
proteger o nosso lar, e, o mais importante, estavam vinculados com os elementos que estão
condensados dentro de nós. Receberam seus bastões para sempre lembrarem da força que há
dentro e fora, e para evocarem a que existe em cada elemental e cuidarem do nosso lar.
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Tiraram fotos todos juntos para registrar esse momento e o grande carro chegou para
buscá-los. Começaram a se despedir do templo dos guardiões, estavam comovidos com a
partida e abraçaram forte as borboletas. Já elas, estavam com o coração fora do peito, era
difícil pensar que essa missão estava concluída, nutriram muito amor pelos seres de luz e
prometeram estar sempre presentes.
Figura 40- Foto final do processo com as mestras, aprendizes e os pequenos guardiões da natureza.
Eu confesso que vou guardar essa lembrança no fundo do meu coração para todo o
infinito. Agradeço as crianças pela alma ingênua e mágica que permitiram esse contato, agradeço
pelas mestras que tornaram esse encontro possível e que nutriram ele com o mais puro amor.
Por fim, agradeço profundamente o Grande Espírito pela missão, ela valeu toda a minha
existencia.
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4. CONCLUSÃO
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Letícia Pinheiro, mestre em Artes Cênicas pelo Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas na
Universidade Federal de Uberlândia (2018), Bacharel em Interpretação Teatral pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (2010) e Bacharel em Moda pela Universidade Feevale (2011). Figurinista dos cursos de Teatro e
de Dança da Universidade Federal de Uberlândia. Trabalha na concepção e criação de figurinos de espetáculos,
auxílio técnico em disciplinas e eventos, criação de conteúdo didático para colaboração em disciplinas, coordena
grupos de estudo, dentre outras atividades relacionadas ao figurino teatral e ao ensino.
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5. REFERÊNCIAS
CABRAL, Beatriz. Drama como Método de Ensino. São Paulo: Ed. Hucitec, 2006.
SOMERS, John. Narrativa, Drama e Estímulo Composto. Urdimento, n. 17, p. 175-185, set.
2011.
REFERÊNCIAS MUSICAIS
GUALBERTO JR., João. A chuva vai cair: Flor de Luz. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Ld4HQhk2668. Acesso em: 23 nov. 2022.