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Revista - Conversa de Professor 1

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TAÇÃO & SI-

REESCRITA
ÃO SALA
BIENTE DE
VIR-
conversa
APRENDIZA-
REFLETIR
EM de
AM-E
RTUAL ES-
CIÊNCIAS
O
GEMORAL NA
LITE-
ERAPRENDER
professor
FORMAR
O -
lizar fontes de conhecimento pedagógico, colaborar na construção
de procedimentos didáticos e comunicar boas práticas são atitudes
indissociáveis da qualidade do fazer docente levado às salas de aula.

Essa cultura de trabalho em equipe se desenvolveu e ganhou corpo


durante anos, através das inúmeras reuniões pedagógicas semanais
para discussão, planejamento e avaliação do trabalho junto aos alu-
nos, e das supervisões externas, que, periodicamente, contribuem
para que entremos em contato com diferentes aspectos curriculares e
educacionais que precisamos aperfeiçoar.

não passa despercebido a quem acompanha as discussões nos encon-


tros institucionais já referidos, e também a quem observa conversas
entre colegas em momentos de parada para um café na sala de pro-
fessores, ou em intervalos entres as aulas.

No entanto, há alguns anos, nos demos conta de que os frutos de qua-

chegavam a ser socializados na equipe e, consequentemente, incor-


porados ao projeto pedagógico; faltava-lhes tanto a oportunidade de
serem sistematizados e registrados por escrito, quanto um canal de
comunicação.

Dessa necessidade nasceu o Simpósio Interno da Escola da Vila, um


-
ta, através de um texto e também oralmente, um aspecto de seu traba-
lho que, naquele ano, escolhe como tema para aprofundar, sistema-
tizar e comunicar aos colegas. Este evento, há quase dez anos, vem

-
ries, contribuindo, assim, para o estreitamento dos vínculos entre os
diferentes segmentos.

A qualidade de muitos dos textos produzidos a cada ano provocou

publicação que mantivesse as características do evento do qual deri-


vam: voltada para professores dos diferentes segmentos, sobre temas
variados e sempre vinculados ao trabalho realizado junto aos alunos.

CONVERSA DE PROFESSOR é o resultado dessa ideia. Reúne


oito artigos escolhidos entre os que foram objeto de apresentações e
conversas durante o Simpósio Interno 2011. Como os textos deixam
explicito, seus autores são professores na Escola da Vila, nos seg-
mentos e séries aos quais os conteúdos tratados se relacionam.
4 Por Celina Martins de Mello Moraes
Escrita em ciências naturais

7 Por Ana Cláudia Santos Nicolau


Formar o leitor literário

11 Por Anelise de Luisi Viegas Guimarães, Mariana Alves Mas de Camargo e Maria Eugenia Kira (Tucha)
Ler e aprender a escrever

14 Por Clarice Camargo e Luiza Moraes


Ler, refletir e interagir em ambiente virtual

20 Por Bárbara Franceli e Lis Rodrigues


O oral na aprendizagem literária

23 Por Miruna Kayano Genoino


Reescrita e interação

29 Por Alexander Brilhante Coelho


Representação e simulação

33 Por César Simoni Santos e José Raimundo Sousa Ribeiro Junior


Sala de aula + ambiente virtual = maior aprendizagem
Nesta ocasião, a equipe volta ao tema, por diferentes caminhos, tanto na

-
crita na aprendizagem das ciências naturais e, a partir do exame dos rela-
tórios de experimentos produzidos, discuto algumas mudanças que realizei
nos encaminhamentos acerca desses registros experimentais. As produções
de alunos analisadas aqui foram realizadas a partir de atividades experi-
mentais que aconteceram ao longo de uma sequência sobre digestão, con-
cretizada no 3º trimestre do 8º ano, nos estudos sobre corpo humano.

Assim como a ciência se vale da fala e da escrita para se constituir, já


que os registros, comunicações e discussões são essenciais à validação de

-
vidade para aprender ciências não apenas levantam evidências, confrontam
hipóteses, conhecem novos fatos e elaboram novas explicações, mas o fa-
zem aprendendo a falar e escrever sobre tudo isso, de forma que esse falar

às atividades realizadas.

Aprender ciências inclui apropriar-se da linguagem


da ciência, aprendizagem que está associada com
novas formas de ver, pensar e falar sobre os fatos,
diferente das formas cotidianas de ver, pensar e falar.
Através da linguagem da ciência os alunos podem
aceder a uma cultura diferente: a cultura da ciência.
(Sanmartí, 2007. Tradução nossa).

aponta a escrita como uma oportunidade para os alunos estruturarem aqui-


lo que está em vias de emergência conceitual, permitindo a transformação
cognitiva. O processo de escrita pode permitir que as ideias sejam esclare-
cidas, melhor estruturadas e sobretudo, interiorizadas. Ao ter que expressar
uma ideia por escrito, ela é reconstruída e se toma maior consciência da-
quilo que se entende.

Partindo desse mesmo ponto de vista acerca da função epistêmica da es-


crita, Sanmartí (2007) critica a fala de muitos professores de que “o aluno
entendeu um conceito, mas não sabe escrever ou falar sobre ele”. Ela consi-
dera que, nestas situações, o aluno tem apenas uma primeira representação
-
cativa, passa por saber comunicá-lo. Por outro lado, uma mera reprodução

-
belecer uma série de relações, em seu discurso, para que se posso conside-
rar que houve uma aprendizagem mais profunda acerca de algum conceito.

Essa comunicação do aluno pode assumir diferentes formas, mas as restri-


ções intrínsecas às situações de escrita, em contraposição às de oralidade,
CELINA MARTINS DE MELLO MORAES proporcionam condições para um funcionamento convergente e conectado

Ele propõe, ainda, que se aplique a noção de obstáculo epistemológico ao


-

mas, ao mesmo tempo, é um apoio às mesmas e deve ser, como outros


conceitos, transformado em objeto de ensino.

Por diversas vezes, a equipe de Ciências Naturais do Ensino Fundamental 2 questões, respostas a perguntas, notas de aula e de leitura, certamente os
relatórios de atividades experimentais estão entre os textos mais reconheci-
da Escola da Vila dedicou-se a estudos sobre a escrita na área de Ciências
Naturais. Já analisamos características e situações de produção de textos dos e valorizados como característicos da área de ciências naturais.
informativos e argumentativos, de respostas explicativas, o uso do léxico,
O que nós professores queremos e/ou esperamos quando pedimos o regis-
cada vez que estudamos a escrita, novos aspectos são considerados, e nossa tro de uma atividade experimental num relatório? Não é mais um propósito
perspectiva sobre as práticas de escrita em ciências se amplia e aprofunda. do ensino de ciências naturais que os alunos sejam “mini-cientistas”, meros

4
- tica, repensassem seu texto.
namos que o relatório de um experimento realizado por aluno tenha, em
.
Figura 1 – Exemplos de hipóteses e predições dos alunos acerca da ação do ácido
relacione a exigências da área. Em que medida, então, os relatórios cientí-
clorídrico, pepsina e água

Há uma série de critérios e autores que podem ser utilizados para caracte-
rizar esse tipo de texto, mas, no presente trabalho optou-se pelo referencial Hipótese (aluno 1)

grupo de diversos textos suscitados por processos de investigação, situado,


por sua vez, num conjunto mais amplo, que abarca textos que apresen-
tam formulações variadas, são em geral exclusivamente linguísticos e são

Em termos de estrutura textual, pode-se distinguir nos relatórios elementos


injuntivos (relativos aos procedimentos realizados), descritivos e explica-
Previsão (aluno 1)
tivos. O autor também aponta diversas características nesse tipo de texto
que o distinguem, por exemplo, de um relato, como a ausência de diálogos
e busca de generalização.

Nos experimentos realizados ao longo da sequência sobre digestão, os alu-


nos são convocados a diversas situações de escrita, tanto individuais (regis-
tro de previsões de resultados) como em grupo (registro das observações,
possíveis interpretações dos dados e conclusões) a cada atividade prática
(teste de permeabilidade em membrana, investigação sobre ação da saliva
e do suco gástrico). Nas aulas que se seguiam às atividades experimentais,
aos alunos era solicitado escrever um relatório, em grupo, que atendesse a Hipótese (aluno 2)
uma determinada formulação trazida por mim e discutida com eles. Essa
formulação, a princípio, pedia que o relatório contivesse o objetivo investi-
gativo do experimento, a lista dos materiais utilizados e procedimentos rea-
lizados, os resultados observados, explicações e conclusões do grupo. Uma
vez que os alunos já haviam realizado produções bastante semelhantes nos
anos anteriores, a princípio não se propunha a construção de um primeiro
relatório coletivo, como modelo. Previsão (aluno 2)

De modo geral, avalio que os alunos avançavam na compreensão do pro-


cesso digestivo a partir das discussões geradas nessas atividades e mos-
travam-se motivados com a sequência de experimentos. Ainda assim, a

mudanças que são discutidas a seguir e que avalio como potencializadoras


da aprendizagem.

Hipótese (aluno 3)
que passei a pedir aos alunos para registrar não apenas a previsão dos re-
sultados, mas também as hipóteses que embasavam essas predições. As
hipóteses são explicações feitas com base em conhecimentos prévios, lógi-
ca e imaginação, enquanto as previsões são meramente os resultados ima-
ginados. Diversas previsões foram socializadas na lousa, e os alunos eram

previsões. A intenção era de que os alunos percebessem que não só que


podiam pensar sobre o que iria acontecer, mas que já tinham ideias sobre Previsão (aluno 3)
como e por que isso acontecia. Esse exercício complexo guarda relações
com a diferenciação entre observar e explicar, que é uma competência cien-

possibilitando que vários alunos revisassem o que haviam previsto, pro-

facilidade, tentassem aprofundar suas explicações e, nessa interação dialé-

5
te de busca de respostas e geração de novas questões.
grupo, após a realização da atividade experimental.

Ao invés de os alunos iniciarem o relatório coletivo com uma breve descri-


• Onde a proteína é digerida?
do experimento na sequência das atividades já realizadas. Considero que • O que acontece com o amido digerido?
essa “introdução” ajudava-os a reconsiderar sua percepção excessivamente • O que há na saliva para digerir o amido e não digerir a proteína?
fragmentada das situações de aprendizagem e a perceber a construção do • Lipídios podem ser digeridos na boca?
conhecimento como um processo de busca no qual eles eram atores evi- • Que parte da saliva é responsável pelas transformações?
dentes. • Como a pepsina digere a proteína?
• Qual a função do ácido clorídrico na digestão?
Exemplos de introduções aos experimentos • Onde a gordura é digerida?

Digestão na boca
O objetivo deste experimento é ver se ocorriam transformações quími-
cas no alimento, dentro deste primeiro órgão do tubo digestório: a boca. Conclusões
A relação do experimento com o tema estudado é que estamos vendo em
- Considero importante que os alunos sejam convocados com mais frequên-
das”) para passar pela membrana celular. Este experimento revelará se cia a diferenciar suas predições de suas hipóteses assim como a formular
um desses órgãos é a boca. e registrar novas perguntas. Certamente os convocamos a isso em muitas
ocasiões, mas o registro escrito, com a interação que provoca, é uma ferra-
Digestão no estômago menta poderosa para ser usada para que os alunos pensem mais acerca de
Já vimos que parte da digestão do amido ocorre na boca, e sabemos suas próprias ideias. Esse registro também pode ser facilmente resgatado e
que o estômago possui a função de digerir. Com esse experimento ire- analisado pelo professor, contribuindo para que este se aproxime da com-
mos descobrir quais substâncias contribuem para esse processo e qual preensão que seus alunos estão tendo acerca de um tema.
o papel de cada uma delas. A relação com o tema estudado é que es-
tamos seguindo a ordem dos órgãos do tubo digestório e vendo como Penso ainda que, ao realizar registros mais parciais e livres ao longo do tra-
eles agem sobre o alimento e que alimentos possuem suas moléculas balho experimental, produzindo primeiramente um rascunho, menos res-
quebradas nestes órgãos. trito, temporário e pessoal para, depois, passar a um registro mais coletivo
e formalizado, os alunos podem usar mais a escrita a favor de sua própria
-
Outra mudança acordada com os alunos foi a redução na comunicação dos siste na importância do que chama de rascunhos, que seriam essas produ-
procedimentos, uma vez que, na situação escolar, todos dispunham de uma ções escritas temporárias, sem constrangimentos de forma ou de conteúdo
descrição prévia dos passos a serem realizados. Por outro lado, os proce- e que nos são de grande valia para o acompanhamento de um processo de
investigação. Ele critica um excesso de direcionamento dos professores
de problematizar a própria montagem experimental. Os relatórios busca- acerca das produções dos alunos, que pretende acelerar excessivamente a
vam muito mais apresentar o entendimento dessa lógica do que uma série
de passos detalhados. Avalio que essa mudança pode ajudar os alunos na das atividades, e alerta que isso acaba por privilegiar os produtos da ativi-
compreensão do desenho do experimento e na interpretação dos resultados. dade relativamente aos seus processos, às suas etapas e aos seus obstáculos
mais ou menos ultrapassados.
Exemplos dos questionamentos sobre procedimentos e desenho experi-
Isso implica, portanto, em se observar não apenas o tempo e a formatação
mental
das situações que dedicamos à escrita nas aulas de ciências mas, também,
de cuidarmos mais do estágio da produção escrita, que implicará em atri-
• Por que usamos pedaços pequenos de clara de ovo? buição de conceitos, num momento avaliativo formal.
• Poderíamos usar clara de ovo crua ao invés de cozida? Qual a diferença
para a realização do experimento?
• Por que usamos alguns tubos só com água, se sabemos que há mais
substâncias no estômago?
• Por que os tubos foram mantidos numa estufa? Qual a diferença se
fosse mantido em temperatura ambiente?
• Por que usamos pepsina nessa montagem? SANMARTÍ, N.(2007): Hablar, leer y escribir para aprender ciência, in
FERNÁNDEZ, P. (coodra.) La competencia en comunicación lingüística
en las áreas del currículo. Colección Aulas de Verano. Madrid: MEC

ASTOLFI, P.; PETERFALVI, B. e VÉRIN, A. (1998): Como as crianças


interpretação das observações, os alunos passaram a encerrar o relatório
aprendem as ciências. Col. Horizontes Pedagógicos. Lisboa: Instituto
registrando novas perguntas suscitadas a partir dessa atividade como um Piaget.
todo. A formulação de perguntas é, sem dúvida, uma competência essen-

que registrar e socializar essas questões possibilitou que pensassem por


mais tempo acerca do experimento e que, mais uma vez, retomassem seu
propósito e sua lógica. Formular perguntas fez com que se colocassem em

experimento. E, mais uma vez, contribuía para que se percebessem como


agentes construtores de conhecimento, resultado de um processo incessan-

6
ANA CLÁUDIA SANTOS NICOLAU

O fantástico está presente de uma maneira muito marcante no cotidiano


de crianças entre seis e sete anos, seja em suas brincadeiras, seja em sua esse tipo de trabalho com turmas mais novas, as análises seriam poten-
peculiar maneira de enxergar o mundo. Esta é a fase da vida em que os cializadas e aprofundadas - bem como interpretações e comentários - nas
pequenos começam a se questionar acerca da existência de seres extraordi- séries subsequentes, favorecendo, assim, a construção de um programa de
nários - fadas, monstros, bruxas, Papai Noel... E, nesse âmbito, encaixam- leituras e atividades que vise à formação literária inicial.
se os vampiros, monstros sanguinários e cruéis, que tanto apavoram em
A escolha por uma obra integral, com 152 páginas, possibilitaria o acesso
dos alunos a um título que não poderiam ler por si mesmos com aprofun-
O Pequeno Vampiro, obra da alemã Angela Sommer-Bodenburg, datada de damento ou realizando uma análise das nuances de comportamento dos
1979, traz uma visão nada convencional desse monstro, por meio de uma personagens.
personagem, um vampiro-criança, que deseja fazer amigos, adora ler his-
tórias sobre sua própria espécie e que, em sua extensa árvore genealógica “a ideia principal é que, precisamente para
vampiresca, tem uma irmã caçula, de seis anos, que é banguela e se alimen- aprofundar sua leitura, as crianças necessitam
da ajuda de leitores experimentados que lhe deem
com todos os personagens - vampiros e humanos - é imediata. Além disso, pistas e caminhos para construir um sentido mais
a forma como a narrativa é conduzida, em sua quase totalidade, deixa no
2007, p. 185).
de sangue quente?

Por isso, escolhi essa obra para uma proposta de leitura em capítulos, con- Aquecendo a conversa: primeiras
siderando que a turma já estava bastante acostumada a acompanhar histó-
rias contadas dessa forma. Minha hipótese era a de que uma extensão maior impressões
possibilidades de antecipação e análises de personagens, além de ajustes Em novembro de 2010, minha turma de 1º ano, com vinte e nove alunos
aos comentários e interpretações realizadas nas sessões dos dias anteriores. entre seis e sete anos, ouviu a leitura em capítulos do livro O Pequeno Vam-
piro, de Angela Sommer-Bodenburg, entremeada por discussões e ativida-
As previsões podem ser suscitadas ante qualquer de escrita, envolvendo alguns aspectos da narrativa. As intervenções que
texto. Quando nos deparamos com uma narração planejei criaram condições para que as crianças inferissem e antecipassem
(...), pode ser mais difícil ajustá-las ao conteúdo acontecimentos, discorressem acerca dos personagens (atitudes, intenções)
real e, por isso, é importante ajudar as crianças a
e de alguns fatos da história, ampliando, assim, suas possibilidades de co-
utilizar simultaneamente diversos indicadores -
mentários, análises e interpretações 1.
ítulos, ilustrações, o que se conhece sobre o autor etc.
- assim como os elementos que a compõem: cenário, No momento da apresentação da obra, incentivei as crianças a fazerem
personagens, problema, ação, resolução. (SOLÉ,
comentários de suas primeiras impressões, a partir do título, das ilustrações
1998, p. 109).
encontrada em uma das orelhas da publicação. A intenção era de que esses
comentários fossem retomados e ajustados, à medida que se familiarizas-
• ajustar as antecipações ao conteúdo real do texto, levando em conta os sem com a narrativa, personagens e acontecimentos 2.
indicadores mencionados por Isabel Solé;
Uma ressalva importante: não esperávamos respostas corretas ou fechadas
focadas nos personagens, observando a descrição de seus sentimentos e
desses leitores e ouvintes pouco experientes e, ainda, consideramos que a
personalidades, com base em seus atos e detalhes de seus atos;
• iniciar experiências de interpretações advindas da leitura da obra, levando diversidade e possível divergência de opiniões certamente enriqueceriam
as discussões para além da tradicional troca de comentários, tão peculiar às discussões e guiariam o desencadeamento das intervenções e encaminha-
atividades de leitura guiada com crianças dessa faixa etária. mentos.

Devo dizer que esta foi uma proposta experimental para alunos de 1º ano, Durante os dias em que a leitura ocorreu, as questões que norteavam as
seguindo preceitos teóricos e metodológicos já utilizados na escola, com conversas foram planejadas de modo a favorecer ajustes entre antecipações/

7
desenrolar factual da trama, relacionamento entre os títulos dos capítulos Logo após essa discussão, optei por ler apenas o primeiro capítulo da obra,
e o que vem depois e, também, levavam o foco das crianças a determi- sobre a vida cotidiana de Anton, o menino de oito anos que conhece o
nadas ações de personagens e acontecimentos que contribuíssem para o pequeno vampiro numa noite em que está sozinho em casa. Vários alunos
desvendamento de personagens e a descoberta -
da trama. trada do personagem que dá título à obra, o que possibilitou discutirmos
sobre quem era o real protagonista da história. Uma conversa bastante in-
O guia deve servir para mostrar o modo de vencer as teressante, na qual as opiniões se dividiram de uma maneira bem explícita.
Alguns argumentavam que o personagem principal era, de fato, o menino
imprescindível para entender determinados aspectos Anton, pois a história, até ali, tratava mais dele e de seus pais do que do
obscuros e chamar a atenção sobre outros aspectos, vampiro em si. Outros defendiam que, se o título era O pequeno vampiro,
que suscitem interrogações inadvertidas ou que o protagonista só poderia ser Rüdiger. Nenhum deles cogitou a hipótese de
estimulem novas interpretações mais complexas. É que ambos poderiam ser os personagens centrais, mesmo quando foram
esse, propriamente, o campo de trabalho da escola provocados a isso.
obrigatória. (COLOMER, Ibidem, p. 183)
No decorrer das quatro rodas de história que se seguiram, foram lidos mais
oito capítulos. As crianças ainda tendiam a fazer comentários simples, que
“O vampiro morde ou não mor- diziam respeito apenas aos seus personagens prediletos, ou se estavam gos-
tando da história, ou, ainda, antecipavam os próximos acontecimentos, le-
vando em consideração os títulos dos próximos capítulos.
de?...” Discussões e análises de
Pensando em como poderia, de fato, ampliar as possibilidades das crian-
leitores em formação
pouco mais claro que Rüdiger e Anton (o vampiro e o menino) realmente se
A roda inicial, de apresentação do livro à sala, trouxe muita animação por tornariam amigos, e que este não seria, de fato, mordido. Como perguntas
- genéricas levariam a respostas igualmente genéricas, vi a necessidade de
cém-vindas de alguns meses de leitura de mitos gregos, ainda processavam
a convivência com Medusa, Minotauro, Tifão e outros monstros assusta- respostas pudessem suscitar diferentes análises por diferentes crianças e,
dores. Relatos de algumas mães acerca de pesadelos recorrentes com tais conforme o desejado, levassem-nas mais além em suas possibilidades de
seres fantásticos trouxeram preocupação sobre o quão angustiante seria, discussão literária. Assim, seguindo alguns preceitos formulados por Joy
para os alunos, lidar com a ambiguidade de Rüdiger, o pequeno vampiro Moss 4 e considerando a faixa etária do grupo e suas possibilidades de res-
do título. posta, foram formuladas três perguntas:

1- No decorrer da história, você mudou de opinião sobre algum persona-


uma história de terror, ou de aventuras “que dão medo”. Houve uma ligeira gem? Por quê? (centrada na análise da narrativa)
discussão acerca da existência de vampiros “na vida real” e, questionados
sobre quais personagens acreditavam haver naquela narrativa, disseram 3: 2 - Como você se sentiria se fosse Anton e se deparasse com um vampiro na
janela de seu quarto? (centrada em comentários pessoais a partir de fatos
Criança 1 - Tem esse vampiro, o da capa. Acho que ele é o personagem da história)
principal.
Criança 2 - É isso mesmo! Só aparece ele na capa, a história é sobre ele. 3 - Por que você acha que Anton continua visitando Rüdiger em sua cripta,
Professora - Pela imagem da capa, como vocês acreditam que é esse vam- mesmo com o risco de encontrar alguém da família dele? (centrada em in-
piro? terpretações possíveis, levando em consideração acontecimentos da trama
Algumas crianças - Feio!!! e personalidade dos personagens)
Criança 3 - Ele é criança, tem cara de criança... E no título diz que é pe-
Algumas das respostas mais interessantes das crianças podem ser confe-
queno...
ridas a seguir. Para garantir a compreensão, foram corrigidos os deslizes
Criança 4 - E se for um vampiro anão?
(Muitos risos)
Fundamental, tais conteúdos das práticas de linguagem não são foco de
Professora - Criança 3 disse que ele tem cara de criança. Alguém mais tem
trabalho).
essa opinião?
Criança 5 - Eu acho que é, também.
1- No decorrer da história, você mudou de opinião sobre algum persona-
Professora - E por que você pensa assim? gem? Por quê?
Criança 5 - Porque ele está fazendo pose de malvado, mas não parece • Eu achei que os vampiros fossem maus, mas na história não são.
assim tão malvado. • Eu achava que o vampiro era mau, porque geralmente os vampiros são
Criança 6 - Os vampiros são malvados, esse deve ser também. maus. Quando Rüdiger levou Anton à cripta, eu achei que ele fosse ser
Algumas crianças - É malvado, sim! mordido.
Criança 5 - Mas a Cláudia falou que a autora era professora e que escre- • Eu achei que o pai e a mãe de Anton iam descobrir que ele tinha um amigo
veu esse livro pra crianças... Não deve ser assim, tão assustador... vampiro.
Criança 7 - Você não lembra da (sic) Chapeuzinho Vermelho, que o lobo • Pensei que Rüdiger era mau. Mudei de ideia porque percebi que ele era
comeu e não voltou mais? Tem história assustadora, também! um vampiro amigável.
Professora - Bom, esse é um ponto pra gente conferir durante a história... • Eu percebi que o Rüdiger é do bem.
E vocês acham que há outros personagens? • Eu achava que o Anton era corajoso, mas eu descobri que ele era medroso.
Todos – Sim! • Eu achava que o vampirinho era do mal, porque ele apareceu do nada.
Criança 4 - Eu acho que tem outros monstros, tipo (sic) lobisomem, por Não acho mais, porque ele não chupou sangue do Anton.
exemplo.
Criança 8 - Se ele é pequeno, deve aparecer o pai e a mãe dele também. 2 - Como você se sentiria se fosse Anton e se deparasse com um vampiro

8
na janela de seu quarto? tornam a interpretação mais passível de acontecer, mesmo para crianças de
• Eu não acharia nem um pouco normal. seis anos.
• Com um pouco de medo.
• Com muito medo. Mas, se fosse um vampiro legal, eu gostaria. Em contrapartida, cremos que uma análise mais aprofundada do narrador,
• Com medo, porque é um vampiro! que, apesar de onisciente, conta a história do ponto de vista do personagem
• Eu não queria me deparar com um vampiro na janela do meu quarto... Anton, não seria tão possível, justamente por se tratar de crianças de seis
• Eu acendia a luz ou iria à cozinha e pegaria um alho. anos.
• Eu ia me assustar, porque um vampiro de verdade é assustador.
As discussões mais profundas levaram a turma, também, a embarcar na
3- Por que você acha que Anton continua visitando Rüdiger em sua cripta, história de uma maneira que não havia sido presenciada nas anteriores ro-
mesmo com o risco de encontrar alguém da família dele? das desse ano. As crianças traziam capas de vampiro, dentes e morcegos
de plástico para a roda, numa visível tentativa de fazer parte do que esta-
vampiro. va sendo contado. Brincadeiras no parque sobre a trama eram frequentes.
• Porque eles eram amigos. Além disso, após o término da leitura na roda, mais de dez meninos e me-
• Porque ele gosta de Rüdiger. ninas começaram a perseguir a coleção, pedindo aos pais que comprassem
• Porque ele virou meu amigo. (Evidencia o quanto este aluno “mergu- ou retirassem na biblioteca os outros livros da saga do Pequeno Vampiro.
lhou” no ponto de vista do personagem, a ponto de responder como se A roda, assim, transcendeu o espaço escolar, fazendo parte também do âm-
fosse ele.) bito familiar, à medida que pediam aos pais e avós que lessem a história
• Porque ele não tem medo. para e/ou com eles. Nas rodas de início do dia, muitos trocavam impressões
• Porque o Anton é muito amigo de Rüdiger.
• Para ver se ele está bem e para ver a irmã de Rüdiger. conforme a saga avançava... Sentiam-se, de fato, integrantes de uma co-
• Porque Rüdiger é o melhor amigo de Anton. munidade leitora. Não era um objetivo inicial, mas fomentar tal incursão
no universo literário - ainda que inicialmente por meio de uma coleção
As respostas formuladas pela classe transformaram-se em focos de discus- fantástica - é plantar uma pequena sementinha para que se tornem leitores
são, na qual foi pedido que indicassem quais partes/acontecimentos da nar- de literatura por prazer.
rativa haviam sido determinantes para que chegassem àquelas conclusões.
Tal movimento - de voltar ao que já havia sido lido/ouvido com vistas a Demos prosseguimento à leitura e, no último dia, procurei focar a atenção
da turma para o papel que o narrador teve durante a história - algo possí-
para uma posição mais analítica em relação à história que tanto gostavam vel para esses alunos, que já tiveram contato com narradores em primeira
de ouvir, sem se limitarem a comentários unicamente relacionados à apre- pessoa (no livro-álbum O diário do lobo) e com narradores que conversam
ciação ou ao simples relato do enredo - o que, indubitavelmente, tornaria com os personagens e leitores (no livro A estranha Madame Mizu). Trans-
as discussões mais vazias. crevo, a seguir, um trecho dessa conversa.

Professora - E quem contou essa história?


testando a competência social de uma criança (...). Poucas crianças - Você!
Dessa maneira, tudo o que as crianças que se saem Criança 1 - Não! Não foi a Clau que (sic) escreveu o livro, foi aquela ale-
bem nos testes de compreensão demonstram é que mã, a Angela...
podem encontrar a resposta implícita na pergunta. O Criança 2 - É, foi ela quem contou a história.
Professora - Será que ela conheceu, de fato, o Anton e a família dele?
oculto; as crianças (talvez para sempre depois Criança 3 - Ela inventou o Anton, o Rüdiger, a Ana... Eles saíram da ca-
disso) desenvolvem a habilidade de dizer aquilo beça dela.
que se espera que digam, e bem podem supor que
Criança 4 - Da imaginação dela.
seus entendimentos pessoais estão, de algum modo,
Criança 2 - Então eu acho que não foi ela quem contou a história.
da prova devem supor que a própria leitura do texto Professora - Por que não?
é, de algum modo, “correta”. (HUNT, 2010, pp. 135- Criança 2 - Porque ela inventou a história, ela escreveu. A gente já conver-
6) sou sobre quem escreve e quem conta a história, que é diferente.
Criança 5 - É! Na (história da) Madame Mizu, quem escreveu foi o autor,
Exatamente por esse motivo, as escolhas recaíram sobre perguntas mais mas tinha uma outra (sic) pessoa, que o autor inventou, pra contar a his-
abertas e discussões que não traziam o caráter de certo ou errado. Naquele tória...
momento, mais interessava no quê se pautavam para elaborarem suas res- Criança 2 - Como era o nome, mesmo, Clau?
postas - se haviam sido, de fato, pensadas com atenção, ou se as crianças Professora – Narrador.
estavam encarando apenas como um exercício. Muitas crianças - Eu lembro!!!
Professora - E esse narrador do Pequeno Vampiro é igual ao da Madame
Pude observar que, cada qual à sua maneira, demonstrou uma aproximação Mizu?
maior de análises literárias que não estavam evidentes na obra. A amiza- Muitas crianças - Não...
de entre o menino e o vampiro é constantemente mencionada pelas crian- Professora - Por que não? Os dois são narradores... Tem diferença entre
bondade de eles?
Rüdiger. Durante a discussão, as crianças elencaram diversas situações que Criança 6 - Eu não me lembro do narrador do Pequeno Vampiro falar com
eram, de fato, demonstração de amizade - mas que, para crianças pequenas, o Anton ou com o Rüdiger.
não seriam tão obviamente mencionadas. Criança 1 - Ele só contou a história, o que aconteceu.

Acredito que, numa próxima oportunidade, a discussão também poderá ser depois.
levada para a análise de outros personagens - os pais de Anton, por exem- Professora – Como assim?
plo, e as atitudes do menino em relação a eles; pois, mesmo pequenos, Criança 7 - A pessoa que contou a história já sabia de tudo que ia acon-
poderiam levantar hipóteses sobre suas atitudes - a descrença do pai, a tecer.
desobediência recorrente do menino, a insistência da mãe em conhecer os Criança 8 - É, não precisava perguntar nada pra ninguém.
Criança 2 - Então esse narrador é fácil de confundir com autor, porque a

9
gente sabe que foi o autor quem escreveu e inventou, por isso sabia tudo... algumas palavras e sugestões —, que é passível
Esse narrador sabe tudo o que o autor sabe! de ser elaborado pelo contador, neste trabalho de
conquistar e manter a atenção do seu auditório.
Optei por não aprofundar essa discussão, considerando que se tratava de (GOTLIB, 2008).
uma turma de crianças bem pequenas - e que, apesar de serem capazes de
A forma como Angela Sommer-Bodenburg vai tecendo a narrativa, descre-
chegar a conclusões tão elaboradas para a idade, não conseguiriam com-
vendo ambientes e emoções a partir do ponto de vista do personagem meni-
preender todas as implicações de um narrador onisciente. Assim, deixei-os
no, também contribui para que as crianças se envolvam e realmente consi-
com suas conclusões provisórias, para que aprofundem seus pontos de vis-
gam sentir a tensão e a intensidade presentes nessa obra, ambientada quase
ta no decorrer dos próximos anos de escolaridade.
que totalmente em cenários úmidos, sombrios ou noturnos. Para crianças
pequenas, que vivem em uma sociedade extremamente visual, descrições
detalhadas são cruciais no sentido de auxiliar a construção mental dos am-
Um conto de qualidade: peça-
chave para formar leitores com- Escolher uma obra com elementos tão perceptíveis, além de contar com
uma narrativa bem escrita e com a possibilidade de as crianças continuarem
petentes seguindo os personagens que se tornaram muito queridos em outras catorze
obras da saga
As discussões transcritas aqui podem dar a dimensão do quanto uma parte leitor iniciante de literatura. Para além de todos esses pontos positivos, as
- possibilidades de discussão são bastante amplas, não apenas para crianças
cadas, quando se considera que têm apenas seis ou sete anos. de 1º ano, mas até para crianças mais velhas (até meados do 4º ano), tendo-
Penso que, para além das escolhas didáticas já referidas, parte dessas apren- se sempre o cuidado de aprofundar mais os focos de análise, comentários e
dizagens se deve à obra que a proposta envolveu. O Pequeno Vampiro é um
exemplo de qualidade na grupo com o qual será realizada a proposta.
pois atende a algumas características essenciais para ser considerado como
um bom conto: é tenso, denso e intenso 5. 1 Dispostos em roda, os alunos ouviram a leitura feita pela professora. Tendo em vista sua
curta extensão, foram lidos dois capítulos por dia (com duração média de 30 minutos, entre
Encontramos, nele, guardando as devidas proporções peculiares a uma obra a leitura propriamente dita e os comentários/análises).
voltada ao público infantil, esses três aspectos. É tenso no sentido de deixar
o leitor num estado de expectativa, de suspensão, temor, maravilhamento, 2 MOSS (2002), em A arte de fazer perguntas, propõe esse tipo de questionamento como
- favorável para o percurso leitor das crianças.
vencionais? Anton está seguro voando com seu novo amigo, visitando-o em 3 Transcrição de trechos da discussão.
sua cripta? E os pais do menino, descobrirão a verdade sobre as ausências
4 “Em uma discussão literária os estudantes não só compartilham e defendem suas idéias,
-
tros. Esse tipo de intercâmbio faz com que, muitas vezes, os estudantes voltem a pensar e a
Também a obra é intensa, por haver muitas coisas acontecendo em pouco aprofundar os contatos iniciais que como leitores tiveram com o texto”. Joy Moss, Literary
espaço narrativo - muito sentimento, muita ação, muitas ideias... As emo- Discussion in Elementary Classroom (2002)
- 5 Ideias de Julio Cortázar referidas por Noemi Jaffe em aula da Disciplina Estudos Literá-
rios, na Especialização em Alfabetização, do Centro de Formação da Escola da Vila.
decorrer da narrativa. Além disso, é densa justamente por esse encontro
entre tensão e intensidade.
Referências consultadas
Dentre as várias possibilidades presentes no corpus literário de literatura
infantil um pouco mais extensa - ou seja, que pudesse ser lida em capítulos COLOMER, Teresa. Andar entre livros – a leitura literária na escola. São
-, essa obra atende às características primordiais de um conto. Também a Paulo: Global, 2007.
temática é bastante pertinente para o trabalho com crianças pequenas - o
encontro entre um menino crível, pertencente ao mundo real, e um ser fan- GOTLIB, Nádia Batella. A teoria do conto. http://terapiadapalavra.
tástico, cujas características principais são avessas ao lugar-comum. com/2008/08/07/a-teoria-do-conto-nadia-battella-gotlib/ - acesso
em 10/12/2010.
Numa idade em que lidam constantemente com seus medos, questionando a
existência e o papel do faz-de-conta no mundo em que vivem, a escolha de HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. São Paulo: Cosac
Naify, 2010.
doente e faz birra é praticamente certeira - e isso, de alguma forma, pode MOSS, Joy. Literary Discussion in the Elementary Classroom. Urban:
ajudar os alunos a se envolverem mais com a proposta, tanto da escuta pro- NCTE, 2002.
priamente dita como das discussões e atividades decorrentes desse momento
literário. PIGLIA, Ricardo. Teses sobre o conto. http://recantodasletras.uol.com.
br/teorialiteraria/254998 - acesso em 19/12/2010.
Outro ponto presente no conto, segundo Ricardo Piglia (1987, p. 37), é a
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.
presença de duas histórias sendo simultaneamente contadas. Aqui, podemos
ver a história explícita (o encontro e as aventuras de Anton e seu amigo Anotações pessoais de aula da professora Noemi, do dia 20/10/2010,
Rüdiger) e a implícita (a difícil relação entre o menino e seus pais, o quanto no curso de pós-graduação em Alfabetização do Centro de Formação
se sente sozinho e incompreendido...). Apesar do foco de discussão da pro- da Escola da Vila.

ampliá-lo ao implícito numa nova situação de aprendizagem. Transcrições pessoais de aula do 1º ano C, em 5 e 22/10/2010, da
Escola da Vila - Unidade Butantã.
A voz do contador, seja oral ou seja escrita, sempre
pode interferir no seu discurso. Há todo um repertório O livro O Pequeno Vampiro pode ser obtido para download pelo site
no modo de contar e nos detalhes do modo como se http://www.livrosdownload.com/2010/03/o-pequeno-vampiro-
conta — entonação de voz, gestos, olhares, ou mesmo angela-sommer.html

10
ANELISE DE LUISI VIEGAS GUIMARÃES
MARIANA ALVES MAS DE CAMARGO
MARIA EUGENIA KIRA (TUCHA)

Aprendemos, já há alguns anos, que a leitura envolve um conjunto de tura acontecem de forma sistemática. Sabemos que, para aprender a ler e
a escrever, nossos alunos terão que lidar com dois processos de aprendiza-
uma pessoa consegue inferir o que está escrito em determinado texto a par- gem análogos: o da natureza do sistema de escrita (o que ela representa) e
o das características da linguagem que se usa para escrever (como repre-
sentar o que desejam por meio dos diferentes tipos de textos). Por conta
No entanto, para aprender a ler e a escrever convencionalmente, é neces- disso, temos encaminhado em classe várias situações didáticas em que os
sário construir conhecimentos de natureza conceitual: compreender não só -
-
camente a linguagem, em um processo no qual quem se alfabetiza precisa rimadas.
resolver problemas de natureza lógica para entender, progressivamente,
como a escrita alfabética representa a linguagem. As situações de leitura trazidas para sala de aula são sempre guiadas por
um propósito comunicativo. Isto é, vamos escolher o título da história que
Neste processo de construção de conhecimento, a prática escolar deve ter será lida no dia seguinte, encontrar respostas de adivinhas trazidas pela
como ponto de partida o uso da linguagem e a participação dos alunos nas professora, ou ainda ler textos já conhecidos, em que os alunos devem en-
diversas práticas sociais de leitura e de escrita. E, mesmo quando os alunos contrar palavras que rimavam entre si.
ainda não possuem habilidades para ler e escrever de forma totalmente
autônoma, o professor deve propiciar situações em que os alunos tenham a Nesses momentos, as crianças atuam como leitoras, usando os conheci-
ajuda de parceiros mais experientes, crianças e adultos, e aprendam a ler e
partes similares e nomes conhecidos, etc. Defrontam-se com escritas con-
vencionais e precisam acionar e reorganizar seus conhecimentos, levantar

Leitura para alunos de cinco Nos momentos em que os alunos são convidados a ler, os nomes das crian-
ças do grupo funcionam como modelos de escritas convencionais estáveis
anos e, por isso, têm um papel importante para que leiam outras palavras. No
início de cada proposta, geralmente perguntamos se há o nome de algum
“No período inicial do processo de alfabetização,
diferentes situações de leitura se fazem necessárias amigo que ajude a ler determinada palavra, indicando, com isso, que pode-
para que os alunos avancem na apropriação do se usar palavras (nomes) já conhecidas para ler outras palavras, uma vez
nosso sistema de escrita e, assim, possam ler cada que várias palavras têm “partes” comuns – por exemplo, o “ma” da Ma-
vez melhor por si mesmos”. (Castedo, 1999). noella, “ma” de Macaco e o “ma” de Cama. Gradativamente, as crianças
passam a utilizar este procedimento de maneira cada vez mais autônoma,
- ampliando esse repertório de “partes” conhecidas, buscando-as em outras
ças, mesmo não sabendo ler convencionalmente, podem fazê-lo assim que palavras e confrontando suas hipóteses com a escrita convencional e suas
aprendem a utilizar estratégias básicas utilizadas por leitores experientes, características.
-
(...) para que as crianças aprendam a ler, elas têm
que reconhecer palavras escritas. Mesmo que seja
possível que as crianças aprendam a reconhecer
indícios de onde estão escritas palavras pertencentes a diferentes contextos.
muitas palavras a partir de sua forma global, levando
em consideração algumas de suas características
escrita e constroem critérios para validar suas hipóteses. Aprendem, assim, físicas, como a extensão, a presença de certas letras
conteúdos necessários para que o processo de alfabetização se dê de ma- ou grupos de letras, a verdade é que este procedimento
neira progressiva e contínua. implicaria em grande exigência da memória (...). Por
esta razão os investigadores chegaram à conclusão
Na Escola da Vila, em classes de Grupo 3 (cinco anos), atividades de lei- de que, para aprender a reconhecer palavras, deve

11
haver outros mecanismos mais adequados. Por um foi solicitado.

isolar e segmentar os sons da língua. Por outro, é Assim, as propostas de atividades de leitura pensadas e idealizadas por nós
preciso que conheçam as letras e que, por sua vez,
estabeleçam as correspondências entre os sons
(fonemas) e as próprias letras.
VERNON, ALVARADO, WEISZ - Os aprendizes e sentido, contribuem para que os alunos façam relações importantes com as
suas idéias durante o processo de alfabetização. palavras estáveis e de referência, para chegarem a uma resposta.
Prosa Pedagógica – Centro de Formação da Escola
da Vila, 2004. Ainda segundo Mirta Castedo (1999), as intervenções da professora em
tais atividades se fazem de suma importância, pois vão indicando aos alu-
nos que estes podem se apoiar em diversas fontes para fazer as anteci-
Temos observado o grande valor dessas situações e das intervenções que
realizamos na tentativa de favorecer análises sobre a escrita, o que se ex- rechaçando e decidindo entre várias possibilidades.
plicita, sobretudo, pelos avanços das crianças no processo de compreensão
do princípio alfabético. Abaixo, para ilustrar, seguem alguns exemplos de atividades de leitura de
títulos de histórias realizadas.

sobre dois conjuntos de situações: aquelas encaminhadas como atividades A classe foi dividida em dois grupos de 12 crianças cada, de acor-
habituais (relacionadas a títulos de histórias) e as que compõem uma sequ- do com a hipótese de cada uma, favorecendo, assim, que as intervenções
ência de leitura no contexto das rimas de Eva Furnari. da professora pudessem ser bem ajustadas, para que os alunos pudessem
colocar em jogo o que já sabiam a respeito do sistema de escrita.

Leitura de títulos de histórias Aproveitando que estávamos desenvolvendo a sequência com as


rimas de Eva Furnari, foi proposto, para o primeiro grupo, dentre três tí-
Las situaciones de lectura en la alfabetización inicial
“además del propósito proprio de toda actividad
de lectura (...) “obedecen” (...) a la necesidad de foram feitas de maneira aleatória; foram pensadas a partir dos nomes dos
alunos, pois nossa intenção era de que pudessem fazer relações com essas
lograr que los niños progresen en la adquisición del palavras, já bastante conhecidas pelo grupo.
sistema, que puedan leer cada vez mejor por sí mismos
(...)” CASTEDO, 1999/2005, p.11 – Actualización
curricular. Lengua.
início de cada texto, mas também para dentro dele, já que os dois primeiros
se iniciam com “ca” de Caio (nome de um aluno da classe); intervenção
importante quando se trata de propostas de leitura, pois aqui podem fazer
As propostas de leitura de títulos de histórias proporcionam importantes
relações entre as partes do nome do colega e o título que deverá ser encon-

crianças, existem dois títulos terminados com a mesma letra. Além disso,
alunos apresentam acerca do nosso sistema de representação.
está escrito o título solicitado.
Nessas atividades, o propósito leitor é selecionar títulos para serem lidos
ou relidos. Através das intervenções da professora, as crianças têm opor-
Para o outro grupo, a consigna era também encontrar Catarina e
tunidades de colocar em jogo seus saberes para fazer antecipações cada
-
bica ou silábico-alfabética, foi decidido mudar um título dentre os apresen-
antecipações. tados acima – mais uma intervenção importante para as possíveis relações
que as crianças poderiam fazer. Foi suprimido Cabra-cega, pois, para este
Segundo Ana Maria Kaufman (2009), quando realizamos propostas nas
quais os alunos têm que ler por si mesmos, estamos não só fazendo com que -
se vinculem à linguagem escrita, mas também possibilitando que comecem serido Pandolfo e Bereba, título com o qual os alunos poderiam, com mais
a explorar o sistema de escrita, integrado por letras, espaços e sinais, que se tranquilidade, fazer relações com o nome “Paulo” e, assim, rechaçar ou não
combinam de diferentes maneiras para representar a linguagem. essa possibilidade para encontrar o título pedido.
Pensamos que, para os alunos desta faixa etária, ler onde está escrito o

fazer correspondências entre o texto escrito na lousa (as opções trazidas


pela professora) e as palavras de referências, como são nomes próprios e
Leitura de rimas
palavras da rotina. Não esperamos que os alunos façam uma correspondên- No Grupo 3, desenvolvemos uma sequência de trabalho a partir da autora e
ilustradora de livros infantis Eva Furnari. Esta sequência de leitura literária
tem como objetivo ampliar o contato com obras dessa autora e conversar
de correspondências entre partes de palavras de referência e palavras que sobre várias de suas marcas. Para isso, lemos com frequência diversos de
compõem os títulos. Ou seja, nossa intenção é de que possam seguir avan- seus títulos, dentre eles os que apresentam construções rimadas, também
çando no que diz respeito à apropriação do sistema alfabético. para que os alunos possam ouvi-los repetidas vezes, e até memorizá-los.
Esta intervenção se faz necessária para tornar mais potente a atuação das
As situações planejadas partem do conhecimento a respeito do tipo de hi- crianças ao longo das atividades em que devem ler por si mesmas.
pótese que cada criança apresenta, isto é, em que nível conceitual cada uma
se encontra, da forma como em geral leem e das estratégias que utilizam Quando o grupo está bem familiarizado com as rimas de Furnari, promo-
para encontrar o que é solicitado. Primeiramente, observam a extensão do vemos diversas situações de leitura destas construções, nas quais os alunos
são convidados a estabelecer uma relação entre o que é falado e o que está
escrito (ainda que não saibam ler convencionalmente). Nestas atividades

12
de leitura, as crianças sabem algumas partes do texto de memória e tentam
localizar onde estão escritas determinadas palavras. Estes textos propiciam
-
cando todos os indicadores possíveis no texto escrito, coloque questões que

uso de estratégias de leitura.

As rimas também permitem diversas análises e comparações de partes so-

semelhanças/diferenças, os alunos vão, gradativamente, estabelecendo re-

Os fonemas existiram desde que existe a linguagem


humana; qualquer indivíduo que fala sua língua
materna tem um certo conhecimento ‘implícito’
(subjacente ou inconsciente) da estrutura fonética
de sua língua; o que permite, entre outras coisas,

um candidato potencial à classe de palavras de sua

dessa pauta sonora.


FERREIRO, TEBEROSKY, 1999/2008, p. 289 -
Psicogênese da Língua Escrita.

Conclusão
As propostas de leitura pensadas e encaminhadas nas classes de Grupo 3
nos deram a dimensão do quão importantes e essenciais são as atividades
-
zeram com que os alunos pudessem confrontar seus saberes diante de ativi-

e suas características.

-
ção dos alunos sugeria um avanço conceitual acerca do sistema alfabético.
Os alunos faziam com mais propriedade e segurança relações entre as pa-
lavras de referência e o que queriam escrever, o que nos pareceu de grande
valor como conteúdo a ser trabalhado nesta série.

FERREIRO, Emília e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita


(1984) Porto Alegre: Artmed, 1999.

KAUFMAN, Ana M. Leer y escribir: el dia a dia en las aulas. Buenos Aires:
Aique, 2009.

CASTEDO, Mirta L. Enseñar y aprender a leer – Jardín de infantes y


primer ciclo de la Educación Básica.

suas idéias durante o processo de alfabetização. Prosa Pedagógica –


Centro de Formação da Escola da Vila, 2004.

13
LerREFLETIR
e interagir
em ambiente
CLARICE CAMARGO
LUIZA MORAES virtual
Introdução
A equipe de língua portuguesa do 6º ano tinha como tarefa, em 2011, in- o trabalho desenvolvido e, em seguida, apresentaremos um relato e uma
troduzir os alunos recém-chegados ao Fundamental 2 no uso de ambientes análise dos encaminhamentos referentes à leitura compartilhada.
virtuais de aprendizagem (AVA). Como esses alunos ainda não conheciam
a plataforma Moodle e nem faziam uso de suas ferramentas, era nosso de- -
-

Apropriar-se do AVA não é uma tarefa que se resume simplesmente aos


aspectos técnicos: envolve a compreensão de uma nova linguagem, de um
novo modo de estabelecer relação e interagir.

Considerando isso, foi nossa intenção organizar propostas que favoreces-


sem as aprendizagens pretendidas no projeto para a série. Queríamos que
Referencial teórico
o uso do AVA apoiasse de fato o trabalho, para que os alunos e os profes-
sores pudessem ver sentido no uso daquele espaço, e não apenas para que As tecnologias da comunicação e da informação vêm sendo, cada vez mais,
as crianças aprendessem a trabalhar no ambiente virtual. Por conta disso, introduzidas em salas de aula e incorporadas nas rotinas de escolas. Tal
fomos nos envolvendo e nos implicando fortemente na proposta, procuran- incorporação é vista, muitas vezes, como uma grande possibilidade de me-
do explorar, da melhor maneira possível, as potencialidades do ambiente. lhoria dos processos de ensino/aprendizagem. Na Escola da Vila, temos
nos dedicado à elaboração de um currículo que busca e considera cada vez
Algumas propostas estiveram vinculadas com o trabalho de leitura da série, mais o uso dessas tecnologias como ferramentas potentes e transforma-
envolvendo as duas modalidades de leitura que são realizadas no 6º ano: a doras do trabalho escolar. Do ponto de vista de César Coll, Teresa Mauri
compartilhada e a autônoma. Encontramos ferramentas que muito ajuda- e Javier Onrubia, em “A tecnologia da informação e da comunicação na
ram o percurso leitor dos alunos dos 6ºs anos e que serão analisadas neste educação”, no entanto, o potencial das TIC para renovar e transformar a
artigo. Apresentaremos, inicialmente, algumas referências que embasam educação e o ensino nem sempre é aproveitado.

14
São os contextos de uso – e, no marco desses pela mediação dessa interação que se desenvolve entre os alunos. O uso
das TIC oferece ferramentas para potencializar ainda mais essa interação.
com a incorporação das TIC e os usos efetivos que
os alunos venham a fazer em escolas e salas de aula A seguir, vamos analisar o uso que realizamos do AVA no 6º ano, no traba-
– que acabam determinando seu maior ou menor
lho com leitura compartilhada a partir dessas referências citadas anterior-
impacto nas práticas educacionais e sua maior
ou menor capacidade de transformar o ensino e mente.
melhorar a aprendizagem. (COLL, 2010, p. 66)

César Coll chama a atenção para algo fundamental no processo educativo e


Análise
que não se restringe ao trabalho com as TIC. Ele observa que as ferramen- Como dito anteriormente, os alunos do 6º ano estavam entrando em con-
tas tecnológicas não são, por si só, transformadoras dentro da escola. Elas, tato pela primeira vez com o AVA. Tínhamos, então, dois focos de ensino/
sem dúvida, possuem esse potencial, mas serão os contextos de uso das aprendizagem caminhando em paralelo: a compreensão do funcionamento
mesmas que determinarão o aproveitamento real ou não desse potencial. O desse ambiente novo e os conteúdos de responsabilidade da área de Língua.
mesmo se dá com o uso de quaisquer outras ferramentas na escola ou com Em relação ao primeiro, vale salientar que os alunos tinham que compre-
o planejamento de qualquer atividade. ender a linguagem do AVA e, portanto, aprender a usar as ferramentas ao
mesmo tempo em que precisavam aprender a maneira mais adequada de
Indo ao encontro das ideias de Coll, Marcos Silva, no artigo “Docência
interativa – Presencial e online”, considera que as TIC têm potencial trans-
formador, na medida em que são importantes ferramentas para promover leitura literária. Considerando o nosso objetivo de atribuir sentido a essas
a interação. Essa perspectiva se relaciona fortemente com a prática dos propostas e estabelecer um vínculo direto entre o que era feito no AVA e
professores da Escola da Vila. O papel do docente não é entendido como o
de transmissor de conhecimento; ele tem a responsabilidade de promover a analisamos a seguir.
interação entre os alunos e de mediar o processo de ensino/aprendizagem,
No 1º trimestre do ano, os alunos participam do “Projeto fábulas”, no qual
entre professor transmissor de conhecimento e as mídias estáticas, como estudam e produzem textos desse gênero. Ao mesmo tempo, as situações
a televisão, de um lado, e as práticas que enxergam a aprendizagem como de leitura literária se desenvolvem, estabelecendo relações com o projeto.
construção do aluno e as novas tecnologias, voltadas para a interatividade, Nesse processo, realizamos uma leitura semicompartilhada do livro A fa-
de outro. mosa invasão dos ursos na Sicília, de Dino Buzzati, que guarda semelhan-
ças com as fábulas.
Quando se pensa no trabalho de leitura literária dentro da escola, a intera-
ção se destaca como parte essencial do processo. Não há, portanto, como LEITURA SEMICOMPARTILHADA – FÓRUNS DE DEBATE
conceber o desenvolvimento das aprendizagens desejadas sem garantir
espaços com esse propósito. Segundo Colomer, no capítulo “Ler com os
outros”, da obra Andar entre livros: 1. Fórum como espaço para a discussão literária

Iniciamos em sala a leitura compartilhada do livro de Dino Buzzati. A par-


Compartilhar as obras com outras pessoas é tir da metade do livro, os alunos seguem lendo com autonomia em casa.
competência dos outros para construir o sentido
e obter prazer de entender mais e melhor os livros.
Esta obra possibilita o desenvolvimento de uma série de discussões ricas
Também porque permite experimentar a literatura a respeito da linguagem (uso de metáforas, versos, rimas), da construção
em sua dimensão socializadora, fazendo com que dos personagens, da relação com as fábulas, das imagens e de suas relações
a pessoa se sinta parte de uma comunidade de
leitores com referências e cumplicidades mútuas. faz fundamental a promoção de interação entre eles na busca de ampliar e
(COLOMER, 2007, p.143) aprofundar o entendimento de todas essas questões citadas. Dessa forma,
além dos momentos de leitura compartilhada e discussão posterior que se
desenvolveu até a metade do livro, era imprescindível manter, de alguma
A autora ainda reitera o papel que a socialização pode ter no estímulo à forma, um espaço coletivo, mesmo a partir do momento em que a leitura
leitura. Segundo ela, falar sobre livros com as pessoas que nos rodeiam está se tornasse autônoma. Era possível manter alguns momentos de discussão

na vida (COLOMER, 2007).


que tornava necessário uma “memória”. Dentro do contexto de leitura des-
A formação de uma comunidade de leitores é um dos objetivos centrais do sa obra, uma ferramenta do AVA se mostrou muito interessante: o fórum.

Os fóruns são espaços para o debate que permitem uma interação intensa
de três principais eixos: elaboração de propostas variadas de leitura, pro- entre os alunos, apoiada no objeto de estudo, que, no caso, era uma obra
moção de espaços de socialização e realização de intervenções adequadas, literária. Para que o fórum se desenvolva de maneira produtiva, é necessá-
que garantam o avanço do aluno. rio cuidar de dois aspectos centrais: a pergunta que é lançada e a mediação

Colomer fala do estabelecimento de “redes horizontais” entre os leitores, as TIC, o fórum, por si só, também não é necessariamente uma ferramen-
ou seja, da troca entre os alunos, que favorece, além do avanço na cons- ta que promove a aprendizagem. O planejamento de um debate no fórum
trução de sentido, o desenvolvimento do gosto e a possibilidade de julgar precisa seguir os mesmos critérios que o planejamento de um debate pre-
a qualidade de uma obra. Para tanto, é fundamental ampliar o repertório sencial: a questão precisa ser aberta a respostas múltiplas e deve favorecer
leitor, pois “não se aprende apenas lendo ‘muito bem’ uns poucos textos”. a troca de pontos de vista, para que os alunos possam, de fato, discutir e
(COLOMER, 2007, p. 147) argumentar em favor de suas ideias. Sendo assim, tínhamos que plane-
jar boas perguntas, que realmente fossem mobilizadoras. Essas questões
O trabalho com leitura literária na escola está muito ajustado a todas essas deveriam, também, estar atreladas aos objetivos da leitura e precisavam
ideias trazidas pela autora. O professor, nesse contexto, é o responsável favorecer as discussões que eram importantes de serem desenvolvidas. Ao

15
mesmo tempo, a ideia não era discutir tudo no fórum. Parte do trabalho era fóruns (acidentalmente), entre outras ocorrências. Essas questões foram re-
feito em sala de aula e continuaria assim. Em resumo, queríamos conciliar solvidas com intervenções coletivas e individuais. A intervenção coletiva
as necessidades do professor, as potencialidades da ferramenta e o sentido do professor no sentido de ajudar a compreender o uso da ferramenta foi
atribuído pelo aluno à proposta. basicamente de abrir o fórum do datashow na classe e ir mostrando, fa-
zendo junto, dando exemplo, etc. Fora isso, os próprios alunos se ajudam
Acabamos optando pela criação de dois fóruns. O primeiro baseado em muito. Eles se telefonam, mandam mensagens com dúvidas entre eles ou
uma questão que atravessa a obra inteira e que relaciona a leitura com o para o professor; alguns comentam no próprio fórum quando alguém posta
projeto de fábulas: “Um aluno do ano passado falou que esse livro é uma
fábula. Você concorda?”. Essa questão possibilitaria um início de debate já exemplo 1 do anexo, podemos ver um
após a leitura coletiva de alguns capítulos e a retomada da discussão num exemplo de colaboração entre os alunos. O aluno posta a resposta no lugar
momento posterior, depois de bem avançada a leitura. A história contada errado, e o colega dá uma orientação tentando ajudá-lo.
tem características que a aproximam de uma fábula, como o fato de ter
animais como personagens e de esses animais possuírem vícios e virtudes
b) Relacionados ao funcionamento de um fórum – “Como deve
humanas, bem como o fato de trazer, de certa forma, uma moral. Porém, o
ser a participação e o que é permitido postar?”
texto apresenta características que o afastam das fábulas tradicionais que
os alunos leem: é longo e a moral não está explícita na obra, por exemplo.
A maioria dos alunos não sabia o que era um fórum, para que servia, como
Além de essas questões favorecerem o debate, algumas dessas caracterís-
se organizava ou como se colocar na discussão. Mesmo com uma conversa
ticas vão se revelando conforme a leitura avança (a questão da moral, por
inicial a esse respeito, no começo muitos entravam, respondiam a pergunta
exemplo) e, por isso, os alunos vão mudando de ideia e repensando a aná-
colocada pelo professor e pronto. Assim, não estabeleciam diálogo entre
lise feita no início. Esse contexto permite que a questão seja tomada pelos
eles, não consideravam as colocações dos colegas, não acompanhavam o
alunos como algo sobre o qual se pode realmente debater. Além disso, ela
desenvolvimento da discussão, criando uma progressão, ou deixavam a
tem vínculo direto com o trabalho principal do trimestre e, conforme os
alunos avançam no estudo das fábulas, ganham mais elementos para sus-
pois muitos alunos já conseguiram estabelecer um diálogo desde o início.
tentar a discussão.
Por outro lado, mesmo quando já estava estabelecido esse diálogo, alguns
alunos entravam bem depois e não liam ou não consideravam, e simples-
A segunda questão proposta estava relacionada com a construção de um
mente postavam a resposta à pergunta inicial. O exemplo 2 do anexo mos-
dos personagens da obra. A história é sobre a luta dos ursos com os homens
tra posts feitos seguidos um ao outro, sem qualquer interação.
na Sicília, e há um personagem muito controverso, que muda de lado ao
longo da narrativa; ora apoia os ursos, ora os trai e apoia os homens. É o
Professor De Ambrosiis, um feiticeiro aparentemente bastante egoísta, que Outra questão que apareceu foi em relação ao que era permitido fazer ali
só tem dois feitiços a serem realizados na vida e não quer gastá-los para dentro daquele espaço, ou seja, quais eram as regras de uso. Alguns alunos,
ajudar ninguém que não seja ele mesmo. No entanto, ao longo da história, sem querer, quando foram responder uma questão, criaram um novo fórum,
o personagem vai sofrendo transformações e acaba, em alguns momentos, -
se mostrando sensível e bondoso. Gasta seu último feitiço para salvar um do com o livro. As reações dos colegas são engraçadas, e as ações desenca-
ursinho e demonstra sentimentos contraditórios em relação ao episódio. deiam entre os alunos uma discussão a respeito do que é ou não permitido.
Trabalhar com a construção de personagens e com a complexidade dos
mesmos é um dos conteúdos de leitura. Também é conteúdo do trabalho
c)Relacionados ao ato de estabelecer uma discussão –
com as fábulas discutir vícios e virtudes. Sendo assim, esse personagem
“Como posso defender o que eu penso? Em que casos é preciso
possibilitava uma discussão rica desses aspectos, e o segundo fórum foi a
dar exemplo? Como me coloco para discordar de um colega? O
partir da pergunta: “Durante a leitura dos primeiros capítulos, conversamos
que fazer para a discussão se aprofundar?”
sobre as características do Professor De Ambrosiis. Vamos, agora, come-
çar a pensar mais a fundo a respeito desse personagem. Para iniciar nossa
discussão, gostaria que compartilhássemos nesse espaço quais são as nos-
sas impressões a respeito desse personagem. Como vocês o veem? Como início, se repetiam muito, não consideravam que algo já havia sido colocado
podemos caracterizá-lo? Que adjetivos podemos usar para descrevê-lo?”. pelo colega e traziam a mesma ideia como se fosse nova ou simplesmente
apresentavam sem estabelecer o diálogo. Alguns alunos davam respostas
2. Adaptação dos alunos e das professoras ao uso do ambiente Esses não faziam referência a episódios do livro, não argumentavam com
ações concretas do personagem ou davam informações parcialmente cor-
retas, misturavam capítulos, etc. Levantamos como hipótese o fato de que
iam para o computador sem o material necessário (caderno e livro), como
diversas, tanto alunos quanto professores. Foi muito importante comparti-
se não considerassem a tarefa de comentar no fórum uma lição que deman-
dava esforço e dedicação, que tinha um grau de exigência como qualquer
outra. Estavam agindo como se a participação fosse algo “descompromis-
sado”, um simples “bate-papo”. Nossa conversa em sala foi no sentido de
alunos apresentavam dúvidas relacionadas a aspectos técnicos. Depois, ti-
estabelecer algumas regras para esse momento. Era necessário estar com
o livro, era necessário ler o que já havia sido escrito no fórum, precisavam
-
localizar passagens que comprovassem o que defendiam, dizendo a página,
das à discussão em si, muitas delas semelhantes às que, normalmente, os
o capítulo ou fazendo citação de trechos, etc. Essas questões se parecem
alunos encontram em sala de aula, em discussões presenciais. A seguir,
com outras que vivenciamos em sala. Nas discussões de classe, alguns alu-
nos também se repetem, e também acontece de o professor ter que fazer
intervenções do tipo: “Por que você pensa desse jeito?” ou “Que parte da
a) Relacionadas a aspectos técnicos – “Como e onde postar as respostas?”

Tivemos alunos que responderam no fórum de outras salas; alunos que Além das conversas e intervenções feitas em sala, consideramos muito im-
responderam para uma pessoa, mas colocaram a resposta no comentário portante a participação do professor atuando como modelo. Assim como
de outra; alunos que, quando foram responder, acabaram criando novos acontece nas discussões presenciais, no fórum o professor deve mediar a

16
discussão, ajudando os alunos a estabelecer relações entre o que eles pen- que a discussão em grupo favorece a compreensão.
sam e o que os colegas disseram. Ele precisa pedir esclarecimentos, soli- Serve para enriquecer a resposta própria com os
citar exemplos, promover as relações intertextuais, etc. Por isso, fazíamos matizes e os aportes da interpretação do outro, já que
comentários sobre os posts dos alunos, buscando focar a discussão, pro- a literatura exige e permite distintas ressonâncias
individuais. (COLOMER, 2007, p. 149)
porcionar maior interação, usando o livro como referência para argumentar
e lançando questões, como é possível observar no exemplo 3 do anexo,
e, em alguns momentos, questionando uma colocação incompleta, como O exemplo 8 ilustra o avanço de dois alunos em suas interpretações pes-
faríamos em sala de aula, conforme também é possível ver no exemplo 3. soais a partir das contribuições da discussão do grupo. É possível ver, nos
dois casos, colocações feitas mais no início do fórum e colocações feitas ao
É interessante notar que, assim como ocorre na sala, alguns alunos apoia- -

para a discussão ou davam “toques” sobre os posts feitos.


Tivemos um cuidado especial em manter uma relação entre o que estava
3. Análise das interações acontecendo no AVA e o que acontecia em sala. Porém, apesar de querer-
mos que esses espaços estivessem desvinculados, também não queríamos
Apesar de todas essas questões apresentadas, o sucesso da proposta é ine- que a discussão do AVA fosse repetida em sala, descaracterizando a impor-
gável. Analisando a participação e interação das crianças, é possível per- tância da participação no ambiente virtual. Assim sendo, tivemos alguns
momentos de conversa em sala sobre a obra e, eventualmente, surgiram
elementos da discussão do fórum. Mas procuramos, nos momentos de sala,
Os alunos aprenderam a mexer na ferramenta fórum do AVA, aproxima- encaminhar a discussão partindo do pressuposto de que os alunos tinham
ram-se do tipo de participação que é esperado para esse espaço e da manei-
ra como deveriam se colocar e aprenderam, sem dúvida, muitos conteúdos
relacionados com a leitura literária e que eram esperados para o trimestre. no fórum, como podemos ver no exemplo 9.

Destacamos algumas conquistas centrais que podem ser observadas: 4. Análise do fórum como espaço para a discussão literária
• interação entre pares e construção de sentido coletivo;
• estabelecimento de relações intertextuais e socialização de experiências O trabalho de discussão no fórum apresenta vantagens muito interessantes
leitoras anteriores; e que se destacam em relação ao que é possível de se realizar em sala.
• avanço na interpretação pessoal e mudança de posicionamento;
Procuramos utilizar e valorizar esse espaço com suas particularidades, ou
• possibilidade de uma forma diferente de participação (para alunos que seja, não queríamos realizar no fórum algo que pudesse igualmente ser re-
não se sentem à vontade para falar nas discussões presenciais); alizado em classe. Quando avaliamos esse aspecto do trabalho, é possível
• articulação entre o trabalho em sala de aula e o trabalho do fórum. destacar diferenças fundamentais. O trabalho no fórum permite o estabele-
cimento de outra forma de relação e interação. Ele permite uma ampliação,

Os alunos conseguiram estabelecer um diálogo potente dentro do AVA. A comunicação.


análise das interações nos permite observar que os alunos consideram o
que foi dito pelos colegas e ampliam a discussão, trazendo novos elemen- Do ponto de vista da interação, o espaço virtual permite uma ampliação
tos (exemplo 4); sintetizam uma série de colocações feitas por colegas e as para grupos que extrapolam a classe. Ou seja, é possível se relacionar com
utilizam na elaboração de sua opinião (exemplo 5); lançam mão de trechos pessoas que normalmente não poderíamos. Os alunos podem trocar entre
do livro para apoiar a argumentação e para comunicar seu ponto de vista de classes, entre unidades, entre séries e, até mesmo, entre cidades ou países
forma estruturada (exemplo 5). (apesar de não ter sido o caso desse exemplo). Do ponto de vista do tempo,
a interação não é imediata. Os alunos podem fazer isso em um horário que
No exemplo 6, além de observar o diálogo entre eles, é interessante notar o não é o da aula e podem fazer isso levando um tempo muito maior do que
tipo de hipótese que eles apresentam e como convencem o colega. A aluna
L. ouviu todos repetirem que, por ser um livro grande, não é uma fábula e uma colocação.
levanta a possibilidade de que isso não seja uma regra, mas que seja apenas
o tipo de fábulas que estávamos lendo. Para sustentar a sua hipótese, ela Do ponto de vista da comunicação, ela é feita pela linguagem escrita e
recorre ao fato de que o estudo é sobre fábulas. A outra aluna parece se con- não oral. Isso permite que o aluno revise o que escreveu antes de postar
vencer com esse argumento e amplia dizendo que, de fato, não teria sentido e que se reorganize anteriormente à sua participação. Além disso, alunos
que, normalmente, têm mais vergonha de participar ativamente das dis-
cussões coletivas encontram nesse espaço uma oportunidade diferenciada.
Conforme a interação se efetiva, os alunos trazem contribuições muito Observamos que alguns alunos que, normalmente, não fazem colocações
interessantes de seu repertório leitor e estabelecem relações com outras tão pertinentes ou tão coerentes em sala conseguiram organizar melhor seu
obras. Esse tipo de colocação enriquece a discussão e torna ainda mais pensamento por escrito.
-
teúdo, que explicita a formação de uma comunidade de leitores em que os
membros compartilham referências literárias comuns. como uma memória muito viva do debate e de tudo o que foi comparti-

- como material de estudo. A prova trimestral iria incluir questões que se


senta a respeito do trabalho de leitura e do papel da interação. É possível relacionavam diretamente com o que foi discutido no fórum, e a releitura
foi uma das formas de estudo e preparação para a avaliação.
colegas apontam.
Exatamente por ser um registro de um processo e por ter começo, meio e

Vale tudo na busca de sentido, já que sabemos de sobra de retomar alguns elementos da discussão e apresentar algumas conclusões.

17
Conclusão Colega responde: Obrigado, F.. Vou falar com a Clarice.

EXEMPLO 2
Quando começamos o trabalho no AVA, tínhamos como meta, como apon-
tado na introdução, familiarizar os alunos com o uso das ferramentas do Primeiros posts dos alunos no fórum sobre o livro e as fábulas. Todos se-
moodle, utilizá-las para, efetivamente, promover aprendizagens na área guidos, nenhum estabelecendo diálogo.
de LPL e atribuir sentido às atividades, tanto para os alunos, quanto para
as professoras. Após concluirmos e analisarmos alguns encaminhamentos Aluna B. - Eu acho que esse livro é uma espécie de fábula, pois os animais
no campo da leitura literária nesse ambiente, avaliamos que conseguimos falam, pensam e têm sentimentos como os humanos. Talvez seja uma fá-
atingir os nossos objetivos. Consideramos que os alunos, no decorrer do 6º bula “grande”.
ano, se apropriaram do uso dessas ferramentas, principalmente porque fo-
ram propostas atividades relevantes para os projetos realizados, e coerentes Aluna F. - Eu acho que o livro é uma fábula, mas não como a que estamos
com o projeto pedagógico da escola. Os encaminhamentos favoreceram a escrevendo. É uma fábula mais longa e com mais detalhes.
atribuição de sentido ao espaço por parte dos alunos. Além disso, conside- Aluna M. - Eu acho que A famosa invasão dos ursos na Sicília não é uma
fábula, pois as fábulas são textos curtos e tem uma moral. Mas nesse livro,
e para que as crianças avançassem em relação aos conteúdos de aprendiza- igual às fábulas, os animais têm características humanas e também aconte-
- cem coisas fantásticas.
da. Avaliamos, também, que tivemos um ganho considerável com o uso do
AVA, na medida em que conseguimos ampliar os espaços de interação já Aluno K. - Eu acho que esse livro é uma fábula porque tem coisas fantásti-
conquistados em nossa prática em sala de aula. cas. Os ursos têm sentimentos humanos e agem como a gente.

O balanço dessas atividades é, portanto, bastante satisfatório. É importante EXEMPLO 4


ressaltar, no entanto, que se trata de um trabalho oneroso para o professor.
Planejar, elaborar e acompanhar todas as atividades propostas demanda Comentário do professor
Pessoal, parece que todos concordamos em um ponto: há características
uso das ferramentas – tanto dos docentes, quanto dos alunos, com os im- semelhantes e diferentes entre o livro e as fábulas. Como a M., de uma
previstos decorrentes do fato de as crianças estarem lidando com muitas
novidades, tais como: perda de senhas, problemas com computadores, di- grande com fábula.
Realmente, há características comuns: animais como personagens e ani-
atividades. No caso do fórum, por exemplo, é necessário que o professor mais apresentam atitudes e comportamentos humanos. Mas vocês levanta-
esteja muito atento às colocações dos alunos no momento em que o fórum ram também algumas diferenças, como o tamanho do livro e o fato de não
está acontecendo. É preciso acompanhar de perto, participar da discussão haver uma moral (pelo menos por enquanto, não é?).
ativamente, não se “desconectar”, portanto, durante o período em que os Achei muito interessante a hipótese do D., citada também pela F. e J., de
alunos estão realizando a atividade. que cada capítulo seria uma fábula, já que parece que cada capítulo tem
uma unidade, ou seja, começa e se encerra. Mas, como a G. bem lembrou,
Como estávamos lidando com muitas novidades e tínhamos que dar con- -
ta de diversas demandas, optamos por focar nossos objetivos. Foi preciso mo. Mais um indício de que há semelhanças e diferenças entre o livro e as
fazer escolhas importantes. Por exemplo, escolhemos criar um fórum para fábulas, não é?
cada classe, porque isso facilitaria a mediação, permitiria que acompanhás- Agora, queria colocar outras questões para vocês pensarem.
semos as discussões e as colocações de cada aluno mais de perto. Esco- Nas últimas semanas, temos estudado outro aspecto muito importante das
lhemos, também, dar atenção especial aos aspectos discursivos no uso do fábulas: os vícios e virtudes. Vocês acham que eles aparecem no A famosa
fórum ou do banco de questões. Preocupamo-nos mais em intervir para invasão dos ursos na Sicília?
ajustar os tipos de comentários, a leitura de enunciados, o cumprimento O que será que precisamos para uma obra ser uma fábula? Será que basta
ter animais como personagens? Será que todo livro que traz animais como
- personagens se caracteriza como fábula?
rios. Apesar de considerarmos esse aspecto bastante relevante, optamos por Continuem participando, agora pensando nessas novas questões, pois o
focar a nossa atenção e os conteúdos a serem trabalhados com os alunos nosso fórum está muito bacana.
naquele momento.
Aluno B. - Eu acho que tem vícios e virtudes nesse livro.
-
- Professora: Quais, B.? Por que você acha isso? É de algum personagem
formador dos processos de ensino/aprendizagem. Avaliamos que realiza-
mos atividades que não seriam possíveis sem as ferramentas das TIC, e que Aluna S. - Bom, eu acho que um exemplo de vício é o Professor de Ambro-
o trabalho nesse ambiente não se trata de uma reprodução do que pode ser siis, com o seu egoísmo, e também o Grão-Duque, que não tem compaixão
feito em sala de aula. ao pobre ursinho Tônio, e ele também tem egoísmo. E alguns ursos têm
virtudes, como o Golias, que apresentou sua coragem ao ter a ideia de jogar
grandes bolas de neve.

Anexo EXEMPLO 5

Aluna L.B. - Sim, eu concordo com esse aluno, pois os bichos falam, têm
características humanas, fazendo com que essa história vire um tipo de
EXEMPLO 1 fábula.
Aluno posta resposta no lugar errado: Eu acho que ele não era mágico. A
varinha caiu nas mãos erradas... Aluna L. – L.B., nós não sabemos se tem uma moral!

Colega ajudando: V., poste nos tópicos da Clarice. Se tiver dúvida, peça Aluno G. - Nem todas as fábulas precisam ter moral escrita para terem
ajuda a alguém. moral.

18
Aluna S. – L.B., eu acho que nem sempre fábula se refere a um animal, e -
também existem histórias (livros) de bichos que têm características huma-
nas e não são fábulas e não há outro motivo para se parecer com fábula.

Aluno R. – S., esse livro tem outro aspecto de fábulas: os personagens têm
vícios e virtudes.
moral, mas ele tem uma lição. Eu acho que o livro é uma enorme fábula
EXEMPLO 6
materiais, às vezes você não é feliz, e é melhor viver de modo simples, mas
Comentário da aluna sobre o personagem do professor De Ambrosiis feliz.
Olha, eu acho que concordo com a M, porque ele é muito egoísta, só pensa
em si mesmo. Ele estava, no começo, do lado do Grão-Duque, mas depois Outro exemplo:
este perdeu para os ursos, e o professor De Ambrosiis passou para o lado
dos ursos. Ou seja, ele quer sempre estar do lado que está ganhando, então Aluna M.C. no início do fórum - K., eu não acho que o Prof. Ambrosiis seja
quando os ursos estavam perdendo novamente a batalha do castelo, ele mentiroso. Ele é traiçoeiro, o que naturalmente é diferente.
passou para o lado do Grão-Duque. Eu também acho que ele é muito vin-
gativo, pois ele queria matar os ursos de muitas formas diferentes, por tê-lo Aluna M.C. no meio do fórum - Pensando bem agora, C., é verdade. O
feito gastar um feitiço de sua varinha. Mas, por outro lado, concordo com Prof. De Ambrosiis é traiçoeiro e mentiroso.
o último comentário da L. (que ele vai usar o último feitiço para ajudar o
Tônio), pois, no capítulo 6, quando o Tônio leva o tiro, o livro fala assim -
do prof. De Ambrosiis: “De Ambosiis, olhe para ele, treme um pouco”, e neroso, pois ele deu seu último e único feitiço da vida dele. Eu acho que o
também na foto do Capítulo 7 os ursos estão cantando e dançando, e o De Prof. De Ambrosiis ainda não percebeu, mas ele gosta dos ursos e ele quer
Ambrosiis está no meio da festa.
Eu também acho que o rei Leôncio poderia ser mais agradecido, tipo por-
EXEMPLO 7

Aluna L. - Eu concordo com muito do que disseram. Mas acho que este
livro tem a chance de ser uma fábula. Porque os animais têm características EXEMPLO 10
humanas, como falar, pensar como nós, etc. A única diferença é que essa
fábula não é do tipo que estamos estudando, com moral, textos curtos... E Que nem a M. disse durante a aula: “O livro não tem uma moral de fá-
estamos lendo o livro A famosa invasão dos ursos na Sicília, pois ele aju- bula, mas sim uma lição obscura”. A lição não está como uma moral de
dará no estudo de fábulas.
e virtudes, e a lição que eu construiria assim: “Seja você mesmo”. Mas eu
Aluna B. - Concordo com você, L., na parte que diz que estamos lendo este continuo achando que o livro não é uma fábula, mas sim tem características
de uma.
ou de piadas, ou de qualquer outro gênero que não nos ajudasse a estudar,
não faria sentido ler este livro. Então essa é uma pista para descobrir se ele
é uma fábula ou não.

EXEMPLO 8

Exemplos de posts de alunos que fazem referências a outras obras. Os posts


COLL, César; MAURI, Teresa; ONRUBIA, Javier. A incorporação das
não são necessariamente do mesmo fórum, nem da mesma classe.
tecnologias da informação e da comunicação na educação – Do projeto
técnico pedagógico às práticas de uso. In: Psicologia da educação
Aluno G. - Eu acho que o professor é um personagem muito egoísta e mal,
virtual – Aprender e ensinar com as tecnologias da educação e da
mas não é culpa dele, porque ele passou muito tempo com pessoas do tipo,
comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2010.
como o conde, o troll e os humanos (a maioria malvada), e eu acho que o
COLOMER, Teresa. Andar entre livros. A leitura literária na escola. São
Paulo: Global, 2007.

Klaus é sonhador; Violet, a irmã mais velha, é cuidadosa; e Conde Olaf é SILVA, Marco. Docência Interativa presencial e online. In: VALENTINI,
perverso e egoísta por querer a herança dos órfãos (aluna respondendo a Carla Beatris; SCHELMMER, Eliane. (Org.). Aprendizagem em ambientes
uma pergunta sobre outros livros nos quais os personagens têm vícios e virtuais: compartilhando idéias e construindo cenários. Caxias do Sul:
virtudes). EDUCS, 2005, v. 1, p.193-202.

Aluna J. - Em todas as histórias os personagens têm vícios e virtudes. São


as características deles. Todos têm coisas boas e ruins, mesmo se não estão
claras.

revolução dos bichos e acho parecido com fábulas. Vocês também acham?

EXEMPLO 9

No começo do fórum:

Aluno T. - Eu acho que, por um lado, os personagens têm características


humanas, agindo de forma que conseguem conversar. O urso líder procura

19
BÁRBARA FRANCELI
LIS RODRIGUES

A oralidade tem sido objeto de pesquisas e discussões nos meios acadê- aluno tenha a oportunidade de relatar, apresentar, discutir, argumentar, en-
micos, de maneira mais acentuada e frequente, nos últimos tempos, consi- trevistar é de fundamental importância para que a escola tenha um papel
derando-se que essa modalidade de uso da língua começa a ser estudada de
modo mais sistemático a partir da década de 1960. se refere ao uso da modalidade oral da língua.

Segundo Schneuwlye e Dolz, em Gêneros escritos e orais na escola (2004) No limite, as situações que envolvem o falar e o escutar são indispensáveis.
é papel da escola ensinar o oral. Entretanto, os autores ressaltam que o oral No entanto, sabemos que, para ocorrer comunicação, precisamos, como
que normalmente se ensina é o da escrita, aquele que, por meio das corres- falantes e usuários da língua, nos adequar às condições de produção do
pondências grafofonêmicas, não é senão a oralização de um escrito. texto. Não escrevemos da mesma maneira uma carta ou uma história, assim
como não falamos da mesma forma quando desenvolvemos uma conversa
informal com amigos. E, por isso, a escola precisa ter como um de seus
sobre como oralizar o que está escrito, e sim enfatizar as variedades e con-
tribuições dos diversos usos da língua para a construção de uma identidade vez que toda forma de comunicação – portanto, também aquela centrada
cultural. -
neuwlye e Dolz, 2004).
Ou seja, a escola, como importante instituição social, precisa promover
- Através da criação de contextos de produção precisos, os alunos irão se
tes práticas de linguagem, tornando os aprendizes sujeitos capazes de utili- apropriar das noções, das técnicas e dos instrumentos realmente necessá-
zar a língua em suas diferentes modalidades, considerando os diversos do- rios para desenvolver a capacidade de expressarem-se oralmente, em dife-
mínios discursivos. Contudo, a observação e análise das práticas de ensino
rentes modalidades discursivas. E os gêneros deixam, a partir daí, de ser
em diferentes séries da educação básica, em diferentes níveis, têm revelado
apenas um instrumento da comunicação e tornam-se, ao mesmo tempo,
que ainda é priorizado, nas práticas pedagógicas, o ensino e aprendizagem
objeto de ensino-aprendizagem.
da modalidade escrita, e pouco se explora a oralidade como conteúdo es-
sencial na formação do sujeito do discurso.
Considerando esta perspectiva, Schneuwlye e Dolz apresentam três impor-
tantes diferenças do objeto de trabalho que funda o procedimento, ou seja,
Diante dessa percepção, surgem várias indagações, tais como: que trata-
o gênero. Eis o que deve ser considerado na hora de trabalhar os gêneros
mento pode ser dado à oralidade quando o assunto é o ensino e aprendiza-
escritos e orais, visto que o primeiro é permanente, mas o segundo, “desa-
gem dessa modalidade da língua? Como a escola pode promover, de fato,
o ensino da oralidade? Quais conteúdos estão relacionados ao ensino da parece”.
oralidade na escola? Que situações pedagógicas são favoráveis ao ensino
e aprendizagem do oral? Quais concepções fundamentam as práticas de 1. A possibilidade de revisão
oralidade? Como acompanhar e avaliar o desenvolvimento da oralidade
das crianças nas séries iniciais do F1? Ao escrevermos um texto, sabemos da possibilidade de revisão entre o

refeito e, até mesmo, descartado. Porém, a produção de um texto oral segue


uma lógica completamente diferente. O controle da palavra pronunciada e
sobretudo, a complexidade em torno desse objeto de ensino. do próprio comportamento se dá só e unicamente durante a produção. De
certa forma, a fala é corrigida antes, em uma atividade de preparação, e são
Nesse sentido, temos aprendido que apresentar possibilidades para que o esses instrumentos que o aluno deve aprender a dominar.

20
2. Observação do próprio comportamento partilhar livros, investimos na gravação, em vídeo, de indicações literárias,

O texto escrito, de certo modo, pode ser considerado como uma forma comunidade linguística escolar, para, posteriormente, serem assistidas e
exteriorizada do comportamento de linguagem. Este comportamento acaba analisadas pelas crianças da série. As indicações de leitura gravadas tinham
sendo observável, como um objeto exterior. E, através desse objeto, con- relação direta com livros já lidos pelos alunos, uma vez que nossa intenção
era priorizar o estudo de aspectos da oralidade, partindo do conhecimento
também existe um processo de exteriorização. Entretanto, a fala desaparece prévio que as crianças já possuíam a respeito dos títulos literários.
de imediato, fazendo, assim, com que não haja a possibilidade de fazer uma
análise posterior de compreensão e observação sobre o seu modo de fun- Assim, apresentamos aos alunos distintos interlocutores, compartilhando
cionar. Só existe uma forma de transformar a fala em um comportamento suas impressões sobre leituras realizadas, e com seus depoimentos provo-
observável: a gravação. -
bre as estratégias de “sedução” que acompanhavam os textos orais (gestos,
3. Observação de textos de referência movimentos faciais, modulação da voz...), no intuito de envolver possíveis
leitores para os livros indicados.
O texto escrito por um autor ou, até mesmo, por um aluno, acaba tendo uma
análise aprofundada, já que se trata de um objeto estável. A pergunta que Esta proposta dialoga com o que apontam teóricos a respeito das múltiplas
se instaura é: que instrumentos propiciam uma melhor performance à fala? possibilidades que a oralidade apresenta para que o falante avance em suas
Existem três meios para que isso aconteça. O primeiro deles é a gravação produções de natureza linguística, atentando para os objetivos e interlocu-
(que possibilita a repetição do que foi falado, que pode, assim, ser ouvido tores de seus textos:
e analisado). O segundo é a escuta dirigida pela escrita (traços que podem (...) quando falamos, podemos fazê-lo com um
ser analisados e discutidos). E o último, a transcrição (que faz com que o determinado “tom de voz” (por exemplo, mais ou
oral se transforme em escrita observável). menos enfático), num determinado ritmo, com uma
certa entoação, mais rapidamente ou com mais vagar,
produzindo um maior ou menor número de pausas
Os procedimentos acima alimentam a concepção de que o oral pode ser en-
e de hesitações. Tudo isso acontece mais ou menos
sinado na escola, a partir de estratégias que viabilizem esta prática. Dessa conscientemente em função de nossos interlocutores e
maneira, entendemos que os gêneros orais devem ser incluídos no processo do contexto social no qual nossa produção discursiva
de aprendizagem da oralidade nas classes de segundo e terceiro anos do en- se insere. (Bentes, 2010)
sino fundamental, baseados, sobretudo, na compreensão de que, para falar,
assim como para escrever, podemos desenvolver ações favoráveis à nossa Durante as discussões acerca das indicações orais gravadas e durante o
comunicação, considerando as condições de produção do discurso (o que desenvolvimento das rodas, tínhamos como objetivo que as crianças apren-
dessem a criar suas próprias estratégias de interlocução oral, atentando para
que, para o ensino da oralidade se constituir como algo funcional e com- seus pares, partindo de seu repertório de leitura e de conhecimentos cons-
preensível na escola, o planejamento da fala, observando essas condições
de produção, é essencial para a construção de conhecimento por parte das assistidas através dos vídeos.
crianças, desde as séries iniciais.
Apostamos na ideia de que esse tipo de encaminhamento contribui para

que forem convidados a compartilhar suas impressões sobre um livro. Ou


O trabalho com a análise de mo- seja, trabalhamos a oralidade partindo de uma outra perspectiva e cuida-
mos para não priorizarmos a oralização da escrita no lugar de explorar o
delos oral e as suas potencialidades.

Um dos grandes problemas no tratamento da


Estamos convencidas de que muitas são as situações favoráveis ao ensino oralidade consiste na confusão teórico-metodológica
da oralidade e de que essa modalidade da língua pode ser trabalhada desde entre os termos oralidade e oralização. Com base
as séries iniciais da escolaridade básica, fazendo parte da rotina de estudo em observações feitas em salas de aula do nível
dos aprendizes. E vemos nas Rodas de Biblioteca potencial para o desen- fundamental, percebe-se que muitos professores
volvimento de um trabalho com oralidade com nossos alunos. de Língua Portuguesa usam esses termos como
sinônimos e acabam por aplicar atividades ditas de
As Rodas de Biblioteca têm como eixo norteador o trabalho com as práti- oralidade que na verdade são de oralização de textos
escritos, tais como, apresentações orais que os alunos
cas de linguagem com ênfase na literatura e oralidade, já que, desde cedo,
realizam com a leitura, frente a turma, de um texto
as crianças precisam aprender que existem inúmeras possibilidades de so- escrito sobre o tema do trabalho, ou ainda pedir
cialização do conhecimento e que a oralidade é uma valiosa ferramenta de que os alunos conversem entre si sobre algum tema
comunicação com as pessoas e com o mundo que nos cerca, e de tradução sem qualquer orientação ou mediação do professor.
de nossas ideias. Nas Rodas de Biblioteca, vivenciamos momentos valio- (Bentes, 2010)
sos em que os alunos têm a oportunidade de escutar e compartilhar impres-
sões acerca dos títulos que leram e, dessa forma, ampliar suas relações com Abaixo, destacamos alguns dos questionamentos feitos aos alunos a res-
o universo literário. peito das indicações literárias assistidas e, em seguida, apresentamos as

Acompanhando essa interlocução, observamos que a maior parte dos alu-


nos se restringia a dizer, apenas, que: “o livro é legal”, ou que: “é diver- -
tido”, sem tecer maiores comentários. Fomos percebendo, também, que à dicações de livros literários”:
medida que estimulávamos o desenvolvimento das falas, as crianças apre-
sentavam suas impressões com maior riqueza de detalhes, embora ainda Eis a conversa depois de assistirem ao vídeo de indicação literária feita por
necessitassem de frequentes intervenções do professor. Ângela, bibliotecária.

No sentido de fazer com que os alunos atentassem para aspectos relevantes Professora: Vocês perceberam muitas informações importantes acerca do
da expressão oral e ampliassem o seu repertório de ideias de como com- livro sugerido por Ângela. Falaram que ela se preocupou em contar para

21
o leitor a sua opinião sobre o livro. Disseram, também, que ela apresentou (...) ao longo de nossos primeiros anos de vida,
informações extras sobre o personagem principal da história, além de con- desenvolvemos uma série de competências que dizem
tar o que ela acha que o autor pensou para fazer a história. Agora, o que respeito, entre outras coisas, à manipulação da nossa
voz e de nossa fala (...) quando falamos, fornecemos
podemos comentar sobre o jeito como Ângela falou sobre tudo isso? Qual
ao outro um conjunto de informações para além dos
a postura que ela assumiu? Como ela organizou a fala? Será que ela pensou conteúdos que estamos tentando transmitir: forne-
no tom de voz que usaria nesse momento? cemos informações sobre a nossa identidade social
(em que estado do país nascemos, a que grupo social
Aluno 1: Ela fala com muita tranquilidade sobre o livro. Num tom de voz pertencemos, por exemplo) e também sobre as nossas
bom. Mostra um pouquinho das ilustrações e conta coisas interessantes diversas competências em nos comunicarmos com
sobre o livro sem falar tudo. pessoas/públicos diferentes em situações distintas:
Aluno 2: Percebi que ela começou dando a opinião dela sobre o livro e só como falamos em público, como nos comportamos em
depois entrou na história. uma conversa de grupo, como interagimos com o
Aluno 3: Ela pensou no que o autor pode ter pensado para escolher esse nosso parceiro de conversa, por exemplo, de modo a
deixá-lo falar ou não etc. (Bentes, 2010)
personagem para essa história. Ela disse de uma coisa que não está escrita
no livro, mas que a gente sente lendo a história.
Professora: É importante pensar nesses aspectos quando vamos falar sobre Nesse sentido, alimentamos a ideia de que as indicações literárias são uma
um livro? potente ferramenta para o desenvolvimento da expressão oral de nossos
Aluno 4: Sim! A gente consegue falar melhor e dar mais dicas, de um jeito alunos, de seu repertório como leitores e como usuários da língua materna.
que a pessoa entende mais detalhes sobre o livro.

Eis a conversa depois de assistirem ao vídeo de indicação literária de Paula,


também funcionária da biblioteca da Escola da Vila.

Professora: Quem gostaria de começar fazendo observações sobre a forma


como a Paulinha apresentou sua indicação? SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim e colaboradores. Gêneros orais e
Aluno 3: Diferente da outra indicação que a gente assistiu, ela contou de escritos na escola. Mercado de letras.
um jeito mais curto. Ela mostra só a capa, fala quem é o autor, o ilustrador,
e fala do jeito dela. De um jeito que não é muito rápido, nem muito deva- BENTES, Anna. Linguagem oral no espaço escolar: rediscutindo o lugar
gar. De um jeito normal, sabe? das práticas e dos gêneros orais na escola (Artigo apresentado numa
Aluno 5: Parece que ela contou de um jeito misterioso. A forma como ela palestra sobre o lugar da oralidade na escola – UFBA, 2010).

Aluno 6: Foi legal quando ela abriu os braços para mostrar que era bem PONTECORVO, Clotilde. Discutindo se aprende - Interação social,
grande. conhecimento e escola. Artmed.

A observação de modelos como


fonte de descobertas e exploração
das possibilidades de fala.
Assim como defendemos a necessidade de oferecer aos aprendizes mo-

aprendizagem da modalidade escrita da língua, entendemos que ter bons


modelos de produtores de texto oral é muito importante para que a criança
amplie, desde cedo, suas estratégias de fala em diferentes situações de co-
municação.

Avaliamos que, depois das observações e conversas acerca de várias indi-


cações gravadas em vídeos, as crianças passaram a considerar, previamen-
te, o que e como iam compartilhar dos livros nas rodas. Em função disso,
passamos também a fazer o planejamento das indicações orais que fariam
em roda. Ou seja, antes da apresentação, as crianças observavam o livro e
pensavam sobre o que era mais potente comunicar e de que maneira seria
interessante falar.

depois da realização dessas análises e dos planejamentos.

Concluindo... Por enquanto...


Estamos convencidas de que o trabalho com a modalidade oral na escola
merece atenção especial, tanto quanto a modalidade escrita e a leitura, e
que, para isso, é necessário promover situações funcionais que favoreçam
o amplo exercício de uso da linguagem por parte de nossos alunos em dife-
rentes contextos discursivos. Como diz Bentes:

22
(notícias de um trabalho investigativo)

MIRUNA KAYANO GENOINO

Reescrita e interação: a motivação para a pesquisa


De fato, diferentemente do monólogo (especialmente do escrito), a comunicação dialógica pressupõe um enunciado emitido de imediato.
O diálogo é um discurso constituído de réplicas, é uma cadeia de reações. (VYGOTSKY, 2000, p. 456)

Desde o primeiro momento em que tive a possibilidade de ser professora e, professora construtivista, o que faz necessária uma análise apurada dos
assim, trabalhar concretamente com a educação de crianças, encantei-me
com a quantidade de conversas e diálogos que elas travavam ao longo do voltada às expectativas quanto ao que é possível esperar de um momento
dia e as inúmeras possibilidades de aprendizagem que estas situações pro- no qual as crianças precisam trabalhar em parceria.
porcionavam aos envolvidos. Mesmo antes de conhecer a fundo a concep-
ção construtivista de ensino e aprendizagem, pude ver que, efetivamente, -
não é possível entender o espaço escolar como um ambiente privado de dam com a apropriação da escrita alfabética, parece clara a necessidade de
diálogo, de troca entre iguais. favorecer as interações entre eles, de maneira que tenham a possibilidade
de lidar com diferentes hipóteses; ao confrontá-las, podem questionar suas
Ao longo do meu percurso como educadora, sempre mantive um interesse próprias ideias e, assim, avançar. Porém, na medida em que avançam em
especial pelas variadas discussões da equipe de professores envolvendo a sua escolaridade e já escrevem convencionalmente, surgem necessidades
questão da troca entre crianças. Como organizar as parcerias? O que fazer crescentes de avaliações individuais, e nem sempre estas interações são tão
com certa dupla que não conseguiu trabalhar junta? Quando propor escrita facilmente favorecidas e organizadas em sala de aula, o que me instigou a
em dupla? Quando escrever sozinho? Estes sempre foram questionamentos
deste tipo de troca, independentemente da faixa etária dos envolvidos.

23
Ser aluna da Pós-Graduação em Alfabetização no Centro de Formação da conocimiento de un lenguaje más formal a la vez
Escola da Vila favoreceu meu retorno a este interesse antigo e marcante em que diferente según las variedades discursivas, es
- decir, un lenguaje que por su uso social es esperable
rizar e favorecer a interação em sala de aula; era importante compreendê- encontrar de manera escrita y que por ciertas
características lingüísticas denota una diferenciación
la a fundo, saber exatamente o que ela potencializa e, assim, assegurar o
textual. (MOLINARI in KAUFMAN, 2000, p. 16,
lugar da troca entre alunos e alunas como um espaço fundamental para a grifos da autora) 2.
aprendizagem.
Assim, é fundamental considerar que colocar em uso a linguagem escrita
No mesmo período em que realizava esta especialização, novas respon- -
sabilidades colocaram-me diante de outras preocupações. Concretamente, critores em formação, que deverão articular os saberes entre um e outro,
- de forma a produzir um texto que possa, efetivamente, cumprir o propó-
fessores, centrando minha atuação na área de Práticas de Linguagem e, sito estabelecido, recontando uma história, mudando a voz narrativa. Os
saberes e discussões relacionados aos aspectos discursivos adquirem uma
enorme complexidade, por estarem relacionados ao propósito comunicati-
cuidadosa sobre diferentes propostas didáticas, buscando analisar quais vo do texto e, assim, ao gênero do mesmo e à necessária adequação a ser
poderiam ser mais favoráveis para garantir o avanço dos alunos e alunas colocada em jogo na produção textual em si. Como coloca TEBEROSKY
como usuários das práticas de leitura e escrita. Foi nesse movimento que (2008, p. 88):

Os propósitos comunicativos, as intenções e


Para apresentar, nos cursos de formação que ministrava, diferentes pro- motivações do escritor tomam forma lingüística
postas envolvendo a reescrita de textos literários no Ensino Fundamental nos textos. (...) Dito de outro modo, são os
I, precisei me aprofundar em elementos importantes envolvidos em uma acontecimentos sociais que determinam os propósitos
- da comunicação, e estes, por sua vez, ocorrem em
determinadas situações e se realizam através de
considerações didáticas que relacionam o objetivo a alcançar e o trabalho características lingüísticas. Portanto todo texto que
esteja incluído num ato de comunicação pertence a
que pode ser proposto fez com que eu entendesse, ainda mais, a importân-
um gênero.
cia de analisar com cuidado o tipo de proposta de produção escrita a ser
apresentada em sala de aula. Nesse caso em particular, os alunos produziram a reescrita de uma crônica
e, assim, deveriam articular o uso da linguagem para construir um discurso
- que cumprisse com a adequação ao gênero em si; uma tarefa que envolvia
tomar decisões das mais variadas quanto ao uso de expressões que me-
maneira mais aprofundada, as possibilidades dos alunos e alunas nas situ- lhor pudessem expressar o que desejavam, através do uso de vocabulário
ações de parceria e interatividade em atividades de reescrita, que também
em jogo os mais variados saberes, sendo capazes de articular e recontar a
didática e suas potencialidades para o trabalho em sala de aula. narrativa mantendo sua qualidade literária.
Desta forma, foi da união destes interesses, pela forma de trabalhar, em
duplas, e pela tarefa a realizar, a reescrita, que surgiu a pesquisa realizada, Para esta pesquisa, analisou-se o trabalho de uma dupla de alunos do 3º ano
e que este artigo relata em alguns de seus aspectos. do Ensino Fundamental I (sete e oito anos de idade), Estela e Vitor, con-
vidados a produzir uma reescrita da crônica “Noite de terror”, escrita por

O que escrever e como escrever: foi lida na versão original em 1ª pessoa, eles tiveram que reescrevê-la em 3ª

as decisões de um escritor foco os aspectos discursivos discutidos pelos alunos durante esta situação
de produção escrita.
Somos conscientes de que alfabetizarse es resolver
problemas prácticos ayudados por la escritura o
por intermedio de la escritura, es acrecentar la
comprensión del mundo, es usar el poder del lenguaje
Os aspectos discursivos: lingua-
para convencer o disuadir, es disfrutar de una realidad
que escrita es más hermosa que realizada, es jugar gem escrita em jogo
a decir de maneras extrañas, es anticipar mundos
utópicos con palabras… (CASTEDO in KAUFMAN, Durante todo o desenrolar da situação de produção de seu texto, Estela
2000 p.81)1. e Vítor mantiveram muitas discussões sobre as necessárias decisões que
deveriam tomar para dar conta de reescrever um texto conhecido mudando
Para que seja possível compreender e avaliar a interação entre os membros o foco narrativo. Aqui serão analisadas as discussões que tiveram, relacio-
de uma dupla de alunos do 3º ano ao realizar uma reescrita, a relação entre nadas aos aspectos discursivos do texto.
suas discussões e o momento de formação enquanto usuários da lingua-
Primeiramente, vale a pena destacar que, ao longo de toda situação de pro-
de escrever um texto. dução, esses alunos não indicaram quaisquer dúvidas quanto à ordem de
acontecimentos da história, mostrando sempre um grande domínio da pro-
Ainda que a dupla aqui analisada já apresente uma escrita alfabética, isso, gressão dos acontecimentos presentes na crônica “Noite de terror”. Este
conhecimento mostrou-se essencial para que pudessem, efetivamente,
na tarefa de compor um texto. Um importante aspecto a ser considerado e preocupar-se com outras questões muito mais complexas, como o uso de
linguagem adequada, repetições, a questão da voz narrativa e a pontuação,
as crianças precisarão colocar em jogo com relação ao discurso a ser utili- ou seja, a estrutura narrativa do texto.
zado no texto, já que:
Además de las letras, quien escribe pone en acción Uma discussão importante que tiveram na situação de produção relacio-
conocimientos sobre el lenguaje escrito (…) el

24
narrativa, uma tarefa que implicava em pensar no uso mais adequado da ralmente o pensamento da personagem tal qual contado na versão original,
linguagem e em como transformar as colocações pessoais da escritora em
-
dor diferente. o texto não seria possível concluir.

Estela: (escrevendo) Os pais de Tatiana tiveram de sair... Outra situação que mostra que o texto nem sempre oferece informações su-
Vítor: E eu, como de costume...
Estela: Não, péra aí... Papai e mamãe tiveram que sair à noite... conteúdo das práticas de linguagem é a discussão que abaixo se apresenta,
Vítor: E me deixaram sozinha, não é? voltada à decisão dos parágrafos da história:
Estela: Tatiana, como de costume...
Vítor: Não.
Estela: Ela, como de costume, cuidando dos dois irmãos... Vítor: Outro parágrafo, né?
Vítor: É, mas tem que falar mais uma coisa, deixaram eles sozinhos... Estela: Eu acho que isso que vem é do mesmo parágrafo...
Estela: Ó, mas já tá falando (relê trecho), os pais da Tatiana Belinky ti- Vítor: Eu não acho que é do mesmo parágrafo... Vem outra coisa...
Estela: Continua falando, tá, eles dormiram, e continua falando do caçuli-
deles... dos seus irmãos... nha. Tem tudo a ver uma coisa com a outra!
Vítor: Tá, tudo bem. Vítor: Ah, mas é porque é a mesma história, né?
Estela: Não... Mas tem histórias que não são tão organizadas assim. A gen-
te vai mudando de parágrafos quando vai mudando de assunto, meio que
Vítor dita para Estela exatamente como ouviu a história, em 1ª pessoa, mas ao invés de falar... Por exemplo, estou falando de uma festa de aniversário,
ela, em momento algum, explicita ou se incomoda com este fato, já que que tem um bolo, aí em um parágrafo eu digo que as bexigas vão ser rosa...
automaticamente transforma o que está ouvindo para uma escrita em 3ª Vítor: Não entendi...
pessoa. A troca entre ambos se coloca de forma bastante natural e mostra Estela: (para a pesquisadora) Precisa terminar hoje?
que não foi necessário que ela o relembrasse de que não poderiam escrever Pesquisadora: Não necessariamente.
“eu, como de costume”, mas sim concretizou o fato de que, ao ditar dessa Estela: Você não quer colocar no mesmo parágrafo, mas agora vem nova-
forma, Vítor apenas a ajudava a saber o que viria em seguida. Diante disso, mente o inesgotável caçulinha, é a mesma coisa...
Estela só deveria manter sua função de escrever em 3ª pessoa, seguindo o Vítor: Não é a mesma coisa, é outra vez que ele fez xixi...
- Estela: Mas é a mesma coisa... Não é para só colocar quatro linhas de
ção muito importante para realizar com êxito a tarefa que lhes foi proposta:
nenhum dos dois teve que estar solitariamente relembrando a história e mu- Vítor: Do que eu lembro da história, tinha outro parágrafo... Eu lembro
dando sua voz narrativa, podendo trocar os papéis dessas tarefas, tornando que era um parágrafo...
Estela: Mas não é do que você lembra, tem que ver a história.
parar o trabalho para discutir estas ações escritoras. Vítor: É, mas é que é outro momento. Olha, novamente o bebê fez xixi...
Estela: Não é só porque tem novamente que tem que começar um novo
parágrafo...
voz narrativa, porém, não quer dizer que ambos não mantivessem esse Vítor: Mas eu lembro da história.
olhar frequente para a questão, mas sim que, para eles, não se mostrou Estela: A gente não vai fazer idêntico da história, se fosse assim era só
copiar...
seguinte: Vítor: É que, dependendo do momento da história, assim, quando passa o
tempo, é, ela, a história muda de parágrafo...
Vítor: Então foram para a cama de papai e mamãe... e Tatiana pensou... Estela: Não entendi...
Lembra que ela pensou? Isso, para a cama maior, dos pais... Vítor: Por exemplo, assim, um dia, no outro dia muda de parágrafo. Se
Estela: Posso colocar assim, cama maior, dois pontos, a cama de seus você não lembra, nos Elfos, quando mudou de dia, tinha que mudar de
pais? parágrafo...
Vítor: Tudo bem... Agora vem que ela pensou... Estela: Ah... mas... não mudou de dia, mês... Foi só uma hora.
Estela: Vem antes da cama maior, né? Vítor: Então, é um tempo...
Vítor: Não, vem agora... Estela: Tá, tudo bem, esse pode ser outro parágrafo, mas vamos olhar bem
(Estela relê o que escreveram)

Estela: (coloca asterisco e escreve embaixo) Tatiana pensou... Quando pa- Apenas analisando os parágrafos colocados no texto, não seria possível
pai e mamãe... Não precisa colocar pai e mãe dela, né?
Vítor: Não, porque aqui é ela mesma pensando... trecho deveria compor um novo parágrafo. Saber e constatar que aquilo

para que se valorizem as situações de trocas e diálogos, momentos em que,


O trecho ao qual os dois estão se referindo poderia claramente trazer muitas
discussões e dúvidas quanto à escrita em 1ª e 3ª pessoa, uma vez que, neste
caso, deveriam escrever em 3ª pessoa, mas, tratando-se da explicitação do -
pensamento da personagem, poderia existir uma discussão quanto a es- do para que chegassem a cada uma delas.
crever “Tatiana pensou que quando seus pais chegassem dariam um jeito
em tudo” ou, como a opção por eles escolhida, “Tatiana pensou: ’Quando Outro aspecto importante e derivado da conversa referida acima se rela-
papai e mamãe chegarem darão um jeito em tudo‘”, ou seja, como registrar
o pensamento da personagem no texto. apenas porque estão produzindo em parceria, já que, caso estivessem es-
crevendo sozinhos, cada um simplesmente colocaria em jogo sua própria

discussão. Para ambos, parece ser clara a escolha pela segunda opção, uma
si. No decorrer do diálogo, o fato de se encontrarem diante de uma opinião
contrária sobre a estruturação do texto fez com que ambos tivessem que
observação importante é que, neste caso, os dois optaram por manter lite- passar por uma situação diferente das anteriormente apresentadas, já que

25
aqui, sim, foi fundamental que cada um explicitasse seus saberes sobre o de descentração difícil em qualquer idade, porém
- em particular para crianças de 7 a 9 anos, ainda
dendo. bastante preocupadas com outros aspectos da escrita:

aspectos corretos do grafar.


Vemos que esta explicitação acontece primeiro por parte de Estela, que
Ao longo da situação de produção textual, as duas crianças mostram ter
sobre parágrafos, e que é a negativa dela em aceitar respostas pouco funda-
clareza quanto à necessidade de colocar diferentes sinais de pontuação que
mentadas de seu companheiro (“Do que eu lembro da história, tinha outro
possam orientar a leitura do texto. Tanto quando Estela ditava, como quan-
parágrafo”) que faz com que Vítor tenha que acionar seus conhecimentos e
do era Vítor o ditante, ambos se preocupavam não só em chamar a atenção
introduza na conversa seus argumentos relacionados à passagem de tempo,
do outro sobre a história em si, como, também, com relação ao uso de
que terminam por convencer sua parceira.
parágrafo, ou a pontos de interrogação ou exclamação, sinais usualmente
melhor dominados por crianças de 3º ano. Durante todo o trabalho, chama
Vítor, inclusive argumentando que ela não as acataria somente por conta
a atenção a quantidade de vírgulas, dois pontos, entre outros, utilizados de
forma pertinente.
copiando o texto (sem ter de explicitar que, em uma reescrita, devem pro-
duzir de seu jeito, e não exatamente como o texto original), acaba fazendo
com que Vítor fundamente suas explicações baseando-se em uma reescrita -
feita no 2º ano, a que ele menciona quando cita Os elfos (BENNET, 1995). ação em uma situação de produção textual proposta a crianças de oito anos
não foi um aspecto facilmente resolvido pelos componentes da dupla em
Está claro que o fato de ter encontrado alguém que não concordava com todos os momentos da escrita do texto:

Estela: (ditando) Não fez pouco, dois pontos.


anteriores e que apoiariam seu ponto de vista. Vítor: Não fez pouco, vírgula...
Estela: Eu acho melhor dois pontos. Agora vai dizer sobre o que não fez
- pouco...
Vítor: ... (coloca a vírgula)
de forma clara, que vai manter seu olhar e sua preocupação – legítima –
quanto ao fato de não organizarem parágrafos excessivamente curtos. A Vítor: Ficou encharcado. Não precisa colocar de xixi, porque já dá para
saber.
percebemos a extensão do diálogo travado pelos componentes da dupla, Estela: Mas coloca, vai, Vini!
indica que o fato de trabalharem em parceria, ainda que os coloque diante Vítor: Mas já dá para saber que é de xixi!
Estela: Mas a pessoa que vai ler não vai entender...
a ambos que conheçam o que o outro já sabe sobre a organização do texto Vítor: Quem disse que não vai entender? Dá para saber que é de xixi. E
em parágrafos; um conhecimento complexo e que tem sua construção fa- agora, é parágrafo?
vorecida pela possibilidade de trocar informações a respeito do tema, na Estela: Não, agora vem... encharcado de xixi, ponto. Então Tatiana...
tentativa de resolver demandas trazidas pela produção textual. Vítor: Encharcado...
Estela: Não, encharcado de xixi... Não dá para saber...
Vale destacar, porém, que toda esta discussão relacionada aos parágrafos é Vítor: Dá para saber...
realmente muito complexa, justamente porque o conteúdo com o qual estão Estela: Mas coloca, vai, Vítor...
lidando não deixa de ter um aspecto, em grande parte, subjetivo. O dicio- Vítor: Mas já dá para saber...
Estela: Então, pelo menos, em cima coloca dois pontos...
como “Pequena parte ou seção de um discurso, capítulo, texto, etc. que Vítor: Onde?
Estela: no “e não fez pouco”.
- Vítor: Tá bom... Mas não era ponto e vírgula?
tra deve ser iniciada? E como considerar estes dois aspectos em um texto Estela: Não.
literário, no qual as opções do escritor, muitas vezes, podem prevalecer a Vítor: Tem certeza? Então tá bom...
determinadas regras ou a usos mais comuns? Essa é, efetivamente, uma

troca entre Estela e Vítor mostra que não é nada simples e fácil de ser re- Diferentemente do trecho sobre o qual a dupla discutiu o uso dos parágra-
solvida, mas que vivenciá-la permite que ampliem o olhar de ambos para fos, utilizando explicitamente muitos dos conhecimentos que já possuem
a organização não só deste, mas de todos os textos em que deverão decidir -

dois pontos e vírgula, com o uso desta última não por meio de um acordo,
Outro conteúdo que, em muitas situações, não deixa de ter um caráter sub- mas pela imposição de Vítor, que, na composição deste trecho do texto,
jetivo e pessoal e que também aparece nas discussões de Estela e Vítor assumia o papel de escriba. Posteriormente, a conversa mostra que acabam
- optando pelo uso de dois pontos, não por conseguirem discutir abertamente
bos realizam durante sua produção textual, mostra-se esclarecedor retomar o que sabem sobre os sinais de pontuação que estão sendo confrontados,
alguns aspectos fundamentais apresentados por FERREIRO (1996, p. 151) mas por um acordo com relação a outra mudança que também envolveu
em uma de suas pesquisas: -
sejava no texto, isso foi utilizado por Estela para solicitar o uso dos dois
A pontuação é fundamentalmente um conjunto
pontos, que ela avaliava como mais adequados ao trecho do texto que esta-
de instruções para o leitor. Assim se constituiu
na história e assim segue funcionando. Há uma
e outro para explicar as razões que os levavam a querer optar por determi-
nos papéis de produtor e receptor, de escriba de uma nado sinal de pontuação, o fato de Estela depois retomar a questão do sinal
história conhecida e de leitor dessa mesma história. anteriormente sugerido mostra que, mesmo sem ter conseguido explicá-lo,
Essa separação de funções supõe uma capacidade para ela era realmente fundamental que fossem usados dois pontos, e não a

26
vírgula imposta por Vítor. parceria propiciou a saída de posições pré-estabelecidas quanto ao que já
sabiam sobre os diferentes conteúdos necessários para reescrever um texto.
Uma vez que os trechos analisados anteriormente mostraram que esta du- Para resolver os impasses, tiveram que reorganizar seus saberes, buscando
pla já possui muitos conhecimentos sobre diferentes conteúdos necessários a melhor maneira de explicitá-los.
para a produção de um texto, e ainda que o uso reiterado e constante de
muitos sinais de pontuação ao longo da produção mostre que ambos re- A crença na importância da interação para a formação escritora dos alunos
conhecem e utilizam os mesmos, o trecho acima, no qual a discussão não exigiu que a situação não se apresentasse como uma proposta facilmen-
mostra uma troca de ideias que explicitem conhecimentos formais sobre o te realizável pelos que a protagonizariam. Consequentemente, em alguns

como utilizar corretamente os sinais de pontuação. conseguir aceitar o olhar diferenciado do outro, especialmente no caso de
Vítor, que sempre se colocou de forma menos aberta às sugestões de sua
No entanto, é bastante interessante ver que, ainda que não consigam elabo- colega, que diferiam do que ele acreditava ser melhor para o texto.
rar uma explicação mais aprofundada quanto ao tema, a pontuação é efeti-
vamente um saber que esses alunos já mobilizam quando escrevem, sendo Ao longo do trabalho, foi frequente a atitude negativa de Vítor diante de
algo que os preocupa constantemente, não só pelo uso frequente ao longo opiniões de Estela contrárias às suas. Porém, como ela, em pouquíssimas
do texto, mas também na abordagem do conteúdo, no momento da revisão ocasiões, aceitou diretamente o olhar diferente do colega apenas porque
do que escreveram. Ainda que na revisão eles pudessem centrar-se apenas ele considerava sua decisão melhor do que a de sua parceira, isso o colo-
na questão da ordem dos fatos e na organização geral das ideias do texto,
aspectos que costumeiramente preocupam mais os alunos do 3º ano, Estela o que sabia sobre o tema, envolver-se com o trabalho de outra maneira.
e Vítor mostram que, efetivamente, a preocupação pelo uso de pontuação já
aprofundadas que sustentassem sua opinião, por um lado mostrava grande
extremamente complexo. comprometimento com o trabalho e, por outro, fazia seu companheiro ter
-
Estela: Uma hora depois, o caçulinha fez xixi no berço. No berço... Aí po- quadamente solucionado.
dia pôr um ponto e vírgula, né?
Vítor: Pode ser. Ainda assim, os diálogos que ambos mantiveram durante a produção do
Estela: Ou dois pontos? texto mostram que, de fato, em muitos momentos as ideias de Vítor, quan-
Vítor: Mas não tem nenhuma fala... do confrontadas com as de Estela, acabaram prevalecendo na escrita do
Estela: É, mas só que... texto e que, se, por um lado, esta atitude mostra ainda a necessidade de
Vítor: Melhor um ponto e vírgula... -
Estela: Acho melhor não... mentos variados ao longo da situação, recordasse sua aceitação e, assim,
Vítor: Acho melhor não colocar nada...
Estela: A gente podia fazer dois pontinhos porque, em geral, quando tem Ainda que Estela, em muitos momentos, tenha deixado de lado suas opini-
isso ó, faz dois pontinhos, que quer dizer que não fez pouco...
Vítor: Tá bom, vai... do trabalho, ela foi construindo estratégias próprias para lidar com esta
-
gociar” suas sugestões, retomando pontos anteriores, em que a ideia do
colega prevaleceu, para que ele, pouco a pouco, pudesse ir compreendendo
dois pontos que mostram uma tentativa de sistematizar alguns saberes so- e percebendo a importância de aceitar também as sugestões dadas por ela.

no discurso direto, e depois na utilização para anunciar algo, o que é dito Um exemplo disso aconteceu logo após o longo diálogo exposto anterior-
mente, sobre o uso de parágrafos. Após a opinião de Vítor prevalecer, este
desta situação é o fato de que, na discussão anterior envolvendo o uso de se mostrou mais tranquilo e aberto a escutá-la nas decisões posteriores,
“dois pontos”, nenhum dos dois tenha apresentado estas ideias, mostrando inclusive acatando boa parte das sugestões da parceira.
que as idas e voltas ao mesmo conteúdo, algo que a situação de produção
textual possibilita, permite que revisitem conteúdos e possam construir Do ponto de vista da área de conhecimento com o qual lidamos, relacio-
novos observáveis sobre o mesmo. Fica claro que o tema da pontuação
que ambos fossem capazes de guiar suas decisões não por quem as sugeriu
frequência e que esta ação, dos dois, em busca de explicações e formas de e por um equilíbrio entre quantas ideias cada um aceitou do outro, mas sim
compreender qual sinal é mais adequado para cada situação, é fundamen- pela análise estritamente voltada às questões textuais. Trata-se, porém, de
tal para que possam, progressivamente, construir novos saberes sobre esse uma situação vivida por crianças de oito anos, que estão ainda construindo
conteúdo. suas estratégias para saber interagir e produzir em parceria, e o fato de
encontrarem formas que lhes permitissem prosseguir com o trabalho e al-
O potencial da interação nesta ternar as diferentes sugestões mostra que estão avançando favoravelmente
no sentido mais potente para sua formação pessoal.
parceria Dois trechos ainda não apresentados complementam a análise sobre o com-
prometimento de Estela na parceria e como isso fez com que Vítor tivesse,
As situações de interação vivenciadas entre pares dentro da sala de aula são necessariamente, que colaborar com o trabalho.
fundamentais para o processo de desenvolvimento dos sujeitos, tanto por
permitir que acionem conhecimentos e troquem suas impressões pessoais Trecho 1:
sobre conteúdos diversos, quanto para, a partir desta situação, poderem

aprendizagem. Estela: Ah, Vítor, não é só isso, né? Nem vai falar que ela deu um pulo
para trás com o pequeno no colo e o maior atrás? Depois voltaram para a
potencialidade da troca entre iguais na formação de usuários das práticas de cama... Entregou os...
linguagem. Ao longo dos diferentes dias de trabalho, foi possível constatar Vítor: (interrompendo) pontos?
pelos diálogos construídos entre as crianças, que o fato de trabalharem em Estela: é, entregou os pontos e começou a chorar, assustando os dois, que

27
ainda abriram o bué... 5. COLL, C., PALACIOS, J. e MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico
Vítor: Mas não precisava colocar... (sinais de cansaço) e educação – Psicologia da Educação escolar. Porto Alegre: Artes
Estela: Mas essa parte é importante... Médicas, 1996.
Vítor: Eu sei que é importante... É, tá bom, vamos colocar...
Estela: Precisa colocar os detalhes, de que pulou para trás... Tem que co- 6. COLL, C., PALACIOS, J. e MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico
locar tudo... e educação – Psicologia da Educação escolar. Porto Alegre: Artemed,
2004.
Trecho 2:
7. COLL, C. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Porto
Estela: Então, com o menor no colo... Então, com o menor no colo e o Alegre: Artmed, 1994,
maior atrás... Então, com o pequeno no colo não era melhor?
8. COLOMER, T., TEBEROSKY, A., Aprender a ler e a escrever. Uma
Vítor: Por mim pode ser... (voz desanimada)
proposta construtivista. Porto Alegre: Artmed, 2003.
Estela: (nervosa) Vítor! Como você acha melhor?
Vítor: É... Acho melhor com o pequeno, porque senão a gente vai repetir... 9. FERREIRO, Emilia. Passado e presente dos verbos ler e escrever (Col.
Estela: Então com o pequeno no colo e o maior atrás... Peraí... O pequeno Questões da nossa época). São Paulo: Cortez, 2002.

Vítor: Não, “e o outro atrás”. Pode ser “e o outro atrás”... 10. FINOCCHIO, Ana María. Conquistar la escritura. Saberes y prácticas
escolares. Buenos Aires: Paidós, 2009.

11. VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins


Vítor retome sua postura com relação ao trabalho. É neste momento de Fontes, 1984.

12. VYGOTSKY, L.S. A Construção do Pensamento e da Linguagem. São


tendem a mostrar um menor envolvimento com a tarefa, que podemos ob-
Paulo: Martins Fontes, 2000.
servar o quanto o fato de trabalharem em dupla é importante e potente para
que a qualidade da produção não diminua. Estela também poderia apenas 13. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins
contentar-se com o fato do colega aceitar sua sugestão, mas, ao invés disso, Fontes, 2003.

de que os detalhes da história sejam contemplados na proposta realizada. 14. BRANDÃO, Ignácio Loyola, et al. Quem conta um conto – volume 6,
São Paulo: Atual Editora, 1990.
No segundo diálogo, Estela contava com uma situação em que, aparente-
mente, a questão poderia ter sido resolvida ainda mais facilmente, já que 15. CEEV, 30 olhares para o futuro. São Paulo: Escola da Vila, 2010.
o cansaço de seu companheiro faz com que ele nem sequer quisesse argu-
16. TEBEROSKY, Ana. Aprendendo a escrever – Perspectivas psicológicas
e implicações educacionais. São Paulo: Ática, 1997, cap. IV.
diz aceitar o argumento dela. Contrária a essa atitude, a menina repreende
o colega, mostrando que não só valoriza sua participação na escrita, como 17. TEBEROSKY, Ana. ”Compor textos” In: TEBEROSKY e TOLCHINSKY,
também não aceita que ele mostre pouco caso com o trabalho que estão Liliana (orgs). Além da alfabetização. São Paulo: Ática, 1996.
realizando. O fato de esta mensagem e esta valorização da parceria virem
por meio da atitude de uma companheira da classe, e não apenas pelos ar- 18. BELINKY, Tatiana. Onde já se viu? São Paulo: Ática, 2005.
gumentos de um docente, é uma vivência fundamental para que os alunos
- 19. BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos
vas de trabalhar dentro da escola. – por um interacionismo sociodiscursivo. São Paulo: EDUC, 1999.

20. MOISÉS, Massaud. A criação literária – Prosa II. São Paulo: Cultrix,
1 “Somos conscientes de que alfabetizar-se é resolver problemas práticos ajudados pela escrita ou por intermédio da 1967.
escrita, é acrescentar a compreensão do mundo, é usar o poder da linguagem para convencer ou dissuadir, é desfrutar
de uma realidade que escrita é mais bela que realizada, é brincar de dizer de maneiras estranhas, é antecipar mundos
utópicos com palavras...” (Tradução livre: Miruna Kayano Genoino).
21. SCHNEUWLY, Bernard, DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na
2 “Além das letras, quem escreve coloca em ação conhecimentos sobre a linguagem escrita (...) o conhecimento de
escola. São Paulo: Mercado de Letras, 2004.
uma linguagem mais formal, ao mesmo tempo que diferente segundo as variedades discursivas, ou seja, uma lingua-
gem que, por seu uso social, é esperado encontrar de maneira escrita e que, por certas características linguísticas,
denota uma diferenciação textual.” (Tradução livre: Miruna Kayano Genoino).

1. BENNET, William J. O livro das virtudes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,


1995.

2. BUENOS AIRES, Ciudad de Buenos Aires, Documento curricular,


primeiro e segundo ciclo, 1995. (www.buenosaires.gov.ar/areas/
educacion/curricula acesso em 13 de julho de 2010).

3. CASTEDO, M. MOLINARI, M.C., WOLMAN, S. Letras y números.


Alternativas didáctivas para Jardín de Infantes y Primer Ciclo de la EGB.
Buenos Aires: Editora Santillana, 2000.

4. CASTORINA, J.A., FERREIRO, E., LERNER, D. e OLIVEIRA, M., Piaget –


Vygotsky: Novas contribuições para o debate. São Paulo: Editora Ática,
2006.

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