A BARATA
Veio o maître, chamado pelo garçom, e perguntou:
– Algum problema, cavalheiro?
– Problema, não. Barata.
– Pois não?
– Olhe.
O maître olhou e viu a barata no meio da salada.
– Sim…
– “Sim” diz você. Eu digo não. Pedi uma salada niçoise que, até onde eu sei,
não leva barata.
– Por favor, fique calmo.
– Eu estou calmo.
– Vamos trocar por outra salada.
– Eu não quero outra salada. Quero uma satisfação.
– Foi um acidente.
– “Acidente” diz você. Eu digo: não sei não. Acidente seria se uma barata
perdida, separada da sua turma, entrasse na cozinha por engano e pousasse
na minha salada. Mas não foi isso que aconteceu. Para começar, esta barata
está morta. Não duvido que o tempero da salada esteja de matar, duvido que
tenha sido o causador da morte da barata. Obviamente, a barata já estava
morta antes de cair na salada. Não há sinais de violência em seu corpo, logo
ela deve ter sido vítima de agentes químicos, usados numa matança
generalizada de baratas e outros bichos dentro da sua cozinha. É impossível
precisar quando isso se deu. Só uma autópsia da barata revelaria a hora exata
da morte. A dedetização da cozinha pode estar ainda afetando os alimentos,
não só adornando-os com insetos mortos como temperando-os com veneno
invisível. Se isso for verdade, quero uma satisfação.Sou um cidadão. Conheço
meus direitos. Isto é uma democracia.
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– Vou chamar o gerente.
Veio o gerente, chamado pelo maître, e disse que sim, a cozinha tinha sido
dedetizada, mas um mês antes. Fora fechada para a operação. Não havia
perigo de intoxicação dos alimentos, nem indício de que a barata na salada
fosse resultado de uma dedetização recente.
– Então – sugeriu o cliente – ela demorou a morrer. Cambaleou, agonizante,
pela cozinha durante um mês, até enxergar minha slada niçoise e escolher esta
alface como sua mortalha. Eu vou botar a boca no mundo! Onde é que
estamos?!
O gerente telefonou para o dono do restaurante que dali a pouco entrou pela
porta pedindo desculpas e consideração. A dedetização da cozinha fora
ordenada pela Secretaria Municipal de Saúde. Para confirmar isto, o dono do
restaurante tinha trazido o secretário municipal da Saúde, que disse ter agido
seguindo diretrizes do Ministério da Saúde. O ministro da Saúde foi convocado
e, na chegada ao restaurante, se responsabilizou por tudo. Menos pela barata.
A barata na salada não podia, cronologicamente, ser uma decorrência da
dedetização. A não ser que alguém da cozinha a tivesse guardado, conservado
no gelo e esperado a ocasião para…
O cliente interrompeu a especulação do ministro com um tapa na mesa e
perguntou quem era o seu superior. O ministro suspirou e tirou seu telefone
celular do bolso para convocar o presidente da República, que chegou em
menos de meia hora, vestido a rigor. Deixara uma recepção no palácio para
atender ao chamado.
– Que foi? – perguntou o presidente.
– Olhe.
O presidente olhou e viu a barata. Disse:
– E daí?
– A responsabilidade é sua.
O presidente concordou com a cabeça. Perguntou o que o outro queria.
– Uma satisfação.
O presidente pediu desculpas. O homem não aceitou. O presidente ofereceu
uma indenização. O homem não quis. Chamaram o ministro do Exército.
O general chegou e perguntou, como maître:
– Algum problema, cavalheiro?
O homem apontou para a salada. O general olhou, disse “Oba, uma azeitona!”,
pegou a barata e a engoliu. Depois, o homem foi preso e processado por fazer
acusações falsas ao restaurante. Era uma democracia até certo ponto.
(VERISSIMO, Luis Fernandi. Novas comédias da vida
primada. Porto Alegre: L&PM, 1996)
Perguntas:
Conte o que entendeu do texto
Qual inseto aparece no texto?
A barata
Onde estava a barata?
Salada
Qual era o estado da barata?
Morta
Quem são as pessoas que aparecem no texto?
Maitre, garçom, gerente, presidente, cliente, general, ministro
O que aconteceu com a barata no final?
O general olhou e disse “oba uma azeitona!”. Pegou a barata e engoliu.