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Os desafios da gestão patrimonial na Administração
Pública Federal
THIAGO RAMOS DE SOUZA
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1. INTRODUÇÃO
A gestão patrimonial na administração pública tem o objetivo de racionalizar os
custos relativos ao uso de materiais e ao emprego de técnicas modernas para a
operacionalização e o emprego nas diferentes atividades necessárias à manutenção e o
eficiente funcionamento das estruturas organizacionais. A Gestão Patrimonial, regida pela IN
SEDAP/PR Nº 205, de 08 de abril de 1988, compreende o planejamento, monitoramento e o
controle de bens permanentes, aqueles que tem uma durabilidade superior a dois anos,
considerando aspectos de durabilidade, fragilidade, perecibilidade, incorporabilidade e
transformabilidade, nos termos da legislação em vigor.
Torna-se relevante a análise dos desafios gerenciais inerentes ao escopo dessa
atividade, tendo em vista que o gestor desenvolve ações complexas e que superam os limites
do processo inerentes ao ciclo de vida dos bens. Dentre as principais atividades pertinentes,
destacam-se o planejamento, o controle, e a eficiência de custos. Ao analisar a importância
da gestão patrimonial, surge a seguinte pergunta de pesquisa: Como uma gestão patrimonial
moderna pode enriquecer todo o ciclo de vida dos bens públicos, trazendo mais qualidade na
gestão e economia aos cofres públicos?
Este trabalho tem o objetivo identificar os principais desafios enfrentados por
parte dos responsáveis pela gestão patrimonial na Administração Pública Federal e propor
soluções inovadoras, com foco no controle efetivo, na centralização, na simplificação, na
desburocratização e na qualidade.
É necessário instituir procedimentos mais eficientes nas fases de gestão destes
bens, com a finalidade de diminuir falhas e melhorar o desenvolvimento, visto que as
aquisições de bens acarretam gastos à administração pública e na hipótese de não acontecer
uma boa gestão desses bens ocorrerá a necessidade, por exemplo, de novas compras,
culminando no mau uso de recursos público.
No ano de 2016, a Secretaria de Controle Interno da Presidência da República
(CISET) e o Tribunal de Contas da União – TCU realizaram Auditorias sobre a Gestão
Patrimonial de Bens Móveis da Presidência da República, que culminaram em diversos
achados tais como: grande quantidade de bens não localizados ou extraviados; obras de arte
expostas a riscos diversos; imperfeições em processos de alienação; bens sem registro ou sem
identificação patrimonial; inobservância às normas de segurança patrimonial e laboral;
exposição de bens a riscos de extravio e danos; bens não depreciados e com falhas na
conformidade contábil; entre outros. As auditorias resultaram em dezenas de sugestões,
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recomendações e determinações a serem realizadas para a o aperfeiçoamento da gestão de
bens móveis no âmbito da Presidência da República - PR.
O caso concreto da PR, órgão que deveria servir de exemplo de boas práticas para
os demais, demonstra a necessidade de aprofundamento nas discussões relacionadas ao
tema, contribuindo, assim, para o aperfeiçoamento da gestão patrimonial na Administração
Pública Federal.
Esta seção apresenta os elementos introdutórios da pesquisa, abrangendo a
contextualização do tema e a justificativa que fundamenta o objetivo do estudo. A seção 2
trata do referencial teórico, relatando a classificação contábil dos materiais permanentes, a
responsabilidade e a responsabilização, o inventário físico, o desaparecimento ou extravio de
bens públicos, a alienação ou desfazimento de bens inservíveis, e os estudos correlatados. A
seção 3 ilustra a metodologia da pesquisa e seu percurso metodológico, passando pelas
fontes de evidência utilizadas (análise bibliográfica, aplicação de questionário e análise
documental), para a o desenvolvimento desta pesquisa, onde foi utilizada a metodologia
qualitativa e descritiva. Já a seção 4 apresenta os resultados do estudo, diante do cruzamento
dos dados colhidos por meio do referencial teórico e do questionário aplicado. A seção 5
apresenta a discussão onde são apresentadas as soluções propostas. Finalmente, na seção 6
são relatadas a conclusão da pesquisa, contemplando sua utilidade, e as considerações finais
do autor.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Patrimônio Público compreende o conjunto de bens pertencentes aos entes
públicos. Fenili (2015) conceitua bens permanentes como aqueles materiais que possuem
duração maior que dois anos, considerando os aspectos de durabilidade, fragilidade,
perecibilidade, incorporabilidade e transformabilidade.
A Portaria MF/STN Nº 448, de 13 de setembro de 2002, define material
permanente como aqueles que não perdem suas características físicas em consequência da
sua utilização constante, permanecendo em uso por um período superior a dois anos.
Gestão patrimonial compreende o gerenciamento dos bens patrimoniais, desde a
aquisição de bens, até a sua retirada do acervo. Trata-se de uma atividade que merece
atenção em virtude do necessário controle e registro dos seus bens. A gestão patrimonial
possui procedimentos administrativos relacionados a aquisição, recebimento, guarda,
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distribuição, movimentação e acompanhamento do uso, devendo permanecer sob
monitoramento e controle até o fim de sua vida útil ou econômica (FERNANDES, 2018).
Thiago Frederic Albert Fijor (2014) aborda alguns procedimentos para a realização
da gestão patrimonial, sendo eles: incorporação; responsabilização; distribuição;
gerenciamento (movimentação, recolhimento e redistribuição); inventários; e baixa
patrimonial.
2.1 Classificação contábil de materiais permanentes
A definição de recurso patrimonial engloba, entre outros, os bens permanentes
necessários à manutenção das atividades da organização (FENILI, 2015). De acordo com a Lei
nº 4.320/1964, quanto à classificação das despesas, considera-se material permanente
aquele de duração superior a dois anos. A Portaria MF/STN Nº 448/2002, detalha os conceitos
de material permanente e de consumo definidos pelo MCASP, incluindo parâmetros
excludentes na definição de materiais permanentes e classificando como material de
consumo aquele que se enquadra em um ou mais itens, são eles: durabilidade, fragilidade,
perecibilidade, incorporabilidade e transformabilidade.
Quadro 1 – Parâmetros excludentes para a identificação do material permanente.
Parâmetro Definição
Durabilidade Se o material, em uso normal, perde ou tem reduzidas as suas condições de
funcionamento, no prazo máximo de dois anos.
Fragilidade Se a estrutura do bem for quebradiça, deformável ou danificável, caracterizando
sua irrecuperabilidade e perda de sua identidade ou funcionalidade.
Perecibilidade Se o bem está sujeito a modificações (químicas ou físicas) ou se deteriora ou
perde sua característica pelo uso normal.
Incorporabilidade Se o material for adquirido para incorporação a outro bem, e não pode ser
retirado sem prejuízo das características do principal.
Transformabilidade Quando o bem for adquirido para fins de transformação.
Despesas de Deve ser utilizada a conta cuja função seja a mais adequada ao bem ou serviço,
pequeno vulto para incorporação de um bem permanente, ou opção por classificá-lo como
material de consumo.
Fonte: Elaboração própria adaptado da Portaria MF/STN Nº 448/2002.
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2.2 Responsabilidade e Responsabilização
Segundo a IN 205/88, todo servidor público pode ser responsabilizado pelo dano
ou desaparecimento de material permanente a que lhe foi confiada a guarda ou uso, cabendo
ao Departamento de Administração do órgão (ou unidade equivalente) decidir, após devido
processo de apuração de responsabilidade (BRASIL, 1988).
Acerca da responsabilidade por materiais permanentes, José Roberto dos Santos
Barbosa (2015, p. 65) alerta:
Toda pessoa que tiver conhecimento de fatos ou indícios de roubo, furto, extravio,
danos ou uso indevido, por qualquer forma, de bens patrimoniais da Instituição tem
o dever de comunicar tal ocorrência (...), sob pena de ser responsabilizado por
negligência, omissão ou conivência, sujeitando-se às penalidades cabíveis na
legislação em vigor...
2.3 Inventário
A Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, em seu o art. 96 determina que “o
levantamento geral dos bens móveis e imóveis terá por base o inventário analítico de cada
unidade administrativa e os elementos da escrituração sintética na contabilidade” (BRASIL,
1964).
A IN SEDAP/PR Nº 205/1988 define inventário como “o instrumento de controle
para a verificação dos saldos de estoques nos almoxarifados e depósitos, e dos equipamentos
e materiais permanentes, em uso no órgão ou entidade”, e recomenda a centralização das
aquisições de materiais de uso comum, objetivando maior economicidade e racionalização
dos recursos.
Para Matias (2015), o inventário tem o objetivo de possibilitar a fiscalização dos
bens, pois é o ato em que se realiza o arrolamento e a descrição de toda a carga patrimonial
da instituição, além de ser uma obrigação legal, é, também, um mecanismo de gestão.
Inventário físico é o principal instrumento de controle, para averiguação e
saneamento que quaisquer irregularidades que possam vir a ser identificadas no acervo
patrimonial, possibilitando maior confiabilidade nos registros e para a tomada de decisão dos
gestores públicos.
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2.4 Desaparecimento ou extravio de bens
Considerando o uso racional dos recursos públicos, com base nos princípios da
eficiência e do interesse público, além da necessidade de simplificar os procedimentos
administrativos, com redução de controles desproporcionais aos resultados almejados, surgiu
a Instrução Normativa CGU Nº 04, de 17 de fevereiro de 2009, possibilitando a apuração de
responsabilidade, "Em caso de extravio ou dano a bem público, que implicar em prejuízo de
pequeno valor", por meio de um procedimento simplificado denominado Termo
Circunstanciado Administrativo (TCA).
Ocorre que, em dezembro de 2019, a Controladoria Geral da União publicou a
Instrução Normativa nº 17, de 20 de dezembro de 2019, disciplinando o Termo de
Ajustamento de Conduta para os casos de infração de menor potencial ofensivo, revogando
a IN CGU nº 4/2009, que permitia a utilização do TCA, para os fatos relacionados a extravio
ou dano a bens públicos que implicassem em prejuízo de pequeno valor.
Fato é que o "ajustamento de conduta" é um ato que não se enquadra
devidamente para regularização de inconsistências patrimoniais, ou seja, a revogação da IN
CGU Nº 4/2009 trouxe uma lacuna que vai de encontro à racionalização dos procedimentos
administrativos, no caso da gestão patrimonial, que culminou em um imbróglio para os
gestores, quando da necessidade de inconsistências que, até então, poderias ser solucionadas
de maneira simplificada, por meio do TCA.
Quanto a conservação, a recuperação, a responsabilidade e a indenização, em
especial quando há extravio de material permanente, a IN SEDAP/PR Nº 205/88 estabelece
que:
DA CONSERVAÇÃO E RECUPERAÇÃO
9. É obrigação de todos a quem tenha sido confiado material para a guarda ou uso,
zelar pela sua boa conservação e diligenciar no sentido da recuperação daquele que
se avariar.
(...)
DA RESPONSABILIDADE E INDENIZAÇÃO
10. Todo servidor público poderá ser chamado à responsabilidade pelo
desaparecimento do material que lhe for confiado, para guarda ou uso, bem como
pelo dano que, dolosa ou culposamente, causar a qualquer material, esteja ou não
sob sua guarda.
10.1. É dever do servidor comunicar, imediatamente, a quem de direito, qualquer
irregularidade ocorrida com o material entregue aos seus cuidados.
10.2. O documento básico para ensejar exame do material e/ou averiguação de
causas da irregularidade havida com o mesmo, será a comunicação do responsável
pelo bem, de maneira circunstanciada, por escrito, sem prejuízo de participações
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verbais, que, informalmente, antecipam a ciência, pelo administrador, dos fatos
ocorridos.
A Resolução Nº 1.282/2010, do Conselho Federal de Contabilidade - CFC, que
dispõe sobre os princípios fundamentais da contabilidade, traz o princípio da Oportunidade,
em seu artigo 6º, conforme segue:
Art. 6º O Princípio da Oportunidade refere-se ao processo de mensuração e
apresentação dos componentes patrimoniais para produzir informações íntegras e
tempestivas.
Parágrafo único. A falta de integridade e tempestividade na produção e na
divulgação da informação contábil pode ocasionar a perda de sua relevância, por
isso é necessário ponderar a relação entre a oportunidade e a confiabilidade da
informação.
A tempestividade na apuração de responsabilidade em caso de extravio ou dano
é primordial para que não haja perdas patrimoniais, uma vez que, quanto maior o lapso
temporal entre a ocorrência do dano e a instauração da apuração das responsabilidades,
menor é a probabilidade de regularização.
2.5 Alienação ou desfazimento de bens inservíveis
O descarte de materiais inservíveis é uma das últimas etapas do ciclo de vida de
um bem patrimonial. Enquanto procedimentos relacionados a aquisição e incorporação
patrimonial possuem um fluxo bem definido e devidamente amparado por normas e
manuais, o desfazimento ainda é um processo que carece de amadurecimento e
uniformidade em seu fluxo nas instituições (SILVA; VERZELETTI, 2020).
A Administração precisa voltar esforços para o aperfeiçoamento dos
procedimentos relacionados a desfazimento de bens inservíveis, evitando, assim, acúmulo de
bens inservíveis em depósitos e possibilitando a redução dos custos com armazenagem de
bens que já não são utilizados (BARBOSA, 2015).
Para Chiavenato (2005), o tamanho do almoxarifado ou depósito representa
fisicamente o tamanho da incompetência da empresa. O desfazimento de bens é um assunto
recorrente, porém, devido ao rito processual complexo e à burocracia, existem poucos
profissionais capacitados com domínio na matéria. É profícuo padronizar e simplificar os
normativos, e desenvolver a conscientização geral para o aperfeiçoamento da gestão
patrimonial (ABREU; TRAUTMANN; MICHELON, 2021).
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2.5 Estudos correlatados
Fernandes (2018) buscou analisar as atividades relacionadas ao controle dos bens
móveis de caráter permanente pertencentes ao Instituto Federal do Sertão Pernambucano
(IF Sertão - PE), com o objetivo de identificar necessidades de melhoria nos procedimentos e
contribuir com a melhoria na gestão patrimonial. No estudo de caso foi constatado que não
há padronização nas rotinas relacionados às atividades de gestão patrimonial, além de
identificas as seguintes deficiências quanto ao controle patrimonial no IF Sertão-PE: o sistema
de patrimônio não é utilizado por todas as unidades; ausência de depreciação e reavaliação
dos valores dos bens; a maior parte do controle é frágil, realizada por planilhas em Excel; e
não existe histórico contendo as informações relevantes da vida útil dos bens adquiridos.
Concluindo, assim, pela ausência dos mecanismos mínimos para o controle dos bens móveis
pertencentes à instituição.
No estudo de MATIAS (2015), intitulado por "Gestão Patrimonial: Contribuição
para o Controle de Bens Móveis na Universidade Federal do Rio Grande do Norte" (UFRN), o
autor buscou contribuir para o aperfeiçoamento da gestão patrimonial na Universidade por
meio de uma análise voltada ao controle, transparência, responsabilização e eficiência, em
virtude das transformações tecnológicas recentes e da padronização das normas de
contabilidade aplicadas ao setor público. Seus resultados foram divididos nas fases
relacionadas ao ciclo de vida dos bens permanentes, e, para cada fase, foram identificados
possíveis problemas, conforme detalhado no quadro a seguir:
Quadro 2 – Problemas identificados por Matias (2015).
FASE PROBLEMA(S) IDENTIFICADO(S)
RECEBIMENTO - Falta de espaço físico;
- Falta de pessoal;
- Lentidão para emissão de parecer técnico;
- Recebimento de bens por unidades sem competência para tal.
REGISTRO E TOMBAMENTO - Falta de endereçamento dos bens novos;
- Falta de controle dos bens sem plaqueta de identificação patrimonial em
virtude de suas características físicas;
- Termo de Responsabilidade sem a devida assinatura.
MOVIMENTAÇÃO DE BENS - Divergência das informações contidas em sistema;
PERMANENTES - Transferência automática em casos específicos, sem a devida conferência
e assinatura do responsável;
- Movimentação de bens sem o conhecimento do setor de patrimônio;
- Saídas temporárias não registradas em sistema.
INVENTÁRIO - Falta de espaço físico;
- Pouco reaproveitamento dos bens em condição de uso, recolhidos ao
depósito;
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