0 notas 0% acharam este documento útil (0 voto) 131 visualizações 13 páginas Avaliação e Aprendizagem
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Salvar Avaliação e Aprendizagem para ler mais tarde AVALIACAO E
APRENDIZAGEM*
Marta Maria Pontin Darsie
Universidade Federal do Mato Grosso
Doutoranda do Programa de Pés-Graduagao — FEUSP
RESUMO
Discuttemos neste artigo a avallagéo da aprendizagem enquan:
to Impulsionadora do processo de constugdo do conhcimento
Propomas 0 exercicio metacognitive do aluno como estratégia
para a tomada de consciéncia oo que aprendeu de como
aprendeu, possiblitando ao mesmo @ ao professor 0 acompa:
‘nhamento, retroalimentardo e avaliacdo da aprendizagem. Como
Instrumento didatico, sorao utlizados dries para o registro da
feflexdo cistanciada do aluno. Analsaremos episddios de apren:
dizagem tiados de um dos diaries coletados em curso de for
ago de professores.
AVALIAGAO DA APRENDIZAGEM — FORMAGAO DE PRO-
FESSOR — METACOGNICAO — EDUCAGAO MATEMATICA,
ABSTRACT
EVALUATION AND LEARNING. In this article we discuss the
‘evaluation of leaming as the impulse for the process of
Construction of knowledge. We propose metacognitive exercises
for the students as strategy for conscienciousness of the what
land how of learning, making it possible for both student and
professor to accompany feedback and evaluation in learning. As
‘a didactec instrument, daly logs wil be used to registor rflections
‘more distant from the student. We wil analyze learing episodes
takon from one of the logs collected during a teacher training
* Vorsdo revisada e ampliada de trabalho oral apresentado na ANPEd/1995 — GT Formacio de Professores.
Cad. Pesq., Sao Paulo, n.99, p.47-59, nov. 1996
47Construir uma pratica de avaliaglo que supere 0 mo-
dolo de avaliagao classificatéria © autoritaria, conver-
tendo-a em instrumento de aprendizagem & 0 foco
central deste trabalho. Para tanto iniciaremos nossas
refiexdes sobre a intencionalidade da aco educativa
@ a avaliagdo enquanto ago a servigo desta inten-
cionalidade, cujo campo de atuagao 6 0 contexto da
aprendizagem significative. A avaliago como impul-
sionadora da aprendizagem signiicativa e instrumento
da aprendizagem deverd assumir novas caracterisi-
cas, mais condizentes com 0 modelo construtivista tao
amplamente difundido nas escolas. Pretendemos de-
fonder um tipo de avaliagao que leve 0 aluno a tomar
consciéncia do proprio processo de aprendizagem, na
medida em que esta tomada de consciéncia Ihe pos-
siblte avangar nesse processo. Assim, propomos
avaliagao uma nova face, a de ser um exercicio de
metacognigao ou meta-aprendizagem, transformando-
se em instrument de aprendizagem.
Sendo estas reflexdes sobre a avaliapao fruto da
nossa pratica de formadora de professores, elas nos
possibiltaram uma ressigniicagao da mesma © a
construgao de uma proposta, embora embrionéria, de
avaliagao nesse novo contexto, com novo significado,
EDUCAGAO: UMA ACAO INTENCIONAL
‘A educagao escolar é orientada por metas constitut-
das de intengdes que se fazem presentes em todo 0
processo de ensino-aprendizagem. Tais intengdes da
‘aco educativa tomam determinado sentido se consi-
derarmos a natureza social e a funcdo socializadora
da educagao escolar, que teré como razéo ultima pro-
mover © desenvolvimento humano. De acordo com 0
Projeto Curricular Investigacién y Renovacién Escolar
— IRES (Grupo..., 1991), “A escola intervém nao s6
na transmissao do saber cientifico organizado, mas
também influi decisivamente nos miltiplos aspectos
que compdem 0 processo de socializagao’.
Promover 0 desenvolvimento humano significa in-
tervir neste desenvolvimento, dando-Ihe um determi-
nado sentido. Assim surge o cardter intencional da
agao educativa no mbito escolar como nos sugere
Coll (1990): “as situagdes escolares de ensino/apren-
dizagem supdem sempre um propésito’. E é 0 propo-
sito da educagao escolar provocar mouificagdes. no
sujeito, influindo no seu pensar e agit por meio da
aprendizagem, ou ainda, como sugere Coll, “a edu-
cago escolar é um fendmeno essenciaimente social
e socializador, cuja finalidade ultima & promover 0 de-
senvolvimento das pessoas’.
Essa intencionalidade se reflete em todos os as-
pectos do Ambito escolar e se faz fortemente presente
na concepeao, elaboragao, execugao e avaliagéo do
curticulo escolar. Tomamos de IRES (1991) a concep-
G40 de curriculo como “um conjunto de hipéteses de
trabalho e propostas de acao didatica a experimentar,
investigar e desenvolver na pratica educativa’. Assim
objetivos, contetidos, procedimentos e avaliagao da
aprendizagem contemplados no curriculo fazem parte
48
do proceso que visa promover 0 desenvolvimento
das pessoas, portanto sao veiculos da intencionalida-
de da educacao, ou, como afirma IRES
08 objetivos © os contevidos devem considerar-se
como parte do proceso de socializagao, no qual
© jndividuo em formagao tem de recriar e reela-
borar, de maneira refiexiva, funcional, criativa
critica, a experiéncia coletiva culturalmente orga-
nizada. (1991. p.5)
Incluimos, nesse proceso, os procedimentos ci-
daticos adotados pelo professor e a avaliago que de-
vera em nossa proposta assumir papel fundamental
na aprendizagem. Dessa maneira, compreendemos
que as inovagées no curriculo devam contemplar to-
dos os aspectos do processo ensino-aprendizagem,
pois, como assinala Linn (apud Carvalho e Gil-Perez,
1993), ‘as inovagées no curticulo ndo se podem dar
por consolidadas se néo se refletem em transforma:
60s similares na avallagao". Desse modo, os objet
vos, contetidos, atividades © a avaliagao que fazem
parte do curriculo formal refletem a intencionalidade
da ago educativa, assim como 0 curriculo ocuito, ou
seja, as intengdes ¢ ages ndo explicitadas © que fa-
zem parte do cotidiano escolar.
A escola, como instituigéo social, deve assumir a
intencionalidade de sua ago educativa. Uma institui-
‘g€0 que, concordando com IRES (1991), tem sua ra-
70 de ser especitica, ou seja, “dotar os individuos
dde um corpo comum de categorias de pensamento
‘que faciitem sua comunicagao interpessoal © sua
tegragao em uma cultura conereta’ e, segundo Gadott
(apud Hoffmann, 1991. p.29), tomar 05 sujeitos capa
2208 de “problematizarem 0 mundo em que vive para
superar as contradigdes, comprometendo-se com esse
mundo para recrié-lo constantemento”
Avaliagdo: atividade inerente @ ago
Avaliar & uma atividade intrinseca e indissocidvel a
qualquer tipo de ago que vise provocar mudancas.
Nesse sentido a avaliagdo 6 uma atividade constituin-
te da aco educativa, quer nos refiramos @ avaliagao
do projeto educativo, avaliagao do ensino ou a ava-
liagao de aprendizagem.
Por ser reflexao da ago, aqui da ago educativa,
podemos inferir que a avaliagao toma-se a possibil
dade de superacao da prépria agao e que, se per-
manente, provocaré mudangas na a¢ao educativa,
rumo & efetivago de sua intencionalidade.
Se a aco educativa visa promover modificages
nos sujeitos nela e por ela envolvidos, interferindo na
aprendizagem destes, @ se a agao de aprender se tor-
na capaz de provocar tais modificagdes, em outras
palavras, se é na aprendizagem que se efetiva e ob-
jetiva a intencionalidade da acao educativa, entéo a
avaliagao da ago de aprender deve refletir tal inten-
clonalidade. Assim, a avaliagdo passa a ser um ins-
trumento da intencionalidade educativa, nao um mero
momento da constatagao desta,
Avaliagao e.Como mencionamos anteriormente, os objetivos @
contetidos da aprendizagem so partes integrantes do
processo de sociaizagao, pois é por meio deles que
© individuo ria, recria, constréi, reconstréi o saber
‘acumulado. A aprendizagem deve possibiltar ao ind!
viduo sua insergao num contexto social conereto,
deve contribuir para o desenvolvimento humano, de
maneira teflexiva, critica, criativa. Nesse contexto co
locamos, também, o papel da avaliagao da aprendi-
zagem como o elo integrador, mediador entre objeti
vos e contetides @ sua intencionalidade no processo
de socializagao. A avaliagéo da aprendizagem dover,
entéo, assumir uma nova caracteristica, a de ser uma
apo presente em todo 0 processo. A avaliagdo da
aprendizagem nao & mais entendida como um mo-
mento deste proceso, mas antes, como um instru-
mento que se fara permanente ao'longo do mesmo,
mais ainda, a avaliagao da aprendizagom torna-se um
instrumento a servico da intencionalidade educativa,
ou um instrumento da aprendizagem, pois é nela, na
aprendizagem, que se efetiva ou ndo a intencionali-
dade
Podemos, ento, compreender a avaliago como
uma aco intencional do projeto educativo. Uma ava-
liago como instrumento de impulso da aprendizagem,
fenquanto reflexdo sobre a mesma, tornando-se ela
propria uma apao. Nesse sentido a avaliacéo 6 a re-
flexéo transformada em ago, e como toda ago pos-
sui intencionalidade e, ainda, como avaliar é uma ati-
Vidade inerente & ago, cabe-nos concluir que 0 pro-
cesso de avaliagéo como instrumento de aprendiza-
gem gera ago e, por conseguinte, teré consubstan-
ciado om si a necessidade de ser avaliado. Ou seia,
a agao de avaliar carece de avalia¢do para que a
mesma possa renovar-se constantemente diante das
novas situagdes de aprendizagem.
Contudo nao @ qualquer intencionalidade que nos
interessa, levando-nos sempre a fazer opgo por um
tipo de formagao, conseqientemente por um tipo de-
terminado de sujeito. Quando a opgao 6 a de formar-
mos sujeitos criticos, criativos, auténomos, capazes
de pensarem e agirem por si sés, de transformarem-
se, transtormando suas relagoes interpessoais e so-
ciais, construindo-se como individuos e seres sociais,
ha que se refletir sobre o tipo de agao educativa que
Pode contribuir para sua formacao, ou o tipo de
aprendizagem que oles deverdo empreender para
construirem-se como tal
AVALIACAO NO CONTEXTO DA APRENDIZAGEM
SIGNIFIGATIVA
nossa inlengo cstinguir a aprencizagem em suas
dimensées recep¢do-epetii e significaiva. A apren-
dizagom repetiiva & aquela que, tendo o professor se-
lecionado e organizado os conteudos pata a aprendi-
zagem dos alunos, constiui-se num mero armazena-
mento na meméria pela repetiggo de. seus produtos
finais. © modelo de ensino é fechado, acabado © I
resco, no qual 2 nogao de conhecimento, © conse-
Cad. Pesq., 1.99, nov. 1996
quentemente de aprendizagem, consiste do actimulo
de fatos isolados e a énfase 6 dada a respostas “cer-
tas’, que devem ser uma repeticao perfeita e integral
do que foi transmitido, existindo uma Unica resposta
certa (ou forma de chegar a ela) para cada questao,
problema ou situacdo.
Numa concepgo empirista de aprendizagem, 0
aluno € considerado uma folha em branco sobre a
qual se imprime 0 conhecimento. Citando Madruga,
A aprendizagem repetitiva se produz quando os
contetidos das tarefas s4o arbitrdrios (pares as-
sociados, mimeros, etc.), quando 0 aluno carece
dos conhecimentos necessérios para que os con-
teddos resultem significativos, ou se adota uma
atitude de assimilé-los ao pé da letra e de modo
arbitrério. (1990. p.83)
Esse tipo de aprencizagem memoristica e repeti-
tiva podemos atribuir ao ensino tradicional. Nessa
perspectiva de aprendizagem, a avaliagéo assume 0
papel de controle, visando adequar 0 planojado € 0
Aprondido. também a avaliagdo em sua concepeao
do “julgamento de resultados finais e irrevogaveis", ou
ainda uma avaliagio meramente classificatéria © au:
toritéria que visa medir 0 “sucesso” do aluno na es-
cola. Medir @ controlar 0 processo de ensino © de
aprendizagem, eis, pois, a fungao da avaliago nesse
contexto.
Contrapondo-se a aprendizagem repetiiva, surge
0 conceito de aprendizagem significativa. Assim a de-
fine Madruga
Aprendizagem significativa se dlstingue por duas
caracteristicas, a primeira 6 que seu contetido
pode relacionar-se de um modo substantivo, no
arbitrério, ao pé da letra, com os conhecimentos
prévios do aluno, ¢ em segundo é que este hd
de adotar uma atitude favordvel para tal tareta,
dotando de significado préprio os contetidos que
assimila. (1990. p.83)
Dessa maneira podemos compreender a impor-
tancia dos conhecimentos trazidos pelos alunos & es-
cola e dos conhecimentos ja construidos antes de par-
tir para a construgao do novo, bem como entender a
importancia da motivagéo para aprender. Para Coll
(1990;1994), "Aprender um conteddo implica atribuir-
|he um significado, construir uma representagéo ou
um ‘modelo mental’ do mesmo". Podemos chamar
esta construgao dos significados a aprender de “ati-
vidade mental do aluno”. Coll acrescenta:
A construgao do conhecimento na escola supde
assim um verdadeiro proceso de “elaboragao’
(Shuell, 1988) no sentido de que o aluno selecio-
na @ organiza as informagaes que Ihe chegam por
diferentes canais, 0 professor entre outros, esta-
belecendo relag6es entre elas. Nesta selecdo e
corganizagao da informagao @ no estabelecimento
de relagdes ha um elemento que ocupa um lugar
privilegiado: o conhecimento prévio pertinente que
49possui 0 aluno no momento de jiniciar a aprendi-
zagem, (1990, p.443, grifos do autor)
Encontramos também em Driver (1988) a defesa
da importancia desses conhecimentos para a apren-
dizagem: "o que aprende chega a classe com idéias,
prévias que necessitam ser levadas em conta, posto
{ue influem nos significados que se constroem nas si-
tuagées de aprendizagem" (gritos do autor)
Para um trabalho pedagégico que considere fun-
damental a construgao de métodos @ conhecimentos,
6 necessario levar em conta a existéncia de idéias jé
Presentes no aprendiz, pois elas podem constituir-se
fem ponto de apoio & nova aprendizagem, ou em obs-
téculos & mesma. A construgao em sala de aula serd
fortemente influenciada pela presenga desses concei
tos, idéias, vis6es © crencas, jd que o sistema cog-
nitivo é uma totalidade que se conserva nas assii
lagdes © acomodagées. Assim, qualquer idéia nova
que € acomodada’ pode, potencialmente, modificar
toda a estrutura de concepgées. No entanto, como "o
todo é mais estével que seus componentes”, a eco-
logia_conceitual do individuo tem um forte poder de
redefinir 0 conceito ou a idéia nova em razao da cren-
a e de visdes anteriores. Podemos, assim, entender
que pode ocorrer uma mudanga’ conceltuel pela
aprendizagem (Piaget apud Mortimer, 1984)
No entanto, assim como em Mortimer (1994),
acreditamos que nem sempre isso pode ou deve ocor-
rer, ou seja, nem sempre as idéias prévias deverdo
set abandonadas ou subsumidas no proceso de en-
sino. Elas podem ser compreendidas como idéias al-
temativas, e muitas vezes sobreviver 20 ensino-
aprendizagem. Chi (apud Mortimer, 1994) mostra a
possibilidade da coexisténcia de dois sentidos para 0
mesmo conceito, os quais so acessados em contexto
apropriado. A mesma pessoa pode, em determinado
ccontexto, utilizar um conceito mais elaborado, formal,
clentifico; em outro contexto referir-se a algo utlizan-
do-se de nogGes cotidianas. Para Linder (apud Mor-
timer, 1994), “o esforgo de aumentar a capacidade
dos estudantes em distinguir entre concepgdes apro-
priadas para cada contexto especifico” é 0 que 0 en-
sino em Ciéncias deve enfatizar.
Tanto a nogao de abandono de idéias prévias
como a de coexisténcia de idéias alternativas, quando
colocadas no contexto de sala de aula, como forma,
de organizar 0 processo ensino-aprendizagem, consi-
deram importante nao abrir mao de se conhecer as
idéias prévias e trabaihar com elas.
Parece-nos que estas duas formas de pensar,
abandono ou coexisténcia, convivem no processo de
aprendizagem. Por vezes idéias com as quais o aluno
chega a escola, pelo processo de ensino-aprendiza-
gem, sofrem mudangas, pois so substituidas por
idéias novas, mais significativas para 0 sujeito; ou 0
sujeito pode adotar 0 recém-aprendido também, por
ser significativo para ele dentro do contexto estudado,
sem no entanto abandonar seu conhecimento prévio,
‘ue se toma altemativo, e seré usado em contexto
diferente.
50
E nesse processo de construgao, reconstrugao do
conhecimento, por meio da aprendizagem significati-
va, que idéias prévias ou alternativas se tornam rele-
vantes. E & nesse contexto que a avaliagao deve as-
sumir um novo papel
Avaliagdo: instrumento de aprendizagem.
Para Coll (1990), a escola deve ter
a intencionalidade de promover o desenvolvimen-
fo das pessoas mediante a aquisigao de umas
formas de pensar @ atuar que a aprendizagem es-
ponténea ou a simples atualizagao do calendério
evolutive dos membros da espécie humana por si
‘86 no pode assegurar. (p.35)
Compreendendo que a agao educativa destina-se
‘a promover tal desenvolvimento, buscamos construir
uma avaliagao que contribua para que ele ocorra.
A forma de avaliagao da aprendizagem capaz de
‘empreender tal tarefa 6 aquela que contempla a pers-
pectiva construtivista dos processos de aprendizagem
‘0u na proposta do IRES (1991): "Avaliagao como fon-
te de informagdes dos processos e ganhos do conhe-
cimento escolar". Em outras palavras, 0 pensar e 0
agit dos sujeitos em formagao podem ser modificados
mediante a apropriagao dos conhecimentos acumuula-
dos, por construgdo, reconstrugdo dos mesmos no
contexto escolar. E no processo de construgao, re-
construgéo dos conhecimentos pelos alunos que se
instaura 0 papel da avaliago enquanto instrumento
de aprendizagem e como elo integrador da intengao
da agao educativa. Assim, a avaliagao deixa de ser
meramente classificatéria © converte-se em um instru-
mento de ajuda, conforme assinala Alonso et al.
(1992): ‘sua pergunta deixa de ser quem merece uma
avallagdo positiva e quem néo, para converter-se em,
que ajuda precisa cada qual para seguir avangando
no proceso de construgao" (p.130, gritos do autor).
E a avaliagao que iré impulsionar 0 processo de
construgo dos conhecimentos no qual 0 aluno acom-
panha seu préprio processo de construgao, e de re-
onstrugaio, bem como seus ganhos e perdas, suces-
80s @ fracassos, reorientando-se_permanentemente,
Ainda segundo Alonso et al.,
a0 atribuir & avaliagao 0 papel de instrumento de
aprendizagem que deverd subministrar retroali
mentagao adequada aos alunos (e ao préprio pro-
fessor) e contribuir para melhorar 0 ensino, se
rompe bastante com as concepgées de sentido
comum sobre a prépria avaliagéo modificando
suas caracteristicas, (1992. p.130)
Encontramos também propostas de superagao
das concepgies de sentido comum de avaliagao em
IRES, 1991: Alonso et al., 1992; Miras @ Solé, 1990;
Call, 1990; Driver, 1988, Carvalho e Gil-Perez, 1993.
A avaliagdo assume um novo lugar, com novas
‘caracteristicas diante do processo ensino-aprendiza-
gem, tals com:
Avaliagao e.* ser elaborada segundo critérios claros, visando
orientar e melhorar 0 processo de aprendizagem
e também de ensino, conforme a intencionalidade
do projet educativo;
* ‘referir-se tanto aos processos como aos produtos
da aprendizagem;
* ser capaz de dotar de significado © proprio con-
teuido;
© promover a aprendizagem significativa, capaz de
levar 0 aluno a tomar consciéncia da evolugo de
‘sua aprendizagem;
* ser percebida pelo aluno como momento de ajuda,
‘como mais um instrumento de sua aprendizagem;
‘+ ser um instrumento de reflexdo sobre 0 processo
ensino-aprendizagem, @ ndo somente uma cons-
tatagdo do mesmo;
* ter seu processo permanentemente avaliado pelos
sujeitos nele e por ele envolvidos © manter as
caracteristicas acima citadas.
Como assinala Gimeno Sacristin (apud IRES,
1991),
© grande valor da avaliagdo estd, por um lado,
em ser instrumento de investigacao didética: com-
provar hipdteses de agao metodolégica para ir
acumulando recursos de uma eficadcia comprova-
da na agao @ ir engrossando desta maneira 0
Conjunto de técnicas pedagdgicas fundamentadas
cientificamente e, por outro, perante o aluno, esta
‘em dar uma informagao que Ihe ajude a progreair
alé a auto-aprendizagem, oferecendo-lhe noticia
do estado em que se encontra @ as raz6es do
mesmo, para que colha ele mesmo esse dado
como um guia de autodiregao, meta da educapao.
(P.66, grifo do autor)
Avaliagao: uma atividade de metacogni¢o
Pensar a avaliago como um instrumento de apren-
dizagem, como ja mencionamos, requer a insereéo da
avaliagéo no processo de aprendizagem.
A avaliagao deverd possibiitar a0 aluno 0 acom-
panhamento do seu proprio processo de construgaio
do conhecimento, encorajando-o a comprovar e/ou re-
futar suas hipéteses; estabelecer relagdes entre o que
ja sabe e o novo a aprender, perceber e superar con-
flitos; reconhecer seus avangos, ganhos, dificuldades,
feorganizar seu saber @ alcangar conceitos supe-
riores. A avaliagio deve ser um instrumento de refle-
xo sobre sua aprendizagem e impulsionadora da sua
continuidade: “avaliagdo no seu significado basico de
investigagao e dinamizacao do processo de conheci-
mento” (Hoffmann, 1991).
Dinamizar oportunidades para que o aluno possa
refletir sobre 0 conhecimento que possui e sobre o
conhecimento que constréi @ como o consti. A esse
exercicio de reflexdo sobre 0 préprio proceso de
construgao do conhecimento chamamos de metacog-
Cad. Pesq., 1.99, nov. 1996
nigdo ou meta-aprendizagem. Para Driver (1988) 0
termo metacognigao 6 utilizado “para discutir 0 pro-
cesso pelo qual os estudantes refletem sobre seu pré-
prio conhecimento @ como esté mudando”
Por meio do exercicio de metacognigao o aluno
toma consciéncia de onde partiu (seus conhecimentos
prévios), 0 que construiu (conhecimento cientifico/es-
colar) e'como construiu (método utlizado na constru-
680), podendo entéo fazer e refazer caminhos numa
Permanente atitude investigadora diante do conheci-
mento. O aluno se coloca, assim, no movimento mes-
mo de construgao e reconstrugo histérica do conhe-
cimento, ¢, fundamentalmente, atua como sujeito do
proprio proceso de construgao/reconstrugao.
© aluno pode refletir sobre seu conhecimento pré-
vio, ou sua “epistemologia pessoal” (Vale, 1989),
questionando-a e operando transformagdes em seu
modo de pensar, em seus conceitos; ‘refletir sobre
essa transformagao, 0 caminho que ela percorreu, os
obstdculos que encontrou e como os superou, 0 “tue
gar’ em que chegou 0 novo conhecimento. E mais
ma vez refletir sobre este novo conhecimento, refa-
zendo constantemente 0 movimento de construir © re-
fletir sobre 0 construido. Poder fazer um exercicio da
epistemologia pessoal. Esse exercicio pode ter lugar,
nao 6, mas fundamentalmente, na avaliagao, que
deve converter-se num instrumento da aprendizagem
‘e num instrumento de reflexao sobre a aprendizagem.
A avaliagao 6 a refiexdo transformada em agao.
‘Ago essa que nos impulsiona a novas reflexdes, ou,
como nas palavras de Hoffmann (1991), “reflexao per-
manente do educador sobre sua realidade, @ acom-
panhamento, passo a passo, do educando, na sua
trajetéria de construgdo do conhecimento’
A reflexio sobre as experiéncias vividas no pro-
cesso de aprendizagem possibilita a construcdo de
novos significados que vao sendo construidos © atri-
buidos a essas experiéncias, ressignificando, assim, a
aprendizagem, o conhecimento, 0 pensar eo agir.
Confome Driver,
as estratégias que favorecem que os estudantes
rellitam sobre sua propria aprendizagem os aju-
dam a achar que esté em jogo um processo de
mudanga conceitual e também que seu conheci-
mento 6 estruturado @ inter-relacionado. (1988.
p.188)
Isso possibilita ao aluno identificar 0s caminhos
que pode seguir em seu pensamento e os obsticulos
conceituais © metodolégicos que pode encontrar, e,
assim, assumir uma nova atitude diante da aprendi-
zagem.
A avaliagao, assim entendida, reforga sua nature-
za de ser inerente & apo, & ago intencional carao-
teristica exclusiva do homem que deverd conduzi-lo
progressivamente a constituir-se num sujeito auténo-
‘mo, liberto para o conhecimento, um pensador livre,
critic, criativo e responsavel perante 0 contexto so-
cioeconémico, politico e cultural em que esté inserido.
5stCONSTRUINDO A AVALIAGAO NA NOVA
PERSPECTIVA
Na busca de um novo sentido para a avaliagao da
aprendizagem, coerente com um projeto de agao edu-
cativa que visa desenvolver-se na perspectiva cons-
trutivista de educagao, langamo-nos numa experiéncia
‘como professora formadora de professores. O suporte
teérico que embasou tanto nosso projeto como a ex-
periéncia encontra-se na psicologia genética de Piaget
8 seus colaboradores e em sua fundamentacao epis-
temolégica no interacionismo construtivista
Ao relatar uma investigagao sobre a avaliagdo,
‘Alonso et al. (1992) aponta:
Como contribuigéo a dita investigarao, este tra-
balho se propée estudar se um ensino orientado
Por novos delineamentos construtivistas gera mo-
dificagdes na forma de avaliar, ainda que a ava-
liag&o nao tenha sido contempiada expiicitamente.
Elo apoiaria, sem divida, a visdo das propostas
ccontrutivistas como um modelo global que imporia
sua propria Iégica a todos os aspectos do. pro-
cess0 ensino-aprendlzagem. (p.128)
Podemos dizer que, a0 planejarmos 0 projeto
‘educativo para formagao de professores, procuramos
modificar os objetivos, contetidos, procedimentos ¢
atividades, todavia modificagdes na avaliagao nao fo-
ram contempladas explicitamente. Mas, sem diivida,
a proposta construtivista como um modelo global im-
ps sua prépria ldgica @ evidenciou a contradi¢ao en-
tre 0 projeto e nossa proposta de avaliagao, levando-
nos & reflexdo e busca da superacao de tal contradi-
go @ a construir uma nova perspectiva de avaliagao:
avaliagdo como um instrumento da aprendizagem e
exercicio de metacognigao. E do resultado dessa nova,
maneira sobre avaliagdo que nos ocuparemos a
seguir.
‘Antes, porém, de analisar resultados, faz-se ne-
cessério contextualizar nossa experiéncia: ela se deu
no curso de formacdo de professores em nivel de ter
ceiro grau (Pedagogia), que se destina a formacao de
professores para as’ séries iniciais do 1° grau
(UFMT/MT). Disciplina sob nossa_responsabilidade:
Contetido @ Metodologia para o Ensino de Matemati-
ca. Periodo de elaboragao da nossa proposta de for-
magao de professores nesta area: de 1969 a 1993.
‘Ano em que se inicia a evidéncia da contradigao entre
© projeto educativo e a avaliagao utiizada: 1991/pri-
meiro semestre; entretanto, somente em 1992/primairo
semestre, introduzimos uma nova perspectiva de ava-
liagao.
A proposta de formagiio de professores para o
ensino de matematica para as séries inicials do 1°
grau centrava-se na superagao do modelo tradicional
de ensino @ estava apoiada no “modelo construtivista
de ensino e de aprendizagem" (Darsie, 1993). Ele-
mentos considerados fundamentais para a formagéo
do protessor, nesta area de conhecimento:
© Aprender aritmética: todo aquele que se propde a
“ensinar’ alguém deve antes conhecer o que iré
52
“ensinar’. Quando, ao inicio do curso, constatamos
que os futuros professores nao dominavam 0
contetido que deveriam “ensinar’, toriou-se nossa
tarefa “ensind-los’, ou melhor, encorajé-los & cons-
‘trugdo de tal conhecimento. Conhecimento esse
que deveria ser por eles construido nao somente
fem sua expressdo de produto final, mas antes
fem seu processo de construgao enquanto ciéncia,
fem sua génese e historicidade.
* Aprender a ensinar: como néo se pode “ensinar”
© que ndo se sabe, nao se pode “ensinar’ sem
saber “ensinar’, Para tanto nao era preciso inventar
métodos, bastava apenas reconstrui-los a partir
dos principios e procedimentos que eles utilizariam
fem sala de aula com seus alunos. Ou seja, eles
aprenderiam aritmética e aprenderiam a ensind-la
com métodos ativos, que encorajassem a cons-
‘trugo do conhecimento em proceso © produto,
* Conhecer quem aprende e como aprende: 0 futuro
professor deveria aprender os mecanismos de
desenvolvimento cognitivo da crianga, seus pro-
cessos de construgdo dos conhecimentos, a sua
légica de construgdo e, sobretudo, respeité-a.
* Aprender a amar o que “ensina’: se 0 “monstro”
da matematica os apavora e assola, fazendo-os
odié-la, 6 preciso que os ajudemos a afugenté-lo.
Assim como os professores ndo podem ser efi-
cientes se antipatizarem ou se forem indiferentes
com as criangas, também nao podem ser indife-
entes @ disciplina que ensinam. Tém de amé-la,
pois somente assim amardo redescobri-la a cada
vez que ensinarem, (Lipman, 1990. p.29)
'S6 6 possivel nao temer, ¢ acima de tudo amar,
aquilo que conhecemos bem. Enquanto a matematica
for um mistério, algo que esta fora do sujeito, para
ser aprendido arbitrariamente, ndo sera possivel ama-
la. E preciso aprendé-la, construl-la, conhecé-la para
aprender a amé-la.
Nosso objetivo principal foi 0 de que os futuros
professores, tendo construido e refletido sobre o aci-
ma exposto, pudessem construir um novo significado
para sua agdo educativa, um novo conhecimento
para o processo de ensino e de aprendizagem de
aritmética.
A questo que se apresentava era: O que @ como
avaliar? Se era 0 processo de construgao que devie-
mos acompanhar, como fazé-lo? De que tipo de ins-
trumento para avaliagdo deveriamos langar méo para
que ela se torasse um instrumento de aprendizagem,
8 no mera constatagao dessa? Como saber se os
conceitos prévios dos alunos haviam sido superados
como isso teria ocorrido? Como avaliar respeitando
a construgdo de cada qual, respeitando suas cond
gées prévias e atuais como individuos singulares?
Que tipo de avaliagao possibilitaria ao aluno refletir
sobre seu proprio processo de aprendizagem?
Pesava em nossa reflexdo e deciso a certeza de
que
Avaliagdo e...© grande problema para 0 adulto que se propée
a tratar a crianga — seja ensiné-la, reeducd-la ou
traté-la terapeuticamente — é a tomada de cons-
ciéncia do seu proprio desenvolvimento, tanto
quanto a compreensao da especificidade do de-
senvolvimento da crianga enquanto sujeito psico
logico. (Fagundes, 8.4. p.5)
Era preciso transformar a avaliagéo num instru
mento do aprendizagm @ ao mesmo tempo num ins:
‘trumento de reflexdo e tomada de consciéncia do pré-
prio desenvolvimento do proceso de aprendizagem.
Surgiu entdo um instrumento altemative, 0 que
chamamos de “didrio", conforme Darsie (1993):
A idéia de solicitarmos dos alunos um registro
apés cada aula, sob a forma de dirio, como um
desses didrios de adolescentes que registram
tudo 0 que se passa com eles durante 0 dia, fol
para que pudéssemos acompanhar, professor ¢
aluno, a construgao do conhecimento aritmético e
pedagdgico e as reflexdes de cada aluno sobre
‘seu préprio processo de aprendizagem. (p.120)
‘Ao analisarmos os didrios encontramos registra-
dos momentos em que se dera a tomada de cons-
ciéncia dos alunos: da construgao da aritmética, do
que aprenderam e do como aprenderam; do conhe-
cimento necessario para o seu “ensino", ressignifican-
do 0 fazer pedagégico; do seu papel como aprendiz
@ como professor @ da necessidade de mudanca de
atitude diante do ensino e da aprendizagem.
A reflexdo dos professores e suas experiéncias
passadas e presentes em relagdo a aritmética, como
aprendizes e como professores, foi permeada pela ra-
20 e pela emogao, e novos significados foram sendo
atribuidos a essas’ experiéncias, ressignificando sua
atuagao como futuros professores,
Um exercicio de metacognigéo em movimento
crescente que mostrou a superagao de conceitos pi
vios © a caminhada a conceitos mais elaborados & 0
que a leitura na integra de cada diério pode nos re-
velar.
Contudo, para o presente trabalho nos limit
‘mos a uma pequena amostra, andlise de um s6 didrio,
no intuito de apresentarmos alguns dos resultados ob-
tidos, selecionando e analisando trechos que conside-
ramos significativos para andlise e/ou avaliagéo de um
processo de construgao de conhecimento
Utlizaremos aqui o que chamaremos de Episé:
dios de Aprendizagem, para aqueles momentos. nos
quais se evidencia a tomada de consciéncia sobre 0
proceso de aprendizagem, berm como as situagdes
de conflito que levam & aprencizagem de novos con-
ceitos ou a conflitos que evidenciam 0 aparecimento
de novas posturas perante a aprendizagem © 0
ensino.
Analisaremos a seguir alguns “episédios de
aprencizagem” registrados em um dos distios, visando
dar uma amostra de sua eficiéncia como instrumento,
por meio do qual o aluno tem a possibilidade de ob-
Cad. Pesq., 0.99, nov. 1996
jetivar seu exercicio de significagéo, ressignificago de
coneeitos acerca do proceso de ensino e de apren-
dizagem, e a oportunidade de fazer um exercicio de
metacognigiio ou meta-aprendizagem, sobre 0 que ©
como aprender.
Episédio n. 1
Certos conceitos mateméticos permeavam mi-
nha prética docente: a matematica 6 resolugao de
célculos, ciéncia exata sem meio certo. Aprende-
se matemdtica na escola! Depois da aula de hoje
cheguei a lembrar com angustia dos meus ex-alu-
nos téo desrespeitados por mim nas suas cons-
trugées mentais do conhecimento. Nunca havia
pensado que minha obrigagao era encaminhd-los
rno raciocinio Iégico-matemaitico. A formagao que
tive, os livros didéticos adotados, tudo contribuiu
para a repeti¢ao sucessiva dos meus eros na
hora de “ensinar” matematica. (H., 13/6)
‘Aaluna entra em conflito com seus conceitos pré-
vios sobre © que 6 matemdtica e como se aprende
matematica, 0 que pressupde a elaboracdo de novos
concsites, jé que transfere sua reflexéo ao passado,
referindo-se aos erros cometidos © ao “desrespeito
‘aos alunos em suas construgdes mentais". Isso a leva
‘a questionar sua formacdo e instrumentos didéticos
contraditérios com a nova concapgao de “ensino” de
matematica, Podemos concluir que 0 conceito de ma-
tematica como resolugao de calculos foi superado
pela construgao do conceito de matematica, como
construgéo mental; e 0 conceito de que matematica
se aprende na escola pelo de que matematica se faz
presente nas relagdes do cotidiano.
Episédio n. 2
Um dia, (faz tempo) eu Ii esta frase: “Sei que
nada sei”. Achei-a interessante mas nao me sig-
nificou grande coisa. Hoje, depois que sai da aula
lembrei-me da frase @ entendi realmente o que
quer dizer: — o primeiro passo para a mudanga
6 a conscientizagao da nossa ignorancia, © este
6 0 incentivo que nos obriga a seguir em frente,
sempre na esperanga de aprendermos mais
mais. (H., 1316).
Evidencia-se aqui uma nova atitude diante do co-
nhecimento que se supée ter. A construgéo de um
novo conhecimento, que possibilita a significagzo de
algo lido que estava solto e sem referéncias na me-
méria. O novo conhecimento ressignificando © conhe-
ccimento anterior. A tomada de consciéncia de que
necesséiio conscientizar-se das limitagdes para poder
‘superd-las, “a conscientizacao da nossa ignoréncia’,
© dar-se conta do que se sabe como condigao para
1 continuidade da construgao do conhecimento. O “na
esperanga de aprendermos mais ¢ mais” coloca 0 mo-
vimento, a continuidade na construgao do. conheci-
mento, onde nada esta pronto e acabado, langando,
projetando a construgao ad infinitum,
53Episé
Vimos como 0 homem comegou a contar, a
aprendizagem gradativa que a humanidade em-
preendeu por muitos anos. & interessante obser-
varmos como 0 progresso mental do homem,
sempre impulsionado pela necessidade material,
avangou até nossos dias, chegando ao computa:
dor e outras maravilhas. Para mim foi importante
relacionar a matemética, com seus agrupamentos,
@ uma histévia. Pensava que ela fosse fruto dos
que praticavam 0 écio, os grande pensadores tipo
Pitdgoras. (H., 27/6)
Neste episédio se da a tomada de consciéneia do
rocesso historico da construgdo do conhecimento
matematico. A superagao da crenga de que a mate-
matica era fruto de mentes brilhantes para percebé-la
‘como construgao ao longo dos tempos impulsionada
ela necessidade material. Her. mostra ter estabele-
cido uma nova relagao entre matematica, seu conted-
do e a histéria: matemética, um concsito construido
historicamente. Isso evidencia que a aluna, pelo con-
{lito estabelecido com 0 novo conhecimento, evolui na
‘sua concepeao, pois passa a compreender a ciéncia
‘como algo em permanente construcao. Muda sua con-
cepeao de ciéncia pronta e acabada e com isso muda
‘a compreensao de seus métodos de construgio,
Episédio n. 4
Nao sei se 0 fato de estar comegando a transar
uma boa com os mimeros e numerals pode ser
considerado um progresso; se nao for, ndo faz
mal. O importante 6 estar me sentindo bem, em
pleno sdbado durante quatro horas, na sala de
aula, Isso sim & um milagre. (H., 4/7)
Her. toma consciéncia de sua aprendizagem, 0
que a faz sentir-se bem. O prazer de aprender fica
expresso, pois ela sabe que aprendeu. Podemos des-
tacar também deste episédio a mudanca de expecta-
tiva com relagdo as “aulas de matemética aos sdba-
dos’, Poderia ela ter acrescentado: — quando se
aprende, se gosta. Isso sim é um milagre. A apren-
dizagem significativa dos ntimeros @ numerais provo-
‘ca mudangas em sua concepeao de matematica, um
‘conhecimento que quando construide com significado
despe-se de sua magia e € possivel comecar a “tran:
sélo numa boa" — ou compreendé-lo por ter signifi-
cado.
Episédio n. 5
Minha cabepa esté um rebuligo! Saber que a
crianga de 1* série néo tem condigées de fazer
‘contas com lépis foi 0 maximo para mim. Depois
das explicagdes e do uso do quadro de pregas,
‘sso pareceume dbvio e elementar. Por que eu
no havia pensado nisso antes? Porque eu fiz
com meus alunos e filhos exatamente como fize-
ram comigo? Qual o sentido das atividades: “erme
@ efetue? Fora de encher paginas © mais pagi-
nas de cademno, ainda incita 0 ddio pela discipli-
54
na. E necessério que a crianga exercite bastante
coneretamente para depois sistematizar no cader-
no. Os problemas devem ter enredo, isso dé sen-
tide para as contas. (H., 1/8)
Her. evidencia estar em conflto, "Minha cabega
‘esta um rebuligo!", conflito instalado ao apresentar-se
um novo conhecimento sobre a aprendizagem da adi-
(¢40 pola crianea. Conhecimento este que construido
pareceu-Ihe “ébvio e elementar” por revelar-se signi-
ficativo diante de sua experiéncia como aprendiz
‘como protessora. “Por que eu nao havia pensado nis-
so antes?” Ao atribuir um novo significado para a
aprendizagem da adigdo pela crianga, Her. questiona
sua pratica como professora e como mae que ensi-
ava como havia *aprendido” quando crianga, pela
aprendizagem repetitiva. Isso a faz questionar o sig-
nificado desse tipo de aprendizagem que, além de
nao levar a aprender de fato, provoca sentimentos
aversives com relagdo a matematica, Toma conscién-
cia de que a maneira como “ensinamos’ e “aprende-
mos” pode determinar 0 fato de gostarmos ou nao de
matematica. Ao explicitar 0 novo conhecimento, con-
trapde-se & aprendizagem repetitva.
Episédio n. 6
Prometo nunca mais me esquecer de nada que
‘aprendi hoje. Prometo respeitar a légica do pen-
‘samento do meu aluno e nao Ihe impor coisas
que eu acho que ele deve ‘aprender’. Prometo
‘oportunizar a construgao mental deles @ esperar
com paciéncia @ inteligéncia que isso acontega.
Quero que toda a cabecinha que estiver aos
meus cuidados soja uma lampada sempre acesa,
no um curto-circuito, Prometo. (H., 1/8)
‘Ao apropriar-se do novo conhecimento, e tendo
consciéncia das novas possibilidades que este ofere-
ce aos processos de ensino ¢ de aprendizagem (&
possivel fazer diferente e melhor o que eu fazia), a
aluna evidencia uma nova atitude, compromete-se,
como professora, @ respeitar 0 sujeito construtor do
conhecimento, compromete-se com uma nova prética
pedagdgica. A evolugao da concepgao sobre apren-
dizagem e ensino, e a sua tomada de consciéncia,
és em evidéncia, pelo conflito que nela se encerra,
a necessidade de uma mudanca de atitude diante
desses processos. O mesmo ocorre em relagdo & mu-
danga metodolégica sobre o contetido por ela apren-
dido, po's, tendo sido respeitada em seu processo de
cconstrugdo, reconhece a importéncia disso e compro-
mote-se a dar oportunidade construgao mental de
‘seus alunos, superando assim a idéia de que deve-
mos ensinar tudo, e em tempo preestabelecido. E fun-
damental que todo novo conhecimento construido im-
plique uma nova postura,
Episédio n. 7
E demais! Depois de anos a fio achando que eu
sabia subtrair @, 0 quo 6 pior, “ensinando” a sub-
ago, eis que fico sabendo que a subtragao pos-
Avallagdo e.sui idéias” de separar, comparar, igualar. Por isso
que certos probleminhas nem eu sabia que conta
fazer. Quando a diivida aparecia eu corria para
olhar 0 “ivro do professor” (com as respostas @
contas feitas em azul) para ver como era. Depois
dizia para os meus alunos: — E conta de mé
nos... Ao lidar com a subtragéo, acho que saberei
distinguir uma das outras para, através da pratica,
dar condigdes de meu aluno construt-las mental-
mente. (H., 15/8)
Com freqiéncia, a aprendizagem conceitual vem
acompanhada de uma evolugao nas concepgoes, ou
evolugéo metodolégica, com relagao ao ensino e &
aprendizagem. Her. amplia seu conceito de subtrarao
e imediatamente passa a entrar em conflito e rever
‘sua concepeao de “ensino" de subtragao. Subtragao
no se resume a um algoritmo e ndo se aprende sub-
tragao mecanicamente: 6 um conceito que deve ser
construido mentalmente pelo aluno. Ao mudar ou am-
pliar seu conceito de subtragao, remete-se ao “ensino”
deste conceito e percebe que, para ser construido
pelo aluno, ela, como professora, devera passar por
uma mudanga de atitude perante a aprendizagem, 0
que implica rever os métodos que utliza para a apren-
dizagem de seus alunos, bem como rever 0 préprio
método de construgao do conceit de subtragao en-
quanto contetido (conceito matematico)
Episédio n. 8
Como professora eu massacrei meus alunos.
‘Sempre dizia: — Se vocé nao aprender a tabua-
da, bem aprendido e decorado, nao vai conseguir
fazer conta nenhuma e ndo vai passar de anol
Isso porque eu me considerava uma étima pro-
fessora, conceito undnime entre os colegas. Pa-
rece piada, nao? Infelizmente ndo 6, @ eu precisei
passar quase metade da minha vida (presumo)
ara constatar 0 grande engano.
.. Mas em compensaeao tive a oportunidade de
perceber 0 quanto a nossa manelra errada de
conduzir a ‘aprendizagem" (era esse 0 conceito
que permeava a nossa pratica: aprender 6 deco-
rat) prejudica as pessoas pelo resto da vida. Por
que ndo esperamos a prépria crianga construir
seus conhecimentos, ir devagar, bem conereto, de
‘maneira descontraida (sem cobrangas) até que
ela mesma tenha o prazer de reconhecer que
aprendeu? (H., 29/8)
Mais uma vez a construgio de uma nova concep-
go sobre ensino @ aprendizagem poe Her. em con-
{lito com sua pratica como professora. Ela objetiva
‘sua coneepedo prévia “aprender 6 decorar” € sua su-
perac&o “por que ndo esperamos a propria crianga
construir seus conhecimentos’, ¢ da altemativas me-
todoldgicas para esta construgao, “ir devagar, bem
concreto, de maneira descontraida (sem cobrangas)”.
A aluna esta tomando consciéncia de sua nova apren-
dizagem @ isso Ihe esta dando prazer. E é esse pra-
zer que ela quer que a crianga sinta também, o prazer
Cad. Pesq., 7.99, nov. 1996
nao s6 de aprender, mas de reconhecer, tomar cons-
ciéncia de que aprendeu. Reconhece que “a maneira
errada de conduzir a aprendizagem prejudica a pes-
soa pelo resto da vida’, assim como ela foi prejudi
cada — “precisei passar quase metade de minha vida
para constatar 0 engano’. Fica implicito nessas afir-
mages que a aprendizagem influencia positiva e ne-
gativamente 0 desenvolvimento da pessoa. E se as-
‘sim 6, faz-se necesséirio refletimos sobre nossas ati-
tudes ao conduzirmos a aprendizagem.
Episédio n. 9
.. Adorei ter que fazer passo a passo a divisdo
do inteiro. Fica facil, 6 estimulante @ realmente
construtivo.
No caso de transformar 0 numero misto em fra-
80 imprépria eu nunca demonstrei com dese-
nhos, apenas ensinava que se multiplica 0 inteiro
pelo denominador e soma-se 0 numerador, repe-
tindo-se 0 mesmo denominador. Ponto final
toma exercicios! Utiizando-se os desenhos a gen-
te pode até desprezar os célculos, a prépria crian-
ga chega & conclusdo do processo. Nao precisa
ir na bandeja e nem ser imposto. Sem falar na
alegria que dé quando a gente enxerga o que an-
tes estava escuro @ dificil E tao excitante que
vem sempre acompanhado da expresséo — E sé
isso? Facil desse jeito? (H., 19/9)
Este episédo evidencia a tomada de consciéncia
da importancia de se construir 0 conhecimento em
‘seu processo, @ nao apenas decorar regras © aplicd-
las corretamente. "Adorei ter que fazer passo a passo
a divisdo do inteiro", esta afirmagao leva-nos a supor
que, ao fazer isso, @ aluna reconhece ter aprendido,
pois “fica faci, 6 estimulante e realmente construtivo”
Ao ter aprendido 0 que no sabia, reflete sobre sua
pratica, como ensinava, superando 0 "como ensinava”
pelo ‘como aprendeu". Aprender, construindo em pro-
cesso, superar a concepeao de transmissao x recep-
a0 A qual foi reduzida a compreenséo do proceso
de ensino-aprendizagem. "Nao precisa ir na bandeja
fe nom ser imposto.” Mais uma vez a aluna refere-se
a0 prazer, & alegria de aprender. Reconhece que tem
prazer de enxergar 0 que antes estava escuro e dic,
© que quando ultlizamos metodologia adequada a
aprendizagem se torna mais facil, porque significatva.
Episédio n. 10
Nao sei 0 que estava acontecendo comigo hoje
nna sala de aula, Por mais que a Marta mostrasse
concretamente, através de recortes feitos com pa-
pel, que 1/2 cabe uma vez e meia em 3/4, eu
nao conseguia entender. Fiquel nervosa com mi-
nha “cegueira” e falta de raciocinio. A vergonha
foi tanta diante do esforgo da Marta e da Mari
(colega) em me provarem 0 que era dbvio, que
acabei dizendo que tinha entendido. Agora, pas-
‘sando 0 caderno a limpo & que percebi o que elas
tontaram me passar. Arre! Foi dificil... (H., 29/9)
55Este episécio retrata a tomada de consciéncia do
préprio confltto. Conflito este que ndo fol superado em
sala de aula, mas com a aprendizagem do contetido,
a0 ter que registré-lo no caderno, instrumento de
aprendizagem. Ao tomar consciéncia do conflito e da
Posterior aprendizagem, a aluna péde objetivar esse
eu processo no diario. Isso revela que, por mais que
tentemos transmitir conceitos como os de matematica,
do obteremos sucesso se estes nao forem significa
tivos, © que nao podemos determinar o momento, 0
tempo e o lugar da aprendizagem. Podemos, sim,
criar condigées para que ela ocorra, “Agora, pasando
© cademo a limpo 6 que percebi o que elas tentaram
‘me passar.” De fato “tentamos passar", mas ela sé
percedeu 0 que “tentamos passar’ depois de ter
aprendido, construido ela propria o significado para o
contetido,
Episédio n. 11
As suas tltimas explicagdes vieram atender um
pedido nosso, quase um apelo para que nao dei-
xasse de repassar nada que viesse fazer falta na
nossa prética,
Apesar disso sai frustrada da sala, sentindo a
sensagao de que havia deixado escapar algo mui-
to importante. Cheguei a combinar com uma ami-
9, futura aluna sua no préximo semestre, que
no esquecesse de me avisar quando for estudar
(05 numeros decimais e medidas de comprimento
porque ou estava convicta da necessidade de as-
sistir sua explicagao novamente.
Engragado... s6 agora, escrevendo sobre a aula,
6 que me dei conta do tremendo absurdo que
senti, talvez reffexo da indesejével inseguranga
que insisto carregar ou, desculpe minha franque-
a, preguiga de raciocinar!
E t&o cémodo seguir os mesmos passos de quem
sabe mais que a gente! Ah! Ah! Ah! Tenho pavor
de me sentir sendo usada como uma muleta por
alguém, e quase fiz isso com vocé. Perdoe-me,
Marta, voc8 néo merece isso @ nem eu preciso.
Porque consegui romper com vérios traumas @
sentimentos de inferioridade que difcultavam o
‘meu raciocinio me impediam de perceber como
a matematica 6 facil. (H., 1/10)
Her. expe seu conflito. Talvez 0 medo de que,
acabado 0 curso, pararia de aprender, manifestando
a crenga de que para aprender preciso que tenha
alguém para ensinar, transmiti. Mas Her. 6 adulta &
de beneficiar-se conscientemente de todo 0 proces-
's0 que vivenciou durante o semestre para superar sua
inseguranea, 0 que faz ao tomar consciéncia de que
tem condigdes de seguir sozinha,
“Engragado... 96 agora, escrevendo sobre a aula,
6 que me dei conta do tremendo absurdo que senti.”
0 diério se apresenta como instrumento de aprendi:
zagem, de exercicio de metacognicao, de reflexao so-
bre 0 que aprendeu © como aprendeu. Um instrumen-
to que, ao ter de fazer uso dele, faz com que a aluna
56
tome consciéncia da aprendizagem e do processo de
aprendizagem, processo que 6 seu, nao do professor.
A aluna toma-se sujeito do ato de aprender e cons-
ciente de que aprendeu a aprender.
Episédio n. 12
Nao sei se este relato cabe bem num dito felto
‘exclusivamente para a matemdtica, mas a verda-
de 6 que aprendi. As relagdes que consegui fazer
entre a minha maneira de pensar hoje e a que
tinha dois anos atrés séo muito importantes para
mim, @ néo dé para ignoré-las.
Todas essas andlises foram possiveis gragas &
maneira como vocé conduziu suas aulas, Marta,
@ a feliz idéia que vocé teve de nos pedir que
registréssemos tudo 0 que acontecesse conosco.
Sao os pequenos passos que abrem 0 caminho!
(H., 1/10)
Mais um episédio no qual a aluna reconhece 0
diario como um instrumento de aprendizagem. Contu-
do nos parece que a proposta de registrar tudo 0 que:
acontecesse nas aulas, de Contetido e Metodologia
de Matematica, teve uma abrangéncia maior. De fato,
ao repensar a pratica a partir de novas concepgdes
de ensino e aprendizagem, mesmo em se tratando de
uma das especificidades (matematica), nao podere-
mos dissociar esta da globalidade do processo edu-
cativo. Assim é inevitdvel que as reflexdes feitas com
relagao a essa disciplina sejam extensivas a todas as
outras areas de conhecimento @ a uma pratica docen-
te que se quer global
Her, diz no poder ignorar as relagdes estabele-
cidas entre 0 que sabia e 0 que aprendeu, entre sua
maneira de pensar antes @ depois do process de
aprendizagem que empreendeu. Isso demonstra ter
consciéncia de ter passado por um processo que mu-
dou seu pensar © que a compromete a mudar seu
agir.
AVALIAGAO: INSTRUMENTO DE INVESTIGAGAO
DIDATICA
Entre os aspectos do processo de ensino e de apren-
dizagem, a avaliagao 6 0 que indica ter maior possi-
bilidade de por em evidéncia seus avangos e insufi-
ciéncias. A avaliacdo converte-se, pois, em um campo
privilegiado para a transformagao do ensino, propi-
clando situacdes de reflexdo sobre sua organizagao
@ efetividade.
Motivado pela crenga de que a aprendizagem é
um processo @ ndo um acimulo de informagées fac
tuais, 0 professor se sente desatiado a organizar ati-
vidades de ensino capazes de desencadear, colabo-
rar, reforgar e acompanhar esse processo. Tal desafio
© leva a optar por determinados métodos, atividades,
técnicas e recursos didéticos; exige dele novas pos-
turas perante 0 processo de aprendizagem e, conse-
qientemente, perante 0 ato de “ensinar’. Como saber
Avaliagao .da eficécia do ensino senéo acompanhando 0 proces-
80 de aprendizagem? Segundo Benett (apud Montero,
1990), “as medidas das mudangas nos alunos sao
os critérios definitivos para investigar os efeitos do
ensino”
A leitura dos diérios nos possibiltou essa inves-
tigagdo e acompanhamento, alertou-nos para mudan-
gas na condugo do processo, corroborou confirman-
do a eficdcia de situagdes de ensino utiizadas, ¢ re-
velando 0s erros @ acertos de quem organiza e de
como organiza 0 ensino. Essa forma de proceder a
avaliaeao permite-nos comprovar hipéteses de ago
metodolégica, pois é pela aprendizagem que sabemios
se nossa metodologia encoraja ou nao quem aprende
a aprender.
Desa maneira acreditamos que 0 uso de regis-
tros diérios pelos alunos sobre 0 que aprendem e
como aprendem, € 0 que significa para oles esta
aprendizagem, propicia ao professor situagGes de re-
flexao @ transformagao de sua ago, nas quais 0 pro-
fessor, como “praticum reflexivo" proposto por Shén
(1992), tem a possibilidade de construr-se como tal
‘Ao acompanhar 0 processo de aprendizagem dos
alunos, o professor tem a possibilidade de acompa-
har 0 seu processo de ensino. Sua intervengao na
aprendizagem implica sempre organizagao/reorganiza-
40 no ensino, 0 que nos leva a crer que ensinar
uma agéo que exige permanente aprendizado.
A avaliago permite dupla retroalimentagdo. Por
tum lado, indica ao aluno seus ganhos, sucessos, di-
ficuldades etc., a respeito das distintas etapas polas
quais passa durante a aprendizagem, e, a0 mesmo
tempo, permite a construgao/reconstrugao do conhe-
cimento. Por outro lado, indica ao professor como se
desenvolve 0 processo de aprendizagem e, portanto,
de ensino, assim como os aspectos mais bem-suce-
didos ou mais confitantes que exigem mudancas. As-
sim, a avaliagéio assume uma caracteristica dindmica
no processo educative, no qual se do miltiplas in-
teragdes © mudangas entre os elementos que a con-
figuram. A avaliagao como instrumento de aprendiza-
gem implica aceitar que nem tudo esta previamente
dito, ou estabelecido anteriormente a pratica de uma
determinada seqiéncia didética, “ajustando-se assim,
20 paradigma da investigagao que considera o ensino
‘como um processo de tomada de decisdes © 0 pro-
fessor como 0 profissional encarregado de adoté-las”
(Pérez Gémez, 1983). Esse tipo de avaliagao fornece
20 professor varias informagdes sobre 0 curso do pro-
‘cesso educativo, permitindo-Ihe emit juizo sobre
desenrolar da seqdéncia e de acordo com esse juizo
imprimir a esta as modificagdes pertinentes para ajus-
té-la as caracteristicas, capacidades e necessidades
dos alunos.
© uso de registros sob a forma de didtio, como
utlizado em nossa experiéncia © pesquisa, revelou-se
tum excelente instrumento na obtengéo de dados para
a investigaego didatica. Essa forma de registro pare-
‘ce-nos eficiente como uma metodologia para a inves-
tigago empirica no contexto de sala de aula, Os da-
dos assim coletados, ou melhor, assim fomecidos,
Cad. Pesq., n.99, nov. 1996
ndo surgem a partir do registro da observacao do in-
vestigador, mas sdo dados dos registros feitos pelos
préprios “sujeltos” do processo que desejamos in-
vestigar.
‘Tendemos a considerar os dados fornecidos pelos
alunos como mais ‘legitimos’, por ndo carregarem
consigo 0 revestimento da lente interpretativa do in-
vestigador a interferir na visdo do fendmeno. Embora
tal lente esteja, som duvida, presente na sua analise.
Para a investigacdo didatica parece-nos que se
toma relevante a distingao entre dados fomecidos
pelo aluno e dados coletados pelo professor-investi-
gador.
Os dados fornecidos pelo aluno, a exemplo dos
registrados nos diarios, j4 oferecem ao professor-in-
vestigador uma primeira avaliagao dos préprios alunos
sobre 0 processo de ensino, seja pelo resultado da
aprendizagem, seja por mengao direta ao trabalho do
professor ou & metodologia utilizada.
Nos diarios, quando os registros sao 0 produto de
uma reflexdo sobre a aprendizagem, 0 ensino, a pra-
tica ou o proprio pensamento do aluno ou do profes-
ssor, tudo nele registrado tem valor para uma andlise
posterior dentro da investigacao didatica. Mesmo
quando esses registros parecem sem sentido, desar-
ticulados, insuficientes ou até quando os “registros”
do foram feitos pelo aluno, isso pode revelar ao pro-
fessor, entre indmeras outras coisas, 0 insucesso na
condugao da estratégia metacognitiva utiizada, a in-
suficiénicla das atividades de ensino propostas, a ne-
cessidade de retomar tal contetido em outro momen:
to, a necessidade de insistir no assunto com propos-
tas de novas e diferentes atividades. Podem, ainda,
revelar dados sobre 0 aluno, suas dificuldades parti-
culares, algum tipo de dificuldade em especial como
problemas com 0 escrever, ndo conseguir expressa
se, dificuldade em distanciar-se, ou pouca motivagao
para o registro,
Os registros também revelam os sucessos do en-
sino por meio dos avangos dos alunos na aprendiza-
gem. Pode o professor, pela leitura e andlise dos did-
Fios, ir selectonando, organizando e aperfeigoando
agdes metodoldgicas que se mostraram eficientes.
A avaliagéo, assim entendida como instrumento
de aprendizagem, converte-se também num eficiente
instrumento de investigagao didética.
CONSIDERAGGES FINAIS
Converter a avaliagéo num instrumento de aprendiza-
gem capaz de impulsionar a construgéo do conheci-
mento, a0 mesmo tempo em que se torna um instru-
mento de exercicio da metacognigao, que possibilita
‘a tomada de consciéncia da aprendizagem, assim
como ter na avaliacao a possibilidade de obtengao de
dados para a investigagao didatica, é ainda um co-
nhecimento que esta por ser construido. Entretanto a
sua relevancia para o processo de ensino e de apren-
dizagem nao poderia deixar de ser alvo de nossas re-
57flexdes. Com este trabalho comegamos a sistematizar,
‘mesmo que embrionariamente, essas reflexdes e suas
repercussées em nossa pratica como formadora de
professores; contudo, temos a cerieza de que ainda
muito resta por construr.
Essa construgio serd possivel se ndo perdermos
de vista a indissociabilidade teoria versus prética © so-
bretudo se formos capazes de envolver os sujeitos al-
vos que dela se beneficiam, professor e aluno, Con:
truir algo novo para uma pratica significa consteui
algo na pratica; construir uma nova pratica requer
uma pratica nova, na qual a agdo e a reflexdo sobre
a aco sejam permanentes.
Gostariamos de ressaltar também que acredita-
mos que a melhor maneira de aprender metodologia
de ensino nao é pela leitura de manuais, mas sim vi-
venciando um ambiente em que, utiizada determinada
metodologia, os sujeitos se beneficiem dela @ a reco-
nhegam como um dos elementos integrantes do pro-
‘90850 de aprendizagem, quando tomam consciéncia,
0 que aprenderam @ do como aprenderam, e de que
esse como foi relevante no aprendizado de o que.
'sso significa que, quando se aprende © contetido,
deve-se com ele aprender 0 método. Incluimos aqui
tanto 0 contetido do conhecimento das ciéncias como
© contetido do conhecimento pedagégico.
Nesse sentido, acreditamos também que na for-
magao de professores 0 exercicio de metacognigao
como avaliagao de suas conquistas significa: apren-
der, tomar consciéncia de 0 que e de como aprendeu,
@ aprender a ‘avaliar’, tomando consciéncia da impor-
tancia deste tipo de ‘avaliagdo como instrumento de
aprendizagem, e, na qualidade de professor, ser ca-
az de utlizé-la com seus alunos, por té-la vivencia-
do. Assim, em nossa experiéncia, este instrumento de
aprendizagem tomou-se uma aprendizagem do con-
teido programético, avaliagao. Nao estamos excluindo
a necessidade de reflexdes mais sistematicas sobre
concepgdes de avaliagdo nos cursos de formagaio de
professores, apenas apontamos como, em nossa dis-
Ciplina, contribuimos para tal refiexdo.
Quanto aos disrios, mais especiticamente, pode-
mos dizer que se mostraram instrumentos eficientes
de aprendizagem © de investigagao didatica. Sua lei-
tura nos revela os avangos feitos pelos alunos, aula
apés aula, bem como possibilta a reflexéo sobre o
ensino. Mas, sem duvida, a possibilidade de aplicar
@ reaplicar este instrumento em varias outras ocasides
dard oportunidade a seu aperfeigoamento. Aplicamos
© instrumento em duas turmas, durante dois semes-
tres diferentes, @ os resultados esperados apareceram
‘om ambas as ocasiées. Sua utilizagao, estando nés,
agora, mais conscientes de seus beneficios, poderd
contribuir para reforgar e enriquecer as reflexdes.
© didrio selecionado para este trabalho mostra
claramente que esse tipo de recurso pode realmente
se tomar instrumento de aprendizagem. Esse fato 6
reconhecido pela prépria aluna, quando diz: "Todas
esas andlises foram possiveis gracas a maneira
‘como vocé conduziu suas aulas (metodologia) e a fe-
liz idéia que vocé teve de nos pedir que registrasse-
mos tudo 0 que acontecesse conosco” (0 diario)
Isso nos remete a reflexao inicial sobre a inten-
cionalidade da aco educativa e a avaliagao como
instrumento de aprendizagem a servigo desta inten-
cionalidade: & intengao da ago educativa interferir no
desenvolvimento do homem, provocando mudangas
no seu modo de pensar e agir por meio da aprendi-
zagem. Apés a leitura dos episédios de aprendizagem
destacados de um dos didrios e apresentados neste
trabalho, podemos considerar que 0 nosso objetivo foi
atingido. Isso é 0 que nos revela claramente a leitura
do episédio n. 11, no qual a aluna assume seu pro:
cesso de aprendizagem, demonstrando que, ao cons-
truir 0 conhecimento, construiu também sua autono-
mia com relacdo & aprendizagem. Ela nos diz: “Agora
do preciso mais de vocé". E isso o que todo profes-
‘sor gostaria de ouvir de seus alunos apés um curso.
E isso 0 que gostarlamos de ouvir sempre de todos
‘98 nossos alunos. Este & 0 retorno positivo ao nosso
objetivo: provocar mudangas no modo de pensar
agit dos sujeitos. Que 0 proceso de aprendizagem
contribua, promova 0 desenvolvimento do sujeito, me-
hore suas relagdes com 0 conhecimento, consigo
mesmo @ com 0s outros, tome-o critico, criativo @ au-
ténomo,
“Agora no preciso mais de voc8. Aprendi a
aprender.”
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