Capítulo 2
Ferramentas úteis à atividade filosófica: noções de Lógica (formal e informal)
O que é uma proposição?
Uma proposição é o pensamento (ou ideia) literalmente expresso por uma frase
declarativa. Por exemplo, a frase “O céu é azul” expressa a proposição de que o céu é
azul. Estas proposições são verdadeiras ou falsas, ou dito por outras palavras, as
proposições têm valor de verdade.
Verdadeiro
Valor de
verdade
Falso
Proposições categóricas
As proposições podem ser de dois tipos: proposições categóricas, ou proposições
formadas através do uso de conetivas proporcionais (não, e, ou, se … então, se e só
se).
Relativamente à qualidade, as proposições podem ser afirmativas ou negativas.
Quanto à quantidade podem ser universais (A e E), particulares (I e O) ou singulares.
Combinando a qualidade e a quantidade, obtemos seis tipos de distintos de
proposições
Proposições categóricas
Tipo de Forma canónica Forma lógica Algumas formas alternativas
proposição /exemplos
- Os portugueses são
Universal Todos os Todo o S é P. patriotas.
afirmativa (A) portugueses são - Qualquer português é
patriotas. patriota.
- Cada português é um
patriota.
- Não há nenhum português
que não seja patriota.
- Os portugueses não são
Universal Nenhum Nenhum S é P. patriotas.
negativa (E) português é - Não há portugueses
patriota. patriotas.
- Não existem portugueses
patriotas.
- Nem sequer um português
é patriota.
- Certos portugueses são
Particular Alguns Algum S é P. patriotas.
afirmativa (I) portugueses são - Há portugueses patriotas.
patriotas. -Existem portugueses
patriotas.
- Nem todos os portugueses
Particular Alguns Algum S não é são patriotas.
negativa (O) portugueses não P. - Certos portugueses não são
são patriotas. patriotas.
- Há portugueses que não são
patriotas.
- É verdade que Cristiano
Singular Cristiano Ronaldo S é P. Ronaldo é patriota.
afirmativa é patriota. - É certo que Cristiano
Ronaldo é patriota.
- Não é verdade que Cristiano
Singular Cristiano Ronaldo S não é P. Ronaldo é patriota.
negativa não é patriota. - É falso que Cristiano
Ronaldo é patriota.
Negação das proposições categóricas
A negação é uma operação lógica que inverte o valor de verdade da oposição negada:
se essa proposição for verdadeira, a sua negação é falsa; se a proposição for falsa, a
sua negação é verdadeira.
Negação das proposições categóricas
Tipo de Proposição VV Negação Proposição VV
proposiçã inicial obtida com a
o negação
Universal Todas as cobras V Algumas cobras não são Particular F
afirmativa são répteis. répteis. negativa
(A) (O)
Universal Nenhuma Algumas mulheres Particular F
negativa mulher mede 3 V medem 3 metros. afirmativa
(E) metros. (I)
Particular Alguns artistas F Nenhum artista é uma Universal V
afirmativa são couves. couve. negativa
(I) (E)
Particular Alguns atletas F Todos os atletas são Universal V
negativa não são mamíferos. afirmativa
(O) mamíferos. (A)
Singular Platão era V - Platão não era grego. Singular F
afirmativa grego. - Não é verdade que negativa
Platão era grego.
- É falso que Platão era
grego.
Singular Descartes não F - Descartes era francês. Singular V
negativa era francês. - Não é verdade que afirmativa
Descartes não era
francês.
- É falso que Descartes
não era francês.
O quadrado da oposição
O chamado quadrado da oposição apresenta-nos diversas relações lógicas entre as
proposições A, E, I e O. As setas do quadrado da oposição indicam-nos proposições
contraditórias (A e O; E e I), proposições contrárias (A e E) e proposições
subcontrárias (I e O).
contrariedade
A E
contraditoriedade
subalternidade subalternidade
contraditoriedade
I O
subcontrariedade
Contraditoriedade – (A e O; O e A; E e I; I e E)
Contrariedade – (A e E; E e A)
Subcontrariedade – (I e O; O e I)
Subalternidade – (A e I; E e O)
Proposições com conetivas proposicionais e forma lógica
Estas proposições são formadas através do uso de conetivas proporcionais: não, e, ou,
ou… ou, se… então, se e só se. Estas conetivas proporcionais permitem formar
proposições compostas, que são compostas por, normalmente, duas proposições
simples e uma conetiva.
Tipo de Conetiva Constante Exemplo
proposição lógica
Negação não Alice não gosta de Lógica.
Conjunção e Alice gosta de Lógica e de
Ética.
Disjunção inclusiva ou Alice gosta de Lógica ou de
Ética.
Disjunção ou…ou O tema do segundo capítulo
exclusiva deste manual ou é a Lógica
ou é a Ética.
Condicional se… então Se Alice sabe Lógica, então é
capaz de pensar com rigor.
Bicondicional se e só se Alice tem classificação
positiva no teste se e só se,
tem pelo menos 10 valores.
Utiliza-se a
linguagem natural
Forma
canónica
Expressam-se as
proposições de uma
forma clara e explícita,
removendo-se o ruído
Utiliza-se uma
linguagem simbólica
Forma
lógica
Recorre-se a símbolos (variáveis
proposicionais e constantes
lógicas) para formalizar as
proposições
O que é um argumento?
Um argumento é um conjunto de proposições, em que uma delas (a conclusão) é
defendida ou apoiada pela(s) outra(s) – a(s) premissa(s).
A conclusão é a ideia defendida. As premissas são as razões que temos para defendê-
la. Um argumento possui uma conclusão e uma ou várias premissas.
Exemplo:
Se os animais sentem dor, então não devem ser maltratados.
premissas
Os animais sentem dor.
Logo, os animais não devem ser maltratados.
conclusão
indicador de conclusão
Indicadores de premissa Indicadores de conclusão
Pois Logo
Porque Por isso
Dado que Portanto
Devido a Sendo assim
Uma vez que Consequentemente
Já que Daí que
Visto que Como tal
Admitindo que Infere-se que
Pela razão que Concluindo
Etc. Etc.
O que são entimemas?
Entimemas são argumentos com uma premissa oculta.
Ex: «A mutilação genital feminina devia ser proibida, porque constitui uma violação
dos direitos humanos.»
Neste argumento a premissa oculta é: tudo aquilo que viola os direitos devia ser
proibido.
Formalização de argumentos:
Exemplo:
Se Deus existe, então não temos livre-arbítrio.
Se não temos livre-arbítrio, então andamos iludidos a maior parte do tempo.
Se andamos iludidos a maior parte do tempo, então a nossa vida é absurda.
Logo, se Deus existe, então a nossa vida é absurda.
Dicionário:
Formalização:
P: Deus existe.
P → ~Q
Q: Temos livre-arbítrio.
~Q → R
R: Andamos iludidos a maior
R→S
parte do tempo.
჻P→S
S: A nossa vida é absurda.
Validade
Um argumento é válido se as premissas apoiam a conclusão ou, dito por outras
palavras, se a conclusão se segue das premissas.
Argumento válido (exemplo):
Todos os cidadãos portugueses devem pagar impostos proporcionais aos seus
rendimentos.
Xavier Silva é um cidadão.
Logo, Xavier Silva deve pagar impostos proporcionais aos seus rendimentos.
Argumento inválido (exemplo):
Estamos em Portugal.
Logo, a montanha mais alta da Terra é o Evereste.
Existem 2 tipos de argumentos, os argumentos dedutivos e os argumentos não
dedutivos.
No caso dos argumentos dedutivos válidos, a verdade das premissas assegura a
verdade da conclusão: não pode suceder que, sendo todas as premissas verdadeiras, a
conclusão seja falsa.
No caso dos argumentos não dedutivos, a verdade das premissas torna provável a
verdade da conclusão: se as premissas são todas verdadeiras é improvável que a
conclusão seja falsa. Quando isto sucede, diz-se que é um argumento forte.
Verdadeiro Válidos
Argumentos
Proposições ≠ dedutivos
Falso Inválidos
Argumento sólido
Um argumento é sólido quando um argumento é válido e tem premissas verdadeiras.
Formas argumentativas válidas:
Nome Forma lógica
~~P
Negação dupla
჻P
P→Q
Modus ponens P
჻Q
P→Q
Modus tollens ~Q
჻ ~P
P→Q
Contraposição
჻ ~Q → ~P
P→Q
Silogismo hipotético Q→R
჻P→R
PVQ PVQ
Silogismo disjuntivo ~P ~Q
჻Q ჻P
~ (P V Q)
Negação da disjunção
Leis de ჻ ~P ꓥ ~Q
Morgan ~ (P ꓥ Q)
Negação da conjunção
჻ ~P V ~Q
Falácias formais:
Falácia é o argumento que parece válido, mas não é.
A forma não garante a verdade da conclusão.
Nome Forma lógica
P→Q
Falácia da afirmação da consequente Q
჻P
Falácia da negação do antecedente P→Q
~P
჻ ~Q
Argumentos não dedutivos e falácias informais
Os argumentos não dedutivos incluem os argumentos indutivos (generalização e
previsão), os argumentos por analogia e os argumentos de autoridade.
Argumentos indutivos Generalização e previsão
Argumentos não
Argumentos por analogia
dedutivos
Argumentos de autoridade
Nos argumentos não dedutivos, a verdade das premissas não garante a verdade da
conclusão, apenas a torna mais ou menos provável. Por grande que seja essa
probabilidade, nunca se pode excluir completamente a possibilidade de as
premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. Quando essa probabilidade é
elevada, o argumento é forte; quando é baixa, o argumento é fraco.
Ao contrário do que acontece com a validade dos argumentos dedutivos
estudados, a força dos argumentos não dedutivos depende do seu conteúdo e não
da sua forma lógica.
Generalização
Numa generalização conclui-se que, se algumas coisas possuem uma certa
característica, então todas as coisas dessa classe possuem essa característica.
Previsão
Numa previsão conclui-se que, se algumas coisas possuem uma certa característica,
então as próximas coisas dessa classe que forem observadas também a possuirão.
As generalizações e previsões fortes obedecem a critérios: baseiam-se numa amostra
grande e representativa e não ignoram informações que possam contrariar o seu
conteúdo. Se não obedecem, tornam-se falácias: generalização precipitada, amostra
não representativa e previsão inadequada.
Tipos de indução Critérios Situações exemplificativas da Falácias
infração dos critérios correspondentes
Amostra - Se o número de exercícios Falácia da
significativa: O analisados foi, por exemplo, apenas generalização
número de casos 5 (entre os 100 propostos na precipitada.
observados deve ser totalidade no capítulo de lógica).
grande e os - Se existir um determinado exercício
contraexemplos não de lógica com um grau de
devem ser ignorados. dificuldade muito elevado.
Representatividade - Se na amostra só foram analisados Falácia da
Generalização: da amostra: os casos exercícios iniciais (e por isso amostra não
Alguns exercícios observados têm de especialmente fáceis). representativa.
de lógica do representar
manual são fáceis adequadamente o
de resolver. Logo, universo em causa,
todos os isto é, não devem ser
exercícios de casos atípicos.
lógica do manual
são fáceis de
resolver. Ausência de - Se soubermos que os exercícios de Falácia da
informações que lógica considerados na amostra generalização
contrariem o foram retirados de uma edição precipitada.
conteúdo do adaptada do manual, destinada a
argumento. alunos com dificuldades acentuadas
de aprendizagem e, por isso, eram
propositadamente muito fáceis.
Previsão: Amostra significativa - Se estiver previsto que participem Falácia da
Num debate, no debate várias dezenas de previsão
sobre o aborto, mulheres por ordem de inscrição e inadequada
discursaram tirarmos a conclusão após as três
algumas primeiras terem defendido o aborto.
mulheres
favoráveis à
despenalização Representatividade Se as três primeiras mulheres que Falácia da
do aborto. Logo, da amostra intervieram no debate são ativistas amostra não
a próxima mulher de uma associação pró-aborto. representativa
a intervir no
debate também
defenderá uma Ausência de - Se soubermos que as mulheres Falácia da
posição pró- informações que antiaborto, que deviam participar no previsão
aborto. contrariem o debate, não puderam estar inadequada
conteúdo do presentes devido a uma greve dos
argumento. transportes.
Argumento por analogia
Num argumento por analogia defende-se que, se duas coisas são semelhantes em
alguns aspetos, é provável que também sejam semelhantes noutros.
Falácias da falsa analogia
Os argumentos por analogia fortes obedecem a critérios: baseiam-se numa quantidade
significativa de semelhanças, estas não são irrelevantes e não existem diferenças que
inviabilizem a conclusão. Se não obedecerem, tornam-se falácias da falsa analogia.
Argumento de autoridade
Num argumento de autoridade defende-se que uma ideia é verdadeira porque foi
enunciada por uma autoridade (um especialista).
Os argumentos de autoridade fortes obedecem a critérios: a autoridade não
deve ser anónima, deve ser realmente especialista no assunto, deve estar de
acordo com as outras autoridades da área e deve ser imparcial. Se não
obedecem, tornam-se na falácia do apelo ilegítimo à autoridade.
Outras falácias informais…
Falácia da derrapagem
Na falácia da derrapagem alega-se que uma certa proposição é inaceitável porque a
sua aceitação conduziria a uma cadeia de implicações que se vão tornando
progressivamente mais inaceitáveis – mas também mais implausíveis.
Falso dilema
Num falso dilema alega-se que as duas alternativas de uma disjunção são as únicas
possíveis, quando na realidade há mais.
Falácia ad hominem
Na falácia ad hominem, em vez de se criticar as ideias de alguém, criticam-se aspetos
pessoais que nada têm a ver com o assunto e que não são pertinentes para justificar a
conclusão.
Falácia do espantalho
A falácia do espantalho ocorre quando distorcemos as ideias do nosso interlocutor
para que pareçam ridículas (faz-se uma caricatura), tornando-se mais fácil a sua
rejeição.
Falácia ad populum
A falácia ad populum consiste em defender que uma ideia é verdadeira simplesmente
porque é defendida pela maioria das pessoas, como se a maioria tivesse sempre razão.
Apelo à ignorância
Na falácia do apelo à ignorância conclui-se que algo é verdadeiro por não se ter
provado que é falso; ou que é falso porque não se provou que é verdadeiro.
Falácia da falsa relação causal
Na falácia da falsa relação causal considera-se erradamente que, pelo facto de um
certo acontecimento ocorrer a seguir a outro, existe entre eles uma relação de causa e
efeito.
Falácia da petição de princípio
Na falácia da petição de princípio dá-se como adquirido aquilo que se quer provar, ou
seja, a conclusão é pressuposta nas premissas.
(Estas 13 últimas falácias são informais, pois os erros de que padecem residem no
conteúdo dos argumentos)