TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
RECURSO ELEITORAL EM REPRESENTAÇÃO (11541) N. 0601414-09.2022.6.00.0000 –
BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL
Relatora: Ministra Cármen Lúcia
Representante: Coligação Brasil da Esperança
Advogados: Eugênio José Guilherme de Aragão e outros
Representado: Luiz Acácio Galeazzo Vareta
Representada: Bárbara Zambaldi Destefani
Representada: Fabiana Silva de Souza
Representado: Responsável pelo perfil @libdep, no Twitter
DECISÃO
RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2022.
REPRESENTAÇÃO. CANDIDATO AO
CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
DECISÃO DE EXTINÇÃO SEM
RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
PRETENSÃO DE REMOÇÃO DE
PUBLICAÇÃO VEICULADA NO
INSTAGRAM.
ALEGAÇÃO DE VEICULAÇÃO DE FATOS
MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS.
APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO § 2º
DO ART. 57-D DA LEI N. 9.504/1997.
POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DO
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
FIXADA PARA AS ELEIÇÕES 2022.
DECISÃO DE EXTINÇÃO SEM
RESOLUÇÃO DO MÉRITO
RECONSIDERADA. DETERMINAÇÃO DE
PROVIDÊNCIAS PARA O
PROCESSAMENTO DA AÇÃO.
Relatório
1. Recurso eleitoral (ID 158827380) interposto pela Coligação Brasil da Esperança
contra decisão (ID 158235545) pela qual julgada extinta a representação sem resolução do mérito.
2. A recorrente alega que “a decisão merece ser reformada, uma vez que se omite
em relação ao interesse processual que subsiste – a aplicação de multa sancionatória – e afasta a
possibilidade da aplicação da referida multa, restringindo-se ao dispositivo legal indicado na inicial
(art. 36, §3º da Lei das Eleições) ao invés de se ater aos fatos narrados na inicial, deixando de
seguir a orientação da Súmula-TSE n. 62” (ID 158827380, p. 3-4).
Defende que “o objeto da ação subsiste no que tange à aplicação da multa por
propaganda irregular, considerando que a prática de propagação de desinformação e notícias
falsas é um mal que assola a democracia e interfere negativamente no pleito eleitoral, violando o
direito fundamental mais basilar do estado democrático, o direito do exercício da cidadania por
meio do voto livre e consciente” (ID 158827380, p. 5).
Afirma que “diversos veículos de imprensa e agências de checagem demonstraram a
existência de informações inverídicas nas postagens ora impugnadas. Ademais, existem diversos
precedentes – vide RP 0600543, DR 0600928, RP 0601325 e RP 0601332– que foram precisos e
concisos em determinar o caráter inverídico de postagens que associam o Sr. Luiz Inácio Lula da
Silva e o Partido dos Trabalhadores ao crime organizado” (ID 158827380, p. 8).
Sustenta que, “ainda que não haja previsão expressa para imposição de multa à
prática de propagação de desinformação e fato sabidamente inverídico, é imprescindível que este
eg. TSE adote uma interpretação extensiva do art. 57-D, caput e §2º da Lei 9.504/97, para impor a
aplicação de multa nos casos de propagação de desinformação e fake news, de modo a garantir a
justa penalização e exercício pedagógico em face do ato irregular praticado” (ID 158827380, p.
11).
Reforça que “a interpretação literal do dispositivo desrespeita princípios norteadores
e ainda ‘autoriza’ pessoas públicas a disseminarem desinformação, sem gerar consequências de
caráter punitivo, como multas e penalidades pecuniárias” (ID 158827380, p. 14).
Pede “que o presente Recurso Eleitoral seja conhecido e provido para reformar
integralmente a decisão recorrida, de modo que haja a remoção definitiva das postagens que
disseminaram a desinformação ora combatida, bem como haja a aplicação de multa aos
Recorridos” (ID 158827380, p. 16).
O caso
3. A Coligação Brasil da Esperança ajuizou representação, em 11.10.2022, com
requerimento liminar, contra Luiz Acácio Galeazzo Vareta, Barbara Zambaldi Destefani, Fabiana
Silva de Souza e o responsável pelo perfil “Faustão” (@libdep) no Twitter.
Alega que o “ajuizamento da presente Representação Eleitoral surge diante da
veiculação de conteúdo gravemente descontextualizado e sabidamente inverídico, através de
publicações realizadas pelos Representados, por meio de suas páginas no Twitter. Os senhores
Luiz, Bárbara, Fabiana e ‘Faustão’ vincularam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato
à Presidência da República pela Coligação Brasil da Esperança, à organização criminosa
denominada Primeiro Comando da Capital (PCC)” (ID 158224076, p. 3).
Noticia que “Bárbara, responsável pelo perfil Te Atualizei (@taoquei1), postou um
tuíte em sua conta pessoal afirmando que seu advogado teria a alertado que a mesma não
poderia comentar sobre PT e PCC, porque senão ‘o nine me processa e a justiça acata.’ Nesse
sentido, ela estava se referindo ao ex-Presidente Lula que possui nove dedos, devido a um
acidente de trabalho” (ID 158224076, p. 3).
Reforça que “a Representada que faz parte de um esquema massivo de difusão de
fake news bolsonaristas, é representada em diversas ações junto a esse d. Tribunal Superior
Eleitoral. Entretanto, segue zombando da justiça brasileira e compartilhando notícias sabidamente
inverídicas – já reconhecidas por diversas agências de checagens e, principalmente, por essa d.
Corte” (ID 158224076, p. 3).
Afirma que, “apesar de ter utilizado uma matéria supostamente verídica, o seu
comentário ultrapassou – e muito – o conteúdo veiculado pelo Portal R7. Isto é, a Representada
utilizou-se de má-fé ao compartilhar uma reportagem de mídia tradicional para validar algo que
não era sequer objeto da matéria: a falsa e lunática ligação do Partido dos Trabalhadores com o
PCC. Com efeito, a mesma estratégia também foi adotada pelo perfil Faustão (libdep)” (ID
158224076, p. 4).
Acrescenta que “o Representado Luiz também publicou tuíte no sentido que o PT
teria envolvimento com o PCC, de modo a validar perante seus correligionários a inexistente
relação que ele afirma contundentemente. E, para ainda pior, também ataca o próprio d. Tribunal
Superior Eleitoral, ao afirmar que a competente corte ‘se transformou numa fralda geriátrica’” (ID
158224076, p. 8).
Salienta que “a desinformação veiculada pelos Representados foi realizada em suas
contas pessoais e oficiais no Twitter, que ao total somam mais de 540 mil seguidores – somente
nessa rede social. Isso, sem mencionar o alcance real que a publicação teve por meio de
compartilhamentos em outras redes sociais e retuítes no próprio Twitter” (ID 158224076, p. 9).
Ressalta que “resta evidenciado que as publicações objeto desta ação contrariam o
art. 9º-A, art. 22 e art. 27 da Resolução nº 23.610/2019, uma vez que os Representados
conscientemente divulgaram conteúdo desinformador para incutir no eleitor a fantasiosa teoria
tecida sobre vinculação do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva à organização criminosa PCC”
(ID 158224076, p. 18).
Requer, liminarmente: a) “que o Twitter adote todas as providências cabíveis quanto
ao ponto – de modo a excluir essas e outras publicações que também versem sobre a fantasiosa
relação do Partido dos Trabalhadores com o Primeiro Comando da Capital (PCC)”; b) “seja
determinado aos Representados que removam o conteúdo desinformador objeto desta ação, sob
pena de multa e que se abstenham de veicular outras notícias e/ou publicações que contenham o
mesmo teor, sob pena de multa”; c) “seja determinado ao Twitter que informe os dados do
responsável pela conta Faustão (@libdep): https://twitter.com/libdep/” d) “o encaminhamento dos
autos ao d. membro do Ministério Público Eleitoral para que apure a responsabilidade penal,
abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação, diante do desrespeito contínuo da
parte às decisões emanadas pelo e. Tribunal Superior Eleitoral” (ID 158224076, p. 22-23).
Pede “a confirmação da medida liminar” e a “condenação por propaganda irregular e
a consequente aplicação da multa de pena máxima conforme previsão legal” (ID 158224076, p.
23).
4. Em 18.3.2023, julguei extinta a representação, sem resolução do mérito, pela
perda superveniente do objeto (ID 158235545).
5. A representante interpôs recurso eleitoral em 22.3.2023, por advogado habilitado
nos autos (ID 158224077), tempestivamente, considerando a publicação da decisão no DJe no
mesmo dia.
6. Em despacho de 15.5.2023 (ID 158952909), determinei a autuação do recurso
eleitoral e a intimação dos representados para, querendo, apresentarem contrarrazões, no prazo
de três dias, nos termos da legislação vigente.
7. As intimações dos representados pelo serviço postal, nos endereços
disponibilizados pela representante, foram frustradas e as cartas, devolvidas pelos Correios. A
carta dirigida a Barbara Zambaldi Destefani retornou com a anotação de “falta apartamento” (ID
159575821) e a endereçada a Fabiana Silva de Souza, com a anotação “mudou-se” (ID
159057342); a carta dirigida a Luiz Acácio Galeazzo Vareta foi recebida por Uriel de Mendonça (ID
159104357).
Examinados os elementos constantes dos autos, DECIDO.
8. A recorrente pretende a reforma da decisão de ID 158235545, pela qual julguei
extinta a representação, sem resolução do mérito, “pela perda do objeto e, consequentemente, do
interesse processual (inc. VI do art. 485 do Código de Processo Civil), ficando prejudicada a
liminar”.
A controvérsia dos autos refere-se a suposta propaganda eleitoral negativa, com
conteúdo inverídico, pela Coligação Brasil da Esperança, consistente na veiculação, na rede social
Twitter, de desinformação vinculando o ex-Presidente e candidato à Presidência da República Luiz
Inácio Lula da Silva à organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital – PCC.
Os pedidos formulados na representação estão limitados à confirmação da medida
liminar e à aplicação de multa aos representados (ID 158224076, p. 23).
9. Razão jurídica assiste à recorrente.
Quanto ao pedido de cominação de multa aos representados, a fundamentação
jurídica utilizada para a aplicação de sanção pecuniária formulada na petição inicial não se
circunscreveu à incidência do § 3º do art. 36 da Lei n. 9.504/1997.
Nesse contexto, abre-se espaço para apreciar o argumento trazido pela
representante, a respeito da possibilidade de aplicação da sanção pecuniária prevista no § 2º do
art. 57-D da Lei n. 9.504/1997 aos casos de propaganda eleitoral negativa na internet com base
em interpretação sistêmica e analógica da legislação eleitoral:
“Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha
eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta,
nos termos das alíneasa,becdo inciso IV do § 3odo art. 58 e do 58-A, e por outros meios de
comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.
(...)
§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e,
quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00
(cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).”
10. Este Tribunal Superior, por maioria, no julgamento do Recurso na Representação
Eleitoral n. 0601754-50/DF, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, firmou, para as eleições
de 2022, o entendimento de que, “nada obstante a ausência de enquadramento no dispositivo
indicado na petição inicial, mostra-se plenamente viável ao Tribunal Superior Eleitoral proceder à
adequada qualificação jurídica dos fatos, uma vez que, conforme orientação jurisprudencial desta
Corte, ‘os limites do pedido são demarcados pela ratio petendi substancial, vale dizer, segundo os
fatos imputados à parte passiva, e não pela errônea capitulação legal que deles se faça’ (Ag.
3.066, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Dj de 17/5/2002)” (Rp n. 0601754-50/DF, Relator o
Ministro Alexandre de Moraes, publicada em mural eletrônico em 6.12.2022).
11. No caso em exame, a representante alega ter havido a veiculação de conteúdo
inverídico, consistente em postagens em perfil, na rede social Twitter, dos representados
vinculando o candidato a Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva à organização
criminosa denominada Primeiro Comando da Capital – PCC.
12. Este Tribunal Superior já decidiu que a veiculação de conteúdo desinformador
ofende “a lisura do pleito (...), sob pena de esvaziamento da tutela da propaganda eleitoral (R-Rp
n. 0601530-54/DF, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 18.3.2021)”, e, assim, autoriza
esta Justiça Eleitoral a não permitir “a propagação de discursos de ódio e ideias contrárias à
ordem constitucional e ao Estado de Direito” (Rp n. 0601754-50/DF, Relator o Ministro Alexandre
de Moraes, publicada em mural em 6.12.2022).
O entendimento foi reafirmado no julgamento da Representação Eleitoral n.
0601754-50/DF, quando este Tribunal Superior decidiu pela possibilidade de aplicação da multa
prevista no § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/1997 a casos de veiculação de propaganda eleitoral
negativa com conteúdo sabidamente inverídico.
Estes os fundamentos da decisão recorrida naquele caso, confirmados no citado
acórdão (Rp n. 0601754-50, ID 158418773, p. 11-16):
“Desse modo, por se tratar de abuso na liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda
veiculada pela internet, melhor se ajusta ao caso o art. 57-D da Lei 9.504/1997:
Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha
eleitoral, por meio da rede mundial de computadores – internet, assegurado o direito de resposta,
nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de
comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e,
quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00
(cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
§ 3º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis ao responsável, a Justiça Eleitoral
poderá determinar, por solicitação do ofendido, a retirada de publicações que contenham
agressões ou ataques a candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais. (Incluído pela
Lei nº 12.891, de 2013)
Não se ignora que, ao interpretar o dispositivo, a jurisprudência desta CORTE, para eleições
anteriores, firmou o entendimento no sentido de que a multa nele prevista é restrita à hipótese em
que a propaganda é divulgada por pessoa não identificada, ou seja, ‘não sendo anônima a
postagem de vídeo em página da rede social Facebook (na qual se veiculou vídeo em tese
ofensivo a candidato), descabe sancionar o agravante com base no referido dispositivo’ (AgR-
REspe 76-38, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 2/4/2018). No mesmo sentido: Rp. 0601697-71,
Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 10/11/2020; AREspe 0600604-22, Rel. Min. MAURO
CAMPBELL MARQUES, DJe de 9/9/2022; AgR-REspe 0600603-37, Rel. Min. BENEDITO
GONÇALVES, DJe 4/4/2022.
Nada obstante, tendo em vista o grave contexto de propagação reiterada de desinformação, com
inegável impacto na legitimidade das eleições, deve-se proceder à reinterpretação do dispositivo,
de forma a melhor ajustar-se à finalidade da JUSTIÇA ELEITORAL, especialmente deste
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no combate às fake news na propaganda eleitoral.
Realmente, a partir da leitura do dispositivo, não se mostra viável depreender que o ilícito se
restringe à hipótese de anonimato, tornando insuscetíveis de punição outros abusos na livre
manifestação de pensamento.
O teor da norma, na verdade, embora especialmente relacionado a atos ocorridos por meio da
internet, apresenta teor extremamente semelhante ao disposto no art. 5º, IV, da Constituição
Federal – ‘É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato’ –, o qual, como se
sabe, não consagra a liberdade de expressão como direito absoluto e nem limita os excessos às
hipóteses de anonimato, razão pela qual abusos no exercício desse direito fundamental não se
mostram imunes a sanções impostas pelo ordenamento jurídico.
Nesse sentido, é firme a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no sentido de que
‘o direito à livre manifestação do pensamento, embora reconhecido e assegurado em sede
constitucional, não se reveste de caráter absoluto nem ilimitado, expondo-se, por isso mesmo, às
restrições que emergem do próprio texto da Constituição, destacando-se, entre essas, aquela
que consagra a intangibilidade do patrimônio moral de terceiros, que compreende a preservação
do direito à honra e o respeito à integridade da reputação pessoal’ (ED-ARE 891.647, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 21/9/2015). Nessa linha: HC 82.424, Rel. Min.
MOREIRA ALVES, Red. p/ acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA, Pleno, DJ de 19/3/2004; ADPF
496, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Pleno, DJe de 24/9/2020; HC 141.949, Rel. Min. GILMAR
MENDES, Segunda Turma, DJe de 23/4/2018.
Assim, não é possível conferir ao art. 57-D a interpretação segundo a qual, tão somente pelo fato
de haverem sido publicadas na internet, os autores pelos excessos na liberdade expressão
ocorridos na propaganda eleitoral, ressalvados os casos de anonimato, não se sujeitam à sanção
pecuniária, uma vez que se trata de compreensão restritiva destituída de respaldo expresso no
enunciado normativo e que conflita, como visto, com a interpretação conferida à livre
manifestação de pensamento.
Além disso, tal diferenciação quanto à possibilidade de impor sanção pecuniária não encontra
justificativa concreta, pois a disseminação de fake news, ainda que realizada por responsável
identificado, produz os mesmos efeitos nocivos à legitimidade das Eleições, considerando-se a
higidez das informações acessíveis ao eleitor, do que àquela propagada por usuário apócrifo,
razão pela qual a ratio da norma proibitiva em questão não pode se restringir aos casos de
anonimato.
No mais, essa interpretação, que viabiliza a imposição de multa aos responsáveis pela
propagação de desinformação na internet, revela-se mais consentânea com a crescente
preocupação desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA no combate à desinformação, de modo que, além
da remoção do conteúdo, a imposição de multa constitui mecanismo importante para evitar tal
prática, tendo em vista seu caráter repreensivo aos autores que, até então, não se acham
alcançadas pela punição.
Nesse sentido, conforme já assentou esta CORTE, ‘a proliferação de mensagens falsas na
internet tem alcançado grande repercussão na esfera eleitoral e consiste em tema que tem
gerado acirradas discussões, diante da dificuldade de controle desses conteúdos, haja vista a
facilidade de acesso a qualquer tipo de informação na rede mundial de computadores e em
aplicativos de transmissão de mensagens eletrônicas, o que foi notoriamente potencializado pela
proliferação do uso de smartphones, por meio dos quais é possível o compartilhamento imediato
de conteúdo, geralmente sem nenhum tipo de averiguação prévia quanto à origem e à
veracidade da informação’ (REspe 0600024-33, Rel. Min. SÉRGIO BANHOS, DJe de 7/3/2022).
Mesmo nas Eleições 2016, ainda que sob a ótica de abuso de poder, o TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL já manifestava preocupação em relação a situações abusivas, incluindo-se a
propagação de fake news, na internet, ocasião em que ficou registrado que ‘não cabe impor
limites onde a lei não restringe, não merecendo respaldo a interpretação restritiva dada pelo
Tribunal Regional no caso concreto, ainda mais em tempos hodiernos em que a internet e suas
múltiplas ferramentas e plataformas ganham densa relevância nas disputas eleitorais, sobretudo
com o diminuto custo envolvido e o notório amplo alcance desses meio’ (REspe 31-02, Red. p/
acórdão Min. TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, Voto. Min. ADMAR GONZAGA, DJe de
27/6/2019). Ainda:
A evolução sucedida nos meios de comunicação social, associada à regulação da propaganda na
Internet sucedida na Minirreforma Eleitoral de 2009 (Lei nº 12.034) e a consequente atualização
desse regramento no ano 2017 (Lei no 13.488) evidenciam a imperiosa necessidade de que o
julgador, atento ao comando do art. 14, § 9º, da Constituição Federal, proporcione nova
concretude à norma que pune ilícitos que subvertam a lisura do pleito e a legitimidade popular,
em face de novas situações fáticas vivenciadas. Não se trata de um exercício hermenêutico
inovador, mas de ajustar a aplicação do direito à espécie, privilegiando o espírito da norma.
(REspe 31-02, voto Min. ADMAR GONZAGA, DJe de 27/6/2019).
Mais recentemente, também referente à prática de abuso de poder, a propagação de fake news
na internet, notadamente a desinformação tendente a atingir o sistema eletrônico de votação e a
democracia, foi objeto de ampla análise por esta CORTE no julgamento do RO 0603975-98, Rel.
Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021, ocasião em que o TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL assentou que ‘o recorrido valeu-se das falsas denúncias para se promover como
uma espécie de paladino da justiça, de modo a representar eleitores inadvertidamente ludibriados
que nele encontram uma voz para ecoar incertezas sobre algo que, em verdade, jamais
aconteceu’ (RO 0603975-98, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 10/12/2021).
Ainda, relativamente às Eleições 2022, visando a combater a disseminação de fake news, esta
CORTE editou a Resolução 23.714/2022, cujo art. 4º visa a tutelar a higidez, a integridade e a
credibilidade das Eleições e do processo eleitoral, de modo a coibir práticas que, por meio de
desinformação, representam substancial transgressão à própria democracia:
Art. 4º. A produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de
informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral, autoriza a determinação
de suspensão temporária de perfis, contas ou canais mantidos em mídias sociais, observados,
quanto aos requisitos, prazos e consequências, o disposto no art. 2º.
Parágrafo único. A determinação a que se refere o caput compreenderá a suspensão de
registro de novos perfis, contas ou canais pelos responsáveis ou sob seu controle, bem assim
a utilização de perfis, contas ou canais contingenciais previamente registrados, sob pena de
configuração do crime previsto no art. 347 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965-Código
Eleitoral.
(...)
Por essa razão, a interpretação do art. 57-D, em relação à tutela da higidez das informações
divulgadas em propaganda eleitoral na internet, não pode se afastar das preocupações há muito
externadas por esta CORTE, bem como das diversas medidas adotadas pela Justiça Eleitoral
com o intuito de combater a desinformação.
A atuação desta JUSTIÇA ESPECIALIZADA deve direcionar-se a fazer cessar manifestações
revestidas de ilicitude não inseridas no âmbito da liberdade de expressão, a qual não pode ser
utilizada como verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tendo em vista a
circunstância de que não há, no ordenamento jurídico, direito absoluto à manifestação de
pensamento, ou seja, ‘não há direito no abuso de direito’ (ADPF 572, Rel. Min. EDSON FACHIN,
Pleno, DJe de 7/5/2021), de modo que os abuso praticados devem sujeitar-se às punições
legalmente previstas.
(...)
Assim, considerando-se que o texto legal do art. 57-D da Lei 9.504/1997 não estabelece, de
forma expressa, qualquer restrição no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato,
impõe-se ajustar a interpretação do dispositivo à sua finalidade de preservar a higidez das
informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações
abusivas por meio da internet – incluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a
honra de candidato adversário – que, longe de se inserirem na livre manifestação de
pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral.”
13. Também quanto aos pedidos de remoção de conteúdo e de abstenção de novas
veiculações, o entendimento deste Tribunal Superior firmado para as eleições de 2022 orienta-se
no sentido de “não h[aver] falar em perda do objeto da representação, ajuizada com base no art.
57-C da Lei nº 9.504/1997, após o término das eleições, porquanto o dispositivo legal prevê a
aplicação de sanção pecuniária. Precedente. Incidência do Enunciado nº 30 da Súmula do TSE.
Negado seguimento ao agravo em recurso especial” (AREspE n. 0602789-77/CE, Relator o
Ministro Raul Araújo, DJe 23.6.2023).
14. O § 9º do art. 36 do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral dispõe que
“a petição de agravo regimental conterá, sob pena de rejeição liminar, as razões do pedido de
reforma da decisão agravada, sendo submetida ao Relator, que poderá reconsiderar o seu ato ou
submeter o agravo ao julgamento do Tribunal, independentemente de inclusão em pauta,
computando-se o seu voto”.
Assim, por interpretação analógica, a decisão recorrida merece ser reconsiderada
para adequá-la ao entendimento deste Tribunal Superior fixado para as Eleições 2022.
15. Pelo exposto, firmada a compreensão da possibilidade jurídica de aplicação
da multa prevista no § 2º do art. 57-D da Lei n. 9.504/1997, reconsidero a decisão de ID
158235545 para determinar o processamento da representação.
Defiro o requerimento de expedição de comunicação à empresa controladora e
provedora do Twitter para que informe, no prazo de cinco dias, todos os dados que
possibilitem a identificação do responsável pela conta “Faustão” (@libdep):
https://twitter.com/libdep/.
Na sequência, intime-se a representante para fornecer, no prazo de dois dias, o
endereço para citação dos representados, sob pena de extinção do processo sem
resolução do mérito em relação a eles.
Publique-se e intime-se.
Brasília, 2 de outubro de 2023.
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora