DOI: https://doi.org/10.17921/2176-5634.
2020v13n3p226-254
Geometria nos Anos Iniciais: Possíveis Conexões Teóricas e Práticas
Geometry in the Early Years: Possible Theoretical and Practical Connections
Malcus Cassiano Kuhn*a; Bruna Mendel de Quadrosa
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense Câmpus Lajeado. RS, Brasil.
a
*E-mail: [email protected]
Resumo
O artigo é trabalho de conclusão de um curso de especialização na área de Educação de uma Instituição Federal. Tem como finalidade refletir
sobre o ensino de geometria nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a partir de referências teóricas, para a instrumentalização de professores
como mediadores do processo de construção do conhecimento geométrico. A pesquisa tem abordagem qualitativa, com um estudo bibliográfico
baseado em livros e artigos sobre os escritos do casal van Hiele (1957), que propõe cinco níveis de compreensão do pensamento geométrico,
além de cinco fases de aprendizagem para o avanço dos estudantes através desses níveis, e de Pais (1996), que destaca quatro elementos
fundamentais da geometria: objeto, conceito, desenho e imagem mental. Isso é associado às habilidades e competências desenvolvidas em
estudantes, a partir do estudo de geometria e indicadas na Base Nacional Comum Curricular (2018). Destaca-se o papel do professor no ensino
de geometria por meio de atividades práticas e contextualizadas, com o uso de materiais concretos, jogos e tecnologias, a fim de apresentar
um caminho para o desenvolvimento de habilidades e competências. Nesse sentido, é preciso que os professores tenham conhecimento do
conteúdo geométrico para selecionar, construir e sistematizar atividades, que proporcionem a aprendizagem significativa, considerando as
teorias de van Hiele e Pais e as propostas da Base Nacional Comum Curricular.
Palavras-chave: Geometria. Anos Iniciais. BNCC. Ensino. Aprendizagem.
Abstract
The article is the conclusion work of a specialization course in Education of a Federal Institution. Its purpose is to reflect on the teaching
of geometry in the early years of elementary school, from theoretical references, to instrumentalize teachers as mediators of the process of
construction of geometric knowledge. The research has a qualitative approach, with a bibliographic study based on books and articles on the
writings of the couple van Hiele (1957), which proposes five levels of understanding of geometric thinking, as well as five learning stages for the
advancement of students through these levels, and of Pais (1996), which highlights four Fundamental elements of geometry: object, concept,
design and mental image. This is associated with the skills and competences developed in students, from the study of geometry, and indicated in
the Common National Curriculum Base (2018). We highlight the role of the teacher in teaching geometry through practical and contextualized
activities, using concrete materials, games and technologies, in order to present a path for the development of skills and competences. In
this sense, teachers need to have knowledge of geometric content to select, build and systematize activities that provide meaningful learning,
considering the theories of van Hiele and Pais and the proposals of the Common National Curriculum Base.
Keywords: Geometry. Early Years. BNCC. Teaching; Learning.
1 Introdução para ensinar, pois, geralmente, esse conteúdo é deixado para
o final do ano letivo.
Este artigo é o trabalho de conclusão do curso de
Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é refletir sobre
Especialização em Educação e Saberes para os Anos Iniciais
do Ensino Fundamental, do Instituto Federal de Educação, o ensino de geometria nos anos iniciais do EF, a partir de
Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense, IFSul Câmpus referências teóricas, para a instrumentalização de professores
Lajeado. Aborda o ensino de geometria nos anos iniciais do como mediadores do processo de construção do conhecimento
Ensino Fundamental (EF), que vem sendo tema de pesquisas geométrico. Logo, a abordagem da pesquisa é qualitativa.
no campo da Educação Matemática, diante da problemática Nesse sentido, o procedimento técnico empregado é o
do abandono da construção do pensamento geométrico, como estudo bibliográfico que se utiliza de material já publicado,
apontado por Pavanello (2009). constituído basicamente de livros e artigos (Gil, 2017).
O que se observa, na maioria das escolas é que a Fundamenta-se na teoria dos van Hiele (1957 como citado
construção dos conhecimentos geométricos acaba sendo em Nasser & Sant’anna, 1998), que apresenta cinco níveis de
deixada de lado pelos professores, ou então, é realizada de compreensão do pensamento geométrico, com características
forma superficial e com atividades isoladas. De acordo com gerais e particulares, além de cinco fases de aprendizagem
Pavanello (2009), dentre os motivos para tal situação estão a para o avanço dos estudantes através desses níveis,
falta de conhecimento dos professores e/ou a falta de tempo complementada por Pais (1996), com os quatro elementos
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fundamentais da geometria: o objeto, o conceito, o desenho primitivas e empiricamente elaboradas.
e a imagem mental. Além disso, busca-se embasamento na
Nesse período, a construção da Matemática se deu por
teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (1963, 1968)
meio de elementos como a lógica, teoria dos conjuntos e
como citado em Moreira (2012).
estruturas algébricas, evidenciando um caráter puramente
A pesquisa ainda explora as orientações da Base
estruturalista. Uma ênfase no ensino da álgebra e abandono da
Nacional Comum Curricular (BNCC), quanto aos objetos
geometria, que passou a ser ensinada baseada na intuição, sem
de conhecimento (conteúdos, conceitos e processos) e
preocupação com uma sistematização.
habilidades (objetivos de aprendizagem) da unidade temática
Buscando a escolarização de grande parcela analfabeta de
geometria, que devem ser desenvolvidos nos anos iniciais
sua população, o Brasil experimentou diferentes estratégias,
do EF, de forma sistemática, ano a ano. Outros documentos
porém, com o reduzido número de escolas e professores,
legais e autores, que versam sobre a temática, também foram
comprometeu a preocupação dos governos com a qualidade
mobilizados neste artigo para a discussão de processos
desse ensino, gerando certa dualidade no mesmo. Enquanto
matemáticos de construção do conhecimento geométrico.
escolas de elite ensinavam de forma aprofundada, com
2 O Ensino de Geometria no Brasil ao Longo dos Anos professores especializados na área, escolas do povo ensinavam
o necessário para o cotidiano. Na área de Matemática, por
Conforme a BNCC (Brasil, 2018, p. 271), “a geometria
exemplo, dava-se ênfase para as quatro operações e a álgebra,
envolve o estudo de um amplo conjunto de conceitos e
tornando a geometria de difícil acesso às classes populares
procedimentos necessários para resolver problemas do mundo
(Pavanello, 2009).
físico e de diferentes áreas do conhecimento”, porém, nas
A partir da década de 1990, novamente, a geometria
escolas, observa-se o abandono do ensino de geometria nos passou a fazer parte dos conteúdos nos primeiros anos de
anos iniciais (Pavanello, 2009). escolarização. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
A partir da Revolução de 1934 são fixadas as bases da reforçam que “a geometria é rica em elementos que favorecem
política educacional no Brasil e, por diferentes motivos, o a percepção espacial e a visualização; constitui, portanto,
ensino de geometria foi modificado quanto à composição do conhecimentos relevantes, inclusive para outras disciplinas
currículo, aprofundamento e metodologias. A formação dos escolares” (Brasil, 1998, p. 37).
professores também sofreu mudanças, passando a existir a Os PCN tratam a geometria como “Espaço e Forma”
formação de professores para diversas disciplinas do ensino (Brasil, 1998), indicando um avanço no seu ensino, de acordo
secundário. Isso fez com que parte dos professores não tivesse com essa legislação brasileira. O documento dos PCN trata
acesso aos conteúdos de geometria durante sua escolarização, da importância de trabalhar a geometria de forma prática,
o que lhes trouxe dificuldades para trabalhá-los em sala de buscando compreender não apenas a fórmula, mas a ideia
aula. Segundo Pavanello (2009, p. 4), “no que se refere ao matemática e sua interferência no meio.
ensino de Matemática, observa-se a tentativa de estabelecer A importância dos conhecimentos geométricos na
a unidade entre vários ramos da Matemática, entregando o formação dos estudantes, no EF, é destacada pelos PCN.
ensino da disciplina a um só professor”. Segundo esse documento:
Ainda como exemplo dessas mudanças, a Lei nº 4024/61,
Os conceitos geométricos constituem parte importante
das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, indicava que do currículo de Matemática no ensino fundamental, porque,
nos primeiros anos da escolarização se deveria propiciar por meio deles, o aluno desenvolve um tipo especial de
o ensino de conhecimentos “úteis ao dia a dia”, sendo a pensamento que lhe permite compreender, descrever e
representar, de forma organizada, o mundo em que vive.
geometria, nesse período, iniciada apenas no 4º ano, com a
O trabalho com noções geométricas contribui para a
demonstração das teorias mais importantes, como a geometria aprendizagem de números e medidas, pois estimula a criança
plana dedutiva. A geometria desenvolvida em sala de aula na a observar, perceber semelhanças e diferenças, identificar
década de 1960, influenciada pelo Movimento da Matemática regularidades e vice-versa (Brasil, 1998, p. 56).
Moderna1 (MMM), aconteceu com o uso de livros didáticos, e Em dezembro de 2017, foi homologada a versão final
de acordo com Pavanello (2009, p. 8): da BNCC para o EF, dividindo a Matemática, em cada ano,
Quanto à geometria, opta-se, num primeiro momento, em cinco unidades temáticas: números, álgebra, geometria,
por acentuar nesses livros as noções de figura geométrica grandezas e medidas, probabilidade e estatística (Brasil,
e de intersecções de figuras como conjuntos de pontos
2018). No EF, a unidade temática geometria:
planos [...] trabalhá-la segundo uma abordagem “intuitiva”
que se concretiza, nos livros didáticos, pela utilização de Envolve o estudo de um amplo conjunto de conceitos
teoremas como postulados, mediante os quais se podem e procedimentos necessários para resolver problemas do
resolver problemas. Não existe qualquer preocupação com mundo físico e de diferentes áreas do conhecimento. Assim,
a construção de uma sistematização a partir das noções nessa unidade temática, estudar posição e deslocamentos no
1 O Movimento da Matemática Moderna foi um movimento internacional do ensino de matemática que surgiu na década de 1960 e se baseava na
formalidade e no rigor dos fundamentos do ensino e a aprendizagem de Matemática.
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espaço, formas e relações entre elementos de figuras planas precisa passar por todos os níveis inferiores, respeitando a
e espaciais pode desenvolver o pensamento geométrico ordem dos níveis (Nasser & Sant’anna, 1998).
dos alunos. Esse pensamento é necessário para investigar
propriedades, fazer conjecturas e produzir argumentos Os níveis da teoria dos van Hiele, baseados em Nasser e
geométricos convincentes. É importante, também, considerar Sant’anna (1998), são descritos no Quadro 1:
o aspecto funcional que deve estar presente no estudo da
Geometria: as transformações geométricas, sobretudo as Quadro 1 – Níveis da teoria dos van Hiele
simetrias. As ideias matemáticas fundamentais associadas a Nível 1 – Reconhecimento: os estudantes identificam as figuras
essa temática são, principalmente, construção, representação visualmente, apenas por sua aparência, dando nome às formas.
e interdependência (Brasil, 2018, p. 271). Reconhecem, descrevem, comparam e classificam os polígonos
por meio de suas formas, mas não identificam as propriedades
Para os anos iniciais do EF, a BNCC (Brasil, 2018) existentes, desenvolvem um vocabulário geométrico básico,
propõe a construção dos pontos de referência, localização e relacionado com objetos e formas do seu cotidiano.
deslocamento de objetos com a utilização de variados materiais, Nível 2 – Análise: os estudantes analisam as propriedades
das figuras através de comparação e aprendem a simbologia
o desenvolvimento de formas geométricas tridimensionais adequada para descrevê-las, mas não conseguem correlacionar
e bidimensionais e suas planificações. Identificação de figuras ou propriedades das mesmas. Descrevem um quadrado,
diferentes polígonos (figuras geométricas planas), estudo de por exemplo, utilizando todas as suas propriedades: 4 lados, 4
ângulos retos, lados iguais, lados opostos e paralelos. Logo,
simetrias por meio da manipulação e representação propondo
raciocinam por meio de uma análise informal, a partir da
o uso de softwares e outros recursos. observação e experiência.
Conforme Del Grande (1994), a Matemática desenvolvida Nível 3 – Ordenação ou Dedução Informal: os estudantes
na escola básica deve trabalhar variadas experiências visuais estabelecem uma ordenação lógica, fazendo relação entre as
propriedades e compreendem as correlações entre as figuras.
de percepção do pensamento geométrico a partir de atividades Nesse nível, não compreendem o significado de uma dedução
do cotidiano, elencando, assim, um conjunto de cinco ou pensam em demonstrações de diferentes maneiras.
habilidades para esta percepção, sendo elas: coordenação Nível 4 – Dedução: os estudantes iniciam o desenvolvimento
visual-motora; percepção de figuras em campos; constância de sequências mais longas de enunciados e passam a entender o
significado da dedução, o papel das hipóteses, teoremas e provas.
e percepção; percepção e posição no espaço; percepção de A realização de conjecturas e esforços iniciais é espontânea.
relações espaciais. Essas habilidades são fundamentais para Nesse nível, podem construir provas, não apenas memorizá-
a construção do pensamento geométrico, mas é preciso las. Demonstram as propriedades dos triângulos e quadriláteros
utilizando a congruência de triângulos, por exemplo.
relacionar essas vivências com os conceitos que permeiam
Nível 5 – Rigor: os estudantes possuem a capacidade de
essa área do conhecimento. compreender demonstrações formais. São capazes de entender
A partir da teoria dos van Hiele (1957 como citado em as hipóteses que levantam, mesmo na ausência de modelos
Nasser & Sant’anna, 1998), são propostas ações práticas concretos, assim, a geometria é vista no plano abstrato, sendo
considerado de alto grau de complexidade.
que auxiliam na identificação de competências e no Fonte: Adaptado de Nasser e Sant’anna (1998).
direcionamento, durante a aprendizagem do pensamento
geométrico, em diferentes níveis de compreensão. A intenção Considerando a teoria do van Hiele, este artigo está focado
é identificar estratégias diversificadas para o ensino, com nos níveis 1, 2 e 3, por estarem relacionados aos estudantes dos
atividades que atraem a atenção e despertem a motivação dos anos iniciais do EF. A partir dessa teoria, é possível apontar
estudantes. que os estudantes dos anos iniciais podem avançar nos níveis
de conhecimento geométrico, do simples reconhecimento
3 A Teoria dos Van Hiele
para o nível da análise, depois ao da ordenação lógica e para
O modelo dos van Hiele para desenvolvimento do isso, é preciso um planejamento orientado e estruturado por
pensamento geométrico foi criado pelo casal holandês Pierre parte do professor, com desenvolvimento de atividades em
van Hiele e Dina van Hiele-Geoldof. Teve origem nos anos sequência, a fim de atender as peculiaridades do pensamento
de 1957, com a conclusão de suas teses de doutorado, em geométrico deles.
que apresentavam um novo método de ensino baseado no Isso explica porque estudantes, mesmo com bom
desenvolvimento de pensamento geométrico. No Brasil, desempenho escolar, podem apresentar dificuldades em
sua principal divulgadora, a partir da década de 1990, foi a geometria, uma vez que as vivências adequadas são mais
professora Lilian Nasser, do Projeto Fundão da Universidade importantes no desenvolvimento dessa área, do que a idade
Federal do Rio de Janeiro. cronológica. Ao se referir à teoria, Nasser & Sant’anna (1998,
A teoria do casal apresenta cinco diferentes níveis, de p. 6) afirmam que:
forma hierárquica, para a compreensão do pensamento A teoria dos van Hiele estabelece cinco níveis
geométrico, com características gerais e particulares, além de hierárquicos, no sentido de que o aluno só atinge determinado
cinco fases de aprendizagem para o avanço dos estudantes, por nível de raciocínio após dominar os níveis anteriores. Esta
pode ser uma explicação para as dificuldades apresentadas
meio desses níveis. O modelo sugere que o estudante avance
pelos alunos, quando são engajados num curso sistemático de
gradualmente através de cinco níveis de compreensão, sendo geometria, sem a necessária vivência prévia de experiências
que para atingir determinado nível de raciocínio geométrico nos níveis anteriores.
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Dessa forma, fica evidente a importância de se trabalhar, ou seja, o conceito se estabelece na comparação entre o
desde o início da escolarização, os conceitos de geometria para mundo das ideias e o mundo físico. Segundo Pais (1996, p.
a construção de um conjunto de conhecimentos que envolvam 71), “é neste processo de conceitualização que o aluno lança
a linguagem, a observação, a análise e a comparação. mão de recursos que lhe são mais próximos e disponíveis,
Para que seja possível a construção dos conhecimentos entrando em cena as representações por objeto e desenhos e,
geométricos, sugere-se que o professor parta de elementos posteriormente, pelas imagens mentais”.
presentes no cotidiano dos estudantes, envolvendo-os nesse Considerando que é preciso partir de experiências, não se
processo, de forma prática e prazerosa, considerando seus pode esquecer-se de estabelecer as relações dialéticas entre
conhecimentos prévios, como também propõe a teoria dos
a teoria e a prática. Esse processo só é possível a partir da
van Hiele.
orientação pedagógica do professor, que possibilite uma
4 O Papel do Professor no Ensino de Geometria elaboração conceitual, por meio da materialidade. Nesse
sentido, para Pais (1996, p. 97), “[...] faz-se necessário salientar
É fundamental que os professores conheçam o nível
que esta manipulação não pode limitar-se a uma simples
de pensamento geométrico em que os estudantes estão.
atividade lúdica”. Dessa forma, reitera-se a importância do
Orientando-se pela teoria dos van Hiele é possível promover
essa observação e, assim, propor ações para o desenvolvimento planejamento com atividades dentro e fora da sala de aula.
da aprendizagem. Pais (1996) disserta sobre a importância A partir da teoria dos van Hiele, foram propostas
de desenvolver os conhecimentos geométricos, no início cinco fases de aprendizagem, para auxiliar o professor no
da escolarização, a partir de experiências concretas para o desenvolvimento da geometria em sala de aula. Essas fases,
desenvolvimento de raciocínio matemático voltado à área de acordo com Nasser & Sant’anna (1998), são fundamentais
de geometria. De acordo com Pais (1996, p. 66), são “[...] para o aprendizado em cada nível, pois esclarecem sobre a
quatro elementos fundamentais que intervêm fortemente no importância do uso de metodologias de ensino adequadas.
processo de ensino e aprendizagem da geometria euclidiana No Quadro 2, apresenta-se um resumo dessas cinco fases da
plana e espacial. Trata-se do objeto, do conceito, do desenho teoria dos van Hiele.
e da imagem mental”. Portanto, cabe ao professor considerar
Quadro 2 – Fases de aprendizagem da teoria dos van Hiele
esses elementos no seu planejamento, para que aconteça o
Fase 1 - Informação/Inquirição: O professor apresenta o
desenvolvimento do pensamento geométrico pelos estudantes. conteúdo que vai ser trabalhado, então estudantes e professor
Conforme Pais (1996), nos anos iniciais, o termo “objeto” dedicam sua atenção a conversas sobre os conhecimentos
recebe destaque, pois está ligado à manipulação dos materiais prévios sobre este tema. São feitas observações, levantadas
questões e é introduzido o vocabulário específico de cada
concretos, que são utilizados em sala de aula para inserir os
nível. Nessa fase, o professor realiza uma sondagem sobre os
estudantes no mundo da geometria. A partir desses materiais, conhecimentos anteriores dos estudantes sobre o assunto e esses
é possível estimulá-los para uma abstração primária dos percebem qual direção os estudos irão tomar a partir do mesmo.
“conceitos matemáticos” a serem desenvolvidos, devido à Fase 2 - Orientação Dirigida: Os estudantes exploram o objeto
de estudo através de materiais selecionados pelo professor, de
sensibilidade humana a tudo que é palpável, estando o “objeto”
preferência materiais concretos. Estas atividades devem revelar
relacionado ao primeiro nível da teoria dos van Hiele. gradativamente aos estudantes as estruturas características do
Durante as aulas, de acordo com Pais (1996), o uso de nível. As atividades, em sua maioria, são tarefas de uma só
“desenhos” presentes em livros e atividades em papel são etapa, que possibilitam respostas específicas e objetivas, mas
estão inseridas em uma sequência.
importantes, pois possibilitam a reflexão epistemológica
Fase 3 – Explicação: Com base em suas experiências anteriores,
e didática da aprendizagem geométrica, promovendo uma os estudantes devem ser capazes de expressarem suas ideias,
correlação entre o concreto e o abstrato. Para isso, o professor suas conjecturas por meio da linguagem oral e escrita. Eles
precisa ter objetivos claros no desenvolvimento de suas aulas, precisam estar seguros para poderem argumentar e se posicionar
diante da turma. A interferência do professor deve ser mínima,
com decodificação de informações geométricas, o que requer apenas auxiliando os estudantes a usar de linguagem apropriada,
conhecimento técnico e pedagógico do mesmo, a fim de deixando-os independentes na busca da formação do sistema de
extrair dos materiais concretos esses “conceitos geométricos”. relações em estudo.
Fase 4 - Orientação Livre: Os estudantes procuram soluções
A “imagem mental”, já está ligada a conceitos que
próprias para tarefas mais complicadas, que admitem
perpassam os anos iniciais do EF, devido à complexidade várias soluções. Desta forma, os estudantes desenvolvem a
de abstração para promover a sua relação, contando com investigação, propondo muitas relações entre os objetos de
habilidades mentais que possibilitam o desenvolvimento da estudo e seus conhecimentos, deste modo ampliam o raciocínio
matemático e a capacidade de propor relações.
geometria, sem o uso de recursos sólidos ou gráficos (Pais,
Fase 5 – Integração: O estudante retoma ou resume o que
1996). aprendeu, com o objetivo de formar uma visão geral do novo
Por sua vez, os “conceitos geométricos” devem estar sistema de objetos e relações. Como consequência, há uma
presentes em todas as atividades propostas, pois são unificação e internalização num novo domínio de pensamento.
Nessa fase, o papel do professor é de auxiliar no processo de
construídos, pouco a pouco, na relação entre o mundo físico e síntese, fornecendo experiências e observações.
a reflexão intelectual, que deve ser enfatizada pelo professor, Fonte: Adaptado de Nasser & Sant’anna, 1998.
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Pautado na teoria dos van Hiele e por meio de atividades Posteriormente, esses conhecimentos irão servir como base
adequadas, respeitando os níveis e as fases de aprendizagem, para novas aprendizagens, pois modificando e enriquecendo
é que o professor deveria planejar suas aulas, para auxiliar a estrutura cognitiva dos conhecimentos prévios, permite-se a
na construção do conhecimento geométrico pelos estudantes. atribuição de significados ao novo conhecimento.
Em cada nível do pensamento geométrico, o estudante Segundo Moreira (2012) existem duas condições
deveria passar pelas cinco fases de aprendizagem, por isso essenciais para construção de uma aprendizagem significativa:
é necessário que o professor descubra em quais níveis de a primeira é o uso de material potencialmente significativo
maturidade geométrica seus estudantes se encontram, para (material concreto e situações de aprendizagens relacionadas
assim, elaborar atividades que diminuam a distância entre os ao conceito abordado) e a segunda, a predisposição para
diferentes níveis, que podem ocorrer na mesma turma. aprender, onde, não necessariamente, o estudante precisa
As situações de aprendizagem propostas pelo professor gostar do conteúdo. Mas, para isso é preciso que o estudante
devem ser desenvolvidas com linguagem adequada, além de esteja disposto a promover relações:
garantir uma sequência que amplie, gradativamente, o nível de Por alguma razão, o sujeito que aprende deve se predispor
dificuldades, para que o estudante mobilize suas conjecturas a relacionar (diferenciando e integrando) interativamente
e possa encontrar a solução para as atividades que lhe são os novos conhecimentos a sua estrutura cognitiva prévia,
modificando-a, enriquecendo-a, elaborando-a e dando
propostas. significados a esses conhecimentos. Pode ser simplesmente
O professor deve iniciar por um nível mais baixo ou o porque ela ou ele sabe que sem compreensão não terá bons
mais próximo atingido pela turma, para que os estudantes resultados nas avaliações. Aliás, muito da aprendizagem
memorística sem significado (a chamada aprendizagem
possam acompanhar e desenvolver o pensamento geométrico, mecânica) que usualmente ocorre na escola resulta das
levando-os a estabelecer relações entre suas experiências avaliações e procedimentos de ensino que estimulam esse
ou conhecimentos prévios e o conhecimento trabalhado, tipo de aprendizagem (Moreira, 2012, p. 8).
direcionando-se para uma aprendizagem significativa. Para a construção de uma aprendizagem significativa
Segundo Moreira (2012, p.2): é preciso superar a aprendizagem mecânica, no entanto,
Aprendizagem significativa é aquela em que ideias esse processo não é natural ou automático. Mesmo que o
expressas simbolicamente interagem de maneira substantiva e estudante aprenda, inicialmente, de forma mecânica, a partir
não-arbitrária com aquilo que o aprendiz já sabe. Substantiva
quer dizer não-literal, não ao pé-da-letra, e não-arbitrária da explicação do professor e realize exercícios de acordo com
significa que a interação não é com qualquer ideia prévia, mas o conceito, não se pode garantir de que no final do processo, a
sim com algum conhecimento especificamente relevante já aprendizagem será significativa.
existente na estrutura cognitiva do sujeito que aprende.
No processo de construção de um conhecimento
Quando o professor parte de um nível menos elaborado significativo, o professor deve fazer uso de situações-problema
possibilita a construção de saberes com significado, pois e promover nos estudantes, a conexão com suas experiências
conforme Moreira (2012), o conhecimento significativo só prévias. Além disso, precisa estimular a disposição do
ocorre quando o estudante consegue relacionar um novo estudante para que esteja inserido no processo e utilizar
conhecimento com seus conhecimentos prévios, o que David um planejamento adequado com materiais potencialmente
Ausubel chamava de subsunçor ou ideia-âncora, caracterizado significativos. Assim, abre-se caminho para ensinar geometria
por uma construção não-arbitrária. De acordo com as novas de forma prática e contextualizada.
atividades ou interações, ancoradas nos conhecimentos já
5 Possibilidades para o Ensino de Geometria
existentes, o estudante produz estabilidade ou clareza na
aprendizagem, o que dará significado a ela. De acordo com a BNCC, a geometria é uma unidade
Acrescenta-se que o ensino de geometria, assim como o temática da área de Matemática que merece tanto destaque,
de outros conteúdos, não pode ser visto de forma isolada, sem quanto as demais. A geometria tem sido estudada de acordo
sistematização ou tempo reduzido, pois essa aprendizagem com a seguinte classificação: plana, espacial e analítica. Entre
acaba se tornando obsoleta e sem significado. Moreira (2012, p. os principais objetos de conhecimento de geometria que o
4) alerta para o risco de “se um dado conhecimento prévio não documento da base prevê, estão: a localização e movimentação
servir usualmente de apoio para a aprendizagem significativa de objetos e de pessoas no espaço, utilizando-se diversos
de novos conhecimentos ele não passará espontaneamente por pontos de referência e vocabulário apropriado mediado pelo
esse processo de elaboração, diferenciação, cognitiva.” professor; figuras geométricas espaciais e figuras geométricas
Quanto maior o número de atividades propostas pelo planas (Brasil, 2018).
professor e desenvolvidas, respeitando-se as fases de Para estudo desses objetos de conhecimento, é preciso
aprendizagem da geometria, conforme a teoria dos van proporcionar atividades de investigação, observação e
Hiele, em que cada momento é explorado, ao máximo, comparação aos estudantes, com acompanhamento do
através de sucessivas interações, pode-se proporcionar, professor. Propor a observação da sala de aula ou da escola,
progressivamente, a construção de novos conhecimentos. para localizar formas geométricas que eles já conhecem,
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mobilizando seus conhecimentos prévios, além de relacioná- Nível da teoria
Ano Habilidades
las com materiais concretos, promovendo, ainda, atividades dos van Hiele
para classificar e comparar, entre outras. É preciso desenvolver (EF05MA14) Utilizar e compreender
atividades que possam sistematizar os conteúdos estudados diferentes representações para a
localização de objetos no plano,
e para tanto, devem ser planejadas pelo professor, que deve como mapas, células em planilhas
ainda dominar os conhecimentos geométricos em função dos eletrônicas e coordenadas geográficas,
objetivos de aprendizagem estabelecidos. De acordo com a fim de desenvolver as primeiras
noções de coordenadas cartesianas. Nível 3:
Nasser & Sant’anna (1998, p. 52): 5º
(EF05MA15) Interpretar, descrever Análise
A medida que se conhecem as relações entre o tipo e representar a localização ou
de conhecimento e o tipo de habilidade necessária para movimentação de objetos no plano
a assimilação de cada um desses tipos de conhecimento, cartesiano (1º quadrante), utilizando
o professor passa a ter algumas ferramentas para a coordenadas cartesianas, indicando
compreensão dos processos que os alunos utilizam para a mudanças de direção e de sentido e
efetiva compreensão e resolução dos problemas apresentados giros.
ao longo do trabalho com a geometria. Fonte: Dados da pesquisa.
No Quadro 3 se apresenta uma associação entre habilidades Observa-se que a sistematização dessas habilidades
da BNCC e os níveis da teoria dos van Hiele, descritos no previstas para os anos iniciais do EF vai acompanhando,
Quadro 1, com relação ao objeto de conhecimento localização gradativamente, a evolução dos dois primeiros níveis da
e movimentação, nos anos iniciais do EF. teoria dos van Hiele: reconhecimento e análise. De acordo
Quadro 3 – Localização e movimentação X níveis da teoria dos
com a BNCC (Brasil, 2018), tais habilidades deveriam ser
van Hiele desenvolvidas desde o início da escolarização, utilizando-
Nível da teoria se do próprio corpo, e explorando a linguagem verbal e
Ano Habilidades
dos van Hiele não verbal e movimentos, como em frente, para trás, direta,
(EF01MA11)2 Descrever a localização esquerda, entre outros, a fim de desenvolver os níveis da
de pessoas e de objetos no espaço
em relação à sua própria posição,
teoria dos van Hiele. Também é preciso propor que as crianças
utilizando termos como à direita, à explorem sensorialmente o espaço em que vivem. A partir de
esquerda, em frente, atrás. questionamentos e problematizações, os estudantes não serão
(EF01MA12) Descrever a localização só estimulados a identificar, mas representar sua localização
Nível 1:
1º de pessoas e de objetos no espaço
Reconhecimento com os elementos que os rodeiam. Observando-se o percurso
segundo um dado ponto de referência,
compreendendo que, para a utilização em passeios, incluindo as placas de trânsito, fachadas de casas,
de termos que se referem à posição, prédios, igrejas, praças, entre outros, podem-se observar
como direita, esquerda, em cima, em
baixo, é necessário explicitar-se o linhas retas, curvas, paralelismos, proporção, regularidades,
referencial. padrões, entre outros elementos da geometria. Segundo Pires,
(EF02MA12) Identificar e registrar, Curi e Campos (2000, p.30):
em linguagem verbal ou não verbal,
a localização e os deslocamentos É multiplicando suas experiências sobre os objetos do
Nível 1: espaço em que vive que a criança vai aprender e, desse modo,
2º de pessoas e de objetos no espaço,
Reconhecimento construir uma rede de conhecimentos relativos à localização,
considerando mais de um ponto de
referência, e indicar as mudanças de à orientação, que vai permitir a ela penetrar no domínio da
direção e de sentido. representação dos objetos e, assim, se distanciar do espaço
sensorial ou físico.
(EF03MA12) Descrever e representar,
por meio de esboços de trajetos De acordo com Pais (1996), os registros gráficos e escritos
ou utilizando croquis e maquetes,
Nível 2: e, até mesmo, com fotos, são muito importantes para compor
3º a movimentação de pessoas ou de
Análise a imagem mental dos estudantes frente ao aprendizado da
objetos no espaço, incluindo mudanças
de direção e sentido, com base em localização e da locomoção, além das problematizações, para
diferentes pontos de referência.
que eles percebam aspectos, como: objetos mais distantes,
(EF04MA16) Descrever
deslocamentos e localização de pessoas desenhos menores, importância dos pontos de referência,
e de objetos no espaço, por meio de ideias de escala, linhas horizontais, verticais, entre outros.
malhas quadriculadas e representações Aqueles que desenvolvem atividades com mapeamento no seu
Nível 2:
4º como desenhos, mapas, planta baixa
Análise cotidiano, conseguem estabelecer relações entre a linguagem
e croquis, empregando termos como
direita e esquerda, mudanças de direção simbólica presente nos mapas e compreendem melhor
e sentido, intersecção, transversais, pequenas escalas, sendo ponto de partida para a cartografia.
paralelas e perpendiculares.
As ferramentas tecnológicas também são importantes
2 Cada habilidade é identificada com um código alfanumérico, cuja composição é a seguinte: o primeiro par de letras indica a etapa Ensino Fundamental,
o primeiro par de números indica o ano (1º ano), o segundo par de letras indica o componente curricular (Matemática) e o último par de números indica
a posição da habilidade na numeração sequencial do ano (habilidade 11).
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aliadas em sala de aula. Por meio do aplicativo Google Maps, Nível da teoria
Ano Habilidades
por exemplo, é possível, de forma gratuita, localizar ruas, dos van Hiele
prédios, cidades ou países, com imagens de cima para baixo, (EF05MA16) Associar figuras
espaciais a suas planificações
movimentar para aplicar zoom ou distanciar. Esses mapas Nível 3:
5º (prismas, pirâmides, cilindros e
Ordenação
também possuem legendas com as localizações, então, o cones) e analisar, nomear e comparar
estudante pode encontrar sua escola, casa ou qualquer outro seus atributos.
Fonte: Dados da pesquisa.
lugar, endereço ou evento do seu interesse.
Outro recurso tecnológico é o GeoGebra, um aplicativo Identifica-se que as habilidades do objeto de conhecimento
de matemática dinâmica que combina conceitos de geometria figuras geométricas espaciais se relacionam aos três primeiros
e álgebra, ou seja, de geometria analítica. Permite realizar
níveis da teoria dos van Hiele: reconhecimento, análise
construções geométricas com a utilização de pontos, retas,
e ordenação, conforme apresentado no Quadro 4. Nesse
segmentos de reta e polígonos; assim como permite inserir
contexto, aponta-se a necessidade de atividades com o uso
funções e alterar todos esses objetos dinamicamente, após
de materiais concretos, para, então, alcançar os avanços nos
a construção estar finalizada. Tem a vantagem didática de
representar, ao mesmo tempo e em um único ambiente visual, níveis da teoria dos van Hiele. Ressalta-se que esses materiais
as características geométricas e algébricas de um objeto. precisam estar atrelados ao planejamento do professor, que
O estudo das figuras geométricas espaciais pode partir de deve possuir intencionalidades claras. O planejamento precisa
atividades com materiais concretos e familiares ao mundo levar em conta atividades que estejam em consonância com os
físico, pois a manipulação permite que o estudante formule níveis do pensamento geométrico e as fases de aprendizagem
hipóteses, inferências, observe regularidades, ou seja, da turma em questão, segundo a teoria dos van Hiele, a fim de
participe e atue em um processo de investigação que o auxilia não gerar lacunas na aprendizagem.
a desenvolver noções significativas. O uso de sólidos geométricos e de embalagens variadas,
No Quadro 4 se apresentam as habilidades relacionadas como latas e caixas, permitem estabelecer relações entre as
às figuras geométricas espaciais, de acordo com a BNCC, figuras geométricas espaciais e planas. Com esses materiais
observando-se sua evolução ao longo dos anos iniciais e
é possível desenvolver planificações, a construção de formas
relação com os níveis da teoria dos van Hiele, descritos no
com o aproveitamento dos triângulos, quadrados, retângulos e
Quadro 1.
outros polígonos, regulares ou não, presentes nas embalagens,
Quadro 4 – Figuras geométricas espaciais X níveis da teoria dos que possibilitam a construção de casas, robôs, objetos de arte
van Hiele
e outros. As embalagens também possibilitam a planificação
Nível da teoria
Ano Habilidades em perspectiva, que pode ser realizada a partir de indagações
dos van Hiele
(EF01MA13) Relacionar figuras e levantamento de hipóteses, a fim de provocar a investigação,
geométricas espaciais (cones,
Nível 1: tentativa e erro dos estudantes.
1º cilindros, esferas e blocos
Reconhecimento Em relação às figuras geométricas planas, a BNCC propõe
retangulares) a objetos familiares do
mundo físico. o desenvolvimento das habilidades descritas no Quadro 5,
(EF02MA14) Reconhecer, nomear
e comparar figuras geométricas fazendo-se, também, sua relação com os níveis da teoria dos
espaciais (cubo, bloco retangular, Nível 1: van Hiele, descritos no Quadro 1, em cada ano inicial do EF.
2º
pirâmide, cone, cilindro e esfera), Reconhecimento.
relacionando-as com objetos do Quadro 5 – Figuras geométricas planas X níveis da teoria dos
mundo físico.
van Hiele
(EF03MA13) Associar figuras
geométricas espaciais (cubo, bloco Nível da teoria
Ano Habilidades
retangular, pirâmide, cone, cilindro dos van Hiele
e esfera) a objetos do mundo físico e (EF01MA14) Identificar e nomear
nomear essas figuras. figuras planas (círculo, quadrado,
Nível 2:
3º (EF03MA14) Descrever retângulo e triângulo) em desenhos Nível 1:
Análise 1º
características de algumas figuras apresentados em diferentes Reconhecimento.
geométricas espaciais (prismas disposições ou em contornos de faces
retos, pirâmides, cilindros, de sólidos geométricos.
cones), relacionando-as com suas (EF02MA15) Reconhecer, comparar
planificações. e nomear figuras planas (círculo,
(EF04MA17) Associar prismas e quadrado, retângulo e triângulo),
Nível 1:
pirâmides a suas planificações e 2º por meio de características comuns,
Nível 2: Reconhecimento.
4º analisar, nomear e comparar seus em desenhos apresentados em
Ordenação
atributos, estabelecendo relações entre diferentes disposições ou em sólidos
as representações planas e espaciais. geométricos.
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(EF03MA15) Classificar e comparar O mosaico4 é outro exemplo de material para trabalhar a
figuras planas (triângulo, quadrado, geometria plana. Pode ser construído com materiais variados,
retângulo, trapézio e paralelogramo) como pedras, madeira ou papel, sendo possível reproduzir
em relação a seus lados (quantidade,
posições relativas e comprimento) e sequências envolvendo forma e cor, propor atividades de
Nível 2:
3º vértices. continuidade ou construção de sequências pelos estudantes.
Análise.
(EF03MA16) Reconhecer figuras Essas atividades podem incluir desafios e quebra-cabeças, e se
congruentes, usando sobreposição e
desenhos em malhas quadriculadas apresentar com peças em formas variadas, como quadrados,
ou triangulares, incluindo o uso de triângulos e hexágonos. Durante a manipulação desse
tecnologias digitais. material, o professor pode chamar a atenção para os vértices,
(EF04MA18) Reconhecer ângulos assim como sobrepor as peças e comparar o número de lados
retos e não retos em figuras poligonais
com o uso de dobraduras, esquadros ou vértices, identificar figuras congruentes, para construir a
ou softwares de geometria. compreensão dos atributos das formas.
(EF04MA19) Reconhecer simetria Nível 2: As mandalas também podem ser observadas e, até
4º
de reflexão em figuras e em pares de Análise.
figuras geométricas planas e utilizá-la mesmo, construídas pelos estudantes, lembrando de observar
na construção de figuras congruentes, a regularidade em relação ao centro, o que representa uma
com o uso de malhas quadriculadas e simetria radial. Ainda sobre as mandalas, Gonçalves (2012,
de softwares de geometria.
p.79) acrescenta:
(EF05MA17) Reconhecer, nomear
e comparar polígonos, considerando Com forte apelo estético, as cores e o equilíbrio das
lados, vértices e ângulos, e desenhá- formas tornam esse material muito atrativo e instigante para
los, utilizando material de desenho ou os alunos. Assim que as peças são apresentadas, é muito
tecnologias digitais. comum que, pela manipulação livre, os alunos percebam
(EF05MA18) Reconhecer a Nível 3: algumas relações entre elas e busquem compor figuras, quase
5º sempre buscando algum padrão estético de repetição de
congruência dos ângulos e a Ordenação.
proporcionalidade entre os lados formas e cores.
correspondentes de figuras poligonais
em situações de ampliação e de Outra possibilidade é o uso do tangram3. Esse jogo é
redução em malhas quadriculadas e um recurso lúdico, para introdução da noção de superfície,
usando tecnologias digitais. possibilita a análise de distintas figuras geométricas quanto
Fonte: Dados da pesquisa.
a suas propriedades, pode ser utilizado para compor imagens
As habilidades do objeto de conhecimento figuras e representações a partir de movimentações das peças. O
geométricas planas, também se relacionam, gradativamente, tangram também pode ser utilizado de forma interdisciplinar,
aos três primeiros níveis da teoria dos van Hiele: para contar histórias, representar animais, obras de arte e
reconhecimento, análise e ordenação. Para que essas outros. Essas peças possibilitam a construção de cerca de 1700
habilidades sejam desenvolvidas, é preciso propor ações figuras de forma criativa, desenvolvendo a percepção espacial.
de manipulação, permeadas pela comunicação e por meio “Pela composição e decomposição das figuras, os alunos
de situações-problema, pois a ação de experimentar estará passam a conhecer propriedades das figuras relacionadas a
presente em todo o processo, como pilar para a construção do lados e ângulos” (Gonçalves, 2012, p.114).
conhecimento geométrico. Ainda em relação a jogos envolvendo figuras planas, os
Entre os materiais manipuláveis, destacam-se os “Cadernos do Mathema – Jogos Matemáticos de 1º ao 5º ano”
geoplanos3. Segundo Gonçalves (2012), no geoplano é (Smole, Diniz & Cândido, 2007), sugerem os jogos: “Hex”,
possível desenhar figuras, reproduzir formas, propor desafios, que explora reconhecimento visual, nomeação de formas onde
identificar lados e vértices com facilidades, completar figuras os estudantes precisam localizar as peças semelhantes; “Bingo
(simetria), reproduzir em escala (menor, maior) e variar posição das formas”, em que a cartela é composta pela imagem das
com o uso de elásticos de forma rápida e divertida. O registro formas geométricas planas e os dados possuem a descrição
posterior das atividades pode ser feito, com desenho e na folha das mesmas, e assim, a partir dos atributos, os estudantes
quadriculada. O livro “Desenvolvimento de competências devem localizá-las em suas cartelas; “Cartas e propriedades”,
matemáticas com recursos lúdico-manipulativos: para no qual o estudante relaciona as cartas das imagens das figuras
crianças de 6 a 12 anos”, de Pastells (2009), propõe, no seu geométricas com as cartas que possuem as suas características.
capítulo três, atividades envolvendo o uso de geoplanos com Com relação à importância dos jogos durante as aulas de
um aumento gradual no nível de dificuldades, estimulando Matemática, Smole et al. (2007, p. 11) reforçam que:
assim a aprendizagem, como propõe o casal van Hiele. O trabalho com jogos nas aulas de matemática, quando
3 O geoplano é uma base de madeira, com pinos sobre os vértices de cada quadrado de uma malha quadriculada.
4 O mosaico é um conjunto de figuras planas coloridas, que possuem relação umas com as outras, que preenchem uma superfície.
5 O tangram é um jogo de origem chinesa, que se caracteriza por apresentar sete peças básicas, que permitem compor um quadrado. Existem variações,
mas o mais comum é o tangram chinês.
JIEEM v.13, n.3, p. 246-254, 2020. 253
bem planejado e orientado, auxilia o desenvolvimento adequado e sistematizado, propondo relações entre
de habilidades como observação, análise, levantamento conceitos geométricos e o mundo físico, que proporcionem a
de hipóteses, busca de suposições, reflexão, tomada de
decisão, argumentação e organização, que são estreitamente aprendizagem significativa.
relacionadas ao raciocínio lógico. Destaca-se a importância de ensinar geometria por meio de
atividades práticas, com o uso de materiais concretos, jogos e
Também é preciso referenciar que a Arte é um exemplo
tecnologias, a fim de apresentar um caminho para a construção
de trabalho interdisciplinar com a geometria, pois está
do conhecimento geométrico. Sugerem-se atividades com uso
presente na pintura, escultura, cerâmica, arquitetura, entre
de geoplanos, mosaicos, tangram, maquetes, embalagens,
outras práticas sociais. O caderno “Geometria”, do Pacto
sólidos geométricos e softwares de geometria dinâmica, como
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Brasil, 2014)
o GeoGebra.
apresenta os atributos que a Arte mobiliza junto à geometria,
Por fim, com essas possíveis conexões teóricas e práticas,
pois enfatiza a presença da simetria, harmonia, regularidade,
espera-se contribuir para uma mudança de postura dos
além do uso de elementos geométricos como a perspectiva,
professores com relação ao ensino de geometria e para redução
perpendicularidade, profundidade, entre outros. “Nas obras
das lacunas na aprendizagem de conhecimentos geométricos
de Oscar Niemeyer, por exemplo, podemos observar simetria,
nos anos iniciais do EF.
as formas geométricas, curvas, retas, retas paralelas e
perpendiculares, entre outros aspectos” (Brasil, 2014, p. 30). Referências
Podem-se citar vários pintores que usaram da harmonia
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica.
de formas e cores para compor suas obras, como Alfredo
(2014). Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa:
Volpi (1896-1988), pintor ítalo-brasileiro, Tarsila do Amaral Caderno 5 – Geometria. Brasília: MEC/SEB.
(1886-1973), pintora e desenhista brasileira, Robert Delaunay
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica.
(1885-1941), pintor francês, e Maurits Cornelis Escher (1898- (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/
1972), artista gráfico holandês. Também não se pode deixar SEB.
de apontar aspectos geométricos que podem ser observados Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
nas comunidades rurais, indígenas e quilombolas, em que Fundamental. (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais:
a geometria está presente, em suas práticas sociais, como Matemática. Brasília: MEC/SEF.
pinturas no corpo, cestarias e artesanato. Del Grande, J. J. (1994). Percepção espacial e geometria primária.
In Lindquist, M. M., & Shulte, A. P. (Orgs.). Aprendendo e
6 Considerações Finais Pensando Geometria (H. H. Domingues, Trad.). São Paulo:
Atual.
Ao finalizar este artigo, aponta-se a necessidade de
Gil, A. C. (2017). Como elaborar projetos de pesquisa. São
o professor conhecer referências teóricas e práticas para Paulo: Atlas.
promover a construção de conhecimentos geométricos
Gonçalves, F. A. (2012). Materiais manipulativos para o ensino
com os estudantes dos anos iniciais do EF. Convém que de figuras planas. São Paulo: Mathema.
os professores apropriem-se da teoria do casal van Hiele,
Moreira, M. A. (2012). O que é afinal aprendizagem significativa?
que propõe cinco níveis hierárquicos de compreensão do Qurriculum, (25), 1-27.
pensamento geométrico (reconhecimento, análise, ordenação
Nasser, L., & Sant’anna, N. P. (1998). Geometria segundo a
ou dedução informal, dedução e rigor), além de cinco fases teoria de van Hiele. Rio de Janeiro: Projeto Fundão, Instituto
de aprendizagem (informação/inquirição, orientação dirigida, de Matemática – UFRJ.
explicação, orientação livre e integração) para o avanço dos Pais, L. C. (1996). Intuição, Experiência e Teoria Geométrica.
estudantes por meio desses níveis. Também deveria conhecer Zetetiké, v. 4 (6), 65-74.
como se articulam os quatro elementos fundamentais da Pastells, A. A. (2009). Desenvolvimento de competências
geometria, segundo Pais (1996): o objeto, o conceito, o matemáticas com recursos lúdico-manipulativos: para
desenho e a imagem mental. crianças de 6 a 12 anos. Curitiba, PR: Base Editorial.
Os professores deveriam associar esse conhecimento Pavanello, R. M. (2009). O abandono do ensino da geometria no
teórico com as propostas da BNCC, que para a unidade Brasil: causas e consequências. Zetetiké, 1 (1), 7-18.
temática geometria, indica um conjunto de objetos de Pires, C. M. C., Curi, E., & Campos, T. M. M. (2000). Espaço e
conhecimento e de habilidades para serem trabalhados de Forma: A construção de noções geométricas pelas crianças
das quatro séries iniciais do Ensino Fundamental. São Paulo:
forma prática e contextualizada com os estudantes, a fim PROEM.
de desenvolverem competências específicas da área de
Prodanov, C. C., & Freitas, E. C. (2013). Metodologia do trabalho
Matemática e competências gerais. científico: Métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho
Também é preciso que os professores tenham conhecimento acadêmico. Novo Hamburgo: FEEVALE.
do conteúdo geométrico para selecionar, construir e Smole, K. S., Diniz, M. I., & Cândido, P. (2007). Jogos de
sistematizar atividades, enfim, fazer um planejamento matemática de 1º a 5º ano. Porto Alegre: Artmed.
JIEEM v.13, n.3, p. 246-254, 2020. 254